128
1 A Equaªo de Schrdinger Como vimos no caso da quantizaªo de Sommerfeld, a descriªo da Mecnica ClÆssica (MC) adequada para se introduzir um processo de quantizaªo nªo Ø a formulaªo de Newton. Isso Ø verdade em geral. Tanto para os processos da velha mecnica quntica, quanto da nova atØ a sua evoluªo relativstica (a Teoria Quntica de Campos ). Um primeiro ponto que podemos salientar Ø que, tendo como base uma descriªo ondulatria, as equaıes envolvidas no processo de descriªo quntica devem, assim como a equaªo de onda, envolver derivadas parciais. Enquanto a mecnica de Newton envolve derivadas totais. AlØm disso, como veremos a seguir, existe uma semelhana muito grande (notada bem antes do advento da MQ) entre estas outras descriıes da MC (Hamilton, Lagrange etc) e a descriªo das caractersticas da luz na ptica geomØtrica. De uma forma geral, nªo s nesta parte do curso como na segunda parte (Moderna II) Ø impossvel apreciar o processo de surgimento e evoluªo da MQ sem um conhec- imento (ainda que enciclopØdico) da descriªo clÆssica da Mecnica Analtica. Destarte, dedicaremos algum tempo para ganharmos uma certa familiaridade com os termos e expressıes envolvidos na Mecnica Analtica. 1.1 Preliminar Se f = f (a; b) Ø uma funªo de duas variÆveis a; b entªo df = @f @a da + @f @b db e, da mesma forma, se df = g:da + h:db = ) f = f (a; b) nªo importando de quais variÆveis depende g e h. Pois, independente desta variÆveis, a funªo f s varia quando alteramos a e b. 1.2 Equaıes de Euler-Lagrange Partindo da equaªo de Newton temos F i = m d 2 x i dt 2 (1) Para foras conservativas F i = @V @x i = m d dt _ x i (2) A energia cinØtica em coordenadas cartesianas Ø dada por (onde, assim como na notaªo da relatividade, estamos admitindo que sempre existe uma somatria implcita quando dois ndices se repetem) T = 1 2 (_ x k ) 2 ; (_ x k ) 2 = X i _ x 2 k 1

Apontamento quantica

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Page 1: Apontamento quantica

1 A Equação de Schrödinger

Como vimos no caso da quantização de Sommerfeld, a descrição da MecânicaClássica (MC) adequada para se introduzir um processo de quantização não éa formulação de Newton. Isso é verdade em geral. Tanto para os processosda velha mecânica quântica, quanto da nova até a sua evolução relativística (aTeoria Quântica de Campos). Um primeiro ponto que podemos salientar é que,tendo como base uma descrição ondulatória, as equações envolvidas no processode descrição quântica devem, assim como a equação de onda, envolver derivadasparciais. Enquanto a mecânica de Newton envolve derivadas totais. Além disso,como veremos a seguir, existe uma semelhança muito grande (notada bem antesdo advento da MQ) entre estas outras descrições da MC (Hamilton, Lagrangeetc) e a descrição das características da luz na óptica geométrica. De umaforma geral, não só nesta parte do curso como na segunda parte (Moderna II) éimpossível apreciar o processo de surgimento e evolução da MQ sem um conhec-imento (ainda que enciclopédico) da descrição clássica da Mecânica Analítica.Destarte, dedicaremos algum tempo para ganharmos uma certa familiaridadecom os termos e expressões envolvidos na Mecânica Analítica.

1.1 Preliminar

Se f = f (a; b) é uma função de duas variáveis a; b então

df =@f

@ada+

@f

@bdb

e, da mesma forma, se

df = g:da+ h:db =) f = f (a; b)

não importando de quais variáveis depende g e h. Pois, independente destavariáveis, a função f só varia quando alteramos a e b.

1.2 Equações de Euler-Lagrange

Partindo da equação de Newton temos

Fi = md2xidt2

(1)

Para forças conservativas

Fi = �@V

@xi= m

d

dt_xi (2)

A energia cinética em coordenadas cartesianas é dada por (onde, assim como nanotação da relatividade, estamos admitindo que sempre existe uma somatóriaimplícita quando dois índices se repetem)

T =1

2( _xk)

2; ( _xk)

2=Xi

_x2k

1

Page 2: Apontamento quantica

com isso temos

@T

@ _xi=m

2

@

@xi( _xk) ( _xk) =

1

2

��@ _xk@ _xi

�_xk + _xk

@ _xk@ _xi

�=m

2[(�ik) _xk + _xk�ik] = m _xi

Voltando em (2)

� @U@xi

=d

dtm _xi =

d

dt

@T

@ _xi=) d

dt

@T

@ _xi+@U

@xi= 0 ; i = 1; 2; 3: (3)

Para siatema conservativos a energia potencial depende apenas das coordenadasU = U (xi; t). Enquanto a energia cinética é, em coordenadas cartesianas1 , umafunção apenas das velocidades, T = T ( _xi). Podemos com isso de�nir umafunção que depende de x e _x

L (xi; _xi; t) = T ( _xi)� U (xi; t)

com isso@L

@ _xi=@T

@ _xi;@L

@xi= � @U

@xi

Substituindo em (3) temos

d

dt

@L

@ _xi� @L

@xi= 0

A função L é chamada de lagrangiana do sistema e as (3) equações acima asequações de Lagrange.

1.2.1 Coordenadas generalizadas

Pela construção acima vemos que as equações diferenciais parciais de Lagrangesão equivalente a equações de Newton. A princípio equações diferenciais parciaissão mais complicadas que EDO. Entretanto, existe uma grande vantagem nasequações de Lagrange.Suponha que você queira resolver o problema de pêndulo sob a ação da

gravidade. O ideal, neste caso, é usar a coordenada polar �. Para obter asequações do movimento na mecânica de Newton você deve escrever

x = R cos � ; y = R sin � ;

calcular �x e �y, substituir na equação de Newton e usar o vínculo

x2 + y2 = R2 :

1Em coordenadas polares, por exemplo, a energia cinética

T =1

m

�_r2 + _r2 _�2

�;

depende da coordenada 6 r.

2

Page 3: Apontamento quantica

Vamos ver como obter as equações do movimento na mecânica de Lagrange.Primeiro nos obtemos a energia cinética

T =1

2mv2 ; v = R _� =) T =

1

2mR2 _�2

enquanto a energia potencial é dada por

V (�) = mgR (1� cos �)Com isso temos

L = T � V = 1

2mR2 _�2 �mgR (1� cos �)

Se esquecermos por um instante que estamos usando coodenadas polares e us-armos as equações de Lagrange (trocando x por �) temos

@L

@�=

@

@�

�1

2mR2 _�2 �mgR (1� cos �)

�= mgR

@

@�(cos �) = �mgR sin �

@L

@ _�=

@

@ _�

�1

2mR2 _�2 �mgR (1� cos �)

�= mR2 _�

com isso,

d

dt

@L

@ _�� @L

@�=

d

dt

�mR2 _�

�+mgR sin �

= mR2�� +mgR sin � = 0

ou ainda�� +

g

Rsin � = 0 :

Que é precisamente a equação que seria obtida a partir da equação de Newtone o laborioso processo descrito acima.Este resultado pode ser provado de forma geral usando uma transformação

geral de coordenadas.Assim, utilizando as equações de Lagrange temos uma liberdade completa

na escolha das coordenadas do sistema, o que pode ser utilizado explorando assimetrias do problema. Ou seja, a principal vantagem das equações de Lagrangeé que elas independem do sistema de coordenadas usados. Com isso, se qi é umconjunto qualquer de coordenadas que descrevem um sistema mecânico, estesistema deve obedecer as equações de Lagrange

d

dt

@L

@ _qi� @L

@qi= 0 : (4)

As coordenadas qi são chamadas de coordenadas generalizadas.

Remark 1 Mais uma vez, enquanto a equação de Newton (1) só tem esta formaem coordenadas cartesianas, as equações de Lagrange (4) têm esta forma emqualquer sistema de coordenadas.

Exercise 2 Uma conta (miçanguinha) de massa m pode se mover livrementenuma barra rígida e reta que gira com velocidade constante !. Escreva a equaçãodo movimento da conta.

3

Page 4: Apontamento quantica

2 Transformada de Legendre

Em uma série de problemas em física é importante mudarmos as variáveis queusamos num problema. Por exemplo, na termodinâmica uma quantidade muitoimportante é a energia interna de um sistema U (S; V ). Um inconvenientedesta quantidade é que ela depende da entropia S, uma quantidade que nãopode ser medida diretamente com nenhum instrumento. Entretanto, pelas leisda termodinâmica, sabemos que a temperatura T de um corpo é a variação dasua energia interna com a entropia

T =@U

@S: (5)

Vamos então de�nir uma nova quantidade F como

F = T:S � U (6)

Diferenciando esta quantidade temos

dF = TdS + SdT � dU ;

Sabendo que U = U (S; V ) temos

dU =@U

@SdS +

@U

@VdV ; (7)

com isso

dF = TdS + SdT � @U

@SdS � @U

@TdT

=

�T � @U

@S

�dS + SdT � @U

@VdV

O fato importante na de�nição de F é que, usando (5), temos

dF = SdT � @U

@VdV ; (8)

ou seja, a função (6) assim de�nida não depende da entropia

F = F (T; V )

Com isso

dF =@F

@TdT +

@F

@VdV ;

comparando com (8) temos

S =@F

@T;@F

@V= �@U

@V:

O importante da quantidade F , chamada energia livre de Helmholtz, é que eladepende da temperatura e do volume, ambas quantidades que, diferente daentropia, podem ser medidas com instrumentos usuais.

4

Page 5: Apontamento quantica

� Ou seja, podemos determinar F estudando as variações das característicado sistema com respeito ao seu volume e a sua temperatura.

O procedimento acima é um exemplo de um procedimento mais geral chamadode transformada de Legendre. De forma geral, se f = f (x1; x2; :::; y1; y2; :::)podemos de�nir uma nova função

g = piyi � f

(somatória em i) onde

pi =@f

@yi

com isso

dg = (dpi:yi + pi:dyi)� df

= (dpi:yi + pi:dyi)��@f

@xidxi +

@f

@yidyi

�=

��pi �

@f

@yi

�dyi + dpi:yi �

@f

@xidxi

�que, pela de�nição de pi,

dg = yi:dpi �@f

@xidxi

Ou seja a função g não depende mais de yi, mas sim de um novo conjunto devariáveis pi.

