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Texto 1: 10 lições da Finlândia para a educação brasileira Educação faz parte da nossa cultura”, explica a diretora do Ministério da Educação e Cultura da Finlândia, Jaana Palojärvi. A diretora chega ao Brasil como representante de um dos sistemas educacionais mais reconhecidos do mundo, com alunos se destacando nas primeiras posições da principal avaliação internacional de estudantes, o Pisa. Jaana veio ao Brasil com um discurso otimista: segundo ela, é possível revolucionar o ensino de um país em algumas décadas. Afinal, é isto que a Finlândia fez e continua fazendo desde 1970. Há quarenta anos, o país reviu suas prioridades e revolucionou o sistema que, hoje, é exemplo mundial apontado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE ) e pela ONU, com o Índice de Educação Global, no qual a Finlândia integra o primeiro lugar. No Seminário Internacional sobre o Sistema de Educação do país, que aconteceu nesta quinta-feira em São Paulo, a diretora do “MEC finlandês” reiterou a receita do sucesso educacional, conhecido pela liberdade e flexibilidade que concede a alunos e professores. As lições de lá não necessariamente podem ser replicadas por aqui, por diferenças que vão de escala à cultura. Muitas questões, como as horas em salas de aulas ou o poder dado aos professores, dividem especialistas brasileiros. Mas nenhum educador ou agente público pode se dar ao luxo de ignorar o que um sistema de excelência faz. Confira abaixo 10 visões da Finlândia de como se deve fazer educação pública: 1. A educação tem de ser igual e gratuita a todos Jaana Palojärvi é veemente ao afirmar que as escolas na Finlândia oferecem a todos ensino de qualidade e gratuito. Por lá, apenas 2% das instituições de ensino são particulares, e mesmo estas são subsidiadas pelo governo. Além disso, a diretora defende que o padrão de ensino é o mesmo em todas as escolas finlandesas e, por isso, as crianças passam a frequentar a escola do bairro, que está mais próxima de onde elas vivem. Um princípio de igualdade que equaliza oportunidades. 2. “Mantenha as coisas simples” Quando perguntada qual o principal conselho que ela teria para os educadores brasileiros, Jaana hes itou, mas definiu: “foco nos níveis mais locais”. Na Finlândia, a educação fica ao encargo do município e, mais do que isso, do professor. É ele, após muito treinamento, que decide como passar o conteúdo. Cada escola é livre para criar seu próprio material de ensino. Para Jaana, isso faz toda a diferença, já que motiva os professores e incentiva novos modos de ensino, que acomodem as necessidades de cada criança. “Tem de prestar atenção na realidade da sala de aula. É lá que a mudança acontece”, disse.

10 lições da finlândia para a educação brasileira

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Page 1: 10 lições da finlândia para a educação brasileira

Texto 1: 10 lições da Finlândia para a educação brasileira

“Educação faz parte da nossa cultura”, explica a diretora do Ministério da Educação e

Cultura da Finlândia, Jaana Palojärvi. A diretora chega ao Brasil como representante de um

dos sistemas educacionais mais reconhecidos do mundo, com alunos se destacando nas

primeiras posições da principal avaliação internacional de estudantes, o Pisa.

Jaana veio ao Brasil com um discurso otimista: segundo ela, é possível revolucionar o

ensino de um país em algumas décadas. Afinal, é isto que a Finlândia fez e continua fazendo

desde 1970.

Há quarenta anos, o país reviu suas prioridades e revolucionou o sistema que, hoje, é

exemplo mundial apontado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento

Econômico (OCDE ) e pela ONU, com o Índice de Educação Global, no qual

a Finlândia integra o primeiro lugar.

No Seminário Internacional sobre o Sistema de Educação do país, que aconteceu nesta

quinta-feira em São Paulo, a diretora do “MEC finlandês” reiterou a receita do sucesso

educacional, conhecido pela liberdade e flexibilidade que concede a alunos e professores.

As lições de lá não necessariamente podem ser replicadas por aqui, por diferenças que vão de

escala à cultura. Muitas questões, como as horas em salas de aulas ou o poder dado aos

professores, dividem especialistas brasileiros. Mas nenhum educador ou agente público pode

se dar ao luxo de ignorar o que um sistema de excelência faz.

