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A ROSA DO POVO Carlos Drummond de Andrade

A Rosa do Povo - Carlos Drummond de Andrade

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Page 1: A Rosa do Povo - Carlos Drummond de Andrade

A ROSA DO POVO

Carlos Drummond de Andrade

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DRUMMOND:O HOMEM

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Itabira, 1902

Alguns anos vivi em Itabira.Principalmente nasci em Itabira.(...)Tive ouro, tive gado, tive fazendas.Hoje sou funcionário público.Itabira é apenas uma fotografia na parede.Mas como dói!

A família: fazendeiros em decadência

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1920 1920 – mudança para Belo Horizonte – MG– mudança para Belo Horizonte – MG 1925 1925 – conclusão do curso de farmácia– conclusão do curso de farmácia

– – Funda Funda A REVISTAA REVISTA

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1928 – ingresso no funcionalismo público1928 – ingresso no funcionalismo público

Auxiliar de redação da revista do Ensino da Auxiliar de redação da revista do Ensino da Secretaria de EducaçãoSecretaria de Educação

Auxiliar de redação / redator do Auxiliar de redação / redator do Minas GeraisMinas Gerais

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1930 – publicação de 1930 – publicação de Alguma PoesiaAlguma Poesia

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1934 – mudança para o Rio de Janeiro1934 – mudança para o Rio de Janeiro

Chefe de gabinete de Gustavo Capanema, novo Chefe de gabinete de Gustavo Capanema, novo Ministro da Educação e Saúde PúblicaMinistro da Educação e Saúde Pública

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1945 – publicação de 1945 – publicação de A Rosa do PovoA Rosa do Povo

– – codiretor do diário comunista codiretor do diário comunista Tribuna PopularTribuna Popular

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1945 – saída do Ministério da Educação1945 – saída do Ministério da Educação

entrada para o Patrimônio Histórico e Artístico entrada para o Patrimônio Histórico e Artístico NacionalNacional

1962 – aposentadoria1962 – aposentadoria1977 – 75 anos – 1977 – 75 anos –

homenagem da revista homenagem da revista VejaVeja

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1987 – O Fim1987 – O Fim

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Mangueirade mãos dadas com a poesiatraz para os braços do povoeste poeta genialCarlos Drumond de Andradesuas obras são palavrasde um reino de verdade

Itabira em seus versos ele tanto exaltou com amor                          eis aí a verde e rosa cantando em verso e prosa o que ao poeta inspirou

É Dom Quixote ô é Zé Pereira                     é Charlie Chaplin no embalo da Mangueira

Mangueira: O Reino das Palavras – 1987 – Rody, Verinha e Bira do Ponto

Olha as carrancasdo rio São Franciscorema rema remadorprimavera vem chegandoinspirando amor o rio toma forma de sambista como o artista imaginou

Na ilusão de um sonho achei o elefante que eu imaginei

bis

 bis

 bis

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DRUMMOND:A OBRA

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Drummondiana 1930 - Alguma Poesia 1934 - Brejo das Almas 1940 - Sentimento do Mundo 1942 - José 1945 - A Rosa do Povo 1951 - Claro Enigma 1954 - Fazendeiro do ar 1958 - A Vida passada a Limpo 1962 - Lição de Coisas 1993 - O Amor Natural 1996 - Farewell

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DRUMMOND:ITINERÁRIO

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Primeira fasePrimeira fase1930 - Alguma Poesia 1934 - Brejo das Almas

Individualismo Pessimismo eu “gauche”

Poema de sete faces Quando nasci, um anjo torto desses que vivem na sombra disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

(...)

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EU MUNDO“gauche”

“vida besta”

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Segunda faseSegunda fase1940 - Sentimento do Mundo1942 - José 1945 - A Rosa do Povo

“sentimento do mundo” Poesia social Impotência Impasse

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“Tenho apenas duas mãos e o sentimento do

mundo”

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Mãos dadas Não serei o poeta de um mundo caduco.Também não cantarei o mundo futuro.Estou preso à vida e olho meus companheiros.Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.Entre eles, considero a enorme realidade.O presente é tão grande, não nos afastemos.Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.

Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,a vida presente.

solidariedade e lutasolidariedade e luta

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E agora, José? A festa acabou,  a luz apagou,  o povo sumiu,  a noite esfriou,  e agora, José?  e agora, você?  (...)

Relação Eu-mundoRelação Eu-mundo Questionamento da existência:o impasse

Com a chave na mão 

quer abrir a porta,  não existe porta;  quer morrer no mar,  mas o mar secou:  quer ir para Minas,  Minas não há mais. José, e agora? (...)você marcha, José! José, para onde?

José

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O Lutador

Lutar com palavras é a luta mais vã. Entanto lutamos mal rompe a manhã. São muitas, eu pouco. (...)

Palavra, palavra (digo exasperado), se me desafias, aceito o combate. (...)

O ciclo do dia ora se consuma e o inútil duelo jamais se resolve.

A PoesiaA Poesia

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Drummond às vésperas de A Rosa do Povo

Poesia Existencial

Poesia Social

Poesia Sobre a Poesia

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1942 1943-1945 1945

José 55 poemas A Rosa do

Povo

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Contexto Histórico

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EstadoNovo

2ª Guerra

Mundial

A Rosa do Povo

“O tempo é ainda de fezes”

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Aspectos Formais

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Poemas longosPoemas longosVerso livre/metrificado

Modernismo Redondilhas

Tradição popular

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Roteiro Temático

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1.1. Poesia sobre a poesiaPoesia sobre a poesia

2.2. O cotidianoO cotidiano

3.3. O amorO amor

4.4. Os amigosOs amigos

5.5. O passado: a famíliaO passado: a família

6.6. A reflexão existencialA reflexão existencial

7.7. A poesia socialA poesia social

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Poesia sobre a poesia

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Procura da poesia Não faças versos sobre acontecimentos. (...) Não faças poesia com o corpo, (...) Nem me reveles teus sentimentos, (...) O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.Não cantes tua cidade, deixa-a em paz.(...)O canto não é a naturezanem os homens em sociedade.(...)Penetra surdamente no reino das palavras.Lá estão os poemas que esperam ser escritos.Estão paralisados, mas não há desespero,há calma e frescura na superfície intata.Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário. (...)Chega mais perto e contempla as palavras.Cada umatem mil faces secretas sob a face neutrae te pergunta, sem interesse pela resposta,pobre ou terrível, que lhe deres:Trouxeste a chave?

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“a poesia está nas palavras, se faz com palavras e não com idéias ou

sentimentos”

Manuel Bandeira

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Áporo Um inseto cavacava sem alarmeperfurando a terrasem achar escape.

Que fazer, exausto,em país bloqueado,enlace de noiteraiz e minério?

Eis que o labirinto(oh razão, mistério)presto se desata:

em verde, sozinha,antieuclidiana,uma orquídea forma-se

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• poema cifrado

•“cava sem alarme” Mallarmé

•“presto se desata:” Prestes

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Inseto – insectum: radical sec/se

Um inSEto cavacava SEm alarmeperfurando a terraSEm achar EScape.

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Metamorfoses do radical: ze, ex, is, ce, iz e es:

Que faZEr, EXauSto,em paÍS bloqueadoenlaCE de noiteraIZ e minério?

eIS que o labirinto(oh raZão, mIStério)prESto SE dESata:

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Terceto final: libertação da sílaba se

em verde, soZInha,antieuclidianauma orquídea forma-SE.

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Um inSEto cavacava SEm alarmeperfurando a terraSEm achar EScape.

Que faZEr, EXauSto,em paÍS bloqueadoenlaCE de noiteraIZ e minério?

eIS que o labirinto(oh raZão, mIStério)prESto SE dESata:

em verde, soZInha,antieuclidianauma orquídea forma-SE.

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O poema ÁPORO como resumo da obra

Áporo: resolução do impasse1- poético2- existencial3- social

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Fabrico um elefante de meus poucos recursos. Um tanto de madeira tirado a velhos móveis talvez lhe dê apoio. E o encho de algodão, de paina, de doçura.

Eis meu pobre elefante pronto para sair à procura de amigos num mundo enfastiado que já não crê nos bichos e duvida das coisas.

O ELEFANTE

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Vai o meu elefante pela rua povoada, mas não o querem ver nem mesmo para rir da cauda que ameaça deixá-lo ir sozinho.