3 Equações de Hamilton

Nosso objetivo agora é usar a transformada de Legendre nas equações de La-grange. Primeiramente lembramos que, pela de�nição acima

L = L (qi; _qi) ;

ou seja, a Lagrangiana depende das posições e das velocidades.Agora vamos de�nir a quantidade

H = pi _qi � L (9)

onde

pi =@L

@ _qi

é chamado momento conjugado da variável qi (i.e., para q = x temos um mo-mento linear, para q = � um momento angular e, no caso geral, um momento

5

Page 6: Apontamento quantica

conjugado). Das equações de Lagrange temos que, se uma determinada coorde-nada qm não aparece na Lagrangiana (chamada de coordenada cíclica)

@L

@qm= 0 =) d

dt

@L

@ _qi= _pi = 0 =) pi = const:

então o momento associado a esta coordenada se conserva (e.g., para umapartícula livre L = T o momento linear em qualquer direção se conserva).Seguindo o procedimento da seção anterior temos

dH = dpi: _qi + pi:d _qi � dL :

Lembrando que L = L (q; _q) temos

dL =@L

@qidqi +

@L

@ _qid _qi ;

com isso

dH = dpi: _qi + pi:d _qi ��@L

@qidqi +

@L

@ _qid _qi

�;

=

�pi �

@L

@ _qi

�d _qi + _qi:dpi �

@L

@qidqi ;

e pela de�nição de pi

dH = _qi:dpi �@L

@qidqi (10)

e, como esperávamos, a função H assim obtida é uma função de q e p e não maisde _q, H = H (q; p). A quantidade H assim de�nida é chamada de Hamiltoniana.Sabendo que H = H (q; p) temos

dH =@H

@qidqi +

@H

@pidpi :

Lembrando agora que q e p são coordenadas independentes em H (assim comoq e _q eram em L, i.e, obviamente _q depende de q, mas é exatamente está relaçãoque queremos encontrar ao resolver a equações de Lagrange) e comparando com(10) temos

@H

@pi= _qi ;

@H

@qi= � @L

@qi

Se usarmos agora as equações de Lagrange temos

@L

@qi=

d

dt

@L

@ _qi

Lembrando a de�nição de p

pi =@L

@ _qi=) @L

@qi=

d

dtpi = _pi

6

Page 7: Apontamento quantica

Com o que@H

@pi= _qi ;

@H

@qi= � _pi : (11)

Estas são as chamadas equações de Hamilton (EH).Qual a vantagem destas equações?Uma vantagem prática destas equações é que elas possuem apenas derivadas

de primeira ordem. Como a equação de Newton, a equação de Lagrange pos-sui derivadas das velocidades o que resulta em derivadas de segunda ordem naposição. Obviamente perdemos algo ao ganharmos esta facilidade. O ponto éque temos dois pares de EH, ou seja, usando a transformada de Legendre con-seguimos transformar um sistema de n equações diferenciais de segunda ordemnum sistema de 2n equações diferenciais de primeira ordem2 .

3.0.2 Signi�cado físico da Hamiltoniana

No caso geral, a energia cinética de um sistema é uma função quadrática dasvelocidades generalizadas

T = aij _qi _qj ; aij = aij (q)

(somatória em i e j) no caso de coordenadas cartesianas aij = �ij12m. Diferen-

ciando a expressão acima temos

@T

@ _qk=X�

aij@ _qi@ _qk

_qj + aij _qi@ _qj@ _qk

�=X

(aij�ik _qj + aij _qi�jk)

=Xij

aij�ik _qj +Xij

aij _qi�jk

=Xj

akj _qj +Xi

aik _qi

=Xi

aki _qi +Xi

aik _qi

Multiplicando por _qk e efetuando uma somatória em k temosXk

@T

@ _qk_qk =

Xi;k

aki _qi _qk +Xi;k

aik _qi _qk

= T + T = 2T

2Na verdade, esta não é a maior vantagem da EH, mas sim que, além de todo o conjunto detransformações de coordenadas disponíveis na formulação de Lagrange, tempos agora um con-junto muito maior de transformações a nossa disposição. Voltaremos a isso quando falarmosem transformações canônicas.

7

Page 8: Apontamento quantica

Este resultado é conhecido como teorema de Euler. Se usarmos agora esteresultado na de�nição de H temos

H =Xi

pi _qi � L

=Xi

@L

@ _qi_qi � (T � U)

=Xi

@T

@ _qi_qi � (T � U)

= 2T � T + U= T + U :

Ou seja, a hamiltoniana é a energia total do sistema.Observe que, diferente da Lagrangiana (T �U) a energia total do sistema é

uma quantidade que pode ser medida e, além disso, é uma quantidadeconservada para um sistema isolado. Esta é outra vantagem da teoria deHamilton. Assim, utilizando a mecânica de Hamilton podemos, a partir daenergia total do sistema e de um sistema de 2n equações de primeira ordem,estudar a dinâmica dos corpos.

3.1 Princípio variacional

Um problema importante e comumente encontrado é o seguinte: dada umafunção y = f (x) para quais valores de x a função f , e conseqüente y, possuivalores máximos e mínimos (estes valores são chamados de extremos da função).A resposta, obviamente, são os pontos onde a derivada de f se anula.Um problema bem mais complicado, e interessante, é o seguinte: considere

a integral

I =

Z b

a

F (y (x) ; y0 (x) ; x) dx

onde F é uma dada função de y (x), y0 = dy=dx e x. Assim, para cada funçãoy (x) diferente I assume um valor diferente. Para quais funções y(x) a integralI é um extremos?Antes um pouco de nomenclaturas. Dada uma certa função y(x) podemos

calcular o valor de I. A quantidade I, que depende de uma função, e não apenasde um número, é chamada de funcional. Outro ponto importante é que dado dosvalores y(x0) = a1 e y0(x0) = a2 é sempre possível encontrar uma função y(x)que satisfaça esta condição. Neste sentido, as variáveis y e y0 são tratadas emF como sendo independentes. Agora, para calcular I nós não podemos darapenas o valor de y(x) num dado ponto x0, mas sim o valor desta função em todoo intervalo x 2 [a; b], ou seja, precisamos dar toda uma curva y(x). Dada umacurva o valor da derivada desta curva está completamente determinada. Assim,em I não é possível se especi�car separadamente o valor de y e y0. Resumindoenquanto F é uma função de y, y0 e x

F = F (y; y0; x)

8

Page 9: Apontamento quantica

Figure 1: Figura retirada do Marion.

enquanto I é um funcional apenas de y

I = I [y] :

Nosso problema de encontrar a função y para a qual I é um extremo é umproblema do chamado cálculo variacional.Por que a derivada de uma função é nula nos extremos? Isso ocorre porque a

variações do parâmetro (x) em torno deste ponto não geram variações na funçãoy(x) (pelo menos até primeira ordem em dx). O mesmo acontece com umafunção de duas variáveis (o que pode ser visualizado facilmente) ou com funçõescom um número qualquer de variáveis (o que não é tão simples de visualizar). Ouseja, se estivermos num ponto extremo da função, ao deslocarmos o argumentouma quantidade in�nitesimal não haverá variação da nossa função. A idéia pordetrás do cálculo variacional é exatamente a mesma. Se tivermos encontradoa função y(x) para a qual nosso funcional I [y] é um extremos, esperamos queao variamos um pouco esta função (ou seja, pegarmos uma curva �y(x) muitopróxima a y (x)) o valor do nosso funcional não irá variar (Figura).Suponha que y (x) é a função que resolve este problema (obviamente esta é

a função que queremos encontra). O fato de y (x) ser um extremo de I signi�caentão que com pequenas variações em torno de y (x) o valor do integrando nãovaria apreciavelmente (de forma análoga ao cálculo ordinário). Vamos entãoanalisar como I varia se substituímos y pela função (Figura)

�y (x) = y (x) + "� (x)

9

Page 10: Apontamento quantica

para uma função � (x) que, apesar de arbitrária, vamos supor dada, i.e., vamosvariar apenas o valor de ". Como queremos estudar todas as funções que passampelo mesmo ponto inicial e �nal devemos ter

�y (a) = y (a) ; �y (b) = y (b) =) �y (a) = �y (b) = 0 :

Para a variação acima (onde y e � são funções conhecidas) nosso integrando Ipassa a ser uma função (pois " é um número) de "

I [y]! I (") =

Z b

a

F (y + "�; y0 + "�0; x) dx :

O ponto é que agora, como é uma função, podemos usar o resultado do cálculousual é dizer que para " = 0 a nossa função I é um extremo e, consequentemente,sua derivada é nula, ou seja,

dI

d"

����"=0

= 0 : (12)

Tudo que precisamos agora é de�nir a diferencial dI=d". Fazemos isso da formausual

dI

d"= lim"!0

I [y + "]� I [y]"

= lim"!0

1

"

"Z b

a

F (y + "�; y0 + "�0; x) dx�Z b

a

F (y; y0; x) dx

#

= lim"!0

1

"

Z b

a

[F (y + "�; y0 + "�0; x)� F (y; y0; x)] dx

=

Z b

a

lim"!0

[F (y + "�; y0 + "�0; x)� F (y; y0; x)]"

dx :

Agora

F (y + "�; y0 + "�0; x) = F (y; y0; x) +@F

@y"� +

@F

@y0"�0 +O

�"2�

ou seja

lim"!0

F (y + "�; y0 + "�0; x)� F (y; y0; x)"

=@F

@y� +

@F

@y0�0

com issodI

d"=

Z b

a

�@F

@y� +

@F

@y0�0�dx : (13)

Lembrando que �0 = d�=dx podemos integrar o segundo membro da expressãoacima por partesZ b

a

@F

@y0d�

dxdx =

�@F

@y0�

�ba

�Z b

a

�d

dx

@F

@y0

�� dx : (14)

Agora usamos o fato de que a função � (x) (apesar de arbitrária) deve se anularnos extremos � (a) = � (b) = 0Z b

a

@F

@y0d�

dxdx = �

Z b

a

�d

dx

@F

@y0

�� dx :

10

Page 11: Apontamento quantica

Substituindo em (13) temos

dI

d"=

Z b

a

�@F

@y� �

�d

dx

@F

@y0

��

�dx

=

Z b

a

�@F

@y��d

dx

@F

@y0

��� dx : (15)

Voltando agora para (12) temos�dI

d"

�"=0

= 0 =

Z b

a

�@F

@y��d

dx

@F

@y0

��� dx

Para qualquer função � (x). Isso só é possível se o integrando for zero

@F

@y��d

dx

@F

@y0

�= 0 :

Para F uma função de várias variáveis este resultado tem de ser válido inde-pendentemente para cada variação

@F

@yi��d

dx

@F

@y0i

�= 0 (16)

Esta é a chamada equação de Euler.Observe que, no �nal, a nossa expressão (15) não depende de ". Além disso,

para lembrar que não estamos falando do cálculo usual, as pessoas inventam umnovo símbolo para a derivada (mas é apenas um símbolo)

dI

d"� �I [y] = �

Z b

a

F (y; y0; x) dx :

E lesse a variação funcional de I. Ou ainda, se mudarmos a notação para � � �ye usarmos a notação acima, (15) pode ser escrita como

dI

d"� �I [y] =

Z b

a

�@F

@y��d

dx

@F

@y0

���y dx (17)

e, em analogia com o cálculo ordinário de uma função f (x), costuma-se escrever

df =df

dxdx! �I [y] �

Z b

a

�I

�y�y dx =

Z b

a

�@F

@y��d

dx

@F

@y0

���y dx ;

ou seja,�I

�y=@F

@y��d

dx

@F

@y0

�e lesse, a derivada funcional de I [y] em relação a função y (x). Mais uma vez,isso é apenas uma notação3 , mas é importante que você a conheça porque ela émuito usada em livros e artigos.

3Obviamente existe muito mais por trás do cálculo variacional. Mas se trabalharmos apenascom funções bem comportadas (e.g., diferenciáveis em todos os pontos), na grande maioriados casos podemos encarar � apenas como uma notação.

11

Page 12: Apontamento quantica

Figure 2: Figura retirada do Marion de Mecânica.

Com isso, nesta simbologia, a nossa expressão �ca

�I [y] = �

Z b

a

F (y; y0; x) dx = 0 =) �I

�y=

�d

dx

@F

@y0i

�� @F

@yi= 0 :

e lesse que, o fato da derivada funcional de I ser um extremo implica na equaçãode Euler.