Confira abaixo 10 visões da Finlândia de como se deve fazer educação pública:

1. A educação tem de ser igual e gratuita a todos

Jaana Palojärvi é veemente ao afirmar que as escolas na Finlândia oferecem a todos ensino

de qualidade e gratuito. Por lá, apenas 2% das instituições de ensino são particulares, e

mesmo estas são subsidiadas pelo governo. Além disso, a diretora defende que o padrão de

ensino é o mesmo em todas as escolas finlandesas e, por isso, as crianças passam a

frequentar a escola do bairro, que está mais próxima de onde elas vivem. Um princípio de

igualdade que equaliza oportunidades.

2. “Mantenha as coisas simples”

Quando perguntada qual o principal conselho que ela teria para os educadores brasileiros,

Jaana hesitou, mas definiu: “foco nos níveis mais locais”.

Na Finlândia, a educação fica ao encargo do município e, mais do que isso, do professor. É

ele, após muito treinamento, que decide como passar o conteúdo. Cada escola é livre para

criar seu próprio material de ensino. Para Jaana, isso faz toda a diferença, já que motiva os

professores e incentiva novos modos de ensino, que acomodem as necessidades de cada

criança.

“Tem de prestar atenção na realidade da sala de aula. É lá que a mudança acontece”, disse.

Page 2: 10 lições da finlândia para a educação brasileira

3. Valorização do professor

“O professor é a primeira pessoa na vida do aluno”, explica a diretora. Em seu país, eles

podem não ter os maiores salários (ganham uma remuneração média em relação a outros

setores), mas a carreira de professor é uma das mais populares. E por quê?

O professor na Finlândia é bem preparado. Ele precisa ser graduado e ter um mestrado. Passa

ainda por treinamento específico para dar aulas e tem plano de carreira. Nesse contexto, faz

sentido que ele tenha a palavra final dentro da sala de aula. Para o governo finlandês, isso faz

toda a diferença, já que estimula o professor a inovar e torna a profissão mais inspiradora.

A diretora ressaltou, no entanto, a importância da educação obtida pelo próprio professor

para que ele se torne autoridade máxima. "Nós demos o preparo e, agora, temos de confiar

neles", explica. Esse quadro de preparo, oferta de oportunidade e consequente confiança nem

sempre se repete no Brasil.

“Não é o dinheiro, eles não fazem pelo dinheiro”, explica Jaana. Na Finlândia, não existe

bônus financeiro para professores com melhor desempenho. Aliás, tal estímulo financeiro,

para eles, é inconcebível.

4. A quantidade de dinheiro não importa

Enquanto no Brasil há projetos propondo o aumento da verba do PIB destinada a gastos com

ensino, na Finlândia o movimento foi contrário. Por lá, apenas 6% do PIB é dedicado à

educação. E mesmo assim eles lideram as avaliações internacionais junto com a Coreia do

Sul.

Jaana afirma que a questão não é a quantidade de dinheiro separada para alguma coisa, mas

como você organiza o dinheiro que usa. Lá, há menos burocracia para se alterar a maneira

como se gasta o dinheiro investido. Em poucos anos a máquina administrativa foi alterada

para que o investimento, embora não o maior do planeta estivesse entre os melhores em

destinação.

5. A quantidade de horas de estudo não importa

A Finlândia não tem escolas de período integral – e os alunos não têm muita lição de casa.

Segundo Jaana, “a qualidade do ensino existe na sala de aula, e isso se alcança com bons

professores”. O sistema básico e obrigatório de educação também segue essa linha de

raciocínio e só começa com a criança aos sete anos: “nós acreditamos que nossas crianças

têm de ser crianças. Elas não têm de aprender a ler ou escrever antes dessa idade”, explica a

diretora.

No Brasil, o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, lançado pelo governo federal

no ano passado, foi criticado por prever que as crianças estejam aptas a ler e efetuar

operações matemáticas básicas já com oito anos.

6. Atenção aos alunos que podem apresentar mais dificuldades

Page 3: 10 lições da finlândia para a educação brasileira

Na Finlândia, o foco não está no aluno que vai melhor. Pelo contrário, os professores tentam

identificar aqueles que podem ter problemas, para conseguir mantê-los no sistema.

7. Valorização das diferentes formas de aprendizagem

Existem crianças mais visuais, outras aprendem melhor com música, outras se podem usar

das mãos para compreender um novo conceito. Na Finlândia, os modelos pedagógicos

sustentam diferentes estilos de ensino, segundo a diretora. O foco não é tanto em conteúdo,

mas em análise e apoio de diferente métodos.

8. Menos tecnologia, mais ensino

Ao contrário do que se pode imaginar, tecnologia não é supervalorizada na Finlândia.

