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A ONU e o Desenvolvimento
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A ONU e o desenvolvimento
A ONU e o desenvolvimento
BOUTROS BOUTROS-GHALI
É certo que o Estado, a título individual, já não é o único protagonista do
desenvolvimento. Mas nem por isso deixa de ser verdade que cada Estado
continua a ser o responsável, e em primeiro lugar, pelo seu próprio
desenvolvimento. Quer se considere o desenvolvimento como uma
responsabilidade dos Estados ou como um direito dos povos, ele exige de
qualquer modo uma ação governativa competente, políticas nacionais
coerentes um firme empenho da população.
Muito poucos Estados podem promover uma política geral de
desenvolvimento sem apoio. O desenvolvimento exige uma cooperação
internacional e a participação de outros Estados. A ajuda bilateral representa
anualmente cerca de 62 bilhões de dólares. Este apoio é dado muitas vezes sob
a forma de uma "ajuda vinculada".
Cada Estado tem sua própria concepção do desenvolvimento. No seio de cada
governo, as questões relacionadas com o desenvolvimento são muitas vezes
abordadas por departamentos diferentes. Atualmente, um governo pode estar
representado numa organização internacional de desenvolvimento,
dependendo do caso, pelos seus ministérios da agricultura, do meio ambiente,
das finanças, da economia ou de negócios estrangeiros.
Face à multiplicidade de ideias, fundos, iniciativas e grupos que participam no
processo de desenvolvimento, este pode ser considerado como um verdadeiro
projeto global. O número e a diversidade dos protagonistas, quer públicos
quer privados, nacionais e internacionais, que participam no desenvolvimento
não cessam de aumentar. Em alguns países, os esforços de desenvolvimento
correm o risco de se ver comprometidos pela proliferação desses protagonistas
e desses agentes. O esforço de desenvolvimento, no seu conjunto, exige uma
maior coerência. Além disso, a repartição dos recursos entre os diferentes
setores do desenvolvimento mantém-se desigual, de tal modo que numerosas
atividades, em particular no domínio do desenvolvimento social, continuam a
não obter recursos suficientes. Por conseguinte, a coordenação e a definição
de prioridades são fatores essenciais na medida em que cada agente tem seus
próprios objetivos, seus programas de ação, seus beneficiários e sua forma
particular de funcionamento. É portanto necessário implementar um sistema
de cooperação internacional que possa facilitar os recursos internos e a ajuda
exterior - quer técnica quer financeira - em benefício da paz, da economia, do
ambiente, da sociedade e da democracia.
A Carta da Organização das Nações Unidas (ONU) conferiu a seus órgãos, no
domínio do desenvolvimento, um certo número de competências que exigem
novas formas de coordenação. Nos termos dos Capítulos IV, IX e X da Carta,
a Assembléia Geral tem a responsabilidade fundamental da cooperação
econômica e social internacional. Desde a sua origem a Assembléia surgiu
como uma instância universal de discussão e de ação sobre as questões do
desenvolvimento. O Conselho Econômico e Social, tendo em conta as
atribuições e os poderes que lhe são conferidos pelo Capítulo X da Carta,
dispõe de um conjunto de atribuições quanto ao estudo das questões relativas
ao desenvolvimento e o lançamento e a coordenação dos respectivos
trabalhos. O Conselho de Segurança, ao aplicar as disposições do Capítulo
VII, pode vir a afetar o desenvolvimento de um Estado ao qual decide aplicar
sanções. Estas decisões podem também vir a afetar Estados vizinhos ou outros
Estados. O Secretariado fornece um apoio institucional, como por exemplo
através de aconselhamento e assistência técnica, em domínios tais como
planificação do desenvolvimento e políticas conexas, estatísticas, energia,
recursos naturais e administração pública. Esta repartição das
responsabilidades em matéria de desenvolvimento pelos diferentes órgãos
exige um esforço de coerência. Através das comissões regionais, o
Secretariado assegura a coordenação dos programas intersetoriais e de
cooperação técnica no interesse dos Estados-Membros.
Os programas e fundos da Organização das Nações Unidas dispõem de 3,6
bilhões de dólares por ano para as atividades operacionais. Atualmente,
começam a surgir novas tendências. Em primeiro lugar, o Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) tende a financiar programas
que apontam para domínios ou objetivos específicos no quadro dos quais os
Governos beneficiários podem abordar de forma coerente todas as dimensões
do desenvolvimento humano sustentável. Uma outra tendência consiste em
privilegiar as ações de ajuda de emergência em detrimento das ações de
desenvolvimento. Assim, por força das circunstâncias, o Programa Mundial de
Alimentos (PMA) é levado a consagrar cerca de três quintos da sua ajuda -
que hoje atinge um volume sem precedentes - ao fornecimento de ajuda de
emergência a curto prazo em detrimento do desenvolvimento a longo prazo.
Atualmente, cerca de 20 milhões de refugiados e 25 milhões de pessoas
deslocadas no interior de seus países encontram-se totalmente desprovidos de
tudo e têm necessidade de ajuda de emergência. Em 1993 o Alto
Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) consagrou-lhes
1 bilhão e 115 milhões de dólares.
As instituições especializadas do sistema das Nações Unidas têm seus
próprios estatutos, um orçamento autônomo e órgãos específicos. Na
totalidade, elas consagraram 6,3 bilhões de dólares a título de ajuda
privilegiada e 7,8 bilhões de dólares a título de empréstimos não privilegiados.
Estas instituições retiram cerca de 40% dos seus recursos operacionais dos
programas e dos fundos da ONU. Os Estados-Membros fornecem-lhes
igualmente recursos tendo em vista determinados projetos. Aí, também,
surgem novas tendências. Ao longo dos anos, as instituições de Bretton
Woods [o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI)]
interessaram-se sobretudo com questões imediatas da estabilidade
macroeconômica e do crescimento econômico, deixando para outras
instituições do sistema das Nações Unidas o cuidado de se ocuparem com os
aspectos sociais a longo prazo do desenvolvimento. A evolução do
desenvolvimento mundial conduz à reavaliação dessa distribuição das tarefas.
Em primeiro lugar, abrandou-se a distinção entre questões de caráter
econômico e questões de caráter social. Assim, as instituições de Bretton
Woods ocupam-se agora do desenvolvimento social e do estabelecimento de
medidas de proteção social no quadro dos programas de ajustamento. O FMI
fornece, cada vez com mais frequência, aconselhamento e recursos a médio
prazo para promover um crescimento de qualidade. O Banco Mundial
preocupa-se agora com considerações ecológicas quando concede
empréstimos e reserva fundos para financiar os aspectos sociais do
ajustamento. Em segundo lugar, tendo em conta o aumento crescente dos
empréstimos e dos investimentos internacionais, decisões do Banco Mundial
em matéria de empréstimos desempenham um papel menos determinante no
impacto direto que elas exercem sobre o desenvolvimento, mas mais
importante como indicadores de solvibilidade para os mercados de capitais
privados. Em terceiro lugar, ao reduzir a margem de manobra política dos
governos, o condicionamento aumenta os riscos de instabilidade no interior
dos países. Tomadas em conjunto, estas tendências fazem ressaltar a
necessidade de uma maior interação entre as orientações gerais dadas pelas
instituições de Bretton Woods e suas operações no nível dos países e, por
outro lado, as concepções e os métodos de outros protagonistas que participam
no esforço do desenvolvimento.
Os acordos e organizações regionais desempenham um papel crescente no
mundo e fornecem cada ano uma ajuda ao desenvolvimento que representa
cerca de 5,5 bilhões de dólares. O regionalismo não é incompatível com o
internacionalismo, nem uma alternativa para o mesmo, pelo menos como
expressado no contexto das Nações Unidas. Em todo o mundo a cooperação
regional é uma condição necessária do desenvolvimento. As associações
comerciais regionais proporcionam maiores mercados às empresas locais e
favorecem os acordos comerciais inter-regionais. O apoio regional permite
fazer face a problemas de desenvolvimento que ultrapassam o quadro das
fronteiras regionais e dar resposta a necessidades concretas. O abastecimento
de água, a eletrificação, os transportes, as comunicações e os sistemas de
saúde são domínios suscetíveis de serem tratados num quadro regional. A
coordenação regional permite o intercâmbio entre as nações para além das
rivalidades administrativas locais. Mas a regionalização traz igualmente
consigo o perigo do protecionismo e da criação de novas formas de
administração. É portanto indispensável que o desenvolvimento regional seja
gerido de tal forma que se torne compatível com o desenvolvimento em escala
mundial.