3.1.1 Exemplo: a braquistocrôna.

Um problema variacional bastante famoso, proposto em numa revista ciêntí�capor Bernoulli em 1696, é o chamado problema da braquistocrôna (do grego,o tempo mais curto). Imagine dois pontos num plano, (x1; y1) e (x2; y2), seuma força constante for aplicada na direção x e uma partícula de massa m semover do primeiro ponto ao segundo sob ação desta força, qual o caminho queesta partícula deve percorrer para efetua o trajeto no menor tempo possível?Imagine que você quer colocar um cano para guiar o movimento de uma bolinhae quer saber a forma do cano para minimizar o tempo de percurso. A respostado problema acima é exatamente a trajetória que a sua pedra terá de fazer.Ou ainda, imagine que você pendure uma corrente entre os dois pontos acima(onde a força é, novamente, a gravidade), que curva esta corrente irá desenhar(esta curva se chama catenária)? Todos estes exemplos se referem ao mesmoproblema. Vamos então a sua solução. Para fazer uma referência mais naturala força gravitacional, colocamos os eixos como na �gura abaixoSabemos que a energia total do sistema T + U se conserva. Colocando o

zero do potencial no ponto de início (x1; y1) e considerando que a partículafoi lançada do repouso na direção x (podemos ignorar qualquer velocidade nadireção y pois, como não há forças nesta direção, ela se conserva) temos que no

12

Page 13: Apontamento quantica

ponto inicialEi = T + U = 0

Seguindo a analogia da força gravitacional temos

F = mg = �@U@x

) U = �mgx

T =1

2mv2

A conservação de energia nos dá

T + U = 0 =) v =p2gx

Com issods

dt= v ) dt =

1

vds) t =

Z (x2;y2)

(x1;y1)

1

vds

onde(ds)

2= (dx)

2+ (dy)

2

Finalmente, o tempo vale

t =

Z (x2;y2)

(x1;y1)

1p2gx

q(dx)

2+ (dy)

2

=

Z (x2;y2)

(x1;y1)

s1 + y02

2gxdx =

1p2g

Z (x2;y2)

(x1;y1)

r1 + y02

xdx

y0 =dy

dx

Ou seja, o nosso problema se reduz a minimizar a integral (como (2g)�1=2 éuma constante)

I =

Z (x2;y2)

(x1;y1)

F (y0; x) dx ; F (y0; x) =

s1 + y02

2gx

Onde, neste caso, a função F não depende explicitamente de y. A solução donosso problema é, então, a função y que obedece a equação de Euler (16)

@F

@y��d

dx

@F

@y0

�= 0

Como, neste caso, F não depende explicitamente de y

@F

@y= 0) d

dx

@F

@y0= 0) @F

@y0= C

@F

@y0=

@

@y0

r1 + y02

x=

y0px (1 + y02)

= C

13

Page 14: Apontamento quantica

Assim, a curva que a partícula deve seguir y (x) deve ser solução da equação

y0px (1 + y02)

= C ) y02 = xC2 + xy02C2 ) y0 =

sxC2

(1� xC2) ;

ou ainda,

dy

dx=

sxC2

(1� xC2) ) y =

Z x2

x1

xp(2ax� x2)

dx ;

2a = 1=C2

Fazendox = a (1� cos �)) dx = a sin � d�

temos

y =

Za (1� cos �) d� =

ou seja, a curva procurada é

y = a (� � sin �) + const.

Com isso, a nossa curva obedece

x = a (1� cos �) ; y = a (� � sin �)

que são as equações paramétricas de uma curva chamada ciclóide.Se a sua partícula for uma conta guiada por um �o (com massa) e você

prender o �o nos pontos acima o �o assumirá exatamente esta a forma quelevará a partícula entre os dois pontos no menor tempo, i.e., o �o formará umacatenária.A parte da curva entre o ponto (x1; y1) até o seu mínimo é chamada de curva

tautocrônica (como muito bem observado pela senhorita Palma), i.e., é a curvana qual o tempo gasto por um objeto para deslizar sem fricção em gravidadeuniforme até seu ponto de mínimo é independente de seu ponto de partida (esteproblema foi resolvido por Christiaan Huygens em 1659).

3.1.2 Equações de Euler-Lagrange

O ponto importante para nós no desenvolvimento acima é o seguinte: suponhaque a nossa variável é o tempo (x ! t) e que a função que procuramos seja atrajetória de uma partícula com coordenada generalizada q(t) (y (x) ! q (t)).Alem disso, suponha que a função F que estamos integrando seja exatamente alagrangiana L do sistema. Com issoZ b

a

F (y; y0; x) dx!Z b

a

L (q; _q; t) dt

14

Page 15: Apontamento quantica

Figure 3: Figura retirada do Marion de Mecânica.

e a expressão (15) toma a forma:

Z b

a

L (q; _q; t) dt = 0 =)�d

dt

@L

@ _qi

�� @L

@qi= 0 :

Que é exatamente a equação de Lagrange obtida anteriormente. Por isso estasequações são chamadas de equações de Euler-Lagrange (EL).A integral Z

L (q; _q; t) dt � S [q]

é chamada de ação. Usando a linguagem do cálculo funcional, podemos obteras equações de EL se impusermos que a derivada funcional da ação seja um ex-tremo. Esta exigência recebe o nome de princípio da mínima ação (ou princípiode Hamilton).Neste sentido as equações de Lagrange e, consequentemente, toda a mecânica,

podem ser construídas a partir do princípio da mínima ação e esta construçãoé equivalente a mecânica de Newton (perceba que este é um caminho diferentedo seguido no início deste texto).O fato da mecânica de Lagrange ser uma conseqüência do princípio da mín-

ima ação tem uma conseqüência crucial na questão do comportamento ondu-latório ou corpuscular da luz. Porque todos os resultados da óptica geométricapodem ser obtidos a partir de um princípio muito semelhante chamado princí-pio de Fermat do tempo mínimo. Este princípio estabelece que ao atravessarmeios diferentes, dentre todos os caminhos possíveis o feixe luminoso escolheaquele que minimiza o tempo da sua trajetória. Este princípio determina todos

15

Page 16: Apontamento quantica

os efeitos de refração e re�exão. Como analogia, imagine que você está debicicleta na praia e quer atravessar a avenida da orla para chegar num pontoa 45o da normal à avenida. Qual caminho você deve seguir para chegar maisrápido? O menor caminho é, obviamente, uma linha reta. Mas, como a bi-cicleta se move com maior facilidade no asfalto é conveniente que você passemenos tempo na areia. Porém, se você se mover na direção normal na praia adistância percorrida será muito maior. Encontrar o caminho que minimize estetempo é um problema de cálculo variacional. Assim, a trajetória tanto daluz como das partículas pode ser obtida por um princípio de mínimode um funcional.Falar sobre Variáveis de ângulo-ação.

3.2 Equação de Hamilton-Jacob

Considere novamente o problema variacional da ação S da seção anterior, masde um ponto de vista diferente. Primeiro considere que, na variação do cam-inho, você não exige mais que os trajetos variados comecem e terminem nomesmo ponto. Lembre que isso foi necessário para eliminar o termo defronteira na integral por partes em (14).Assim, se os extremos do caminho puderem variar, teremos novamente a

expressão (17), mas agora com o termo de fronteira:

�S =

�@L

@ _qi�qi

�t2t1

+

Z t2

t1

�@L

@qi��d

dt

@L

@ _qi

���qi dt

onde nossa partícula saiu do ponto q(t1) e chegou no ponto q(t2).Suponha agora que, por um outro método (e.g., a mecânica de Newton), você

resolveu o problema mecânico em questão, ou seja, você conhece a trajetóriaqi (t) das partículas.Uma vez que estas trajetórias são reais, elas devem respeitar as equações

de Lagrange (que são equivalentes as equações que você resolveu). Com isso,podemos a�rmar que o último termo da expressão acima se anula. Ao variamosos pontos iniciais e �nais certamente estaremos variando o percurso das partícu-las. Assim, se calcularmos a variação da ação de uma partícula com relação asua posição inicial e �nal teremos usando apenas as trajetórias legítimas

�S =

�@L

@ _qi�qi

�t2t1

= [pi�qi]t2t1

Uma vez que conhecemos as trajetórias, neste caso S não é mais um funcionalde q (t), mas apenas uma função ordinária de q(t), ou seja, dado um valorde t podemos calcular q, _q e L (q (t) ; _q (t)) calcular a derivada parcial acima emultiplicar pela distância entre os dois pontos escolhido �q.Com isso, a variação funcional descrita acima se torna apenas a variação

usual de uma função. Assim, podemos escrever

@S

@qi= pi (18)

16

Page 17: Apontamento quantica

Agora, pela de�nição de S e pelo teorema fundamental do cálculo, sabemosque a derivada total de S com relação ao tempo vale

S =

ZL dt =) dS

dt= L (19)

Além disso, como S = S (q; t) (agora S depende não só da curva q, mas tambémnos limites do tempo da integral acima) podemos escrever

dS

dt=@S

@t+@S

@qi

dqidt=@S

@t+@S

@qi_qi

Usando (18)dS

dt=@S

@t+ pi _qi : (20)

Substituindo (19) em (20) temos

@S

@t= L� pi _qi :

Lembrando agora a de�nição do hamiltoniano (9)

H = pi _qi � L =) L = pi _qi �H

temos@S

@t= pi _qi �H � pi _qi = �H =) @S

@t+H = 0 :

Explicitando a dependência de H = H (qi; pi; t)

@S

@t+H (qi; pi; t) = 0

e usando novamente (18)

@S

@t+H

�qi;

@S

@qi; t

�= 0 (21)

Ou seja, se pegarmosH (qi; pi; t), substituirmos todos os momentos por @S=@qi edepois subrtituirmos na expressão acima, o que obtemos é uma equação diferen-cial parcial para a função (agora desconhecida) S (q; t). Resolver esta equaçãoé equivalente a encontrar as trajetórias reais, ou físicas (chamado de setorfísico) do problema em questão. Isto é, resolvendo esta equação encontramosS em função de q(t) e, conseqüentemente, q(t). A equação diferencial acima sechama equação de Hamilton-Jacob.Este é mais um método que pode ser usado para resolver problemas em

mecânica clássica. Infelizmente, da forma que foi apresentado, �ca parecendoque não ganhamos nada nesta nova formulação. Isso não é verdade, mas o de-senvolvimento completo do método de Hamilton-Jacob foge ao escopo da nossadiscussão. Tudo que precisaremos é da forma explicita da equação diferencialacima.

17

Page 18: Apontamento quantica

3.3 Óptica geométrica

A equação da óptica que descreve a propagação de uma onda num meio é dadapor

r2 � n2

c2@2

@t2= 0 (22)

onde é uma função escalar, c a velocidade da luz no vácuo e n o índice derefração do meio. Em geral n = n (x) depende do meio onde a luz se propaga.Para n constante uma solução da equação acima pode ser escrita como

(x; t) = 0 exp [i (k:x� !t)]

onde o número de onda k = jkj e a freqüência angular estão relacionadas por

k =2�

�=n!

c:

Exercise 3 Veri�que que a função acima é solução da equação de onda.