Segundo Jaana, os professores até usam novos recursos tecnológicos, mas eles não são tão

importantes. “São só ferramentas, não são o conteúdo, que é a chave de tudo”, explica.

9. Nada de testes

Esqueça Enem, vestibular, Enade... Na Finlândia não há provas nacionais e cada professor

está livre para avaliar seus alunos como bem entender. “Nós não acreditamos muito em

testes, estamos mais interessados em aprender”, explica a diretora. Com professores menos

empenhados em provas, eles passam seu tempo individualizando métodos de ensino ou

criando novos.

10. Valorização das artes

Enquanto por aqui a preocupação maior é trazer mais meninas para as áreas das Exatas, lá é

exatamente o contrário. As escolas finlandesas já têm aulas de artes e música no currículo

básico, e a carga horária delas deve aumentar ainda mais, tentando atrair também a atenção

dos meninos mais matemáticos das salas. "A cada dez anos, muda tudo em Física. Muda

tudo em Química. Por isso o conteúdo não é tão importante, mas ter jovens criativos e

comunicativos é essencial", opina Jaana.

Fonte: Revista Exame

Texto 2: Oito coisas que aprendi com a educação na Finlândia

Os docentes brasileiros foram selecionados pelo programa Professores para o Futuro, do

CNPQ (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Ministério da

Educação), para passar cinco meses estudando a educação finlandesa.

A BBC Brasil conversou com quatro desses professores, para conhecer o que viram na

Finlândia e saber se lições trazidas de lá podem facilitar seu trabalho em sala de aula e

melhorar o aprendizado nas instituições públicas de ensino onde atuam.

Apesar das diferenças com o sistema brasileiro, os professores disseram ver como "pequenas

revoluções" o que podem agregar do ensino finlandês em suas rotinas.

Page 4: 10 lições da finlândia para a educação brasileira

"Vou começar com um trabalho de formiguinha, mostrando aos meus colegas o que aprendi,

gravando minhas aulas e adaptando (as metodologias) à nossa realidade e aos nossos

estudantes", diz a professora Giani Barwald Bohm, do Instituto Federal Sul-rio-grandense.

Os 25 institutos federais que enviaram professores ao país nórdico reúnem cursos de ensino

médio, profissional e superior com ênfase em ciência e tecnologia.

Veja o que os professores aprenderam na Finlândia:

1. Usar mais projetos nas aulas

Os professores entrevistados pela BBC Brasil dizem que projetos elaborados por alunos e a

resolução de problemas estão ganhando protagonismo no ensino finlandês, em detrimento da

aula tradicional.

São as metodologias chamadas de "problem-based learning" e "project-based learning"

(ensino baseado em problemas ou projetos). Neles, problemas – fictícios ou reais da

comunidade – são o ponto de partida do aprendizado. Os alunos aprendem na prática e

buscam eles mesmos as soluções.

"Os projetos são desenvolvidos sem o envolvimento tão direto do professor, em que os

alunos aprendem não só o conteúdo, mas a gerir um plano e lidar com erros", diz Bruno

Garcês, professor de Química do Instituto Federal do Mato Grosso, que pretende aplicar o

método em aulas de experimentos práticos.

2. Foco na produção de conteúdo pelos alunos

A resolução de problemas e projetos é parte de um ensino mais centrado na produção do

próprio aluno. Ao professor cabe mediar a interação na sala de aula e saber quais metas têm

de ser alcançadas em cada projeto.

"Nós (no Brasil) somos mais centrados em o professor preparar a aula, dar e corrigir

exercícios. O aluno faz pouco. Podemos dar mais espaço para o aluno avaliar o que ele vai

desenvolvendo", diz a professora Giani Barwald Bohm, do Instituto Federal Sul-rio-

grandense.

"No modelo tradicional de ensino, quem mais aprende é o professor. Lá (na Finlândia) é o

aluno quem tem de buscar conteúdo, e o professor tem que saber qual o objetivo da aula.

Para isso você não precisa de muita tecnologia, mas sim de capacitação (dos docentes)",

agrega Joelma Kremer.

3. Repensar o papel da avaliação

Nesse contexto, a avaliação tem utilidade diferente, diz Kremer: "A avaliação está presente,

mas os alunos se autoavaliam, avaliam uns aos outros, e o professor avalia os resultados dos

projetos".

"Ao reduzir o número de testes (formais) e avaliar mais trabalhos em grupo e atividades

diferentes, os professores têm um filme do desempenho do aluno, e não apenas a foto (do

momento da prova)", diz Fechine.

