107

Almanaque Carlos Drummond de Andrade

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Suas crônicas e poemas são pequenas intervenções na vida brasileira e mundial, numa tarefa sutil de salvamento do humano onde quer que ele se refugie, sinalizando o perigo iminente de sua destruição terminal.

Citation preview

Page 1: Almanaque Carlos Drummond de Andrade
Page 2: Almanaque Carlos Drummond de Andrade
Page 3: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

desvãos que nós nunca havíamos explorado. Por baixo da escada, por cima da copa, aqui, ali, o mistério abria-nos os seus lares. Mas nós crescíamos depressa e não púnhamos reparos na casa grande. Sabíamos que a casa tinha muitos anos, que ali morreram avós, tios e primos; em tal quarto nasceu meu pai, naquele outro meu avô estendeu, até à morte, uma perna baleada nas últimas eleições sangrentas do município; mas nós circulávamos livremente através do ar coalhado de lembranças e eflúvios familiares, de pesadas e obscuras memórias dos coronéis e das damas antigas, dos vestidos de dona Joana e das festas do comendador Paula Andrade. Com a mesma inconsciência natural

TESTEMUNHODA EXPERIÊNCIA

HUMANA

DR

U M M ON

D

DRUMMOND,

rosa gens | ana crelia dias | Manoel santana | Martha alkimin

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 1 04/07/11 16:39

Page 4: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

FUNDAÇÃO BANCO DO BRASILPresidenteJorge Alfredo Streit

Diretor Executivo de Desenvolvimento Social

Éder Marcelo de Melo

Diretor Executivo de Gestão de Pessoas, Controladoria e LogísticaDênis Corrêa

Gerente de Educação e CulturaMarcos Fadanelli Ramos

Assessoria técnicaJuliana Mary M. Ganimi Fontes

ASSOCIAÇÃO DE AMIGOS DA CASA DE RUI BARBOSAPresidenteJoão Maurício de Araújo

Vice-PresidenteIrapoan Cavalcanti

Diretor-tesoureiroJoão Aguiar Sobrinho

Diretora SecretáriaMaria Augusta

FUNDAÇÃO CASA DE RUI BARBOSA

PresidenteJosé Almino de Alencar e Silva Neto

Diretora ExecutivaRosalina Maria Fernandes Gouveia

Diretora do Centro de PesquisaRachel Teixeira Valença

Diretora do Centro de Memória e InformaçãoAna Maria Pessoa dos Santos

Coordenador-Geral de Planejamento e AdministraçãoCarlos Renato Costa Marinho

Chefe do Arquivo-Museu de Literatura BrasileiraEduardo Coelho

PETROBRASPresidenteJosé Sergio Gabrielli de Azevedo

Diretor de ComunicaçãoWilson Santarosa

Gerente de PatrocínioEliane Costa

Gerente de Patrocínio CulturalTais Wohlmulth Reis

PRODUTORA CULTURALAbravideo

Concepção e TextoAna Crelia DiasManoel SantanaMartha AlkiminRosa Gens

Coordenação GeralElizabete Braga

Pesquisa HistóricaJoão Camillo Penna

Assistente de PesquisaMariana Quadros

Pesquisa Histórica e IconográficaSilvana Jeha

Pesquisa IconográficaAna Crelia DiasElizabete BragaMartha AlkiminManoel SantanaRosa Gens

Imagens de ArquivoArquivo-Museu de Literatura Brasileira - FCRBArquivo NacionalArquivo Público MineiroBiblioteca José e Guita MindlinCasa de Lucio CostaFundação Biblioteca NacionalFundação Casa de Rui BarbosaFundação Getulio VargasInstituto de Estudos Brasileiros - USPInstituto Moreira SallesJornal do BrasilMuseu de Arte Moderna - RJMuseu de Valores do Banco CentralMuseu Histórico Abílio BarretoSecretaria de Turismo de Itabira

Digitalização e tratamento de imagensTrio StudioFundação Casa de Rui Barbosa

Revisão de TextosCely CuradoAna Paula Belchor

Projeto GráficoRuth Freihof | Passaredo DesignChristiane Krämer

Supervisão GeralRuy Godinho

Imagem da capa e 4ª capa:Arquivo Carlos Drummond de Andrade - AMLB/FCRB

D795 Gens, Rosa.

Drummond, testemunho da experiência humana / Rosa Gens.... [et al.]. – Brasília : Abravideo, 2011.104 p. : il.

ISBN 978-85-61467-10-4

1. Andrade, Carlos Drummond de. 2. Poeta brasileiro. 3. Almanaque. I. Gens, Rosa. II. Título.

CDD B869.6

Catalogação na fonte: Carolina Perdigão CRB1-1898

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 2 04/07/11 16:39

Page 5: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

Origem ...................................................................................................................8

Leituras de infância e juventude ...........................................................................13

Aluno: Carlos Drummond de Andrade ................................................................19

Crônica da vida .....................................................................................................23

“Itabira é apenas um retrato na parede...” ..............................................................24

Percurso de vida, no Brasil ....................................................................................32

Belo Horizonte .....................................................................................................34

O Modernismo .....................................................................................................38

“No meio do caminho” ..........................................................................................42

Rio de Janeiro ......................................................................................................48

Viver a cidade ......................................................................................................52

Percursos no mundo .............................................................................................56

Olhadores de anúncios .........................................................................................58

O sentimento do mundo ......................................................................................61

Remetente: Carlos Drummond de Andrade ........................................................64

Carlos Drummond de Andrade e o Estado Novo ................................................67

Máquinas de escrever ...........................................................................................68

Um Palácio ..........................................................................................................70

Drummond arquivista ..........................................................................................72

Em tempos de chumbo ........................................................................................74

Música, maestro! ..................................................................................................76

Amigo ouvinte! ....................................................................................................78

Brasília: “A cidade inventada” ...............................................................................80

O Sabadoyle.........................................................................................................84

A última crônica ..................................................................................................86

Sabores e nostalgias .............................................................................................88

As várias faces da moeda brasileira .......................................................................90

O que é um cometa? ............................................................................................92

E agora, Drummond? ..........................................................................................95

Vida em imagens .................................................................................................98

Elucidações ........................................................................................................100

Referências bibliográficas ...................................................................................102

sumário

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 3 04/07/11 16:39

Page 6: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

Eu passava na Avenida quase meia-noite.

Foi no Rio

Foi no Rio

Havia a promessa do mar

Foi no Rio

Foi no Rio

Foi no Rio

Foi no Rio

Foi no Rio

Foi no Rio

voluptuosidade errante do calo

mil presentes da vida aos hom

ens indiferentes,

O mar batia em meu peito, já não batia no cais.

e bondes tilintavam,

autos abertos correndo caminho do mar

meu coração bateu forte, m

eus olhos inúteis choraram.

que meu coração bateu forte, m

eus olhos inúteis choraram.

O grande pão de mel suspenso entre mar e céu

insinua os prazeres da cidade.

A boca, o paladar, Eu passava na Avenida quase meia-noite.

A boca, o paladar, Eu passava na Avenida quase meia-noite.

serpenteia lá embaixo. O

sol nascente O grande pão de mel suspenso entre mar e céu

serpenteia lá embaixo. O

sol nascente O grande pão de mel suspenso entre mar e céu

e o sol cadente vestem de púrpura

a forma rígida. N

uvens ciganas

ao descer,

Consciência mais leve do que asa

faz-se, desfaz-se, faz-se

uma incorpórea face

de elipses, psius

mil presentes da vida aos hom

ens indiferentes,

de elipses, psius

mil presentes da vida aos hom

ens indiferentes,

ei, pessoal: furtar jabuticaba.

autos abertos correndo caminho do mar

ei, pessoal: furtar jabuticaba.

autos abertos correndo caminho do marJabuticaba chupa-se no pé.

A�nal,

A�nal,

O grande pão de mel suspenso entre mar e céu A�nal,

O grande pão de mel suspenso entre mar e céu

que é andrade? Andrade é árvore

O mar batia em meu peito, já não batia no cais. que é andrade? Andrade é árvore

O mar batia em meu peito, já não batia no cais.

Mas que dizer do poeta

igarapé ribeirão rio corredeira

andrade é morro

povoado

faz-se, desfaz-se, faz-sepovoado

faz-se, desfaz-se, faz-se

povoado

povoado

ilha

numa prova escolar?

Que ele é meio pateta

e não sabe rimar?

autos abertos correndo caminho do mar

uma pedra e, estacando,

uma pedra e, estacando,

Muito riso escarninho

Muito riso escarninho

o foi logo cercando?

Atrás do grupo-escolar �cam

as jabuticabeiras.

Estudar, a gente estuda. Mas depois,

Na cidade toda de ferro

Na cidade toda de ferro

De cacos, de buracos

resumo de existido.

O furto exaure-se no ato de furtar.

As ferraduras batem

como sinos. o foi logo cercando?

As ferraduras batem

como sinos. o foi logo cercando?

no pico do Cauê.

Mas as coisas �ndas,

Mas as coisas �ndas,

muito mais que lindas,Jabuticaba chupa-se no pé.

muito mais que lindas,Jabuticaba chupa-se no pé.

muito mais que lindas,

tornam-se insensíveis

à palma da m

ão.

apelo do não.

apelo do não.

Consciência mais leve do que asa apelo do não.

Consciência mais leve do que asa

apelo do não.

abafando o calorapelo do não.

As coisas tangíveis Mas as coisas �ndas,

As coisas tangíveis Mas as coisas �ndas,

As coisas tangíveis

As coisas tangíveis

de folhas alternas �ores pálidas

Nada pode o olvido

contra o sem sentido

deixa confundido

este coração

este coraçãoeste coração

este coração

este coração

este coração

Tem as cores da vida e o sigilo da sombra.

Am

ar o perdido

assume formas inéditas de transparência.

meu amor.deixa confundido

O mar batia em meu peito, já não batia no cais. deixa confundido

O mar batia em meu peito, já não batia no cais.

deixa confundido

meu amor.

meu amor.

meu amor.

a cidade sou eu

sou eu a cidade

É montanha ou aparição crepuscular.

essas �carão.

Muito riso escarninhoessas �carão.

Muito riso escarninho

As coisas tangíveis

As coisas tangíveis

essas �carão.

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 4 04/07/11 16:39

Page 7: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

A rua acabou, quede as árvores? a cidade sou eu

a trama dos sentidos serpenteia lá em

baixo. O sol nascente

e o sol cadente vestem de púrpura

ao descer,

A�nal,

povoado

uma pedra e, estacando,

Muito riso escarninho A rua acabou, quede as árvores? a cidade sou eu

Muito riso escarninho A rua acabou, quede as árvores? a cidade sou eu

Atrás do grupo-escolar �cam

as jabuticabeiras.

De cacos, de buracos

Mas as coisas �ndas,

Mas as coisas �ndas,

muito mais que lindas,ao descer,

muito mais que lindas,ao descer,

apelo do não.apelo do não.

As coisas tangíveis

contra o sem sentido

este coração

este coraçãoA

cada hora, desintegra-se, recompõe-se,

apresentaçÃo

O Projeto Memória, em sua 13.ª edição, rende homenagem ao escritor Carlos Drummond de Andrade, poeta máximo de nosso país. No intuito de torná-lo conhecido de um público cada vez maior, apresenta um perfil menos visível de sua obra, o de cronista, que se revela entrelaçado ao de poeta.

Ele viveu de 1902 a 1987. Quase todo o século XX transparece em sua obra, já que o poeta experimentou o longo tempo e tratou de colocar atos, fatos e refl exões no vigor de sua escrita. Sua atividade de composição literária foi contínua e intensa, e sua produção cronística se estende por mais de sessenta anos (1921–1984). Ao focalizar mo-mentos dessa produção, este almanaque se abre para o Brasil, e, em larga medida, para o mundo, permitindo a interpretação de aconteci-mentos a partir da perspectiva do escritor, que se torna reveladora de elementos por vezes pouco nítidos no percurso brasileiro. O testemu-nho do autor convida a partilhar a memória drummondiana, revisitar seus lugares, confrontá-los com o presente, possibilitando percepção crítica diversa e movimentos de pensar dinâmicos e aprofundados. Retraçar caminhos percorridos por Drummond, entender o impacto da pedra, visitar paisagens do Brasil, compreender o mundo e os mun-dos revelados pelo poeta são os desafi os que este almanaque propõe.

Nosso olhar de leitor persegue o do poeta, assim como desejamos que o do leitor o siga, nessas “notícias humanas”, em que se obser-vam grandes refl exões de cunho existencial e pequenas minúcias do cotidiano. Nelas, está presente a preocupação com o humano, que se afi gura em estado de perigo, aliada à tentativa de salvamento — do humano e da poesia.

Resgatamos, em nosso percurso de escrita, traços característicos dos almanaques do início do século XX. Neste, que ora apresentamos, há matéria recreativa, humorística, científi ca, literária e informativa. Sua construção empreendeu-se em várias direções, o que permite, tam-bém, modos de leitura variados. O leitor pode seguir a linha da obra drummondiana, ou deixar-se levar por outras, que dela derivaram.

Que possa, assim, à maneira dos antigos almanaques, o favor do público facilitar a nossa tarefa, recebendo com entusiasmo esta publicação e fazendo os textos de Carlos Drummond de Andrade circularem intensamente.

5

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 5 04/07/11 16:39

Page 8: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 6 04/07/11 16:39

Page 9: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

Que lembrança darei ao país que me deutudo que lembro e sei, tudo quanto senti?

“Legado”. Carlos Drummond de Andrade, Claro enigma

7

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 7 04/07/11 16:39

Page 10: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

origem

O nome Carlos tem origem germânica e signifi ca “homem”. Remete ao imperador Carlos Magno (séculos VIII e IX).

DRUMMOND O sobrenome Drummond tem origem

escocesa. Em céltico, signifi ca “costas”, ligando-se ao naufrágio da frota comanda-da pelo Príncipe Maurício, descendente de Átila, o Rei dos Hunos. Foi ele o primeiro a se chamar Drummond. Drum — violen-ta, grande, e onde — onda.

O poeta descende da família Carvalho Drummond, de linhagem da Ilha da Ma-deira. O tronco de Itabira apresenta grande ramifi cação na Zona do Carmo.

O sobrenome Andrade é geográfi co, lo-cativo, originário. É bastante comum no Brasil.

SIGNO: ESCORPIÃO O horóscopo revela que a personalidade

de Escorpião é a essência do Mistério.

Regente: Água

Elemento: Marte

CARLOSDRUMMOND DE ANDRADE

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

Eu passava na Avenida quase meia-noite.

Foi no Rio

Foi no Rio

Havia a promessa do mar

Foi no Rio

Foi no Rio

Foi no Rio

Foi no Rio

Foi no Rio

Foi no Rio

Foi no Rio

Foi no Rio

voluptuosidade errante do calo

e o vento vinha de Minas.

mil presentes da vida aos hom

ens indiferentes,

Bicos de seio batiam nos bicos de luz estrelas inumeráveis.

O mar batia em meu peito, já não batia no cais.

abafando o calor

e bondes tilintavam,

que soprava no vento

A rua acabou, quede as árvores? a cidade sou eu

autos abertos correndo caminho do mar

autos abertos correndo caminho do m

ar

meu coração bateu forte, m

eus olhos inúteis choraram.

que meu coração bateu forte, m

eus olhos inúteis choraram.

que meu coração bateu forte, meus olhos inúteis choraram.

que meu coração bateu forte, m

eus olhos inúteis choraram.

O grande pão de mel suspenso entre mar e céu

insinua os prazeres da cidade.

A boca, o paladar,

a trama dos sentidos serpenteia lá em

baixo. O sol nascente

serpenteia lá embaixo. O

sol nascente

serpenteia lá embaixo. O

sol nascente

e o sol cadente vestem de púrpura

a forma rígida. N

uvens ciganas

a forma rígida. N

uvens ciganas

brincam de subtraí-la.

ITABIRA

BELOHORIZONTE

RIO DEJANEIRO

ao descer,

ao descer,

volto de mãos vazias para casa.

Consciência mais leve do que asa

faz-se, desfaz-se, faz-se

uma incorpórea face

de hiatos e de vácuos

de elipses, psius

ei, pessoal: furtar jabuticaba. Jabuticaba chupa-se no pé.

A�nal,

A�nal,

A�nal,

que é andrade? Andrade é árvore

hermafroditas

Mas que dizer do poeta

igarapé ribeirão rio corredeira

andrade é morro

povoado

povoado

povoado

ilha

numa prova escolar?

Que ele é meio pateta

e não sabe rimar?

autos abertos correndo caminho do mar

uma pedra e, estacando,

uma pedra e, estacando,

uma pedra e, estacando,

Muito riso escarninho

Muito riso escarninho

o foi logo cercando?

Atrás do grupo-escolar �cam

as jabuticabeiras.

Atrás do grupo-escolar �cam

as jabuticabeiras.

Atrás do grupo-escolar �cam as jabuticabeiras.

Estudar, a gente estuda. Mas depois,

Estudar, a gente estuda. Mas depois,

Na cidade toda de ferro

Na cidade toda de ferro

De cacos, de buracos

resumo de existido.

O furto exaure-se no ato de furtar.

Cada um de nós tem seu pedaço

As ferraduras batem

como sinos.

As ferraduras batem como sinos.

no pico do Cauê.

Mas as coisas �ndas,

Consciência mais leve do que asa

Mas as coisas �ndas,

Mas as coisas �ndas,

muito mais que lindas,

muito mais que lindas,

tornam-se insensíveis

à palma da m

ão.

apelo do não.

apelo do não.

apelo do não.

apelo do não.

apelo do não.

abafando o calor

apelo do não.

apelo do não.

apelo do não.

As coisas tangíveis

As coisas tangíveis

As coisas tangíveis

de folhas alternas �ores pálidas

Nada pode o olvido

contra o sem sentido

deixa confundido

este coração

este coraçãoeste coração

este coração

este coração

este coração

Tem as cores da vida e o sigilo da sombra.

Am

ar o perdido

A cada hora, desintegra-se, recom

põe-se,

assume formas inéditas de transparência.

meu amor.

meu am

or.

deixa confundido

deixa confundido

meu amor.

meu amor.

meu amor.

meu amor.

a cidade sou eu

sou eu a cidade

sou eu a cidade

sou eu a cidade

O grande pão de mel suspenso entre mar e céu

É montanha ou aparição crepuscular.

essas �carão.

essas �carão.

As coisas tangíveis

As coisas tangíveis

essas �carão.

essas �carão.

Eu passava na Avenida quase meia-noite.

Foi no Rio

Foi no Rio

Havia a promessa do mar

Foi no Rio

Foi no Rio

Foi no Rio

Foi no Rio

Foi no Rio

Foi no Rio

Foi no Rio

Foi no Rio

voluptuosidade errante do calo

e o vento vinha de Minas.

mil presentes da vida aos hom

ens indiferentes,

Bicos de seio batiam nos bicos de luz estrelas inumeráveis.

O mar batia em meu peito, já não batia no cais.

abafando o calor

e bondes tilintavam,

que soprava no vento

A rua acabou, quede as árvores? a cidade sou eu

autos abertos correndo caminho do mar

autos abertos correndo caminho do m

ar

que meu coração bateu forte, m

eus olhos inúteis choraram.

que meu coração bateu forte, m

eus olhos inúteis choraram.

que meu coração bateu forte, meus olhos inúteis choraram.

que meu coração bateu forte, m

eus olhos inúteis choraram.

O grande pão de mel suspenso entre mar e céu

insinua os prazeres da cidade.