E já tarde da noite, volta meu elefante, mas volta fatigado, as patas vacilantes se desmancham no pó. Ele não encontrou o de que carecia, o de que carecemos, eu e meu elefante, em que amo disfarçar-me.

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Exausto de pesquisa, caiu-lhe o vasto engenho como simples papel. A cola se dissolve e todo seu conteúdo de perdão, de carícia, de pluma, de algodão, jorra sobre o tapete, qual mito desmontado. Amanhã recomeço.

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Poesia do cotidiano

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Morte do leiteiro A Cyro Novaes

Há pouco leite no país,é preciso entregá-lo cedo.Há muita sede no país,é preciso entregá-lo cedo.Há no país uma legenda,que ladrão se mata com tiro.

Então o moço que é leiteirode madrugada com sua latasai correndo e distribuindoleite bom para gente ruim.Sua lata, suas garrafase seus sapatos de borrachavão dizendo aos homens no sonoque alguém acordou cedinhoe veio do último subúrbiotrazer o leite mais frioe mais alvo da melhor vacapara todos criarem forçana luta brava da cidade.

Na mão a garrafa brancanão tem tempo de dizeras coisas que lhe atribuonem o moço leiteiro ignaro,morados na Rua Namur,empregado no entreposto,com 21 anos de idade,sabe lá o que seja impulsode humana compreensão.E já que tem pressa, o corpovai deixando à beira das casasuma apenas mercadoria.

E como a porta dos fundostambém escondesse genteque aspira ao pouco de leitedisponível em nosso tempo,avancemos por esse beco,peguemos o corredor,depositemos o litro... Sem fazer barulho, é claro,que barulho nada resolve.

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Meu leiteiro tão sutilde passo maneiro e leve,antes desliza que marcha.É certo que algum rumorsempre se faz: passo errado,vaso de flor no caminho,cão latindo por princípio,ou um gato quizilento.E há sempre um senhor que acorda,resmunga e torna a dormir.

Mas este acordou em pânico(ladrões infestam o bairro),não quis saber de mais nada.O revólver da gavetasaltou para sua mão.

Ladrão? se pega com tiro.Os tiros na madrugadaliquidaram meu leiteiro.Se era noivo, se era virgem,se era alegre, se era bom,não sei,é tarde para saber.Mas o homem perdeu o sonode todo, e foge pra rua.Meu Deus, matei um inocente.Bala que mata gatunotambém serve pra furtara vida de nosso irmão.Quem quiser que chame médico,polícia não bota a mãoneste filho de meu pai.Está salva a propriedade.A noite geral prossegue,a manhã custa a chegar,mas o leiteiroestatelado, ao relento,perdeu a pressa que tinha.

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Da garrafa estilhaçada,no ladrilho já serenoescorre uma coisa espessaque é leite, sangue... não sei.Por entre objetos confusos,mal redimidos da noite,duas cores se procuram,suavemente se tocam,amorosamente se enlaçam,formando um terceiro toma que chamamos aurora.

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Poema narrativoPoema narrativoRedondilha menor (irregular)Redondilha menor (irregular)Drama do cotidiano – “ poema tirado de uma Drama do cotidiano – “ poema tirado de uma

notícia de jornal”notícia de jornal”Entrelaçamento do individual com o socialEntrelaçamento do individual com o socialDescrição cromática do amanhecer:Descrição cromática do amanhecer:

Vermelho(sangue)

branco(leite)

rosa(aurora)+ =

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Caso do VestidoNossa mãe, o que é aquelevestido, naquele prego?

Minhas filhas, é o vestidode uma dona que passou.

Passou quando, nossa mãe?Era nossa conhecida?

Minhas filhas, boca presa.Vosso pai evém chegando.

Nossa mãe, dizei depressaque vestido é esse vestido.

Minhas filhas, mas o corpoficou frio e não o veste.

O vestido, nesse prego,está morto, sossegado.

Nossa mãe, esse vestidotanta renda, esse segredo!

Minhas filhas, escutaipalavras de minha boca.

Era uma dona de longe, vosso pai enamorou-se.