Por simplicidade, tomemos uma onda plana que se propaga na direção z

= 0 exp [i (kz � !t)]

de�nindok = k0n ;

onde k0 é número de onda no vácuo, temos

= 0 exp [i (kz � !t)] = 0 exp [ik0 (nz � ct)] :

Estamos aqui interessados no caso da chamada óptica geométrica. Isto é, nocaso em que o comprimento de onda da luz é muito menor que as dimensõesespaciais envolvidas no sistema. Em especial, as características do meio nãovariam apreciavelmente com distância da ordem de alguns comprimentos deonda.Neste caso, apesar de n não ser constante, podemos a�rmar que ele varia

lentamente no espaço. Neste caso, obviamente, a onda plana não é mais umasolução da equação de onda, uma vez que as variações do meio destorcem aonda. Vamos procurar por uma solução da equação de onda na forma

= � (xi) exp [ik0 (L (xi)� ct)] ;

com� (xi) = exp (A (xi)) =) = exp [A (xi) + ik0 (L (xi)� ct)] :

As quantidades A e L funções reais a serem determinadas. Vemos que A con-trola a amplitude da onda. Como para n constante L ! nz esta quantidade

18

Page 19: Apontamento quantica

é chamada de comprimento de onda óptico, ou ainda a eikonal. Calculando olaplaciano de temos

r = r exp [A (xi) + ik0 (L (xi)� ct)] = r [A+ ik0L] ;

r2 = nr2 [A+ ik0L] + [r (A+ ik0L)]2

o;

e a derivada temporal

@

@t=

@

@texp [A (xi) + ik0 (L (xi)� ct)] = �ik0c ;

@2

@t2= � (k0c)2 :

Substituindo na equação de onda (22) e isolando parte real e imaginária temos

r2A+ (rA)2 + k20�n2 � (rL)2

�= 0 ;

r2L+ 2L (rA � rL) = 0 :

Usando agora a aproximação da óptica geométrica, de que o compri-mento de onda é muito menor que a variação do meio, temos que o termoproporcional a k20 = 4�2=�20 é o mais signi�cativo da expressão acima. Emespecial, a variação espacial de A (xi) é, por hipótese, pequena.Sendo todos os termos quadráticos (positivos), então todos os termos da

primeira igualdade acima devem se anular. Assim, sendo o último termo daprimeira igualdade o mais signi�cativo (na nossa aproximação), para garantirque este termo se anule o temos que exigir que

(rL)2 = n2 =) jrLj = n : (23)

Esta equação é conhecida como equação de eikonal da óptica geométrica. Asuperfície onde L (xi) possui o mesmo valor é uma frente de onda e esta ondase desloca na direção da normal desta superfície.

3.4 Mecânica e a óptica geométrica

Considere um sistema conservativo onde o hamiltoniano não depende do tempo.Neste caso podemos escrever:

H (qi; pi) =1

2mp2i + V (qi) = E

Usando agora (18)

pi =@S

@qi(24)

podemos escrever

1

2m

�@S

@qi

�2+ V (qi) = E =)

�@S

@qi

�2= 2m (E � V )

19

Page 20: Apontamento quantica

Assim, a equação de HJ para este sistema pode ser escrita como�@S

@qi

�2= 2m (E � V )

Para coordenadas cartesianas (qi = xi) podemos ainda escrever

(rS)2 = 2m (E � V ) : (25)

Esta equação é formalmente igual a equação eikonal (23) para um meio comíndice de refração

n =p2m (E � V )

Esta semelhança foi percebida muito antes do surgimento da MQ.Vamos explorar um pouco mais esta semelhança associando o nosso sistema

mecânico (uma partícula) com uma onda. Mas que onda é esta? Bem, com-parando diretamente a equação acima com a equação eikonal da óptica, vemosque a analogia seria tratar uma superfície com um dado valor de S comoa frente de uma onda. Seguindo esta analogia, associamos então a partículade massa m num potencial V uma �onda� cuja frente de onda são os pontosonde S(x; t0) possui os mesmos valores num dado instante t0.Como S depende do tempo esta frente de onda se deforma e se propaga com

uma certa velocidade u

u =ds

dt

onde ds é o deslocamento in�nitesimal normal a superfície de valor constante.Estamos interessados em determinar esta velocidade u.Voltando na expressão de HJ (21) e usando o fato do nosso hamiltoniano

não depender do tempo temos

@S

@t+H

�qi;

@S

@qi; t

�= 0 =) @S

@t= �E

de onde podemos escrever

@S

@t= �E =) S (x; t) =W (x)� Et : (26)

onde W (x) é a solução da nossa equação (25)

(rS)2 = 2m (E � V ) =) (rW )2 = 2m (E � V )

A funçãoW não depende do tempo. Assim, os valores de x que de�nem umcerto valor de W (x) = a representam uma superfície constante do espaço.Podemos então dividir o nosso espaço em superfícies com valores �xo de W .Queremos seguir uma superfície com um valor constante S = a

(i.e., seguir a nossa frente de onda). A expressão (26) nos diz que em cadainstante �xo do tempo a superfície S constante coincide com alguma superfície

20

Page 21: Apontamento quantica

Figure 4: Figura retirada do Goldstein

W constante (se S = a num instante t1 então, neste instante, S coincide com asuperfícieW = a+Et1). Assim, suponde que em t = 0 temos S =W = a depoisde um tempo dt a expressão (26) nos diz que S irá coincidir com a superfície

t = 0 : S (0) =W = a =) S (dt) =W � Edt =) S + Edt =W = a+ Edt

Assim, se em t = 0 a superfície S coincide com W = a, depois de um intervalodt, S irá coincidir com uma outra superfície W = a + Edt de onde temos quea variação de S num intervalo dt corresponde a diferençã entre duas superfíciesW onde

dW = (a+ Edt� a) = Edt :

Por outro lado, sendo W uma função apenas das posições temos

dW =@W

@xidxi =rW � ds = jrW j :ds

onde, pela de�nição do gradiente, ds é o deslocamento normal a superfície W e,consequentemente, a S. Igualando as duas expressões acima temos

Edt = jrW j :ds =) ds

dt=

E

jrW j = u (27)

ou seja, num instante de tempo dt a frente de onda se desloca uma quantidadeds. Em outras palavras, u é a velocidade da nossa onda.Usando agora a relação (25) e (26) podemos escrever

(rS)2 = (rW )2 = 2m (E � V ) =) jrW j =p2m (E � V ) :

com o que temos

u =Ep

2m (E � V )(28)

21

Page 22: Apontamento quantica

Ou seja, a nossa partícula, ou uma coleção de partículas não interagentes demesma massa, pode ser descrita por uma onda que se propaga num potencialV com a velocidade u acima.A região de valor constante de uma onda é exatamente a de�nição da fase

da onda. Assim, se estamos seguindo uma onda onde a frente de onda temvalor constante S (q; t) isso signi�ca que estamos seguindo a onda cuja fase éproporcional a iS

= exp

�i

~S

�= exp

�i

~(W (qi)� Et)

�(29)

onde h é apenas uma constante de proporcionalidade. Isso signi�ca que a nossaonda tem uma frequencia

!t =E

~t =) 2�� =

1

~E =) E = 2�~� =) E = h� : (30)

Além disso, lembrando da relação clássica (24) temos

pi =@S

@qi=) p = OS = OW (31)

Com o que a relação (27) se torna

u =E

jrW j =E

p(32)

com p o módulo do momento linear da partícula.O seguinte resultado da óptica nos permite relacionar a frequência da onda

� e seu comprimento � com a sua velocidade de propagação u

�� = u =) � =u

usando (30) e (32)

� =u

�=E=p

E=h=) � =

h

p(33)

As relações (32) e (33) relacionam a energia e o momento da partícula coma sua frequência e o seu comprimento de onda. Esta analogia tem a sua origemem trabalhos de Hamilton de 1825, para tratar problemas de óptica. Porém,nesta época, não havia nenhum resultado experimental que pudesse dar uma in-dicação do valor da constante h e, especialmente, nenhuma razão para crer queesta constante não era zero para uma partícula (uma quantidade cujo compor-tamento corpuscular fosse indubitável). Mesmo assim, Hamilton teve sucessoem usar este desenvolvimento para a luz, num tipo de tratamento corpuscular, eobter todos os resultados de refração e re�exão obtidos por outros métodos daótpica geométrica. Isso mostrava que, pelo menos em certos limites, a descriçãocorpuscular de Newton era complemente equivalente a descrição ondulatória deHuygens. Entretanto, como este método não trazia facilidades práticas para o

22

Page 23: Apontamento quantica

tratamento de problemas (em relação aos demais métodos da óptica geométrica)ele foi praticamente esquecido por décadas.Porém, com o surgimento de hipóteses de um caráter dual (onda-partícula),

não apenas da luz, mas também das partículas massivas, estes resultados foramredescobertos por Erwin Schroedinger em 1925.

3.5 A equação de Schroedinger independente do tempo

Primeiramente é necessário lembrar que os resultados acima mostram uma com-patibilidade entre a mecânica e a óptica apenas para o limite de curtos compri-mentos de onda (onde a equação da onda se torna a equação de eikonal que éidêntica a equação de HJ). Desta igualdade Schrödinger supôs que a equação deHJ pudesse ser o limite para curtos comprimentos de onda de uma equação maisgeral que descrevesse o comportamento ondulatório das partículas massivas.Para tentar encontrar esta equação mais geral, ele voltou a equação de onda

1

u2@2

@t2�r2 = 0

em seguida ele supôs que, pelo menos para comprimentos de onda curtas, avelocidade da onda associada a partícula deveria ser a velocidade (28) obtidana seção anterior

u2 =E2

2m (E � V )Assim, nossa equação de onda se torna

2m (E � V )E2

@2

@t2= r2 (34)

Seguindo o procedimento usual para a solução de equações parciais, podemosseparar as variáveis da nossa função de onda

(xi; t) = � (xi) exp (�i!t)

Vamos agora supor que a nossa onda tem uma energia bem de�nida. Seusarmos agora a hipótese de De Broglie (ou a equação (30)) temos

E = h� ) E = ~! ) (xi; t) = � (xi) exp

��iE~t

�: (35)

Substituindo na equação de onda

r2�+ 2m~2(E � V )� = 0 =)

�� ~

2

2mr2 + V

�� = E� : (36)

Esta é a celebrada equação de Schroedinger independente do tempo. Ela descreveas funções de onda (os estados) das partículas quando a sua energia está bemde�nida, i.e., ela descreve os estados estacionários. Com ela podemos obter amaioria dos resultados da mecânica quântica não-relativística, como o espectrode energia do átomo de hidrogênio. A maior (e talvez mais importante) partedeste curso será o estudo das soluções da equação acima.

23

Page 24: Apontamento quantica

Se o sistema é conservativo, a sua energia pode variar com otempo?O que signi�ca dizer que o sistema tem uma energia bem de�nida?Lembre-se que a descrição quântica do sistema é uma descrição probabilís-

tica. Assim, ao calcularmos uma quantidade qualquer (e.g., a energia), o queobtemos, em geral, é a probabilidade de numa medida desta quantidade obter-mos o valor calculado. Ou seja, em geral o sistema não possui o valor bemdeterminado de nenhuma quantidade física. Mas se o sistema é um só, comouma quantidade pode não estar determinada, será que a quantidade está bemdeterminada, mas nós apenas não a conhecemos? Seria tudo isso como, porexemplo, colocar um dado numa caixa fechada e sacolejá-la? Antes de abrir acaixa e ver o resultado, cada número tem a chance de 1=6 de ser sorteado. Maso número já está lá dentro, só que você não sabe. Pelas interpretações da MQ ascoisas não são assim. A idéia é que, antes de abrir a caixa, o dado efetivamentenão possui nenhum valor de�nido. Apenas a sua observação fará com que eleadquira efetivamente este valor. A diferença entre você não saber e o sistemanão ter é que este sistema (A) pode in�uenciar outro (B) através do valor desteobservável e, como veremos, se o valor de um observável não está determinado(ou seja, você não fez nenhuma medida) todos os valores possíveis desta medidain�uenciam B (com uma in�uência maior ou menor dependendo da probabil-idade). Este é um fenômeno de interferência comum na teoria ondulatória,mas que desa�a o senso comum numa teoria corpuscular.Assim, a�rmar que o sistema tem um valor bem de�nido E de um observável

signi�ca que, se �zemos uma medida desta quantidade, obteremos sempre (in-dependente de quando), o valor E.Como é possível a�rmar que um observável tem seu valor bem

de�nido, antes de fazemos a medida?O ponto é que se �zemos uma medida de um certo observável (futuramente

de�niremos melhor este termo) e não perturbamos mais o sistema (i.e., deixamosele isolado) o valor deste observável não murará. Podemos garantir assim que,se alguém �zer uma medida futura, obterá o valor que nós medimos. Chamamosa isso de preparar o sistema num certo estado conhecido.Mas e o dado na caixa, está numa superposição de todos os valores?O ponto é que o dado é um sistema grande o su�ciente para o seu comporta-

mento ser completamente determinado pelas leis da mecânica clássica. Assim,mesmo que não tenhamos aberto a caixa, é possível, num ambiente controladoo su�ciente, saber o valor do resultado. Num certo sentido, sistemas clássicossão sempre sistemas quânticos preparados.

