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Fundamentos Epistemológicos da Medicina 2.4. Conhecimento Filosófico Luiz Salvador de Miranda-Sá Jr 1

2.4. conhecimento filosófico

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epistemologia médica e gnosiologia da medicina

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Fundamentos Epistemológicos da Medicina

2.4. Conhecimento Filosófico Luiz Salvador de Miranda-Sá Jr

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Historicamente, a Filosofia foi a primeira modalidade de conhecimento que se

diferenciou do conhecimento vulgar e assumiu estatuto de maior respeitabilidade

social, o que aconteceu ainda na Antigüidade clássica. Filosofia, palavra que significa

amor ao conhecimento. Quando surgiu, o título de filósofo se atribuia aos homens mais

sábios, aos mais curiosos, aos mais desejosos de saber. Aos que explicavam melhor

os mistérios do mundo. O conhecimento deles era considerado como superior ao

comum. O conhecimento filosófico apareceu assim, como conhecimento dos filósofos.

O conhecimento filosófico não era tido como ciência como hoje. A filosofia era o

conhecimento racional. O filósofo, tido como alguém que sabia mais que os outros.

Naquele início, quando surgiu o conceito de filosofia, não havia intenção de diferenciar

a ciência do conhecimento da natureza, do homem e da sociedade; mas só o desejo de

designar o conhecimento provindo de um pensador com mais autoridade que os

demais que, por isso,l emprestava maior autoridade à sua contribuição.

Ainda que esquematicamente, possa-se acreditar que a filosofia tenha nascido do

conhecimento vulgar e que o conhecimento científico tenha se originado da filosofia. Ao

longo da história do conhecimento, a filosofia tem sempre mantido com as ciências

específicas uma espécie de relação de supervisão que é exercida através da

gnosiologia ou epistemologia. Mesmo depois que conquistam autonomia e se

configuram como disciplinas individualizadas.

A metafísica, ciência filosófica que estuda o ser enquanto ser.

No século XVII a metafísica geral é separada da especial e passa a ser chamada de “ontologia” ou ciência do objeto. O termo trata do ser, daquilo que existe, suas qualidades básicas. Diversos filósofos se ocuparam dessa questão, desde Aristóteles até os modernos, passando por Parmênides, Leibniz e Heidegger. A professora de filosofia da UFRJ Susana de Castro traz as noções básicas que norteiam as ontologias das substâncias, as que se seguiram a e as novas ontologias contemporâneas. A divisão da metafísica em metafísica geral (ontologia) e nas metafísicas especiais (psicologia racional, cosmologia e teologia racional).

2

A gnosiologia é o ramo da Filosofia que trata do conhecimento em geral e a

epistemologia, o ramo da gnosiologia que tem como objeto estudar o conhecimento

científico.

À época da guerra fria, os soviéticos preferia a primeira e os americanos, a segunda. Atualmente, os dois conceitos são considerados equivalentes.

3

A metodologia é a disciplina filosófica que trata dos meios para conhecer.

A lógica é a disciplina filosófica que ensina a pensar inteligentemente.

A ética é o ramo da Filosofia que mostra os limites do bom e do mau na conduta

humana.

Ao longo da história do conhecimento e na evolução da civilização moderna e

contemporânea, a filosofia e as ciências, ainda que possam ser concebidas

separadamente, têm se mantido como atividades extremamente próximas (cada vez

mais próximas, é verdade) e em permanente interação. Interação que determina

grande parte de seu desenvolvimento. Mesmo que não se considere a filosofia como

ciência, ela também não pode ser tida apenas como provedora da ciência, por lhe

fornecer instrumentos metodológicos e procedimentos lógicos que ela emprega na sua

busca da verdade sobre seu objeto. Ciência e filosofia são atividades cognitivas

controladas em permanente interação. Até porque compartilham a situação de um tipo

de conhecimento superior ao senso comum.

Ainda que sejam consideradas como modos qualitativamente diferentes de conhecer o

mundo, a relação que se estabelece entre a ciência e a filosofia deve ser considerada

bilateral, recíproca e complementar. Porque a filosofia se beneficia das generalizações

suficientemente amplas advindas da ciência experimental e, sobretudo, da ciência

teórica e as incorpora, enriquecendo-se com elas (como aconteceu, por exemplo, na

construção da lógica formal e da lógica dialética, métodos essenciais da filosofia e da

própria metodologia científica). E, além disto, porque o aperfeiçoamento da filosofia

enriquece a ciência e amplia suas possibilidades de elaborar generalizações válidas e

confiáveis. No curso deste processo, as generalizações científicas, que se mostrarem

suficientemente abrangentes para alcançar todos os objetos, se transmutam em

conhecimentos filosóficos. Por isto, pode-se pretender que haja um território indefinido

entre a ciência e a filosofia. Um território no qual os conhecimento guardem

caracterísricas dos dois mundos, do mundo da filosofia e do mundo da ciência.

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Assim como é cada vez maior o número daqueles que definem a filosofia como uma

ciência particular. Uma ciência ideal (que também pode ser chamada formal), em

contraposição com as ciências factuais. Para estes, já não há diferença conceitual

entre o que é filosofia e o que é ciência. Aida que isrto se faça a custas de deslocar

algumas disciplinas, como as contidas na axiologia (dentre elas a ética e outras

disciplinas normativas, para o terreno da antropologia.

A concepção de filosofia, como uma ciência acessível ao estudo objetivo e à

investigação sistematizada, encerra um paradigma filosófico científico-natural, não

apenas sobre a filosofia, mas sobre a natureza, sobre a sociedade, sobre o homem

(sobre todo universo, enfim).

Esta concepção da filosofia como ciência, se reporta a um tipo particular de ciência, uma ciência formal, qualitativamente diferentes das ciências factuais.

E, este paradigma científico-natural (ou materialista) que conduz à noção da filosofia

ciência, tem suas raízes no início da Medicina natural e racional grega, podendo-se

mesmo dizer que este paradigma gerou e fez nascer a Medicina leiga. Outra

concepção metafísica, idealista ou irracionalista do mundo, da Medicina, da filosofia ou

do conhecimento, por exemplo, implicaria em conceituações, explicações e definições

diferentes, em procedimentos cognitivos diversos e, por isto mesmo, em outras

conclusões.

A concepção da Filosofia como um tipo de conhecimento qualitativamente diferente da ciência, terá sido influenciada pela necessidade de abrigar a teologia e a ética religiosas, que ficariam órfãs no sistema das ciências.

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Adiante, há de se ver que o conhecimento filosófico e o científico são formas

particulares do conhecimento humano que são diferenciadas, menos em função de sua

estrutura cognitiva (porque, esta, é análoga até ao conhecimento comum), do que por

causa de sua técnica de obtenção de informações e do grau de abrangência de suas

possibilidades de generalização, potencial preditivo e capacidade explicativa que

detenham. O conhecimento filosófico se reporta às questões mais gerais na natureza,

da vida, da sociedade e do pensamento, enquanto o conhecimento científico está

dirigido para objetos, situações e fenômenos particulares. A limitação definida de seu

objeto diferencia a ciência da filosofia, voltada paera as generalidades mais amplas que

possam ser abrangidas pelo pensamento.

E, caso se valorize preferentemente seus elementos de unificação ou de diferenciação,

podem ser considerados tipos de conhecimento idênticos, análogos ou diferentes, na

depemdência dos interesses, inclusive ideológicos, de quem o faz.

Filosofia e Conhecimento Filosófico

Como acontece com todas as outras manifestações do conhecimento, existe uma

indeslindável interação entre a filosofia (o processo mental de cogitação filosófica) e o

conhecimento filosófico (como acervo de informações filosóficas). A esta ambigüidade,

acrescenta-se outra, a expressão filosofia não tem o mesmo sentido para todas as

pessoas ou em todos os contextos verbais, mesmo quando é utilizada por filósofos.

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A palavra filosofia foi empregada, ao longo do tempo e por numerosos autores, com

significados muito diferentes entre si e nem todas estas significações, ainda que muito

utilizadas, refletem com a necessária exatidão, a realidade cognitiva, técnica e

científica que desfruta presentemente. De um lado, porque filosofia enquanto

importante atividade humana significa, desde sua origem, um tipo de conhecimento

diverso do comum; e, por outro, porque lhe têm sido atribuídas significações que nada

têm a ver com ela, apesar de refletirem a diversidade de visões de mundo dos que

construíram e ou empregaram estas designações. Por isto, para não se confundir com

outras opiniões e porque se trata de matéria muito ideologizada, preliminarmente,

convém definir o sentido com o qual a palavra filosofia está sendo usada neste

trabalho.

A filosofia mantém antiga relação com as ciências (ou com a ciência) 1; porque no seu

início, o conhecimento científico (com o sentido oposto ao que hoje se chama crença e

mito) se confundia com a filosofia, até porque era parte dela.

O conhecimento científico, significando informação confiável e válida (a mais confiável

e válida de cada momento da história da cultura) se originou do conhecimento

filosófico. Neste sentido genético, a ciência é uma filha legítima da filosofia (o

conhecimento rigoroso sobre o particular que se desprendeu do conhecimento gera).

No começo tudo o que se sabia era conhecimento comum e mais ou menos indiferenciado, as pessoas não costumavam organizar seus conhecimentos em estruturas lógicas deste ou daquele tipo. Aos poucos, foram sendo elaborados conhecimentos mais confiáveis e mais verossímeis que os outros. Apareceu a sabedoria (depois, filosofia), já diferenciada do conhecimento comum.

1 <$FAndery, M.A. et alli, Para Compreender a Ciência, Ed. Espaço e Tempo/EDUC, Rio, 1988, pp. 34 e seguintes>

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Os conhecimento filosóficos foram se diferenciando em razão de sua abrangência (muito mais que de sua metodologia) em conhecimentos sobre as generalidades e conhecimentos sobre acontecimentos particulares. Estes últimos deram origem ao conhecimento científico, à ciência tal como a entendemos atualmente. No curso da História, quando as exigências de delimitação do conhecimento científico assim o exigiram, ele foi separado do conhecimento filosófico e apresentado como uma modalidade particular de saber.

O significado etimológico rigoroso da palavra filosofia, de origem grega pré-clássica,

quer dizer “amor ao conhecimento, amor à sabedoria”, tendo evoluído por diversas

vertentes até os sentidos que tem atualmente. Surgiu quando Pitágoras recusou a

qualificação de sábio e preferiu ser chamado de amigo do conhecimento. Por esta época, na

Antiga Grécia, considerava-se como filosófico todo saber, toda convicção que não

fosse resultante de um mito ou de uma crença. Esta parece ter sido a primeira

característica significativa da palavra filosofia, ser um conhecimento liberto do mito e da

magia; momento em que se confundiam as significações de filosofia e ciência. Na velha

Grécia, chamavam-se aos sábios de filósofos.

Na antiga Grécia, o conhecimento filosófico abrangia todo o saber racional e mais ou menos sistemático que existia. Naquele tempo, a noção de filósofo se assemelhava à de cientista atualmente.

Num primeiro momento evolutivo, o conhecimento se dividiu em dois: o senso comum e a filosofia (o conhecimento menos válido e menos merecedor de confiança e o tido como mais confiável e mais válido).

Como se há de ver, bem mais tarde o conhecimento filosófico foi subdividido em dois ramos: a ciência (ou melhor, ciências naturais) e a filosofia. Ainda que esta dicotomização não se faça total. A filosofia da ciência (com seus aspectos ontológicos, metodológicos e éticos) é a dimensão da filosofia que integra as duas modalidades superiores de conhecer.

A identificação da filosofia com sabedoria perdurou por muito tempo e abrangia todas

as esferas do conhecimento humano.

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Como se há de ver, só bem mais tarde, quando o conhecimento científico, por sua vez,

se diferenciou do conhecimento filosófico, o saber culto foi bipartido em dois ramos, o

científico e o filosófico; então, ambos tenderam a se tornar cada vez mais bem

caracterizados, deixando de se confundir, embora conservassem muitos atributos

comuns. Mas, não se pode esquecer, que houve um longo momento nas histórias

destes dois conceitos, ciência e filosofia, e destas duas atividades, a científica e a

filosófica, que elas permaneceram inseparáveis e indistinguíveis; e que este período de

identidade deixou marcas comuns em ambos os ramos do conhecimento.

É bastante provável que as diferenças entre o conhecimento filosófico e o

conhecimento científico em relação ao conhecimento vulgar tenham se originado e

sempre residido, exatamente, na confiança que se pode ter na melhor qualidade do

conhecimento científico e filosófico, principalmente por causa de sua maior

verossimilhança e credibilidade.

Desde sua origem, a Filosofia tem sido destinada a ser uma alternativa mais

acreditável aos mitos; para ser exercício e fundamento do pensamento lógico e do juízo

crítico, sucessor do pensamento mágico e das crenças míticas, as formas mais

primitivas de elaboração do pensamento e do conhecimento.

As ciências nasceram e nascem da filosofia exatamente no curso deste processo.

A filosofia sempre se diferenciou do conhecimento em geral, embora se preocupasse

em explicá-lo (pois, o conhecimento humano sempre foi um importante objeto de

cogitação filosófica). Primeiro, existia o conhecimento hoje chamado vulgar. Depois,

dele se separou a filosofia (que trazia em seu interior o conhecimento científico).

Entretanto, da Idade Clássica até o Renascimento, durante muitos séculos a filosofia e

a ciência se confundiram e ainda hoje podem ser confundidas.

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Atualmente a tendência dominante consiste em separar a ciência e a filosofia a partir

de seus objetos (sempre limitados na ciência e universal na filosofia) e no alcance de

suas possibilidades de generalização pois as generalizações de cada tipo de

conhecimento se limitam à extensão de seu objeto.

Muitos se negam a admitir o caráter de conhecimento científico à filosofia,

considerando-a pura especulação; outros, fazem-no por considerar a filosofia uma

modalidade qualitativamente diferente de conhecimento superior, diversa da ciência.

Outros, insistem em lhe atribuir a condição de estudo do sobrenatural (a filosofia

primeira ou teológica, que provavelmente foi uma invenção de Aristóteles para evitar

ser processado por impiedade, mas agradou muito aos religiosos medievais).

Esta condição de especulação sobre a mitologia religiosa acompanha consciência popular sobre a filosofia desde sua origem e influi na opinião que as pesoas comuns têm sobre ela.

Para outros mais, a filosofia não é bem uma ciência, uma disciplina ou, sequer, uma

forma de conhecimento, mas apenas exercícios de raciocínio e lógica, uma perpétua

disputa inteligente, um jogo intelectual: o filosofar.

Enquanto que, para alguns, como se verá adiante, a filosofia pode ser tida como

ciência, desde que sem a teologia. Uma ciência formal para Bunge, por exemplo. A

tendência a considerar a filosofia como ciência foi muito reforçada no século passado

com o crescimento do prestígio social da atividade científica.

1

As divergências acerca do significado da filosofia têm suas raízes nas divergências

acerca do que há mais de dois mil anos se reconhece como a questão fundamental da

filosofia: a opinião acerca da natureza das relações existentes entre a matéria e as

idéias. A tendência idealista se opõe à tendência materialista e se apresentam de

diversas maneiras. Materialismo e idealismo. A tendência idealista se opõe à tendência

materialista e cada uma delas se apresenta de diversas maneiras. Assim como são

diferentes as contradições e os conflitos que opões estas duas tendências filosóficas.

Tão diferentes que podem, eventualmente, serem tidas como duas filosofias.