As organizações não-governamentais (ONGs) executam projetos avaliados em
mais de 7 bilhões de dólares por ano. Elas participam há muito na busca da
paz, dando muitas vezes e desde o princípio uma contribuição essencial na
cena dos conflitos, através do auxílio imediato às populações atingidas e
lançando as bases de reconstrução das sociedades devastadas pela guerra.
Graças à flexibilidade das suas estruturas, à sua capacidade para mobilizar
fundos privados e ao seu pessoal extremamente dedicado, as ONGs dispõem
de um vasto potencial que pode servir à causa do desenvolvimento. Ao longo
dos últimos 10 anos, o número de ONGs e a influência que elas exercem
aumentaram extraordinariamente. Criaram novas redes em nível mundial e
desempenharam um papel crucial quando das grandes conferências
internacionais efetuadas ao longo desta década. Chegou o momento de
associar suas atividades às da ONU no quadro de uma relação de consulta e de
cooperação cada vez mais produtiva.
Os fluxos de investimentos internacionais privados cifram-se em 1 bilhão de
dólares por ano e proporcionam um imenso potencial em matéria de criação
de empregos, de transferência de tecnologia, de possibilidades de formação e
de promoção comercial. O dinamismo suscitado por esse processo pode
reaquecer economias estagnadas e promover sua integração no sistema
econômico mundial. Por outro lado, os investimentos diretos estrangeiros
podem exercer uma ação positiva no conjunto das técnicas de que os países
dispõem para o desenvolvimento. A contribuição dada pelas empresas
privadas para a solução de problemas anteriormente encarados como da
competência específica do setor público é cada vez mais reconhecida. Em
alguns países, por exemplo, sociedades privadas fornecem serviços de
utilidade pública como as telecomunicações, os transportes, o abastecimento
de energia, a reciclagem de resíduos e o fornecimento de água. Em muitos
casos os subsídios dados às empresas públicas poderiam ser substituídos por
subsídios por objetivos, para que se possa pedir a certos utilizadores que
paguem o custo efetivo dos serviços e consagrar os fundos públicos à
satisfação de necessidades mais vastas.
As comunidades universitárias e científicas começaram há séculos a tecer, no
mundo inteiro, uma rede fértil de conhecimentos e de pesquisa produtiva.
Atualmente, milhares de centros universitários e científicos constituem redes
de idéias, de experiência, de criatividade e de trocas intelectuais que podem
desde já ser utilizadas. Seus trabalhos, que se revestem cada vez mais de um
caráter interdisciplinar, ultrapassam as fronteiras nacionais, reordenando e
integrando categorias antigas em esquemas novos de utilidade social. Além
disso, o mundo científico forma uma comunidade mundial que partilha
valores, regras e interesses fundamentais. É portanto uma comunidade que
tem um papel importante a desempenhar na solução dos grandes problemas do
desenvolvimento. Deste modo, os centros científicos e tecnológicos tratam de
questões que apresentam, no plano prático, uma importância imediata para a
vida quotidiana, tendo igualmente em conta o somatório de conhecimentos
científicos acumulados ao longo da história e da dimensão humana das
realizações passadas. A ciência pode alargar as opções que se apresentam em
matéria de desenvolvimento, graças ao aperfeiçoamento de novos métodos,
seguros, simples e eficazes de planejamento familiar, graças também ao
desenvolvimento de fontes de energia sem perigo para o ambiente, ao
melhoramento de técnicas agrícolas, à adoção de métodos mais eficazes de
luta contra a doença etc. Menos reconhecida mas de grande importância é a
investigação em ciências sociais, em ciências humanas e na arte. Os trabalhos
realizados nestes domínios não só enriquecem a existência humana, como se
sabe há muito tempo, mas também permitem ver sob novo enfoque um grande
número de características essenciais da vida e de necessidades do homem na
sociedade.
As organizações locais, tais como as comunidades religiosas, as associações
de bairro e os grupos de assistência mútua, conhecem bem a interdependência
do desenvolvimento econômico, social, humano e sustentável. Quando
procuram responder às necessidades de pequenas coletividades, aliás muitas
vezes ignoradas, elas são ao mesmo tempo os pontos de partida e de chegada
do processo de aprendizagem em matéria de desenvolvimento. As associações
locais e comunitárias carecem no entanto de fundos e têm muitas vezes
necessidade de assistência técnica. Embora os recursos necessários devam ser
mobilizados sobretudo em escala local, a ONU pode apoiar esse tipo de
atividades oferecendo ajuda a essas organizações.
O número crescente de agentes que participam hoje no processo de
desenvolvimento, as tendências mundiais que refletem suas atividades e a
interdependência entre os problemas que surgem e os mecanismos existentes
para resolvê-los põem em evidência a necessidade urgente de uma maior
tomada de consciência dos problemas e de um empenho mais enérgico para
resolvê-los.
Informação, sensibilização e consenso
Para poder enfrentar o desafio do desenvolvimento em escala mundial, é
necessário tomar consciência das numerosas dimensões do desenvolvimento e
apreender melhor a importância dos diferentes protagonistas que dele
participam. Através da sensibilização e da criação de um consenso em nível
mundial, contribui-se para a instauração daquilo que poderá chamar-se uma
"cultura do desenvolvimento". Esta cultura do desenvolvimento não passa só
pelo acesso de todos a redes de informação coletivas. Ela pressupõe que todas
as ações sejam encaradas na sua relação com o desenvolvimento. Baseando-se
nesta cultura mundial do desenvolvimento, que evolui rapidamente com a
aproximação do século XXI, a ONU pode tornar-se uma instância cada vez
mais eficaz para estabelecer normas de conduta universais.
A ONU, cuja composição e mandato global são universais, tem a
responsabilidade e os meios de chamar a atenção da opinião mundial para as
questões de importância geral. Pode alertá-la e mantê-la informada sobre
alguns problemas de resolução delicada. Assim, ao longo dos últimos anos, a
Organização desempenhou um papel decisivo para trazer à luz os problemas
ligados ao meio ambiente, à expansão demográfica, aos direitos humanos e
para colocar o desenvolvimento no centro das preocupações da comunidade
internacional.
A formulação da política econômica sob todos os seus aspectos deve basear-se
em informações sólidas. Os governos e o setor privado só poderão tomar
decisões eficazes se se apoiarem em informações exatas e atualizadas. Para
participar verdadeiramente na vida econômica, social e política, o público
deve, ele mesmo, estar informado.
Se estão mal informados, os Estados ficam em situação de inferioridade nas
negociações bilaterais e multilaterais. Para tomarem decisões com total
conhecimento de causa, mas também para se tornarem competitivos nos
mercados internacionais, os Estados devem poder ter acesso às informações
econômicas, demográficas, sociais e ambientais em nível internacional. Como
grande coletor de dados e estatísticas, o sistema das Nações Unidas constitui
um trunfo importante, por vezes mal aproveitado, para os Estados-Membros.
Este sistema esteve na vanguarda do esforço de cooperação técnica ao
implantar e reforçar meios de informação e de comunicações. Este esforço é
reconhecido por todos, mas ele exige um apoio cada vez mais ativo dos
Estados-Membros.
A Organização encoraja a elaboração de normas unificadas para as
comunicações técnicas, melhora os métodos de recolhimento de dados, facilita
intercâmbios mutuamente benéficos de dados e informações internacionais,
ajuda a analisá-los e a avaliá-los. A Organização fornece também formação e
assistência com vistas à sua utilização.
