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A ONU e o desenvolvimento A ONU e o desenvolvimento BOUTROS BOUTROS-GHALI É certo que o Estado, a título individual, já não é o único protagonista do desenvolvimento. Mas nem por isso deixa de ser verdade que cada Estado continua a ser o responsável, e em primeiro lugar, pelo seu próprio desenvolvimento. Quer se considere o desenvolvimento como uma responsabilidade dos Estados ou como um direito dos povos, ele exige de qualquer modo uma ação governativa competente, políticas nacionais coerentes um firme empenho da população. Muito poucos Estados podem promover uma política geral de desenvolvimento sem apoio. O desenvolvimento exige uma cooperação internacional e a participação de outros Estados. A ajuda bilateral representa anualmente cerca de 62 bilhões de dólares. Este apoio é dado muitas vezes sob a forma de uma "ajuda vinculada". Cada Estado tem sua própria concepção do desenvolvimento. No seio de cada governo, as questões relacionadas com o desenvolvimento são muitas vezes abordadas por departamentos diferentes. Atualmente, um governo pode estar representado numa organização internacional de desenvolvimento, dependendo do caso, pelos seus ministérios da agricultura, do meio ambiente, das finanças, da economia ou de negócios estrangeiros. Face à multiplicidade de ideias, fundos, iniciativas e grupos que participam no processo de desenvolvimento, este pode ser considerado como um verdadeiro projeto global. O número e a diversidade dos protagonistas, quer públicos quer privados, nacionais e internacionais, que participam no desenvolvimento não cessam de aumentar. Em alguns países, os esforços de desenvolvimento correm o risco de se ver comprometidos pela proliferação desses protagonistas e desses agentes. O esforço de desenvolvimento, no seu conjunto, exige uma maior coerência. Além disso, a repartição dos recursos entre os diferentes setores do desenvolvimento mantém-se desigual, de tal modo que numerosas atividades, em particular no domínio do desenvolvimento social, continuam a não obter recursos suficientes. Por conseguinte, a coordenação e a definição de prioridades são fatores essenciais na medida em que cada agente tem seus próprios objetivos, seus programas de ação, seus beneficiários e sua forma particular de funcionamento. É portanto necessário implementar um sistema de cooperação internacional que possa facilitar os recursos internos e a ajuda exterior - quer técnica quer financeira - em benefício da paz, da economia, do ambiente, da sociedade e da democracia.

A ONU e o Desenvolvimento

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A ONU e o desenvolvimento

A ONU e o desenvolvimento

BOUTROS BOUTROS-GHALI

É certo que o Estado, a título individual, já não é o único protagonista do

desenvolvimento. Mas nem por isso deixa de ser verdade que cada Estado

continua a ser o responsável, e em primeiro lugar, pelo seu próprio

desenvolvimento. Quer se considere o desenvolvimento como uma

responsabilidade dos Estados ou como um direito dos povos, ele exige de

qualquer modo uma ação governativa competente, políticas nacionais

coerentes um firme empenho da população.

Muito poucos Estados podem promover uma política geral de

desenvolvimento sem apoio. O desenvolvimento exige uma cooperação

internacional e a participação de outros Estados. A ajuda bilateral representa

anualmente cerca de 62 bilhões de dólares. Este apoio é dado muitas vezes sob

a forma de uma "ajuda vinculada".

Cada Estado tem sua própria concepção do desenvolvimento. No seio de cada

governo, as questões relacionadas com o desenvolvimento são muitas vezes

abordadas por departamentos diferentes. Atualmente, um governo pode estar

representado numa organização internacional de desenvolvimento,

dependendo do caso, pelos seus ministérios da agricultura, do meio ambiente,

das finanças, da economia ou de negócios estrangeiros.

Face à multiplicidade de ideias, fundos, iniciativas e grupos que participam no

processo de desenvolvimento, este pode ser considerado como um verdadeiro

projeto global. O número e a diversidade dos protagonistas, quer públicos

quer privados, nacionais e internacionais, que participam no desenvolvimento

não cessam de aumentar. Em alguns países, os esforços de desenvolvimento

correm o risco de se ver comprometidos pela proliferação desses protagonistas

e desses agentes. O esforço de desenvolvimento, no seu conjunto, exige uma

maior coerência. Além disso, a repartição dos recursos entre os diferentes

setores do desenvolvimento mantém-se desigual, de tal modo que numerosas

atividades, em particular no domínio do desenvolvimento social, continuam a

não obter recursos suficientes. Por conseguinte, a coordenação e a definição

de prioridades são fatores essenciais na medida em que cada agente tem seus

próprios objetivos, seus programas de ação, seus beneficiários e sua forma

particular de funcionamento. É portanto necessário implementar um sistema

de cooperação internacional que possa facilitar os recursos internos e a ajuda

exterior - quer técnica quer financeira - em benefício da paz, da economia, do

ambiente, da sociedade e da democracia.

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A Carta da Organização das Nações Unidas (ONU) conferiu a seus órgãos, no

domínio do desenvolvimento, um certo número de competências que exigem

novas formas de coordenação. Nos termos dos Capítulos IV, IX e X da Carta,

a Assembléia Geral tem a responsabilidade fundamental da cooperação

econômica e social internacional. Desde a sua origem a Assembléia surgiu

como uma instância universal de discussão e de ação sobre as questões do

desenvolvimento. O Conselho Econômico e Social, tendo em conta as

atribuições e os poderes que lhe são conferidos pelo Capítulo X da Carta,

dispõe de um conjunto de atribuições quanto ao estudo das questões relativas

ao desenvolvimento e o lançamento e a coordenação dos respectivos

trabalhos. O Conselho de Segurança, ao aplicar as disposições do Capítulo

VII, pode vir a afetar o desenvolvimento de um Estado ao qual decide aplicar

sanções. Estas decisões podem também vir a afetar Estados vizinhos ou outros

Estados. O Secretariado fornece um apoio institucional, como por exemplo

através de aconselhamento e assistência técnica, em domínios tais como

planificação do desenvolvimento e políticas conexas, estatísticas, energia,

recursos naturais e administração pública. Esta repartição das

responsabilidades em matéria de desenvolvimento pelos diferentes órgãos

exige um esforço de coerência. Através das comissões regionais, o

Secretariado assegura a coordenação dos programas intersetoriais e de

cooperação técnica no interesse dos Estados-Membros.

Os programas e fundos da Organização das Nações Unidas dispõem de 3,6

bilhões de dólares por ano para as atividades operacionais. Atualmente,

começam a surgir novas tendências. Em primeiro lugar, o Programa das

Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) tende a financiar programas

que apontam para domínios ou objetivos específicos no quadro dos quais os

Governos beneficiários podem abordar de forma coerente todas as dimensões

do desenvolvimento humano sustentável. Uma outra tendência consiste em

privilegiar as ações de ajuda de emergência em detrimento das ações de

desenvolvimento. Assim, por força das circunstâncias, o Programa Mundial de

Alimentos (PMA) é levado a consagrar cerca de três quintos da sua ajuda -

que hoje atinge um volume sem precedentes - ao fornecimento de ajuda de

emergência a curto prazo em detrimento do desenvolvimento a longo prazo.

Atualmente, cerca de 20 milhões de refugiados e 25 milhões de pessoas

deslocadas no interior de seus países encontram-se totalmente desprovidos de

tudo e têm necessidade de ajuda de emergência. Em 1993 o Alto

Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) consagrou-lhes

1 bilhão e 115 milhões de dólares.

As instituições especializadas do sistema das Nações Unidas têm seus

próprios estatutos, um orçamento autônomo e órgãos específicos. Na

totalidade, elas consagraram 6,3 bilhões de dólares a título de ajuda

privilegiada e 7,8 bilhões de dólares a título de empréstimos não privilegiados.

Estas instituições retiram cerca de 40% dos seus recursos operacionais dos

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programas e dos fundos da ONU. Os Estados-Membros fornecem-lhes

igualmente recursos tendo em vista determinados projetos. Aí, também,

surgem novas tendências. Ao longo dos anos, as instituições de Bretton

Woods [o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI)]

interessaram-se sobretudo com questões imediatas da estabilidade

macroeconômica e do crescimento econômico, deixando para outras

instituições do sistema das Nações Unidas o cuidado de se ocuparem com os

aspectos sociais a longo prazo do desenvolvimento. A evolução do

desenvolvimento mundial conduz à reavaliação dessa distribuição das tarefas.