Os filósofos idealistas pressupõem a supremacia e primariedade do espírito, das idéias,

da palavras, enfim, do imaterial, o ideal sobre a matéria; por variados caminhos,

sustentam o imaterial determina o material. Já os filósofos materialistas sustentam o

primado do material sobre o imaterial, sejam espíritos, divindades, idéias, palavras ou

significações; e, daí, decorre sua denominação.

Desde que Pitágoras recusou ser chamado sábio (sofos), porque preferia ser

designado filósofo (amigo da sabedoria), os gregos chamaram filósofos aos mais

sábios dentre os homens, aos que detinham muito conhecimento e que propunham

explicações mais razoáveis para os mistérios da natureza, do pensamento, do

universo; mas também chamavam de filósofos aos que sabiam fazer muito bem alguma

coisa, às pessoas hábeis e engenhosas, ainda que uma atividade manual.

Neste texto, muito mais na linha de pensamento materialista gerada em Heráclito,

Demócrito e Epicuro, passando pela Filosofia Natural de Aristóteles até chegar às teses

de Marx e, mais recentemente de Bunge, a despeito destas divergências sobre o

alcance e o significado da filosofia, segue-se na vertente do seu entendimento como

um tipo de conhecimento (o conhecimento filosófico) que, desde sua origem, era

reconhecido como diverso do senso-comum, o conhecimento vulgar e que guarda

muitos elementos de analogia, senão de identidade, com o conhecimento científico.

Objeto do Conhecimento Filosófico

1

O objeto do conhecimento filosófico é o universo com tudo que contém; abarca tudo o

que existe, o conhecimento científico e o senso comum. Portanto, não é o objeto que o

distingue, porque todos os objetos estão contidos nele. O conhecimento filosófico se

define pelo alcance das possibilidades das generalizações elaboradas com ele. O

conhecimento filosófico se caracteriza pela amplitude de suas possibilidades de

generalização (tudo que existe) e pelo caráter ideal 2 (e, freqüentemente, valorativo) de

seus conceitos, enunciados e teorias.

Como manifestação particular do conhecimento, a filosofia é sempre fruto da atividade

de um sujeito. Toda filosofia é a filosofia de alguém sobre o universo considerado como

uma totalidade. Tudo isto resulta em que suas possibilidades explicativas e preditivas

se estendem sem limite conhecido (embora, é necessário de se saiba, com sacrifício

proporcional de sua verossimilitude). Pois, ao menos em princípio, é muito mais viável

generalizar sobre um objeto limitado do que sobre uma área mais ampla do universo e

conhecer as partes é a forma mais simles de iniciar o conhecimento da totalidade.

As categorias filosóficas de geral, particular e específico fundamentam e permitem entender esta questão.

O geral é uma categoria que expressa uma totalidade. O particular se refere a uma parte definida dos elementos componentes de uma totalidade. E o específico ou individual diz respeito a um indivíduo singular, um elemento singulat de uma totalidade, ainda que contido em uma das particularidades ou categorias particulares.

O objeto da filosofia se caracteriza primordialmente por sua extensão, sua amplitude, sua generalidade. Em seu sentido mais amplo, o conhecimento filosófico alcança tudo o que existe, possa ser pensado ou imaginado. Os objetos materiais e os construtos.

2 Porque composto por idéias e não por fatos.

1

Por isto, muitos autores, como 3 entre os positivistas e todos (ou quase todos) os

marxistas e marxianos, assinalando uma tendência bem definida da filosofia da ciência,

para a qual a filosofia é entendida como uma ciência, a ciência das essências e das

totalidades; ou, mesmo que alguém não a aceite como uma ciência, a filosofia deve ser

reconhecida como o tipo particular de conhecimento, o conhecimento filosófico, que

produz conclusões generalizáveis ao extremo, alcançando a tudo o que existe; cuja

estrutura cognitiva não se diferencia qualitativamente das demais atividades científicas,

embora delas varie em função da extensão de seu objeto e na natureza de sua

metodologia e, por isto, da extensão de suas conclusões.

A extensão indefinida e indefinível de suas possibilidades heurísticas e preditivas

caracterizam essencialmente o conhecimento filosófico e o distinguem do saber

científico.

A recusa dos positivistas em reconhecer as possibilidades do conhecimento científico explicar e prever fatos e acontecimentos provoca uma das querelas mais instigantes da ciência contemporânea.

Definição de Filosofia

Não existe convergência universal de opiniões acerca da definição de filosofia. Não

obstante, a filosofia costuma ser definida de muitas maneiras, às vezes muito

diferentes e assim o fazem muitos autores, na dependências de muitas influências

subjetivas e objetivas.

4Dentre muitas outras definições possíveis e aceitáveis a partir deste ou daquele ponto

de vista doutrinário, escolheu-se uma que parece mais consentânea com a opinião do

autor e com o estado atual do conhecimento.

3 Bunge, M., Epistemologia, 2a. edição, 1987, Ed. T.A.Queiroz/EDUSP, São Paulo, p. 394 Cada tendência filosófica procura fazer com que sua definição de filosofia lhe sirva de ponto de apoio doutrinário e reforce suas opiniões teóricas.

1

Filosofia é a modalidade particular de conhecimento que se ocupa das regularidades

universais isto é da descoberta das leis que regem tudo o que existe no universo e no

ser humano. Trata-se do conhecimento sistemático que objetiva a formulação, a

análise e a solução das principais questões de concepção do mundo, da sociedade e

do homem (inclusive sua subjetividade), configurado harmoniosamente como uma

visão teórica coesa e unitária sobre o universo e o lugar que o homem ocupa nele.

O conhecimento filosófico abrange uma visão do mundo (cosmologia) que inclui uma

visão da sociedade e do homem (sócio-antropologia), inclusive do seu conhecimento

em geral (gnosiologia) e do conhecimento científico (epistemologia). A filosofia não

pode nem deve ser reduzida a uma atitude individual (predisposição de alguém a

realizar certos comportamentos, como refletir ou intuir a verdade diretamente, por

exemplo).

A filosofia é uma modalidade superior de conhecimento, diversa do senso comum e do

conhecimento científico, que permite ao seu cultor a possibilidade conhecer melhor a si

mesmo e o mundo ao seu redor através do estabelecimento de generalizações muito

amplas. Generalizações estas que são o próprio conhecimento filosófico. Conhecer

além da aparência ilusória das coisas materiais e dos construtos abstratos. Poder

explicar a realidade do universo e poder convencer os demais por meio da explicação

objetiva, válida e confiável dos fatos. .

Como sucede às duas modalidades superiores de conhecimento (filosófico e científico),

o objetivo da filosofia consiste no estudo das atitudes mais gerais dos seres humanos e

na busca sistemática das leis gerais e nas relações universais da natureza, da

sociedade e do pen samento.

Também se deve diferenciar as filosofias particulares (processos conscientes e

inconscientes que refletem as necessidades de indivíduos ou de grupos sociais

limitados) das filosofias como artefatos culturais da civilizações (visões do mundo

propiciadas por interesses de grandes sistemas sociais).

1

A filosofia de cada momento evolutivo do processo civilizatório reflete as necessidades

e as possibilidades de certos interesses sociais bem amplos e definidos. Os interesses

e as possibilidades das classes sociais hegemônicas, por exemplo, ou do aparelho

estatal, das instituições religiosas mais importantes. Por causa da extensão de seu

objeto, a filosofia se confunde com a concepção do mundo de quem a vivencia e influi

em sua conduta.

Neste texto, cuidar-se-á de enfocar os aspectos filosóficos do conhecimento científico,

especialmente do conhecimento médico.

O Conhecimento Médico

O conhecimento médico pretende ser uma modalidade particular do conhecimento

científico que se debruça sobre a tarefa de estudar tudo o que se refere à enfermidade

e ao enfermo, especialmente à profilaxia e diagnóstico das enfermidades e ao

tratamento e à reabilitação dos enfermos.

Conhecimento que abrange a relação sa saúde e da enfermidade, da vida e da morte,

da mente e do cérebro, dos organismos como sistemas complexos, do indivíduo e o

ambiente físico e da pessoa com a sociedade (em suas quetro instâncias inseparáveis

e interativas: a sócio-econômica, sócio-cultural, sócio-política e sócio-histórica).

O Conhecimento Médico deve ser Científico e Ético

1

O conhecimento médico deve ser preferentemente científico e sempre ético,

principalmente porque a atividade profissional dos médicos está mais voltada para os

enfermos que para as enfermidades. Este é um pressuposto essencial do trabalho

médico e sempre presente no processo terapêutico, seu objeto de intervenção é

sempre o enfermo e não, a enfermidade. O enfermo é o motivo da existência dos

médicos e ajudá-lo é seu compromisso mais importante. Contudo, o conhecimento de

tudo que se relaciona aos enfermos e às enfermidades não se faz possível sem que se

conheça a saúde da pessoa sadia em sua tri dimensionalidade – biológica, psicossocial

e ambiental.

Diz-se que o conhecimento médico deve ser preferencialmente científico porque o

avanço das ciências ainda não fornecem resposta satisfatória para todas as demandas

originadas nas necessidades diagnósticas e terapêuticas dos doentes. Contudo,

nenhum procedimento médico deve contrariar fatos e conhecimento cientificamente

estabelecios nem os pressupostos éticos que o fundamentam.

Noutro plano, mas analogamente, sustenta-se que além de preferentemente científico,

o conhecimento médico deve ser essencialmente ético. Porque a ética deve ser diretiz

essencial toda conduta médica.

Não é possível entender a realidade humana particular sem ter presente que toda sua

atividade depende da interação dialética dos seguintes processos: o natural e o sócio-

cultural, o objetivo e o subjetivo, o sensorial e sentimental, o reacional e o racional, o

material e pensamento, a conduta e a consciência, a instintividade e a vontade.

Quando se pretende reduzir o homem a um animal (natural, objetivo, sensorial,

reacional, material, conduta e instintividade) este caminho veterinário mais descaminha

que encaminha o resultado do processo cognitivo, prejudicando as possibilidades de

intervenção que o conhecimento proporciona ao médicos. Ao contrário, ao pretender

especular um homem ideal (cultural, subjetivo, sentimental, racional, consciente e

voluntário), obtém-se o desvio oposto.

1

O conhecimento médico deve se dirigir para a inteireza da existência humana sadio ou

enfermo. O entendimento do conhecimento da saúde e das enfermidades (inclusive

das enfermidades psíquicas), bem como o de qualquer outra faceta essencial da

humanidade ou do ser humano só pode ser dado pela integração destas duas

vertentes teóricas em uma síntese dialética. Por isto, o conhecimento e atividades dos

médicos deve ser dirigido para essa síntese.

Tendências Filosóficas que Influem na Ciência

Muitas tendências filosóficas (visões particulares do mundo, escolas do pensamento

filosófico ou outros nomes que ienham) se mostram potencialmente capazes de

exercer influência nos procedimentos de aquisição do conhecimento científico (o que já

se vislumbrou em outro momento deste texto). Destas, algumas reduzem o

conhecimento a uma de suas fontes possíveis (sensações, raciocínios, intuição) e, por

isto são denominadas tendências reducionistas, porque reduzem a totalidade a uma de

suas partes, tais como:

Empirismo (ou empiricismo) doutrina filosófica que pretende que a única fonte de

conhecimento seja a experiência do observador, que é representada pelos sentidos;

reduz o conhecimento ao resultado da sensibilidade. (Locke, Hume, Condilac, Stuart-

Mill) e, de certa forma, inclui a Fenomenologia (Husserl, Heidegger, Jaspers), o

Positivismo (Comte) e o Neo-Posivismo (Carnap, Ryle, Austin, Wittgenstein, Feigl), pois

todas estas tendêncvia filosóficas conserva, este denominador comum de natureza

empiricista; e mais as seguintes.

Fenomenismo é a tendência filosófica que sustenta que o conhecimento só é possível

de forma sempre incompleta porque se resume à aparência das coisas.

Racionalismo é a tendência filosófica que põe ênfase na razão (a elaboração abstrata

do pensamento – ou pensamento abstrato) como fonte exclusiva do conhecimento

(Platão, Spinoza, Leibnitz, Kant);

1

Intuicionismo, cujos adeptos pretendem que o conhecimento provém da intuição

(independente da sensibilidade e da razão); a intuição é a visão direta e imediata de

algo, sem qualquer recurso intermediário, como sensações ou raciocínio. Bergson é

seu exemplo mais fiel e representativo;

Subjetivismo, ideologia que pretende a exclusividade (Berkeley) ou o primado da

subjetividade sobre a vida objetiva (Freud);

Objetivismo, cujos adeptos recusam toda contribuição subjetiva para a construção do

conhecimento (inclusive os a valoração crítica ou os valores filosóficos e científicos),

como seus principais representantes pode-se mencionar Skinner, Bandura.

Outras destas tendências, entendem o conhecimento reduzido a um de seus processos

(descrição da aparência, redução aos aspectos objetivos ou subjetivos), destas, as

principais representantes são as seguintes:

Realismo Crítico (Jolivet) que encerra uma combinação eclética dos empirismos e dos

racionalismo, evitando todos os preconceitos.

Idealismo é a tendência filosófica que sustenata a supremacia do ideal (almas,

espíritos, idéias, palavras sobre o material), o dualismo idealista, ou pretende apenas a

existência do ideal, negando todas as manifestações da matéria como ilusória (o

idealismo monista ou solipsismo).

Materialismo é a filosofia monista que vê na matéria (que inclui o conceito de energia)

a expressão de tudo que existe no universo. (Marx sustenta o materialismo dialético e

Bunge, o materialismo emergentista).

Materialismo marxiano é a concepção filosófica que sintetiza todas as anteriores (razão

e sensações, raciocínio e experiência, intelecto e intuição, análise e síntese, influências

internas e externas, objetividade e subjetividade, cognição e emoção, indução e

dedução, natureza e cultura) a partir de um exercício de integração e síntese dialéticas.

1

Regis de Morais 5 destaca que a palavra grega logos tem dois sentidos em português, pode significar razão e inteligibilidade, que corresponde a suas duas dimensões conceituais: a lógica e a metodológica, a explicação e o entendimento.

ALGUNS PRESSUPOSTOS ONTOLÓGICOS FUNDAMENTAIS

DA ONTOLOGIA MATERIALISTA

Seguindo Mahner, M. E Bunge, M. (em Biofilosofia, ) os pressupostos ontológicos mais

essenciais da ontologia materialista se reumam postulados (Siglo XXI Editores, Mexico,

sd p. 19 e sgs.), que aqui seguem om algumas modificações:

1. Matéria, Materialidade e Materialismo

Matéria, tal como se usa aqui, pode se definir como tudo o que existe na realidade

objetiva, tudo que não é uma idéia ou um construto.

A ontologia materialista ou realista pressupõe o primado da matéria sobre as idéias no

entendimento do mundo isto é o universo existe por si mesmo existam ou não

observadores que o estudem.

2. Os objetos do conhecimento se compõem de coisas e de construtos e nenhum pode

pertencer às duas categorias. Objeto como objeto de observação ou estudo, que pode

ser materiais ou ideais.

As coisas são entes materiais, objetos materiais, fatos concretos que existem na

realidade. Enquanto os construtos são obteos conceituais, idéias, conceitos que se

referem a estados das coisas, mudanças, processos, acontecimento que se dão nelas

ou com elas.

Aqui se emprega o termo realidade para significar tudo que pode ser percebido ou conhecido pelo sujeito, tudo o que julga existir. Existe a realidade material ou objetiva, a realidade abstrata ou subjetiva (que inclui a chamada realidade virtual).

5 Regis de Morais, J.F., Ciência e Tecnologia, Ed. Cortez & Moraes, S.Paulo, 1976, p. 44.

1

3. O mundo material está composto exclusivamente por coisas às quais são agregadas

construtos.