Remark 4 Se um sistema está num valor indeterminado de uma grandeza. Écompletamente impossível saber qual o valor desta grandeza antes da medida serfeita.

24

Page 25: Apontamento quantica

3.6 A partícula numa caixa

Vamos ilustrar a aplicação da ES tratando o caso de uma partícula livre numacaixa. Ou seja, fora o fato de ser con�nada dentro da caixa, nenhuma outraforça age sobre esta partícula. Assim, vamos usar as idéias da seção anteriorpara quantizar o sistema unidimensional de uma partícula de massa m numintervalo. Um ponto importante é que este sistema em duas ou três dimensõesrepresenta, grosso modo, apenas a aplicação do tratamento a ser desenvolvidopara cada dimensão separadamente. Ou seja, nosso sistema não é arti�cial.Inicialmente estamos interessados em estudar os níveis de energia que esta

partícula pode ter. Estado livre, a energia desta partícula é puramente cinética.Classicamente, uma ver que a partícula pode ter qualquer velocidade dentroda caixa, ela também pode assumir qualquer valor de energia. Além disso, apartícula pode estar em qualquer lugar dentro da caixa. Na descrição quântica,entretanto, veremos que as coisas são um pouco diferentes.Como estamos interessados em estados de energia bem de�nidos, o problema

que devemos resolver é a ES independente do tempo:�� ~

2

2mr2 + V

� = E

Uma vez que, dentro do intervalo (caixa), a partícula está livre, V = 0, e estamostrabalhando em uma dimensão, temos:

� ~2

2m

d2

dx2= E

onde E é a energia da partícula. Podemos escrever esta equação como

d2

dx2= �k2 ; k2 =

2m

~2E (37)

Esta é uma equação de segunda ordem, logo ela deve ter duas soluções LI eduas constantes de integração. Estas soluções podem ser escritas como

1 (x) = A exp (ikx) ; 2 (x) = B exp (�ikx)

com A e B constantes. Assim, a solução geral do nosso problema é

(x) = Aeikx +Be�ikx

Como determinamos as constantes A e B?Estas constantes estão relacionadas com a chamada condição de contorno

do problema. Ou seja, precisamos especi�car o comportamento da nossa funçãonos extremos. Até agora, além de fazer V = 0 (uma condição física), tudoque �zemos foi resolver um problema matemático, mas agora, na �xação destascondições, entram as características físicas do problema.

25

Page 26: Apontamento quantica

Para isso precisamos lembrar o signi�cado da função de onda. A quantidade

j (x)j2

signi�ca a probabilidade de encontrar a nossa partícula na posição x. Sabendoque a nossa partícula está presa na caixa temos

j (x)j2 = 0 para x fora da caixa.

Primeiro precisamos colocar um eixo cartesiano no nosso problema e dizeronde está a nossa caixa. Por exemplo, podemos dizer que as paredes da caixaestão em �L e L (obviamente isso não in�uencia no resultado).Exigindo que a partícula esteja con�nada no intervalo de �L até L e que

a função seja contínua temos (por (37) vemos que descontinuidades da funçãoestariam relacionadas com energias in�nitas e não queremos tais casos.)

(L) = (�L) = 0

temos

(L) = 0 =) AeikL +Be�ikL = 0 =) AeikL = �Be�ikL

A (cos kL+ i sin kL) = �B (cos kL� i sin kL) :

Podemos satisfazer esta igualdade de duas formas

sin kL = 0 =) kL = n� ) A (cos kL) = �B (cos kL)) A = �B ;

cos kL = 0 =) kL = �

�n+

1

2

�) A (i sin kL) = �B (�i sin kL)) A = B :

Ou seja, o nosso problema possui dois tipos de soluções estacionárias

�n (x) = N� sin�k�n x

�; k�n =

Ln) E�n =

~2

2m

�n�L

�2 +n (x) = N+ cos

�k+n x

�; k+n =

L

�n+

1

2

�) E+n =

~2

2m

��

L

�n+

1

2

��2(38)

O resultado acima nos mostra que, dentro da caixa, a partícula só podeassumir os níveis de energia E�n e E

+n .

Exercise 5 Obtenha as constantes de normalização N+ e N�.

Além disso, existe um nível mínimo de energia que o sistema pode assumirque é E+0 . A partícula nunca pode ter energia cinética nula (observe que E

�0 = 0

implica �0 (x) = 0 e a partícula não está mais na caixa).

26

Page 27: Apontamento quantica

Mais ainda, se esta partícula interagir com alguma coisa (e.g., fótons) elasó poderá absorver e emitir energias que sejam proporcionais a diferença entredois níveis

�En�!n =��E+n � E�m��

Esta é a chamada energia de transição de n para m.Por exemplo, imagine que a partícula está no estado fundamental e você o

ilumina com uma luz de freqüência �, se

h� <���E+0 � E�1 ��� = 3

4

~2

2m

��L

�2;

os fótons simplesmente irão passar pelo sistema (o sistema será transparente).Já se

� = [���E+0 � E�1 ��� = 3

4

~2

2m

��L

�2o sistema irá absorver este fotos e mudar de nível (ele será opaco para estafreqüência).Observe também que, de forma geral,

�E ��~L

�2:

Ou seja, se o tamanho da caixa vai para in�nito (partícula livre) a diferençados níveis de energia vão a zero e, conseqüentemente, a partícula pode assumirqualquer valor de energia.Da mesma forma, se tomamos o limite clássico ~ ! 0 o sistema passa a

adotar o comportamento clássico de poder assumir qualquer valor de energia.

Remark 6 Observe como a limitação da partícula no intervalo tornou os níveisde energia discretos. Este é o fenômeno por trás do comportamento dos chama-dos pontos quânticos (QD).

Aqui é interessante ver como a realização do nosso espaço depende muito dequal parte do sistema nos interessa. Se no exemplo acima a distância L for muitopequena, os níveis de energia vão estar tão espaçados que para sofrer uma tran-sição de nível precisaríamos fornecer uma quantidade muito grande de energia.Podemos garantir assim que o sistema não sofra nenhuma transição indesejada(e.g., térmica) e as únicas transições possíveis são aquelas que nós provocamos.Neste caso, apenas alguns níveis de energia são relevantes e podemos tratar osistema como um problema de n níveis. Ao fazemos isso nosso sistema passa ater um número �nito de estados e passa a ser descrito por uma matriz. Estadescrição matricial é a chamada mecânica quântica de Heisenberg, que veremosno futuro.

27

Page 28: Apontamento quantica

3.6.1 Números quânticos

Ainda sobre o problema da partícula numa caixa, todas as quantidades asso-ciadas ao sistema, exceto a energia, estão indeterminadas, ou possuem a suadeterminação associada a uma probabilidade. Ademais, uma vez especi�-cada a energia da partícula, sabemos construir a sua função de onda,da qual retiramos todas as informações que a MQ pode nos dar sobre o sis-tema (e acreditamos que este seja a teoria que mais informações pode nos dar).Dizemos assim que a energia especi�ca o estado do sistema. Dentro danotação utilizada, chamamos de En a energia associada ao sistema. Ou seja,dado o valor de n podemos determinar a energia do sistema e, conseqüente-mente, o seu estado. A quantidade n, que especi�ca completamente o estadodo sistema é chamada de número quântico. Se tivéssemos trabalhado com umacaixa bidimensional, teríamos uma energia associada ao movimento na direçãox, com uma energia En, e outra associada com o movimento na direção y, quepoderíamos chamar de Em. Assim, neste caso, o sistema possui dois númerosquânticos. O mesmo acontecia com a descrição das órbitas elípticas de Som-merfeld, onde precisávamos de 2 números para conhecer o estado do sistema.

Remark 7 Assim, números quânticos são quantidades (discretas) que precisamser especi�cadas para se estabelecer o estado do sistema.

3.6.2 Valores médios

Sendo j (x)j2 a probabilidade de encontrar o sistema numa certa posição,podemos também calcular o valor médio da posição do sistema. Basta paraisso usarmos a de�nição usual de média multiplicarmos o valor da variável (nocaso, a posição) pela probabilidade do sistema possuir aquele valor desta var-iável. Assim, a posição média do sistema dentro da caixa vale

hxi =Zx j (x)j2 dx =

Z � (x)x (x) dx

Onde, por razões que se tornarão claras no futuro, usamos a última forma paraa expressão. De forma geral, se f(r) é uma função qualquer da posição dapartícula (considerada agora em 3D), o valor médio de f pode ser calculadocomo

hfi =ZV

� (r) f (r) (r) d3V (39)

onde V é o volume onde o se deseja calcular a média.Como veremos em detalhes no futuro, um dos postulados da MQ é que

as quantidades clássicas observadas nada mais são do que valores médios dasquantidades quânticas do sistema.

3.6.3 Preparação de sistemas e superposição

Vamos preparar um sistema com um valor especí�co de energia. Imagine paraisso um espectrômetro de massa onde atiramos partículas de massa m e carga

28

Page 29: Apontamento quantica

q conhecidas. Dependendo da velocidade, ou do momento da partícula, elasofrerá uma certa in�uência do campo e se chocará com a parede do dispositivo.Conhecendo a energia cinética da partícula, sambemos exatamente onde elase chocará. Podemos então fazer um furo que seria alcançado apenas pelaspartículas que tivessem uma determinada energia, digamos, E�2 ,

E�2 =~2

2m

�n�L

�2; n = 2 :

Em frente ao furo temos uma caixa para capturar a partícula. As paredes dodispositivo podem ter sensores que detectem a partícula no caso de um choque.Neste experimento vamos jogando partículas com energia desconhecida dentrodo dispositivo e, sempre que esta partícula colide com a parede, ouvimos umclique. Quando, não ouvimos este clique é porque a partícula passou pelo bu-raco. Neste caso sabemos que temos aprisionado em nossa caixa uma partículano estado

�2 (x) = N� sin�k�2 x

�; k�n = 2

L:

Desta forma podemos preparar o sistema num determinado estado.Imagine agora que fazemos dois furos na parede, uma na posição de energia

E+1 e outra na posição de energia E�2 . Suponha ainda que, pelas dimensõesdos componentes do sistema, estes dois furos estão bem próximos, de sorte quepodemos colocar uma única caixa para capturar uma partícula que passe porqualquer buraco.Qual o estado do sistema na caixa neste caso?Neste caso, a partícula entrará na caixa num estado descrito pela função:

(x) = c1 +1 (x) + c2

�2 (x) ; c1; c2 2 C : (40)

Ou seja, ela não terá mais uma energia bem de�nida. Além disso, pelosprincípios da MQ omódulo quadrado dos coe�cientes c1 e c2 acima são dadospela probabilidade do sistema ser detectado com energia E+1 e E�2 , respecti-vamente. Além disso, como estes módulos são probabilidade e sabemos que osistema estará (com certeza) num estado ou no outro

jc1j2 + jc2j2 = 1

Por exemplo, se o experimento foi desenvolvido (depende basicamente de quãoaleatório é a velocidade das partículas lançadas) para que a partícula tenhaexatamente a mesma probabilidade de estar no estado E+1 ou E�2 , podemosentão a�rmar que

jc1j2 = jc2j2 =1

2

Obviamente, isso não �xa o valor destes coe�cientes, pois

jc1j2 =1

2=) c1 =

exp (i�)p2

; Re � = 0 (41)

29

Page 30: Apontamento quantica

A quantidade � é chamada de fase do coe�ciente. Futuramente trataremos dadeterminação destes coe�cientes.Observe que estamos frisando que a partícula entra na caixa no estado acima.