Em primeiro lugar, abrandou-se a distinção entre questões de caráter

econômico e questões de caráter social. Assim, as instituições de Bretton

Woods ocupam-se agora do desenvolvimento social e do estabelecimento de

medidas de proteção social no quadro dos programas de ajustamento. O FMI

fornece, cada vez com mais frequência, aconselhamento e recursos a médio

prazo para promover um crescimento de qualidade. O Banco Mundial

preocupa-se agora com considerações ecológicas quando concede

empréstimos e reserva fundos para financiar os aspectos sociais do

ajustamento. Em segundo lugar, tendo em conta o aumento crescente dos

empréstimos e dos investimentos internacionais, decisões do Banco Mundial

em matéria de empréstimos desempenham um papel menos determinante no

impacto direto que elas exercem sobre o desenvolvimento, mas mais

importante como indicadores de solvibilidade para os mercados de capitais

privados. Em terceiro lugar, ao reduzir a margem de manobra política dos

governos, o condicionamento aumenta os riscos de instabilidade no interior

dos países. Tomadas em conjunto, estas tendências fazem ressaltar a

necessidade de uma maior interação entre as orientações gerais dadas pelas

instituições de Bretton Woods e suas operações no nível dos países e, por

outro lado, as concepções e os métodos de outros protagonistas que participam

no esforço do desenvolvimento.

Os acordos e organizações regionais desempenham um papel crescente no

mundo e fornecem cada ano uma ajuda ao desenvolvimento que representa

cerca de 5,5 bilhões de dólares. O regionalismo não é incompatível com o

internacionalismo, nem uma alternativa para o mesmo, pelo menos como

expressado no contexto das Nações Unidas. Em todo o mundo a cooperação

regional é uma condição necessária do desenvolvimento. As associações

comerciais regionais proporcionam maiores mercados às empresas locais e

favorecem os acordos comerciais inter-regionais. O apoio regional permite

fazer face a problemas de desenvolvimento que ultrapassam o quadro das

fronteiras regionais e dar resposta a necessidades concretas. O abastecimento

de água, a eletrificação, os transportes, as comunicações e os sistemas de

saúde são domínios suscetíveis de serem tratados num quadro regional. A

coordenação regional permite o intercâmbio entre as nações para além das

rivalidades administrativas locais. Mas a regionalização traz igualmente

consigo o perigo do protecionismo e da criação de novas formas de

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administração. É portanto indispensável que o desenvolvimento regional seja

gerido de tal forma que se torne compatível com o desenvolvimento em escala

mundial.

As organizações não-governamentais (ONGs) executam projetos avaliados em

mais de 7 bilhões de dólares por ano. Elas participam há muito na busca da

paz, dando muitas vezes e desde o princípio uma contribuição essencial na

cena dos conflitos, através do auxílio imediato às populações atingidas e

lançando as bases de reconstrução das sociedades devastadas pela guerra.

Graças à flexibilidade das suas estruturas, à sua capacidade para mobilizar

fundos privados e ao seu pessoal extremamente dedicado, as ONGs dispõem

de um vasto potencial que pode servir à causa do desenvolvimento. Ao longo

dos últimos 10 anos, o número de ONGs e a influência que elas exercem

aumentaram extraordinariamente. Criaram novas redes em nível mundial e

desempenharam um papel crucial quando das grandes conferências

internacionais efetuadas ao longo desta década. Chegou o momento de

associar suas atividades às da ONU no quadro de uma relação de consulta e de

cooperação cada vez mais produtiva.

Os fluxos de investimentos internacionais privados cifram-se em 1 bilhão de

dólares por ano e proporcionam um imenso potencial em matéria de criação

de empregos, de transferência de tecnologia, de possibilidades de formação e

de promoção comercial. O dinamismo suscitado por esse processo pode

reaquecer economias estagnadas e promover sua integração no sistema

econômico mundial. Por outro lado, os investimentos diretos estrangeiros

podem exercer uma ação positiva no conjunto das técnicas de que os países

dispõem para o desenvolvimento. A contribuição dada pelas empresas

privadas para a solução de problemas anteriormente encarados como da

competência específica do setor público é cada vez mais reconhecida. Em

alguns países, por exemplo, sociedades privadas fornecem serviços de

utilidade pública como as telecomunicações, os transportes, o abastecimento

de energia, a reciclagem de resíduos e o fornecimento de água. Em muitos

casos os subsídios dados às empresas públicas poderiam ser substituídos por

subsídios por objetivos, para que se possa pedir a certos utilizadores que

paguem o custo efetivo dos serviços e consagrar os fundos públicos à

satisfação de necessidades mais vastas.

As comunidades universitárias e científicas começaram há séculos a tecer, no

mundo inteiro, uma rede fértil de conhecimentos e de pesquisa produtiva.

Atualmente, milhares de centros universitários e científicos constituem redes

de idéias, de experiência, de criatividade e de trocas intelectuais que podem

desde já ser utilizadas. Seus trabalhos, que se revestem cada vez mais de um

caráter interdisciplinar, ultrapassam as fronteiras nacionais, reordenando e

integrando categorias antigas em esquemas novos de utilidade social. Além

disso, o mundo científico forma uma comunidade mundial que partilha

Page 5: A ONU e o Desenvolvimento

valores, regras e interesses fundamentais. É portanto uma comunidade que

tem um papel importante a desempenhar na solução dos grandes problemas do

desenvolvimento. Deste modo, os centros científicos e tecnológicos tratam de

questões que apresentam, no plano prático, uma importância imediata para a

vida quotidiana, tendo igualmente em conta o somatório de conhecimentos

científicos acumulados ao longo da história e da dimensão humana das

realizações passadas. A ciência pode alargar as opções que se apresentam em

matéria de desenvolvimento, graças ao aperfeiçoamento de novos métodos,

seguros, simples e eficazes de planejamento familiar, graças também ao

desenvolvimento de fontes de energia sem perigo para o ambiente, ao

melhoramento de técnicas agrícolas, à adoção de métodos mais eficazes de

luta contra a doença etc. Menos reconhecida mas de grande importância é a

investigação em ciências sociais, em ciências humanas e na arte. Os trabalhos

realizados nestes domínios não só enriquecem a existência humana, como se

sabe há muito tempo, mas também permitem ver sob novo enfoque um grande

número de características essenciais da vida e de necessidades do homem na

sociedade.

As organizações locais, tais como as comunidades religiosas, as associações

de bairro e os grupos de assistência mútua, conhecem bem a interdependência

do desenvolvimento econômico, social, humano e sustentável. Quando

procuram responder às necessidades de pequenas coletividades, aliás muitas

vezes ignoradas, elas são ao mesmo tempo os pontos de partida e de chegada

do processo de aprendizagem em matéria de desenvolvimento. As associações

locais e comunitárias carecem no entanto de fundos e têm muitas vezes

necessidade de assistência técnica. Embora os recursos necessários devam ser

mobilizados sobretudo em escala local, a ONU pode apoiar esse tipo de

atividades oferecendo ajuda a essas organizações.

O número crescente de agentes que participam hoje no processo de

desenvolvimento, as tendências mundiais que refletem suas atividades e a

interdependência entre os problemas que surgem e os mecanismos existentes

para resolvê-los põem em evidência a necessidade urgente de uma maior

tomada de consciência dos problemas e de um empenho mais enérgico para

resolvê-los.

Informação, sensibilização e consenso

Para poder enfrentar o desafio do desenvolvimento em escala mundial, é

necessário tomar consciência das numerosas dimensões do desenvolvimento e

apreender melhor a importância dos diferentes protagonistas que dele

participam. Através da sensibilização e da criação de um consenso em nível

mundial, contribui-se para a instauração daquilo que poderá chamar-se uma

"cultura do desenvolvimento". Esta cultura do desenvolvimento não passa só

pelo acesso de todos a redes de informação coletivas. Ela pressupõe que todas

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as ações sejam encaradas na sua relação com o desenvolvimento. Baseando-se

nesta cultura mundial do desenvolvimento, que evolui rapidamente com a

aproximação do século XXI, a ONU pode tornar-se uma instância cada vez

mais eficaz para estabelecer normas de conduta universais.

A ONU, cuja composição e mandato global são universais, tem a

responsabilidade e os meios de chamar a atenção da opinião mundial para as

questões de importância geral. Pode alertá-la e mantê-la informada sobre

alguns problemas de resolução delicada. Assim, ao longo dos últimos anos, a

Organização desempenhou um papel decisivo para trazer à luz os problemas

ligados ao meio ambiente, à expansão demográfica, aos direitos humanos e

para colocar o desenvolvimento no centro das preocupações da comunidade

internacional.