A boca, o paladar,

a trama dos sentidos serpenteia lá em

baixo. O sol nascente

serpenteia lá embaixo. O

sol nascente

serpenteia lá embaixo. O

sol nascente

e o sol cadente vestem de púrpura

a forma rígida. N

uvens ciganas

a forma rígida. N

uvens ciganas

brincam de subtraí-la.

ITABIRA

BELOHORIZONTE

RIO DEJANEIRO

ao descer,

ao descer,

volto de mãos vazias para casa.

Consciência mais leve do que asa

faz-se, desfaz-se, faz-se

uma incorpórea face

de hiatos e de vácuos

de elipses, psius

ei, pessoal: furtar jabuticaba. Jabuticaba chupa-se no pé.

A�nal,

A�nal,

A�nal,

que é andrade? Andrade é árvore

hermafroditas

Mas que dizer do poeta

igarapé ribeirão rio corredeira

andrade é morro

povoado

povoado

povoado

ilha

numa prova escolar?

Que ele é meio pateta

e não sabe rimar?

autos abertos correndo caminho do mar

uma pedra e, estacando,

uma pedra e, estacando,

uma pedra e, estacando,

Muito riso escarninho

Muito riso escarninho

o foi logo cercando?

Atrás do grupo-escolar �cam

as jabuticabeiras.

Atrás do grupo-escolar �cam

as jabuticabeiras.

Atrás do grupo-escolar �cam as jabuticabeiras.

Estudar, a gente estuda. Mas depois,

Estudar, a gente estuda. Mas depois,

Na cidade toda de ferro

Na cidade toda de ferro

De cacos, de buracos

resumo de existido.

O furto exaure-se no ato de furtar.

Cada um de nós tem seu pedaço

As ferraduras batem

como sinos.

As ferraduras batem como sinos.

no pico do Cauê.

Mas as coisas �ndas,

Consciência mais leve do que asa

Mas as coisas �ndas,

Mas as coisas �ndas,

muito mais que lindas,

muito mais que lindas,

tornam-se insensíveis

à palma da m

ão.

apelo do não.

apelo do não.

apelo do não.

apelo do não.

apelo do não.

abafando o calor

apelo do não.

apelo do não.

apelo do não.

As coisas tangíveis

As coisas tangíveis

As coisas tangíveis

de folhas alternas �ores pálidas

Nada pode o olvido

contra o sem sentido

deixa confundido

este coração

este coraçãoeste coração

este coração

este coração

este coração

Tem as cores da vida e o sigilo da sombra.

Am

ar o perdido

A cada hora, desintegra-se, recom

põe-se,

assume formas inéditas de transparência.

meu amor.

meu am

or.

deixa confundido

deixa confundido

meu amor.

meu amor.

meu amor.

meu amor.

a cidade sou eu

sou eu a cidade

sou eu a cidade

sou eu a cidade

O grande pão de mel suspenso entre mar e céu

É montanha ou aparição crepuscular.

essas �carão.

essas �carão.

As coisas tangíveis

As coisas tangíveis

essas �carão.

essas �carão.

PenumbraCone de sombra ou Umbra

LUA TERRA

SOL

Nasceram também em 1902: Lúcio Cos-ta, arquiteto (27/02) | Sérgio Buarque de Holanda, historiador, crítico da literatura e jornalista (11/07) | Juscelino Kubitschek, médico e político (12/09).

Assinatura de Carlos Magno | Ilustração

Carlos Drummond de Andrade nasceu em Itabira do Mato Dentro, Minas Gerais, em 31 de outubro de 1902. Foi o nono fi lho de Carlos de Paula Andrade, fazendeiro, e Julieta Augusta Drummond de Andrade.

8

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 8 04/07/11 16:39

Page 11: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

CARLOSDRUMMOND DE ANDRADE

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

Eu passava na Avenida quase meia-noite.

Foi no Rio

Foi no Rio

Havia a promessa do mar

Foi no Rio

Foi no Rio

Foi no Rio

Foi no Rio

Foi no Rio

Foi no Rio

Foi no Rio

Foi no Rio

voluptuosidade errante do calo

e o vento vinha de Minas.

mil presentes da vida aos hom

ens indiferentes,

Bicos de seio batiam nos bicos de luz estrelas inumeráveis.

O mar batia em meu peito, já não batia no cais.

abafando o calor

e bondes tilintavam,

que soprava no vento

A rua acabou, quede as árvores? a cidade sou eu

autos abertos correndo caminho do mar

autos abertos correndo caminho do m

ar

meu coração bateu forte, m

eus olhos inúteis choraram.

que meu coração bateu forte, m

eus olhos inúteis choraram.

que meu coração bateu forte, meus olhos inúteis choraram.

que meu coração bateu forte, m

eus olhos inúteis choraram.

O grande pão de mel suspenso entre mar e céu

insinua os prazeres da cidade.

A boca, o paladar,

a trama dos sentidos serpenteia lá em

baixo. O sol nascente

serpenteia lá embaixo. O

sol nascente

serpenteia lá embaixo. O

sol nascente

e o sol cadente vestem de púrpura

a forma rígida. N

uvens ciganas

a forma rígida. N

uvens ciganas

brincam de subtraí-la.

ITABIRA

BELOHORIZONTE

RIO DEJANEIRO

ao descer,

ao descer,

volto de mãos vazias para casa.

Consciência mais leve do que asa

faz-se, desfaz-se, faz-se

uma incorpórea face

de hiatos e de vácuos

de elipses, psius

ei, pessoal: furtar jabuticaba. Jabuticaba chupa-se no pé.

A�nal,

A�nal,

A�nal,

que é andrade? Andrade é árvore

hermafroditas

Mas que dizer do poeta

igarapé ribeirão rio corredeira

andrade é morro

povoado

povoado

povoado

ilha

numa prova escolar?

Que ele é meio pateta

e não sabe rimar?

autos abertos correndo caminho do mar

uma pedra e, estacando,

uma pedra e, estacando,

uma pedra e, estacando,

Muito riso escarninho

Muito riso escarninho

o foi logo cercando?

Atrás do grupo-escolar �cam

as jabuticabeiras.

Atrás do grupo-escolar �cam

as jabuticabeiras.

Atrás do grupo-escolar �cam as jabuticabeiras.

Estudar, a gente estuda. Mas depois,

Estudar, a gente estuda. Mas depois,

Na cidade toda de ferro

Na cidade toda de ferro

De cacos, de buracos

resumo de existido.

O furto exaure-se no ato de furtar.

Cada um de nós tem seu pedaço

As ferraduras batem

como sinos.

As ferraduras batem como sinos.

no pico do Cauê.

Mas as coisas �ndas,

Consciência mais leve do que asa

Mas as coisas �ndas,

Mas as coisas �ndas,

muito mais que lindas,

muito mais que lindas,

tornam-se insensíveis

à palma da m

ão.

apelo do não.

apelo do não.

apelo do não.

apelo do não.

apelo do não.

abafando o calor

apelo do não.

apelo do não.

apelo do não.

As coisas tangíveis

As coisas tangíveis

As coisas tangíveis

de folhas alternas �ores pálidas

Nada pode o olvido

contra o sem sentido

deixa confundido

este coração

este coraçãoeste coração

este coração

este coração

este coração

Tem as cores da vida e o sigilo da sombra.

Am

ar o perdido

A cada hora, desintegra-se, recom

põe-se,

assume formas inéditas de transparência.

meu amor.

meu am

or.

deixa confundido

deixa confundido

meu amor.

meu amor.

meu amor.

meu amor.

a cidade sou eu

sou eu a cidade

sou eu a cidade

sou eu a cidade

O grande pão de mel suspenso entre mar e céu

É montanha ou aparição crepuscular.

essas �carão.

essas �carão.

As coisas tangíveis

As coisas tangíveis

essas �carão.

essas �carão.

Eu passava na Avenida quase meia-noite.

Foi no Rio

Foi no Rio

Havia a promessa do mar

Foi no Rio

Foi no Rio

Foi no Rio

Foi no Rio

Foi no Rio

Foi no Rio

Foi no Rio

Foi no Rio

voluptuosidade errante do calo

e o vento vinha de Minas.

mil presentes da vida aos hom

ens indiferentes,

Bicos de seio batiam nos bicos de luz estrelas inumeráveis.

O mar batia em meu peito, já não batia no cais.

abafando o calor

e bondes tilintavam,

que soprava no vento

A rua acabou, quede as árvores? a cidade sou eu

autos abertos correndo caminho do mar

autos abertos correndo caminho do m

ar

que meu coração bateu forte, m

eus olhos inúteis choraram.

que meu coração bateu forte, m

eus olhos inúteis choraram.

que meu coração bateu forte, meus olhos inúteis choraram.

que meu coração bateu forte, m

eus olhos inúteis choraram.

O grande pão de mel suspenso entre mar e céu

insinua os prazeres da cidade.

A boca, o paladar,

a trama dos sentidos serpenteia lá em

baixo. O sol nascente

serpenteia lá embaixo. O

sol nascente

serpenteia lá embaixo. O

sol nascente

e o sol cadente vestem de púrpura

a forma rígida. N

uvens ciganas

a forma rígida. N

uvens ciganas

brincam de subtraí-la.

ITABIRA

BELOHORIZONTE

RIO DEJANEIRO

ao descer,

ao descer,

volto de mãos vazias para casa.

Consciência mais leve do que asa

faz-se, desfaz-se, faz-se

uma incorpórea face

de hiatos e de vácuos

de elipses, psius

ei, pessoal: furtar jabuticaba. Jabuticaba chupa-se no pé.

A�nal,

A�nal,

A�nal,

que é andrade? Andrade é árvore

hermafroditas

Mas que dizer do poeta

igarapé ribeirão rio corredeira

andrade é morro

povoado

povoado

povoado

ilha

numa prova escolar?

Que ele é meio pateta

e não sabe rimar?

autos abertos correndo caminho do mar

uma pedra e, estacando,

uma pedra e, estacando,

uma pedra e, estacando,

Muito riso escarninho

Muito riso escarninho

o foi logo cercando?

Atrás do grupo-escolar �cam

as jabuticabeiras.

Atrás do grupo-escolar �cam

as jabuticabeiras.

Atrás do grupo-escolar �cam as jabuticabeiras.

Estudar, a gente estuda. Mas depois,

Estudar, a gente estuda. Mas depois,

Na cidade toda de ferro

Na cidade toda de ferro

De cacos, de buracos

resumo de existido.

O furto exaure-se no ato de furtar.

Cada um de nós tem seu pedaço

As ferraduras batem

como sinos.

As ferraduras batem como sinos.

no pico do Cauê.

Mas as coisas �ndas,

Consciência mais leve do que asa

Mas as coisas �ndas,

Mas as coisas �ndas,

muito mais que lindas,

muito mais que lindas,

tornam-se insensíveis

à palma da m

ão.

apelo do não.

apelo do não.

apelo do não.

apelo do não.

apelo do não.

abafando o calor

apelo do não.

apelo do não.

apelo do não.

As coisas tangíveis

As coisas tangíveis

As coisas tangíveis

de folhas alternas �ores pálidas

Nada pode o olvido

contra o sem sentido

deixa confundido

este coração

este coraçãoeste coração

este coração

este coração

este coração

Tem as cores da vida e o sigilo da sombra.

Am

ar o perdido

A cada hora, desintegra-se, recom

põe-se,

assume formas inéditas de transparência.

meu amor.

meu am

or.

deixa confundido

deixa confundido

meu amor.

meu amor.

meu amor.

meu amor.

a cidade sou eu

sou eu a cidade

sou eu a cidade

sou eu a cidade

O grande pão de mel suspenso entre mar e céu

É montanha ou aparição crepuscular.

essas �carão.

essas �carão.

As coisas tangíveis

As coisas tangíveis

essas �carão.

essas �carão.

PenumbraCone de sombra ou Umbra

LUA TERRA

SOL

Aconteceu, em 31 de outubro de 1902, dia de São Quintino, um eclipse do sol.

Drummond criança, em montagem de foto feita por ele mesmo | Arquivo Carlos Drummond de Andrade - AMLB/FCRB

9

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 9 04/07/11 16:39

Page 12: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

ANDRADE NO DICIONÁRIO

Afinalque é andrade? Andrade é árvorede folhas alternas flores pálidas hermafroditas de semente grandeandrade é córrego é arroio é riachoigarapé ribeirão rio corredeiraandrade é morropovoadoilhaperdidos na geografia, no sangue.

Carlos Drummond de Andrade, Boitempo

Vai, Carlos! ser gauChe na Vida.

CARLOS

Drummond, na estrofe inicial do poema que

abre o seu primeiro livro, Alguma poesia (1930),

apresenta Carlos, espécie de máscara que ao

mesmo tempo ilumina e oculta a identidade

do poeta:

Quando nasci, um anjo torto

desses que vivem na sombra

disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

“Poema de sete faces”

10

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 10 04/07/11 16:39

Page 13: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

De cacos, de buracos

de hiatos e de vácuos

de elipses, psius

faz-se, desfaz-se, faz-se

uma incorpórea face,

resumo de existido.

“(In) Memória”. Drummond,

Boitempo

A palavra gauche é francesa e significa “es-

querdo”. No poema, leva a pensar em

deslocado

desajeitado

estranho

esquisito

fora do eixo

e, aliada a “um anjo torto”, “desses que vivem

na sombra”, articula a gênese do escritor: co-

locar-se como diferente, perceber-se diferente

e, de um ângulo inusitado, possibilitar variadas

visões.

Foto de família. Drummond aos 8 anos | Arquivo Carlos Drummond de Andrade - AMLB/FCRB

11

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 11 04/07/11 16:39

Page 14: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

Eu passava na Avenida quase meia-noite.

Foi no Rio

Foi no Rio

Havia a promessa do mar

Foi no RioFoi no R

io

Foi no Rio

Foi no Rio

Foi no Rio

Foi no Rio

Foi no Rio

Foi no Rio

voluptuosidade errante do calo

mil presentes da vida aos hom

ens indiferentes,

Bicos de seio batiam nos bicos de luz estrelas inumeráveis.

O mar batia em meu peito, já não batia no cais.

abafando o calor

e bondes tilintavam,

que soprava no vento

A rua acabou, quede as árvores? a cidade sou eu

autos abertos correndo caminho do mar

autos abertos correndo caminho do m

ar

meu coração bateu forte, m

eus olhos inúteis choraram.

que meu coração bateu forte, m

eus olhos inúteis choraram.

que meu coração bateu forte, meus olhos inúteis choraram.

que meu coração bateu forte, m

eus olhos inúteis choraram.

O grande pão de mel suspenso entre mar e céu

insinua os prazeres da cidade.

A boca, o paladar,

a trama dos sentidos serpenteia lá em

baixo. O sol nascente

serpenteia lá embaixo. O

sol nascente

serpenteia lá embaixo. O

sol nascente

e o sol cadente vestem de púrpura

a forma rígida. N

uvens ciganas

a forma rígida. N

uvens ciganas

ITABIRA

BELOHORIZONTE

ao descer,

ao descer,

volto de mãos vazias para casa.

Consciência mais leve do que asa

faz-se, desfaz-se, faz-se

uma incorpórea face

de hiatos e de vácuos

de elipses, psius

ei, pessoal: furtar jabuticaba.

Jabuticaba chupa-se no pé.

A�nal,

A�nal,

A�nal,

que é andrade? Andrade é árvore

hermafroditas

Mas que dizer do poeta

igarapé ribeirão rio corredeira

andrade é morro

povoado

povoado

povoado

ilha

numa prova escolar?

Que ele é meio pateta

e não sabe rimar?

autos abertos correndo caminho do mar

uma pedra e, estacando,

uma pedra e, estacando,

uma pedra e, estacando,

Muito riso escarninho

Muito riso escarninho

o foi logo cercando?

Atrás do grupo-escolar �cam

as jabuticabeiras.

Atrás do grupo-escolar �cam

as jabuticabeiras.

Atrás do grupo-escolar �cam as jabuticabeiras.

Estudar, a gente estuda. Mas depois,

Estudar, a gente estuda. Mas depois,

Na cidade toda de ferro

Na cidade toda de ferro

De cacos, de buracos

resumo de existido.

O furto exaure-se no ato de furtar.

Cada um de nós tem seu pedaço

As ferraduras batem

como sinos.

As ferraduras batem como sinos.

no pico do Cauê.

Mas as coisas �ndas,

Consciência mais leve do que asa

Mas as coisas �ndas,

Mas as coisas �ndas,

muito mais que lindas,

muito mais que lindas,

tornam-se insensíveis

à palma da m

ão.

apelo do não.

apelo do não.

apelo do não.

apelo do não.

apelo do não.

abafando o calor

apelo do não.

apelo do não.

apelo do não.

As coisas tangíveis

As coisas tangíveis

As coisas tangíveis

de folhas alternas �ores pálidas

Nada pode o olvido

contra o sem sentido

deixa confundido

este coração

este coraçãoeste coração

este coração

este coração

este coração

Tem as cores da vida e o sigilo da sombra.

Am

ar o perdido

A cada hora, desintegra-se, recom

põe-se,

assume formas inéditas de transparência.

meu amor.

meu am

or.

deixa confundido

deixa confundido

meu amor.

meu amor.

meu amor.

meu amor.

a cidade sou eu

sou eu a cidade

sou eu a cidade

O grande pão de mel suspenso entre mar e céu

É montanha ou aparição crepuscular.

essas �carão.A

s coisas tangíveis

As coisas tangíveis

essas �carão.

essas �carão.

Eu passava na Avenida quase meia-noite.

Foi no Rio

Foi no Rio

Havia a promessa do mar

Foi no RioFoi no R

io

Foi no Rio

Foi no Rio

Foi no Rio

Foi no Rio

Foi no Rio

Foi no Rio

voluptuosidade errante do calo

mil presentes da vida aos hom

ens indiferentes,

Bicos de seio batiam nos bicos de luz estrelas inumeráveis.

O mar batia em meu peito, já não batia no cais.

abafando o calor

e bondes tilintavam,

que soprava no vento

A rua acabou, quede as árvores? a cidade sou eu

autos abertos correndo caminho do mar

autos abertos correndo caminho do m

ar

meu coração bateu forte, m

eus olhos inúteis choraram.

que meu coração bateu forte, m

eus olhos inúteis choraram.

que meu coração bateu forte, meus olhos inúteis choraram.

que meu coração bateu forte, m

eus olhos inúteis choraram.

O grande pão de mel suspenso entre mar e céu

insinua os prazeres da cidade.

A boca, o paladar,

a trama dos sentidos serpenteia lá em

baixo. O sol nascente

serpenteia lá embaixo. O

sol nascente

serpenteia lá embaixo. O

sol nascente

e o sol cadente vestem de púrpura

a forma rígida. N

uvens ciganas

a forma rígida. N

uvens ciganas

brincam de subtraí-la.

ITABIRA

BELOHORIZONTE

RIO DEJANEIRO

ao descer,

ao descer,

volto de mãos vazias para casa.

Consciência mais leve do que asa

faz-se, desfaz-se, faz-se

uma incorpórea face

de hiatos e de vácuos

de elipses, psius

ei, pessoal: furtar jabuticaba.

Jabuticaba chupa-se no pé.

A�nal,

A�nal,A

�nal,

que é andrade? Andrade é árvore

hermafroditas

Mas que dizer do poeta

igarapé ribeirão rio corredeira

andrade é morro

povoado

povoado

povoado

ilha

numa prova escolar?

Que ele é meio pateta

e não sabe rimar?

autos abertos correndo caminho do mar

uma pedra e, estacando,

uma pedra e, estacando,

uma pedra e, estacando,

Muito riso escarninho

Muito riso escarninho

o foi logo cercando?