Isso porque, como a energia da partícula não é mais bem determinada ela nãoestá mais num estado estacionário.Na obtenção da ES independente do tempo, usamos a seguinte separação de

variáveis (35)

(x; t) = � (x) exp

��iE~t

�e, com isso, obtivemos a ES. Ou seja, o que estamos chamando de é, naverdade, apenas a função � (x) acima.Isso signi�ca que a função de onda completa do nosso sistema com uma

energia E�2 conhecida é

(x; t) = �2 (x) exp

��iE

�2

~t

�:

Agora, a probabilidade desta partícula ser encontrar numa posição x num in-stante t vale

j (x; t)j2 =�� �2 (x)��2 ����exp��iE�2~ t

�����2 = �� �2 (x)��2 :

E não depende do tempo. Por isso, estados com energia bem de�nida sãochamados de estados estacionários.Agora, para uma partícula no estado (40) acima, temos a seguinte evolução

temporal

(x) = c1 +1 (x)+c2

�2 (x) =) (x; t) = c1

+1 (x) exp

��iE

+1

~t

�+c2

�2 (x) exp

��iE

�2

~t

�Usando que a probabilidade inicial do sistema ter uma ou outra energia é amesma (41) temos

(x; t) =1p2

� +1 (x) exp

��i�E+1~t+ �1

��+ c2

�2 (x) exp

��i�E�2~t+ �2

���=

1p2exp

��i�E+1~t+ �1

��" +1 (x) + c2

�2 (x) exp

"�i �

E�2 � E+1�

~t+ (�2 � �1)

!##

A probabilidade de encontrar este sistema na posição x num instante t vale

j (x; t)j2 = 1

2

����� +1 (x) + c2 �2 (x) exp"�i �

E�2 � E+1�

~t+ (�2 � �1)

!#�����2

:

(42)onde a dependência temporal não mais desaparece. Assim, esta probabilidadevaria com o tempo e o sistema não está mais num estado estacionário. Observe

30

Page 31: Apontamento quantica

também que esta probabilidade depende da diferença de fase (�2 � �1). Estaquantidade não possui um análogo clássico e, na verdade, não pode ser me-dida por nenhum instrumento. Mesmo assim, como veremos, ela pode produzirefeitos mensuráveis. Por causa desta fase, esta descrição difere da probabili-dade clássica (que seria apenas a soma das probabilidades). Veja novamente adiscussão no capítulo Ondas e Partículas.O que acontece se �zemos um furo numa região que não corresponde a nen-

hum dos valores de En, por exemplo, entre os valores de E�2 e E

+1 ?

A princípio pode-se imaginar que nunca capturaremos uma partícula. Ouseja, sempre ouviremos o clique da partícula se chocando com a parede dodispositivo. Mas isso não é verdade.Observe que, se não colocamos a caixa (ou seja, apenas o espectrômetro)

detectaríamos o choque de partículas em todas as posições da parede, inclusivena posição correspondente a energia E. Assim, o fato de termos ou não colocadoa caixa naquele ponto não deve alterar o comportamento das partículas dentrodo espectrômetro. Por isso deveríamos realmente esperar que alguma partículaentrasse na caixa. Entretanto, nosso problema e entender como uma partículaque classicamente tem energia E será detectada na caixa apenas com energiaE+1 e E

�2 .

Quando não ouvirmos o clique saberemos que capturamos uma partículana caixa e, mais ainda, esta partícula estará num estado inicial aproximada-mente da forma (40). Onde o módulo quadrado dos coe�cientes será tão maiorquão mais próximo o furo estiver do estado de energia de�nido. Por exemplo,conforme o furo se aproxima de E+1 , o jc1j

2 cresce até que, quando o furo estiverexatamente em E+1 temos

jc1j2 = 1 ; jc2j = 0 :

Além disso, o sistema (que não está num estado estacionário, pois sua energianão está bem determinada), evoluirá no tempo com a forma aproximadamente(42).Isso signi�ca que mesmo que, classicamente, a partícula só possa passar

entrar na caixa se ela tiver uma energia entre E1 e E2, quanticamente ela temuma probabilidade de entrar (e, ocasionalmente, entrará) se a sua energia nãofor bem determina, mas compatível com o fato dela entrar na caixa. Nesteexperimento, sempre que abrirmos a caixa e medirmos a energia da partículaobteremos (sempre) os valores E+1 ou E�2 e nunca entre estes valores. Mas sedetectamos o valor E�2 e para passar pelo furo ela teria de ter uma energiaE < E�2 , para onde foi a diferença de energia? Não foi para lugar nenhum!Pense no pior: ela foi detectada na caixa com uma energia E+1 < E. Como apartícula conseguiu passar pelo furo se ela não tinha energia pra isso? O queacontece com a conservação de energia? O ponto aqui é a descrição quânticajamais a�rma que a partícula passou pelo furo, mas apenas que ela está dentroda caixa. Ou seja, a única forma de saber se ela passou pelo furo é colocandoum detector lá dentro. Sem fazer isso, tudo que sabemos é que uma partículaentrou na caixa. O problema está em que toda a nossa descrição anterior se

31

Page 32: Apontamento quantica

baseia na idéia da trajetória seguida pela partícula e, quanticamente, tal idéiadependeria de colocarmos detectores em todos os pontos do espaço e medirmos(e, conseqüentemente, interferirmos) na partícula em cada instante de tempo.Ou seja, na MQ não existe a idéia de trajetória de uma partícula. Alémdisso, o fato da partícula ter entrado na caixa com uma energia E+1 menorque a energia clássica necessária para passar pelo furo, não viola nenhuma lei deconservação, pois, em nem um momento, a partícula teve a energia bem de�nidaE (nunca demos esta energia para ela). O fato de sistemas quânticos fazeremcoisas que são classicamente proibidas devido a sua energia é bem comum emMQ. Este fenômeno é observado corriqueiramente em laboratório e recebe onome de tunelamento. Voltaremos a este fenômeno no futuro.

Exercise 8 Mas então, como uma partícula que classicamente tem energia Epode ser detectada com energia E+1 ou E�2 ?

O ponto aqui é que, na verdade, como o estado inicial da partícula é descon-hecido, a MQ nos diz que esta partícula está no estado

=Xn

�c+n

+n + c

�n

�n

�De sorte que ela terá uma maior probabilidade de entrar na caixa quanto maiorfor��c+1 ��2 e ��c�2 ��2. Além disso, ao entrar na caixa, o estado da partícula não foi

alterado. Assim, se ela inicialmente, além de um coe�ciente c+1 e c�2 auto tiver

também um coe�ciente c+8 (obviamente pequeno) haverá também a probabili-

dade��c+8 ��2 de se detectar esta partícula com uma energia E+8 bem maior que

E�2 .

Exercise 9 Mas e se colocarmos uma caixa com tamanho diferente?

Neste caso a decomposição acima não irá mais corresponder ao estado daspartículas permitidas dentro da caixa e, para fazer a descrição acima, teremosde uma outra decomposição

=Xn

cn n ;

com n 6= +n ; �n .

Exercise 10 Mas qual das decomposições acima descreve a partícula?

Ambas! Na verdade, observando explicitamente as funções +n ; �n (38) ve-

mos que as decomposições acima nada mais são que a série de Fourie da função e existem in�nitas formas de se decompor a mesma função em séries diferentes.

Exercise 11 Mas como a energia clássica E se relaciona com todas estas de-composições?

32

Page 33: Apontamento quantica

Como veremos mais tarde, as partículas capturadas tem uma energia médiaigual a E

E = hEi =Xn

�E+n

��c+n ��2 + E�n ��c�n ��2� :

Além disso, mesmo no caso dos dois furos nas posições correspondentes asenergias E+1 e E�2 , a MQ não apóia a idéia de que a partícula passou por umou pelo outro furo.

Remark 12 Observe que a fase d em (41) não interfere nos valores médios(39).

Gato de SchroedingerSuperposiçãoDecomposição e série de Fourie.

3.7 A equação de Schroedinger dependente do tempo

Nosso objetivo agora é encontrar uma equação que descreva não apenas a parteespacial �, mas a função completa , ou seja, nós queremos a versão dependentedo tempo da expressão acima.A equação (36) só funciona (só é compatível com a equação de onda) para

ondas com uma só freqüência (monocromáticas), mas gostaríamos de ter umamaior liberdade na dependência temporal do nosso problema. Para isso pre-cisamos eliminar E (E = h�) da nossa equação.Para isso, primeiro multiplicamos a equação (36)�

� ~2

2mr2 + V

�� = E� :

por exp (�iEt=~) e voltamos para a função de onda completa �� ~

2

2mr2 + V

� = E ;

(mas esta equação só é válida para as nossas ondas monocromáticas).Se operarmos em ambos os lados desta equação com o operador

��~2=2m � r2 + V

�temos �

� ~2

2mr2 + V

� �� ~

2

2mr2 + V

� =

�� ~

2

2mr2 + V

�E = E2 ;

ou seja, �� ~

2

2mr2 + V

�2 = E2 : (43)

Agora derivamos duas vezes a equação (35)

33

Page 34: Apontamento quantica

(xi; t) = � (xi) exp

��iE~t

�;

em relação ao tempo

� = �E2

~2� exp

��iE~t

�= �E

2

~2 =) E2 = �~2 � :

Substituindo na equação (43)�� ~

2

2mr2 + V

�2 = �~2 � : (44)

Esta equação fornece a equação correta para o caso monocromático, mas, pornão depender de E, possui também outras soluções. Entretanto, esta equaçãopossui o terrível inconveniente de ser uma equação de quarta ordem nas co-ordenadas espaciais. Isso signi�ca que as soluções desta equação exigem umaquantidade enorme de condições iniciais e condições de contorno que di�cilmentepoderiam ser associadas com parâmetros físicos do sistema.Vamos então reescrever a equação anterior na forma

H2 = �~2 @2

@t2;

onde introduzimos o operador

H = � ~2

2mr2 + V : (45)

Nossa equação pode ainda ser escrita como

HH =

�i~@

@t

��i~@

@t

� :

Soluções desta equação pode ser construídas com funções que respeitem

H = i~@

@t)�� ~

2

2mr2 + V

� = i~

@

@t(46)

Esta é a equação de Schrödinger dependente do tempo. Esta equação, diferenteda equação de onda usual, é de primeira ordem no tempo e de segunda ordemnas derivadas espaciais.Ao trabalhar com ondas (equações de ondas) é comum usarmos uma função

complexa e, no �nal, atribuirmos uma realidade física apenas a parte real. En-tretanto o caso aqui é um pouco diferente, pois a nossa equação é, na verdade,(44). Se dividirmos em sua parte real e imaginária

= P + iQ ;

34

Page 35: Apontamento quantica

e substituirmos em (46) temos

i~@P

@t� ~@Q

@t=

�� ~

2

2mr2 + V

�P + i

�� ~

2

2mr2 + V

�Q

comparando as partes reais e imaginárias desta equação temos

~@P

@t=

�� ~

2

2mr2 + V

�Q

�~@Q@t

=

�� ~

2

2mr2 + V

�P

Podemos agora eliminar P ou Q diferenciando uma das equações acima comrelação ao tempo e substituindo na segunda. O que obteremos com isso é quetanto Q como P respeitam a equação (44). Ou seja, temos uma equação dequarta ordem para funções reais, ou uma equação de segunda ordem para umafunção complexa, cujas partes não podem ser separadas. Mas, neste últimocaso, precisamos das relações acima, o que mostra que, neste formalismo, nósprecisamos da função completa = P + iQ, i.e., não podemos atribuir umsigni�cado físico separadamente para a parte real ou a imaginária.Voltemos agora na relação com a óptica geométrica. Lembre que obtivemos

os resultados da seção anterior seguindo uma frente de onda de�nida pela funçãoS. Além disso, como vimos anteriormente, a nossa onda se relaciona com Spor (29)

= exp

�i

~S

�(47)

com isso temos@

@t=i

~ @S

@t;@

@xi=i

~ @S

@xi

Substituindo na equação de Schrödinger (46)

�1

2m(rS)2 � ~2

2m

i

~r2S + V

�= � @S

@t

ou seja, S respeita a equação�1

2m(rS)2 + V

�+@S

@t=

i~2mr2S (48)

Vamos comparar este resultado com a equação de HJ (??)