3.1. Somente os entes materiais existem no mundo como objetos autônomos. Os

construtos são entidades ideais que manifestam certas qualidades ou tributos da coiss.

Os processos mentais contrários de reificação (imaginar os entes ideiais como objtivos)

e a ideificação Iimaginar entes abstratos como materiais) ilusões da consciência. A

energia é uma propriedade da matéria, como as idéias são propriedade da atividade

cerebral.

3.2. As propriedades não emanam das coisas são qualidades delas das quais não se

podem separa mas podem ser percebidas ou inferidas pelo observador em sua

consciência e este pode difenciá-las conceitualmente.

3.3. A observação de uma coisa faz surgir idéias na mente de que a observa idéias e

palavras, seja denominar suas características, para valorizar alguma de suas

qualidadea ou para explicar algum fenômeno que lhe aconteça. Tais idéias não

pertencem àquela coisa, nem as precedem na natureza, refletem-na na mente de que

as observa e se refletem napalavras que a expressam. As propriedades são

fenômenos conceituais que dizem respeito às qualidades que podem ser observadas

nas coisas, mas são existem independentemente dessas coisas e nem do observador

observá-las ou não.

3.4. A seguir, listam-se alguns tipos de propriedades das coisas.

2

Uma propriedade de uma coisa pode ser: intrínseca (quando independe de outra ou

outras coisas para existir, como a composição química ou a massa de uma coisa) ou

relacional (quando emerge na relação daquela coisa com outra ou outras, como o peso

em relação à gravidade ou se é o indíduo alfa em uma ninhada); primária (quando é

objetiva e independe de um observador ou secundária (quando só existe se observada

por alguém) ou secundária (como a cor, o volume, o som que preduzem; essencial

(quando indispensável para sua existência); acidental (ou accessória, quando pode existir

ou não sem ela); quantitativa (qe mudam apeas por varições de intensidade, como

altura, peso, extensão) ou qualitativa (quando varia a qualidade da coisa como gravidez,

parentalidade, morte e vida).

Bunge ainda distingue as propriedades manifestas das propensões ou potencialidades de um objeto. As propriedades manifestas existem por toda a existência. As propensões podem seu causais ou casuais.

2

3.5. As propriedades devem ser diferenciadas dos atributos (ou predicados, que só existem

se atribuídos por alguém à coisa observada, como acontece com as diversas formas de

valor, por exemplo). Porque os atributos quase se expressam por juízos, muitas vezes

juízos de valor, que são atribuídos às coisas materiais ou aos acontecimentos que

ocorrem nelas ou a elas.

3.6. As propriedades podem ser universais (quando se referem a tudo o que existe na

classe coisas apreciada, por exemplo, tudo o que existe está sujeito a mudar), genéricas

(ou particulares, quanse referem a um genero ou tipo específico de coisas ou construtos,

como a duração) e individuais (que se referem a um indivíduo especificamente, como

sua idade. A totalidade das propriedades de um indivíduo conforma sua identidade ou

totalidade.

4. Legalidade. As Leis são relações constantes entre duas ou mais propriedades que

se manifstam naquelas coisas em todos os lugares. O mundo (natural, o universo

material, o sistema universal e os subsistema contidos nele) existe por si mesmo,

independente de qualquer observador e obedee a algumas Leis Naturais, que se

expressam pelos chamados enunciados ou proposições legais. As leis naturais podem se

referir a:

4.1. alcance – conjunto de coisas que possuem essa propriedade. Quando uma lei

natural tem alcance tão grande que abrange todas as propridades de todas as coisas

que existem se denomina princípio universal ou lei geral (tudo o que existe muda, na natureza

nada se perde e nada se cria, tudo se transforma) e quando abrange as coisas e fatos de uma

categoria particular de coisas, denmna-se princípio particular ou lei particular (todos os

seres vivos nascem, vivem e morrem).

2

4.2 relação – quando são propriedades essenciais de uma coisa, de uma categoria

particular de coisas ou de todas as coisas que existem estão relacionadas, diz-s que

estão legalmente relacionadas, que sua relação é legal. O que nada tem a ver com leis,

como normas jurídicas. Toda propriedade essencial está sempre relacionada a outra

propriedade essencial. Porque todas as propriedades essenciais de uma coisa devem

estar relacionadas entre si. As relações pode variar de qualidade, intensidade e

duração. Tanto quanto se sabe, as leis biológicas são as mais variadas entre as

naturais por conta da complexidade das propriedades e das coisas a que se referem.

5. Estado de uma coisa é como se denomina à condição das propriedades de uma

coisa em um dado momento temporal. Os estados também podem variar de duração e

de insidade; e podem ser concretos ou abstratos. Os estados de equilíbrio e de

movimento dos corpos físicos e os de saúde e enfermidade dos organismos biológicos

são exemplos desta condição.

4. Evento, Proceso, História. Estes conceitos se baseiam no princípio de que todas as

coisas mudam (no espaço ou en quantidade) e ou se transformam (alteram sua

qualidade).

Denomina-se evento ou acontecimento a qualquer mudança de estado, ou seja, a uma

mudança simles de uma propriedade. Contudo só existem mudanças ou trasformações

legais, isto é, sujeita às leis que regem as coisas e suas propriedades. Quando duas ou

mais mudanças se encadeiam, a isso denomina-se um processo. A trajetória desde a

primeira mudança até o estado final se chama história.

Os eventos ou processos que acontecem às coisas concretas, bem como a histórias

que compõem não são entidades, coisas, são construtos. A expressão “entidade

histórica” é, na verdade, uma figura de linguagem, uma metáfora.

2

5. Materialidade e Mutabilidade são propriedades gerais das coisas, dos objetos

materais, dos entes concretos. Enquanto a idealidade e imutabilidade são propriedades

geais dos construtos, dos entes abstratos. Tudo que é material muda, os conceitosn

não. São mudados.

6. Espaçotemporalidade e Individualidade. No primeiro caso, da espaçotemporalidade,

todas as coisa materiais existem nos espaço e no tempo e só podem existir nessas

condições. Não apenas existem no espaço e no tempo, como mantêm relações

espaciais e temporais entre si e o conhecimento dessas relações e suas

consequências é essencial para explicá-las. Caso se defina indivíduo como entidade

material singular, a individuaidade também é qualidade das coisas, os construtos não

podem ser indivíduos, por são entes ideais. A individualidade é característica de

objetos materiais.

7. Fato.

A noção de fato é um dos elementos essenciais da ontologia científica.

ALGUNS PRESSUPOSTOS CIENTÍFICOS BÁSICOS

Bronowski, Diederich, Whaley e Surratt propuseram alguns pressupostos fundamentais

da atividade científica, que denominaram Atitudes Básicas do Cientista.

São os seguintes:

1. Empirismo

Dito de forma simples, um cientista prefere "ir e ver por si mesmo". Não discute se

chove lá fora - simplesmente põe a mão pela janela. Basicamente, isso expõe sua

crença em que existe um mundo real seguindo regras constantes em sua natureza, e

que é possível experimentar esse mundo real e construir um entendimento sobre ele –

o mundo não mudará se for estudado. E o mundo real também não depende do nosso

entendimento - não "votamos" em ciência.

2

2. Determinismo

"Causa e efeito" fundamenta toda atividade científica desde seu início. Principalmente

nas ciênia médicas. O mecanismo é simples, toda ação causa reação e efeitos não

ocorrem sem causas. Isso não quer dizer que não existam processos aleatórios ou

caóticos. Mas um mesmo agente causador nas mesmas circunstâncias não produz um

efeito hoje e um outro amanhã.

3. Crença em que todo problema pode ter solução.

Grandes problemas foram solucionados no passado, desde o Projeto Manhattam que

deu utilidade bélica à energia atômica, até enviar um homem à lua. Outros, como a

poluição, guerra, pobreza e ignorância são vistos como tendo causas reais e são,

portanto, solucionáveis - talvez não seja, mas é possível.

4. Parcimônia

Preferir a explicação simples à complexa: quando o complexo sistema geocêntrico com

epiciclos e o simples sistema heliocêntrico Copernicano explicam o movimento

aparente dos planetas, escolhe-se o mais simples.

5. Manipulação científica.

Qualquer idéia, mesmo simples e de acordo com observações aparentes, deve ser

confirmada por trabalhos que avaliem a possibilidade de que os efeitos sejam

causados por outros fatores.

6. Ceticismo

2

As proposições científicas devem partir de asserções prévias (hipóteses) a serem

verificadas para serem consideradas fatos. É comum que o cientista atinja um beco

sem saída na pesquisa e deve voltar e determinar se todas as asserções feitas são

verdadeiras e como os fatos acontecem. Ou que depois de diversas verificações que

apontem para a confirmação de uma tese, encontrem outra que a prove falsa.

7. Precisão

Ao conrário da libguagem vulgar. A linguagem científica recusa firmemente as

proposições vagas e mal-definidas. Um vírus causa uma doença? Quantos vírus são

necessários para infectar? Há algum hospedeiro imune ao vírus? A linguagem científica

deve ser tão exata e meticulosa quento for possível. Os conceitos científicos devem ser

isentos de polissemia.

8. Respeito por paradigmas.

Um paradigma é o entendimento genérico do mundo ou alguma de suas partes. Um

modelo de pensamento. Um conceito se "encaixa" nesse entendimento genérico ou

não se encaixa? Se não, é "estorvo" e o cientista dece descobrir se o novo conceito é

falho ou o paradigma deve ser mudado.

9. Respeito pela força da estrutura teórica.

Diederich defende que um cientista não pense que "Isso funciona na teoria mas não na

prática". Uma teoria só será confiável se confirmada na prática. A correção da teoria

está na finalidade em direção da qual o cientista está trabalhando; nenhum fato

científico é acumulado aleatoriamente. (O que bons estudantes de ciência devem

aprender!).

10. Disposição para mudar de opinião.

2

Quando Harold Urey, autor de uma teoria sobre a origem da superfície da lua,

examinou as rochas lunares obtidas na missão Apolo, logo reconheceu que sua teoria

não resistia aos fatos. "Estive errado!", declarou sem tentar defender a opinião que

sustentara com entusiasmo por várias décadas.

11. Legalidade à realidade.

O cientista é fiel aos fatos que expressam a realidade. O Dr. Urey que exemplificou o

item anterior não se converteu a nenhuma idéia nova, apenas aceitou um modelo que

sintonizava melhor à realidade. Nunca pretenderia manter uma opinião só porque

estava associada a seu nome.

12. Aversão à superstição e preferência automática por explicação científica.

Nenhum cientista pode conhecer toda a evidência experimental que baseia os

conceitos científicos atuais; assim deve adotar certos pontos de vista mesmo sem

entender suas bases. E rejeitar a superstição, prefere os paradigmas científicos como

apreciação pela força do conhecimento baseado na realidade.

13. Sede de conhecimento e "motivação intelectual."

Os cientistas são viciados em resolver quebra-cabeças. A pequena peça do quebra-

cabeça que não encaixa é a mais interessante. Entretanto, como Diederich nota, os

cientistas preferem viver com a incompletude do que "...preencher as lacunas com

explicações inadequadas."

14. Julgamento suspenso.

Novamente Diederich afirma: "Um cientista tenta arduamente não formar opinião sobre

determinado assunto até que o tenha investigado, porque é difícil desistir de uma

opinião já formada e elas tendem a nos induzir a encontrar fatos que as corroborem.

Deve haver, entretanto, disposição de agir sobre a melhor hipótese que alguém tenha

ocasião ou oportunidade de formar.

2

15. Ter consciência das proposições.

Diederich descreve como um bom cientista começa definindo termos, fazendo todas as

proposições muito claramente, e reduzindo as asserções necessárias ao menor

numero possível. Geralmente queremos que os cientistas façam afirmações amplas

sobre o complexo. Mas geralmente são bem específicos sobre o que "sabem" ou o que

têm certeza. Quando tais condições são satisfeitas, o resultado mais comum é pão,

pão e queijo, queijo.

16. Capacidade de separar os conceitos fundamentais dos irrelevantes ou

desimportantes.

Alguns jovens estudantes de ciência se enchem de observações e dados que são de

pouca importância para o conceito que eles querem investigar.

Concepção Sistêmica do Mundo

Regis de Morais 6 destaca que a palavra grega logos (razão explicativa) tem dois

sentidos em português: razão e inteligibilidade. Os sentidos que correspondem a duas

dimensões filosóficas: a lógica e a metodologia. O fator lógico do entendimento e a

base intelectual da sua operacionalidade; o pensamento e a palavra ou discurso que o

conduz ao interlocutor. A natureza, a sociedade e a personalidade constituem sistemas

e assim devem ser considerados. Daí que o conhecimento que as reflete dever

reproduzir sua sistematicidade.

Esta concepção sistêmica do mundo (sustentada por Mario Bunge, Oleg Tsukânov

entre muitos outros autores contemporâneos) se fundamenta em pressupostos,

apresentados como postulados e corolários.

Haverá ocasião de discorrer um pouco mais detalhadamente acerca do conceito de

sistema quando se tratar da sistematicidade como característica do pensamento

científico e como qualidade identificável na natureza e na sociedade. 6 Regis de Morais, J.F., Ciência e Tecnologia, Ed. Cortez & Moraes, S.Paulo, 1976, p. 44

2

Filosofia e Personalidade

Os processos individuais e sociais vivenciados pelos seres humanos estão de tal

maneira imbricados na pessoa, formando um amálgama dialético tão inseparável de

partes indestinguíveis, que é impossível saber se a personalidade é uma instância

individual socialmente condicionada ou se, ao contrário, constitui uma instância social,

conformada individualmente. Como regra geral, os fatores individuais e sociais só

podem ser diferenciados na unidade da pessoa por meio de um exercício intelectual de

abstração, uma elaboração conceitual que não pode, de maneira alguma, ser levada à

prática. Um costrut mental, enfim.

De fato, os elementos individuais e sociais são indistinguíveis na personalidade, assim

como as personalidades e seus papéis específicos são indetermináveis nas realidades

sociais que confomam (como, para exemplificar, a dificuldades de determinar o

significado da influência da personalidade nos acontecimento históricos e nos demais

processos sociais).

O termo personalidade provem da palavra latina persona que designava a máscara que o

ator do teatro grego empregava para representar a disposição anímica de seu

personagem cujoo papel representasse. A persona punha em evidência ou

caricaturava os traços mais significativos do personagem e permitia sua pronta

identificação pelos assistentes.

2

A noção de personalidade é essencialmente psicossocial, na medida em que integra

em um só significado a síntese da noção de indivíduo e sua relação dinâmica com a

sociedade na qual está inserido em um processo em permanente desenvolvimento e

adaptação (identificando-se, portanto, com a noção de pessoa com a qual se

confunde). Personificava o personagem. Da mesma maneira que integra dialeticamente

as noções de funções psicológicas, temperamento e de caráter.

Como se verá adiante, o conceito de pessoa é mais abrangente do que o de indivíduo

exatamente por causa desta relação com o social.

No plano individual mais ou menos estrito, as noções de personalidade e de dignidade

confluem para o conceito de pessoalidade. O conceito de pessoalidade reúne as

características individuais identificáveis que assinalam um indivíduo humano ssingular,

diferenciando-o de todos os demais indivíduos, do mesmo tipo, da mesma espécie ou

do mesmo gênero.

O ser humano, quando avaliado neste contexto particular presente nas idéia de

personalidade, apresenta um movimento permanente de desenvolvimento tanto no

plano ontológico (do indivíduo), quanto filológico (da espécie). O desenvolvimento

ontológico (do indivíduo) imita o filológico (da sua espécie).