O sistema das Nações Unidas foi pioneiro ao organizar a cooperação
internacional para a coleta, análise e utilização de dados relativos a
planificação populacional, cuidados de saúde, administração e condução dos
assuntos públicos, criação de empregos, salários e rendimentos e necessidades
em matéria de proteção social. Todas essas informações permitem aos povos e
aos governos tomarem decisões mais esclarecidas. A ONU empenha-se hoje
em tentar quantificar o progresso humano de uma nova forma - esboçando um
quadro estatístico do desenvolvimento humano que não se baseia só no
simples cálculo do Produto Nacional Bruto por habitante. O relatório do
PNUD sobre o desenvolvimento humano foi o ponto de partida para uma nova
reflexão sobre os parâmetros que servem para avaliar o desenvolvimento.
Não pode haver decisões esclarecidas nem desenvolvimento nacional bem
sucedido sem estatísticas confiáveis que permitam seguir a atividade
econômica de uma nação e determinar a evolução econômica, social e do
meio ambiente. Nesta perspectiva, foi criado pela ONU, em cooperação com o
FMI, o Banco Mundial, a Organização de Cooperação e Desenvolvimento
Econômicos e a Comissão da União Européia, o novo sistema de
contabilidade nacional que dá aos países as referências necessárias para a
percepção de suas estatísticas econômicas sob um ângulo novo e mais
produtivo.
Alguns países testam novas formas de coleta e difusão de estatística, bem
como de indicadores sobre o meio ambiente no quadro de vários programas de
cooperação técnica das Nações Unidas. Esta iniciativa é importante
principalmente porque se está criando um fosso entre os países quando se trata
da disponibilidade, da qualidade, da coerência e da acessibilidade dos dados.
A falta de informação impede ainda um grande número desses países de
tomarem decisões com total conhecimento de causa nos domínios do meio
ambiente e do desenvolvimento.
A coleta e a análise da informação são indispensáveis, não só para tornar a
discussão mais clara, mas também para adaptar soluções aceitáveis e viáveis.
Informações normalizadas e fidedignas constituem a linguagem comum que
pode permitir a participação de todos na cultura do desenvolvimento. Se a
informação não é confiável, se não se encontra disponível nem se apresenta de
forma a ser utilizada, será difícil alcançar o consenso, e o êxito da ação poderá
tornar-se aleatório.
Nestes últimos anos, os Estados puderam, em conferências internacionais,
refletir em conjunto sobre as grandes opções que se oferecem ao mundo no
domínio do desenvolvimento e promover assim uma cultura consensual do
desenvolvimento. Estes encontros abordam no mais alto nível as questões
mais delicadas e incitam os Estados a alinhar sua política nacional pelos
valores e princípios que a comunidade internacional, toda ela, adotou. Eles
são, simultaneamente, a ocasião para fornecer orientações políticas, suscitar
novos impulsos e inspirar os Estados, as organizações e os povos.
A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento
foi a ocasião para um compromisso sem precedentes por parte dos dirigentes
mundiais, num conjunto de objetivos comuns para o futuro - Agenda 21.
Trata-se do primeiro documento internacional que reflete um consenso geral e
uma vontade política do mais alto nível nas áreas do meio ambiente e do
progresso econômico e no quadro de um programa de desenvolvimento
sustentável. Depois do Rio, as preocupações relacionadas com o meio
ambiente estão solidamente enraizadas na cultura do desenvolvimento. A
Conferência Mundial sobre o Desenvolvimento Sustentável dos Pequenos
Estados Insulares em Desenvolvimento, que se realizou em Barbados de 25 de
abril a 6 de maio de 1994, permitiu determinar melhor as responsabilidades
dos pequenos Estados insulares e as da comunidade internacional na procura
de um desenvolvimento sustentável.
A Conferência Mundial dos Direitos Humanos teve lugar em Viena de 14 a 25
de junho de 1993. Na Declaração e Programa de Ação de Viena, a
Conferência reafirmou "que o direito ao desenvolvimento, tal como foi
estabelecido na Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, é um direito
universal e inalienável que faz parte integrante dos direitos fundamentais da
pessoa humana". Desde a proclamação da Declaração Universal dos Direitos
Humanos em 1948 até sua decisão de designar um Alto Comissário das
Nações Unidas para os Direitos Humanos, a Assembleia Geral não tem
deixado de sublinhar que o respeito dos princípios internacionais aceitos por
todos nesta matéria é uma necessidade absoluta.
Em setembro de 1994 realizou-se na cidade do Cairo a Conferência
Internacional sobre População e Desenvolvimento, com o objetivo de refletir
sobre o impacto dos fatores demográficos no desenvolvimento e dedicar-se a
traçar as grandes linhas de um verdadeiro desenvolvimento centrado na pessoa
humana.
A Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Social que se realizará em
Copenhague em 1995 - ano do 50º aniversário da Organização das Nações
Unidas - poderia ser o momento para uma síntese de importância mundial.
Torna-se cada vez mais evidente que uma sociedade justa não pode aceitar um
alto nível de desemprego, que uma sociedade estável não pode tolerar que
grupos inteiros sejam excluídos dos benefícios do desenvolvimento, que uma
sociedade segura não pode existir sem uma rede de segurança para os seus
membros mais desfavorecidos. Um esforço decidido impõe-se em nível
mundial de forma a suscitar uma tomada de consciência e um empenho
político capazes de levar a uma ação eficaz, nos níveis nacional e
internacional. A Cúpula de Copenhague representará uma ocasião essencial
para se fazer a síntese das realizações passadas, para obter um conjunto
coerente e identificar as novas áreas sobre as quais se deverá fazer incidir um
esforço conjunto. Deveria dar ao desenvolvimento social o mesmo grau de
prioridade que dá ao crescimento econômico, reforçando as estruturas
nacionais e internacionais que tratam dos assuntos sociais, facilitando a
coordenação das suas operações com as das instituições especializadas nas
questões econômicas e fornecendo a ajuda necessária, financeira ou não.
O processo continuará em 1995, em Pequim, com a 4ª Conferência Mundial
da Mulher. A ONU, em grande parte graças aos esforços da Comissão sobre o
Status da Mulher criada em 1946, contribuiu para a criação das bases jurídicas
necessárias à promoção da igualdade dos direitos das mulheres e conduziu
uma ação de vanguarda nos domínios da elaboração das políticas, do empenho
político e do desenvolvimento institucional. Uma nova etapa foi transposta em
1979 com a adoção da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação contra as Mulheres. Cento e trinta e dois Estados são hoje parte
da Convenção e apresentam regularmente relatórios sobre a forma como
aplicam suas disposições. A Convenção relativa aos direitos da criança e a
Declaração de Viena adotada pela Conferência Mundial dos Direitos
Humanos também enunciaram princípios relacionados com os direitos das
mulheres. As diligências previstas para o próximo século deverão basear-se
nessas realizações e ter plenamente em conta a igualdade entre os sexos.
A Conferência Habitat II sobre os assentamentos humanos, "a Cúpula das
Cidades", que terá lugar em Istambul em 1996, estudará um programa de ação
tendo por objetivo tornar as zonas urbanas, onde vive a maioria da população
mundial, mais seguras, mais humanas, mais saudáveis e financeiramente mais
acessíveis.
Os esforços realizados em escala internacional para reforçar a cultura mundial
do desenvolvimento devem, para além dos Estados-Membros, englobar toda a
comunidade internacional. Neste sentido, a contribuição de protagonistas não
estatais para a cultura do desenvolvimento ficou claramente demonstrada
durante a Conferência do Rio e a Conferência Mundial dos Direitos Humanos.
Nessa ocasião as organizações não-governamentais e os particulares
interessados reivindicaram o papel que lhes deve ser atribuído na criação de
uma cultura do desenvolvimento.
Nos próprios Estados, diversos elementos da sociedade civil - como partidos
políticos, sindicatos, parlamentares e organizações não-governamentais -
suscitam e obtêm cada vez mais apoio público para os esforços do
desenvolvimento, bem como uma ajuda concreta em favor do
desenvolvimento. Grupos e movimentos privados formam também redes que
contribuem para orientar de forma eficaz a política de desenvolvimento. Isto
quer dizer que o consenso político só será alcançado se todos se associarem ao
processo.