A formulação da política econômica sob todos os seus aspectos deve basear-se

em informações sólidas. Os governos e o setor privado só poderão tomar

decisões eficazes se se apoiarem em informações exatas e atualizadas. Para

participar verdadeiramente na vida econômica, social e política, o público

deve, ele mesmo, estar informado.

Se estão mal informados, os Estados ficam em situação de inferioridade nas

negociações bilaterais e multilaterais. Para tomarem decisões com total

conhecimento de causa, mas também para se tornarem competitivos nos

mercados internacionais, os Estados devem poder ter acesso às informações

econômicas, demográficas, sociais e ambientais em nível internacional. Como

grande coletor de dados e estatísticas, o sistema das Nações Unidas constitui

um trunfo importante, por vezes mal aproveitado, para os Estados-Membros.

Este sistema esteve na vanguarda do esforço de cooperação técnica ao

implantar e reforçar meios de informação e de comunicações. Este esforço é

reconhecido por todos, mas ele exige um apoio cada vez mais ativo dos

Estados-Membros.

A Organização encoraja a elaboração de normas unificadas para as

comunicações técnicas, melhora os métodos de recolhimento de dados, facilita

intercâmbios mutuamente benéficos de dados e informações internacionais,

ajuda a analisá-los e a avaliá-los. A Organização fornece também formação e

assistência com vistas à sua utilização.

O sistema das Nações Unidas foi pioneiro ao organizar a cooperação

internacional para a coleta, análise e utilização de dados relativos a

planificação populacional, cuidados de saúde, administração e condução dos

assuntos públicos, criação de empregos, salários e rendimentos e necessidades

em matéria de proteção social. Todas essas informações permitem aos povos e

aos governos tomarem decisões mais esclarecidas. A ONU empenha-se hoje

em tentar quantificar o progresso humano de uma nova forma - esboçando um

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quadro estatístico do desenvolvimento humano que não se baseia só no

simples cálculo do Produto Nacional Bruto por habitante. O relatório do

PNUD sobre o desenvolvimento humano foi o ponto de partida para uma nova

reflexão sobre os parâmetros que servem para avaliar o desenvolvimento.

Não pode haver decisões esclarecidas nem desenvolvimento nacional bem

sucedido sem estatísticas confiáveis que permitam seguir a atividade

econômica de uma nação e determinar a evolução econômica, social e do

meio ambiente. Nesta perspectiva, foi criado pela ONU, em cooperação com o

FMI, o Banco Mundial, a Organização de Cooperação e Desenvolvimento

Econômicos e a Comissão da União Européia, o novo sistema de

contabilidade nacional que dá aos países as referências necessárias para a

percepção de suas estatísticas econômicas sob um ângulo novo e mais

produtivo.

Alguns países testam novas formas de coleta e difusão de estatística, bem

como de indicadores sobre o meio ambiente no quadro de vários programas de

cooperação técnica das Nações Unidas. Esta iniciativa é importante

principalmente porque se está criando um fosso entre os países quando se trata

da disponibilidade, da qualidade, da coerência e da acessibilidade dos dados.

A falta de informação impede ainda um grande número desses países de

tomarem decisões com total conhecimento de causa nos domínios do meio

ambiente e do desenvolvimento.

A coleta e a análise da informação são indispensáveis, não só para tornar a

discussão mais clara, mas também para adaptar soluções aceitáveis e viáveis.

Informações normalizadas e fidedignas constituem a linguagem comum que

pode permitir a participação de todos na cultura do desenvolvimento. Se a

informação não é confiável, se não se encontra disponível nem se apresenta de

forma a ser utilizada, será difícil alcançar o consenso, e o êxito da ação poderá

tornar-se aleatório.

Nestes últimos anos, os Estados puderam, em conferências internacionais,

refletir em conjunto sobre as grandes opções que se oferecem ao mundo no

domínio do desenvolvimento e promover assim uma cultura consensual do

desenvolvimento. Estes encontros abordam no mais alto nível as questões

mais delicadas e incitam os Estados a alinhar sua política nacional pelos

valores e princípios que a comunidade internacional, toda ela, adotou. Eles

são, simultaneamente, a ocasião para fornecer orientações políticas, suscitar

novos impulsos e inspirar os Estados, as organizações e os povos.

A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento

foi a ocasião para um compromisso sem precedentes por parte dos dirigentes

mundiais, num conjunto de objetivos comuns para o futuro - Agenda 21.

Trata-se do primeiro documento internacional que reflete um consenso geral e

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uma vontade política do mais alto nível nas áreas do meio ambiente e do

progresso econômico e no quadro de um programa de desenvolvimento

sustentável. Depois do Rio, as preocupações relacionadas com o meio

ambiente estão solidamente enraizadas na cultura do desenvolvimento. A

Conferência Mundial sobre o Desenvolvimento Sustentável dos Pequenos

Estados Insulares em Desenvolvimento, que se realizou em Barbados de 25 de

abril a 6 de maio de 1994, permitiu determinar melhor as responsabilidades

dos pequenos Estados insulares e as da comunidade internacional na procura

de um desenvolvimento sustentável.

A Conferência Mundial dos Direitos Humanos teve lugar em Viena de 14 a 25

de junho de 1993. Na Declaração e Programa de Ação de Viena, a

Conferência reafirmou "que o direito ao desenvolvimento, tal como foi

estabelecido na Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, é um direito

universal e inalienável que faz parte integrante dos direitos fundamentais da

pessoa humana". Desde a proclamação da Declaração Universal dos Direitos

Humanos em 1948 até sua decisão de designar um Alto Comissário das

Nações Unidas para os Direitos Humanos, a Assembleia Geral não tem

deixado de sublinhar que o respeito dos princípios internacionais aceitos por

todos nesta matéria é uma necessidade absoluta.

Em setembro de 1994 realizou-se na cidade do Cairo a Conferência

Internacional sobre População e Desenvolvimento, com o objetivo de refletir

sobre o impacto dos fatores demográficos no desenvolvimento e dedicar-se a

traçar as grandes linhas de um verdadeiro desenvolvimento centrado na pessoa

humana.

A Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Social que se realizará em

Copenhague em 1995 - ano do 50º aniversário da Organização das Nações

Unidas - poderia ser o momento para uma síntese de importância mundial.

Torna-se cada vez mais evidente que uma sociedade justa não pode aceitar um

alto nível de desemprego, que uma sociedade estável não pode tolerar que

grupos inteiros sejam excluídos dos benefícios do desenvolvimento, que uma

sociedade segura não pode existir sem uma rede de segurança para os seus

membros mais desfavorecidos. Um esforço decidido impõe-se em nível

mundial de forma a suscitar uma tomada de consciência e um empenho

político capazes de levar a uma ação eficaz, nos níveis nacional e

internacional. A Cúpula de Copenhague representará uma ocasião essencial

para se fazer a síntese das realizações passadas, para obter um conjunto

coerente e identificar as novas áreas sobre as quais se deverá fazer incidir um

esforço conjunto. Deveria dar ao desenvolvimento social o mesmo grau de

prioridade que dá ao crescimento econômico, reforçando as estruturas

nacionais e internacionais que tratam dos assuntos sociais, facilitando a

coordenação das suas operações com as das instituições especializadas nas

questões econômicas e fornecendo a ajuda necessária, financeira ou não.

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O processo continuará em 1995, em Pequim, com a 4ª Conferência Mundial

da Mulher. A ONU, em grande parte graças aos esforços da Comissão sobre o

Status da Mulher criada em 1946, contribuiu para a criação das bases jurídicas

necessárias à promoção da igualdade dos direitos das mulheres e conduziu

uma ação de vanguarda nos domínios da elaboração das políticas, do empenho

político e do desenvolvimento institucional. Uma nova etapa foi transposta em

1979 com a adoção da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de

Discriminação contra as Mulheres. Cento e trinta e dois Estados são hoje parte

da Convenção e apresentam regularmente relatórios sobre a forma como

aplicam suas disposições. A Convenção relativa aos direitos da criança e a

Declaração de Viena adotada pela Conferência Mundial dos Direitos

Humanos também enunciaram princípios relacionados com os direitos das

mulheres. As diligências previstas para o próximo século deverão basear-se

nessas realizações e ter plenamente em conta a igualdade entre os sexos.

