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À meia-noite levarei sua alma e seu cérebro

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À meia-noite levarei sua alma e seu cérebro

Por Alexandre Costa Lima e Rodrigo Pires, especial para os Jornalistas Livres

Décadas atrás, na época da ditadura, ainda não existiam tantos edifícios noRecife, como hoje. Um bairro central e muito habitado, o da Boa Vista, porexemplo, era uma área com muitas casas e qualquer pessoa que caminhassepelas calçadas daquelas ruas à noite inevitavelmente escutaria o plimplim daGlobo. Eram os aparelhos de TV, eletrodoméstico que se tornou essencialpara a classe média de 1970, todos ligados nas novelas e no Jornal Nacional.

Em casa, ver televisão, ou melhor, ver a Globo era a única opção para aspessoas passarem o tempo. Ainda não existiam os filmes gravados em VHS emuito menos DVDs, Blurays, etc. Internet, nem em sonho!

Hoje, você não ouve mais o plimplim por dois motivos: os televisores estão agorasituados bem acima do nível do solo, em apartamentos recuados da rua. Éimpossível ouv́i-los. Em segundo lugar, a audiência da Globo sofreu uma quedavertiginosa.

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Pouca gente no século XXI se dá ao trabalho de toda noite, naquele mesmohorário, permanecer por horas seguidas diante da TV, assistindo a umanovela produzida pela Vênus Platinada. Muito menos um adulto instruído ouum jovem se dispõe a passar, ao menos, meia-hora de sua noite vendo asnotícias anunciadas por William Bonner.

Imagine que essas pessoas, horas antes, seja via blogs, facebook ou Skype, jáse inteiraram de tudo aquilo que vai ser dito por um repórter qualquer apartir da perspectiva ditada pelo patrão. A essa hora, a notícia já é velha,requentada e parcial. Perda de tempo buscar informação correta eequilibrada através da televisão aberta.

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Décadas atrás, na época da ditadura, um final de novela da Globo chegava ater cem por cento das TV’s ligadas no Rio de Janeiro. Muita gente cancelavacompromissos para não perder o desfecho que uma trama que já searrastava por vários meses — sem contar que muita gente usava aprogramação da emissora como relogio: “Depois da novela das 7, eu passona sua casa”, dizia-se.

Novelas como “Dancing Days” hipnotizavam as pessoas. Modas eramlançadas através das novelas: meias não sei o que, cortes de cabelo não seicomo, gírias e expressões tomavam as ruas a partir das falas dospersonagens.

Ver o “Jornal Nacional” apresentado por Cid Moreira e Sergio Chapelin erauma obrigação religiosa de muita gente. Os jornais impressos eram caros (noRecife, um exemplar avulso da “Folha de S.Paulo” custava uma nota). Maspara que ler jornal se Roberto Marinho já trazia a informação mastigada,pronta para ser deglutida. Imagine você, o que as pessoas pensariam sealguma noite, sem prévia explicação, o JN deixasse de ser exibido. Golpe deEstado, terremoto, inundação. Seria uma comoção!

Hoje, em 2016, o JN vive um momento de enorme decadência, com umaaudiência ridícula, se comparada aos bons tempos. Ali, tudo é previsível!Qualquer pessoa pode antecipar os lugares-comuns usados pelos repórteresdo JN e também descrever antecipadamente os ângulos da câmera ou asperguntas nas entrevistas. Ninguém gosta de perder tempo com o previsível!

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Na verdade, o que mudou foi a forma de vida. Em poucas décadas, ainformação tornou-se um patrimônio público, uma expressão autêntica doespaço democrático. Se antes, como assinala Pierre Levy, a televisãoencarnava uma totalidade na qual “um falava para todos”, caracterizandouma via de mão única, uma experiência totalitária, digamos assim, as redessociais hoje fizeram da informação uma experiência ecológica, isto é, umaexperiência vivida por todos sem que haja o “um que dite a verdade”.

Tudo é parte da rede e dar um clique implica estar aberto a uma infinidadede experiências. É o desdobrar do virtual que, em suas dobras potenciais,esconde coisas insuspeitadas. Está tudo dobrado, à espera dodesdobramento. Basta clicar!

O LOGOTIPO COMO PROMESSA — O logotipo da Globo era um signo demuito prestígio. Hans Donner pesquisava meses usando tecnologias de pontapara inventar um logotipo prateado mesclado ao espectro de cores paramostrar claramente que a Globo era um sonho tecnológico bem avançado.

O logotipo crescia ou encolhia ou virava ao avesso ao ritmo do plimplim. Otelespectador ficava boquiaberto com tanta “beleza” e continuavasintonizado na Globo.

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Façamos uma pequena análise semiótica: o logotipo global evidentemente éum signo. O signo é uma unidade elementar de significado (uma palavra,um rosto, uma marca); ele é um mínimo de significação dotado de umacerta autonomia que lhe permite combinar-se com outros signos.

O que o signo do Facebook promete? Na tela do seu computador, porexemplo, ele é uma expressão mínima associada por uma convenção a umafunção e a uma ação igualmente mínimas (clicar para abrir). Abrir o quê.Por trás do logo do Facebook, estão os seus amigos, a sua namorada, livrospara baixar, filmes de Hitchcock, roteiros de viagens, receitas de saladas etc.Essa é uma operação que você comanda e que lhe permite movimentos livrese autônomos por um campo livre de diálogo.

Sobre o logo da Globo, não é possível fazer clic. Ele só tem um sentido: de lápara cá. É uma via de mão única. E qual é a promessa? Uma noite no museu.Por trás do logo, não estão os seus amigos nem Hitchcock. Por trás do plimplim,estão Bonner, Galvão Bueno, Faustão, Tony Ramos, Ronaldo Fenômeno, AnaMaria Braga, Luciano Huck e Neymar. Essa lista é o inventário de um museudos zumbis.

Todos estes nomes são die hard, zumbis ideológicos que não assustam, masconsomem o cérebro de quem ousa visitar suas dependências e repetir o seumantra: plimplim!

Vocês lembram do final de “Carrie, A Estranha”, lembram do susto do braçopuxado? Pois bem, para evitar que algum zumbi dessa lista puxe o seubraço, caso ouça o “plimplim”, corra, mas corra muito mesmo e puxe o fio datomada. Todos desaparecerão.

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