Ao tomar a iniciativa, ao acentuar as questões particularmente preocupantes e
ao favorecer a adoção de soluções realistas, os protagonistas podem, em todos
os níveis, influenciar o resultado dos esforços desenvolvidos em escala
internacional para resolver os grandes problemas que prendem a atenção
mundial. De fato, nada de duradouro poderá ser feito enquanto os povos e os
governos não partilharem uma mesma visão política do progresso e não
tiverem a vontade de concretizá-la.
Regras, normas e tratados
Uma ação internacional positiva só pode ser alcançada através da cooperação.
O direito internacional é um instrumento que permite transformar em ação as
idéias e as intenções. Ao enunciar os direitos, os deveres e as obrigações dos
protagonistas internacionais, bem como os princípios que devem guiá-los, ele
constitui não só a base sobre a qual se constrói a cooperação, mas define
também as condições e limites desta.
Favorecer a cooperação multilateral - seja sob a forma de normas restritivas
ou de normas jurídicas - constitui a própria essência do direito internacional.
Ao assumir os grandes desafios internacionais e assegurando seu melhor
conhecimento pelo público, os acordos multilaterais servem de fundamento às
ações a serem empreendidas. Ao criar um quadro comum para abordar os
problemas internacionais, esses acordos favorecem a coordenação das
políticas e a coerência da ação. Estabelecendo parâmetros comuns e regras
fundamentais, facilitam as trocas internacionais e constituem uma base sólida
para avaliar e apoiar os esforços internacionais. Como mecanismos práticos
que permitem criar consensos e procurar soluções, são a chave de uma ação
internacional eficaz em benefício do desenvolvimento.
A Assembléia Geral contribuiu de forma decisiva para o estabelecimento de
um quadro internacional de cooperação a favor do desenvolvimento. Na sua
resolução 47/181 relativa a uma agenda para o desenvolvimento, a
Assembléia Geral evoca a Declaração sobre a cooperação econômica
internacional, em particular o relançamento da política internacional de
desenvolvimento, a Estratégia internacional do desenvolvimento para a quarta
década das Nações Unidas para o desenvolvimento, o Acordo de Cartagena, a
Nova Agenda das Nações Unidas para o desenvolvimento da África para os
anos 90, o Programa de Ação para os Países menos desenvolvidos nos anos 90
e diversos acordos e convenções, em especial a Agenda 21, adaptadas por
consenso na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento.
O objetivo de muitos acordos multilaterais é, simultaneamente, despertar o
interesse e tornar-se um elemento motor de ação. O processo de elaboração de
um consenso traduz-se, certamente, por uma maior politização das questões
importantes, pois os Estados e as coletividades procuram promover ou
defender seus interesses, seus pontos de vista e seus programas no acordo em
causa. Mas muitas vezes o debate internacional serve para clarificar a
importância do que está em jogo, o que leva a opinião pública a tomar
consciência de sua importância e a querer desempenhar um papel.
Os tratados e documentos adotados por ocasião da Conferência do Rio são o
testemunho do grande impacto que pode ter o processo de elaboração de um
texto comum em escala internacional. Foram necessários anos de estudo e de
preparação, o efeito catalisador de uma reunião mundial do mais alto nível e a
vontade de codificar as ações e os compromissos específicos para que todo o
mundo percebesse a necessidade de pôr um fim à degradação do meio
ambiente e de empreender um desenvolvimento sustentado. Ao inscrever o
meio ambiente entre as preocupações dos Estados e ao incitá-los a tomar
medidas e a formular propostas, este processo suscitou intervenções
absolutamente necessárias. Por outro lado, sensibilizou a opinião pública
mundial para as questões ambientais e favoreceu, no mundo inteiro, uma
avaliação da política dos poderes públicos nesta área.
Os acordos multilaterais não se limitam a suscitar o interesse da opinião
pública. Podem também servir de motor para a ação internacional. É assim
que a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar aborda as
questões do desenvolvimento que têm que ver com todos os aspectos da
utilização do mar e de seus recursos. Quando as novas tecnologias e a
necessidade de novos recursos aumentam a capacidade das nações para
explorar os recursos do mar, esta Convenção constitui um quadro jurídico
universal para gerir racionalmente esses recursos. Ela oferece igualmente um
conjunto de princípios que permitem examinar os numerosos problemas que
não deixarão de surgir no futuro. Quer se trate de navegação ou de sobrevôo,
de exploração e aproveitamento dos recursos, de preservação e de poluição, de
pesca ou de transportes marítimos, a Convenção sobre o Direito do Mar
desempenha um papel central nas deliberações e decisões da comunidade
internacional.
No contexto da ação multilateral, a ação humanitária internacional permitiu,
por exemplo, criar "corredores de ajuda de emergência", apelar cada vez com
mais freqüência para o pessoal de manutenção da paz das Nações Unidas para
missões humanitárias, impedir o massacre de civis inocentes, investigar
alegações sobre violações do direito internacional e facilitar a reconciliação
nacional. Ao esforçar-se, graças à aplicação do direito humanitário
internacional, para reforçar os fundamentos práticos da cooperação, a
comunidade internacional revelou as vastas possibilidades oferecidas pelo
direito internacional não só para catalisar ações como para alcançar objetivos.
Um outro aspecto fundamental do papel desempenhado pelo direito
internacional no desenvolvimento é o de intensificar a coordenação das
políticas postas em ação, promovendo a coerência de sua formulação e de sua
concepção. Direta ou indiretamente, as regras, normas e tratados multilaterais
contribuem para a realização desses objetivos.
A coordenação é expressamente desejável quando a iniciativa individual não é
suficiente para obter resultados satisfatórios, ou quando relações de
cooperação são suscetíveis de melhorar sensivelmente a eficácia das ações
empreendidas. No domínio da regulamentação dos transportes aéreos
internacionais, por exemplo, seria inútil agir individualmente. Do mesmo
modo, é ao coordenar os esforços individuais que se poderá evitar a
degradação da camada de ozônio. O que quer dizer que os acordos
multilaterais constituem forçosamente, nesta matéria, mecanismos de
coordenação indispensáveis.
Um objetivo estreitamente ligado ao referido anteriormente, e igualmente
essencial, é o de promover a coerência e a compatibilidade das políticas
elaboradas em escala internacional. Nesse sentido, convém sublinhar que, na
medida em que os acordos multilaterais excluem certas opções e privilegiam
outras - reduzindo deste modo, pela via do compromisso e do consenso, as
possibilidades de estratégias desencontradas -, eles favorecem a coerência e a
compatibilidade das diferentes políticas nacionais. Nessa perspectiva, certas
práticas são bem vistas enquanto outras são reprimidas; certas ações são
proibidas enquanto outras são encorajadas; certos princípios são consagrados
enquanto outros são rejeitados. Agindo desta forma, as regras, as normas e os
tratados tornam as políticas implementadas mais coerentes e mais
compatíveis.
Por exemplo, ao privilegiar a biodiversidade, os acordos multilaterais
concluídos no âmbito do meio ambiente favorecem, por isso mesmo, certas
opções e políticas nacionais de desenvolvimento, ao mesmo tempo que
limitam ou eliminam outras. Assim, quando estabelecem normas sobre
emissões poluentes, favorecem inevitavelmente uma política que visa limitar
certos tipos ou níveis de atividade e excluem as estratégias industriais ou de
desenvolvimento que seriam incompatíveis com estas normas. Daí resulta,
portanto, uma maior coerência e uma maior uniformidade das políticas em
escala internacional.
Num mundo em que, cada vez mais, as relações entre os indivíduos
ultrapassam os limites das fronteiras nacionais, deveriam existir mecanismos e
um conjunto de regras que regessem as relações jurídicas internacionais
relativamente às pessoas privadas. Estabelecer mecanismos comuns e fixar
disposições para resolver conflitos legais facilita o comércio e contribui
também para a instauração de relações internacionais pacíficas e estáveis. O
que quer dizer que estes esforços de cooperação, quando conjugados, facilitam
a interação e o desenvolvimento e ajudam a harmonizar, no plano prático, as
múltiplas regulamentações produzidas pelos sistemas jurídicos nacionais.