E ficou tão transtornado,se perdeu tanto de nós, se afastou de toda vida,se fechou, se devorou,

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chorou no prato de carne,bebeu, brigou, me bateu,

me deixou com vosso berço,foi para a dona de longe,

mas a dona não ligou.Em vão o pai implorou.

Dava apólice, fazenda, dava carro, dava ouro, 

beberia seu sobejo,lamberia seu sapato.

Mas a dona nem ligou.Então vosso pai, irado,

me pediu que lhe pedisse,a essa dona tão perversa,

que tivesse paciênciae fosse dormir com ele...

Nossa mãe, por que chorais?Nosso lenço vos cedemos.

Minhas filhas, vosso paichega ao pátio.  Disfarcemos.

Nossa mãe, não escutamospisar de pé no degrau.

Minhas filhas, procureiaquela mulher do demo.

E lhe roguei que aplacassede meu marido a vontade.

Eu não amo teu marido,me falou ela se rindo.

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Sai pensando na morte,mas a morte não chegava.

Andei pelas cinco ruas, passei ponte, passei rio, 

visitei vossos parentes, não comia, não falava,

tive uma febre terçã,mas a morte não chegava.

Fiquei fora de perigo,fiquei de cabeça branca,

perdi meus dentes, meus olhos, costurei, lavei, fiz doce,

minhas mãos se escalavraram,meus anéis se dispersaram,

Mas posso ficar com elese a senhora fizer gosto,

só pra lhe satisfazer,não por mim, não quero homem.

Olhei para vosso pai, os olhos dele pediam.

Olhei para a dona ruim, os olhos dela gozavam.

O seu vestido de renda, de colo mui devassado, 

mais mostrava que escondiaas partes da pecadora.

Eu fiz meu pelo-sinal,me curvei... disse que sim.

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minha corrente de ouropagou conta de farmácia.

Vosso pais sumiu no mundo.O mundo é grande e pequeno.

Um dia a dona soberbame aparece já sem nada,

pobre, desfeita, mofina,com sua trouxa na mão.

Dona, me disse baixinho,não te dou vosso marido,

que não sei onde ele anda.Mas te dou este vestido, 

última peça de luxoque guardei como lembrança

daquele dia de cobra,da maior humilhação.

Eu não tinha amor por ele,ao depois amor pegou.

Mas então ele enjoadoconfessou que só gostava

de mim como eu era dantes.Me joguei a suas plantas,

fiz toda sorte de dengo,no chão rocei minha cara,

me puxei pelos cabelos,me lancei na correnteza,

me cortei de canivete,me atirei no sumidouro,

Page 55: A Rosa do Povo - Carlos Drummond de Andrade

bebi fel e gasolina,rezei duzentas novenas,

dona, de nada valeu:vosso marido sumiu.

Aqui trago minha roupaque recorda meu malfeito

de ofender dona casadapisando no seu orgulho.

Recebei esse vestidoe me dai vosso perdão.

Olhei para a cara dela,quede os olhos cintilantes?

quede graça de sorriso,quede colo de camélia?

quede aquela cinturinhadelgada como jeitosa?

quede pezinhos calçadoscom sandálias de cetim?

Olhei muito para ela, boca não disse palavra.

Peguei o vestido, pusnesse prego da parede.

Ela se foi de mansinhoe já na ponta da estrada

vosso pai aparecia.Olhou pra mim em silêncio,

mal reparou no vestidoe disse apenas: — Mulher,

Page 56: A Rosa do Povo - Carlos Drummond de Andrade

põe mais um prato na mesa.Eu fiz, ele se assentou,

comeu, limpou o suor,era sempre o mesmo homem,

comia meio de ladoe nem estava mais velho.

O barulho da comidana boca, me acalentava,

me dava uma grande paz,um sentimento esquisito

de que tudo foi um sonho, vestido não há... nem nada.

Minhas filhas, eis que ouçovosso pai subindo a escada.

