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Análise da Música "Construção", de Chico Buarque

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Page 1: Análise da Música "Construção", de Chico Buarque

Construção Chico Buarque

Amou daquela vez como se fosse a última Beijou sua mulher como se fosse a última

E cada filho seu como se fosse o único E atravessou a rua com seu passo tímido

Subiu a construção como se fosse máquina Ergueu no patamar quatro paredes sólidas

Tijolo com tijolo num desenho mágico Seus olhos embotados de cimento e lágrima Sentou pra descansar como se fosse sábado

Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago Dançou e gargalhou como se ouvisse música E tropeçou no céu como se fosse um bêbado

E flutuou no ar como se fosse um pássaro E se acabou no chão feito um pacote flácido

Agonizou no meio do passeio público Morreu na contramão atrapalhando o tráfego

Amou daquela vez como se fosse o último Beijou sua mulher como se fosse a única E cada filho seu como se fosse o pródigo

E atravessou a rua com seu passo bêbado Subiu a construção como se fosse sólido

Ergueu no patamar quatro paredes mágicas Tijolo com tijolo num desenho lógico

Seus olhos embotados de cimento e tráfego Sentou pra descansar como se fosse um príncipe Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo

Bebeu e soluçou como se fosse máquina Dançou e gargalhou como se fosse o próximo

E tropeçou no céu como se ouvisse música E flutuou no ar como se fosse sábado

E se acabou no chão feito um pacote tímido Agonizou no meio do passeio náufrago

Morreu na contramão atrapalhando o público

Amou daquela vez como se fosse máquina Beijou sua mulher como se fosse lógico

Ergueu no patamar quatro paredes flácidas Sentou pra descansar como se fosse um pássaro

E flutuou no ar como se fosse um príncipe E se acabou no chão feito um pacote bêbado Morreu na contramão atrapalhando o sábado

Por esse pão pra comer, por esse chão prá dormir A certidão pra nascer e a concessão pra sorrir Por me deixar respirar, por me deixar existir,

Deus lhe pague Pela cachaça de graça que a gente tem que engolir

Pela fumaça e a desgraça, que a gente tem que tossir Pelos andaimes pingentes que a gente tem que cair,

Deus lhe pague Pela mulher carpideira pra nos louvar e cuspir E pelas moscas bicheiras a nos beijar e cobrir

E pela paz derradeira que enfim vai nos redimir, Deus lhe pague.

Page 2: Análise da Música "Construção", de Chico Buarque

IFMA – Instituto Federal do Maranhão

Português – Professora Joelina

Um Parafuso da Engrenagem Capitalista Análise da música “Construção”, de Chico Buarque.

Considerada, em 2001, pelo jornal Folha de São Paulo como a

segunda melhor canção brasileira de todos os tempos - atrás de Águas de

Março, de Tom Jobim, e em 2009, pela revista Rolling Stone, como a melhor

canção brasileira de todos os tempos, “Construção”, de Chico Buarque de

Holanda, nasceu em um dos períodos mais severos da ditadura militar

brasileira, em que um dos setores que mais se expandiam com o crescimento

econômico era o da construção civil.. Oprimido pela censura e perseguição

política de 1970, Chico volta da Itália para deixar uma das suas maiores

contribuições para a MPB e a música em sua plenitude.

"Construção" narra a história de um trabalhador da construção

civil morto no exercício de sua profissão, desde a saída de casa para o trabalho

até o momento da queda mortal. A letra contém uma forte crítica

à alienação do trabalhador na sociedade capitalista moderna e urbana,

reduzido à condição mecânica.

A música, em geral, evidencia a tese básica do processo de alienação,

designada no Marxismo pela total reificação do operário, que, em dado

momento, expõe os seus sentimentos de maneira lógica, a exemplo de um

objeto que funciona segundo as coordenadas de uma irretorquível engenharia.

O operário sem nome faz tudo sem questionar, apenas condicionado

ao seu trabalho; algo tão comum que o faz automaticamente. Remete-se à

submissão forçada, o obedecer-ou-ser-punido, da ditadura militar.

Quando esse trabalhador morre, a constatação é de que sua morte

apenas atrapalha a sociedade, perturba o sistema. Em “Construção” pode-se decodificar não apenas o “problema social”

do operário não qualificado, que se expõe à morte pela precariedade das

condições de segurança no trabalho, mas, alargando-se o campo, pode-se ver

aí a alegoria do corpo social fragmentado, de uma sociedade desintegrada e

mutiladora, que isola os indivíduos. A música pode se enquadrar como um

testemunho doloroso das relações injustas entre o capital e o trabalho. O

homem é o ser que constrói, mas é destruído.

Ainda assim, Chico declarou, em entrevista concedida à revista Status,

em 1973, que "Construção" não era para ele uma música de denúncia ou

protesto. "(...) Em Construção, a emoção estava no jogo de palavras. Agora, se

você coloca um ser humano dentro de um jogo de palavras, como se fosse...

um tijolo - acaba mexendo com a emoção das pessoas."

Marcus Davy Viana Nogueira Informática 503