Existem hoje convenções internacionais específicas que se aplicam a um
conjunto cada vez maior de relações internacionais privadas. Em matéria
jurídica, as convenções internacionais abrangem atualmente questões como a
notificação de atos processuais, obtenção de provas testemunhais, execução de
sentenças e conflitos de normas jurídicas internacionais. No que diz respeito
ao Direito da família, foram negociados importantes acordos internacionais.
Em matéria comercial, convenções internacionais facilitam e aceleram uma
vasta gama de atividades, desde as transações financeiras até a venda
internacional de mercadorias.
É indispensável que atuemos em conjunto para estabelecer regras e princípios
gerais aplicáveis às relações entre as nações. Neste aspecto existem já
numerosos acordos multilaterais relativos às normas internacionais do
trabalho ou que regem a gestão das rotas aéreas. Outros acordos multilaterais
regulamentam, por exemplo, a utilização de freqüências pelas
telecomunicações internacionais, facilitam as trocas postais internacionais ou
asseguram a observação da situação meteorológica mundial.
Instrumentos multilaterais consagram e refletem os esforços feitos para
elaborar regras comerciais aceitáveis em escala mundial. No âmbito da
Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento
(UNCTAD), a ONU ajudou os países em desenvolvimento, graças ao sistema
generalizado de preferências, a obterem um tratamento preferencial para as
suas exportações. Contribuiu igualmente para a adoção de acordos
internacionais sobre os produtos de base e de princípios para lutar contra as
práticas comerciais restritivas. O Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio
(GATT) e as negociações comerciais multilaterais do Uruguai (Rodada
Uruguai), que terminaram recentemente, ilustram a forma como a cooperação
multilateral pode facilitar o comércio e promover o desenvolvimento. Existe
uma estimativa a este respeito, que prevê que o comércio mundial venha a
aumentar 50 bilhões de dólares como resultado do acordo concluído durante a
Rodada Uruguai. Em toda a comunidade internacional, o efeito positivo desta
medida que estimulará o emprego, a produção e o comércio será, sem dúvida,
considerável.
A Rodada Uruguai é um exemplo marcante do impulso que os acordos
multilaterais podem dar ao desenvolvimento, ao encorajarem, facilitarem e
acelerarem as trocas comerciais internacionais. Entre outros exemplos
importantes citemos a Convenção das Nações Unidas relativa ao Comércio de
Trânsito dos Estados sem litoral, a Convenção das Nações Unidas sobre o
Transporte de Mercadorias por mar e a Convenção das Nações Unidas sobre
os contratos de venda internacional de mercadorias.
A importância dos acordos multilaterais tem também a ver com o fato - e isso
é essencial - de permitirem uma base de avaliação e acompanhamento dos
esforços internacionais, quer seja em benefício do desenvolvimento quer em
outros campos. É graças a eles que a Organização Internacional do Trabalho
(OIT) está em condições de acompanhar as práticas em matéria de trabalho no
mundo inteiro. Por outro lado, a Convenção Marco das Nações Unidas sobre
as Mudanças Climáticas prevê uma análise internacional das políticas
nacionais que têm uma incidência sobre as mudanças climáticas, bem como
uma fiscalização internacional das emissões que provocam o efeito estufa.
Nesses casos, como em muitos outros, os acordos multilaterais estão na base
das atividades de coleta de informações e de controle de sua aplicação, bem
como de dispositivos coercitivos.
No que diz respeito aos direitos humanos, a importância dos acordos
internacionais, que estabelecem simultaneamente a base jurídica para o
acompanhamento e a avaliação do comportamento dos Estados, é
particularmente nítida. Não só estes acordos estabelecem normas a partir das
quais se pode apreciar o comportamento dos Estados, como também oferecem
uma base internacional para controlar sua aplicação. Permitem portanto à
comunidade internacional defender e promover o princípio da dignidade
humana, que transcende as fronteiras e as diferenças nacionais.
A idéia de que a comunidade internacional pode proteger este ou aquele
direito do homem constitui uma das grandes realizações do direito
internacional, nos planos prático e intelectual. Jogando com os mecanismos e
os processos do direito internacional, as regras, normas, pactos e tratados
internacionais servem doravante de garantia. Além disso, fornecem uma base
jurídica para a ação internacional a favor dos direitos humanos e do direito
humanitário.
Estabelecer medidas práticas para se opor em conjunto aos problemas que se
colocam constitui um dos grandes objetivos dos acordos multilaterais. Ao
propor um quadro para a cooperação internacional, o direito internacional
contribui de forma importante e muito concreta para múltiplos aspectos do
desenvolvimento global. Através da coordenação de políticas e de esforços
diversos, a promoção de fins e objetivos definidos, o estabelecimento de
regras e normas específicas e a negociação de tratados e de convenções
multilaterais, o direito internacional apresenta-se simultaneamente como um
instrumento de cooperação e um meio de ação.
A Organização das Nações Unidas desempenha um papel de primeiro plano
no domínio do direito internacional e é a instância mais importante em matéria
de cooperação internacional. Ela tem um papel essencial a desempenhar para
ampliar o campo da cooperação internacional e melhorar sua eficácia, por
exemplo no que diz respeito à transformação desta cooperação em regras,
normas e princípios internacionais. Como tal, cabe-lhe a responsabilidade de
encorajar e de facilitar a participação efetiva de todos os países interessados
na negociação, na aplicação, no exame e gestão dos acordos e instrumentos
internacionais.
Operações, empenho e mudança
A Organização das Nações Unidas é simultaneamente uma instância que se
consagra à procura do consenso, um instrumento de cooperação internacional
e uma fonte de análise e de informação política. No entanto, para milhões de
seres humanos, ela é, em primeiro lugar e acima de tudo, uma organização
cuja missão é obter resultados concretos.
No mundo em desenvolvimento e nos países em transição ou em grandes
dificuldades, a Organização das Nações Unidas ocupa-se em levar os
benefícios do desenvolvimento diretamente ao conjunto da população. Nesta
perspectiva, suas ações tomam múltiplas formas. Por intermédio de seus
programas e fundos, bem como do Secretariado, a Organização participa das
iniciativas e projetos a favor do desenvolvimento, assegura a formação técnica
das populações, reforça as capacidades institucionais dos países e ajuda os
governos a formular suas estratégias globais de desenvolvimento.
Na medida em que são em primeiro lugar os Estados os responsáveis pelo seu
desenvolvimento, é em estreita colaboração com os governos e as
coletividades locais que as Nações Unidas atuam. Mas elas conduzem também
numerosas ações em colaboração com organizações não-governamentais e
outras instituições que não dependem dos Estados. Acontece também de a
Organização atuar isoladamente.
Graças a seus esforços de campo, a Organização das Nações Unidas
desempenha um papel indispensável e por vezes sem igual. Suas ações
regionais contribuem em particular para transformar as decisões internacionais
em iniciativas e estratégias locais, para encorajar projetos de desenvolvimento
com fim não lucrativo, para desenvolver os setores sensíveis e promover
novas áreas e novas formas de assistência técnica.
Os enormes desafios com os quais a humanidade se vê confrontada implicam
necessariamente uma cooperação internacional. Mas não deixa de ser verdade
que os acordos obtidos nesta área não constituem senão um ponto de partida.
Neste sentido, é preciso sublinhar que os programas de campo das Nações
Unidas representam uma ponte indispensável entre a elaboração de grandes
acordos internacionais e a capacidade dos países para transformar estes
acordos em ações nacionais. De fato, tendo em conta sua experiência e seu
campo de ação universal, a Organização oferece um grau de especialização
insubstituível para os Estados-Membros, no preciso momento em que estes
devem enfrentar os grandes problemas do mundo moderno. Ninguém ignora
que, na ausência de uma tal assistência, muitos Estados não teriam nem o
conhecimento necessário dos problemas nem a capacidade de ação imediata
exigida para realizar os progressos que se impõem. Durante a Cúpula do Rio,
a Organização das Nações Unidas, a pedido dos Estados-Membros, ajudou a
definir as medidas necessárias, a elaborar regras e políticas e a estabelecer
mecanismos para alcançar os objetivos em matéria de meio ambiente.
