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Análise da Conjuntura Econômica Nacional Aula 04 - O “Milagre” Econômico e o II PND 29 Faculdade On-Line UVB Anotações do Aluno uvb Aula Nº 4 – O “Milagre” Econômico e o II PND Objetivos da aula: Compreender e analisar dois momentos importantes da economia brasileira durante o regime autoritário: o “milagre” econômico (1968-73) e o II PND (1975-79). O “Milagre” econômico Quando se fala em ditadura militar, as pessoas logo pensam em repressão, censura, prisões arbitrárias, deportações, desaparecimentos, torturas e uma série outros fatos que todos desejamos esquecer. Mas, por mais contraditório que isso possa parecer para alguns, foi justamente nesse período de cerceamento das liberdades individuais que a economia brasileira teve o melhor desempenho da sua história. Estamos falando do “milagre” econômico. Para entender o “milagre”, vamos ter de retroceder até a gestão Castello Branco (1964-66). Como já foi visto na aula anterior, esse período foi marcado pela implementação do Paeg, plano de estabilização e reformas estruturais. Apesar do sucesso do Plano no que diz respeito aos seus próprios objetivos (estabilização e reformas), o pais continuava preso a um crescimento medíocre e errático (normalmente chamado de stop and go). Em 1967, sob a administração agora do presidente Costa e Silva, há uma mudança radical na condução da economia. O novo presidente nomeia o Prof. Delfim Netto como Ministro da Fazenda. Havia naquele período uma forte necessidade de se legitimar o regime militar. O objetivo dos militares era o de justificar o golpe, de mostrar para que vieram, ou ainda, o de convencer a sociedade de que o novo governo era melhor que o deposto. E

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Aula Nº 4 – O “Milagre” Econômico e o II PND

Objetivos da aula:

Compreender e analisar dois momentos importantes da economia brasileira

durante o regime autoritário: o “milagre” econômico (1968-73) e o II PND

(1975-79).

O “Milagre” econômico

Quando se fala em ditadura militar, as pessoas logo pensam em repressão,

censura, prisões arbitrárias, deportações, desaparecimentos, torturas

e uma série outros fatos que todos desejamos esquecer. Mas, por mais

contraditório que isso possa parecer para alguns, foi justamente nesse

período de cerceamento das liberdades individuais que a economia

brasileira teve o melhor desempenho da sua história. Estamos falando do

“milagre” econômico.

Para entender o “milagre”, vamos ter de retroceder até a gestão Castello

Branco (1964-66). Como já foi visto na aula anterior, esse período foi marcado

pela implementação do Paeg, plano de estabilização e reformas estruturais.

Apesar do sucesso do Plano no que diz respeito aos seus próprios objetivos

(estabilização e reformas), o pais continuava preso a um crescimento

medíocre e errático (normalmente chamado de stop and go).

Em 1967, sob a administração agora do presidente Costa e Silva, há uma

mudança radical na condução da economia. O novo presidente nomeia o

Prof. Delfim Netto como Ministro da Fazenda. Havia naquele período uma

forte necessidade de se legitimar o regime militar. O objetivo dos militares

era o de justificar o golpe, de mostrar para que vieram, ou ainda, o de

convencer a sociedade de que o novo governo era melhor que o deposto. E

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isso somente seria possível através de crescimento econômico.

Com a mudança da política econômica implementada por Delfim Netto, o

crescimento tão cobiçado aconteceu. O “milagre” econômico ocorreu entre

1968-1973, durante os governos Costa e Silva e Médici. Nesses seis anos, o

Brasil cresceu a uma taxa média de 11% ao ano. Crescer seis anos seguidos

a uma taxa dessa já seria o suficiente para chamar esse período de milagre.

Mas, além disso, o Brasil conseguiu a enorme façanha de conciliar esse

crescimento vigoroso com inflação baixa e equilíbrio no setor externo.

Crescimento, Inflação e Equilíbrio Externo

Conciliar certos objetivos de política macroeconômica não é uma tarefa

muito fácil. Pelo menos desde a década de 1950, já se sabe que existe uma

certa dificuldade em se conseguir ao mesmo tempo inflação baixa e nível

de emprego elevado. Atualmente sabemos também que quando uma

economia cresce a um ritmo muito forte existe uma tendência de aceleração

inflacionária e desequilíbrio externo.

Você já ouviu alguma vez a expressão “crescimento sustentável”? Este

conceito está bastante relacionado com o que estamos tratando aqui.

Quando um país está crescendo a um ritmo muito acelerado, costuma-se

dizer que aquele crescimento não é sustentável no longo prazo e que em

determinado momento o governo deverá “frear” a economia. Se o governo

não o fizer, é bastante possível que uma crise inflacionária ou do setor

externo aborte o crescimento. Portanto, a Teoria Macroeconômica ensina

que é melhor crescer mais lentamente, mas de forma contínua, que ter um

crescimento rápido, mas que não se sustenta. Os economista até costumam

dizer o seguinte: o crescimento não pode ser como um “vôo de galinha”, ou

seja, algo que não se sustenta.