@S

@t+H

�qi;

@S

@qi; t

�= 0

Lembrando que H é o Hamiltoniano da partícula podemos escrever

H =p2

2m+ V (49)

35

Page 36: Apontamento quantica

usando (18)

rS = p =) H =(rS)2

2m+ V =)

�1

2m(rS)2 + V

�+@S

@t= 0 (50)

As equações (48) e (50) são idênticas a menos do último termo em (48). Lem-brando que h = 2�~ é a constante de proporcionalidade que introduzimos em(29). Mais uma vez, a semelhança acima já havia sido percebida por Hamilton.Mas a inexistência de qualquer evidência experimental do comportamento ondu-latório das partículas o levou (talvez) a pensar que h fosse zero para partículasmassivas. Além disso, ao se tratar sistemas mecânicos usuais, o fato de h sermuito pequeno, em relação às demais quantidades do sistema, faz com que apresença do termo a direita em (47) não in�uencie apreciavelmente a dinâmicado sistema. Podemos ainda dizer que a equação de HJ representa um limiteda equação de Schrödinger quando todas as quantidades envolvidas são muitograndes em relação à h. Isso normalmente é chamado de tomar o limite quandoh tende a zero. Obviamente, como h é uma constante, isso deve ser entendidono contexto acima de comparações de grandezas. Além disso, tomar o limiteh! 0 é chamado de tomar o limite clássico do sistema quântico. Como, nestecaso, a equação que descreve o sistema (ES) se torna a equação HJ, todas asquantidades calculadas através da ES (e.g., energia) deve se tornar os resultadoscalculados pela mecânica clássica.Falar sobre o operador Hamiltoniano.

3.7.1 A quantização de Schrödinger e de Sommerfeld

Dado um sistema mecânico (clássico) sujeito a um potencial V , a ES nos permiteconstruir a descrição quântica deste sistema, i.e., construir a equação de ondaque rege o comportamento quântico do sistema clássico em questão. Assim,este é um processo de quantização que podemos considerar como o primeiroprocesso de quantização geral. Este processo é mais geral de o que Sommerfeldpor prescindir da existência de uma variável periódica no sistema. Além disso,este novo processo nos permite construir não apenas certas quantidades clássicas(e.g., energia), mas sim a própria função de onda que descreve o sistema (deonde podemos tirar muito mais informações).Lembrando agora que a quantização de Sommerfeld pode ser considerada

como uma generalização dos processos de quantização anteriores (de Bohr ede Planck), será que a quantização de Schroedinger estaria relacionada com aquantização de Sommerfeld? A resposta é sim.Dado um sistema com uma coordenada periódica, por exemplo, um ângulo

�, pontos no espaço com coordenada � e �+ 2� representam o mesmo ponto.Com isso, seria de se esperar que qualquer função f(�) que represente umacaracterística de um sistema físico tenha um único valor de�nido neste ponto,i.e., f(�) = f(� + 2�). Neste caso dizemos que a função f tem valor único, ouque ela respeita uma condição de unicidade.

36

Page 37: Apontamento quantica

Por exemplo, a função f (�) = exp (in�), n 2 N, respeita esta condição nointervalo de 0 a 2�, pois

f (� + 2�) = exp [in (� + 2�)] = exp i (n�) exp i (2�n) = exp i (n�) = f (�) :

Entretanto, isso não ocorre com a função f (�) = exp (i�=2), neste mesmo inter-valo,

f (� + 2�) = exp i

�� + 2�

2

�= exp i

��

2

�exp i (�) = � exp i

��

2

�= �f (�) :

De forma geral, se q é uma variável periódica, podemos testar se uma funçãof (q) = exp [ig (q)] é de valor único calculando a variação da fase num períodocompleto I

dg

e exigindo que este valor seja proporcional a 2�,Idg = 2�n ; n 2 N : (51)

Por exemplo,

f (�) = ein� =) g = g (�) = n� =)Idg =

Z 2�

0

nd� = 2n� ;

f (�) = ei�=2 =) g = g (�) =�

2=)

Idg =

Z 2�

0

1

2d� = � 6= 2n� :

Lembre-se agora que a ES foi obtida tomando que a partícula obedece a umaequação de onda na forma (47) temos

= exp

�i

~S

�Para um sistema conservativo temos

= exp

�i

~(W (qi)� Et)

�= exp

�i

~W (qi)

�exp

�� i~Et

�:

Como estamos interessados só na variação da parte espacial, temos

g (qi) =1

~W (qi) =)

Idg =

I1

~dW

Lembrando que W =W (qi) temos

dW =@W

@qidqi

37

Page 38: Apontamento quantica

usando (31)

pi =@W

@qi=) dW =

Xi

pi dqi

com o que Idg =

I1

~dW =

1

~Xi

Ipi dqi

Usando agora a condição de unicidade (51) temos

1

~Xi

Ipi dqi = 2�n =)

Xi

Ipi dqi = 2�~n =)

Xi

Ipi dqi = hn :

como as variáveis são independentes, podemos respeitar a igualdade acima se,para cada variável I

pi dqi = hn :

Que é a regra de quantização de Sommerfeld. Resumindo:

Remark 13 A regra de quantização de Sommerfeld é uma conseqüência daunicidade da função de onda.

Na teoria de Schrödinger esta unicidade é introduzida à mão, através do es-tabelecimento das condições de contorno do problema. Ou seja, impor a quan-tização de Sommerfeld é equivalente a impor condições de contornoque garantam a unicidade da função de onda na teoria de Schrödinger.Como vimos na seção anterior, a discretização nos níveis de energia de uma

partícula são uma conseqüência do con�namento da posição da partícula, i.e.,das condições de contorno do problema.Além disso, assim como a quantização de Sommerfeld permitiu generalizar

as orbitas circulares para elípticas. A ES permite impor novas condições decontorno.Condições de contorno são cruciais para se determinar as características

quânticas do sistema. Efeitos curiosíssimos, como o surgimento de forças (men-suráveis) como a possibilidade de se detectar efeitos provenientes da energia dovácuo, uma conseqüência do chamado efeito Casimir, são resultados do estudodas condições de fronteira do sistema. Características gerais da matéria, como onúmero de prótons do elemento mais pesado, podem estar ligadas aos problemasde condições de contorno.

4 Limite clássico

Voltemos, mais uma vez, ao problema da partícula numa caixa de tamanho L.Vamos inicialmente analisar este problema do ponto de vista da física clássica.Neste caso, a partícula sempre teria uma velocidade constante e sua posiçãoserá dada por

x = x0 + vt :

38

Page 39: Apontamento quantica

Figure 5: Figura retirada do Libof

Suponha agora que você não conhece a posição inicial x0 da partícula. Quala chance de encontrar a particular numa certa posição da caixa?Ou seja, classicamente quanto vale P (x) dx?Se a velocidade da partícula variasse, poderíamos esperar que, onde ela �ca

mais lenta (ou seja, a região onde ela gasta mais tempo para atravessar) teriaum valor maior de P (x). Como a nossa partícula tem uma velocidade constante,a probabilidade de encontrá-la em qualquer intervalo dx é simplesmente o valordeste intervalo dividido pelo tamanho da caixa (o valor da variável, dividira pelototal de valores que ela pode ter)

P dx =1

Ldx

Ou seja, a probabilidade é uma constante. Isso signi�ca que, se �zermos umasérie de cópias da nossa caixa e as abrirmos encontraremos as partículas dis-tribuídas igualmente por toda a caixa.Como vimos anteriormente, a descrição quântica é bem diferente. Existindo

pontos onde a partícula pode estar com maior probabilidade e pontos ondeela não pode estar. Entretanto, na descrição quântica, conforme o valor daenergia aumenta, surgem mais picos de probabilidade de onde a partícula podeestar. Num caso de energia muito alta para qualquer intervalo dx que tomarmosteremos sempre o mesmo número de picos dentro deste intervalo. Assim, nestecaso, a probabilidade de encontrar a partícula em qualquer região dx é, assimcomo no caso clássico, uma constante.Assim, para o caso em que n ! 1, a descrição quântica concorda com a

descrição clássica. Mais ainda, para sistemas cuja energia seja muito maior quea ordem de grandeza de h, esperamos um comportamento clássico. Em todosistema quântico, existe um limite para o qual o comportamento do sistematende àquela prevista pela teoria clássica. Usualmente este limite está associ-ado ao regime de altas energias. Mas, de forma geral, basta que as grandezasenvolvidas sejam muito grandes, em comparação a h. A existência deste limiteclássico é chamada de princípio da correspondência de Bohr.

39

Page 40: Apontamento quantica

Outra característica importante para se analisar este limite é o comprimentode onda de De Broglie. Por exemplo, num gás com densidade � a distância médiadas partículas vale aproximadamente ��1=3. Assim, para o regime

��1=3 >> � ;

devemos esperar que o comportamento deste gás seja descrito pela mecânica es-tatística clássica. Mas, para o caso em que ��1=3 ' �, uma mecânica estatísticaquântica deve ser aplicada (este é um assunto da segunda parte do curso).As comparações acima nos mostrar que, se um certo resultado quântico não

contem h, este resultado deve ser mesmo que o obtido por uma teoria clássica.O exemplo mais famoso é a seção de choque de espalhamento coulombiano. Umtratamento quântico detalhado fornece um resultado que não depende de h e éexatamente igual ao resultado obtido por Rutherford usando teorias clássicas.