Em numerosos setores essenciais para o desenvolvimento, só a Organização
das Nações Unidas está em condições de oferecer a imparcialidade e a
competência necessárias para obter resultados. As políticas de
desenvolvimento relacionadas com a administração pública, com a condução
do Estado e com a democratização constituem exemplos significativos. É
certo que os governos e as sociedades que reconhecem a necessidade de
mudança podem hesitar em encarar uma ajuda estrangeira com receio de que
esta abra posteriormente caminho a pressões ou controle externos. Mas, em
muitos dos setores essenciais para o desenvolvimento, a ONU pode fazer valer
uma longa tradição de imparcialidade e de experiência ao serviço do
desenvolvimento. Trata-se aqui de uma assistência à qual numerosos Estados-
Membros continuarão sem dúvida alguma a recorrer.
As ações de campo das Nações Unidas desempenharam igualmente um papel
muito útil na introdução de novos tipos de ajuda ao desenvolvimento.
Enquanto que, após a guerra, se deu maior importância à cessão de
especialistas e consultores estrangeiros, agora os recursos são cada vez mais
consagrados ao reforço das capacidades e das competências nacionais. O valor
de numerosas orientações tomadas pela ONU no passado ficou demonstrado.
Além disso, a ONU soube igualmente inovar. Mas não é menos verdade que a
Organização deve constantemente evoluir nos domínios em que sua
contribuição continua a justificar-se.
Para a própria Organização - e para a comunidade internacional no seu
conjunto - as atividades de campo da ONU e sua presença no domínio do
desenvolvimento em escala mundial têm um significado muito vasto: elas
testemunham a autoridade moral das Nações Unidas nos assuntos
internacionais de uma maneira geral, assim como sua capacidade, como
instituição, para compreender e aceitar os desafios do desenvolvimento no
plano humano.
Em virtude de sua preocupação fundamental em trabalhar a favor do
progresso humano, a Organização das Nações Unidas afirma-se como o
instrumento mais sólido e mais confiável a serviço da paz mundial. Por todas
as partes do mundo, a bandeira da ONU simboliza seu empenho, não só em
favor da paz mas também do progresso. Os esforços globais são realçados,
também, pelos resultados da sua ação em matéria de desenvolvimento. Isto
quer dizer que aqueles que procuram o apoio da ONU e dele mais dependem
não poriam em dúvida seu empenho, um esforço que não deve basear-se em
considerações abstratas, mas em serviços efetivamente prestados às
populações.
Em todos os setores da Organização, a experiência do pessoal que faz trabalho
de campo a favor do desenvolvimento constitui uma fonte preciosa de
equilíbrio, de discernimento e de compreensão. A própria Agenda deve muito
a este capital de experiência humana concreta.
Os escritórios locais da Organização permitem confrontar as teorias com a
realidade. Graças a eles, os problemas são examinados num contexto mais
concreto. Assim, a Organização não só conhece melhor as populações, mas
aprende também diretamente com aqueles a quem serve.
É no entanto manifesto que as operações das Nações Unidas para o
desenvolvimento não conseguem remediar todos os problemas que surgem no
mundo. As atividades concretas devem ser concebidas de forma a obter
resultados cumulativos. Neste sentido, mesmo soluções parciais podem
aumentar as possibilidades de um progresso duradouro. Resumindo, a noção
fundamental de "operações para o desenvolvimento" não se limita a um
simples paliativo provisório mas permite assentar o progresso sobre fundações
sólidas.
Assim sendo, é difícil que se possa, a curto prazo, avaliar o impacto exato
desta ou daquela estratégia. Para a Organização das Nações Unidas o
desenvolvimento é um empreendimento de longo prazo. O impacto dos
esforços no terreno contribuiu para alcançar assinaláveis progressos. Por
exemplo, a importância atribuída aos serviços de saúde ao nível das
coletividades ajudou a eliminar a varíola, a generalizar a vacinação das
crianças e a reduzir espetacularmente as taxas de mortalidade infantil do
mundo inteiro. Por outro lado, o fato de reconhecer a importância de um
patrimônio cultural comum facilitou a preservação de locais como Abu-
Simbel, a Acrópole e o Angkor Vat. Finalmente, a tomada de consciência do
estado de degradação do planeta teve como resultado o empreendimento de
esforços concretos em nível mundial.
O reforço das capacidades nacionais constitui um elemento essencial para o
progresso. Em muitos casos, as atividades de campo das Nações Unidas na
área do desenvolvimento reforçaram sensivelmente os esforços dos Estados
nessa matéria. De forma igualmente essencial a Organização evitou por vezes
uma dispersão de esforços neste campo, compensando desvios profundos e
melhorando as infra-estruturas.
Ainda que seja difícil quantificar, uma herança de competências locais cada
vez mais ricas nasceu deste meio século de cooperação e de formação técnica.
Esta contribuição é fundamental. Com efeito, enquanto não forem as próprias
populações a promover o seu desenvolvimento, os progressos continuarão
desiguais e o desenvolvimento não assentará sobre bases sólidas.
Criando um quadro favorável para o desenvolvimento, a Organização das
Nações Unidas contribui diretamente para este, mas facilita também os
esforços de numerosos outros protagonistas. Com efeito, a presença da
Organização mundial pode ajudar a criar um clima mais propício à
cooperação em geral e encorajar assim os diversos protagonistas. Além disso,
particularmente num período de tensão e de instabilidade, a presença
internacional simbolizada pela ONU pode ser essencial para manter o impulso
necessário ao desenvolvimento.
De uma maneira mais geral, as prioridades definidas pelas Nações Unidas têm
por vezes servido de base para outros protagonistas, permitindo-lhes participar
no desenvolvimento. Assim, graças aos acordos negociados pela Organização
mundial, outros protagonistas puderam igualmente exprimir-se. Por outro
lado, a presença das Nações Unidas nos trabalhos de campo é, para a própria
Organização e para a comunidade internacional em geral, um trunfo vital ao
serviço do desenvolvimento.
Estabelecimento de prioridades e coordenação
O conceito de desenvolvimento, tal como emerge deste relatório, reveste
várias dimensões que se encontram ligadas entre si e dão origem à intervenção
de uma multiplicidade de protagonistas. Todos concordarão que nos é
imperiosamente necessário estabelecer prioridades e coordenar os nossos
esforços.
As ações levadas a cabo em cada um dos setores do desenvolvimento devem
completar-se mutuamente para a realização de um progresso centrado no ser
humano. Não será possível um desenvolvimento bem sucedido se uma
dimensão for privilegiada e uma outra excluída. Sem a paz, a mobilização das
energias humanas para fins produtivos tornar-se-ia rapidamente impossível.
Sem crescimento econômico, haverá falta de recursos para abordar qualquer
problema. Sem um ambiente saudável, a produtividade destruirá as próprias
bases do progresso. Sem a justiça social, as desigualdades comprometerão os
esforços realizados a favor da mudança. Finalmente, sem a livre participação
na vida política, os indivíduos deixarão de ter domínio sobre seu próprio
destino ou sobre o da coletividade.
A escassez de recursos e os constrangimentos internos e externos significam
que têm que ser feitas escolhas e estabelecidas prioridades. Há momentos em
que os esforços para alcançar alguns aspectos do desenvolvimento têm de ser
adiados. Em alguns países, por exemplo, os efeitos a curto prazo das reformas
econômicas podem comprometer a estabilidade política.
A coordenação das atividades e da assistência é essencial se se pretende tirar o
melhor partido dos recursos destinados ao desenvolvimento e agir de forma a
que as prioridades estabelecidas produzam os seus frutos. As
responsabilidades devem ser claramente definidas e o trabalho deve ser
eficazmente dividido entre os numerosos agentes do desenvolvimento. Além
disso, estes devem empenhar-se na realização dos objetivos comuns e
compatíveis.