A Conferência Habitat II sobre os assentamentos humanos, "a Cúpula das

Cidades", que terá lugar em Istambul em 1996, estudará um programa de ação

tendo por objetivo tornar as zonas urbanas, onde vive a maioria da população

mundial, mais seguras, mais humanas, mais saudáveis e financeiramente mais

acessíveis.

Os esforços realizados em escala internacional para reforçar a cultura mundial

do desenvolvimento devem, para além dos Estados-Membros, englobar toda a

comunidade internacional. Neste sentido, a contribuição de protagonistas não

estatais para a cultura do desenvolvimento ficou claramente demonstrada

durante a Conferência do Rio e a Conferência Mundial dos Direitos Humanos.

Nessa ocasião as organizações não-governamentais e os particulares

interessados reivindicaram o papel que lhes deve ser atribuído na criação de

uma cultura do desenvolvimento.

Nos próprios Estados, diversos elementos da sociedade civil - como partidos

políticos, sindicatos, parlamentares e organizações não-governamentais -

suscitam e obtêm cada vez mais apoio público para os esforços do

desenvolvimento, bem como uma ajuda concreta em favor do

desenvolvimento. Grupos e movimentos privados formam também redes que

contribuem para orientar de forma eficaz a política de desenvolvimento. Isto

quer dizer que o consenso político só será alcançado se todos se associarem ao

processo.

Ao tomar a iniciativa, ao acentuar as questões particularmente preocupantes e

ao favorecer a adoção de soluções realistas, os protagonistas podem, em todos

os níveis, influenciar o resultado dos esforços desenvolvidos em escala

internacional para resolver os grandes problemas que prendem a atenção

mundial. De fato, nada de duradouro poderá ser feito enquanto os povos e os

Page 10: A ONU e o Desenvolvimento

governos não partilharem uma mesma visão política do progresso e não

tiverem a vontade de concretizá-la.

Regras, normas e tratados

Uma ação internacional positiva só pode ser alcançada através da cooperação.

O direito internacional é um instrumento que permite transformar em ação as

idéias e as intenções. Ao enunciar os direitos, os deveres e as obrigações dos

protagonistas internacionais, bem como os princípios que devem guiá-los, ele

constitui não só a base sobre a qual se constrói a cooperação, mas define

também as condições e limites desta.

Favorecer a cooperação multilateral - seja sob a forma de normas restritivas

ou de normas jurídicas - constitui a própria essência do direito internacional.

Ao assumir os grandes desafios internacionais e assegurando seu melhor

conhecimento pelo público, os acordos multilaterais servem de fundamento às

ações a serem empreendidas. Ao criar um quadro comum para abordar os

problemas internacionais, esses acordos favorecem a coordenação das

políticas e a coerência da ação. Estabelecendo parâmetros comuns e regras

fundamentais, facilitam as trocas internacionais e constituem uma base sólida

para avaliar e apoiar os esforços internacionais. Como mecanismos práticos

que permitem criar consensos e procurar soluções, são a chave de uma ação

internacional eficaz em benefício do desenvolvimento.

A Assembléia Geral contribuiu de forma decisiva para o estabelecimento de

um quadro internacional de cooperação a favor do desenvolvimento. Na sua

resolução 47/181 relativa a uma agenda para o desenvolvimento, a

Assembléia Geral evoca a Declaração sobre a cooperação econômica

internacional, em particular o relançamento da política internacional de

desenvolvimento, a Estratégia internacional do desenvolvimento para a quarta

década das Nações Unidas para o desenvolvimento, o Acordo de Cartagena, a

Nova Agenda das Nações Unidas para o desenvolvimento da África para os

anos 90, o Programa de Ação para os Países menos desenvolvidos nos anos 90

e diversos acordos e convenções, em especial a Agenda 21, adaptadas por

consenso na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e

Desenvolvimento.

O objetivo de muitos acordos multilaterais é, simultaneamente, despertar o

interesse e tornar-se um elemento motor de ação. O processo de elaboração de

um consenso traduz-se, certamente, por uma maior politização das questões

importantes, pois os Estados e as coletividades procuram promover ou

defender seus interesses, seus pontos de vista e seus programas no acordo em

causa. Mas muitas vezes o debate internacional serve para clarificar a

importância do que está em jogo, o que leva a opinião pública a tomar

consciência de sua importância e a querer desempenhar um papel.

Page 11: A ONU e o Desenvolvimento

Os tratados e documentos adotados por ocasião da Conferência do Rio são o

testemunho do grande impacto que pode ter o processo de elaboração de um

texto comum em escala internacional. Foram necessários anos de estudo e de

preparação, o efeito catalisador de uma reunião mundial do mais alto nível e a

vontade de codificar as ações e os compromissos específicos para que todo o

mundo percebesse a necessidade de pôr um fim à degradação do meio

ambiente e de empreender um desenvolvimento sustentado. Ao inscrever o

meio ambiente entre as preocupações dos Estados e ao incitá-los a tomar

medidas e a formular propostas, este processo suscitou intervenções

absolutamente necessárias. Por outro lado, sensibilizou a opinião pública

mundial para as questões ambientais e favoreceu, no mundo inteiro, uma

avaliação da política dos poderes públicos nesta área.

Os acordos multilaterais não se limitam a suscitar o interesse da opinião

pública. Podem também servir de motor para a ação internacional. É assim

que a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar aborda as

questões do desenvolvimento que têm que ver com todos os aspectos da

utilização do mar e de seus recursos. Quando as novas tecnologias e a

necessidade de novos recursos aumentam a capacidade das nações para

explorar os recursos do mar, esta Convenção constitui um quadro jurídico

universal para gerir racionalmente esses recursos. Ela oferece igualmente um

conjunto de princípios que permitem examinar os numerosos problemas que

não deixarão de surgir no futuro. Quer se trate de navegação ou de sobrevôo,

de exploração e aproveitamento dos recursos, de preservação e de poluição, de

pesca ou de transportes marítimos, a Convenção sobre o Direito do Mar

desempenha um papel central nas deliberações e decisões da comunidade

internacional.

No contexto da ação multilateral, a ação humanitária internacional permitiu,

por exemplo, criar "corredores de ajuda de emergência", apelar cada vez com

mais freqüência para o pessoal de manutenção da paz das Nações Unidas para

missões humanitárias, impedir o massacre de civis inocentes, investigar

alegações sobre violações do direito internacional e facilitar a reconciliação

nacional. Ao esforçar-se, graças à aplicação do direito humanitário

internacional, para reforçar os fundamentos práticos da cooperação, a

comunidade internacional revelou as vastas possibilidades oferecidas pelo

direito internacional não só para catalisar ações como para alcançar objetivos.

Um outro aspecto fundamental do papel desempenhado pelo direito

internacional no desenvolvimento é o de intensificar a coordenação das

políticas postas em ação, promovendo a coerência de sua formulação e de sua

concepção. Direta ou indiretamente, as regras, normas e tratados multilaterais

contribuem para a realização desses objetivos.

Page 12: A ONU e o Desenvolvimento

A coordenação é expressamente desejável quando a iniciativa individual não é

suficiente para obter resultados satisfatórios, ou quando relações de

cooperação são suscetíveis de melhorar sensivelmente a eficácia das ações

empreendidas. No domínio da regulamentação dos transportes aéreos

internacionais, por exemplo, seria inútil agir individualmente. Do mesmo

modo, é ao coordenar os esforços individuais que se poderá evitar a

degradação da camada de ozônio. O que quer dizer que os acordos

multilaterais constituem forçosamente, nesta matéria, mecanismos de

coordenação indispensáveis.

Um objetivo estreitamente ligado ao referido anteriormente, e igualmente

essencial, é o de promover a coerência e a compatibilidade das políticas

elaboradas em escala internacional. Nesse sentido, convém sublinhar que, na

medida em que os acordos multilaterais excluem certas opções e privilegiam

outras - reduzindo deste modo, pela via do compromisso e do consenso, as

possibilidades de estratégias desencontradas -, eles favorecem a coerência e a

compatibilidade das diferentes políticas nacionais. Nessa perspectiva, certas

práticas são bem vistas enquanto outras são reprimidas; certas ações são

proibidas enquanto outras são encorajadas; certos princípios são consagrados

enquanto outros são rejeitados. Agindo desta forma, as regras, as normas e os

tratados tornam as políticas implementadas mais coerentes e mais

compatíveis.