Atrás do grupo-escolar �cam

as jabuticabeiras.

Atrás do grupo-escolar �cam

as jabuticabeiras.

Atrás do grupo-escolar �cam as jabuticabeiras.

Estudar, a gente estuda. Mas depois,

Estudar, a gente estuda. Mas depois,

Na cidade toda de ferro

Na cidade toda de ferro

De cacos, de buracos

resumo de existido.

O furto exaure-se no ato de furtar.

Cada um de nós tem seu pedaço

As ferraduras batem

como sinos.

As ferraduras batem como sinos.

no pico do Cauê.

Mas as coisas �ndas,

Consciência mais leve do que asa

Mas as coisas �ndas,

Mas as coisas �ndas,

muito mais que lindas,

muito mais que lindas,

tornam-se insensíveis

à palma da m

ão.

apelo do não.

apelo do não.

apelo do não.

apelo do não.

apelo do não.

abafando o calor

apelo do não.

apelo do não.

apelo do não.

As coisas tangíveis

As coisas tangíveis

As coisas tangíveis

de folhas alternas �ores pálidas

Nada pode o olvido

contra o sem sentido

deixa confundido

este coração

este coraçãoeste coração

este coração

este coração

este coração

Tem as cores da vida e o sigilo da sombra.

Am

ar o perdido

A cada hora, desintegra-se, recom

põe-se,

assume formas inéditas de transparência.

meu amor.

meu am

or.

deixa confundido

deixa confundido

meu amor.

meu amor.

meu amor.

meu amor.

a cidade sou eu

sou eu a cidade

sou eu a cidade

sou eu a cidade

O grande pão de mel suspenso entre mar e céu

É montanha ou aparição crepuscular.

essas �carão.

essas �carão.

As coisas tangíveis

As coisas tangíveis

essas �carão.

hermafroditas

Eu passava na Avenida quase meia-noite.

Foi no Rio

Foi no Rio

Havia a promessa do mar

Foi no RioFoi no R

io

Foi no Rio

Foi no Rio

Foi no Rio

Foi no Rio

Foi no Rio

Foi no Rio

voluptuosidade errante do calo

mil presentes da vida aos hom

ens indiferentes,

Bicos de seio batiam nos bicos de luz estrelas inumeráveis.

O mar batia em meu peito, já não batia no cais.

abafando o calor

e bondes tilintavam,

que soprava no vento

A rua acabou, quede as árvores? a cidade sou eu

autos abertos correndo caminho do mar

autos abertos correndo caminho do m

ar

meu coração bateu forte, m

eus olhos inúteis choraram.

que meu coração bateu forte, m

eus olhos inúteis choraram.

que meu coração bateu forte, meus olhos inúteis choraram.

que meu coração bateu forte, m

eus olhos inúteis choraram.

O grande pão de mel suspenso entre mar e céu

insinua os prazeres da cidade.

A boca, o paladar,

a trama dos sentidos serpenteia lá em

baixo. O sol nascente

serpenteia lá embaixo. O

sol nascente

serpenteia lá embaixo. O

sol nascente

e o sol cadente vestem de púrpura

a forma rígida. N

uvens ciganas

a forma rígida. N

uvens ciganas

brincam de subtraí-la.

ITABIRA

BELOHORIZONTE

RIO DEJANEIRO

ao descer,

ao descer,

volto de mãos vazias para casa.

Consciência mais leve do que asa

faz-se, desfaz-se, faz-se

uma incorpórea face

de hiatos e de vácuos

de elipses, psius

ei, pessoal: furtar jabuticaba.

Jabuticaba chupa-se no pé.

A�nal,

A�nal,

A�nal,

que é andrade? Andrade é árvore

hermafroditas

Mas que dizer do poeta

igarapé ribeirão rio corredeira

andrade é morro

povoado

povoado

povoado

ilha

numa prova escolar?

Que ele é meio pateta

e não sabe rimar?

autos abertos correndo caminho do mar

uma pedra e, estacando,

uma pedra e, estacando,

uma pedra e, estacando,

Muito riso escarninho

Muito riso escarninho

o foi logo cercando?

Atrás do grupo-escolar �cam

as jabuticabeiras.

Atrás do grupo-escolar �cam

as jabuticabeiras.

Atrás do grupo-escolar �cam as jabuticabeiras.

Estudar, a gente estuda. Mas depois,

Estudar, a gente estuda. Mas depois,

Na cidade toda de ferro

Na cidade toda de ferro

De cacos, de buracos

resumo de existido.

O furto exaure-se no ato de furtar.

Cada um de nós tem seu pedaço

As ferraduras batem

como sinos.

As ferraduras batem como sinos.

no pico do Cauê.

Mas as coisas �ndas,

Consciência mais leve do que asa

Mas as coisas �ndas,

Mas as coisas �ndas,

muito mais que lindas,

muito mais que lindas,

tornam-se insensíveis

à palma da m

ão.

apelo do não.

apelo do não.

apelo do não.

apelo do não.

apelo do não.

abafando o calor

apelo do não.

apelo do não.

apelo do não.

As coisas tangíveis

As coisas tangíveis

As coisas tangíveis

de folhas alternas �ores pálidas

Nada pode o olvido

contra o sem sentido

deixa confundido

este coração

este coraçãoeste coração

este coração

este coração

este coração

Tem as cores da vida e o sigilo da sombra.

Am

ar o perdido

A cada hora, desintegra-se, recom

põe-se,

assume formas inéditas de transparência.

meu amor.

meu am

or.

deixa confundido

deixa confundido

meu amor.

meu amor.

meu amor.

meu amor.

a cidade sou eu

sou eu a cidade

sou eu a cidade

sou eu a cidade

O grande pão de mel suspenso entre mar e céu

É montanha ou aparição crepuscular.

essas �carão.

essas �carão.

As coisas tangíveis

As coisas tangíveis

essas �carão.

hermafroditas

Assim como Drummond, faça você também o trajeto de Itabira até o Rio de Janeiro, sem deixar de passar antes por Belo Horizonte.

Elucidação do labirinto| Veja pág. 100

LABIRINTO

12

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 12 04/07/11 16:39

Page 15: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

leituras de infânCia e juVentude

O livro Carlos Magno e os doze pares de França circulou no Brasil, no século XIX, e deixou marcas em nossa literatura popular. O folclorista e pesquisador cultural Luís da Câmara Cascudo o apon-tou como um dos livros mais populares do Brasil. É um livro do povo, mesmo, que motivou muitas reescrituras, principalmente na literatura de cordel, e aparece em festas populares, como as cava-lhadas, que tomam por base torneios medievais e batalhas entre cristãos e mouros.

Carlos Drummond de Andrade afirma: “li a História de Carlos Magno e dos Doze Pares de França, em edição de capa vermelha da Livraria Garnier, que percorria o Brasil de Sul a Norte, e me lem-bro que não me interessou muito. Os heróis de espavento nunca foram o meu fraco.”

“Leituras de garoto”, Tempo, vida, poesia.

O ENCANTO DA ILHA, OU Robinson CRusoé, DE DANIEL DEFOE

O livro do escritor inglês data de 1719 e sua trama continua cati-vando leitores. A história do náufrago que chega a uma ilha e deve, pouco a pouco, criar nela condições de vida reveste-se de interesse, atraindo a atenção para como se pode sobreviver. A grande aventu-ra da obra é a da própria sobrevivência: como se alimentar, como se vestir, como se abrigar, à custa de engenho e trabalho. E Robinson é um solitário, embora a ele se junte, mais tarde, seu companheiro Sexta-feira. A experiência de Carlos Drummond de Andrade, me-nino tímido e provinciano, filho de fazendeiro, se soma à extraor-dinária aventura marítima vivida em tempos antigos pelo náufrago Robinson Crusoé. As duas dão forma a um campo de ação, que, a partir da obra Sentimento de mundo até Novos poemas, será povoado de maneira notável pela poesia.

13

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 13 04/07/11 16:39

Page 16: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

LEITURAS DA MENINICEDrummond rememora, em crônica:

A primeira reminiscência de sentido literá-rio, que me acode, não é propriamente de um texto de literatura, em verso ou prosa, mas de um personagem de romance. Não do romance em si, mas da figura projetada por ele. Porque o texto não era bem texto, era uma coleção de legendas a uma coleção de figuras, na versão infantil do Robinson Crusoé, de Defoe, na revista O Tico-Tico, publicação da maior importância na formação intelectual das crianças do começo deste século. Creio que lhe devo minha primeira emoção literária, pois quando Robinson conseguiu se mandar da ilha, senti um nó na garganta: eu queria que ele continuasse lá o resto da vida, solitário e dominador... Emoção produzida por uma per-sonagem literária, um mito.

— Mas você é o tipo de caramujo, puxa! Ainda fedelho, e já sonhava com ilhas desertas.

— Não era bem a solidão da ilha que me en-cantava no Robinson, era talvez, inconscien-temente, a sugestão poética.

Páginas dos fascículos As aventuras de Robinson Crusoé, em O Tico-Tico | Lucia Loeb/Biblioteca José e Guita Mindlin

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 14 04/07/11 16:39

Page 17: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

E enfatiza no poema “Infância”, de Alguma poesia:

Meu pai montava a cavalo, ia para o campo.Minha mãe ficava sentada cosendo.Meu irmão pequeno dormia. Eu sozinho menino entre mangueiras lia a comprida história de Robinson Crusoé,Comprida história que não acaba mais.

Para concluir:

E eu que não sabia que minha históriaEra mais bonita que a de Robinson Crusoé.

Capa dos fascículos As aventuras de Robinson Crusoé, em O Tico-Tico | Lucia Loeb/Biblioteca José e Guita Mindlin

15

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 15 04/07/11 16:39

Page 18: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

O Tico-Tico era a única revista dedicada às crianças brasileiras e lhes dava tudo: histórias, adivinhações, prêmios de dez mil réis, lições de coisas, páginas de armar e principalmente de aventuras.

Carlos Drummond de Andrade

Revista O Tico-Tico, 1941 | Lucia Loeb/Biblioteca José e Guita Mindlin

Uma das leituras de Drummond na in-fância foi a revista O Tico-Tico, que circulou no Brasil de 1905 a 1977. Era um periódico para crianças, inspirado em um suplemento jornalístico lançado em 1905 na França, por Henri Gautier, intitulado La Semaine de Su-zette, e destinado a meninas de 8 a 14 anos. A publicação brasileira não se restringia às me-ninas — tinha, entre seus leitores, crianças e adultos de ambos os sexos.

Obras traduzidas e adaptadas para a revis-ta: As aventuras de Tom Sawyer, A ilha do te-souro, Dom Quixote, Robinson Crusoé.

Personagens famosos em O Tico-Tico:

Reco-Reco, Bolão e Azeitonarevista o tico-tico

16

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 16 04/07/11 16:39

Page 19: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

Livro histórico sobre o centenário de O Tico-Tico, 2005 | Lucia Loeb/Biblioteca José e Guita Mindlin

Almanaque O Tico-Tico, 1958 | Lucia Loeb/Biblioteca José e Guita Mindlin

Seções da revista: histórias infanto-juvenis, cartas dos leitores com fotos e desenhos, curiosida-des, adivinhas, informações científicas, artísticas, cívicas etc.

17

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 17 04/07/11 16:39

Page 20: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

escrever para crianças?

O público infantil conhece as crônicas drummondianas especial-mente por meio dos livros didáticos. O poeta, entretanto, resistia, quando questionado sobre se fazia literatura infantil.

O gênero Literatura Infantil tem a meu ver existência duvidosa. Ha-verá música infantil? Pintura infantil? A partir de que ponto uma obra literária deixa de ser alimento para a alma de uma criança ou um jovem e se dirige ao espírito do adulto? Qual o bom livro para crianças que não seja lido com interesse pelo homem feito? [...] Observados alguns cuida-dos de linguagem e decência, a distinção preconceituosa se desfaz. Será a criança um ser à parte? Ou será a Literatura Infantil algo de mutilado, de reduzido, de desvitalizado — porque coisa primária, fabricada na persu-asão de que a imitação da infância é a própria infância?

Drummond, Confissões de Minas

Andersen [...] talvez seja leitura mais para homens do que para meninos: estes têm o maravilhoso em si, [...] enquanto aqueles fabricam o maravi-lhoso, já não acreditam nele, e têm de refugiar-se nas mais ingênuas ficções.

Drummond, “O velho Andersen” – 5 de abril de 1955

História de dois amores, 1985| Marcella Azal/Arquivo Carlos Drummond

de Andrade - AMLB/FCRB

O Elefante, 1983| Marcella Azal/Arquivo Carlos Drummond

de Andrade - AMLB/FCRB

18

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 18 04/07/11 16:39

Page 21: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

escrever para crianças?

Carlos Drummond de Andrade inicia seus estudos oficialmente em 1910, com pouco mais de sete anos — ingressa no Grupo Escolar Doutor Carvalho Brito onde inicia seu curso primário.

Alunos do Grupo Escolar Doutor Carvalho Brito | Secretaria de Turismo de Itabira/Museu de Itabira

aluno: Carlos drummond de andrade

19

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 19 04/07/11 16:39

Page 22: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

“Aula de francês de Mestre Emílio. Itabira, 191... “ Legenda de Drummond | Arquivo Carlos Drummond de

Andrade - AMLB/FCRB

Colégio Arnaldo, em Belo Horizonte | Arquivo Público Mineiro

20

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 20 04/07/11 16:39

Page 23: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

Em 1916, torna-se aluno do Colégio Arnaldo, em Belo Horizonte.Em 1918, ingressa, como aluno interno, no Colégio Anchieta, em Nova Friburgo (RJ), escola fun-

dada por padres jesuítas italianos no ano de 1886. Curiosamente, é no ano — 1918 — que Drummond tem seu primeiro poema publicado pelo irmão

Altivo no único número do jornalzinho Maio. O poeta tinha 15 anos então e utilizou o pseudônimo WIMPL.

Em 1919, o poeta é expulso dessa escola por “insubordinação mental”, depois de um incidente com o professor de Português.

Em 1923, ingressa na Escola de Odontologia e Farmácia de Belo Horizonte, curso que conclui ao final do ano de 1925.

FRUTA-FURTO

Atrás do grupo-escolar ficam as jabuticabeiras.Estudar, a gente estuda. Mas depois, ei pessoal: furtar jabuticaba.

Jabuticaba chupa-se no pé.O furto exaure-se no ato de furtar.Consciência mais leve do que asa ao descer,volto de mãos vazias para casa.

Drummond, Boitempo

ONDA

Uma onda veio, mansamente, espreguiçar-se na praia, numa carícia dolente... Parecia o corpo de uma mulher... Era imensamente triste. Foi rolando sobre a areia, rolando... Perto havia uma árvore onde folhas secas punham olheiras... A onda beijou-a longamente, num beijo de gaze, de espumas. A árvore, então, derramou duas lágrimas verdes que a onda levou...

Reproduzido por José Condé em “Confidências do itabirano”, Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 05 set. 1948. Segunda seção, p. 8

21

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 21 04/07/11 16:39

Page 24: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

Colégio Anchieta, Nova Friburgo | Manoel Santana

Boletim do aluno Carlos Drummond de Andrade | Arquivo Carlos Drummond de Andrade - AMLB/FCRB

Drummond formado em odontologia | Arquivo Carlos Drummond de Andrade - AMLB/FCRB

22

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 22 04/07/11 16:39

Page 25: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

Carlos Drummond de Andrade casou-se, em 1925, com Dolores Dutra de Moraes, com quem teve dois fi lhos: Carlos Flávio, em março de 1927, falecido meia hora depois de nas-cer; e Maria Julieta, nascida em 4 de março de 1928. A fi lha se tornaria, nas palavras do poeta, a pessoa a quem mais amou na vida, grande companheira, inclusive na carreira literária.

Dedicamos este espaço a você, leitor, para que aqui sejam regis-trados acontecimentos da sua história, à moda de Drummond.

CrÔniCa da Vida

Dolores e Drummond

| Arquivo Carlos Drummond de Andrade - AMLB/FCRB

Maria Julieta e Drummond| Arquivo Carlos Drummond de Andrade - AMLB/FCRB

23

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 23 04/07/11 16:39

Page 26: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

“itabira é apenas um retrato na parede...”

Em muitos dos seus escritos, Drummond faz referências às suas origens itabiranas:

AMÉRICA

[...]Uma rua começa em Itabira, que vai dar no meu coração. Nessa rua passam meus pais, meus tios, a preta que me criou. Passa também uma escola — o mapa —, o mundo de todas as cores. Sei que há países roxos, ilhas brancas, promontórios azuis. A terra é mais colorida do que redonda, os nomes gravam-se em amarelo, em vermelho, em preto, no fundo cinza da infância. América, muitas vezes viajei nas tuas tintas. Sempre me perdia, não era fácil voltar. O navio estava na sala. Como rodava!  [...]As cores foram murchando, ficou apenas o tom escuro, no mundo escuro. Uma rua começa em Itabira, que vai dar em qualquer ponto da terra. Nessa rua passam chineses, índios, negros, mexicanos, turcos, uruguaios. Seus passos urgentes ressoam na pedra, ressoam em mim. Pisado por todos, como sorrir, pedir que sejam felizes? Sou apenas uma rua na cidadezinha de Minas humilde caminho da América.

[...]

Drummond, A rosa do povo24

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 24 04/07/11 16:39

Page 27: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

“itabira é apenas um retrato na parede...”

Imagem atual de Itabira | Iugo Koyama/Editora Abril/Conteúdo Expresso

Vista parcial de Itabira | Secretaria de Turismo de Itabira/Museu de Itabira

A presença de Drummond na Itabira atual: Nome de rua, da Fundação Cultural da Cidade entre outras referências.Hoje, os habitantes se referem a Itabira como a Cidade da Poesia.

A presença de Itabira na obra de Drummond: A cidade é um motivo recorrente na obra do autor — a cidadezinha de

ferro que se confundirá, a partir do livro Sentimento do mundo, com o caráter seco e mineral do poeta, infenso ao que na vida é porosidade e comunicação.

25

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 25 04/07/11 16:39

Page 28: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

Litografi a antiga de Itabira| Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais - FAPEMIG

O nome “Itabira” tem sua origem na língua tupi, tendo como signifi cado “árvore de pedra” ou “pedra que brilha”, (ita=pedra e bira=árvore, que brilha).

No dia 9 de outubro de 1848, através da Lei Provincial nº 374, a Vila de Itabira do Mato Dentro foi elevada à categoria de ci-dade.

ita pedra luzente pedra empinada pedra pontuda pedra falante pedra pesante por toda a vida

biracandeia secasono em decúbitotempo e desgastesem confi dênciapaina de ferroviva vivida

pedramais nada

Drummond, Boitempo

PEDRA NATAL

ITABIRA26

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 26 04/07/11 16:39

Page 29: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

ENTRADA - ADA + E +S

- CO + MU

- VELOPE+ TRE

- A + EIRAS

- ETA+ TAR.

- BO+ AR

- AS

- SO + I

- NTE+VAGAR.

UM

UM

- IMBO+ ORRO

- CA + I

DEV + - ULHA+AR.

- VA + M

- ACO + RO - RAL

+ I

DEVAGAR...- ´ Z+ S

- SSOURA + GAR.+ DE

+ S - O + AM.

- OURO + TA

- OLÃO- DA

ETA...

Drummond

- ÃO+ EU

- Z+ US.

- SUPER

- A+ EIRAS

Elucidação da Carta enigmatica| Veja pág. 100

CARTA ENIGMATICA

27

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 27 04/07/11 16:39

Page 30: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

itabira, Cauê e ferro

Cada um de nós tem seu pedaço no pico do Cauê.Na cidade toda de ferroas ferraduras batem como sinos.