O programa com o qual os participantes nacionais, regionais e mundiais
devem cooperar inclui a paz e a segurança internacionais, o progresso
econômico, o meio ambiente, a justiça social, a democracia e a condução
adequada dos assuntos públicos. As contribuições de cada um devem
inscrever-se no quadro de uma ação comum. No passado, a comunidade
internacional obteve resultados quando soube definir prioridades e coordenar
os seus esforços - para erradicar as doenças, lutar contra a fome, proteger o
meio ambiente ou limitar a proliferação das armas de destruição maciça. Os
problemas mundiais como o HIV (Vírus da Imunodeficiência Humana) e a
AIDS exigem uma coordenação entre Estados, organizações internacionais e
regionais e organizações não-governamentais. Em outros casos, a coordenação
deve incidir sobre determinada região do mundo, ou determinado segmento da
população. Os doadores devem coordenar sua ação entre si, e os beneficiários
devem coordenar-se segundo seus sistemas nacionais.
Todos sabemos que o desenvolvimento é um processo multifacetado e
flexível. Os esforços para o desenvolvimento devem dar resposta a
prioridades, a circunstâncias e a necessidades nacionais particulares. Daí que
não deva existir uma teoria exclusiva nem um conjunto único de prioridades
aplicáveis a todos os países num determinado momento. No entanto, o
desenvolvimento requer um constante repensar das prioridades e dos objetivos
e uma reavaliação contínua das necessidades e das políticas. A importância de
uma boa condução dos assuntos públicos para a promoção do
desenvolvimento deve ser reafirmada. Sendo este um processo internacional,
sua gestão deve transcender as fronteiras nacionais.
Cabe aos governos decidir que políticas devem apoiar e a que pressões, quer
externas quer internas, devem resistir. De fato, uma boa gestão pública
implica uma visão ampla, necessária para saber quando convém deixar livres
as forças do mercado, para deixar a sociedade civil agir ou para intervir
diretamente.
As estratégias de desenvolvimento nacional devem assegurar a coerência e a
compatibilidade dos diversos projetos. Tendo em conta a multiplicidade de
protagonistas e de programas envolvidos, surgem por vezes fragmentações e
discordâncias. Uma visão de conjunto do desenvolvimento deve portanto ser
estabelecida em nível nacional, enquanto que os esforços e os recursos devem
ser mobilizados internacionalmente da forma mais eficaz possível,
contribuindo para a realização dos objetivos nacionais.
Cada sociedade esforça-se por determinar as orientações do seu próprio
desenvolvimento. A comunidade internacional deve pois agir com
circunspecção. Deste modo, a persuasão, mais do que as pressões, produz
certamente esforços mais decisivos e resultados mais duradouros. Uma vez
que é aos governos que compete em primeiro lugar assegurar o
desenvolvimento, os protagonistas internacionais chamados a apoiá-los não
devem nunca ignorar a complexidade da sua tarefa.
Uma coordenação bem sucedida só pode ser alcançada se houver vontade de
trabalhar em conjunto. Ora, não basta estabelecer mecanismos e estruturas
para eliminar o duplo emprego, as sobreposições e as incoerências. Os
doadores devem estar dispostos a cooperar em vez de competirem entre si. As
instituições devem estar prontas a trabalhar como parceiros e não como rivais.
Finalmente, as organizações devem ter a coragem de medir o sucesso de seus
esforços pelos progressos realizados.
A comunidade internacional não pode impor prioridades ou modelos de
desenvolvimento a nenhum povo. Este é um dos ensinamentos que devemos
tirar dos esforços passados. Não obstante, a comunidade internacional pode e
deve determinar a melhor forma de maximizar os recursos internacionais
atribuídos ao desenvolvimento e assegurar a coerência e a coordenação dos
protagonistas internacionais do desenvolvimento.
As estratégias nacionais são um novo instrumento importante para reforçar a
coordenação. Elas permitem, de fato, que os países trabalhem com a ONU na
concepção de projetos de desenvolvimento e estabeleçam prioridades quanto à
utilização dos fundos para o desenvolvimento. A aplicação crescente dessa
técnica de auxílio ao desenvolvimento poderá ter um impacto importante.
Atualmente, e na falta de uma abordagem que englobe todos os aspectos
externos da cooperação para o desenvolvimento, o estabelecimento de
prioridades e a coordenação dos esforços internacionais para o
desenvolvimento, intergovernamentais e não governamentais, continuam a ser
uma necessidade urgente.
O sistema de coordenadores residentes permite integrar melhor a ajuda para o
desenvolvimento no quadro geral dos programas do país. Ao servir-se dos
meios de que o conjunto do sistema das Nações Unidas dispõe, o coordenador
residente pretende assegurar que as capacidades operacionais da Organização
vão apoiar plenamente os objetivos nacionais e que elas sejam utilizadas ao
máximo para desenvolver as capacidades nacionais. Além disso, o
coordenador residente pode contribuir para que os trabalhos de investigação e
análise das políticas levadas a cabo no setor econômico e social, as atividades
operacionais, a ajuda humanitária e a promoção dos direitos humanos se
reforcem mutuamente em escala nacional. E sem dúvida é necessário
continuar a reforçar o sistema dos coordenadores residentes.
A Organização das Nações Unidas, por sua composição universal e por seu
amplo mandato, está particularmente bem colocada quer para facilitar o
estabelecimento das prioridades internacionais de desenvolvimento, quer para
promover a coordenação e a cooperação entre os vários protagonistas do
desenvolvimento. Ao sensibilizar a opinião pública e ao informá-la,
procurando consensos, empenhando-se em estimular a cooperação pelo
estabelecimento de normas, regras e tratados, e, sobretudo, agindo em campo,
a ONU contribui para os esforços do desenvolvimento.
Todas as organizações e instituições têm necessidade de fixar prioridades e
coordenar seus esforços. Mas para uma organização tão polivalente como a
Organização das Nações Unidas, isto é vital.
A Carta das Nações Unidas, que atribui ela própria uma importância particular
à coordenação no seio do sistema, estabelece para o Conselho Econômico e
Social (ECOSOC), que atua sob a autoridade da Assembléia Geral, a tarefa
importante e difícil de coordenar as políticas e as atividades da ONU e de suas
numerosas instituições especializadas. O ECOSOC é o foro ideal para ajudar a
estabelecer prioridades em matéria de atribuição dos recursos internacionais
para o desenvolvimento. Neste sentido, é necessário sublinhar que a
coordenação abrange não só os governos e as organizações
intergovernamentais, mas também as ações dos protagonistas não-
governamentais do desenvolvimento.
Um determinado número de organismos das Nações Unidas já aproveita a
participação de representantes dos meios empresariais, dos sindicatos, das
associações de consumidores e de outros grupos. Interessa no entanto
encontrar novos meios de associar estes protagonistas às deliberações do
esforço do desenvolvimento, em todos os níveis.
Ao longo dos anos a ausência de diretrizes claras por parte da Assembléia
Geral e a ausência de coordenação eficaz das políticas e do controle por parte
do ECOSOC levaram a uma falta geral de coesão e de concentração no seio
do sistema. Em todos os níveis, quer se tratasse dos órgãos centrais, dos
programas ou das Comissões Regionais, os órgãos subsidiários não deixaram
de proliferar e a falta de coerência nas políticas agravou-se. Um Conselho
Econômico e Social revitalizado poderia trazer uma contribuição importante
ao reforço da coerência e da coordenação das políticas do sistema das Nações
Unidas em seu conjunto.
O sistema das Nações Unidas pode constituir-se em um pólo de conhecimento
e experiência em desenvolvimento, eficaz e sem igual, à disposição dos países
em desenvolvimento. Para que esta força possa ser posta em movimento em
benefício dos Estados, impõe-se uma vontade nova de coordenação com base
em uma visão comum. Através do PNUD e de seu mecanismo central de
financiamento, a ONU dispõe de uma rede de escritórios locais únicos no seu
gênero. Essa rede, na qual se baseiam as atividades operacionais que a ONU
empreende em escala internacional, permite-lhe reagir com flexibilidade e
rapidez à evolução das prioridades nacionais.