O conceito de homem (com o seu sentido mais abrangente, equivalente a ser humano,

independente de sexo) é bastante amplo e costuma abranger pelos menos duas

noções específicas que, freqüentemente, são confundidas como se fossem idênticas,

apesar de corresponderem a coisas bastantes diferentes.

Tais noções são as seguintes:

= o indivíduo e

= a pessoa.

Na verdade, os conceitos de indivíduo e pessoa podem parecer idênticos porque na linguagem comum têm iguais significados e são usados mais ou menos

3

indistintamente naquela modalidade de conhecimento. Contudo, o que não acontece (ou não deve acontecer) na terminologia científica. Mesmo na linguagem culta, além da terminologia científica, as palavras indivíduo e pessoa representam conceitos diferentes, que simbolizam coisas diversas e bem definidas e seu emprego não deve ser feito de maneira indiscriminada.

A palavra indivíduo expressa unicamente uma referência quantitativa de singularidade;

pois, se refere ao elemento mais simples presente em umacoleção de outros como ele,

uma coletividade; um componente singular de uma pluralidade, mesmo que se trate de

um conjunto inanimado.

Enquanto a noção de pessoa se refere ao componente mais elementar da humanidade,

expressão de uma diferenaça qualitativa caracterizadora de um ser humano dotado de

personalidade e de dignidade. Costuma-se denominar pessoa ao indivíduo humano (o

que se faz muitas vezes),mencionando um ente pessoal ativo e digno. Não apenas um

indivíduo, na qualidade de um ente singular e caracterizado apenas por esta

singularidade.

Embora a maioria das pessoas não dê importância para estas diferenças de significação no senso comum, o emprego da expressão “indivíduo humano” pode ter o mesmo significado, mas, em geral permite designar apenas suas propriedades biológico-individuais, excluindo qualquer característica psicológica ou sócio-cultural (atributos que são indispensáveis ao conceito de pessoa).

3

Já a expressão pessoa humana, porque é redundante, deve ser evitada (a não ser para

ser diferenciada de uma pessoa divina ou pessoa jurídica, quando se der este caso). A

não ser por isto, seu emprego pode denunciar desconhecimento do significado dos

termos empregados; posto que, por mais tolerante que seja sua apreciação, não há

possibilidade de existir pessoa que não seja humana ou ser humano agente social que

não seja pessoa, a não ser como metáfora (mesmo que necessária, como pessoa

jurídica). Pois, quando se faz referência a pessoa jurídica, por exemplo, este caso é

aquele em que o termo pessoa deve ser adjetivado. Afinal, a noção de pessoa jurídica

é uma ficção que se usa apenas em homenagem ao passado remoto do termo, para

significar um entidade jurídica com direitos e obrigações.

Os conceitos de pessoa e de indivíduo devem ser bem diferenciados, principalmente

na linguagem científica, ainda que tal diferenciação seja essencial na expressão da

linguagem comum culta.

Na linguagem científica, denomina-se indivíduo a um ser diferenciado dos demais por ter vida separada ou características diferenciais que o assinalem como singular; uma unidade funcional específica. Qualquer ser, de qualquer espécie pode ser encarado como indivíduo. No indivíduo coexistem e se confundem os atributos de singularidade e individualidade.

A singularidade é o atributo essencial da individualidade. A individualidade de algo se reúne em um certo número de características que o diferenciam dos outros da mesma espécie, fazendo-o único em sua singularidade.

Pode-se usar o termo indivíduo com sentido amplo para objetos indivisíveis (um planeta no sistema solar, uma galáxia no universo, uma estrela na galáxia, uma laranja na laranjeira, uma formiga no formigueiro, um grão de areia no areieiro).

Já pessoa, é um conceito muito mais complexo e sua definição é essencial para

caracterizar o objeto da Medicina e para entender os valores éticos que apoiam a teoria

e a prática da Medicina. Valores que se mantêm respeitados e respeitáveis ao longo

dos últimos vinte e cinco séculos.

Pessoa é uma noção que transcende o conceito de indivíduo e existe para designar a entidade individual humana completa, inclusive sua personalidade (o que inclui todos seus atributos biológicos anatômicos e fisiológicos, psicológicos e sociais).

3

Inclusive sua sujeiticidade, como atributo pessoal e sua condição de autonomia e de agente de direitos e de deveres sociais).

3

A concepção de pessoa, como expressa aqui, ao menos na linguagem culta, científica

ou filosófica, ultrapassa o conceito de indivíduo em todos os planos das numerosas

possibilidades de seu entendimento. E sua principal diferenciação é que, ao menos em

tese e com exceção da lingugem metafórica, só deve ser atribuída a seres humanos,

enquanto o termo indivíduo cabe todos os entes singulares de um conjunto, sejam

concretos ou abstratos. Neste sentido, não são atributos isolados como a

racionalidade, a afetividade especial ou a psicomotricidade que caracterizariam uma

pessoa. Mas sua humanidade. A pessoalidade já não é dada pela personalidade. Um

ser humano com as mais graves limitações cognitivas, afetivas e psicomotoras

prossegue sendo merecedor do atributo de pessoa, inclusive como detentor de direitos

humanos.

A noção de pessoa, inclui uma referência à sua condição de ser social, um indivíduo

socializado, uma personalidade detentora de qualidades que, como se viu

anteriormente, a individualizam, identificam, pessoalizam, personalizam e dignificam. A

dignidade da pessoa tem sido um atributo sempre reconhecido nos homens de todos

os tempos civilizados e é um dado essencial não só da civilização, mas do humanismo

como atitude intelectual básica.

Não há, nem pode haver civilização desenvolvida sem que ali exista respeito pela

dignidade humana, por mais diferente ou estranho que possa parecer, como principal

atributo das outras pessoas. O atributo dignidade é essencial para entender a

humanidade. Muito mais que sua inteligência, que suas possibilidades verbais, que

suas habilidades psicomotoras, que sua aptidão para amar ou desempenhar papéis da

vida social. No presente momento histórico, um excelente indicador civilizatório é o

respeito aos direitos humanos.

A noção de pessoa inclui tudo isto e transcende a todos estes atributos, exatamente

pelo carácter ético de sua dignidade, o que o faz credor dos direitos humanos.

3

Os conjunto de normas sociais denominado Direitos Humanos representa um código

de direitos que a sociedade atribui às pessoas, a todas as pessoas, pelo fato de serem

humanas.

Classificação da Filosofia

Como muitos outros estudiosos do assunto, OLEG TSUKÂNOV7 ensinava que, ≈

considerando-se o estado do conhecimento sobre a filosofia materialista e seu

significado como filosofia da ciência, prefere-se aqui classificar a filosofia em quatro

capítulos:

= ontologia,

= gnosiologia,

= lógica,

= metodologia e

= ética.

A partir de uma avaliação materialistas da filosofia, a ética e todas as demais

disciplinas axiológicas, por suas características essenciais, se situam mais como

disciplinas antropológicas e sociológicas do que filosóficas.

7 Andery, M.A. et alli, Para Compreender a Ciência, Ed. Espaço e Tempo/EDUC, Rio, 1988, pp. 34 e seguintes.

3

A teoria do ser ou ontologia, capítulo da filosofia que estuda, em seu sentido mais

amplo, a origem, a essência, a causa primeira e a explicaçao do cosmos, da vida e do

pensamento (em suma, de tudo o que existe na realidade); e, em sentido mais limitado,

atualmente, o termo ontologia pode ser empregado para referir o processo filosófico de

estudar o quê conhecer, o objeto do conhecimento; neste caso, como se faz neste

trabalho, o estudo ontológico de uma ciência é o estudo de seu objeto (sua definição e

sua objetividade). Não é possível pensar em ciência ou qualquer atividade científica

sem ter bem clara a noção de seu objeto de estudo.

Classicamente, a teoria do ser se denominava metafísica. Foi renomeada por materialistas e positivistas cedendo à recusa do termo metafísica com sentido de sobrenatural, mágico-sobrenatural, religioso. Isto porque identificam nesta expressão seu sentido inicial de algo alem a física, fora de realidade natural, como se faz quando se considera a teologia (teoria de deus) como parte da filosofia.

3

A teoria do conhecimento, também chamada epistemologia ou gnosiologia, é a

disciplina filosófica que estuda o conhecimento em geral, inclusive o conhecimento

científico, a verdade, o erro; a teoria do conhecimento é o estudo do como se conhece,

dos processos utilizados para conhecer. É com a gnosiologia ou epistemologia que se

definem as grandes diretrizes do pensamento científico.

A teoria da arquitetura lógica do pensamento, da elaboração racional das idéias,

sobretudo do manejo dos juízos, referida simplesmente como lógica (inclusive a lógica

matemática, a lógica formal, a lógica dialética) que preside a construção dos conceitos,

das categorias, das proposições e das teorias científicas. A teoria dos procedimentos

operatórios destinados a construir o conhecimento científico com suas exigências de

veracidade, ou a metodologia, o que inclui tanto a metodologia filosófica quanto a

metodologia científica e que costuma ser incluída como parte integrante da lógica na

maioria das sistematizações. (Sendo destacada aqui, principalmente, por sua

importância relativa para o tema central deste trabalho sobre a fundamentação

científica da Medicina e da psiquiatria).

Não existe praticamente qualquer aspecto da filosofia que seja isento de divergências e

opiniões contraditórias de todas as proporções possíveis. Como matéria fortemente

ideologizada, a filosofia se apresenta, simultaneamente, como instrumento de combate

e campo de batalha das mais diversas ideologias que se confrontam no mundo. Por

isto, sua classificação também costuma ser objeto de muito confronto.

A sistematização da filosofia nestes capítulos não atende à todas as opiniões dos

especialistas ou se compatibiliza obrigatoriamente com todas elas, porque nenhuma

consegue esta façanha, tantas e tamanhas são as divergências existentes neste

terreno.

3

Esta classificação foi empregada aqui, como opção do autor, porque é suficientemente

defensável, parece bastante coerente com as opiniões expostas frente à questão

central da filosofia e as outras opções doutrinárias feitas ao longo deste trabalho. E

também porque se presta muito bem ao entendimento da Filosofia do conhecimento

como instrumento do processo de conhecer, explicar e transformar o mundo.

Quando se estuda o conhecimento filosófico é bastante possível, sem qualquer

prejuízo para o entendimento do assunto, considerar a gnosiologia como o capítulo da

filosofia que estuda o conhecimento em geral, qualquer processamento cognitivo; e

encarar a epistemologia como ramo da gnosiologia dirigido especificamente para o

estudo do conhecimento científico. Com este segundo sentido, a epistemologia se

diferenciaria da gnosiologia, embora esta passe a ser considerada sua matriz como a

teoria do conhecimento, área mais ampla que a teoria do conhecimento científico.

Para muitos, no entanto, gnosiologia e epistemologia são sinônimos e ambos os termos

podem ser empregados com o significadeo de teoria geral do conhecimento. Caso em

que empregam o termo cientologia para mencionar a teoria do conhecimento científico.

Entretanto, como este termo cientologia também designa uma organização religiosa de

procedência norte-americana de péssima reputação no meio científico ocidental, seu

uso tende a ser evitado por aí.

Neste texto, em geral, a menos que se indique diferente, os dois termos, gnosiologia e

epistemologia, são empregados como equivalentes em significação, pois não parece

haver qualquer descontinuidade qualitativa entre os dois fenômenos a que estes

conceitos se referem, pois se considera que o conhecimento científico e o

conhecimento não científico não se diferenciam por sua estrutura cognitiva, mas por

sua metodologia, rigor, previsibilidade e verificabilidade.

3

Embora a Metodologia pareça ser o componente filosófico que tem mais

relacionamento com a filosofia, isto não é verdade. Toda a filosofia e cada um de seus

ramos tem importância para a atividade cientifica e para seu desenvolvimento, são

atividades huanas intercomplementares. Não é possível fazer boa ciência quando se

ignora a filosofia, porque a ciência sem filosofia é uma arquitetura sem alicerces. A

ontologia, a gnosiologia, a lógica e a ética são tão necessárias à investigação e ao

pensamento científico quanto sõ importantes às suas aplicações tecnológicas.

Aristóteles, Francis Bacon e René Descartes forneceram a fundamentação teórica da

doutrina do método científico como investigação acerca do conhecimento verdadeiro.

Antes de Karl Marx, a metodologia se confundia com a lógica e esta, com a psicologia,

até que HEGEL diferenciou o método filosófico dos métodos científicos, dando novo

rumo a este estudo. Aqui, se considera a Metodologia como o ramo da filosofia que

articula as leis do pensamento com as leis do mundo objetivo (incluindo as leis que

regem a natureza e a sociedade), sobretudo, elabora os meios utilizados pela filosofia e

pelas disciplinas científicas para atingir seus objetivos cognitivos.

Devendo-se destacar que, a cada momento, cresce a importância que se atribui ao

método no processo de aquisição do conhecimento científico; tanto, que o grau de

cientificidade de uma atividade cognitiva é determinado, em grande parte, pela

avaliação da sua metodologia; pois a cientificidade de um conhecimento qualquer pode

ser sempre determinada a partir do exame dos procedimentos metodológicos

empregados em sua obtenção.

3

Alguns autores (os que consideram a filosofia como uma ciência formal, como contece

com os marxistas e alguns positivistas) não incluem a axiologia como ramo da filosofia.

Por causa de sua dimensão essencial, característica e essencialmente valorativa,

incluem-na, como disciplina filosófica, a axiologia ou teoria dos valores, incluindo a

moral e a ética (que objetiva estudar a origem, a essência e a evolução dos valores

essenciais, dos princípios e das regras norteadoras da conduta humana).

Tradicionalmente, esta disciplina pertencia à filosofia denominada como teoria do valor

e sua presença nela é uma das razões da diferenciação do conhecimento científico do

saber filosófico.

Caso se retire a axiologia do campo da filosofia, passando a enquadrá-la como um

conhecimento antropológico, o que pode ser considerado muito pertinente, ela pode ser

considerada uma ciência formal. Isto porque a axiologia, não pode ser tida como

ciência, por falta da necessária objetividade incluída na exigência de especificidade da

ciência.

Por isto, para aqueles que querem ter a filosofia como uma ciência formal, deve ser

conveniente situar a axiologia e seus ramos (inclusive as disciplinas normativas como

as regras disciplinadoras do trânsito, as regras de boas maneiras, o direito, a moral e a

ética), face a sua subjetividade, e mais todas as disciplinas chamadas axiológicas,

junto a outras disciplina sociais normativas, como as jurídicas, que já não são mais

consideradas ciências, fora do campo da filosofia. Ordenadas, preferentemente, entra

as ciências antropológicas.

4

Considera-se a ética como o estudo dos princípios norteadores da conduta social e

moral, como o conjunto de regras que consubstanciam as prescrições e proscrições

que regem a convivência das pessoas entre si na sociedade. Desde muito

remotamente existe uma moral e uma ética médicas que sempre foram consideradas

como vertentes essenciais da Medicina e devem ser, naturalmente, subordinadas à

existência social e que serão consideradas especificamente quando se tratar dos

fundamentos históricos da Medicina e, próximo título deste trabalho sobre os

fundamentos da medicina.

No entanto, mantendo-se a ordenação tradicional tripartite do conhecimento, não há

razão para excluir estas disciplinas axiológicas do campo da filosofia.