Page 57: A Rosa do Povo - Carlos Drummond de Andrade

Poema narrativo: tempo, espaço, personagens, enredoPoema narrativo: tempo, espaço, personagens, enredoTema: adultérioTema: adultérioVerso: redondilha maior – forma tradicional Verso: redondilha maior – forma tradicional Linguagem conservadora/arcaica: vós, vosso, escutaiLinguagem conservadora/arcaica: vós, vosso, escutaiRelação entre Relação entre formaforma e e conteúdoconteúdo::

discurso conservador da mãediscurso conservador da mãe autoritarismo da sociedade patriarcalautoritarismo da sociedade patriarcal

Submissão da mulher - não transgride a linguagem- não rompe com as regras

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D. Casmurro “Caso do vestido”

Adultério

Bentinho / Capitu pai / mãe

Bentinho / pai Capitu / mãe

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“A morte do leiteiro” “Caso do vestido”

Cotidiano

dramasformas diversas de violência

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O amor

Page 61: A Rosa do Povo - Carlos Drummond de Andrade

O Mito

Sequer conheço Fulanavejo Fulana tão curto,Fulana jamais me vê,mas como eu amo Fulana.

(...)

Mas como será Fulana,Digamos, no seu banheiro?Só de pensar em seu corpoO meu se punge... Pois sim.

(...)

Mas Fulana será gente?Estará somente em ópera?Será figura de livro?Será bicho? Saberei?

Page 62: A Rosa do Povo - Carlos Drummond de Andrade

Não saberei? Só pegando,Pedindo: Dona, desculpe...O seu vestido esconde algo?Tem coxas reais? Cintura?

(...)

Sou eu, o poeta precárioQue fez de Fulana um mito,Nutrindo-me de Petrarca,Ronsard, Camões e Capim.

Page 63: A Rosa do Povo - Carlos Drummond de Andrade

Toada do Amor

E o amor sempre nessa toada:briga perdoa perdoa briga.

Não se deve xingar a vida,a gente vive, depois esquece.Só o amor volta para brigar,para perdoar,amor cachorro bandido trem.

Mas, se não fosse ele, tambémque graça que a vida tinha?

Mariquita, dá cá o pito,no teu pito está o infinito.

Page 64: A Rosa do Povo - Carlos Drummond de Andrade

A família

Page 65: A Rosa do Povo - Carlos Drummond de Andrade

Como um presente(...)É talvez um erro amarmos assim nossos parentes.A identidade do sangue age como cadeia,Fora melhor rompê-la. Procurar meus parentes na Ásia,Onde o pão seja outro e não haja bens de família a preservar.Por que ficar neste município, neste sobrenome?Taras, doenças, dívidas: mal se respira no sótão.Quisera abrir um buraco, varar o túnel, largar minha terra,Passando por baixo de seus problemas e lavouras, de eterna agência do correio,E inaugurar novos antepassados em uma nova cidade.Quisera abandonar-te, negar-te, fugir-te,Mais curioso:Já não estás, e te sinto,Não me falas, e te converso.E tanto nos entendemos, no escuro,No pó, no sono.

Page 66: A Rosa do Povo - Carlos Drummond de Andrade

Cantar de amigos

Page 67: A Rosa do Povo - Carlos Drummond de Andrade

Mário de Andrade desce aos infernosO meu amigo era tãode tal modo extraordinário,cabia numa só carta,esperava-me na esquina,e já um poste depoisia descendo o amazonas,entre cantares de amigopairava na renda fina dos sete saltos,na serrania mineira,no mangue, no seringal,nos mais diversos brasis,e para além dos brasis,nas regiões inventadas,países a que aspiramos,fantásticos,mas certos, inelutáveis.terra de João invencível,a rosa do povo aberta...

Page 68: A Rosa do Povo - Carlos Drummond de Andrade

Canto ao Homem do Povo Charlie Chaplin

Page 69: A Rosa do Povo - Carlos Drummond de Andrade

I Era preciso que um poeta brasileiro,não dos maiores, porém dos mais

expostos à galhofa,(...)para dizer-te algumas coisas, sobcolor

de poema.

Para dizer-te como os brasileiros te amame que nisso, como em tudo mais, nossa

gente se parececom qualquer gente do mundo - inclusive

os pequenos judeusde bengalinha e chapéu-coco, sapatos

compridos, olhos melancólicos,

Page 70: A Rosa do Povo - Carlos Drummond de Andrade

vagabundos que o mundo repeliu, mas zombam e vivemnos filmes, nas ruas tortas com tabuletas: Fábrica, Barbeiro, Polícia,e vencem a fome, iludem a brutalidade, prolongam o amorcomo um segredo dito no ouvido de

um homem do povo caído na rua.