As instituições saídas dos acordos de Bretton Woods fazem parte integrante
do sistema das Nações Unidas. Elas constituem importantes fontes de auxílio
financeiro ao desenvolvimento e de orientação de políticas. Mas elas tomam
uma parte cada vez mais ativa em atividades de assistência técnica, correndo o
risco de duplicação em relação ao papel do PNUD e de se sobreporem a
setores da competência de outras instituições especializadas. Seria necessário
portanto ver em que medida estas instituições e outros organismos do sistema
poderiam colaborar mais estreitamente na base de suas respectivas áreas. Uma
utilização mais sistemática dos recursos financeiros das instituições de Bretton
Woods no quadro de uma ação coordenada, complementar e interativa, com
financiamento da assistência técnica assegurado pelo PNUD e pelas
instituições especializadas, deveria ser incluída entre os objetivos das
atividades operacionais.
A capacidade da Organização das Nações Unidas para fazer refletir nas suas
próprias políticas e atividades as considerações apresentadas no presente
relatório dependerá em larga medida da eficácia de seus mecanismos e
estruturas de coordenação.
A promessa do desenvolvimento
Uma cultura do desenvolvimento, levando em conta todos os aspectos da
existência humana, surge hoje graças aos esforços consideráveis que foram
desenvolvidos pela comunidade internacional. Abrem-se perspectivas de
compreensão e de cooperação mútuas como nunca aconteceu no passado.
Neste fim do século XX, todos, ou quase, reconhecem a necessidade de ver
com novos olhos os meios de servir a paz, a liberdade, a justiça e o progresso.
Uma cultura do desenvolvimento pode tornar seus todos estes objetivos,
adotando uma concepção e um quadro de ação homogêneos. É o princípio
fundamental da dignidade e do valor da pessoa humana, consagrado pela
Carta das Nações Unidas, que está na base desta cultura. Torna-se cada vez
mais claro que nada poderia substituir a Organização das Nações Unidas.
O desenvolvimento deve estar centrado no ser humano e, portanto, nas
gerações futuras. A história deste século mostrou-nos, simultaneamente, como
era ilusório pedir aos nossos contemporâneos que sofressem em nome de um
futuro utópico e como, pelo contrário, era perigoso ignorar o bem-estar das
gerações futuras. Trata-se de dois fenômenos extremos. Um marcou as
primeiras décadas do nosso século e o outro, mais recentemente, tendeu a
obscurecer nossa visão do futuro.
Desenham-se os sinais percursores de uma era mundial do desenvolvimento.
A idade da informação, da comunicação e da tecnologia avançada sucede às
revoluções agrícola e industrial. A humanidade tem agora, de certa forma,
meios para se libertar dos limites temporais, espaciais e materiais outrora
considerados insuperáveis. Mas, paradoxalmente, estas mudanças são
acompanhadas por forças que põem a humanidade à prova: catástrofes
naturais ou provocadas pelo homem, desafios demográficos, doenças,
conflitos políticos, hostilidade cultural e religiosa, desemprego e degradação
do meio ambiente. Estes flagelos são tão antigos como a própria humanidade,
mas tomam agora uma dimensão nova e geram uma violência jamais vista.
A percepção do desenvolvimento evoluiu igualmente. Outrora considerava-se
que o desenvolvimento se limitava à transferência de fundos e competências
dos mais ricos para os mais pobres. Hoje, tem-se a noção de que o
desenvolvimento engloba todas as atividades humanas. Assim sendo, não
podemos permitir que o destino das gerações futuras fique comprometido ao
contrairmos dívidas - financeiras, sociais, demográficas ou ecológicas - que
não teremos possibilidade de saldar. Compete a todos, atuais habitantes do
planeta, saber utilizar as instituições, as idéias e os ideais, tão duramente
adquiridos e que herdamos de nossos antecessores. Pois, infelizmente, o
progresso não é inerente à condição humana e um retrocesso não é impossível.
Para permitir à comunidade humana avançar, devemos mostrar-nos
respeitosos em relação ao que nos foi legado e conscientes de que o progresso
deve ser acessível a todos. Temos o dever de transmitir às gerações futuras
não um mundo em ruínas mas um mundo em desenvolvimento.
A concretização desta perspectiva dependerá do que a presente geração e seus
dirigentes conseguirem fazer da Organização das Nações Unidas. Fundada
num clima de excepcional unanimidade, perseguindo objetivos
incessantemente ampliados, encarnando a vontade mais esclarecida dos povos
do mundo e dispondo dos meios para obter resultados práticos, a Organização
mundial é um ponto de convergência do passado, do presente e do futuro.
É necessário compreender bem o grau de complexidade da crise mundial para
poder combatê-la eficazmente. A segurança coletiva, os direitos fundamentais
do ser humano, o direito internacional e o progresso social estão ameaçados
pelo etnocentrismo, pelo isolacionismo, pela hostilidade cultural e pelas
fraquezas econômicas e sociais. O próprio conceito de Estado, pedra angular
da cooperação internacional, encontra-se sob um fogo intenso por parte dos
que o entendem de uma maneira estreita ou por aqueles que duvidam de sua
pertinência e utilidade no mundo contemporâneo.
Nossas inquietações manifestam-se num contexto mundial radicalmente novo.
As técnicas de gestão internacional tradicionais parecem ultrapassadas pelas
transformações ecológicas, tecnológicas, demográficas e sociais. Face a tal
desafio, alguns vão ao ponto de sugerir que se abandone o princípio moderno
da cooperação internacional para voltar à força das armas, às esferas de
influência e a outras técnicas do passado, ignominiosas e perigosas.
Devemos impedir que se produza tal retrocesso. Para isso, a Organização das
Nações Unidas, mecanismo chave da cooperação internacional, desfruta de
grande flexibilidade, de uma legitimidade e de um campo de ação universais.
Utilizada com circunspecção, eficácia e segurança, ela constitui o melhor
meio de que dispomos para gerir a situação mundial com uma possibilidade
razoável de sucesso.
Atualmente, a margem de ação da Organização está sendo entravada por uma
série de obstáculos. Aqueles que temem um enfraquecimento da autoridade
nacional resistem ao multilateralismo. Aqueles que não estão convencidos de
estar servindo seus próprios interesses hesitam em contribuir financeiramente
para a realização de objetivos. Aqueles que gostariam de ter garantias de total
clareza e de duração limitada recusam-se a empenhar-se em operações
difíceis. Para escapar a este círculo vicioso, a comunidade internacional
precisa se reencontrar num projeto coletivo, moderno e estimulante.
Descrevi quer a natureza quer a amplitude das ações para o desenvolvimento
que as Nações Unidas conduzem. Defini as dimensões do processo de
desenvolvimento e os seus protagonistas, na esperança de que uma nova visão
e uma nova cultura do desenvolvimento possam surgir. Semelhante visão, no
entanto, deve basear-se solidamente sobre os objetivos e os compromissos
assumidos em matéria de desenvolvimento pela comunidade internacional e
alcançar resultados incontestáveis, se de fato quiser um apoio duradouro. A
Organização das Nações Unidas tem a seu alcance este objetivo. Seu campo
de ação é muito vasto e os meios de que dispõe são únicos.
Para que esta promessa seja cumprida, todos os órgãos e todas as instituições
da Organização devem desempenhar integralmente as tarefas que lhes são
atribuídas - tarefas claramente definidas mas que, até agora, ainda não foram
assumidas plenamente.
Inspirada pelos fins e pelos princípios fundamentais da Carta e tendo em
mente os compromissos e objetivos enunciados pela Assembléia Geral, a
comunidade internacional pode agora empreender a realização de uma nova
visão do desenvolvimento. Se todos os povos se empenharem decididamente
em fazer prevalecer uma nova cultura do desenvolvimento, a celebração do
50º aniversário da ONU constituirá um momento decisivo na história da
humanidade.
Agenda para o desenvolvimento. Lisboa, Centro de Informação das Nações Unidas,
1994, pp. 47-82.
Boutros Boutros-Ghali é diplomata egípcio e foi secretário geral da ONU de janeiro de
1992 a dezembro de 1996