Medicina e Ciência, Filosofia e Ideologia

A ideologia é o meio mais eficaz para exercer o controle social e buscar tornar

homogênea a consciência social dos povos mais civilizados. A palavra ideologia tem tido

variados significados apesar de sua trajetória histórica relativamente curta. Esta

diversidade de significações complica o entendimento do termo ideologia e dificulta

bastante o seu emprego como termo científico, sobretudo pelos iniciantes nos estudos

cientíoficos que não estejam afeitos aos conceitos das ciências sociais; além disto, há

mais uma dificculdade adicional, por ser uma palavra muito utilizada, todos pensam

conhecê-la e fazem-no mais ou menos imprecisamente. E, também nesta questão, o

pior desconhecimento, é o desconhecimento daquilo que se pensa conhecer. A

informação errada (desinformação) ou alienada costuma ser sempre muito mais

danosa do que a ausência de informação ou a informação incompleta.

Evolução Histórica do Conceito de Ideologia.

4

Qualquer fato, mecanismo ou processo pode ser estudado melhor e mais

proficuamente no curso de sua evolução. Por isto, uma das melhores formas de se

conhecer qualquer processo, principalmente os conceitos, é conhecer sua origem e os

caminhos de sua evolução. Principalmente, quando se trata de um conceito

controvertido e polivalente, como sucede ser o conceito de ideologia, parece importante

iniciar se estudo por uma revisão de sua história e evolução significativa. Comno se

iniciou, como evoluiu e como chegou até ao momento presente.

Ainda que esquemática, parcial e incompletamente, a história do conceito ideologia pode

ser descrita da maneira como se descreve a seguir.

Como precursor e originador do conceito que está sendo estudado aqui, FRANCIS

BACON (1561-1626) terá sido, bastante provavelmente, se não o originador, ao menos

um dos primeiros precursores do conceito moderno de ideologia, quando propôs a noção

de ídolos como idéias que serviam como elementos encobridores dos erros no

conhecimento da natureza.

Neste sentido particular, o ídolos são símbolos ou objetos materias adorados; o ídolo é um desdobramento lógico e histórico do fetiche. Fetiche provém do português feitiço = coisa feita; artificial. Alcança todo objeto artificial que é adorado como divindade ou objeto que é usado em uma cerimônia mágica como representante de uma pessoa.

4

BACON diferenciava os ídolos inatos dos adquiridos socialmente, aos quais

denominava imagens idolátricas e reconhecia quatro tipos diferentes de ídolos:

os idola tribu (os ídolos da tribo) que são característicos da espécie humana e de

suas limitações naturais;

os idola specus (os ídolos culturais) que são induzidos pela convivência social, pela

educação e pela submissão às autoridades;

os idola fori (ídolos do foro, do tribunal) que se orginam adquiridos pelo aprendizado

da linguagem, se referem a experiências concretas e ao conteúdo dos sentidos; e

os idola theatri (‘dolos do teatro) oriundos de uma edução do círculo histórico e

resultanto dos princípios e regras estabelecidos dogmaticamente pela Filosofia (algo

como os paradigmas científicos e os padrões de pensamento epistemológico).

Os ídolos de BACON se referiam às dificuldades para conhecer a natureza e não a

sociedade pois, para ele a sociedade não era accessível ao conhecimento racional da

ciência.

O primeiro autor a empregar o termo ideologia foi Destutt de Tracy (1754-1836), em

1796, na obra intitulada Project d’Élements d’Idéologie. Alí o vocábulo foi usado como

ciência das ideias; referindo-se ao estudo sistemático e crítico das idéias. Uma espécie de

psicologia cognitiva. A seguir a expressão, foi empregada por Cabanis (1757-1808) e

Desttut de Tacy em 1801, significando ciência da alma (ou da subjetividade, exatamente

com o mesmo significado que o termo psicologia defruta atualmente).

Logo depois, a palavra ideologia passou definida como ciência das idéias e, então,

significava estudo sistemático da formação e da assimilação dos conceitos enquanto

idéias elementares, posto que os conceitos são considerados como os componentes

mais simples do pensamento inteligente.

4

Quando começou a ser usado, o termo ideólogo era um indicativo de prestígio

intelectual e social naquela época. Mas esta situação de bonanca e favorecimento não

perdurou por muito tempo. Logo, os ventos mudaram.

Veja-se. Ainda no Império, Napoleão, aparentemente para se defender dos opositores

de esquerda, empregava depreciativamente o termo ideologia para designar idéias

vazias de conteúdo, sem qualquer praticidade ou utilidade, por isto, inaplicáveis à

realidade concreta; para muitos. E chamava ideólogos seus cultivadores. Essa foi a

fase preparatória para o sentido que, depois, se atribuiria à ideologia, a partir do

alvorecer do século dezoito. o filósofo CONDILAC (1715-1780) também se preocupou

com diferenciar o conhecimento científico verdadeiro das falsas convicções que não

poderiam ser chamadas de conhecimento (quanto mais científico).

Depois da Revolução Francesa e do Império, já na Ilustração francesa, HELVETIUS

(1715-1771) e D’OLBACH (1723-1789) alongaram estas noções de Bacon de modo a

explicar e contestar a influência que a religião exercia sobre o Estado, de tal modo que,

para se manter no poder, criava um mundo ilusório de felicidade eterna para encobrir o

conhecimento da realidade social concreta e para iludir as pessoas com uma

reconpensa pelo sofrimento presente a ser paga na eternidade, depois da morte.

Ambos sustentavam que a conduta dos homens era condicionada socialmente.

Logo após, já na Restauração, a expressão passou a ser tomada como uma blasfêmia

anti-religiosa e passou a designar as idéias dos livre-pensadores, dos anticlericais, dos

franco-maçons, dos anarquistas e carbonários. Chamava-se ideologias às idéias sociais e

políticas anti-religiosas, sobretudo as anti-católicas e politicamente anti-monárquicas e

progressistas; em geral, maçônicas, republicanas e liberais.

4

Por volta do fim do século XVIII e início do século XIX o termo ideologia adquiriu uma

conotação ética; então, ter ideologia significava alimentar idéias valiosas, que davam

sentido à vida, pelas quais valia a pena viver e, até, se fosse o caso, morrer por elas.

Para muitas pessoas, principalmente naquele sentido empregado na comunicação

social comum, ideologia quer dizer um sistema de idéias referente ao exercício político ou

econômico social; ou pode se confundir com um ramo da teoria política; por fim,

ideologia pode se referir a um sistema de idéias políticas, a uma concepção ideal da

sociedade e das relações sociais que a configuram. Geralmente, os sistemas políticos

socialistas são igualitários.

Este último sentido, a ideologia como sistema de idéias sociais e políticas, mesmo que

não esteja dicionarizado, é o significado com que o termo é empregado na maior parte

dos veículos de comunicação social e é aquele com o qual a maiso parte das pessoas

o utiliza na linguagem comum. Mas a ideologia é, também, uma auto-visão e auto-

julgamente que uma classe social faz de si mesma.

Marx, o atualizador e principal divulgador do conceito de ideologia. Karl Marx (1818-

1883) talvez tenha sido quem haja dado a melhor contribuição ao conceito de ideologia.

Até porque, depois dele, todos os que trataram o tema usaram sua opinião como

referência obrigatória. Se bem que, ao longo de sua obra, de 1843 a 1883, Marx

tivesse feito variar o sentido do termo (de ideologia como noção-concepção mestra,

como imaginário e, finalmente, como falsa consciência e não mais como uma idéia

singular.

Entretanto, ao contrário dos que empregavam o termo ideologias no plural, com o sentido

de idéias e de conjunto de idéias, Marx usou o termo ideologia no singular e, sempre,

como sinônimo de falsa consciência, com o sentido de convicção destituida de

razão, ou de certeza provinda do senso-comum e socialmente determinada, quanto

mais eficaz quanto mais inaparente e reconhecível.

4

Marx considerava a ideologia como representação subjetiva de uma determinada

realidade sócio-econômica e cultural que se faz incorporar à consciência de todas, ou

quase todas, as pessoas em uma sociedade qualquer. Também julgava que, embora

seja destinada à satisfação dos interesses apenas do grupo dominante (no caso, quase

sempre, a classe social hegemônica) se incorpora à consciência social de todos os

agentes sociais ou de alguns deles, gerando uma ilusão de satisfação, mesmo nas

pessoas que tivessem seus interesses individuais contrariados por ela.

Para Marx a ideologia se apresenta como uma idéia ou sistema de idéias que se

impõem à consciência de uma pessoa ou de um conjunto social. Neste sentido

marxiano, ideologia é toda consciência que não entenda a relação existente entre as

relações materiais de produção e a alienação e a coisificação.

Um dado essencial do conceito de ideologia em Marx é sua vinculação aos interesses

objetivos das classes sociais. Para ele, a ideologia não resulta apenas de necesidades

sociais, mas principal ou exclusivamente dos interesses econômicos das classes

sociais.

Adiante, retomar-se-á a relação entre ideologia e classes sociais.

MAX WEBER (1864-1920), como opositor teórico de Marx nas explicaçòes sociológicas,

recusa esta explicação da ideologia reduzida unicamente ao econômico e inclui nela os

fatores éticos e outros condicionamento culturais que considerava, também, como

motores originais e importantes das ideologias e dos demais aspectos da consciência

coletiva.

Max SCHELLER entendia ideologia como o aspecto mais importante da sociologia do

conhecimento: o conhecimento devido à influência do contexto social onde se origina e

se desenvolve. A influência da realidade social na consciência das pessoas.

MANNHEIM (1843-1947) considera a ideologia como o conhecimento que surge como um

reflexo da realidade social que, simultaneamente, revela e oculta.

4

PARETO (1848-1923), concebe as ideologias são idéias muito simplificadas provenientes

mais da afetividade que da razão que orientam e controlam as relaçòes dos indivíduos

no interior dos sistemas sociais.

Adam SCHAFF divide os significado de ideologia em três grupos: definições genéticas (que

provém de seu significado original); definições estruturais (que a opõem ao conhecimento

científico) e definições funcionais que fazem sobressair a funcão social das ideologias na

vida das sociedades.

ANDER-EGG, a partir de um ponto-de-vista marxiano, define ideologia como sendo o conjunto de crenças, opiniões e idéias sobre o homem, a sociedade, a história e o mundo que produz um sistema de representações mentais acerca da maneira pela qual os homens se relacionam entre sí e com o mundo; este sistema de representações é uma resposta a interesses, aspirações ou ideais de uma classe social e se originam nas condições objetivas de sua existência concreta e oriental e justificam suas

opiniões, crenças e comportamentos.

Neste sentido colocado por Ander-Egg, mas amplamente empregado neste fim-de

século, é preciso tentar não confundir uma ideologia com a chamada visão do homem, da

sociedade e do mundo que é, afinal, a filosofia (ou sua base formal). A ideologia pode

ser uma visão do mundo, ou de parte dele, mas se origina nos interesses da classe

hegemônica na sociedade. E é este último atributo que a caracteriza. A visão do mundo

não se resume a uma ideologia. Porque, caso se concebesse assim, a ideologia

substituiria a Filosofia, já então, tida como explicação ilusória e fátua.

No entanto, o que caracteriza uma ideologia não é seu conteúdo (filosófico, científico,

geográfico, político ou outro qualquer). Mas sua acriticidade e sua origem em

interesses sociais objetivos e de grande amplitude.

Ideologia também pode significar qualquer conjunto mais ou menos estruturado de

idéias, um sistema teórico; mas muitas vezes, a expressão traduz o significado de idéia

impossível de se concretizar, de ser praticada, uma utopia, aproximando-se do sentido

napoleônico da expressão.

4

Atualmente e na linguagem comum se usa ideologia como doutrina ou teoria política.

Exercícios de Definição da Ideologia

No senso comum.

Dcicionário de Aurélio Buarque de Holanda

De ideo + logia. 1. Ciência da formação das idéias, tratado das idéias em abstrato,

sistema de déias; 2. Filosofia. Pensamento teórico que pretende desenvolver-se sobre

seus próprios princípios abstratos, mas quew, na realidade, é a expressão de fatos.

Principalmente sociais e econômicos, que não são levados em conta ou não são

expressamente reconhecidos como detrminantes daquele pensamento.

Dicionário Priberan

Deologia – do Gr. idéa + lógos, tratado, s. f., ciência que trata da formação das ideias e

da sua origem; conjunto de ideias, crenças e doutrinas, próprias de uma sociedade, de

uma época ou de uma classe, e que são produto de uma situação histórica e das

aspirações dos grupos que as apresentam como imperativos da razão; sistema

organizado e fechado de ideias que serve de base a uma luta política.

Definição de ideología do Diccionario da Academia de la Lengua Esapñola:

(Del gr. logos: idea + -logía).1. f. Doctrina filosófica centrada en el estudio del origen de

las ideas. 2. f. Conjunto de ideas fundamentales que caracteriza el pensamiento de una

persona, colectividad o época, de un movimiento cultural, religioso o político, etc.

4

Vocabulario Filosófico-Científico, de Abarca-Fernandes, R, encontrado no sitio

http://www.ucsm.edu.pe/rabarcaf/vofici00.htm.

Ideología: Conjunto sistemático o no de ver el mundo expresado a través de un núcleo

de ideas, valores, representaciones, actitudes de un grupo social o de un individuo. La

ideología no es una teoría especulativa establecida por medio de un análisis racional y

objetivo, sino un modo de pensar o un sistema de actitudes características de una

clase o individuo, vemos que la evolución se ha convertido de este modo en una

ideología científica.

El sentido etimológico de "ideología" la connota como "ciencia de las ideas", por lo que

el ideólogo sería aquel que se ocupa de las ideas, clasificándolas, buscando su origen,

explicando sus combinaciones, etc.. Con este sentido el término fue empleado en los

siglos XVIII y XIX por un grupo de filósofos franceses que se inspiraron en Condillac, y

que precisamente fueron llamados "ideólogos". Uno de estos Antoine Destutt de Tracy,

consideró la ideología como una "filosofía prima", articulada en tres sectores de

investigación: la ideología propiamente dicha, que tiene por objeto el análisis del origen

de las ideas; la gramática, que tiene por objeto el estudio de las modalidades de su

expresión, y, la lógica, que tiene por objeto el estudio de su combinación. En 1801

Destutt designó con el término ideología "el análisis de las sensaciones y de las ideas"

siguiendo el modelo de Condillac. En este contexto la ideología fue la corriente

filosófica que señaló el tránsito del empirismo iluminista al espiritualismo tradicionalista

que floreció en la primera mitad del siglo XIX. Napoleón adoptó el término en sentido

despectivo para calificar de "ideólogos" a sus enemigos políticos. En la segunda mitad

del siglo XIX el término es utilizado por el marxismo para calificar la cultura denominada

"burguesa".

4

Según Carlos Manheim la ideología es la idea que es capaz de insertarse en la

situación, de dominarla y de adatársela; pues las "ideologías son las ideas que

trascienden la situación y que nunca lograron, de hecho, realizar su contenido virtual.

Aunque a menudo se convierten en los motivos bien intencionados de la conducta del

individuo, cuando se las aplica en la práctica se suele deformar su sentido. La idea

cristiana del amor fraternal, por ejemplo, sigue siendo, en una sociedad basada sobre

la servidumbre, una idea irrealizable y, en ese sentido, ideológica, aun cuando se

reconozca que puede actuar como motivo en la conducta del individuo" (Ideología y

Utopía).

Entendemos que la ideología es un sistema de ideas concernientes al mundo del

hombre, especialmente a los conceptos de la vida social. A diferencia de la filosofía, no

es una teoría especulativa o práctica, sino una manera de pensar o un sistema de

actitudes. Un "ismo", según el diccionario de Webster, es una doctrina o práctica de un

sistema filosófico, una teoría o un principio. Las ideologías se refieren a un modo de

pensar, a una actitud de la mente; los "ismos" se refieren a un modo de vivir, a la

práctica de un modo de pensar.