Page 71: A Rosa do Povo - Carlos Drummond de Andrade

Falam por mim os que estavam sujos de tristeza e feroz desgosto de tudo,

que entraram no cinema com a aflição de ratos fugindo da vida,

são duas horas de anestesia, ouçamos um pouco de música,

visitemos no escuro as imagens - e te descobriram e salvaram-se.

Page 72: A Rosa do Povo - Carlos Drummond de Andrade

Ó palavras desmoralizadas, entretanto salvas, ditas de novo.Poder da voz humana inventando novos vocábulos e dando

sopros aos exaustos.Dignidade da boca, aberta em ira justa e amor profundo,crispação do ser humano, árvore irritada, contra a miséria e a

fúria dos ditadores,

Page 73: A Rosa do Povo - Carlos Drummond de Andrade

ó Carlito, meu e nosso amigo, teus sapatos e teu bigodecaminham numa estrada de pó e de esperança.

Page 74: A Rosa do Povo - Carlos Drummond de Andrade

Reflexão Existencial

Page 75: A Rosa do Povo - Carlos Drummond de Andrade

Anoitecer É a hora em que o sino toca,mas aqui não há sinos;há somente buzinas, sirenes roucas,

apitosaflitos, pungentes, trágicos,uivando escuro segredo;desta hora tenho medo. É a hora em que o pássaro volta, mas de há muito não há pássaros;só multidões compactasescorrendo exaustascomo espesso óleoque impregna o lajedo;desta hora tenho medo.

É a hora do descanso,mas o descanso vem tarde,o corpo não pede sono,depois de tanto rodar;pede paz – morte – mergulhono poço mais ermo e quedo;desta hora tenho medo. Hora de delicadeza, gasalho , sombra, silêncio.Haverá disso no mundo?É antes a hora dos corvos,bicando em mim, meu passado,meu futuro, meu degredo; dessa hora, sim, tenho medo.

Page 76: A Rosa do Povo - Carlos Drummond de Andrade

Desfile

O rosto no travesseiro,escuto o tempo fluindono mais completo silêncio.(...)Vinte anos ou pouco mais,tudo estará terminado.O tempo flui sem dor.O rosto no travesseiro,fecho os olhos, para ensaio.

Page 77: A Rosa do Povo - Carlos Drummond de Andrade

Os últimos diasQue a terra há de comer.Mas não coma já.(...)E a matéria se veja acabar: adeus, composiçãoque um dia se chamou Carlos Drummond de Andrade.Adeus, minha presença, meu olhar e minhas veias grossas, meus sulcos no travesseiro, minha sombra no muro,Sinal meu no rosto, olhos míopes, objetos de uso pessoal, [idéia de justiça, revolta e sono, adeus,vida aos outros legada.

 

Page 78: A Rosa do Povo - Carlos Drummond de Andrade

Resíduo De tudo ficou um pouco.Do meu medo. Do teu asco.Dos gritos gagos. Da rosaficou um pouco.(...) 

Se de tudo fica um pouco,mas por que não ficariaum pouco de mim? (...) 

fica sempre um pouco de tudo.Às vezes um botão. Às vezes um rato.

Page 79: A Rosa do Povo - Carlos Drummond de Andrade

Poesia social

Page 80: A Rosa do Povo - Carlos Drummond de Andrade

Tempos sombrios...

O medo A Antonio Candido

        "Porque há para todos nós um problema sério...         Este problema é o do medo."

                   (Antonio Candido, Plataforma de Uma Geração) 

 Em verdade temos medo.(...)E fomos educados para o medo.Cheiramos flores de medo.Vestimos panos de medo.De medo, vermelhos riosvadeamos.

Page 81: A Rosa do Povo - Carlos Drummond de Andrade

(...)

Faremos casas de medo,duros tijolos de medo,medrosos caules, repuxos,ruas só de medo e calma.(...)Nossos filhos tão felizes...Fiéis herdeiros do medo,

eles povoam a cidade.Depois da cidade, o mundo.Depois do mundo, as estrelas,dançando o baile do medo. 