Page 5: 10 lições da finlândia para a educação brasileira

"Conhecemos um professor de física finlandês que avaliava seus alunos pelos vídeos que

eles gravavam dos experimentos feitos em casa e mandavam por e-mail ou Dropbox."

4. Usar tecnologia e até a mobília para ajudar o professor

A tecnologia não é parte central desse processo, mas auxilia o trabalho do professor em

estimular a participação dos alunos finlandeses.

"Em vez de proibir o celular, os professores os usam em sala de aula para estimular a

participação dos alunos – por exemplo, respondendo (via aplicativos especiais) enquetes que

tivessem a ver com as aulas", conta Kremer.

5. Desenvolvimento de habilidades do século 21

A professora Giani Barwald Bohm conta que o ensino fundamental finlandês continua

dividido em disciplinas tradicionais, mas focado cada vez mais no desenvolvimento de

habilidades dos alunos, e não apenas na assimilação de conteúdo tradicional.

"(São desenvolvidas) competências do século 21, como comunicação, pensamento crítico e

empreendedorismo", diz ela.

Para Fechine, estimular a independência do estudante é uma forma de romper o ciclo de

"alunos passivos, que só fazem a tarefa se o professor cobrar, interagem muito pouco".

"Isso torna a aula mais interessante para eles. E é complicado para a gente ficar dizendo,

'desliga o celular', algo que já começa estabelecendo uma relação de antipatia com o aluno."

Os professores brasileiros também conheceram algumas salas de aula com mobília

especialmente projetada, diferente do modelo tradicional de cadeiras individuais voltadas à

lousa.

"Muitas salas têm sofás, poltronas, mesas ajustáveis para trabalhos individuais ou em grupo e

vários projetores", agrega Kremer. "É um mobiliário pensado para essa metodologia

diferente de ensino."

Fechine vai reproduzir parcialmente a ideia no Instituto Federal da Paraíba, trocando as

carteiras de braço por mesas que possam ser agrupadas para trabalhos.

6. Intervalos mais frequentes entre as aulas

A Finlândia adota aulas de 45 minutos seguidas de 15 minutos de intervalo na educação

básica – prática que Bruno Garcês acha que poderia ser disseminada por aqui. "Tira a tensão

de ficar tantas horas sentado", diz.

Fechine também considera a ideia interessante, mas aponta que a grande carga horária no

ensino médio brasileiro dificulta sua aplicação e lembra que na Finlândia ela é acompanhada

de uma forte cultura de pontualidade. "As aulas começam no horário e aluno rapidamente

entra na (rotina de) resolução de problemas."

Page 6: 10 lições da finlândia para a educação brasileira

7. Cultivar elos com a vida real e empresas

Muitos dos projetos dos estudantes finlandeses são tocados em parcerias com empresas, para

aumentar sua conexão com a vida real e o mercado de trabalho, algo que Garcês acha que

poderia ser mais frequente no Brasil.

"Aqui na área rural do Mato Grosso podemos ter uma interação maior com as fazendas

locais, ministrando aulas a partir do que os produtores rurais precisam."

A vantagem disso é que o aluno vê sentido prático e profissional no que está aprendendo,

explica Giani Barwald Bohm. "Ele desenvolve algo diretamente para o mercado de trabalho,

que vai ter relevância para o próprio estudante e é contextualizado com as empresas locais."

Ela destaca também as competições de habilidades práticas desenvolvidas por escolas locais

(um preparativo para a competição internacional WorldSkills, que neste ano será realizada

em São Paulo, pelo Senai, entre quarta e sábado desta semana).

"As empresas são envolvidas na organização e acompanham os alunos no dia a dia e até

ficam de olho para contratá-los depois."

8. Formação mais prática e valorização do professor

A formação dos professores é apontada como a principal chave do sucesso do ensino

finlandês. Os brasileiros observaram lá uma capacitação mais prática, voltada ao dia a dia da

sala de aula, e mais interação entre o corpo docente.

"Algumas salas têm dois professores - um como ouvinte do outro caso seja menos

experiente", relata Fechine.

"Há uma relação mais direta (entre os professores), com muita conversa entre quem dirige o

ensino e quem dá aula", agrega Barwald Bohm.

"Além disso, há uma valorização cultural do professor lá, semelhante à de outras profissões.

O salário é equivalente e as condições de trabalho dão bastante tempo para o planejamento

das aulas", diz Bruno Garcês.

Fonte: BBC - Brasil