Em filosofia, existe um relativo consenso em caracterizar ideologia como falsa

consciência. Pode-se definir ideologia como crenças, opiniões, valores e outras

representações individuais que se originam acriticamente do interesse quase sempre

objetivos de entidades sociais com as quais as pessoas se identificam. Entre os

conceitos de consciência crítica e ideologia como falsa consciência, surge o conceito

de consciência possível.

Aspecto curioso da ideologia e que a distingue da psicologia é que, freqüentemente,

ela contraria os interesses individuais de seu agente, evidenciando o como e o quanto,

muitas vezes, as necessidades sociais, de grupo, de classe, se sobrepõem às

necessidades individuais e as postergam ou encobrem.

5

Tanto a ideologia quanto as diferentes modalidades de consciência individual

(consciência crítica e consciência possível) ou consciência social (religião, valores,

senso de moralidade e outros artefatos culturais) podem ser compostas por

representações individuais e coletivas capazes de determinar as regras básicas que

propulsionam, dirigem ou modulam os componentes de um sistema social e

determinam o modo de seus membros pensarem, sentirem e reagirem frente às

situações mais comuns e mais importantes.

Não parece possível separar precisa e completamente os objetos da psicologia, da

psicologia social e da sociologia, pois compõem um continuum da realidade humana.

A função principal de uma ideologia parece ser sempre justificar, manter e reproduzir a

estrutura social vigente ou outros interesses sociais, porque se presta perfeitamente

para justificar e legitimar muitos interesses sociais, sobretudo políticos e culturais (além

daqueles que estão implícitos na estrurua do Estado).

Outros exercícios de definição: Primeiro, de uma perspectiva influenciada pelo

psicologicismo condutista. Neste caso a ideologia seria definida como uma elaboração

teórica de qualquer nível (conceito, juízo ou teoria) proveniente de interesses sociais e

incorporada pela consciência de maneira acrítica. Uma concepção teórica e

ideologizada que incide neste tema, é a pretensão de negar a conação, a

voluntariedade ou rebaixá-lo à condição de conceito teórico. Embora, mesmo negando

a noção de vontade, começa a usar o de intencionalidade.

Depois, de um ponto de vista político, porque a relaciona com o fenômeno político

axial, que é o poder. Aqui a ideologia é entendida somo a dimensão individual e

subjetiva do poder social; instância coletiva e objetiva, apesar de abstrata, que resulta

da hegemonia política de uma classe ou de outro ente social sobre os demais em seu

ambito de convivência.

Neste caso, a ideologia integra o psicológico e o social em ujma síntese indissolúvel.

5

Desde a infância, as pessoas assimilam opiniões, crenças e valores e formam atitudes

que lhes vão sendo transmitidas constantemente, de maneira inteiramente ou

predominantemente automática, sem que elas se dêem conta inteiramente. Depois,

pensam, sentem e são movidos ou têm seus coportamentos modulados por aquelas

representações; que são percebidas, sentidas e reconhecidas como se fossem

autóctones, como se tivessem se originado em si mesmo. Isto é ideologia.

Ideologia e Política

Há muito, identificam-se mutuamente os conceitos de ideologia e de política. Ao menos

no sentido marxiano da expressão ideologia identifica-se a ideologia como um dos mais

importantes processos de dominação e de submissão política, a dominação e a

submissão político-ideológica.

Para Thernborn 8 podem ser identificados seis processos psicológicos e políticos

diferentes pelos quais as ideologias em todas as sociedades atuam sobre os indivíduos

e sobre os grupos sociais que coexistem nelas.

1. Adaptação. Modalidade de conformidade que induz nos dominados e dominadores a

atitude de aceitar a situação de domínio como algo natural e esperável. No máximo se

permitem pensar em mecanismos um pouco deferentes, mais brandos ou mais

severos. Destaca que a adaptação também inclui a posibilidade dos dominados

exercerem alguma oposição. Ainda que alguma modalidade adaptada de oposição. No

regime escravista, é mais provável que a ideologia induza procedimentos para um

escravo comprar a própria alforria do que se rebelar contra a escravidão.

8 Thernborn, G., Ideología del Poder y el Poder de la Ideología, Editorial S. XXI, Madrid

1987

5

2. Sentimento da inevitabilidade da dominação. Quando a obediência do dominado (e a

exigência do dominador) decorre da ignorância de cualquer possibilidade legítima de

libertação.Fundamenta um processo de alienação típico. A marginalização dos

dominados costuma ser interpretada cínicamente crítica pelos dominadores.

3. Representação (corresponde ao mecanismo psicológico de defesa denominado

substituição). O dominado obedece aos dominadores porque consideram que a

situação os favorece; que os dominanadores os beneficiam.

Podem até considerar benéfica sua condição de dominado. Como sucede quando um dominado se acredita devedor daquela condição de dominado à vontade superior de uma divindade que o castiga ou submete a uma prova.

5

4. Deferência. Quando o dominado crê que as qualidades superiores do dominador

justificam por si só sua dominação e que ele deve a subordinação com forma de

respeito. Qualidades que podem derivar da herança ou da educação dele próprio ou

do dominador.

5. Medo. Obediência e subordinação baseada no medo da força, da violência ou outro

atributo assustador. Quando a desobediência implica e morte certa, resta a escolha

entre optar entre moorrer resistindo ou morrer sem resistir. O problema está quando há

possibilidade de não morrer. O de sofrer uma violência mitigada. A subissão por medo

resulta do processo de dominação ideológica provocada pela aceitação de uma mal

menor, da segunda solução.

6. Resignação. Mecanismo de submissão que, como o do medo, decorre das

ponderações sobre o que é possível esperar de uma situação de desobediência ou

revolta. É a forma fria de obediência derivada da crença na impossibilidade práctica de

alternativa melhor que a submissão.

Definição Contemporânea de Ideologia

Como se pode ver, do que se depreende da evolução histórica deste conceito, pode-se

definir ideologia como: idéias, crenças, opiniões, valores e outras representações

individuais que se originam acriticamente do interesse quase sempre objetivos de

entidades sociais e influem mais ou menos imperiosamente no comportamento dos

indivíduos que as compõem. Utilizando-se este sentido, para definir ideologia, se pode

depreender que entre os conceitos já conhecidos de consciência crítica e ideologia,

muito empregados entre nós, surge o conceito mais ou menos recente de consciência

possível e de consciência do possível (integrando dialeticamente o que seria a

consciência da necessidade e a consciência da possibilidade como categorias

essenciais para o entendimento da consciência política e da evolução social.

5

Aspecto curioso da ideologia é que, freqüentemente, ela contraria os interesses

individuais de seu agente, daquele que a sustenta, evidenciando o como e o quanto,

muitas vezes, as necessidades sociais conscientes ou não, de um grupo, de uma

classe ou de uma outra entidade coletiva, se sobrepõem às necessidades individuais,

postergam-nas ou as encobrem.<$FComo acontece em todos os preconceitos, por

exemplo.> No que muito se assemelha, aliás, aos mecanismos de defesa como

processos psicossociais de manter o equilíbrio psicológico.

Tanto as ideologias quanto as diferentes modalidades de consciência (principalmente as

chamadas “consciência crítica” e “consciência possível”) que se opõem a ela, se

compoem por representações individuais e coletivas elaboradas a partir das regras

básicas que propulsionam, dirigem ou modulam os componentes de um conjunto social

em um momento histórico-social e determinam a maneira de seus membros pensarem,

sentirem e reagirem frente às situações comuns e importantes de sua vida social. A

consciência de um momento pode ser a ideologia de outro. Como se vê, não é possível

separar completamente os objetos da psicologia geral, da psicologia social e da

sociologia (e todos estes da ideologia), pois compõem um continum da realidade

humana e encerra um dos monentos mais importantes da interação do indivíduo e a

sociedade a que pertence. Por isto, não se podem diferenciar os fenômenos

ideológicos e psicológicos mediante uma linha clara e definida de separação, mas

como momentos diferentes de um processo contínuo, de uma única totalidade real.

5

Disso, depreende-se que a função principal de ideologia deve ser justificar, sustentar,

legitimar e reproduzir a estrutura social vigente em um dado macro-sistema social

influindo sobre seus componentes e promover a hegemonia de uma pessoa ou

entidade social sobre seus congêneres; mas, a ideologia também se presta para

justificar e legitimar muitos outros interesses sociais, sobretudo políticos e culturais e

não apenas aconômicos; podendo, ainda, permitir uma hipótese explicativa (se não

uma explicação) para todos os fenômenos e processos institucionais, na medida em

que todas as instituições seriam, antes de tudo, artefatos ideológicos. Uma ideologia

pode ser científica ou acientífica; pode ser comprovável ou incomprovável com o

emprego dos recuros teóricos e práticos disponíveis; além do que, pode ser codificada

ou não codificada, institucionalizada ou não institucionalizada; pode ser um reflexo

verdadeiro ou falso da realidade; pode ser completamente verdadeira, pode ser um

tanto verdadeira (porque contém um número variável de componentes de verdade) ou

pode ser inteiramente falsa. Nada disto deve importar para sua caracterização como

ideologia. O que caracteriza essencialmente uma ideologia (bem como caracteriza um

artefato ideológico) é ser um fenômeno da consciência social, originado em

necessidade objetiva da sociedade e incorporado pela consciência individual de forma

mais ou menos automática e acrítica.

As crenças e instituições sociais (religiosas, políticas, jurídicas e científicas são

excelentes exemplos de ideologias e de sistema ideológicos. Por isto, não se pode

conceber as normas sociais e suas conseqüências, as sansões sociais, senão como

artefatos ideológicos que, mesmo que não forem exclusivamente, sê-lo-ão em grande

parte. De qualquer maneira, não é possível entender claramente o papel da ética na

sociedade, inclusive na Medicina, sem lhe reconhecer a dimensão ideológica e sem

perceber o quanto esta dimensão influi em seu surgimento, em sua difusão e em suas

aplicaçòes sociais concretas.

Ideologia, Medicina e Ciência

5

Em outro texto deste trabalho, estuda-se o conceito de ideologia em sua aplicacão às

ciências e ao conhecimento científico. Aí verifica-se como esta palavra tem variados

significados por diferentes cultores das ciências sociais e mais ainda na linguagem

comum. Isto complica bastante seu entendimento, dificulta sua aprendizagem e

perturba seu uso principalmente por quem se inicia no tema. E isto se torna o problema

pior ainda, porque trata-se de uma noção e de uma palavra muito utilizadas em todos

os estratos da linguagem e, talvez por isto, quase todos pensam conhecê-la,

sobretudo, por estarem familiarizados com ela e a inclirem em seu vocabulário ativo.

As ideologias podem ser expressas por quaisquer idéias, estruturas ideativas ou

sistemas de idéias; podem assumir a forma de opiniões, crenças e, principalmente, de

atitudes cognitivas, políticas, estéticas, morais, jurídico-sociais ou filosóficas. Tal

sistema ideológico de idéias é sempre gerado, nas situações concretas, motivado pelos

interesses sociais hegemônicos nos coletivos humanos onde ele se desenvolvee é

assimilado pelos indivíduos daquela sociedade, de maneira mais ou menos automática,

acrítica e mais ou menos arraigada. Toda ideologia é utilizada como instrumento de

controle dos comportamentos coletivos (controle social). Uma ideologia pode ser

científica ou acientífica, comprovável ou incomprovável, codificada ou não codificada;

pode ser uma representação verdadeira ou falsa da realidade; mas o que caracteriza

essencialmente uma ideologia é ser um fenômeno da consciência social, um dado

subjetivo, apesar de originado na realidade objetiva da sociedade e incorporado pela

consciência individual de forma mais ou menos automática e acrítica; o que mobiliza,

sempre, um certo grau de convicção e tem suas raízes em interesses sociais objetivos

ainda que não evidentes imediatamente.

5

Os padrões de pensamento, as crenças, os valores e muitas outras atitudes cognitivas,

como os paradigmas científicos, por exemplo, freqüentemente são ideologias que,

muitas vezes, se apresentam à consciência como se fossem opiniões científicas não

ideológicas e assim são acreditadas. A história da ciência está repleta de proposições

largamente aceitas e tidas como verdades científicas que, depois, se mostraram

falsidades ideológicas; o que demonstra o caráter ideológico de certos conhecimentos

tidos como científicos por bons cientistas, tais como o da inferioridade psicológica e

biológicas das mulheres e dos negros, a superioridade racial dos arianos, para

exemplificar com alguns casos mais gritantes em que a situação sócio-econômica

gerou preconceitos extremamente frágeis do ponto-de-vista lógico, mas que foram

incorporados acriticamente como se fossem verdadeiros e científicos por muitas

pessoas, inclusive cientistas bastante reputados. E, como se sabe, uma das

características das ideologias com êxito é que elas só são reconhecidas como tais em

uma reflexão posterior.

É importante ter sempre presente qua as ideologias bem sucedidas são sempre

transparentes. Isto é, não são reconhecidas como tal pela consciência, senão depois

que seus efeitos já não são necessários e ela é abandonada ou substituída.

Ética e Ideologia

Os dispositivos éticos são construções conceituais que correspondem a valores sociais

que pretendem estar postos a serviço da sociedade. Todo princípio ético e,

principalmente, todo sistema ético, vem a ser uma construção ideológica.

5

Os princípios éticos, os valores sociais e as regras morais, como acontece com todas

as normas sociais e com a maioria dos instrumentos de controle social, devem ter, por

definição, carácter basicamente ideológico. Como acontece a todos os valores criados

no decorrer da evolução histórico-social, a moral e a ética da humanidade (mesmo a

ciência); são fenômenos ideológicos ou fortemente vulneráveis à ideologização pela

sua própria natureza de valores culturais, e de valores culturais normativos e diretores

da conduta.

Deixando de lado todas as teorias sobre a ideologição dos construtos culturais, a

relação entre ética e ideologia parece saltar ante os olhos de quem estuda este tema.

Talvez as crenças e os valores sejam os dados da consciência (individual ou social)

mais sujeitos à influência ideológica. E a ética é, essencialmente, uma mescla dinâmica

de crenças e valores.

Alguns aspectos valiosos das manifestações ideológicas das normas éticas são: quais

as pessoas às quais se aplicam, quais as circunstâncias que influem em sua aplicação

e qual a maior ou menor tolerância ou intolerância da cultura frente ao seu

cumprimento ou descumprimento.

Eficácia da Ideologia

Objetivamente, as ideologias podem ser úteis ou inúteis (em termos de utilidade ou de

pragmaticidade); podem ser eficientes ou ineficientes (eficiência, como atingir o objetivo

otimizando a relaçáo custo-benefício); podem ser eficazes ou ineficazes (eficácia como

capacidade de atingir o objetivo). Mas, é necessário que se tenha presente que as

ideologias, por definição, sempre têm alguma utilidade, ao menos na ocasião em que

foram construídas. E essa utilidade é definida por alguma necessidade social, a

necessidade social que a motivou.

5

Diz-se que uma ideologia é eficiente, quando ela atende a necessidade social que a fez

surgir. E que é eficaz, quando faz isto do modo mais rápido e econômico possível

(considerando-se o seu custo social).

O custo social de uma ideologia deve levar em conta, não apenas os recursos

materiais, humanos e financeiros investidos em sua produção, difusão e incremento,

mas os prejízos sociais que acarreta. Por exemplo, a ideologia inquisitorial (não só na

santa inquisição da igreja católica, mas outras, como o marcatismo no Estados Unidos

e as inquisições das ditaduras militares na América latina) sempre representa um custo

social tão alto que raramente resulta eficaz.