”Itabira” (série Lanterna mágica). Drummond, Alguma poesia

O PICO DO CAUêO pico do Cauê era uma formação geológica elevada, um mor-

ro, que tinha, em sua composição rochosa, alto grau ferrífero. Essa característica é comum a toda a área do Quadrilátero Ferrífero de Minas Gerais denominada Formação Cauê. O pico foi inteiramente demolido pela mineração da Vale (antiga Cia. Vale do Rio Doce — CVRD). Em seu lugar, resta uma cratera, onde existiu o pico. Pro-cesso idêntico ocorreu também com o Morro da Conceição, outra referência da cidade — que vive sérios problemas socioambientais por causa da indústria extrativa a céu aberto em sua região urbana, que se estende por uma área de aproximadamente 15 quilômetros.

O pico do Cauê é uma forte referência simbólica, constitutiva da iden-tidade da cidade. Mas o alcance das operações de Cauê é também inter-nacional. A história do complexo minerador de Itabira é diretamente relacionada ao Japão. A modernização das minas e da ferrovia Vitória — Minas, além da construção do porto de Tubarão, foram viabilizadas pelas exportações de minério resultantes dos acordos Brasil (através da CVRD) — Japão.

Nelson Brissac et al

Se a vida passasse depressa, a estrada de ferro já teria posto os seus tri-lhos na orla da cidade; à sombra do Cauê, uma usina imensa reuniria dez mil operários, congregados em cinquenta sindicatos, e alguma coisa como Detroit, Chicago, substituiria o ingênuo traçado das ruas do Corte, do Bongue, dos Monjolos. Mas para que tanta pressa? Tudo virá a seu tempo, e se não fora agora, como não foi em 1898, quando o padre Júlio Engrácia dizia ironicamente que ‘depois que pelos diversos estudos ficou a esperança que passará na cidade uma via férrea, tem havido animação em construir: ao menos houve esta vantagem’ — algum dia há de ser, e tudo estará bem.

Drummond, “Vila de Utopia”, Confissões de Minas

Imagem do poeta-cronista com área do Cauê minerada ao fundo

| Rogério Reis/Pulsar Imagens

28

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 28 04/07/11 16:39

Page 31: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

O pico do Cauê na paisagem de Itabira e nas paisagens drummondianas | Secretaria de Turismo de Itabira/Museu de Itabira

O pico do Cauê já não se alteia Mas no coração da gente ele resiste

Drummond, José & Outros

29

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 29 04/07/11 16:39

Page 32: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

O poeta-cronista lamentou, em muitas situações, a total demolição do pico do Cauê.

Não sou Napoleão, mas tenho de subir à pedra do Arpoador para divisar, nas nuvens, qualquer coisa parecida com as montanhas de Minas. Fernando, diretor, acha que a cena será de grande efeito. Mas não é fácil ver o pico do Cauê, já demolido na realidade, erguer-se sobranceiro no céu.

Drummond, O observador no escritório

O pico do Cauê está presente nas imagens de Itabira construídas pelo escritor. Temos, nelas, o con-fi namento geográfi co por causa das montanhas, o destino duro do ferro, mas, também, a solidez e a força da pedra. Há, ainda, além disso, e especialmente em Boitempo, textos a respeito do abismo entre a eternidade que a montanha fazia vislumbrar e a destruição depois realizada com o avanço da indústria sobre a paisagem.

A MONTANHA PULVERIZADA

Chego à sacada e vejo a minha serra,a serra de meu pai e meu avô,de todos os Andrades que passarame passarão, a serra que não passa.

[...]Esta manhã acordo enão a encontro.Britada em bilhões de lascasdeslizando em correia transportadoraentupindo 150 vagõesno trem-monstro de 5 locomotivas— o trem maior do mundo, tomem nota —foge minha serra, vaideixando no meu corpo e na paisagemmísero pó de ferro, e este não passa.

Drummond, Boitempo

a transformação da paisagem

30

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 30 04/07/11 16:39

Page 33: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

Alguns anos vivi em Itabira.Principalmente nasci em Itabira.Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro.Noventa por cento de ferro nas calçadas.Oitenta por cento de ferro nas almas.E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação.

Drummond, Sentimento do Mundo

E você? Tem o ferro presente em seu cotidiano? Quanto de ferro está encarnado em você?

O ferro moldou Itabira e seus habitantes, a experiência humana de homens, mulheres e crianças das serras mineiras.

Há, em sua região, uma riqueza tão forte que marque a vida dos seus conterrâneos? Descreva-a e represente-a, fotografe e monte suas memórias a respeito.

Em “Confi dência do itabirano”, o escritor também faz referência ao ferro, elemento presente na sua memória e na vida, nas paisagens que espelham um modo de progresso tecnológico, científi co e cul-tural.

31

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 31 04/07/11 16:39

Page 34: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

perCurso de Vida, no brasil

SÃO PAULO

SÃO PAULO

MINAS GERAIS

BELO HORIZONTE

RIO DE JANEIRO

ITABIRA ESPÍRITO SANTO

RIO DE JANEIRO

NOVA FRIBURGO

VITÓRIA

MEMÓRIA

Amar o perdidodeixa confundidoeste coração.

Nada pode o olvidocontra o sem sentidoapelo do não.

As coisas tangíveistornam-se insensíveisà palma da mão.

Mas as coisas fi ndas,muito mais que lindas,essas fi carão.

Drummond, Claro enigma

Carta Portulano | O Tesouro dos Mapas

A Cartografi a na Formação do Brasil /

Banco Santos

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 32 04/07/11 16:39

Page 35: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

SÃO PAULO

SÃO PAULO

MINAS GERAIS

BELO HORIZONTE

RIO DE JANEIRO

ITABIRA ESPÍRITO SANTO

RIO DE JANEIRO

NOVA FRIBURGO

VITÓRIA

O escritor faz esse percurso em dois momentos: a pri-meira vez em 1916 para o Colégio Arnaldo e, em 1920, com a família.

Retorna, mais de uma vez, a Itabira. Primeiro, quando recebe aulas particulares antes de mudar-se para Nova Friburgo. Em outro momento, ao ser professor e, depois, quando tenta a vida na fazenda, por breves períodos.

Muda-se como aluno do Colégio Anchieta, Nova Fri-burgo 1918–1919, de onde volta após expulsão por “in-subordinação mental”.

Muda-se para o Rio de Janeiro em 1934, onde vive até sua morte, em 1987.

33

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 33 04/07/11 16:39

Page 36: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

belo horizonte

Em 1916, Drummond tem 14 anos. Nesse ano, estuda em Belo Horizonte, no Colégio Arnaldo, da Congregação do Verbo Divino. Em 1919, muda-se com a família para a capital de Minas Gerais. Nela, vive até 1926, quando, já casado, regressa a Itabira para tentar a vida de fazendeiro. Em menos de um ano, regressaria a Belo Ho-rizonte, onde fica até 1934, quando se muda para o Rio de Janeiro.

A cidade é símbolo de modernidade, cidade-capital planejada, ar-quitetada segundo o ideário moderno.

Quando chegamos ao colégio, em 1916, a cidade teria apenas cinquenta mil habitantes, com uma confeitaria na rua principal, e outra na avenida que cortava essa rua. Alguns cafés completavam o equipamento urbano em matéria de casas públicas de consumação e conversa, não falando no espantoso número de botequins, consolo de pobre. As ruas do centro eram ocupadas pelo comércio de armarinho, ainda na forma tradicional do salão dividido em dois: fregueses de um lado, dono e caixeiros de outro; alfaiates, joalherias de uma só porta, agências de loteria que eram ao mesmo tempo pontos de venda de jornais do Rio e ostentavam cadeiras de engraxate. Um comércio miúdo, para a clientela de funcionários estaduais, estudantes, gente do interior que vinha visitar a capital e com pouco se deslumbrava.

Drummond, O sorvete

Vista parcial da rua da Bahia no cru-zamento com avenida Afonso Pena. Em segundo plano, a esquerda vê-se o edifício do Bar do Ponto. Este edifí-cio abrigou o Congresso Provisório da Cidade, no inicio do século XX e, pos-teriormente, estabelecimentos comer-ciais. O Bar do Ponto tem esse nome porque ficava em frente ao ponto ini-cial e final dos bondes que percorriam a cidade| Acervo do Museu Histórico Abílio Barreto

34

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 34 04/07/11 16:39

Page 37: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

A vida literária na Belo Horizonte dos anos 1920 se forma na rua da Bahia, no coração da cidade, onde a rapaziada se reúne, com sonhos de mudança e atitude vanguardista. Na rua, destaca-se o Bar do Ponto, referenciado pelo poeta e por seus compa-nheiros de geração, imortalizado em seus escritos. Uma literatura moderna é pensada na esquina da rua Bahia com Afonso Pena, pelo grupo de in-telectuais formado por Abgar Renault, Aníbal Machado, Emílio Moura, João Alphonsus, Pedro Nava e Carlos Drummond de Andrade.

As paisagens de Belo Horizonte hoje são outras. Pouco restou dos prédios e locais pelos quais o po-eta passava nos anos 1920.

A Livraria Alves, outro ponto de encontro do grupo modernista, já não existe mais. Situava-se na rua da Bahia, 1055.

LIVRARIA ALVES

Primeira livraria, rua da Bahia.A carne de Jesus, por Almáquio Diniz(não leiam! obra excomungada pela Igreja)rutila no aquário da vitrina.Terror visual na tarde de domingo.

Volto para o colégio. O título sacrílegorelampeja na consciência.Livraria, lugar de danação,lugar de descoberta.

Um dia, quando? Vou entrar naquela casa,vou comprarum livro mais terrível que o de Almáquioe nele me perder –– e me encontrar.

Drummond, Boitempo

Imagem atual da rua Bahia | Fernando Goes

35

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 35 04/07/11 16:39

Page 38: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

Drummond passeia pelas ruas de Belo Horizonte nos anos 1920 | Arquivo Carlos Drummond de Andrade - AMLB/FCRB

36

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 36 04/07/11 16:39

Page 39: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

Vista aérea de Belo Horizonte | Acervo do Museu Histórico Abílio Barreto

Sua mudança para Belo Horizonte deu-se em 1919, tendo morado em diversas pensões, no Hotel Avenida, no Internacional e na rua Silva Jardim, nos números 117 e 127. Esta a casa que frequentei só, com Alberto Campos, com Emílio Moura, para visitar o poeta. Era uma simpática edificação, defronte à igreja da Floresta, pintada de óleo verde, com entrada central, escada de degraus de mármore dando no “diminuto alpendre” cujas paredes ostentavam, como era moda em Minas, afrescos (o do pescador que ornava o prédio do Carlos foi-se, conforme verifiquei em romaria de saudade feita com Ângelo Osvaldo a 16 de dezembro de 1976). Esse al-pendre dava para as portas de serventia do domicílio e à direita, para a do quarto independente habitado pelo poeta. Em cima deste quarto, telhado de duas águas fazendo chalé, simétrico ao do lado oposto do imóvel. Os dois ligados pela cobertura da parte central. Tudo isto desapareceu, sendo substituído pela desgraciosa laje de concreto que deu ao edifício, que era gentil, aspecto de caixote. Mas estão lá o mesmo portão de serralheria, os degraus de mármore, a porta onde entrávamos com vinte anos, para conversar sobre tudo que nos vinha à cabeça, para resolver os problemas da terra, planejar arrasamentos, redigir manifestos, delinear depredações, salvar o mundo mundo vasto mundo do poema do próprio maistre de céans. [...] Não posso esquecer certo dia de fossa (naquele tempo era mais bonito: dizia-se blues) em que o Carlos e eu não nos julgamos nem à altura da casa e que fomos debateblaterar sentados na terra frouxa e ciscada do galinheiro cheio de titica, de aragens finas e peninhas esvo-açando. [...] Nós tínhamos vontade de nos matar, de matar. Não sei se o Carlos lembra certo poema.

Merda de galinha sobre a nossa vida.Constantemente. Incessantemente.

Pedro Nava, Beira-Mar

37

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 37 04/07/11 16:39

Page 40: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

Em 1924, uma caravana modernista de São Paulo, que incluía Mário de Andrade, Oswald de Andrade, seu filho, Nonê, Tarsila do Amaral e o poeta franco-suíço Blaise Cendrars, aporta em Belo Ho-rizonte. Drummond e seus amigos Pedro Nava, Martins de Almei-da, João Alphonsus e Emílio Moura, todos jovens mineiros escri-tores que se iniciavam nas atividades literárias, acorrem ao Grande Hotel, onde estava hospedada a trupe paulistana.

Assim relata Drummond o episódio: “Uma tarde, em 1924, tive-mos notícia de que no Grande Hotel se hospedava uma caravana modernista de São Paulo. [...] Assistimos ao final de jantar (minei-ros e precavidos, já tínhamos jantado). Depois, saímos todos, rua da Bahia abaixo, em direção à avenida Afonso Pena. Conversa genera-lizada e alegre, com Oswald em sua natural desenvoltura, Cendrars expandindo sua curiosidade de francês interessado em tudo, prin-cipalmente em captar a cor local da vida mineira. No desenvolver desse multidiálogo sem rumo, foi-se logo revelando, para mim e meus companheiros, a personalidade de Mário. Mesmo brincando, ele inspirava uma confiança intelectual que Oswald, muito mais bri-lhante e imprevisto, seria incapaz de despertar.”

O encontro é de grande importância para os jovens, que iniciam assíduas correspondências com Mário de Andrade, as quais se esten-dem pelos próximos anos. Para os paulistas, a “viagem de descoberta do Brasil” significava injetar profundidade histórica à reflexão sobre a modernidade que o movimento modernista de 1922 encarnava. Para os mineiros, os paulistas vieram lhes fazer descobrir Minas, uma vez que eles só tinham olhos para a Europa. Para os paulistas, Minas lhes mostra o Brasil.

o modernismo

38

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 38 04/07/11 16:39

Page 41: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

o modernismo

Estrada de Ferro Central do Brasil, de Tarsila do Amaral, 1924

39

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 39 04/07/11 16:39

Page 42: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

Mário de Andrade em sua casa na rua Lopes Chaves. São Paulo, início da década de 1940 | Acervo Iconographia

Murilo Mendes, 1995 | Folhapress

alguns retratos de uma geração

Cândido Portinari, 1938 | Fundação Getulio Vargas - CPDOC

Oswald de Andrade, 1926 | Acervo Iconographia

40

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 40 04/07/11 16:39

Page 43: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

Antonio Candido, 1946 | Acervo Iconographia

Anita Malfatti, 1912 | Acervo Iconographia

Otto Maria Carpeaux, 1959 | Folhapress

Tarsila do Amaral e “Morro da favela”, 1925 | Acervo Iconographia 41

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 41 04/07/11 16:39

Page 44: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

Antes da publicação de seu primeiro livro de poemas, Alguma poesia, em 1930, Drummond publica vários dos po-emas que depois integrariam seu primeiro volume de poesias em revistas que desdobram a lição do modernismo de 1922.

Estética, Rio Janeiro, abril, 1925 | Lucia Loeb/Biblioteca José e Guita Mindlin

Revista do Brasil, Rio de Janeiro, dez. 1926 | Lucia Loeb/Biblioteca José e Guita Mindlin

Verde, Cataguazes-MG, 1927 | Lucia Loeb/Biblioteca José e Guita Mindlin

Capa da 1ª edição de Alguma poesia, 1930 | Lucia Loeb/Biblioteca José e Guita Mindlin

Ao lado: Revista de Antropofagia, São Paulo, julho, 1928 | Lucia Loeb/Biblioteca José e Guita Mindlin

42

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 42 04/07/11 16:39

Page 45: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

Estética, Rio Janeiro, abril, 1925 | Lucia Loeb/Biblioteca José e Guita Mindlin

Revista do Brasil, Rio de Janeiro, dez. 1926 | Lucia Loeb/Biblioteca José e Guita Mindlin

Verde, Cataguazes-MG, 1927 | Lucia Loeb/Biblioteca José e Guita Mindlin

Capa da 1ª edição de Alguma poesia, 1930 | Lucia Loeb/Biblioteca José e Guita Mindlin

Ao lado: Revista de Antropofagia, São Paulo, julho, 1928 | Lucia Loeb/Biblioteca José e Guita Mindlin

No meio do caminho tinha um poema que causou muito burburinho na vida literária brasileira, mesmo em tempos de ruptura de padrões modernistas.

Não se pode negar que, hoje, é o poema mais conhecido de Drummond.

“no meio do Caminho”

43

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 43 04/07/11 16:39

Page 46: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

Mário de Andrade, em carta a Drummond (1924 ou 1925): “O ‘No meio do caminho’ é formidável. É mais forte exemplo que conheço, mais bem frisado, mais psicológico de cansaço intelectual.”

Ainda Mário, em carta de 1926: “Acho isso formidável. Me irrita e me ilumina. É símbolo.”

Cyro dos Anjos, em Minas Gerais, 1930: “Nesse poema pode-se medir a força transmissora de sentimento na poesia moderna. Poema breve, sem nenhuma palavra bonita. Mas como se exprime nele com riqueza de cores, um drama interior e como se comunica toda a sua potencialidade emocional. Uma pedra no meio do caminho. O leitor também a teve, do contrário não compraria um livro de versos. E esse leitor é que pode avaliar a insistência daquela lembrança obsedante da pedra no meio do caminho.”

Henri, em Monitor Campista, 1943: “Também eu não compreendo, e creio que muita gente, a tal história da ‘pedra no caminho’. Diabo! Encontrei uma pedra no caminho, a pedra estava no caminho. Afinal de contas que é isso? Versos? Não. Não pode ser. Deve ser pilhéria do sr. Carlos Drummond. Decididamente é pilhéria.”

Flávio Brandt, em Diário de Notícias, 1944: “Antigamente as pedras serviam para serem atiradas nos maus poetas; hoje os versejadores modernistas as encontram pelo meio dos caminhos, desviam-se das mesmas para não tropeçarem e fazem um poema impresso para que

Charge retratando CDA, por Alvarus| Arquivo Carlos Drummond de Andrade -

AMLB/FCRB

“no meio do caminho” nas vozes da crítica:

Na página anterior, encontra-se o poema mais conhecido de Car-los Drummond de Andrade, “No meio do caminho”. O poema, es-crito ao final de 1924, foi publicado em julho de 1928, na Revista de Antropofagia, e provocou reações dos mais diversos tons por parte da crítica.

A Revista de Antropofagia circulou em 1928 e 1929, sob a respon-sabilidade de Oswald de Andrade e um grupo de amigos, tais como Antônio de Alcântara Machado e Raul Bopp. Sua concepção gráfica foi inovadora, e, aliada à retórica de ruptura, pretendia resgatar as matrizes brasileiras recalcadas, sem deixar de lado o progresso da contemporaneidade.

44

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 44 04/07/11 16:39

Page 47: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

o público saiba que o poeta viu uma pedra no meio do caminho, o que constitui para os vates das musas de elefantíases um fato inédito e um tema poético de rara beleza. Ou estou doido ou vocês estão errados.”

Oscar Queiroz, em Gazeta de Notícias, 1948: “O soneto é a mais in-teressante forma da poesia clássica, infinitamente acima das aviltantes tolices com as quais o bloco de pedra na cabeça e não no caminho como dizem por aí, de pedra na cabeça e na mão que apedreja o Belo, pretende desmoralizar e anular as nossas sagradas tradições artísticas, o que me parece caso de cadeia, porque não é justo nem admissível a impunidade de tão monstruosos crimes!”