Por exemplo, ao privilegiar a biodiversidade, os acordos multilaterais

concluídos no âmbito do meio ambiente favorecem, por isso mesmo, certas

opções e políticas nacionais de desenvolvimento, ao mesmo tempo que

limitam ou eliminam outras. Assim, quando estabelecem normas sobre

emissões poluentes, favorecem inevitavelmente uma política que visa limitar

certos tipos ou níveis de atividade e excluem as estratégias industriais ou de

desenvolvimento que seriam incompatíveis com estas normas. Daí resulta,

portanto, uma maior coerência e uma maior uniformidade das políticas em

escala internacional.

Num mundo em que, cada vez mais, as relações entre os indivíduos

ultrapassam os limites das fronteiras nacionais, deveriam existir mecanismos e

um conjunto de regras que regessem as relações jurídicas internacionais

relativamente às pessoas privadas. Estabelecer mecanismos comuns e fixar

disposições para resolver conflitos legais facilita o comércio e contribui

também para a instauração de relações internacionais pacíficas e estáveis. O

que quer dizer que estes esforços de cooperação, quando conjugados, facilitam

a interação e o desenvolvimento e ajudam a harmonizar, no plano prático, as

múltiplas regulamentações produzidas pelos sistemas jurídicos nacionais.

Existem hoje convenções internacionais específicas que se aplicam a um

conjunto cada vez maior de relações internacionais privadas. Em matéria

Page 13: A ONU e o Desenvolvimento

jurídica, as convenções internacionais abrangem atualmente questões como a

notificação de atos processuais, obtenção de provas testemunhais, execução de

sentenças e conflitos de normas jurídicas internacionais. No que diz respeito

ao Direito da família, foram negociados importantes acordos internacionais.

Em matéria comercial, convenções internacionais facilitam e aceleram uma

vasta gama de atividades, desde as transações financeiras até a venda

internacional de mercadorias.

É indispensável que atuemos em conjunto para estabelecer regras e princípios

gerais aplicáveis às relações entre as nações. Neste aspecto existem já

numerosos acordos multilaterais relativos às normas internacionais do

trabalho ou que regem a gestão das rotas aéreas. Outros acordos multilaterais

regulamentam, por exemplo, a utilização de freqüências pelas

telecomunicações internacionais, facilitam as trocas postais internacionais ou

asseguram a observação da situação meteorológica mundial.

Instrumentos multilaterais consagram e refletem os esforços feitos para

elaborar regras comerciais aceitáveis em escala mundial. No âmbito da

Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento

(UNCTAD), a ONU ajudou os países em desenvolvimento, graças ao sistema

generalizado de preferências, a obterem um tratamento preferencial para as

suas exportações. Contribuiu igualmente para a adoção de acordos

internacionais sobre os produtos de base e de princípios para lutar contra as

práticas comerciais restritivas. O Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio

(GATT) e as negociações comerciais multilaterais do Uruguai (Rodada

Uruguai), que terminaram recentemente, ilustram a forma como a cooperação

multilateral pode facilitar o comércio e promover o desenvolvimento. Existe

uma estimativa a este respeito, que prevê que o comércio mundial venha a

aumentar 50 bilhões de dólares como resultado do acordo concluído durante a

Rodada Uruguai. Em toda a comunidade internacional, o efeito positivo desta

medida que estimulará o emprego, a produção e o comércio será, sem dúvida,

considerável.

A Rodada Uruguai é um exemplo marcante do impulso que os acordos

multilaterais podem dar ao desenvolvimento, ao encorajarem, facilitarem e

acelerarem as trocas comerciais internacionais. Entre outros exemplos

importantes citemos a Convenção das Nações Unidas relativa ao Comércio de

Trânsito dos Estados sem litoral, a Convenção das Nações Unidas sobre o

Transporte de Mercadorias por mar e a Convenção das Nações Unidas sobre

os contratos de venda internacional de mercadorias.

A importância dos acordos multilaterais tem também a ver com o fato - e isso

é essencial - de permitirem uma base de avaliação e acompanhamento dos

esforços internacionais, quer seja em benefício do desenvolvimento quer em

outros campos. É graças a eles que a Organização Internacional do Trabalho

Page 14: A ONU e o Desenvolvimento

(OIT) está em condições de acompanhar as práticas em matéria de trabalho no

mundo inteiro. Por outro lado, a Convenção Marco das Nações Unidas sobre

as Mudanças Climáticas prevê uma análise internacional das políticas

nacionais que têm uma incidência sobre as mudanças climáticas, bem como

uma fiscalização internacional das emissões que provocam o efeito estufa.

Nesses casos, como em muitos outros, os acordos multilaterais estão na base

das atividades de coleta de informações e de controle de sua aplicação, bem

como de dispositivos coercitivos.

No que diz respeito aos direitos humanos, a importância dos acordos

internacionais, que estabelecem simultaneamente a base jurídica para o

acompanhamento e a avaliação do comportamento dos Estados, é

particularmente nítida. Não só estes acordos estabelecem normas a partir das

quais se pode apreciar o comportamento dos Estados, como também oferecem

uma base internacional para controlar sua aplicação. Permitem portanto à

comunidade internacional defender e promover o princípio da dignidade

humana, que transcende as fronteiras e as diferenças nacionais.

A idéia de que a comunidade internacional pode proteger este ou aquele

direito do homem constitui uma das grandes realizações do direito

internacional, nos planos prático e intelectual. Jogando com os mecanismos e

os processos do direito internacional, as regras, normas, pactos e tratados

internacionais servem doravante de garantia. Além disso, fornecem uma base

jurídica para a ação internacional a favor dos direitos humanos e do direito

humanitário.

Estabelecer medidas práticas para se opor em conjunto aos problemas que se

colocam constitui um dos grandes objetivos dos acordos multilaterais. Ao

propor um quadro para a cooperação internacional, o direito internacional

contribui de forma importante e muito concreta para múltiplos aspectos do

desenvolvimento global. Através da coordenação de políticas e de esforços

diversos, a promoção de fins e objetivos definidos, o estabelecimento de

regras e normas específicas e a negociação de tratados e de convenções

multilaterais, o direito internacional apresenta-se simultaneamente como um

instrumento de cooperação e um meio de ação.

A Organização das Nações Unidas desempenha um papel de primeiro plano

no domínio do direito internacional e é a instância mais importante em matéria

de cooperação internacional. Ela tem um papel essencial a desempenhar para

ampliar o campo da cooperação internacional e melhorar sua eficácia, por

exemplo no que diz respeito à transformação desta cooperação em regras,

normas e princípios internacionais. Como tal, cabe-lhe a responsabilidade de

encorajar e de facilitar a participação efetiva de todos os países interessados

na negociação, na aplicação, no exame e gestão dos acordos e instrumentos

internacionais.

Page 15: A ONU e o Desenvolvimento

Operações, empenho e mudança

A Organização das Nações Unidas é simultaneamente uma instância que se

consagra à procura do consenso, um instrumento de cooperação internacional

e uma fonte de análise e de informação política. No entanto, para milhões de

seres humanos, ela é, em primeiro lugar e acima de tudo, uma organização

cuja missão é obter resultados concretos.

No mundo em desenvolvimento e nos países em transição ou em grandes

dificuldades, a Organização das Nações Unidas ocupa-se em levar os

benefícios do desenvolvimento diretamente ao conjunto da população. Nesta

perspectiva, suas ações tomam múltiplas formas. Por intermédio de seus

programas e fundos, bem como do Secretariado, a Organização participa das

iniciativas e projetos a favor do desenvolvimento, assegura a formação técnica

das populações, reforça as capacidades institucionais dos países e ajuda os

governos a formular suas estratégias globais de desenvolvimento.

Na medida em que são em primeiro lugar os Estados os responsáveis pelo seu

desenvolvimento, é em estreita colaboração com os governos e as

coletividades locais que as Nações Unidas atuam. Mas elas conduzem também

numerosas ações em colaboração com organizações não-governamentais e

outras instituições que não dependem dos Estados. Acontece também de a

Organização atuar isoladamente.

Graças a seus esforços de campo, a Organização das Nações Unidas

desempenha um papel indispensável e por vezes sem igual. Suas ações

regionais contribuem em particular para transformar as decisões internacionais

em iniciativas e estratégias locais, para encorajar projetos de desenvolvimento

com fim não lucrativo, para desenvolver os setores sensíveis e promover

novas áreas e novas formas de assistência técnica.

Os enormes desafios com os quais a humanidade se vê confrontada implicam

necessariamente uma cooperação internacional. Mas não deixa de ser verdade

que os acordos obtidos nesta área não constituem senão um ponto de partida.