Page 82: A Rosa do Povo - Carlos Drummond de Andrade

“morreremos de medoe sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas

e medrosas.”

(Sentimento do Mundo)

Page 83: A Rosa do Povo - Carlos Drummond de Andrade

Nosso tempoIEste é tempo de partido,tempo de homens partidos.(...) Calo-me, espero, decifro.As coisas talvez melhorem. São tão fortes as coisas!(...)Mas eu não sou as coisas e me revolto.Tenho palavras em mim buscando canal,são roucas e duras,irritadas, enérgicas,comprimidas há tanto tempo,perderam o sentido, apenas querem explodir.  

O horror capitalista

Page 84: A Rosa do Povo - Carlos Drummond de Andrade

VIII

O poeta declina de toda responsabilidadena marcha do mundo capitalistae com suas palavras, intuições,

símbolos e outras armaspromete ajudara destruí-locomo uma pedreira, uma floresta, um verme.

Page 85: A Rosa do Povo - Carlos Drummond de Andrade

“a burguesia apodrece”(“Anúncio da Rosa”)

Page 86: A Rosa do Povo - Carlos Drummond de Andrade

Carta a StalingradoStalingrado...Depois de Madri e de Londres, ainda há grandes cidades!O mundo não acabou, pois que entre as ruínasoutros homens surgem, a face negra de pó e de pólvora,e o hálito selvagem da liberdadedilata os seus peitos, Stalingrado,seus peitos que estalam e caemenquanto outros, vingadores, se elevam.

O horror da guerra

Page 87: A Rosa do Povo - Carlos Drummond de Andrade

 

A poesia fugiu dos livros, agora está nos jornais.Os telegramas de Moscou repetem Homero.Mas Homero é velho. Os telegramas cantam um mundo novoque nós, na escuridão, ignorávamos.Fomos encontrá-lo em ti, cidade destruída,na paz de tuas ruas mortas mas não conformadas,no teu arquejo de vida mais forte que o estouro das bombas,na tua fria vontade de resistir

Page 88: A Rosa do Povo - Carlos Drummond de Andrade

(...)Uma criatura que não quer morrer e combate,contra o céu, a água, o metal a criatura combate,contra milhões de braços e engenhos mecânicos a criatura combate,e vence.

Page 89: A Rosa do Povo - Carlos Drummond de Andrade

As cidades podem vencer, Stalingrado!Penso na vitória das cidades, que por enquanto é apenas uma fumaça

subindo do Volga.Penso no colar de cidades, que se amarão e se defenderão contra tudo.Em teu chão calcinado onde apodrecem cadáveres,a grande Cidade de amanhã erguerá a sua Ordem. 

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“Em teu chão calcinado onde apodrecem cadáveres,A grande Cidade de amanhã erguera a sua nova Ordem.”

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A flor e a náuseaUma flor nasceu na rua!Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.Uma flor ainda desbotadailude a polícia, rompe o asfalto.Façam completo silêncio, paralisem os negócios,garanto que uma flor nasceu.(...) Sua cor não se percebe.Suas pétalas não se abrem.Seu nome não está nos livros.É feia. Mas é realmente uma flor.(...)Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tardee lentamente passo a mão nessa forma insegura.Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.Pequenos pontos brancos, movem-se no mar, galinhas em pânico.É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.

Perspectiva de uma nova sociedade

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Cidade Prevista

Irmãos, cantai esse mundoque não verei, mas viráum dia, dentro em mil anos,talvez mais... não tenho pressa. Um mundo enfim ordenado,uma pátria sem fronteiras,sem leis e regulamentos,uma terra sem bandeiras,sem igrejas nem quartéis,sem dor, sem febre, sem ouro,um jeito só de viver,mas nesse jeito a variedade,a multiplicidade todaque há dentro de cada um.

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Uma cidade sem portas,de casas sem armadilha,um país de riso e glóriacomo nunca houve nenhum.Este país não é meunem vosso ainda, poetas.Mas ele será um diao país de todo homem.

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amargura,visão cética e desencantada

engajamento,adesão às utopias

esquerdistas

A Rosa do Povo

pessimismo esperança

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ó Carlito, meu e nosso amigo, teus sapatos e teu bigode

caminham numa estrada de pó e de esperança.