Davi Arrigucci, em Coração partido, 2002: “O poemeto constitui, portanto, não só a pedra de escândalo modernista que marcou a inau-guração do universo poético de Drummond, pelo rebaixamento ines-perado, irônico e contundente da poesia ao terra-a-terra mais trivial, mas a meditação básica e simbólica do poeta sobre o ato criador, cujo caráter problemático vem aí expresso curto e grosso como um desaforo para quem podia esperar do poético só mistério e elevação.”

Caricatura de Augusto Rodrigues, 1943. O rei Vítor Manuel, da Itália, é a “pedra no caminho” dos aliados na Segunda Guerra Mundial| Augusto Rodrigues

“no meio do caminho” nas vozes da crítica:

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 45 04/07/11 16:39

Page 48: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

É com ironia que Carlos Drummond de Andrade con-clui sua “Autobiografi a para uma revista”: “[...] sou o autor confesso de certo poema, insignifi cante em si, mas que a partir de 1928 vem escandalizando meu tempo, e serve até hoje para dividir no Brasil as pessoas em duas categorias mentais.”

De tudo quanto foi meu passo caprichosona vida, restará, pois o resto se esfuma,uma pedra que havia em meio do caminho.

“Legado”. Drummond, Claro Enigma

Esta composição de Francisco Mignone foi apresentada em primeira audição na Escola Nacional de Música, pela cantora Nair Duarte Nunes, em agosto de 1938

| Arquivo Carlos Drummond de Andrade - AMLB/FCRB

e na voz do autor:DADOS BIOGRÁFICOS

Mas que dizer do poetanuma prova escolar?Que ele é meio patetae não sabe rimar?

[...]Que encontrou no caminhouma pedra e, estacando,muito riso escarninhoo foi logo cercando?

Drummond, Viola de bolso

46

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 46 04/07/11 16:39

Page 49: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

Versão hebraica do poema “No meio do caminho”, por Hamilton Nogueira, 1964

| Arquivo Carlos Drummond de Andrade - AMLB/FCRB

Crie a sua versão do poema de Carlos Drummond de Andrade.

um poema pelo mundo...

AZ ÚT KÖZEPÉN

Az út közepén volt egy köegy kö volt az út közepénvolt egy kö az út közepén egy kö volt.

Soha nem falejtem el ezt az eseménytamig csak fáradt retinám él.Soha nem falejtem, hogy az út közepénvolt egy köegy kö volt az út közepén az út közepén egy kö volt.

Em húngaro, por Paulo Rónai, 1930

47

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 47 04/07/11 16:39

Page 50: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

rio de janeiro

a casa de um itabirense muito carioca

Carlos Drummond de Andrade viveu a maior parte da sua vida no Rio de Janeiro, de 1934 a 1987, ou seja, 53 dos seus 85 anos. Por todo esse tempo, foi um observador atento dos hábitos e das mudanças que marcaram a vida da Cidade Maravilhosa. Viveu em Copacabana, passando por três endereços, e deu lugar a muitas referências ao Rio de Janeiro em suas crônicas e na poesia. De 1934 a 1941, viveu na rua Princesa Isabel, em uma casa de vila; depois, de 1941 a 1962, em uma casa na rua Joaquim Nabuco; e, fi nalmente, em um apartamento na rua Conselheiro Lafaiete.

CORAÇÃO NUMEROSO

Foi no Rio.Eu passava na avenida quase meia-noite.Bicos de seio batiam nos bicos de luz estrelas inumeráveis.Havia a promessa do mare bondes tilintavam,abafando o calorque soprava no ventoe o vento vinha de Minas.

[...]Mas tremia na cidade uma fascinação casas compridasautos abertos correndo caminho do marvoluptuosidade errante do calormil presentes da vida aos homens indiferentes,que meu coração bateu forte, meus olhos inúteis choraram.

O mar batia em meu peito, já não batia no cais.A rua acabou, quede as árvores? a cidade sou eua cidade sou eusou eu a cidademeu amor.

Drummond, Alguma poesia

48

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 48 04/07/11 16:39

Page 51: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

Copacabana, algumas construções e Prédio do Hotel Copacabana Palace ao centro | Domingos Kaiser/Arquivo

G. Ermakoff

Praia de Copacabana, com prédios e casario ao fundo | Arquivo Nacional

Bonde, centro da cidade do Rio de Janeiro, Cinelândia| Aristogiton Malta/Arquivo

G. Ermakoff

a casa de um itabirense muito carioca

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 49 04/07/11 16:39

Page 52: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

Panorâmica do Rio de Janeiro, vista pela Enseada de Botafogo| Marcella Azal

Observador ambivalente de um camarote recuado da história brasileira e mundial, Drummond não cessa de apontar-lhe os problemas “crônicos”. A atualidade dos textos de Drummond referentes às questões urbanas e sociais da cidade do Rio de Janeiro permanece. Temas como os transportes, a especulação imobiliária e a faveli-zação estão registrados e refletidos em sua escrita. Exemplos: 1. Favelização no Rio de Janeiro (“Crônica de Janeiro”, Versiprosa, “Capítulo do Gênesis” e “O ladrão”, A bolsa e a vida, “O telhado”, Caminhos de João Brandão); 2. População pobre no Rio de Janeiro (“Debaixo da ponte” e “Areia branca”, A bolsa e a vida); 3. Mudança da capital para Brasília (“Destino: Brasília” e “Canção do fico”, Versiprosa). São temas constantes das crônicas os moradores ilustres com que Carlos Drummond de An-drade conviveu e dialogou no Rio de Janeiro (Vinicius, Cartola, Ferreira Gullar).

Nas crônicas, Drummond tratará, com sua elegância e fineza habituais, de pro-blemas comezinhos e grandes como a falta de água e a especulação imobiliária no Rio de Janeiro, os acidentes comuns da vida urbana, a sobrevivência das culturas indígenas, as igrejas de escravos no período colonial mineiro, a nobreza do samba de Cartola. Pequenas intervenções na vida brasileira e mundial, numa tarefa sutil de salvamento do humano onde quer que ele se refugie, sinalizando o perigo iminente de sua destruição terminal.

1951 — Janeiro, 22 — Tarde de chuva fina, no centro. Junto à Livraria, observo mi-nuciosamente as ruínas do tempo, que me sorriem. Para não sofrer com o espetáculo, prefiro fechar os olhos. Eles, porém, inspecionam por conta própria, máquina fotográfica a funcio-nar independente de mim. Chove no passado, chove na memória. O tempo é o mais cruel dos escultores, e trabalha no barro.

Drummond, O observador no escritório

50

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 50 04/07/11 16:39

Page 53: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

rio: ontem, hoje, amanhã

PÃO DE AÇÚCAR

O grande pão de mel suspenso entre mar e céu insinua os prazeres da cidade. A boca, o paladar, a trama dos sentidos serpenteia lá embaixo. O sol nascente e o sol cadente vestem de púrpura a forma rígida. Nuvens ciganas brincam de subtraí-la. A cada hora, desintegra-se, recompõe-se, assume formas inéditas de transparência. Tem as cores da vida e o sigilo da sombra. É montanha ou aparição crepuscular.

Drummond, Poesia errante

PRAIA

A céu aberto reúnem-se em congressoos corpos que a manhã torna esculpidos,ao entardecer envoltos de doçura.Aqui pousam morenas redondezasentregues à delícia de existirao calor da onda glauca, sem problemas.Existir, simplesmente — a vida é cor,é curva adolescente, é surfe e papo.O mar, irmão. O cão namora o peixe?A barraca levada pelo vento?A obrigação tediosa postergada?Deixa fluir o tempo! O tempo é nada.

Drummond, Poesia errante

51

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 51 04/07/11 16:39

Page 54: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

percursos drummondianos — maneiras de percorrer o mundo urbano, viver a cidade

Todas as cidades que fui conhecendo mais tarde suscita-ram uma composição poética, ou um trecho, e quando eu não vi a cidade confessei puerilmente: Não falo porque nunca fui lá (caso da Bahia).

Depoimento apresentado ao Jornal de Letras, mar. 1955, p. 16

As referências à cidade nos textos de Carlos Drum-mond de Andrade são muito frequentes, seja por tra-tarem de fatos e situações cotidianas, dessas que se pode acompanhar na rua, seja por explicitarem mu-danças e transformações, ou, ainda, por se referirem a hábitos e costumes tipicamente urbanos.

A poesia de Drummond é majoritariamente urbana. A vida no interior é ainda vida na cidade, na pequena cidade ameaçada pelos domínios dos grandes centros (a especulação imobiliária, os objetivos dos lucros das grandes empresas mineradoras). Estamos no âmbito do “tempo presente”, no momento em que a cidade está em perigo.

ViVer a Cidade

Drummond pelas ruas do Rio de Janeiro

| Arquivo Carlos Drummond de Andrade - AMLB/FCRB

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 52 04/07/11 16:39

Page 55: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

RUAS

Por que ruas tão largas? Por que ruas tão retas? Meu passo torto foi regulado pelos becos tortos de onde venho. Não sei andar na vastidão simétrica implacável. Cidade grande é isso? Cidades são passagens sinuosas de esconde-esconde em que as casas aparecem-desaparecem quando bem entendem   e todo mundo acha normal. Aqui tudo é exposto evidente cintilante. Aqui obrigam-me a nascer de novo, desarmado.

Drummond, Boitempo

53

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 53 04/07/11 16:39

Page 56: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

Descreva ou rabisque mapas de seus trajetos pela cidade ou área rural onde você vive.

Quais os lugares preferidos, quais histórias são recordadas neles?

As cenas e imagens urbanas com e do Carlos Drummond de Andrade — Itabira, Belo Ho-rixonte, Rio de Janeiro — são os principais exemplos desse “olhar e experimentar” a cidade, e, a partir deles, podemos reco-nhecer sua sensibilidade para com as questões urbanas em crônicas e poesias.

Ex.: Registrando as mudanças no morro da Catacumba (Arqui-vo Agência O Globo); o poeta na feira do livro na praça (Cinelân-dia, RJ), na rua, em passeios.

54

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 54 04/07/11 16:39

Page 57: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

[…] É feia. Mas é realmente uma flor.

Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tardee lentamente passo a mão nessa forma insegura.Do lado das montanhas, nuvens macias avolumam-se.Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.

É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.

“A Flor e a náusea”. Drummond, A rosa do povo

Admitirá que segredos iguais se cultivam na grande cidade e, mes-mo, que uma cidade, exclusão feita de prédios, veículos, objetos e outros símbolos imediatos, não é mais que a conjugação de inúmeros segredos dessa ordem, idênticos e incomunicáveis entre si, e pressentidos somente por poesia ou amor, que é poesia sem necessidade de verso.

“Segredos”. Drummond, Passeios na ilha

BELO HORIZONTE

Debaixo de cada árvore faço minha cama,em cada ramo dependuro meu paletó.Lirismo.Pelos jardins Versaillesingenuidade de velocípedes.

Drummond, Alguma poesia

Cotidiano de Drummond no Rio de Janeiro | Alair Gomes/Arquivo Carlos Drummond de Andrade - AMLB/FCRB

55

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 55 04/07/11 16:39

Page 58: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

ESCALA

800 1 600 km0

ARGENTINA

ESPANHA

FRANÇA

BRASIL

Carlos Drummond de Andrade tinha conhecimento aprofundado da língua france-sa, tanto que traduziu diversas obras de autores im-portantes daquela cultura. Esse domínio do idioma pelo poeta nos revela o quanto é possível conhecer de outros mundos por meio da língua e da cultura de seus povos. Esse domínio do francês indica tam-bém o quanto o idioma era valorizado no início do século XX, resultado da infl uência de importantes pensadores e romancistas franceses que marcam até hoje o mundo literário e fi losófi co, bem como di-versas áreas do conhecimento contemporâneo. Os autores traduzidos são Balzac, Molière e Proust. Exemplo: 1943 — Th érèse Desqueyroux, de Fran-çois Mauriac, sob o título de Uma gota de veneno; 1947 — Les Liaisons dangereuses, de Choderlos de Laclos, sob o título de As relações perigosas; 1954 — Les Paysans, de Balzac; 1956 — Albertine Dis-parue, de Marcel Proust; 1960 — Oiseaux-mouches ornithorynques Du Brésil, de Descourtilz; 1962 — L’Oiseau bleu, de Maurice Maeterlinck; 1962 — Les Forurberies de Scapin, de Moliére — encenada no Tablado; 1963 — Sult (Fome), de Knut Hamsum.

perCursos no mundo

56

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 56 04/07/11 16:39

Page 59: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

ESCALA

800 1 600 km0

ARGENTINA

ESPANHA

FRANÇA

BRASIL

Carlos Drummond de Andrade fez também traduções de autores de língua espanhola para o português, o que nos revela o conhecimento apurado do idioma, bem como de elementos da cultura hispânica. Esse universo da língua espanhola está muito presente nos países latinoame-ricanos vizinhos do Brasil, além da própria Espanha, na Europa, e outros países do mundo.

Exemplo: 1958 — Doña Rosita la Soltera, de Frederico García Lorca, como (tradução e encenação).

Único país visitado por Drummond em viagem de motivação familiar, por ocasião do nasci-

mento dos netos na Argentina.

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 57 04/07/11 16:39

Page 60: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

olhadores de anúnCios

Drummond mostrou-se um observador atento. A crônica “Olhador de anúncio” traz uma perspectiva muito bem-humo-rada sobre as propagandas e os artifícios de que elas se utiliza-vam para seduzir o consumidor.

OLHADOR DE ANÚNCIO

Eis que se aproxima o inverno, pelo menos nas revistas, cheias de anúncios de cobertores, de lãs e malhas. O que é desenvolvimento! Em outros tempos, se o indivíduo sentia frio, passava na loja e adquiria os seus agasalhos. Hoje são os agasalhos que lhe batem à porta, em belas mensagens coloridas.

Mas sempre é bom tomar conhecimento das mensagens publici-tárias. É o mundo visto através da arte de vender. “As lojas fazem tudo por amor”. Já sabemos que esse tudo é muito relativo. “Em nossas vitrinas a japona é irresistível”. Então, precavidos, não passaremos adiante das vitrinas. E essa outra mensagem, é mesmo, de alta pru-dência: “Aprenda a ver com os dois olhos”. Precisamos deles para nave-gar na maré de surrealismo que cobre outro setor da publicidade: “Na liquidação nacional, a casa tritura preços”. Os preços virando pó, num país inteiramente líquido: vejam a força da imagem. [...] A bossa dos anúncios prova o contrário. E ao vender-nos qualquer mercadoria, eles nos dão de presente “algo mais”, que é produto da imaginação e tem serventia, as coisas concretas, que também de pão abstrato se nu-tre o homem.

Drummond, Prosa seleta

VOCê SABIA?

Até o início do século XX, os anúncios publicitários impressos em periódicos perpetuavam a tradição do uso de caricaturas, assinadas por renomados ilustradores — Raul Pederneiras e Di Cavalcanti fizeram trabalhos desse tipo.

Revista Autosport, 1912

Alguns produtos, como remédios e cigarros, que hoje têm restrição de di-vulgação comercial, cir-culavam em anúncios da mesma forma que outros produtos.

58

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 58 04/07/11 16:39

Page 61: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

Realidade, 1966

O Cruzeiro, 1928

A partir dos anos 1920, a impressão em cores tornou-se mais comum, devido à evolução dos equipamentos gráficos.

A partir da década de 1970, a exposição do corpo, especial-mente da mulher, torna-se co-mum nos anúncios.

A década de 1950 inaugura um novo mercado a ser vendido nos anúncios: o dos automóveis e dos aparelhos de TV.

O Cruzeiro, 1938 Seleções, 1958

59

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 59 04/07/11 16:39

Page 62: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

EU, ETIQUETA

Em minha calça está grudado um nomeque não é meu de batismo ou de cartórioum nome... estranho.Meu blusão traz lembrete de bebidaque jamais pus na boca, nesta vida.Em minha camiseta, a marca de cigarro Que não fumo, até hoje não fumei. [...]Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro,minha gravata e cinto e escova e pente,meu copo, minha xícara,minha toalha de banho e sabonete,meu isso, meu aquilo,desde a cabeça ao bico dos sapatos,são mensagens,

letras falantes,gritos visuais,ordens de uso, abuso, reincidênciacostume, hábito, premência,indispensabilidade,e fazem de mim homem-anúncio itinerante,escravo da matéria anunciada.[...]eu que antes era e me sabiatão diverso de outros, tão mim mesmo,ser pensante, sentinte e solidáriocom outros seres diversos e conscientesde sua humana, invencível condição.Agora sou anúncio,ora vulgar ora bizarro,em língua nacional ou em qualquer língua(qualquer principalmente).E nisto me comparo, tiro glóriade minha anulação.[...]Onde terei jogado forameu gosto e capacidade de escolher,minhas idiossincrasias tão pessoais,tão minhas que no rosto se espelhavam,[...]Por me ostentar assim, tão orgulhosode ser não eu, mas artigo industrial,peço que meu nome retifiquem.Já não me convém o título de homem.Meu nome novo é Coisa.Eu sou a Coisa, coisamente.

Drummond, Corpo

O Cruzeiro

60

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 60 04/07/11 16:39

Page 63: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

Drummond assistiu às duas grandes guerras mundiais: a primeira, de 1914, que se estendeu até 1918; e a segunda, que foi de 1939 a 1945. A angústia dos confrontos foi tema de muitos dos escritos drummondianos.

o sentimento do mundo

Soldados russos no campo de batalha em fevereiro de 1943 | Pictorial Parade/Getty Images

SENTIMENTO DO MUNDO

Tenho apenas duas mãose o sentimento do mundo,mas estou cheio de escravos,minhas lembranças escorreme o corpo transigena confluência do amor.

Quando me levantar, o céuestará morto e saqueado,eu mesmo estarei morto,morto meu desejo, mortoo pântano sem acordes.

[...]

Drummond, Sentimento do mundo

61

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 61 04/07/11 16:39

Page 64: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

a onu

A função da Organização das Nações Unidas, criada com o fim de esta-belecer cooperação entre os países e evitar novos conflitos, é lembrada por Drummond na crônica “A ONU, essa desconhecida”:

Uma vez que fora da ONU não haverá solução para os problemas de convivência entre as nações, agravando-se a fúria dos grupos econômicos que se digladiam, e que, tanto como indivíduos tanto como povo, precisamos ter uma visão clara do mundo, levemos a ONU às escolas. [...] Não instilemos nos meninos e adolescentes a chamada ‘insônia internacional ’. Expliquemos-lhes, com a maior simplicidade e verdade, o que é, o que vale, o que pode ainda valer para o bem de todos a ONU. As primeiras gerações formadas pela república deram-se muito bem com uma disciplina singela, a instrução moral e cívica, que nunca degenerou em propaganda pessoal dos governantes. Dentro dela caberia essa informação aos pequenos: — Não devemos desanimar. A guerra pode ser evitada; pelo menos é nossa obrigação fazer tudo por evitá-la; e na ONU está a esperança. (09/02/1954)

Na crônica escrita por ocasião da morte de Lasar Segall, fala do horror da guerra e do trabalho do pintor:

Navio de emigrantes, Pogrom, Campo de concentração, Êxodo, Guerra não precisam ser citadas para documentar a humanidade de Segall. Mas esses retratos do nosso tempo honram o pintor sobretudo porque este, submisso às exigências mais es-tritas da arte, e com a brandura peculiar a seus meios, induziu mais à misericórdia do que ao ódio. O horror dos espetáculos não foi atenuado, e até punge mais, porque o artista o velou sob tons surdos, monótonos, quase indiferentes.