Neste sentido, é preciso sublinhar que os programas de campo das Nações

Unidas representam uma ponte indispensável entre a elaboração de grandes

acordos internacionais e a capacidade dos países para transformar estes

acordos em ações nacionais. De fato, tendo em conta sua experiência e seu

campo de ação universal, a Organização oferece um grau de especialização

insubstituível para os Estados-Membros, no preciso momento em que estes

devem enfrentar os grandes problemas do mundo moderno. Ninguém ignora

que, na ausência de uma tal assistência, muitos Estados não teriam nem o

conhecimento necessário dos problemas nem a capacidade de ação imediata

exigida para realizar os progressos que se impõem. Durante a Cúpula do Rio,

a Organização das Nações Unidas, a pedido dos Estados-Membros, ajudou a

Page 16: A ONU e o Desenvolvimento

definir as medidas necessárias, a elaborar regras e políticas e a estabelecer

mecanismos para alcançar os objetivos em matéria de meio ambiente.

Em numerosos setores essenciais para o desenvolvimento, só a Organização

das Nações Unidas está em condições de oferecer a imparcialidade e a

competência necessárias para obter resultados. As políticas de

desenvolvimento relacionadas com a administração pública, com a condução

do Estado e com a democratização constituem exemplos significativos. É

certo que os governos e as sociedades que reconhecem a necessidade de

mudança podem hesitar em encarar uma ajuda estrangeira com receio de que

esta abra posteriormente caminho a pressões ou controle externos. Mas, em

muitos dos setores essenciais para o desenvolvimento, a ONU pode fazer valer

uma longa tradição de imparcialidade e de experiência ao serviço do

desenvolvimento. Trata-se aqui de uma assistência à qual numerosos Estados-

Membros continuarão sem dúvida alguma a recorrer.

As ações de campo das Nações Unidas desempenharam igualmente um papel

muito útil na introdução de novos tipos de ajuda ao desenvolvimento.

Enquanto que, após a guerra, se deu maior importância à cessão de

especialistas e consultores estrangeiros, agora os recursos são cada vez mais

consagrados ao reforço das capacidades e das competências nacionais. O valor

de numerosas orientações tomadas pela ONU no passado ficou demonstrado.

Além disso, a ONU soube igualmente inovar. Mas não é menos verdade que a

Organização deve constantemente evoluir nos domínios em que sua

contribuição continua a justificar-se.

Para a própria Organização - e para a comunidade internacional no seu

conjunto - as atividades de campo da ONU e sua presença no domínio do

desenvolvimento em escala mundial têm um significado muito vasto: elas

testemunham a autoridade moral das Nações Unidas nos assuntos

internacionais de uma maneira geral, assim como sua capacidade, como

instituição, para compreender e aceitar os desafios do desenvolvimento no

plano humano.

Em virtude de sua preocupação fundamental em trabalhar a favor do

progresso humano, a Organização das Nações Unidas afirma-se como o

instrumento mais sólido e mais confiável a serviço da paz mundial. Por todas

as partes do mundo, a bandeira da ONU simboliza seu empenho, não só em

favor da paz mas também do progresso. Os esforços globais são realçados,

também, pelos resultados da sua ação em matéria de desenvolvimento. Isto

quer dizer que aqueles que procuram o apoio da ONU e dele mais dependem

não poriam em dúvida seu empenho, um esforço que não deve basear-se em

considerações abstratas, mas em serviços efetivamente prestados às

populações.

Page 17: A ONU e o Desenvolvimento

Em todos os setores da Organização, a experiência do pessoal que faz trabalho

de campo a favor do desenvolvimento constitui uma fonte preciosa de

equilíbrio, de discernimento e de compreensão. A própria Agenda deve muito

a este capital de experiência humana concreta.

Os escritórios locais da Organização permitem confrontar as teorias com a

realidade. Graças a eles, os problemas são examinados num contexto mais

concreto. Assim, a Organização não só conhece melhor as populações, mas

aprende também diretamente com aqueles a quem serve.

É no entanto manifesto que as operações das Nações Unidas para o

desenvolvimento não conseguem remediar todos os problemas que surgem no

mundo. As atividades concretas devem ser concebidas de forma a obter

resultados cumulativos. Neste sentido, mesmo soluções parciais podem

aumentar as possibilidades de um progresso duradouro. Resumindo, a noção

fundamental de "operações para o desenvolvimento" não se limita a um

simples paliativo provisório mas permite assentar o progresso sobre fundações

sólidas.

Assim sendo, é difícil que se possa, a curto prazo, avaliar o impacto exato

desta ou daquela estratégia. Para a Organização das Nações Unidas o

desenvolvimento é um empreendimento de longo prazo. O impacto dos

esforços no terreno contribuiu para alcançar assinaláveis progressos. Por

exemplo, a importância atribuída aos serviços de saúde ao nível das

coletividades ajudou a eliminar a varíola, a generalizar a vacinação das

crianças e a reduzir espetacularmente as taxas de mortalidade infantil do

mundo inteiro. Por outro lado, o fato de reconhecer a importância de um

patrimônio cultural comum facilitou a preservação de locais como Abu-

Simbel, a Acrópole e o Angkor Vat. Finalmente, a tomada de consciência do

estado de degradação do planeta teve como resultado o empreendimento de

esforços concretos em nível mundial.

O reforço das capacidades nacionais constitui um elemento essencial para o

progresso. Em muitos casos, as atividades de campo das Nações Unidas na

área do desenvolvimento reforçaram sensivelmente os esforços dos Estados

nessa matéria. De forma igualmente essencial a Organização evitou por vezes

uma dispersão de esforços neste campo, compensando desvios profundos e

melhorando as infra-estruturas.

Ainda que seja difícil quantificar, uma herança de competências locais cada

vez mais ricas nasceu deste meio século de cooperação e de formação técnica.

Esta contribuição é fundamental. Com efeito, enquanto não forem as próprias

populações a promover o seu desenvolvimento, os progressos continuarão

desiguais e o desenvolvimento não assentará sobre bases sólidas.

Page 18: A ONU e o Desenvolvimento

Criando um quadro favorável para o desenvolvimento, a Organização das

Nações Unidas contribui diretamente para este, mas facilita também os

esforços de numerosos outros protagonistas. Com efeito, a presença da

Organização mundial pode ajudar a criar um clima mais propício à

cooperação em geral e encorajar assim os diversos protagonistas. Além disso,

particularmente num período de tensão e de instabilidade, a presença

internacional simbolizada pela ONU pode ser essencial para manter o impulso

necessário ao desenvolvimento.

De uma maneira mais geral, as prioridades definidas pelas Nações Unidas têm

por vezes servido de base para outros protagonistas, permitindo-lhes participar

no desenvolvimento. Assim, graças aos acordos negociados pela Organização

mundial, outros protagonistas puderam igualmente exprimir-se. Por outro

lado, a presença das Nações Unidas nos trabalhos de campo é, para a própria

Organização e para a comunidade internacional em geral, um trunfo vital ao

serviço do desenvolvimento.

Estabelecimento de prioridades e coordenação

O conceito de desenvolvimento, tal como emerge deste relatório, reveste

várias dimensões que se encontram ligadas entre si e dão origem à intervenção

de uma multiplicidade de protagonistas. Todos concordarão que nos é

imperiosamente necessário estabelecer prioridades e coordenar os nossos

esforços.

As ações levadas a cabo em cada um dos setores do desenvolvimento devem

completar-se mutuamente para a realização de um progresso centrado no ser

humano. Não será possível um desenvolvimento bem sucedido se uma

dimensão for privilegiada e uma outra excluída. Sem a paz, a mobilização das

energias humanas para fins produtivos tornar-se-ia rapidamente impossível.

Sem crescimento econômico, haverá falta de recursos para abordar qualquer

problema. Sem um ambiente saudável, a produtividade destruirá as próprias

bases do progresso. Sem a justiça social, as desigualdades comprometerão os

esforços realizados a favor da mudança. Finalmente, sem a livre participação

na vida política, os indivíduos deixarão de ter domínio sobre seu próprio

destino ou sobre o da coletividade.

A escassez de recursos e os constrangimentos internos e externos significam

que têm que ser feitas escolhas e estabelecidas prioridades. Há momentos em

que os esforços para alcançar alguns aspectos do desenvolvimento têm de ser

adiados. Em alguns países, por exemplo, os efeitos a curto prazo das reformas

econômicas podem comprometer a estabilidade política.