Por que quando a economia cresce existe essa tendência de inflação e

desequilíbrio externo? Bem, essa é uma questão complexa, que envolve

algumas noções de Macroeconomia. Vamos tentar entender. Se a economia

cresce muito rapidamente, alguns fatores de produção podem ficar escassos.

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Por exemplo, se a economia começa a crescer aceleradamente, o fator de

produção mão-de-obra pode ficar escasso. Nesse caso, o que irá acontecer

com os salários? Deverão aumentar. Porém salários maiores representam

aumento no custo de produção, o que pode significar aumento de preços.

Compreendeu? E se o fator de produção matéria-prima se tornar escasso?

O raciocínio é o mesmo.

Além disso, o crescimento muito acelerado pode gerar desequilíbrio do setor

externo. Vejamos como isso acontece. Quando a economia cresce, a renda

dos consumidores também cresce, logo o consumo agregado aumenta.

Esse aumento do consumo ocorre tanto em relação a produtos nacionais

como importados. Portanto, pode-se concluir que quando a economia

cresce, as importações crescem. Por outro lado, com relação as exportações,

as coisas não acontecem necessariamente dessa forma. Para exportar mais,

é necessário que a demanda externa cresça. Compreendeu o problema?

O crescimento econômico gera aumento de importações, mas não de

exportações. Consequentemente, há uma tendência de desequilíbrio nas

contas externas. Você entendeu agora por que o “milagre” econômico tem

esse nome? Seis anos seguidos de crescimento vigoroso com baixa inflação

e sem desequilíbrio externo é realmente um milagre.

Concentração de Renda, Desequilíbrio Inter-setorial e Dependência Externa

Até o milagre teve o seu “calcanhar de Aquiles”. Apesar das incríveis taxas

de crescimento, associadas a inflação baixa e equilíbrio externo, o “milagre”

tinha suas limitações. A principal crítica que se faz ao milagre econômico

diz respeito à concentração de renda. Houve nessa época um aumento da

desigualdade entre ricos e pobres. O vigoroso crescimento da economia

não trouxe melhoria na qualidade de vida para todos os extratos sociais. Por

isso a famosa frase atribuída ao presidente Médici. Ao ser indagado sobre a

economia, teria respondido “a economia vai bem, mas o povo vai mal”.

Esse aumento na concentração da renda tem um conjunto de explicações.

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Primeiramente, com o crescimento econômico, houve um forte aumento

da demanda por trabalhadores qualificados (engenheiros, administradores,

economistas, etc.). Mas não houve um crescimento significativo da demanda

por trabalhadores pouco qualificados. Em suma, o “milagre” fez com que a

renda dos mais qualificados crescesse proporcionalmente mais que a dos

poucos qualificados, gerando concentração na renda.

Outro fator que deve ser levado em conta para compreender esse aumento

de desigualdade de renda foi a contenção salarial imposta pelo regime militar.

Com o objetivo de controlar a inflação, o governo militar fazia um rigoroso

controle dos aumentos salariais e reprimia violentamente as manifestações

de trabalhadores. Essa contenção (ou arrocho) salarial também contribuiu

para aumentar o fosso entre ricos e pobres.

Além disso, o milagre gerou um desequilíbrio entre os diferentes setores

da indústria. Os investimentos realizados durante o período do ”milagre”

se concentraram principalmente no setor de bens de consumo duráveis.

Logo, começou a se formar um desequilíbrio entre os diferentes setores da

indústria. A produção no setor de bens duráveis crescia a um ritmo mais

acelerado que nos setores de bens de capital (máquinas e equipamentos)

e bens intermediários (petróleo, fertilizantes, produtos químicos, etc.). Com

o passar do tempo, esse desequilíbrio inter-setorial iria gerar um problema

de dependência externa. Ou seja, o país, por não ter o setor de bens de

produção (de capital e intermediários) suficientemente desenvolvido,

dependia da importação desses produtos.

O Choque de Petróleo e a Crise Internacional

Essa situação de dependência externa iria ficar muito mais complicada a partir

do primeiro choque do petróleo. Você se lembra quando nós discutimos

a importância de se estudar fatos internacionais para se compreender os

rumos da nossa economia? Bem, aqui nós teremos uma outra excelente

oportunidade para verificar como isso é realmente verdade.