Em outra crônica (WRI), cita uma declaração da associação War Resister’s International:

A guerra é um crime contra a humanidade. Estamos decididos a negar apoio a qualquer espécie de guerra e a trabalhar pela abolição de todas as causas de guerra. (01/06/1958)

62

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 62 04/07/11 16:39

Page 65: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

Pogrom, Lasar Segall, 1937, pintura a óleo com areia sobre tela, 184 x 150cm | Acervo do Museu Lasar Segall-IBRAM/

MinC

Navio de emigrantes, Lasar Segall, 1939/41, pintura a óleo com areia sobre tela, 230 x 275cm | Acervo do Museu Lasar Segall-IBRAM/

MinC

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 63 04/07/11 16:40

Page 66: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

Antes da existência dos e-mails, o hábito de se comunicar por intermédio de cartas

era muito comum. Drummond foi grande praticante dessa forma de comunicação

— o Arquivo-Museu de Literatura Brasileira, da Fundação Casa de Rui Barbosa,

registra mais de 1.830 correspondências, de famosos e desconhecidos. Em meio a

todo esse acervo, há cartas de cunho político, pessoal e literário, sem contar as cartas

de leitores.

A verdade é que sempre me revoltei contra uma das mentiras convencionais deste país: a

de que o brasileiro não escreve, não gosta de escrever carta. Como não gosta? Não faz outra

coisa senão escrevê-las. “Mania de escrever carta”. Drummond, 17/03/1970

Nas cartas que escrevo, costuma insinuar-se o rascunho da grande carta (grande? ou con-

terá só duas linhas?), mas bem sei que não adianta rascunhar o que não pode ser previsto e

menos ainda planejado. “O projeto de carta”. Drummond, 07/01/1976

Cartão postal enviado a Drummond, por Jorge Amado, de Sevilha, em julho de 1978

| Arquivo Carlos Drummond de Andrade - AMLB/FCRB

remetente:

Carlos drummond de andrade

64

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 64 04/07/11 16:40

Page 67: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

remetente:

Carlos drummond de andrade Para: Gustavo Capanema 4 agosto de 1930

Meu querido Capanema

[...] Demorei um pouco a mandar o seu famoso álbum. As razões, você já sabe: a minha incurável incapacidade

epistolar, que me inibia de escrever duas linhas afetuosas acompanhando o tal e também a incurável falta de honestidade dos nossos poetas, que nunca fazem aquilo que prometem...

Para: Mário de Andrade Itabira, 3 março 1926

Mario querido,

Pronto. Estou em Itabira com armas e bagagem. Andei oito léguas no lombo do burro, debaixo de chuva e com atoleiros medonhos. Desconfi o que sou herói. Meu endereço é Itabira do Mato Dentro, estado de Minas.

[...]

De: Mario de Andrade São Paulo, 10 de março de 1926

Carlos do coração,

Um abraço. Agora você está em Itabira do Mato Dentro. Precisa trabalhar, hein, Carlos.

[...] Não quero absolutamente que você se perca aí e abandone as coisas de pensamento pra que tem um certo jeito

e que fazem parte do destino de você, tenho a certeza.

De: João Cabral de Melo Neto 17 de janeiro de 1942

Se lhe desagradar a opinião dos jornais e revistas, não publique para eles; publique para o povo. Mas o povo não lê poesia... Quem disse? Não dão ao povo poesia. Ele, por sua vez, ignora os poetas.

[...]

Para: João Cabral de Melo Neto 5 de janeiro de 1950

“[...] sabe que em matéria de correspondência eu sou como a mula velha e incorrigível.”

De: Antonio Candido 15de agosto 1987

Meu caro, muito caro Drummond:

Confesso a difi culdade em escrever a propósito dessa inversão terrível da ordem natural que é a partida dos fi lhos antes dos pais

[...]Um ser de alta qualidade, cuja falta há de ser insuportável para a mãe e o pai. A ambos o abraço mais afetuoso

e solidário de Gilda e do

honestidade dos nossos poetas, que nunca fazem aquilo que prometem...

sabe que em matéria de correspondência eu sou como a mula velha e incorrigível.”

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 65 04/07/11 16:40

Page 68: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

Carlos drummond de andrade e o estado noVo

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 66 04/07/11 16:40

Page 69: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

Ao mesmo tempo Drummond foi Chefe de Gabinete do Ministro Gustavo Capanema, em pleno Estado Novo, e mostrava-se muito engajado nas causas sociais.

Com a sua saída do gabinete de Capanema, no entanto, firmando-se nele o desejo de “militar contra o ditador” Getúlio Vargas, sua par-ticipação jornalística se adensa, dando-se aí a significativa passagem da crônica literária ao comentário cada vez mais interventivo nos fatos cotidianos.

Menos de um mês depois de deixar o Ministério da Educação e Saúde, ele é sondado por Paulo Bittencourt, diretor do Correio da Manhã. Drummond assim menciona o fato em seu diário: “Junto à colaboração literária, pretende fazer de mim jornalista político: edi-torial e tópicos.” Sua reação, no entanto, é ambivalente: “Meio ator-doado, procuro sentir-me na pele de editorialista, mas falta alguma coisa na minha vontade de atuar politicamente: falta precisamente a vontade, a garra, a paixão; é uma atitude intelectual, contra a minha natureza. Veremos.” O convite não se materializa.

Mas, menos de um mês depois, em 1.° de maio, ele aceita partici-par do Conselho Diretor de O popular, convertido adiante em Tribu-na Popular, com compromisso de escrever com grande regularidade. Apesar do entusiasmo inicial, a sua participação dura muito pouco, pouco menos de dois meses. Em 22 de junho, ele comunica a reso-lução de deixar o comitê da direção do jornal. Quando começa a es-crever crônicas três vezes por semana no Correio da Manhã, em 1954, portanto, não mais como jornalista “bissexto”, ele ainda trabalhava na “burocracia”, junto com Rodrigo M. F. de Andrade, como chefe da Seção de História, na Divisão de Estudos e Tombamento do SPHAN (Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), posto que assumira ainda em 1945 e do qual se aposentará em 1962.

Poema “Quando” (1945). Inédito em livro, mas preservado no Arquivo-Museu de Literatura Brasileira | Arquivo Carlos Drummond de Andrade - AMLB/FCRB

Carlos drummond de andrade e o estado noVo

67

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 67 04/07/11 16:40

Page 70: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

máQuinas de esCreVer

1714 Pellegrino Turri constrói máquina de escrever para sua ami-ga, a Condessa Fantoni, que era cega (Itália).

1870 “Bola de escrever”, do pastor dinamarquês Malling Hansen.

1873 E. Remington and Sons, fabricantes de armas, compraram os direitos de fabricação da máquina de escrever em 1872.

1874 Máquina de escrever Scholes&Gliden (Estados Unidos). Seu principal criador, Chistopher L. Scholes, era jornalista, poe-ta e, por vezes, inventor.

1895 Underwood – modelo de máquina de escrever que foi segui-do ao longo do século XX.

1900 É inventada a máquina de escrever portátil.

1920 É inventada a máquina de escrever elétrica.

1930 A IBM lança a máquina Eletronate.

1964 A IBM Seletic permite vislumbrar o que será um processador de texto.

1985 A Microsoft lança o Word 1.0, primeira versão do processador de texto mais popular atualmente.

Carlos Drummond de Andrade escreveu seus textos a mão e a máquina. Em “Nota Social”, podemos verificar o sistema de criação do escritor.

Dolores observa Drummond em sua máquina de escrever | Arquivo Carlos Drummond de Andrade -

AMLB/FCRB

Página 69: Datiloscrito do poema “Nota Social” de 1923, publicado em 1930 em Alguma poesia, com intervenções de Mário de Andrade |

Arquivo Carlos Drummond de Andrade - AMLB/

FCRB

68

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 68 04/07/11 16:40

Page 71: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 69 04/07/11 16:40

Page 72: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

um paláCio

Drummond entre os pilotis do palácio| Arquivo Carlos Drummond de Andrade - AMLB/

FCRB

Projeto de Le Corbusier (1936) | Marcella Azal/Acervo Iphan

Domingo, 23 de junho de 194...Meu caro Carlos,Para não transmitir ao nosso amigo Capanema impressões intei-

ramente levianas a respeito dos projetos submetidos ao exame da Co-missão julgadora do Concurso aberto para o Edifício do M.E., Manuel Bandeira e eu recorremos a um arquiteto de talento e digno de forte con-fi ança.

Rodrigo de Melo Franco de Andrade

Nos anos 1930, o Governo Federal constrói ministérios e mo-numentos no Rio de Janeiro, apostando em uma nova face para a cidade. O Ministro Gustavo Capanema faz parte desse esforço renovador e abre, em abril de 1935, concurso de anteprojetos para o prédio que irá abrigar o Ministério da Educação e Saúde.

O projeto vencedor do concurso, de Archimedes Memória, tinha cara de passado: prédio neogrego com motivos da fl ora e fauna ama-zônica, calcado na arte marajoara. Os artistas modernos não se con-formam com a escolha e pressionam Capanema para deixar de lado o concurso. Deste grupo fazia parte Carlos Drummond de Andrade.

O ministro Gustavo Capanema convida Lúcio Costa, Afonso Eduardo Reidy, Carlos Leão, Jorge Maia, Ernandes Vasconcelos e Oscar Niemeyer para projetar o prédio do ministério. Lúcio Costa, por sua vez, chama Le Corbusier para prestar consultoria. Os cro-quis do arquiteto franco-suíço servem de base ao projeto, com uma série de modifi cações propostas por Oscar Niemeyer. Orgulho da arquitetura nacional, marca do moderno no Brasil, o Palácio Capa-nema, como hoje é conhecido, tornou-se um marco da arquitetura brasileira e internacional.70

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 70 04/07/11 16:40

Page 73: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

Drummond ocupa uma das salas desse prédio em 1944, como chefe de gabinete de Gustavo Capa-nema, e volta a ele para trabalhar no Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), convidado por Rodrigo Melo Franco de Andrade. Seu cargo era o de chefe da Seção de História, na Divisão de Estudos e Tombamentos, mas, na verdade, foi durante quase 20 anos chefe do arquivo. A ele se dedicou com cuidado, precisão e inventividade.

Palácio Gustavo Capanema | Ricardo Azouri/Pulsar imagen

| Marcel Gautherot/Fundação Getulio

Vargas - CPDOC

Jardim suspenso criado pelo paisagista Roberto Burle-Marx

| Ricardo Azouri/Pulsar imagens

Azulejos de Cândido Portinari. O prédio tem também painéis de Guignard, Pancetti, e esculturas de Bruno Giorgi

| Ricardo Azouri/Pulsar imagens

À esquerda no detalhe: Quebra-sol (brise-soleil) na fachada norte, que permite a entrada de luminosidade, e não o ofuscamento

Maquete do Palácio Gustavo Capanema |

Max Rosenfeld/Fundação Getulio Vargas - CPDOC

| Ricardo Azouri/Pulsar imagen

Pilotis em escala monumental, que parecem deixar o prédio flutuando: Praça, que permite a passagem de pedestres sem entraves

71

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 71 04/07/11 16:40

Page 74: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

drummond arQuiVista

Objetos doMuseu

Carlos Drummond de Andrade apresentou uma tendência a apontar acontecimentos, fazer listas, rotular experiências, classifi -cando o mundo para tentar compreendê-lo a partir do seu olhar. Tratou de pensar o mundo ordenando-o (ou desordenando-o) por exercícios de sensibilidade.

A criação de um museu de literatura coaduna-se a essa tendência arquivista do autor, manifestada na maneira como organizava suas fotos, cartas, textos, desenhos. Drummond a apresenta como sonho e fantasia, em crônica publicada no Jornal do Brasil em 11 de julho de 1972.

Velha fantasia deste colunista –– e digo fantasia porque continua dor-mindo no porão da irrealidade –– é a criação de um museu de literatura. Temos museus de arte, história, ciências naturais, carpologia, caça e pesca, anatomia, patologia, imprensa, folclore, teatro, imagem e som, moedas, armas, índio, república... de literatura não temos [...]

Drummond, Jornal do Brasil, 11 de julho de 1972

Desde 28 de dezembro de 1972 a Fundação Casa de Rui Barbo-sa abriga em sua sede, situada à rua São Clemente, 134, Botafogo, Rio de Janeiro, o Arquivo-Museu de Literatura Brasileira. Inicial-mente foi dirigido por Plínio Doyle e no momento reúne acervos de escritores como Clarice Lispector, Manuel Bandeira e o próprio Drummond, além de um acervo museológico que reúne cerca de 1.200 peças de natureza diversa: canetas, medalhas, móveis, peças de indumentária...

Os guardados estão em ordem, graças a ele, que não tem fama de or-ganizado, enquanto eu, o arquivista profi ssional, sinto que por mim a arrumação jamais se faria. Sem tristeza os tiramos da arca, miramo-los, notamos este ou aquele pormenor que fi cou precioso considerado de perto e de depois, voltamos a depositá-los onde dormiam. Sem tristeza. Até com a miúda, refl exiva alegria dos proprietários de velhas lembranças.

“O amigo que chega de longe”. Drummond, 1˚ de março de 1968

Máquina de escrever de Clarice Lispector

Toca-discos de Cornélio Pena

Poltrona de Manuel Bandeira| Arquivo-Museu de Literatura Brasileira/

FCRB

72

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 72 04/07/11 16:40

Page 75: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

1

2

15

16

18

22

23

3

8

9

4

24

20

21

17

6

25

26

27

28

10

11

19

12

13

14

7

5

Complete os pontos e descubra a caricatura de Drummond feita por ele mesmo.

Elucidação de Completar pontos| Veja pág.100

COMPLETAR PONTOS

73

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 73 04/07/11 16:40

Page 76: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

A cantora Nara Leão participou do show Opinião, em 1965, com João do Vale e Zé Kéti, tempo em que começa uma série de atribulações que ela vem a ter com o Governo Militar | Arquivo O Cruzeiro/EM/D.A Press

em tempos de Chumbo

Na obra Versiprosa, há uma série de poemas em que Drum-mond faz uma espécie de “revista” dos acontecimentos do mês ou da semana. Nesse livro, composto por crônicas em verso, o poema é mais “colado ao fato” do que nas crônicas em prosa, que tendem à transfiguração do acontecimento, ao fantasioso. Além disso, em Versiprosa, Drummond realiza algumas peti-ções em verso.

É importante observar também que o último poema em que Drummond faz “revistas” dos fatos é datado de outubro de 1966 (há poemas publicados até em junho de 1970). Duran-te o período de chumbo da ditadura, os textos de Versiprosa tornam-se menos “factuais” ou “realistas”, por falta de expres-são melhor. Começam a surgir textos de reflexão a respeito da condição humana.

APELO

Meu honrado Marechaldirigente da nação,venho fazer-lhe um apelo:não prenda Nara Leão.

Soube que a Guerra, por conta,lhe quer dar uma lição.Vai enquadrá-la –– esta é forte no artigo tal... não sei não.

A menina disse coisasde causar estremeção?Pois a voz de uma garotaabala a Revolução?

[...]De música precisamos,para pegar no rojão,para viver e sorrir,que não está mole não.

Nara é pássaro, sabia?E nem adianta prisãopara a voz que, pelos ares,espalha sua canção.

Meu ilustre Marechaldirigente da Nação,não deixe, nem de brinquedo, que prendam Nara Leão.

Drummond, Versiprosa

Trechos do poema “Apelo”, em que o poeta intervém a favor da cantora Nara Leão

74

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 74 04/07/11 16:40

Page 77: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

Elucidação do Jogo dos sete erros| Veja pág. 101

JOGO DOS SETE ERROS

Em 1970, houve uma campanha ufanista, de� agrada pelo governo militar, que visava a ligar futebol e a imagem de um Brasil vitorioso em todas as áreas. Após a conquista da Copa do Mundo, o cartu-nista Jaguar lançou a seguinte imagem, ligada a trecho do poema “José”, de Drummond.

Esta ilustração que � z para os versos de Carlos Drummond de Andrade quase provocou a prisão do poeta. Tive um trabalho danado para convencer o general da Censura que publiquei o desenho sem pedir a autorização do autor.

Jaguar

75

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 75 06/07/11 10:56

Page 78: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

Carlos Drummond foi grande apreciador de mú-sica. Esse era um assunto muito frequente em suas crônicas e também nas conversas com os amigos, especialmente com Mário de Andrade. Estima-se que existam mais de cem peças compostas a partir de poemas de Drummond.

A respeito de um caso de suspeita de plágio, que envolvia Villa-Lobos, acusado de copiar indevida-mente uma composição de Catulo, Drummond escreveu uma crônica em que deixou clara sua pro-funda admiração pelo músico brasileiro:

Villa-Lobos é realmente um excelso ladrão. Sua obra monumental, furtou-a do Brasil, do sentimento, da graça rítmica, do arrepio interior de nossa gente; de-pois, furtou para nós a admiração do mundo.

“O sono da música”. Drummond, 13 de janeiro de 1954

Em outra crônica, cita a carta que recebera de Bandeira, que dizia que Villa-Lobos musicara seu poema “Cantiga de viúvo”: “O Villa, que anda numa fase folclórica, está escrevendo uma série de serestas sobre versos nossos. [...] A ‘Cantiga de vi-úvo’ também está feita e fi cou deliciosa. [...] Não me lembro se caí duro de espanto ou se pulei de felicidade. [...] Em 1934, o compositor me concede outra honra: musicara o meu poema ‘José’[...].”

“Villa-Lobos numa sala”. Drummond, 11 de novembro de 1962

músiCa, maestro!

O compositor Belchior lançou, em 2003, um livro, acompanhado de dois CDs, em que musicou 31 poemas de Carlos Drummond. O livro trazia 31 caricaturas do poeta feitos por Belchior

76

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 76 04/07/11 16:40

Page 79: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

Alguns poemas de Drummond que já foram musicados:

“Cantiga de viúvo” — 1925, Villa-Lobos.

“Quero me casar” — 1931, Frutuoso Viana.

“Quadrilha” e “No meio do caminho” — 1938, Francisco Mignone.

“José” e “Viagem na família” — 1944, Villa-Lobos.

Composição do pernambucano Lourenço da Fonseca Barbosa, o Capiba, sobre poema “Memória” | Arquivo Carlos Drummond de Andrade - AMLB/FCRB

77

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 77 04/07/11 16:40

Page 80: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

amigo ouVinte!

Em 1961, Drummond colabora no programa Quadrante da Rádio Ministério da Educação, instituído por Murilo Miranda.

O ator Paulo Autran comenta o sucesso do programa Quadrante:“[...] os cronistas eram a nata da inteligência do Rio de Janeiro.

Era Carlos Drummond, Cecília Meireles, Dinah Silveira de Quei-roz, enfim, um para cada dia da semana. Então era um programa privilegiadíssimo. Durava no máximo cinco minutos, que era o tem-po de leitura de uma crônica. Ia ao ar às oito horas da noite, e era repetido no dia seguinte, ao meio-dia. Era um dos programas de maior audiência [...].”

Cartaz programa de rádio Quadrante, 1961

VOCê SABIA?A radiodifusão sonora chegou ao Brasil em 1922, ano do centená-

rio da Independência. No dia 7 de setembro daquele ano, o discurso do então presidente Epitácio Pessoa foi transmitido ao grande pú-blico.

Até a década de 1930, o rádio expandiu-se por todo o País, levan-do ao povo música e informação.