A coordenação das atividades e da assistência é essencial se se pretende tirar o

melhor partido dos recursos destinados ao desenvolvimento e agir de forma a

Page 19: A ONU e o Desenvolvimento

que as prioridades estabelecidas produzam os seus frutos. As

responsabilidades devem ser claramente definidas e o trabalho deve ser

eficazmente dividido entre os numerosos agentes do desenvolvimento. Além

disso, estes devem empenhar-se na realização dos objetivos comuns e

compatíveis.

O programa com o qual os participantes nacionais, regionais e mundiais

devem cooperar inclui a paz e a segurança internacionais, o progresso

econômico, o meio ambiente, a justiça social, a democracia e a condução

adequada dos assuntos públicos. As contribuições de cada um devem

inscrever-se no quadro de uma ação comum. No passado, a comunidade

internacional obteve resultados quando soube definir prioridades e coordenar

os seus esforços - para erradicar as doenças, lutar contra a fome, proteger o

meio ambiente ou limitar a proliferação das armas de destruição maciça. Os

problemas mundiais como o HIV (Vírus da Imunodeficiência Humana) e a

AIDS exigem uma coordenação entre Estados, organizações internacionais e

regionais e organizações não-governamentais. Em outros casos, a coordenação

deve incidir sobre determinada região do mundo, ou determinado segmento da

população. Os doadores devem coordenar sua ação entre si, e os beneficiários

devem coordenar-se segundo seus sistemas nacionais.

Todos sabemos que o desenvolvimento é um processo multifacetado e

flexível. Os esforços para o desenvolvimento devem dar resposta a

prioridades, a circunstâncias e a necessidades nacionais particulares. Daí que

não deva existir uma teoria exclusiva nem um conjunto único de prioridades

aplicáveis a todos os países num determinado momento. No entanto, o

desenvolvimento requer um constante repensar das prioridades e dos objetivos

e uma reavaliação contínua das necessidades e das políticas. A importância de

uma boa condução dos assuntos públicos para a promoção do

desenvolvimento deve ser reafirmada. Sendo este um processo internacional,

sua gestão deve transcender as fronteiras nacionais.

Cabe aos governos decidir que políticas devem apoiar e a que pressões, quer

externas quer internas, devem resistir. De fato, uma boa gestão pública

implica uma visão ampla, necessária para saber quando convém deixar livres

as forças do mercado, para deixar a sociedade civil agir ou para intervir

diretamente.

As estratégias de desenvolvimento nacional devem assegurar a coerência e a

compatibilidade dos diversos projetos. Tendo em conta a multiplicidade de

protagonistas e de programas envolvidos, surgem por vezes fragmentações e

discordâncias. Uma visão de conjunto do desenvolvimento deve portanto ser

estabelecida em nível nacional, enquanto que os esforços e os recursos devem

ser mobilizados internacionalmente da forma mais eficaz possível,

contribuindo para a realização dos objetivos nacionais.

Page 20: A ONU e o Desenvolvimento

Cada sociedade esforça-se por determinar as orientações do seu próprio

desenvolvimento. A comunidade internacional deve pois agir com

circunspecção. Deste modo, a persuasão, mais do que as pressões, produz

certamente esforços mais decisivos e resultados mais duradouros. Uma vez

que é aos governos que compete em primeiro lugar assegurar o

desenvolvimento, os protagonistas internacionais chamados a apoiá-los não

devem nunca ignorar a complexidade da sua tarefa.

Uma coordenação bem sucedida só pode ser alcançada se houver vontade de

trabalhar em conjunto. Ora, não basta estabelecer mecanismos e estruturas

para eliminar o duplo emprego, as sobreposições e as incoerências. Os

doadores devem estar dispostos a cooperar em vez de competirem entre si. As

instituições devem estar prontas a trabalhar como parceiros e não como rivais.

Finalmente, as organizações devem ter a coragem de medir o sucesso de seus

esforços pelos progressos realizados.

A comunidade internacional não pode impor prioridades ou modelos de

desenvolvimento a nenhum povo. Este é um dos ensinamentos que devemos

tirar dos esforços passados. Não obstante, a comunidade internacional pode e

deve determinar a melhor forma de maximizar os recursos internacionais

atribuídos ao desenvolvimento e assegurar a coerência e a coordenação dos

protagonistas internacionais do desenvolvimento.

As estratégias nacionais são um novo instrumento importante para reforçar a

coordenação. Elas permitem, de fato, que os países trabalhem com a ONU na

concepção de projetos de desenvolvimento e estabeleçam prioridades quanto à

utilização dos fundos para o desenvolvimento. A aplicação crescente dessa

técnica de auxílio ao desenvolvimento poderá ter um impacto importante.

Atualmente, e na falta de uma abordagem que englobe todos os aspectos

externos da cooperação para o desenvolvimento, o estabelecimento de

prioridades e a coordenação dos esforços internacionais para o

desenvolvimento, intergovernamentais e não governamentais, continuam a ser

uma necessidade urgente.

O sistema de coordenadores residentes permite integrar melhor a ajuda para o

desenvolvimento no quadro geral dos programas do país. Ao servir-se dos

meios de que o conjunto do sistema das Nações Unidas dispõe, o coordenador

residente pretende assegurar que as capacidades operacionais da Organização

vão apoiar plenamente os objetivos nacionais e que elas sejam utilizadas ao

máximo para desenvolver as capacidades nacionais. Além disso, o

coordenador residente pode contribuir para que os trabalhos de investigação e

análise das políticas levadas a cabo no setor econômico e social, as atividades

operacionais, a ajuda humanitária e a promoção dos direitos humanos se

reforcem mutuamente em escala nacional. E sem dúvida é necessário

continuar a reforçar o sistema dos coordenadores residentes.

Page 21: A ONU e o Desenvolvimento

A Organização das Nações Unidas, por sua composição universal e por seu

amplo mandato, está particularmente bem colocada quer para facilitar o

estabelecimento das prioridades internacionais de desenvolvimento, quer para

promover a coordenação e a cooperação entre os vários protagonistas do

desenvolvimento. Ao sensibilizar a opinião pública e ao informá-la,

procurando consensos, empenhando-se em estimular a cooperação pelo

estabelecimento de normas, regras e tratados, e, sobretudo, agindo em campo,

a ONU contribui para os esforços do desenvolvimento.

Todas as organizações e instituições têm necessidade de fixar prioridades e

coordenar seus esforços. Mas para uma organização tão polivalente como a

Organização das Nações Unidas, isto é vital.

A Carta das Nações Unidas, que atribui ela própria uma importância particular

à coordenação no seio do sistema, estabelece para o Conselho Econômico e

Social (ECOSOC), que atua sob a autoridade da Assembléia Geral, a tarefa

importante e difícil de coordenar as políticas e as atividades da ONU e de suas

numerosas instituições especializadas. O ECOSOC é o foro ideal para ajudar a

estabelecer prioridades em matéria de atribuição dos recursos internacionais

para o desenvolvimento. Neste sentido, é necessário sublinhar que a

coordenação abrange não só os governos e as organizações

intergovernamentais, mas também as ações dos protagonistas não-

governamentais do desenvolvimento.

Um determinado número de organismos das Nações Unidas já aproveita a

participação de representantes dos meios empresariais, dos sindicatos, das

associações de consumidores e de outros grupos. Interessa no entanto

encontrar novos meios de associar estes protagonistas às deliberações do

esforço do desenvolvimento, em todos os níveis.

Ao longo dos anos a ausência de diretrizes claras por parte da Assembléia

Geral e a ausência de coordenação eficaz das políticas e do controle por parte

do ECOSOC levaram a uma falta geral de coesão e de concentração no seio

do sistema. Em todos os níveis, quer se tratasse dos órgãos centrais, dos

programas ou das Comissões Regionais, os órgãos subsidiários não deixaram

de proliferar e a falta de coerência nas políticas agravou-se. Um Conselho

Econômico e Social revitalizado poderia trazer uma contribuição importante

ao reforço da coerência e da coordenação das políticas do sistema das Nações

Unidas em seu conjunto.

O sistema das Nações Unidas pode constituir-se em um pólo de conhecimento

e experiência em desenvolvimento, eficaz e sem igual, à disposição dos países

em desenvolvimento. Para que esta força possa ser posta em movimento em

benefício dos Estados, impõe-se uma vontade nova de coordenação com base

em uma visão comum. Através do PNUD e de seu mecanismo central de

Page 22: A ONU e o Desenvolvimento

financiamento, a ONU dispõe de uma rede de escritórios locais únicos no seu

gênero. Essa rede, na qual se baseiam as atividades operacionais que a ONU

empreende em escala internacional, permite-lhe reagir com flexibilidade e

rapidez à evolução das prioridades nacionais.