Levando tudo isto em conta, pode-se afirmar que as ideologias podem ser

consideradas como bem sucedidas quando:

a) alcançam plenamente seus objetivos,

b) permanecem invisíveis, mesmo para seus cultores, não sendo reconhecidas

como ideológicas, confundido-se com o melhor conhecimento da época e

mobilizando convicção,

c) para isto, são construídas, em geral, com as informações mais modernas,

verossímeis e avançadas, empregando os modelos e paradigmas científicos

mais atualizados em uma determinada cultura, uma vez que se destinam a

refletir, na subjetividade dos homens, as condições objetivas de sua existência

social, de suas necessidades materias e de seus interesses culturais, tendo

como objetivo preservar os interesses dominantes naquele macro-sistema

social.

6

Do ponto de vista prático, uma dimensão muito importante de uma ideologia é sua

vigência (ou efetividade) que consiste no número de pessoas que acreditam nela em

um certo período de tempo e sofre a influência das doutrinas que a fundamentam.

Ainda que a par de ser uma índice qualitativo, a vigência de uma ideologia implica em

varições qualitativas, porque uns crentes podem ser mais importantes que outros para

sua eficácia e, portanto, sua efetividade (para reportar ao exemplo mencionado).

Por tudo isto, uma ideologia só é bem sucedida enquanto é acreditada como

verdadeira e não for reconhecida como ideológica pela populaçáo que é seu alvo.

Enquanto faz sucesso, uma ideologia é apresentada, no máximo, como uma teoria e,

no mínimo, como uma crença, um dogma; para só ser identificada como uma ilusão

intelectiva, uma produção ideológica quando deixar de ser eficaz.

Quando uma ideologia passa a ser reconhecida como tal, perde sua eficácia e seu

potencial alienador (embora possa continuar a existir como argumento, como

justificativa, como advocacia, como instrumento formasl de explicação). Parece incrível

como certas crenças ou teorias, apesar de sua inverossimilitude óbvia, posam ser tão

acreditadas por tantas pessoas, enquanto perdure muito mais sua necessidade que

suas possibilidades lógicas e práticas de sustentação.

Toda cultura é fundamentalmente ideológica (porque a ideologia é sempre um de seus

suportes essenciais) e toda produção cultural (conjunto mais ou menos elaborado de

um número muito variável de artefatos culturais) está sempre fortemente sujeita às

influências ideológicas ainda que isto nem sempre seja claramente evidente. Cultura e

ideologia se confundem, muitas vezes, sendo impossível separá-las. Isto é verdade

tanto para a arte quanto para a ciência, como o é para as religiões, para as convicções

políticas e para as noções de moralidade (todas estas expressões culturais).

6

Quando se aprecia e avalia uma ideologia (como por exemplo, quando se procede à

avaliação da crença na origem divina do poder político ou na superioridade de umas

raças sobre as outras ou a confiança nos sistemas de valores morais vigentes em uma

certa sociedade ou em uma fração mais ou menos homogênea dela) fica-se muito

admirado que como tantos e tantos conceitos e juízos tão obviamente equivocados,

que ultrapassam, mesmo, os limites do ridículo, conseguiram enganar tão

completamente a tantas pessoas, mesmo as muito inteligentes e estudiosas, durante

tanto tempo; e iludí-los de maneira tão eficaz; isto tudo, a despeito desta opiniões, hoje,

parecerem até superlativamente ridículas de tão obviamente falsas, mesmo à primeira

vista. É extremamente improvável que alguém normal recorra a estes conceitos

atualmente. Seguramente, há de acontecer o mesmo com convicções atuais (que

parecem tão sérias e indiscutíveis aos seus crentes) quando forem avaliadas em algum

momento do futuro. Principalmente, se avaliadas à luz das crenças daquele momento

da posteridade e não das condições atuais. Como acontece, por exemplo, quando

alguém olha para fotografias que retratam situações de passado relativamente recente

e se julgam estranhos ou ridículos os vestuários e adereços que, na sua época,

pareciam tão elegantes.

Embora sejam, fenômenos essencialmente sócio-culturais, as ideologias necessitam

responder a determinadas necessidades sociais e o fazem mobilizando atributos

subjetivos individuais. Em outras palavras, uma ideologia terá maior utilidade,

eficiência, eficácia e vigência quanto mais for capaz de sintonizar com necessidades

individuais com as quais sintonize.

6

A ideologia típica resulta de um esforço simultaneamente intelectual e afetivo, sempre

mais ou menos automático e inconsciente, realizado para promover ama construção

teórica que seja a mais lógica possível (e, por isto, mais confiável) para explicar a

realidade social como uma totalidade, ou resumindo-se a a explicar um aspecto isolado

dela. Em ambos os casos, é necessário que se preste para advogar e legitimar a

conquista ou a manutenção de um determinado status social por parte de um indivíduo

ou de um certo grupo daquela sociedade. As crenças ideologizadas devem atender

necessidades coletivas e individuais (objetivas e subjetivas). Quanto maior for esta

convergência de interesses subjetivos e objetivos, tanto maior a possibilidade da

ideologia se mostrar eficaz por atingir seus objetivos.

Por definição, as ideologias cumprem alguma função social, têm alguma utilidade para

alguém; por esta razão, quando se tornam ineficazes, persistindo a necessidade social

que as originou, são substituídas por outras, às vezes de aparência diversa, mas que

conservam os mesmos objetivos, ainda que isto seja inaparente ou cuidadosamente

escondido. As ideologias são aperfeiçoadas ou substituídas quando se tornam

insustentáveis ou mais ou menos ineficazes, enquanto persistir a necessidade social

que as originou e a influência dos interesses sociais que determinaram seu

aparecimento.

Mesmo quando uma ideologia é substituída pelo conhecimento verdadeiro, como

aconteceu na transição havida entre a crença no criacionismo e o conhecimento dos

mecanismos evolutivos para explicar os processos biológicos, esta transição (que

ainda não é completa) só se definiu depois de morrerem ou se aposentarem os

cientistas que sustentavam a ideologia. O que explica que uma ideologia pode se

transformar em um padrão de pensamento ou em um habito social, influindo mais ou

menos poderosamente na subjetividade dos indivíduos.

6

A maioria das pessoas confunde os termos política e ideologia supondo-os ninônimos e

equivalentes. Tão grande é o significado das ideologias na estrutura do poder político

que se pode acreditar que toda luta pelo poder político, em qualquer estrutura social e

institucional, se processa, ao menos em grande parte, no terreno da disputa ideológica.

Em geral, ganha o combate político quem consegue convencer os eleitores de que tem

mais razão e é mais valioso para a sociedade (seja ou não verdade, porque isto não

tem qualquer importância prática).

O processo eleitoral se decide em um complexo trabalho social de construção de uma

imagem política. O eleitor comum escolhe um candidato por razões ideológicas ou

psicossociais (como a propaganda, a identificação) e, depois, constrói a justificativa

racional da escolha. Por isto se diz que, em política, a versão é mais importante que o

fato e a imagem importa mais que a realidade da pessoa ou, como dizia Goebels,

ministro da propaganda de Hitler, uma mentira muitas vezes repetida, torna-se verdade (não se

torna, mas pode fazer as vezes e ser acreditada como tal).

Classes Sociais e Ideologia

O conceito de classe social deve merecer alguma atenção particular. Existe uma

concepção demasiado genérica e abrangente de classe social, entendida como

qualquer conjunto definidos ao menos por uma característica no interior de uma

entidades social maior; assim, os carpinteiros, os políticos ou quaisquer outros

conjuntos homogêneos de atores sociais poderiam ser denominados classe.

6

Marx entendia uma classe social como um subgupo dos macrosistemas sociais que

podia ser definido pela posição que ocupasse no processo produtivo (nas relações de

produção) de um sistema social baseado na exploração. Nesta concepção marxiana, a

noção de ideologia é inseparável do conceito de classe social, pois é a expressão

psicossocial dos interesses materiais e políticos de alguma delas. E a noção de classe

social é inseparável da de exploração econômica e alienação cultural (inclusive de

ideologia). Porque deve ser através das ideologias, que a classe dominante impõe seus

valores e tudo que lhe interesse ao restante da sociedade que as absorve como se

fossem suas; a ideologia seria a forma de expressão dos interesses de uma classe

social nas consciências individuais.

As noções marxistas de sociedade de classe e de sociedade sem classe encerram esta

interpretação.

A sociedade de classe é o macro-sistema social no qual uma determinada fração de sua

população (a classe dominante) exerce a dominação econômica sobre outra fração (a

classe explorada), por causa disso, mantêm a hegemonia política e ideológica,

transformando seu comportamento em modelo de referência e impondo seus

interesses a todo o sistema social, sobretudo à classe dominada (como valores morais,

religiosos, políticos, jurídicos), mesmo que sejam, como muitas vezes são, contrários

aos interesses de quem adere a eles. Em todas as sociedades os componentes mais

ricos findam por serem os mais influentes e os demais tendem a imitá-los consciente

ou inconscientemente. Por isto, a ideologia e a alienação são conseqüências

inevitáveis da exploração, ainda que não sejam suas únicas consequências, nem seja

necessário haver exploração para haver ideologia.

6

O caráter inconsciente e involuntário da influência do grupo dominante de uma

sociedade sobre os demais pode ser exemplificado pela moda. A moda é um exemplo

da importância da classe dominante como modelo para toda a sociedade e de como a

ideologia é o veículo de sua hegemonia. Da mesma maneira, a classe dominante

impõe seus valores estéticos e éticos para os demais segmentos do corpo social

através de componentes ideológicos que, por isto, passa a tê-los como autóctones e

não podem reconhecer sua origem.

A noção de classe social é inseparável da de sociedade cuja infra-estrutura econômica

(ou base social) é definida essencialmente por um sistema alicerçado na exploração do

homem pelo homem (proprietários/escravos, senhores/servos, patrões/empregados). A

noção de sociedade sem classes, é fruto deste entendimento particular da sociedade e

corresponde a uma sociedade na qual não houvesse instituído nenhum mecanismo de

“exploração do homem pelo homem”.

A noção marxista de classe social foi incorporada pela maior parte dos sociólogos

contemporâneos. Por isto, não tem sentido empregar o termo com seu sentido original

de qualquer conjunto estruturado em uma população (o sentido estatístico-democráfico

de classe).

6

Na terminologia sociológica contemporânea dos autores sob influência marxista (e

marxóide, diga-se a bem da verdade),<$FContudo, desde que marxismo perdeu seu

significado dogmático, necesário para sustentar a direção dos partidos comunistas no

poder, e deixou de ser um abre-te Sésamo para levar candidatos à cátedra e projetá-

los no ambiente acadêmico internacional (althusser, f.h. cardoso) os marxóides estão

em extinção. Felizmente.> o que se denomina sociedade sem classes não é uma

sociedade de iguais em substância ou uma sociedade sem qualquer estratificação, mas

um grande sistema social que não esteja assentado da exploração, mas na cooperação

e, por isto, todos sejam iguais em direitos e em oportunidades de promoção e

desenvolvimento. E uma “sociedade de classe” é uma organização social cuja

economia está baseada na exploração do trabalho de umas pessoas sobre as outras

ou. em geral, de um grupo social (a classe dominante) sobre outro (a classe dominada,

explorada).

Quando se considera o sentido restrito com o qual está sendo empregado aqui, o

conceito de classe social não pode ser atribuido a qualquer subconjunto da sociedade,

mas somente àquele que se enquadre na delimitação acima.

6

Ainda que se possa consideral uma classe, em sentido genérico, qualquer subdivisão

orgânica de uma totalidade, qualquer compoente de um sistema, qualquer elementos

de uma classificação (por isto mesmo chamada aassim), quando se tratar de manejar

conceitos sociológicos, ainda que em outras esferas do conhecimento, para evitar as

dificuldades relacionadas com o emprego de uma significação demasiado ampliada do

conceito de classe social, deve-se empregar os termos camada, estamento, casta ou

categoria social para substituir o conceito extenso de classe social (inclusive porque ele

não é aceito universalmente por toodos os estudiosos) porque quando se abusa de um

termo, ele perde sua utilidades como instrumento da ciência. Este cuidado é

particularmente importante porque, mesmo na atualidade, é preciso que se afirme que,

apesar das condições vigentes circunstancialmente, o conceito de classe social

continua indispensável para entender muitos fenômenos e processos que ocorrem aos

macro-sistemas socais.

Alguns conceitos sociológicos para referir estratos sociais particulares:

Camada social é como se pode denominar a cada uma das partes da sociedade mais

ou menos se paradas entre sí e organizadas hierarquicamente.

Estamento é um conjunto social estratificado significativo em uma sociedade

assinalado por uma prática social comum e marcado por uma similiridade de valores,

um código de ética próprio e uma relativa permeabilidade.

Casta é uma camada social hereditária, fechada, endogâmica, cujos membros estão

vinculados por uma crença supersticiosa que legitima sua hierarquização.

Categoria social é uma expressão genérica que permite designar qualquer camada

social, desde que mais ou menos bem definida por qualquer atributo que todos os seus

membros tenham em comum e que lhes permitam serem identificados como

componentes daquela categoria. Uma categoria ocupacional, por exemplo, é a que

reúne todos os componentes singulares de uma determinada ocupação.

6

Ocupação e Ideologia

O tipo de ocupação praticado por uma pessoa para ganhar sua subsistência e

satisfazer seus desejos de consumo ou de influência também determina o surgimento

de valores, normas e regras claramente ideologizados para dirigir ou regular suas

condutas. Pode-se considerar natural que um agente profissional perceba bem antes

dos outros a possibilidade de trabalhar em uma determinada modalidad e de

instituição prestadora de serviços. Se empregado, sobretudo de empregado público, é

natural que procure atribuir a outrem suas tarefas. Se trabalha como autônomo,

também se pode considerar natural que pretenda acumular o maior número possível de

tarefas que possa realizar. Tais tendências, refletem ideologias muito fáceis de serem

identificadas.

Carácter Psicossocial das Ideologias

Já se viu anteriormente como as ideologias, apesar de seu carácter objetivo se

processam na subjetividade das pessoas e dependem de muitos outros fatores

igualmente subjetivos: a ideologia é um fenômeno nitidamente psicossoacial, portanto.

O carácter político da ideologia ressalta deste processo parecer constituir a dimensão

psicossocial mais importante do poder político (como categoria da ciência e como

realidade social nuclear da prática social política), É bastante provável que a ideologia

venha a ser uma das fontes mais influentes do poder político e uma das conseqüências

mais conspícuas de sua existência como parte da prática social concreta. No caso,

trata-se aqui, principalmente, do poder estatal mas também pode ocorrer, da mesma

maneira, em quaisquer outras manifestações de poder nas interações sociais (do poder

social). A ideologia, em suas muitas e tão diferentes manifestações, talvez sejam as

formas mais comuns dos fenômenos de poder se exercitarem.

6

É bem verdade que algumas destas manifestações são mais sutís e outras são mais

claramente evidentes (existem para todos os gostos, necessidades e possibilidades),

mas todas as exteriorizaçòes ideológicas revelam o poder e a autoridade que uma

fração da sociedade exerce sobre asociedade inteira. Não somente sobre as outras

frações, mas sobre elas mesmas. Por isto, os artefatos ideológicos podem parecer

mais ou menos autônomos, pois podem parecer desligadas de suas fontes e

instrumentos culturais de reforço.

As ideologias, tal como acontece a alguns processos psicológicos como os

mecanismos de defesa (no plano afetivo) e os padrões de pensamento e as atitudes

cognitivas (no plano intelectivo-gnósico), são noções aparentemente distantes que

representam fenômenos continuados na realidade, se bem que aparentemente sejam

diferentes, senão opostos em sua conceituação. No plano psicossocial, o conceito de

ideologia se aproxima e se identifica com a noção de neurose. O primeiro, interessando

às relações da sociedade com o indivíduo, como um tipo de controle social que é, e o

segundonas relações de resposta do indivíduo com a coletividade, como expressão de

uma manifestação da inadaptação pessoal às exigências coletivas.