78

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 78 04/07/11 16:40

Page 81: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

Drummond em estúdio, gravando poemas | Arquivo Carlos Drummond de Andrade - AMLB/FCRB

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 79 04/07/11 16:40

Page 82: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

brasília: “a Cidade inVentada”

80

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 80 04/07/11 16:40

Page 83: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

“Era um rabisco e pulsava.” Essas fo-ram as palavras de Carlos Drummond de Andrade depois de ler o relatório es-crito e desenhado por Lúcio Costa para criação da cidade de Brasília.

Croquis feito por Lúcio Costa, em 1956, com esboço do traçado urbano da capital federal | Acervo Casa de Lúcio Costa

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 81 06/07/11 10:52

Page 84: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

Carlos Drummond de Andrade trabalhava com Lúcio Costa no Ministério da Educação e a ele coube a tarefa de ler o projeto: “Peguei da folha e tive entre os dedos nada menos que a cidade de Brasília, inexistente e completa, como um germe contém e resume a vida de um homem, uma árvore, uma civilização.”

Parte do projeto-piloto da cidade de Brasília | Acervo Casa de Lúcio Costa

82

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 82 04/07/11 16:40

Page 85: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

Manuscrito de parte do projeto urbanístico feito por Lúcio Costa | Acervo Casa de Lúcio Costa

MáQuina de escrever:

O manuscrito do Lúcio foi

levado a uma firma da rua

da Quitanda, no Rio de

Janeiro, com a orientação

de que fosse datilografado

em espaço 2 e se fizessem

duas cópias.

OrtOgrafia:

A correção do português

foi feita por Drummond.

Não houve mudança

de estílo, tampouco

erros. Lúcio escrevia em

português antigo: punha

“h” onde já não havia;

escrevia “summaria” em

vez de sumária “prompta”

no lugar de pronta.

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 83 04/07/11 16:40

Page 86: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

Em 1964, Drummond começou a frequentar a casa de Plí-nio Doyle, um respeitável bibliófilo, a fim de fazer consulta à biblioteca para a escrita de suas colunas no jornal. Aos poucos, essas visitas tiveram público ampliado, e assim formou-se uma das maiores confrarias literárias de que se tem notícia até hoje. Oficialmente, as reuniões duraram, com poucas interrupções, 34 anos (1964-1998). O nome, registrado em ata no ano de 1974, foi dado por Raul Bopp, que assim o definiu: “reunião aos sábados na casa de um cidadão chamado Plínio Doyle.” Falava-se, sobretudo, de literatura e artes, mas o horizonte de assuntos era amplo, des-de que não se tratasse de política e religião.

Na biblioteca de Plínio Doyle, Novembro 1972: Da esquerda para a direita, sentados: Joaquim Inojosa, Prudente de Morais, Cândido Mota Filho, Carlos Drummond de Andrade, Raul Bopp, Pedro Nava; em pé: Fernando Monteiro, Gilberto Mendonça Teles, Raul Lima, Alphonsus de Guimarães Filho, Mário da Silva Brito, Álvaro Cotrim (Alvarus), Paulo Berger, Plínio Doyle, Péricles Madureira de Pinho | Arquivo Carlos Drummond de Andrade - AMLB/FCRB

o sabadoyle

84

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 84 04/07/11 16:40

Page 87: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

ALGUNS DEPOIMENTOS SOBRE O SABADOyLE:

Ata em comemoração aos vin-te anos de Sabadoyle, escrita por Drummond:

[...]Os vinte anos decorridos após

aquela primeira conversa dividida entre a voluptuosidade da página impressa e as doçuras do Natal, são outros tantos vividos por Plínio Doyle no esforço de manter aceso um ideal de confraternização à margem de todos os motivos de ten-são e incompatibilidade ideológica. Nesse esforço, contou com a ines-timável cooperação de Esmeralda, inesquecível companheira de toda a vida, e conta com a de Sonia, fi-lha que prolonga, no sentimento e na vontade, os dons espirituais do casal. Pela saudade, vivem conosco, ainda, os companheiros desapare-cidos. Aqui estamos pois todos reu-nidos como uns poucos o estiveram em tarde esperançosa de dezembro de 1964: com a mesma alma aber-ta e o mesmo fervor de espírito e de coração.

SABADOyLE I

Uma ata é obrigatória em tudo quanto é sessão. Por isso, quando a pediram eu não pude dizer não. Juntei algumas palavras ao estilo de um tabelião. Se não faço o que me pedem fico de cara na mão! Na casa do Plínio Doyle só há uma obrigação: cafezinho e um bate-papo de sua predileção. Quando é hora de ir-se embora trocam-se apertos de mão. De acordo com o estatuto fica encerrada a sessão.

Raul Bopp, 1974

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 85 04/07/11 16:40

Page 88: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

Depois de mais de seis décadas de jornalismo, em 1984, às vésperas de completar 82 anos, o poeta decide encerrar sua atividade de cronista.

Em carta ao presidente do Jornal do Brasil, Drummond afi rma: “Sin-to que é hora de descansar e também de ceder espaço a outros que começam ou que estão em fase de desenvolvimento de carreira.”

CIAO

Há 64 anos, um adolescente fascinado por papel impresso notou que, no andar térreo do prédio onde morava, um placar exibia a cada manhã a primeira página de um jornal modestíssimo, porém jornal. Não teve dúvida. Entrou e ofereceu os seus serviços ao diretor, que era, sozinho, todo o pessoal da redação. O homem olhou-o, cético, e perguntou:

— Sobre o que pretende escrever? — Sobre tudo. Cinema, literatura, vida urbana, moral, coisas deste

mundo e de qualquer outro possível.

O diretor, ao perceber que alguém, mesmo inepto, se dispunha a fa-zer o jornal para ele, praticamente de graça, topou. Nasceu aí, na velha Belo Horizonte dos anos 20, um cronista que ainda hoje, com a graça de Deus e com ou sem assunto, comete as suas croniquices.

[...] E é por admitir esta noção de velho consciente e alegremente, que

ele hoje se despede da crônica, sem se despedir do gosto de manejar a palavra escrita, sob outras modalidades, pois escrever é sua doença vital, já agora sem periodicidade e com suave preguiça. Ceda espaço aos mais novos e vá cultivar o seu jardim, pelo menos imaginário. Aos leitores, gratidão, essa palavra-tudo.

“Ciao”. Última crônica do poeta. Jornal do Brasil, 29 de setembro de 1984

“Ciao”, despedida do poeta | Arquivo/CPDOC JB

Carlos Drummond de Andrade | Arquivo Carlos Drummond de Andrade - AMLB/FCRB

a última CrÔniCa

86

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 86 04/07/11 16:40

Page 89: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

ETERNO - PALAVRAS NO MAR - INVENTÁRIO - CANÇÃO AMIGA - A FLOR E A NÁUSEA - O MEDO - POEMA DE SETE FACES - NO MEIO DO CAMINHO - TRISTEZA NO CÉU - SEGREDO - LAGOA - NOTURNO MINEIRO - INFÂNCIA - CONFIDÊNCIA DO ITABIRANO - O ENIGMA - ITABIRA

Encontre nesta cruzadinha 16 poemas do poeta itabirano:CRUZADINHA DE POEMAS

Encontre nesta cruzadinha 16 poemas do poeta itabirano:CRUZADINHA DE POEMAS

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16

Elucidação das Palavras cruzadas| Veja pág. 101

CRUZADINHA DE POEMASEncontre nesta cruzadinha 16 títulos do poeta itabirano.

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 87 06/07/11 10:57

Page 90: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

sabores e nostalgias

MEMÓRIA DO PALADAR, NOSTALGIA DA INFÂNCIAA memória do paladar recompõe com precisão instantânea, através daquilo que comemos quando meninos, o

menino que fomos. O cronista, se fosse escrever um livro de memórias, daria nele a maior importância à mesa de família, na cidade do interior onde nasceu e passou a meninice.

“O céu da boca”. Drummond, A bolsa e a vida

Algumas linhas apenas, para situar no tempo as refeições. Acordar às sete (com aquele frio de montanha) e café com leite; almoço às nove, lanche às doze (chamava-se café do meio-dia e era um novo café com leite). Esses cafés eram forrados a biscoito de polvilho, pão de queijo, bolo de feijão que ardia na boca, de tão apimentado, rosca, ou queca (nacionalização do cake inglês). Coisas diversas, que meninos de tabuleiro à cabeça iam vendendo de porta em porta –– e que se adquiriam um pouco por serem gostosas, enquanto o pão de trigo da cidade era geralmente ruim, e outro pouco para ajudar as viúvas ou velhas parentes pobres que as fabricavam.

“O céu da boca”. Drummond, A bolsa e a vida

PARA TODOS OS GOSTOS“A culinária brasileira é rica e inventiva. O cardápio indígena, as comidas africanas e a culinária

portuguesa formam a sua base, retocada pela influência do gosto alimentar de outros países, como a França e a Itália.”

Câmara Cascudo, em História da alimentação no Brasil, revela que os mineiros têm uma “queda par-ticular para a arte de confeiteiro”, sendo mestres na arte de confeccionar doces.

Passa o tabuleiro de quitanda:é pão-de-queijo é rosca é brevidadeé broa de fubá é bolo de feijãoé tudo que é gostoso e eu vou comprareu vou comer o dia inteiro a vida inteirao sortimento deste tabuleiro.

Drummond, Boitempo

88

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 88 04/07/11 16:40

Page 91: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

BROA DE FUBÁ CREMOSAIngredientes:

4 ovos1 copo de fubá (200 g) 1 copo (200 g) de queijo ralado (canastra, meia-cura)1/2 copo de coco ralado (mais ou menos 50 g)1 copo de açúcar (200 g)1 copo de óleo de soja (200 ml) 1 copo de leite frio (200 ml) 1/2 colher de chá de sal 3 colheres de sopa de farinha de trigo 1 colher de sopa bem cheia de fermento em pó Açúcar refinado e canela em pó para polvilhar a gosto.

No liquidificador, bater os ovos com óleo, leite, farinha de trigo, açúcar e sal. Virar numa bacia e acrescentar o queijo e o coco ralado, e o fubá, previa-mente misturados. Por último, acrescentar a colher bem cheia de fermento em pó. Despeje tudo num tabuleiro retangular médio untado e enfarinhado.

Assar por 30 a 40 minutos em forno pré-aquecido.Misture o açúcar refinado com a canela em pó e polvilhe em cima da broa

antes de servir.

Receita do blog Mineiras, uai!

BREVIDADE DE MAISENAIngredientes: 1 ½ xícara de açúcar; 3 colheres de manteiga; 2 xícaras mal

cheias de maisena; 1 ½ colherinha de canela; 3 ovos.Modo de fazer: Misture a manteiga com o açúcar. Bata os ovos inteiros e

misture na massa. Ponha a maisena e asse em forminhas de papel.

Receita do livro Dona Benta: comer bem, publicado em 1940. Em 2010, ele chegou à 78.ª edição

PUDIM DE LEITEBatam seis ovos com meio kilo de açúcar e tirem de uma garrafa de leite o

bastante para desmanchar duas colheres de maizena. Fervam o resto do leite e depois de fervido, ainda quente, juntem os ovos batidos com açúcar e, por último, a maizena desmanchada. Passem a massa pela peneira e perfumem com baunilha. Untem uma forma com açúcar queimado , deitem a massa e cozinhem em banho-maria. Deixem esfriar completamente. Se houver gelo, coloquem a forma no meio dele.

Almanaque d’O PAIZ, 1910. p.V-VI

CONVERSA DE MORANGO [...] Hoje eles (os morangos, claro que não me refiro aos lá-bios) vêm em cestinhas de ta-quara ou de lâminas finas de madeira, dizem até que já bo-tam assim da rama, acondicio-nados em cestinhas maiores ou menores, conforme a intenção do vendedor e as posses do con-sumidor, são apartamento de morango, né? Uns maiores, ou-tros menores, como acontece com a gente, ai morangos! O ácido sabor cortado pela branca mo-leza do creme Chantilly, e essa agora, quando que morango brasileiro de hábitos silvestres podia imaginar que seria mis-turado a essa francesice, edul-corado e sucre vanillé e todas as milongias conotativas que o nome desperta: fôret, château, porcelaine, dentelles...

Drummond, crônica de 10 de junho de 1971

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 89 04/07/11 16:40

Page 92: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

A partir de 01/11/1942 — Cruzeiro (Cr$)

A partir de 13/12/1967 — Cruzeiro Novo (NCr$)

A partir de 15/05/1970 — Cruzeiro (Cr$)

as Várias faCes da moeda brasileira

Até 1942 — Réis

| Museu de Valores do Banco Central do Brasil

Nos 85 anos de vida de nos-so poeta, o dinheiro brasileiro sofreu variações não só quanto à sua valorização, mas também quanto à sua nomenclatura. Veja:

90

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 90 04/07/11 16:40

Page 93: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

A partir de 16/01/89 — Cruzado Novo (NCz$) Homenagem Póstuma

A partir de 28/02/1986 — Cruzado (Cz$)

VOCê SABIA?Há duas moedas comemorativas do centenário de nascimento

de Carlos Drummond de Andrade. A de prata tem valor facial de R$ 2,00. A de ouro, de R$ 20,00.

COMPARE:O livro Alguma poesia, em 2010, foi comprado a R$ 29,90.Se fosse em cruzado novo, custaria Se fosse em cruzado, seria Se fosse em cruzeiro, seriam gastos Para resolver esse problema, procure auxílio de uma tabela de conver-

são de moedas antigas, que pode ser encontrada em muitos sites, dentre eles o do Banco Central do Brasil. O endereço é www.bcb.gov.br.

| Museu de Valores do Banco Central do Brasil

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 91 04/07/11 16:40

Page 94: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

Corpo menor do sistema solar que orbita em torno do Sol. Deles, há registros muito antigos, como, por exemplo, o feito pelos chine-ses, em 240 a.C.

É invisível, exceto quando próximo do Sol. O núcleo do cometa, ao aproximar-se do Sol, dá origem à cabeleira e à cauda.

O NOME HALLEyO cometa recebeu o nome de Edmund Halley (1656-1742), as-

trônomo inglês que aplicou as leis de Newton do movimento para traçar com precisão o período do cometa e sua órbita.

MEDO E CIêNCIAAntes de o astrônomo Halley explicar o que era um cometa, o

fenômeno era associado ao mistério que envolvia o aparecimento de um rastro de luz no céu, sendo acompanhado de reações de temor. Mesmo após os esclarecimentos científicos, continuaram as superstições a respeito de sua aparição. Em 1910, sua passagem provocou pânico, propiciado pela ideia de que sua cauda deixaria um gás venenoso, capaz de envenenar a terra e matar as pessoas.

Aos sete anos de idade o cronista imaginou que ia presenciar a morte do mundo, ou antes, que morreria com ele. Um cometa mal humorado visitava o espaço. Em certo dia de 1910, sua cauda tocaria a terra, não haveria mais aulas de aritmética, nem missa de domingo, nem obediência aos mais velhos. Essas perspectivas eram boas. Mas também não haveria geleia, O Tico-Tico, a árvore de moedas que um padrinho surrealista preparava para o afilhado que ia visitá-lo. Ideias que aborreciam. Havia ainda a angústia da morte, o tranco final, com a cidade inteira (e a cidade, para o menino, era o mundo) se despedaçando –– mas isso, no fundo, seria um espetáculo. Preparei-me para morrer, com terror e curiosidade.

O que aconteceu à noite foi maravilhoso. O cometa de Halley apareceu mais nítido, mais denso de luz, e airosamente deslizou sobre nossas cabe-ças sem dar confiança de exterminar-nos.

“Fim do mundo”. Drummond, 4 de fevereiro de 1962

o Que é um Cometa?

Símbolo astronômico para os cometas: Disco com uma cauda, similar a uma cabeleira | Ilustração

92

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 92 04/07/11 16:40

Page 95: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

HALLEy

[...] Ah, sim, restou Halleyiluminando de ponta a ponta o céu de 1910.O menino Murilo Mendes o contemplava em Juiz de Forao menino Marques Rebelo em Vila Isabelo menino Carlos no mato-dentro de Itabiraos três absolutamente fascinadoscomo o contemplaria no Brabante em 1302 o menino Ruysbrock-o-admirável.

Halley voltaráHalley volta semprecom a pontualidade comercial dos astros.Pouco importa sejam outros meninos que o hão de ver em 1986iluminando de ponta a pontaa noite da vida.

Drummond, A falta que ama

Cometa halley em sua ùltima aparição em 1986 | NASA

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 93 04/07/11 16:40

Page 96: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

Deixa para lá o disco voador, amor. É hora de ver (antes de vir) o co-meta, curtir o cometa; na cauda do cometa, cosmoviajar. [...] Não quero declarar-me importante, mas vi o de 1910, entendes? O que me confere particular autoridade para dizer de cometas. Quem foi gratificado com sua visão dispensa sucedâneos.

“Dou-te um cometa: vai”. Drummond, 13 de novembro de 1973

COMETA

Olho o cometacom deslumbrado horror de sua caudaque vai bater na Terra e o mundo explode. [...]

Drummond, Boitempo

O cometa Halley tornará a passar em 2.062. Que medos provocará?

94

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 94 04/07/11 16:40

Page 97: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

Carlos Drummond de Andrade morreu no dia 17 de agosto de 1987, 12 dias depois da morte de sua filha, Maria Julieta.

No início do ano de 1987, a escola de samba Estação Primeira de Mangueira homenageou o poeta com o samba-enredo “No reino das palavras” e foi campeã do carnaval carioca:

MangueiraDe mãos dadas com a poesiaTraz para os braços do povoEste poeta genialCarlos Drummond de AndradeSuas obras são palavrasDe um reino de verdadeItabiraEm seus versos ele tanto exaltouCom amorEis aí a verde e rosaCantando em verso e prosaO que ao poeta inspirou [...]

e agora, drummond?

Desfile da escola de samba Estação Primeira de Mangueira em homenagem à Drummond | Rogério Reis/Pulsar Imagens

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 95 04/07/11 16:40

Page 98: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

Em 1989, é publicado em edição limitada o livro Álbum para Maria Julieta, edição fac-similar de um ca-derno, contendo originais manus-critos de alguns autores, que o poeta compilou para a filha.

Em 1998, em Itabira, é inaugura-do o Museu de Territórios Cami-nhos Drummondianos, que se tor-nou um passeio turístico. O trajeto é marcado por placas-poemas loca-lizadas nos locais citados pelo poeta em suas obras.

Em 1990, Tônia Carrero, Paulo Autran e o coral Garganta Profun-da estrearam no Centro Cutural Banco do Brasil com o espetáculo Mundo, vasto mundo.

Em 1992, é lançado o volume O amor natural, com poemas eróticos de Carlos Drummond, ilustração de Milton Dacosta e projeto grá-fico de Alexandre Dacosta e Pedro Drummond.

96

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 96 04/07/11 16:40

Page 99: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

Entre 1999 e 2000, são lançados, pelo selo Luz da Cidade, três obras do autor em CD: Carlos Drummond de Andrade por Paulo Autran, Contos de aprendiz por Le-onardo Vieira, História de dois amores — contada por Odete Lara.

No ano de 2002, quando se comemorou o Centenário de nascimento do escritor, mui-tas foram as homenagens, dentre as quais se destacam o filme Poeta de sete faces, do di-retor Paulo Thiago, e a estátua na Praia de Copacabana.

A estátua de Carlos Drummond de An-drade, na praia de Copacabana, é visitada por muitos de seus admiradores. Mais do que isso, são muitos os que lhe dirigem a palavra, simbolicamente, e chegam a con-versar com o escritor.