No final de 1973, os países membros da Opep (Organização dos Países

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Exportadores de Petróleo) tomaram a decisão radical de reduzir a oferta

mundial desse produto, provocando o aumento do seu preço. Essa decisão

estava relacionada a um problema geopolítico envolvendo a guerra entre

árabes e israelenses. À crise que se inicia a partir daí, convencionou-se

chamar de “primeiro choque do petróleo”, o segundo choque iria ocorrer

em 1979, a partir da guerra civil do Irã.

O Brasil tinha, como já vimos, um problema de dependência externa. O

país precisava importar bens de capital e bens intermediários (petróleo,

principalmente), uma vez que essa indústria era pouco desenvolvida. Com

a crise, essa dependência se torna um problema crítico. O que fazer diante

de uma situação como essa? O governo brasileiro tinha duas alternativas.

A primeira possibilidade seria promover um ajuste recessivo. Conforme já

dissemos, quando o país cresce menos, as importações diminuem. Logo, se

a economia crescesse a um ritmo mais lento (ajuste recessivo), o gasto com

importações diminuiria. A outra estratégia seria implementar um ajuste

estrutural: Ou seja, realizar mais investimentos e diminuir a dependência

por importações. Essa segunda estratégia era muito mais ousada, pois

implicava aumentar o desequilíbrio externo em um primeiro momento

para colher seus benefícios somente anos depois.

Conforme já dissemos, o regime militar buscava sua legitimação e para isso

deveria fazer o país crescer. Além disso, havia na sociedade (principalmente

entre empresários e banqueiros) uma pressão por um ajuste não-recessivo.

Pressionado, e necessitando justificar o golpe militar, o governo opta

pelo ajuste estrutural (não recessivo). É justamente a partir dessa decisão

de aprofundar o processo de substituição importações em meio a uma

crise econômica internacional que nasce o II PND (Plano Nacional de

Desenvolvimento Econômico).

O II PND

Se existiu um II PND, provavelmente deve ter existido também um I PND,

correto? Bem, o I PND foi implementado entre 1972-1974, durante a gestão

Médici, porém não costuma ser muito estudado por não ter tido um papel

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muito importante na determinação dos rumos da economia nacional. O

II PND, por sua vez, foi posto em prática ente 1975-79, durante a gestão

Geisel. Esse plano é considerado a mais ampla experiência de planejamento

econômico no Brasil depois do Plano de Metas e teve uma importância

fundamental na consolidação do processo de substituição de importações

ocorrido no Brasil.

Um dos objetivos do II PND era o de solucionar o problema de dependência

externa decorrente do desequilíbrio inter-setorial. Por isso comportava uma

série de investimentos no setor de bens de capital e de bens intermediários.

Todavia, para realizar todos os investimentos exigidos pelo II PND, seriam

necessários, logicamente, recursos financeiros. Você se lembra que em

economia “não existe almoço grátis”, não é mesmo? Pois bem, esses recursos

viriam principalmente dos chamados “petrodólares”.

Com o aumento do preço do petróleo ocorrido a partir de 1973, o valor

das exportações dos países produtores do bem cresceu significativamente.

Como não havia muitas opções para se aplicar esses recursos nesses países,

a maior parte desses dólares foi depositada em bancos de países ricos.

A partir disso, surgem os famosos petrodólares. Com o II PND, o Brasil se

transformou em um dos maiores tomadores de recursos (petrodólares) no

mercado financeiro internacional.

A avaliação que se faz do II PND costuma ser positiva. De modo geral,

pode-se dizer que os objetivos de mudança estrutural que motivaram

o Plano foram alcançados. Contudo, os resultados concretos só vieram a

acontecer entre 83-84, com a maturação dos investimentos realizados.

Entre esses resultados, três merecem destaque: i) a reversão do saldo da

balança comercial, que se tornou superavitária, ii) uma dependência menor

das importações de petróleo, iii) uma maior diversificação na pauta de

exportações do país, com predomínio de bens manufaturados (no lugar de

bens primários, como era no passado).

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Síntese

Nessa aula, você aprendeu que o “milagre” econômico é considerado o

período de melhor desempenho econômico da história recente do Brasil, por

conseguir aliar crescimento vigoroso, com inflação moderada e equilíbrio

no setor externo. Você viu também que o II PND foi uma ousada estratégia

de desenvolvimento adotada em meio à crise internacional gerada pelo

choque do petróleo.

Referência Bibliográfica

HERMANN, Jennifer. Auge e declínio do modelo de crescimento com

endividamento: o II PND e a crise da dívida externa. In: GIAMBIAGI, Fábio

et al. Economia brasileira contemporânea (1945-2004). Rio de Janeiro:

Elsevier, 2005.

REGO, José Márcio; MARQUES, Rosa Maria (Org.). Economia brasileira. São

Paulo: Saraiva, 2005.

VASCONCELLOS, Marco Antonio Sandoval de et al. Economia brasileira

contemporânea. São Paulo: Atlas, 1999.