As ideologias se confundem com dois processos subjetivos individuais muito comuns: o

conhecimento e a crença, a convicção lógicamente adquirida e a fé (erigida

acriticamente), o desejo e o projeto (como programação viável do desejado). Ademais,

não se pode ignorar a relação existente entre a noção psicossocial de ideologia e o

conceito subjetivo-individual de neurose, posto que ambas também são manifestações

individuais da alienação.

Ideologia e Poder, Cultura e Alienação

7

Toda ideologia tem uma ineqüívoca dimensão sócio-política por causa de sua

característica de ser determinada por um interesses social hegemônico e ser uma

fenômeno estritamente ligado às motivações e manifestações do poder social (que põe

em evidência a interação entre a economia, a cultura e a política como dimensões

sociais inseparáveis). Na condição de instrumento do poder, a ideologia permite

entender como o poder estatal se manifesta sobre indivíduos e grupos que domina,

pois sem dominação não há ideologia.

Sabe-se que a ideologia é um instrumento psicossocial de influência e de de

domininação, bastante eficaz porque o influenciado ou o dominado vem a ser o agente

de seu influenciamento ou de sua dominação. Num primeiro momento, pensa-se a

ideologia como instrumento inaparente de poder e de dominação dos interesses

dominantes da sociedade sobre os outros, sobretudo, sobre a grande massa da

população; mas a ideologia também vem a ser um instrumento das classes

dominantes ou de quaisquer outros sistemas sociais mais ou menos poderosos

para homogeneizar as opiniões , as tendências e os valores de seus próprios

componentes individuauis.

A ideologia é um instrumento de manutenção da identidade coletiva e de

homogeinização das condutas individuais em todos os sistemas sociais (ainda que as

mais abrangentes possam ser as mais evidentes). Podem ser identificados elementos

ideológicos nos sistemas sociais medianos e, mesmo, nos pequenos. (nos quais, se

confundem com os processos psicológicos). Mas eles são claramente identificados

nos macro-sistemas sociais (sociedades, civilizações, culturas, classes, mercados,

Estados). Parece importante afirmar que não se deve tentar separar os conceitos de

senso-comum e ideologia, ideologia e alienação, alienação e trabalho, trabalho e

cultura, cultura e filosofia, filosofia e ciência, ciência e consciênc ia crítica, consciência

crítica e consciência acrítica, consciência acrítica e ideologia, ideologia e neurose

(promovendo-se o encontro da ideologia e suas antíteses, a ciência e a consciência

crítica).

7

Estes conceitos estão de tal maneira interligados que não podem ser separados, senão

por um exercício puramente intelectual, porque se referem a situações inseparáveis na

realidade sócio-cultural. Nestes casos, como em muitos outros análogos, o estudo

atento de cada um destes conjuntos de dois elementos em oposição, mostra que ele

não pode ser entendido sem seu oponente aparente. Nem sempre as ideologias são

falsas, prejudiciais ou deformadas, podem ser instrumentos necessários de coesão

social. Acontece, no entanto, que o caráter acrítico das ideologias faz delas importantes

elementos da consciência alienada.

Como os componentes ideológicos são essencialmente acríticos e assimilados

acriticamente pelas coneciências individuais, caracterizam aquele estado psicossocial

que se denomina consciência alienada, por oposição à noção de consciência crítica,

que se manifesta no conhecimento e no reconhecimento dos nexos, motivos e

conseqüências existentes entre os comportamentos e as suas relações sociais e

presume a elaboração ativa de seus contéudos psicológicos socialmente motivados.

Em resumo: é possível inferir que a ideologia é a dimensão acrítica, individual e

subjetiva do poder, funcionando como uma instância coletiva e objetiva, apesar de

abstrata, que resulta da hegemonia política de uma classe ou de um grupo social

hegemônico e influi mais ou menos poderosamente sobre as opiniões e os valores das

pessoas situadas em sua esfera de influência psicossocial.

Todo poder, em qualquer área que se manifeste dispõe de mecanismos ideológicos a

seu alcance para atingir suas finalidades políticas.

7

Desde a infância, as pessoas assimilam opiniões, crenças, valores, tendências e

padrões de pensamento originados em determinados interesses sociais e com estes

conteúdos assimilados formam atitudes positivas (preferências, inclinações) ou

negativas (aversões) que vão sendo geradas constantemente e constantemente

reforçadas e re-estruturadas, de maneira inteiramente ou predominantemente

automática, sem que elas se dêm conta inteiramente porque, em geral, este precesso

se desdobra à margem da consciência de quem o experimenta. Depois, pensam,

sentem e são movidos por aquelas representações; que são percebidas, sentidas e

reconhecidas como se fossem autóctones, como se tivessem se originado em si

mesmo. Isto é ideologia. A ideologia produz certezas sobre matérias que, caso não

fossem filtradas por ela, seriam tidas como discutíveis e controvertidas; como acontece,

por exemplo, com as mais diversas manifestaçòes de fé.

Não há quem, tendo alcançado alguma maturidade, não se admire de ter perdido ou

enfraquecido tantas certezas muito arraigadas que cultivara no passado e que lhe

pareciam muito importantes, sem que tenham mudado significativamente o

conhecimento público sobre aquela matéria (como o crédito em Papai Noel, por

exemplo). Muitas vezes isto depende de fatores inteiramente pessoais (como a própria

maturidade e o aumento do conhecimento individual; mas, em um número muito

grande de vezes, aqueles juízos apenas perderam sua atualidade ideológica e

deixaram de ser alimentados pelos organismos de comunicação social e por outras

formas de contacto com os outros componentes da cultura.

Cada momento da história de uma cultura tem suas próprias necessidades ideológicas

e investe nelas os recursos de que dispõe. As instituições sociais se inscrevem entre

as principais agências ideológicas. Crenças religiosos, tipos de culto, formas da

organização familiar e as condutas profissionais, entre muitas outras coisas, servem

para atender às necessidades ideológicas.

7

O desenvolvimento pessoal é, de certa maneira, um processo permanente de

incorporar ideologia e transformá-la em consciência crítica; de reconhecer como

ideológicos muito componentes que se pensava serem críticos. A Medicina é uma

atividade muito sujeita à influência da ideologia e, em seu interior, muito

provavavelmente, a psiquiatria será seu componente mais vulnerável. Dentre os

componentes da Medicina três são particularmente sensíveis à influência ideológica: as

teorias sobre a enfermidade, os paradigmas de investigação e os valores éticos e

morais.

Ternborn termina assim leu livro assim: "El poder de la ideología no solo opera en

coyunturas de un elevado dramatismo, sino también en procesos lentos y graduales.

Las ideologías no sólo consolidan los sistemas de poder; también pueden ser la causa

de su hundimiento y su desviación como si se tratara de bancos de arena: todavía en

pie, pero no de la misma forma ni el mismo lugar".

Marilena Chauí, Filosofia, ed Atica, SP, 200, p. 219

7

Assim, a função primordial da ideologia é ocultar a origem da sociedade (relação de

produção como relações entre meios de produção e forças produtivas sob a divisão

social do trabalho), dissimular a presença da luta de classes (domínio e exploração dos

não-proprietários pelos proprietários privados dos meios de produção), negar as

desigualdades sociais (são imaginadas como se fossem conseqüência de talentos

diferentes, da preguiça ou da disciplina laboriosa) e oferecer a imagem ilusória da

comunidade (o Estado) originada do contrato social entre homens livres e iguais. A

ideologia é a lógica da dominação social e política.

7

Classificação da Filosofia

Como muitos outros estudiosos do assunto, OLEG TSUKÂNOV ensina que, 9

considerando-se o estado do conhecimento sobre a filosofia materialista e seu

significado como filosofia da ciência, prefere-se aqui classificar a filosofia em quatro

capítulos:

= ontologia,

= gnosiologia,

= lógica e

= metodologia.

A partir de uma avaliação materialistas da filosofia, a ética e todas as demais

disciplinas axiológicas, por suas características essenciais, se situam mais como

disciplinas antropológicas e sociológicas do que filosóficas.

1. A teoria do ser, teoria do objeto ou ontologia, capítulo da filosofia que estuda, em seu

sentido mais amplo, a origem, a essência, a causa primeira do cosmos, da vida e do

pensamento (em suma, de tudo o que existe); e, em sentido mais limitado, atualmente,

o termo ontologia pode ser empregado para referir o processo filosófico de estudar o

quê conhecer, o objeto do conhecimento; neste caso, como se faz neste trabalho, o

estudo ontológico de uma ciência é o estudo de seu objeto (sua definição e sua

objetividade). Não é possível pensar em ciência ou qualquer atividade científica sem ter

bem clara a noção de seu objeto de estudo.

9 Tsukânov, O., comunicação pessoal, 1993.

7

2. A teoria do conhecimento, também chamada epistemologia ou gnosiologia, é a

disciplina filosófica que estuda o conhecimento em geral, inclusive o conhecimento

científico, a verdade, o erro; a teoria do conhecimento é o estudo do como se conhece,

dos processos utilizados para conhecer. É com a gnosiologia ou epistemologia que se

definem as grandes diretrizes do pensamento científico

3. A teoria da arquitetura lógica do pensamento, da elaboração racional das idéias,

sobretudo do manejo dos juízos, referida simplesmente como lógica (inclusive a lógica

matemática, a lógica formal, a lógica dialética) que preside a construção dos conceitos,

das categorias, das proposições e das teorias científicas.

4. A teoria dos procedimentos operatórios destinados a construir o conhecimento

científico com suas exigências de veracidade, ou a metodologia, o que inclui tanto a

metodologia filosófica quanto a metodologia científica e que costuma ser incluída como

parte integrante da lógica na maioria das sistematizações. (Sendo destacada aqui,

principalmente, por sua importância relativa para o tema central deste trabalho sobre a

fundamentação científica da Medicina e da psiquiatria).

Não existe praticamente qualquer aspecto da filosofia que seja isento de divergências e

opiniões contraditórias.

Matéria fortemente ideologizada, a filosofia é, simultaneamente, instrumento de

combate e campo de batalha das mais diversas ideologias que se confrontam no

mundo. Por isto, sua classificação também costuma ser objeto de muito confronto.

7

A sistematização da filosofia nestes capítulos não atende à todas as opiniões dos

especialistas ou se compatibiliza obrigatoriamente com todas elas, porque nenhuma

consegue esta façanha, tantas e tamanhas são as divergências existentes neste

terreno. Foi empregada aqui, como opção do autor, porque é suficientemente

defensável, parece bastante coerente com as opiniões expostas frente à questão

central da filosofia e as outras opções doutrinárias feitas ao longo deste trabalho. E

também porque se presta muito bem ao entendimento da Filosofia do conhecimento

como instrumento do processo de conhecer, explicar e transformar o mundo.

Quando se estuda o conhecimento filosófico é bastante possível, sem qualquer

prejuízo para o entendimento do assunto, considerar a gnosiologia como o capítulo da

filosofia que estuda o conhecimento em geral, qualquer processamento cognitivo; e

encarar a epistemologia como ramo da gnosiologia dirigido especificamente para o

estudo do conhecimento científico. Com este segundo sentido, a epistemologia se

diferenciaria da gnosiologia, embora esta passe a ser considerada sua matriz como a

teoria do conhecimento, área mais ampla que a teoria do conhecimento científico.

Para muitos, no entanto, gnosiologia e epistemologia são sinônimos e ambos se

empregam como teoria geral do conhecimento. Caso em que empregam o termo

cientologia para mencionar a teoria do conhecimento científico. (Este termo cientologia

também designa uma organização religiosa anticientífica de procedência norte-

americana). Neste texto, em geral, a menos que se indique diferente, os dois termos,

gnosiologia e epistemologia, são empregados como equivalentes em significação, pois

não parece haver qualquer descontinuidade qualitativa entre os dois fenômenos a que

estes conceitos se referem, pois se considera que o conhecimento científico e o

conhecimento não científico não se diferenciam por sua estrutura cognitiva, mas por

sua metodologia, rigor, previsibilidade e verificabilidade.

7

Embora a Metodologia pareça ser o componente filosófico que tem mais

relacionamento com a filosofia, isto não é verdade. Toda a filosofia e cada um de seus

ramos tem importância para a atividade cientifica e para seu desenvolvimento. Não é

possível fazer boa ciência quando se ignora a filosofia. Toda a filosofia e não apenas a

metodologia.

ARISTÓTELES, Francis BACON e René DESCARTES forneceram a fundamentação

teórica da doutrina do método do conhecimento científico como investigação acerca do

conhecimento verdadeiro. Antes de Karl MARX, a metodologia se confundia com a

lógica e esta, com os processos psicológicos, até que HEGEL diferenciou o método

filosófico dos métodos científicos, dando novo rumo a este estudo. Aqui, se considera a

Metodologia como o ramo da filosofia que articula as leis do pensamento com as leis

do mundo objetivo (incluindo as leis que regem a natureza e a sociedade), sobretudo,

elabora os meios utilizados pela filosofia e pelas disciplinas científicas para atingir seus

objetivos cognitivos.

Devendo-se destacar que, a cada momento, cresce a importância que se atribui ao

método no processo de aquisição do conhecimento científico; tanto, que o grau de

cientificidade de uma atividade cognitiva é determinado, em grande parte, pela

avaliação da sua metodologia; pois a cientificidade de um conhecimento qualquer pode

ser sempre determinada a partir do exame dos procedimentos metodológicos

empregados em sua obtenção.

7

Alguns autores (os que consideram a filosofia como uma ciência formal, como os

marxistas e alguns positivistas) não incluem a axiologia como ramo da filosofia. Por

causa de sua dimensão essencial, característica e essencialmente valorativa, incluem-

na, como disciplina filosófica, a axiologia ou teoria dos valores, incluindo a moral e a

ética (que objetiva estudar a origem, a essência e a evolução dos valores essenciais,

dos princípios e das regras norteadoras da conduta humana). Tradicionalmente, esta

disciplina pertencia à filosofia denominada como teoria do valor e sua presença nela é

uma das razões da diferenciação do conhecimento científico do saber filosófico.

Caso se retire a axiologia da filosofia, ela pode ser considerada uma ciência formal,

com a axiologia, não pode, por falta da necessária objetividade incluída na exigência de

especificidade da ciência.

Por isto, para aqueles que querem ter a filosofia como uma ciência formal, deve ser

conveniente situar a axiologia e seus ramos (inclusive as disciplinas normativas como

as regras disciplinadoras do trânsito, as regras de boas maneiras, o direito, a moral e a

ética - inclusive sua aplicação – a bioética), face a sua subjetividade, e mais todas as

disciplinas chamadas axiológicas, junto a outras disciplina sócio-antropológicas

normativas, como as jurídicas.

Pode-se considerar a ética como o estudo das normas e dos princípios norteadores da

conduta social e moral, como o conjunto de regras que consubstanciam as prescrições

e proscrições que regem a convivência das pessoas entre si na sociedade. Desde

muito remotamente existe uma moral e uma ética médicas que sempre foram

consideradas como vertentes essenciais da Medicina e devem ser, naturalmente,

subordinadas à existência social e que serão consideradas especificamente quando se

tratar dos fundamentos históricos da Medicina no próximo trabalho.

No entanto, mantendo-se a ordenação tradicional tripartite do conhecimento, não há

razão para excluir estas disciplinas axiológicas do campo da filosofia.

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