No ano de 2010, a editora Record criou o twitter do autor, que tem muitos seguidores.

| Folhapress

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 97 04/07/11 16:40

Page 100: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

VIDA EM IMAGENS

Cronologia feita por Drummond com imagens | Arquivo Carlos Drummond de Andrade - AMLB/FCRB

98

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 98 06/07/11 10:57

Page 101: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

1902 Nasce em Itabira do Mato Dentro, Minas Gerais

1920 Muda-se com a família para Belo Horizonte

1922 Ganha prêmio com o conto “Joaquim no telhado”

1923 Ingressa na Escola de Odontologia e Farmácia de Belo Horizonte

1925 Casa-se com Dolores Dutra de Moraes

Conclui o Curso de Farmácia

1927 Trabalha como redator do Diário de Minas

1931 Falece seu pai, Carlos de Paula Andrade

1932 Trabalha com Gustavo Capanema na Secretaria do Interior

1937 Colabora na Revista acadêmica

1946 Colabora em jornais

Trabalha na diretoria do IPHAN

1951 Publica Claro enigma e Contos de aprendiz

1957 Publica Fala, amendoeira

1963 Recebe prêmios

1966 Publica Cadeira de balanço

1969 Começa a escrever para o Jornal do Brasil

Publica Reunião: 10 livros de poesia

1987 Falece em 17 de agosto

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 99 04/07/11 16:40

Page 102: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

Elucidação do labirinto da pág.12 Elucidação Completar Pontos da pág.73

Eu passava na Avenida quase meia-noite.

Foi no Rio

Foi no Rio

Havia a promessa do marFoi no R

ioFoi no Rio

Foi no Rio

Foi no Rio

Foi no Rio

Foi no Rio

Foi no Rio

Foi no Rio

voluptuosidade errante do calo

mil presentes da vida aos hom

ens indiferentes,

Bicos de seio batiam nos bicos de luz estrelas inumeráveis.

O mar batia em meu peito, já não batia no cais.

abafando o calor

e bondes tilintavam,

que soprava no vento

A rua acabou, quede as árvores? a cidade sou eu

autos abertos correndo caminho do mar

autos abertos correndo caminho do m

ar

meu coração bateu forte, m

eus olhos inúteis choraram.

que meu coração bateu forte, m

eus olhos inúteis choraram.

que meu coração bateu forte, meus olhos inúteis choraram.

que meu coração bateu forte, m

eus olhos inúteis choraram.

O grande pão de mel suspenso entre mar e céu

insinua os prazeres da cidade.

A boca, o paladar,

a trama dos sentidos serpenteia lá em

baixo. O sol nascente

serpenteia lá embaixo. O

sol nascente

serpenteia lá embaixo. O

sol nascente

e o sol cadente vestem de púrpura

a forma rígida. N

uvens ciganas

a forma rígida. N

uvens ciganas

ITABIRA

BELOHORIZONTE

ao descer,

ao descer,

volto de mãos vazias para casa.

Consciência mais leve do que asa

faz-se, desfaz-se, faz-se

uma incorpórea face

de hiatos e de vácuos

de elipses, psius

ei, pessoal: furtar jabuticaba.

Jabuticaba chupa-se no pé.

A�nal,

A�nal,

A�nal,

que é andrade? Andrade é árvore

hermafroditas

Mas que dizer do poeta

igarapé ribeirão rio corredeira

andrade é morro

povoado

povoado

povoado

ilha

numa prova escolar?

Que ele é meio pateta

e não sabe rimar?

autos abertos correndo caminho do mar

uma pedra e, estacando,

uma pedra e, estacando,

uma pedra e, estacando,

Muito riso escarninho

Muito riso escarninho

o foi logo cercando?

Atrás do grupo-escolar �cam

as jabuticabeiras.

Atrás do grupo-escolar �cam

as jabuticabeiras.

Atrás do grupo-escolar �cam as jabuticabeiras.

Estudar, a gente estuda. Mas depois,

Estudar, a gente estuda. Mas depois,

Na cidade toda de ferro

Na cidade toda de ferro

De cacos, de buracos

resumo de existido.

O furto exaure-se no ato de furtar.

Cada um de nós tem seu pedaço

As ferraduras batem

como sinos.

As ferraduras batem como sinos.

no pico do Cauê.

Mas as coisas �ndas,

Consciência mais leve do que asa

Mas as coisas �ndas,

Mas as coisas �ndas,

muito mais que lindas,

muito mais que lindas,

tornam-se insensíveis

à palma da m

ão.

apelo do não.

apelo do não.

apelo do não.

apelo do não.

apelo do não.

abafando o calor

apelo do não.

apelo do não.

apelo do não.

As coisas tangíveis

As coisas tangíveis

As coisas tangíveis

de folhas alternas �ores pálidas

Nada pode o olvido

contra o sem sentido

deixa confundido

este coração

este coraçãoeste coração

este coração

este coração

este coração

Tem as cores da vida e o sigilo da sombra.

Am

ar o perdido

A cada hora, desintegra-se, recom

põe-se,

assume formas inéditas de transparência.

meu amor.

meu am

or.

deixa confundido

deixa confundido

meu amor.

meu amor.

meu amor.

meu amor.

a cidade sou eu

sou eu a cidade

sou eu a cidade

O grande pão de mel suspenso entre mar e céu

É montanha ou aparição crepuscular.

essas �carão.A

s coisas tangíveis

As coisas tangíveis

essas �carão.

essas �carão.

Eu passava na Avenida quase meia-noite.

Foi no Rio

Foi no Rio

Havia a promessa do mar

Foi no RioFoi no R

io

Foi no Rio

Foi no Rio

Foi no Rio

Foi no Rio

Foi no Rio

Foi no Rio

voluptuosidade errante do calo

mil presentes da vida aos hom

ens indiferentes,

Bicos de seio batiam nos bicos de luz estrelas inumeráveis.

O mar batia em meu peito, já não batia no cais.

abafando o calor

e bondes tilintavam,

que soprava no vento

A rua acabou, quede as árvores? a cidade sou eu

autos abertos correndo caminho do mar

autos abertos correndo caminho do m

ar

meu coração bateu forte, m

eus olhos inúteis choraram.

que meu coração bateu forte, m

eus olhos inúteis choraram.

que meu coração bateu forte, meus olhos inúteis choraram.

que meu coração bateu forte, m

eus olhos inúteis choraram.

O grande pão de mel suspenso entre mar e céu

insinua os prazeres da cidade.

A boca, o paladar,

a trama dos sentidos serpenteia lá em

baixo. O sol nascente

serpenteia lá embaixo. O

sol nascente

serpenteia lá embaixo. O

sol nascente

e o sol cadente vestem de púrpura

a forma rígida. N

uvens ciganas

a forma rígida. N

uvens ciganas

brincam de subtraí-la.

ITABIRA

BELOHORIZONTE

RIO DEJANEIRO

ao descer,

ao descer,

volto de mãos vazias para casa.

Consciência mais leve do que asa

faz-se, desfaz-se, faz-se

uma incorpórea face

de hiatos e de vácuos

de elipses, psius

ei, pessoal: furtar jabuticaba.

Jabuticaba chupa-se no pé.

A�nal,

A�nal,

A�nal,

que é andrade? Andrade é árvore

hermafroditas

Mas que dizer do poeta

igarapé ribeirão rio corredeira

andrade é morro

povoado

povoado

povoado

ilha

numa prova escolar?

Que ele é meio pateta

e não sabe rimar?

autos abertos correndo caminho do mar

uma pedra e, estacando,

uma pedra e, estacando,

uma pedra e, estacando,

Muito riso escarninho

Muito riso escarninho

o foi logo cercando?

Atrás do grupo-escolar �cam

as jabuticabeiras.

Atrás do grupo-escolar �cam

as jabuticabeiras.

Atrás do grupo-escolar �cam as jabuticabeiras.

Estudar, a gente estuda. Mas depois,

Estudar, a gente estuda. Mas depois,

Na cidade toda de ferro

Na cidade toda de ferro

De cacos, de buracos

resumo de existido.

O furto exaure-se no ato de furtar.

Cada um de nós tem seu pedaço

As ferraduras batem

como sinos.

As ferraduras batem como sinos.

no pico do Cauê.

Mas as coisas �ndas,

Consciência mais leve do que asa

Mas as coisas �ndas,

Mas as coisas �ndas,

muito mais que lindas,

muito mais que lindas,

tornam-se insensíveis

à palma da m

ão.

apelo do não.

apelo do não.

apelo do não.

apelo do não.

apelo do não.

abafando o calor

apelo do não.

apelo do não.

apelo do não.

As coisas tangíveis

As coisas tangíveis

As coisas tangíveis

de folhas alternas �ores pálidas

Nada pode o olvido

contra o sem sentido

deixa confundido

este coração

este coraçãoeste coração

este coração

este coração

este coração

Tem as cores da vida e o sigilo da sombra.

Am

ar o perdido

A cada hora, desintegra-se, recom

põe-se,

assume formas inéditas de transparência.

meu amor.

meu am

or.

deixa confundido

deixa confundido

meu amor.

meu amor.

meu amor.

meu amor.

a cidade sou eu

sou eu a cidade

sou eu a cidade

sou eu a cidade

O grande pão de mel suspenso entre mar e céu

É montanha ou aparição crepuscular.

essas �carão.

essas �carão.

As coisas tangíveis

As coisas tangíveis

essas �carão.

hermafroditas

Eu passava na Avenida quase meia-noite.

Foi no Rio

Foi no Rio

Havia a promessa do mar

Foi no RioFoi no R

io

Foi no Rio

Foi no Rio

Foi no Rio

Foi no Rio

Foi no Rio

Foi no Rio

voluptuosidade errante do calo

mil presentes da vida aos hom

ens indiferentes,

Bicos de seio batiam nos bicos de luz estrelas inumeráveis.

O mar batia em meu peito, já não batia no cais.

abafando o calor

e bondes tilintavam,

que soprava no vento

A rua acabou, quede as árvores? a cidade sou eu

autos abertos correndo caminho do mar

autos abertos correndo caminho do m

ar

meu coração bateu forte, m

eus olhos inúteis choraram.

que meu coração bateu forte, m

eus olhos inúteis choraram.

que meu coração bateu forte, meus olhos inúteis choraram.

que meu coração bateu forte, m

eus olhos inúteis choraram.

O grande pão de mel suspenso entre mar e céu

insinua os prazeres da cidade.

A boca, o paladar,

a trama dos sentidos serpenteia lá em

baixo. O sol nascente

serpenteia lá embaixo. O

sol nascente

serpenteia lá embaixo. O

sol nascente

e o sol cadente vestem de púrpura

a forma rígida. N

uvens ciganas

a forma rígida. N

uvens ciganas

brincam de subtraí-la.

ITABIRA

BELOHORIZONTE

RIO DEJANEIRO

ao descer,

ao descer,

volto de mãos vazias para casa.

Consciência mais leve do que asa

faz-se, desfaz-se, faz-se

uma incorpórea face

de hiatos e de vácuos

de elipses, psius

ei, pessoal: furtar jabuticaba.

Jabuticaba chupa-se no pé.

A�nal,

A�nal,

A�nal,

que é andrade? Andrade é árvore

hermafroditas

Mas que dizer do poeta

igarapé ribeirão rio corredeira

andrade é morro

povoado

povoado

povoado

ilha

numa prova escolar?

Que ele é meio pateta

e não sabe rimar?

autos abertos correndo caminho do mar

uma pedra e, estacando,

uma pedra e, estacando,

uma pedra e, estacando,

Muito riso escarninho

Muito riso escarninho

o foi logo cercando?

Atrás do grupo-escolar �cam

as jabuticabeiras.

Atrás do grupo-escolar �cam

as jabuticabeiras.

Atrás do grupo-escolar �cam as jabuticabeiras.

Estudar, a gente estuda. Mas depois,

Estudar, a gente estuda. Mas depois,

Na cidade toda de ferro

Na cidade toda de ferro

De cacos, de buracos

resumo de existido.

O furto exaure-se no ato de furtar.

Cada um de nós tem seu pedaço

As ferraduras batem

como sinos.

As ferraduras batem como sinos.

no pico do Cauê.

Mas as coisas �ndas,

Consciência mais leve do que asa

Mas as coisas �ndas,

Mas as coisas �ndas,

muito mais que lindas,

muito mais que lindas,

tornam-se insensíveis

à palma da m

ão.

apelo do não.

apelo do não.

apelo do não.

apelo do não.

apelo do não.

abafando o calor

apelo do não.

apelo do não.

apelo do não.

As coisas tangíveis

As coisas tangíveis

As coisas tangíveis

de folhas alternas �ores pálidas

Nada pode o olvido

contra o sem sentido

deixa confundido

este coração

este coraçãoeste coração

este coração

este coraçãoeste coração

Tem as cores da vida e o sigilo da sombra.

Am

ar o perdido

A cada hora, desintegra-se, recom

põe-se,

assume formas inéditas de transparência.

meu amor.

meu am

or.

deixa confundido

deixa confundido

meu amor.

meu amor.

meu amor.

meu amor.

a cidade sou eu

sou eu a cidade

sou eu a cidade

sou eu a cidade

O grande pão de mel suspenso entre mar e céu

É montanha ou aparição crepuscular.

essas �carão.

essas �carão.

As coisas tangíveis

As coisas tangíveis

essas �carão.

hermafroditas

CARTA ENIGMÁTICA: CIDADEZINHA QUALQUER

Casas entre bananeirasmulheres entre laranjeiraspomar amor cantar.

Um homem vai devagar.Um cachorro vai devagar.Um burro vai devagar.Devagar… as janelas olham.

Eta vida besta, meu Deus.

Elucidação da Carta enigmatica da pág. 27

eluCidações

100

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 100 04/07/11 16:40

Page 103: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

ETERNO - PALAVRAS NO MAR - INVENTÁRIO - CANÇÃO AMIGA - A FLOR E A NÁUSEA - O MEDO - POEMA DE SETE FACES - NO MEIO DO CAMINHO - TRISTEZA NO CÉU - SEGREDO - LAGOA - NOTURNO MINEIRO - INFÂNCIA - CONFIDÊNCIA DO ITABIRANO - O ENIGMA - ITABIRA

Encontre nesta cruzadinha 16 poemas do poeta itabirano:CRUZADINHA DE POEMAS

Encontre nesta cruzadinha 16 poemas do poeta itabirano:CRUZADINHA DE POEMAS

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16

Elucidação das Palavras cruzadas da pág. 87

Elucidação dos Sete erros da pág. 75

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 101 04/07/11 16:40

Page 104: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

ANDRADE, Carlos Drummond de. Cadeira de balanço. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1968.

_____. (sel. e mont.). Uma pedra no meio do caminho: biografia de um poema. 2. ed. aum. São Paulo: Instituto Moreira Salles, 2010.

_____. O observador no escritório. Rio de Janeiro: Record, 1985.

_____. Os dias lindos. Rio de Janeiro: Record, 1995.

_____. Poesia completa. Rio de Janeiro: Aguilar, 2006.

_____. Prosa Seleta. Rio de Janeiro: Aguilar, 2003.

_____. Seleta em prosa e verso. Rio de Janeiro: Record, 1995.

AZEVEDO, Ezequiel de. O Tico-Tico: cem anos de revista. São Paulo: V. Lettera, 2005.

BARATA, Carlos Eduardo de Almeida; BUENO, Antônio Henrique da. Dicionário das famílias brasileiras. São Paulo: Ibero-América, 1999.

BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política. 5. ed. São Paulo: Brasiliense. 1993.

BRISSAC, Nelson. et al. Itabira: desenvolvimento, cultura e tecnologia — propostas para reconversão pós-mineração. São Paulo: PUC-SP, 2006. Disponível em: <www.pucsp.br/artecidade/itabira/apresentacao.pdf>. Acesso em: maio 2010.

CANÇADO, José Maria. Os sapatos de Orfeu: biografia de Carlos Drummond de Andrade. São Paulo: P. Aberta, 1993.

CARDOSO, Rafael (org.). Impresso no Brasil. Rio de Janeiro: Brasil, 2009.

CASCUDO, Câmara. História da alimentação no Brasil. São Paulo: Global, 2009.

CAVALCANTI, Lauro. Quando o Brasil era moderno: guia de arquitetura 1928-2001. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2001.

COSTA, Ana Leticia. Broa de fubá. Mineiras, uai!. Belo Horizonte, 14 jan. 2006. Disponível em: <mineirasuai.blogspot.com/2006/01/broa-de-fub.html>. Acesso em: maio 2010.

FERRAZ. Claudio B. O. Geografia: o olhar e a imagem pictórica In: PRO-POSIÇÕES. Campinas/SP: UNICAMP, p. 29-42. V. 20, n. 3, set./dez. 2009. Revista Quadrimestral da Faculdade de Educação.

IBGE. Atlas das Representações Literárias das Regiões Brasileiras — Brasil Meridional. Rio de Janeiro: IBGE, 2006. v.1.

IBGE. Atlas geográfico escolar. 4. ed. Rio de Janeiro: IBGE, 2007.

INSTITUTO BRASILEIRO DE EDIÇÕES PEDAGÓGICAS (Ed.). Dona Benta: Comer bem. São Paulo: Nacional, 2009.

RefeRências BiBLiOGRÁficas

102

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 102 06/07/11 10:57

Page 105: Almanaque Carlos Drummond de Andrade

JAGUARIBE, Sérgio de Magalhães Gomes; AUGUSTO, Sérgio (org.). O Pasquim: 1969-1971. Rio de Janeiro: Desiderata, 2006. v. 1. Antologia.

MAPA de Itabira e cidades mineiras. Belo Horizonte: Hartimann, 1922. 1 mapa. Escala 1:450.000. Disponível em: <www.asminasgerais.com.br/qf/univlercidades/mapas/antigos/05.jpg>. Acesso em: maio 2010.

MEINIG, Donald. O olho que observa: dez versões sobre a mesma cena. In: Revista Espaço e Cultura. Rio de Janeiro: UERJ/Nepec, n. 3, 1996. P. 35-46.

MORAES NETO, Geneton. Dossiê Drummond. 2. ed. rev. e aum. São Paulo: Globo, 2007. Prefácio de Paulo Francis e posfácio do autor.

OLIVA, Joan. A primeira Carta Portulano. In: INSTITUTO CULTURAL BANCO SANTOS. O Tesouro dos Mapas — A cartografia na formação do Brasil. São Paulo, 2002. CD-ROM.

PUDIM de leite. Almanaque d’O PAIZ. Rio de Janeiro, p. vi, 1910.

RIO, João do. A alma encantadora das ruas. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, 1908 In: DOMÍNIO Público. Disponível em: <www.dominiopublico.gov.br>. Acesso em: maio 2010.

SANTOS, Milton. O Espaço do Cidadão. São Paulo: Nobel, 1987.

SILVA, Maria das Graças Souza e; SOUZA, Maria do Rosário Guimarães. Itabira — vulnerabilidade ambiental: impactos e riscos socioambientais advindos da mineração em área urbana. In: ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ESTUDOS POPULACIONAIS, 13., 2002, Ouro Preto. Anais... Ouro Preto: ABEP, 2002. v.1, 17. p. Disponível em:<www.abep.org.br>. Acesso em: junho 2010.

SOUZA, Marcos T. R. de. As etapas de estruturação dos meios de transporte no Brasil e o desenvolvimento desigual. In: PORTAL de periódicos do Campus de Jataí. Geoambiente on-line. Jataí/GO, 2005. n. 4. Disponível em: <www2.jatai.ufg.br/ojs/index.php/geoambiente/article/view/26/22>. Acesso em: maio 2010.

_AF AlmanaqueCDA Miolo.indd 103 04/07/11 16:40

Page 106: Almanaque Carlos Drummond de Andrade
Page 107: Almanaque Carlos Drummond de Andrade