As instituições saídas dos acordos de Bretton Woods fazem parte integrante

do sistema das Nações Unidas. Elas constituem importantes fontes de auxílio

financeiro ao desenvolvimento e de orientação de políticas. Mas elas tomam

uma parte cada vez mais ativa em atividades de assistência técnica, correndo o

risco de duplicação em relação ao papel do PNUD e de se sobreporem a

setores da competência de outras instituições especializadas. Seria necessário

portanto ver em que medida estas instituições e outros organismos do sistema

poderiam colaborar mais estreitamente na base de suas respectivas áreas. Uma

utilização mais sistemática dos recursos financeiros das instituições de Bretton

Woods no quadro de uma ação coordenada, complementar e interativa, com

financiamento da assistência técnica assegurado pelo PNUD e pelas

instituições especializadas, deveria ser incluída entre os objetivos das

atividades operacionais.

A capacidade da Organização das Nações Unidas para fazer refletir nas suas

próprias políticas e atividades as considerações apresentadas no presente

relatório dependerá em larga medida da eficácia de seus mecanismos e

estruturas de coordenação.

A promessa do desenvolvimento

Uma cultura do desenvolvimento, levando em conta todos os aspectos da

existência humana, surge hoje graças aos esforços consideráveis que foram

desenvolvidos pela comunidade internacional. Abrem-se perspectivas de

compreensão e de cooperação mútuas como nunca aconteceu no passado.

Neste fim do século XX, todos, ou quase, reconhecem a necessidade de ver

com novos olhos os meios de servir a paz, a liberdade, a justiça e o progresso.

Uma cultura do desenvolvimento pode tornar seus todos estes objetivos,

adotando uma concepção e um quadro de ação homogêneos. É o princípio

fundamental da dignidade e do valor da pessoa humana, consagrado pela

Carta das Nações Unidas, que está na base desta cultura. Torna-se cada vez

mais claro que nada poderia substituir a Organização das Nações Unidas.

O desenvolvimento deve estar centrado no ser humano e, portanto, nas

gerações futuras. A história deste século mostrou-nos, simultaneamente, como

era ilusório pedir aos nossos contemporâneos que sofressem em nome de um

futuro utópico e como, pelo contrário, era perigoso ignorar o bem-estar das

gerações futuras. Trata-se de dois fenômenos extremos. Um marcou as

Page 23: A ONU e o Desenvolvimento

primeiras décadas do nosso século e o outro, mais recentemente, tendeu a

obscurecer nossa visão do futuro.

Desenham-se os sinais percursores de uma era mundial do desenvolvimento.

A idade da informação, da comunicação e da tecnologia avançada sucede às

revoluções agrícola e industrial. A humanidade tem agora, de certa forma,

meios para se libertar dos limites temporais, espaciais e materiais outrora

considerados insuperáveis. Mas, paradoxalmente, estas mudanças são

acompanhadas por forças que põem a humanidade à prova: catástrofes

naturais ou provocadas pelo homem, desafios demográficos, doenças,

conflitos políticos, hostilidade cultural e religiosa, desemprego e degradação

do meio ambiente. Estes flagelos são tão antigos como a própria humanidade,

mas tomam agora uma dimensão nova e geram uma violência jamais vista.

A percepção do desenvolvimento evoluiu igualmente. Outrora considerava-se

que o desenvolvimento se limitava à transferência de fundos e competências

dos mais ricos para os mais pobres. Hoje, tem-se a noção de que o

desenvolvimento engloba todas as atividades humanas. Assim sendo, não

podemos permitir que o destino das gerações futuras fique comprometido ao

contrairmos dívidas - financeiras, sociais, demográficas ou ecológicas - que

não teremos possibilidade de saldar. Compete a todos, atuais habitantes do

planeta, saber utilizar as instituições, as idéias e os ideais, tão duramente

adquiridos e que herdamos de nossos antecessores. Pois, infelizmente, o

progresso não é inerente à condição humana e um retrocesso não é impossível.

Para permitir à comunidade humana avançar, devemos mostrar-nos

respeitosos em relação ao que nos foi legado e conscientes de que o progresso

deve ser acessível a todos. Temos o dever de transmitir às gerações futuras

não um mundo em ruínas mas um mundo em desenvolvimento.

A concretização desta perspectiva dependerá do que a presente geração e seus

dirigentes conseguirem fazer da Organização das Nações Unidas. Fundada

num clima de excepcional unanimidade, perseguindo objetivos

incessantemente ampliados, encarnando a vontade mais esclarecida dos povos

do mundo e dispondo dos meios para obter resultados práticos, a Organização

mundial é um ponto de convergência do passado, do presente e do futuro.

É necessário compreender bem o grau de complexidade da crise mundial para

poder combatê-la eficazmente. A segurança coletiva, os direitos fundamentais

do ser humano, o direito internacional e o progresso social estão ameaçados

pelo etnocentrismo, pelo isolacionismo, pela hostilidade cultural e pelas

fraquezas econômicas e sociais. O próprio conceito de Estado, pedra angular

da cooperação internacional, encontra-se sob um fogo intenso por parte dos

que o entendem de uma maneira estreita ou por aqueles que duvidam de sua

pertinência e utilidade no mundo contemporâneo.

Page 24: A ONU e o Desenvolvimento

Nossas inquietações manifestam-se num contexto mundial radicalmente novo.

As técnicas de gestão internacional tradicionais parecem ultrapassadas pelas

transformações ecológicas, tecnológicas, demográficas e sociais. Face a tal

desafio, alguns vão ao ponto de sugerir que se abandone o princípio moderno

da cooperação internacional para voltar à força das armas, às esferas de

influência e a outras técnicas do passado, ignominiosas e perigosas.

Devemos impedir que se produza tal retrocesso. Para isso, a Organização das

Nações Unidas, mecanismo chave da cooperação internacional, desfruta de

grande flexibilidade, de uma legitimidade e de um campo de ação universais.

Utilizada com circunspecção, eficácia e segurança, ela constitui o melhor

meio de que dispomos para gerir a situação mundial com uma possibilidade

razoável de sucesso.

Atualmente, a margem de ação da Organização está sendo entravada por uma

série de obstáculos. Aqueles que temem um enfraquecimento da autoridade

nacional resistem ao multilateralismo. Aqueles que não estão convencidos de

estar servindo seus próprios interesses hesitam em contribuir financeiramente

para a realização de objetivos. Aqueles que gostariam de ter garantias de total

clareza e de duração limitada recusam-se a empenhar-se em operações

difíceis. Para escapar a este círculo vicioso, a comunidade internacional

precisa se reencontrar num projeto coletivo, moderno e estimulante.

Descrevi quer a natureza quer a amplitude das ações para o desenvolvimento

que as Nações Unidas conduzem. Defini as dimensões do processo de

desenvolvimento e os seus protagonistas, na esperança de que uma nova visão

e uma nova cultura do desenvolvimento possam surgir. Semelhante visão, no

entanto, deve basear-se solidamente sobre os objetivos e os compromissos

assumidos em matéria de desenvolvimento pela comunidade internacional e

alcançar resultados incontestáveis, se de fato quiser um apoio duradouro. A

Organização das Nações Unidas tem a seu alcance este objetivo. Seu campo

de ação é muito vasto e os meios de que dispõe são únicos.

Para que esta promessa seja cumprida, todos os órgãos e todas as instituições

da Organização devem desempenhar integralmente as tarefas que lhes são

atribuídas - tarefas claramente definidas mas que, até agora, ainda não foram

assumidas plenamente.

Inspirada pelos fins e pelos princípios fundamentais da Carta e tendo em

mente os compromissos e objetivos enunciados pela Assembléia Geral, a

comunidade internacional pode agora empreender a realização de uma nova

visão do desenvolvimento. Se todos os povos se empenharem decididamente

em fazer prevalecer uma nova cultura do desenvolvimento, a celebração do

50º aniversário da ONU constituirá um momento decisivo na história da

humanidade.

Page 25: A ONU e o Desenvolvimento

Agenda para o desenvolvimento. Lisboa, Centro de Informação das Nações Unidas,

1994, pp. 47-82.

Boutros Boutros-Ghali é diplomata egípcio e foi secretário geral da ONU de janeiro de

1992 a dezembro de 1996