5 A equação de continuidade

Lembrando a lei da continuidade da carga para o eletromagnetismo temos

r � J = �@�@t

:

onde � é a densidade de carga e J a densidade de corrente. A leitura destaequação nos diz que toda a corrente que �ui para fora de uma região é igual acarga que esta região perdeu.Desde sua origem os testes e aplicações da MQ se referem ao problema do

espalhamento de partículas. Ou seja, partículas vindas �livremente�do in�nitointeragem momentaneamente com um certo potencial (e.g., outra partícula) evoltam a se propagar livremente. Lembre-se, por exemplo, dos experimentosde Rutherford. Todos os problemas estudados em aceleradores de partículassão desta forma. A interação momentânea da partícula teste com o potencialé chamada de espalhamento. Usualmente neste tipo de processo a forma exatado potencial de espalhamento não é conhecida. Mas este é modelado por certascaracterísticas principais.Por exemplo, podemos modelar a interação de um elétron com um neutro

supondo que o nêutron é uma esfera impenetrável de raio R e usando o potencial:

V (r) =

�0 ; r � R1 ; r < R

;

chamado de potencial de caroço duro. A quantização deste potencial fornecebons resultados desde que a energia do elétron não seja muito grande.Na maioria dos processos observamos uma partícula, ou um feixe de partícu-

las, e queremos saber o comportamento deste feixe. Assim, como veremos maisadiante, neste tipo de problema o conceito de conservação da partícula émuito importante (obviamente para os casos onde ela não se desintegra). Porisso é importante buscar por uma lei de conservação semelhante a do eletromag-netismo.

40

Page 41: Apontamento quantica

A dinâmica de uma partícula é descrita pela ES dependente do tempo

H = i~@

@t=) @

@t= � i

~H

Usando o mesmo desenvolvimento feito para obter a equação acima, mas partindodo complexo conjugado da função de onda

= exp

�i

~S

�! � = exp

�� i~S

�é fácil mostrar que � obedece a equação

H � = �i~@ �

@t=) @ �

@t=i

~H �

Observe agora que

@ j j2

@t=@ �

@t=

@ �

@t+ �

@

@t

usando as duas ES acima temos

@ j j2

@t=

�i

~H �

�+ �

�� i~H

�Para um problema unidimensional

H = � ~2

2m

@2

@x2+ V (x)

temos

@ j j2

@t=

�i

~

�� ~

2

2m

@2

@x2+ V (x)

� ��+ �

�� i~

�� ~

2

2m

@2

@x2+ V (x)

�= �i ~

2m

� @2 �

@x2� � @

2

@x2

�= �i ~

2m

@

@x

� @ �

@x� � @

@x

�ou ainda

@ j j2

@t+

@

@x

�i~2m

� @ �

@x� � @

@x

��= 0

Em 3 dimensões temos

@ j j2

@t+r �

�i~2m

( r � � �r )�= 0

Se de�nirmos as quantidades

J = i~2m

( r � � �r ) ; � = j j2 (52)

41

Page 42: Apontamento quantica

temos a equação exatamente uma equação de continuidade. De�nimos assim oconceito quântico de densidade e corrente de partículas.Além do fato da densidade das partículas estar relacionada com a proba-

bilidade de onde a partícula está, existe também uma corrente associada a ela.Pelos princípios da MQ esta corrente não pode ser associada diretamente aomovimento da partícula.Por exemplo, uma partícula numa caixa, com energia bem de�nida E é

descrita por uma função na forma

(x) = N sin (kx) exp

��iE~t

�e possui uma densidade

� (x; t) = j j2 = jN j2 sin2 (kx)

e uma corrente

J = i~2m

� @

@x � � � @

@x

�= 0 =

@�

@t

Ou seja, mesmo que classicamente pensemos numa partícula andando de umlado para o outro da caixa (consequentemente um �uxo na forma Jc = v� (x)),quanticamente não há �uxo algum. Além disso, classicamente a nossa densidadeseria diferente de zero apenas num ponto (�c = � (x)), mas quanticamente, elase espalha por toda a caixa.Por exemplo, um elétron de um átomo de hidrogênio in�uencia a sua viz-

inhança como se fosse uma distribuição de carga dada por � = j (r)j2 e nãocomo uma distribuição de carga clássica de uma única partícula �c = q� (r).Obviamente, como sempre acontece em MQ, existem regimes onde os con-

ceitos clássicos e quânticos concordam.

6 Barreira de potencial �nita

Vamos agora analisar o problema de uma barreira de potencial �nita. Imagine,por exemplo, um circuito como o da �gura abaixo:

42

Page 43: Apontamento quantica

Onde as grades es-tão ligadas a uma bateria. Na região I temos um potencial constante, quepodemos chamar de U = 0. E na Região II temos, novamente um potencialconstante U = V > 0. Uma carga se movendo em qualquer uma destas regiõesnão sofrerá a in�uência de nenhuma força.Agora, se uma carga (positiva) tentar se mover na Região III entre as placas,

sofrerá uma força constante F = qE, dada por um potencial U = Ex. O grá�codeste potencial seria algo como:

Classicamente uma carga na Região I só poderia penetrar na Região II seela tiver energia su�ciente para vencer a barreira de potencial, ou seja, apenasse ela possui uma energia E > V . Se uma carga com E < V viaja pela RegiãoI, ao chegar na Região III ela seria desacelerada até ser re�etida de volta.Além disso, toda a carga com E > V passaria pelo potencial.Vejamos agora o que nos diz a descrição quântica deste problema.Para simpli�car bastante o nosso problema, nós jogamos as duas placas

externas para o in�nito e fazemos D ! 0 ou, o que dá no mesmo, fazemosV >> D. Com isso, o potencial tem a forma da �gura abaixo

43

Page 44: Apontamento quantica

Entãoagora temos apenas duas regiões. A Região I será aquela onde o potencial valezero, U = 0, enquanto na Região II , temos U (x) = V . Assim, nesta descrição,temos também duas ES, uma para cada região.Assim como no caso da partícula livre, imaginemos que a partícula possui

uma energia bem de�nida, i.e., vamos estudar a ES independente do tempo paraeste problema.Na Região I:

�� ~

2

2m

d2

dx2+ U

� = E ! � ~

2

2m 00I = E I =) 00I = �k21 I ;

k21 =2m

~2E : (53)

A solução deste problema é o mesmo da partícula livre, ou seja, podemosescrever a solução como:

I = A exp (ikIx) +B exp (�ikIx) :

As duas soluções acima representam ondas viajando na direção x (kI = x)e �x (�kI = �x).

44

Page 45: Apontamento quantica

Já para a Região II temos:�� ~

2

2m

d2

dx2+ U

� = E !

�� ~

2

2m

d2

dx2+ V

� II = E II

00II = �k22 ; k22 =2m

~2(E � V ) : (54)

Note que, apesar de ambos serem constante, kI 6= kII . Assim, a solução daequação diferencial acima é a mesma da anterior, mas, como veremos, o com-portamento destas soluções é bem diferente. Ou seja,

II (x) = C exp (ik2x) +D exp (�ik2x) :

Nosso objetivo é saber o que acontece com uma partícula que vem da regiãoI, viajando para a direita, quando esta encontra a barreira de potencial. Assim,podemos simpli�car ainda mais o nosso problema fazendo D = 0. Observe quea partícula pode vir pela direita, ser re�etida pela barreira e voltar viajandopara a esquerda, por isso não fazemos B = 0. Com isso, as soluções procuradastêm a forma

I (x) = A exp (ik1x) +B exp (�ik1x) II (x) = C exp (ik2x)

As soluções acima representam a composição de 3 onde distintas:

1. i = A exp (ik1x) descreve uma onda plana que vem do in�nito (�1) emdireção a barreira (nossa partícula inicial).

2. t = C exp (ik2x) descreve uma onda que atravessou a barreira e se movepara a direita.

3. r = B exp (�ik1x) descreve uma onda para a esquerda. Como inicial-mente só temos partículas vindas da direita, esta onda só pode descreveruma onda (ou uma partícula) que foi re�etida pela barreira.

45

Page 46: Apontamento quantica

Da descrição acima vemos que jCj2 é a probabilidade da nossa partículaatravessar a barreira (pois se jCj2 = 0 ) j II j = 0 e não há partícula naregião II), enquanto jBj2 é a probabilidade da nossa partícula ser re�etida pelabarreira. Se a partícula foi re�etida ela volta com a mesma energia E e se elaatravessou ela agora terá uma energia E � V .Podemos associar ao sistema então uma corrente Ji da partícula (ou das

partículas) incidentes. Usando (52)

Ji = i~2m

� i@ �i@x

� �i@ i@x

�= i

~2m

��2ik1 jAj2

�=~mk1 jAj2

Lembrando que, pela relação de De Broglie (ou pela de�nição de k)

p =h

�=

h

2�k = ~k

a quantidade ~k1 é o momento da nossa partícula incidente. Assim, se associ-amos a partícula uma velocidade (clássica), v = p=m, a quantidade Ji pode serescrita como

Ji =~k1mjAj2 (x) = p1

mjAj2 (x) = v1 jAj2 (x) :

Além disso, lembrando a nossa de�nição quântica para a densidade de partículas

� = j j2 ) �i = jAj2

temosJi = v1�i

Que é exatamente a expressão clássica para a corrente de uma distribuiçãocom densidade � e velocidade v. É necessário ter em mente que, apesar dasdescrições baterem, a interpretação por detrás destas equações é bem diferente.Enquanto classicamente esperamos ter uma in�nidade de partículas distribuídasuniformemente no eixo x (pois �i é constante), e cada uma com velocidade v.Quanticamente podemos ter apenas uma partícula com momento ~k que possuia mesma probabilidade de ser encontrada em qualquer lugar do eixox. Lembre-se que a solução com energia de�nida é uma onda estacionária queocupa (sempre) todo o espaço.Entretanto, levando adiante esta analogia, podemos ainda de�nir uma cor-

rente para as partículas re�etidas Jr

Jr =~mk1 jBj2 (�x)

O coe�ciente de re�exão R de um meio mede exatamente a fração da correnteincidente (ou da intensidade da onda incidente) que este meio é capaz de re�etir.Assim:

R =jJrjjJij

=jAj2

jBj2

46

Page 47: Apontamento quantica

Se pensarmos apenas em termos de ondas (como eletromagnéticas) a expressãoacima simplesmente nos diz que o coe�ciente de re�exão de um meio é a razãoentre a intensidade da onda re�etida e da onda incidente.Da mesma forma, podemos de�nir uma corrente transmitida Jt

Jt =~k2mjCj2 (x)

e determinar o coe�ciente de transmissão do nosso potencial

T =jJtjjJij

=

����k2k1���� jCj2jBj2

Se o nosso sistema consiste numa in�nidade de partículas, emitidas uma apósa outras, os coe�cientes acima nos dizem a proporção destas partículas que iráatravessa ou será re�etida pela barreira. Estes efeitos são facilmente observa-dos com a luz em meios translúcidos. Mas veja que agora, a expressões acimasão válidas para uma única partícula (massiva, ou um fóton). Esta descrição écompletamente diferente da clássica que a�rma: se partícula tem energiamaior que a barreira ela passa, caso contrário ela não passa. Falandonovamente sobre fótons, vemos que o comportamento clássico (observado emmeios translúcidos) é esperado para um sistema constituído com um grandenúmero de partículas. Neste sentido a teoria clássica da luz funciona perfeita-mente bem para intensidades altas, mas, para baixas intensidades, precisamosda teoria quântica. Baixas intensidade (apenas alguns, ou mesmo um únicofóton) só foram alcançados em equipamentos mais modernos. Vemos que, nocaso da luz, o limite clássico está relacionado com altas intensidades.Bem, voltemos agora a nossa descrição quântica. Para determinarmos os

coe�cientes R e T da nossa barreira, precisamos obter as razões entre as intensi-dades da nossa função de onda, ou seja, determinar a razão entre as constantesda nossa equação diferencial. Assim como no caso da partícula na caixa, paradeterminar as constantes acima precisamos impor condições de contorno noproblema.Mais uma vez, não queremos descontinuidades na função de onda (pois isso

estaria associado com uma energia in�nita). Além disso, como ES indepen-dente do tempo envolve uma derivada segunda, pela mesma razão não queremosuma descontinuidade na primeira derivada da função de onda. Matematica-mente estas exigências são necessárias para que as equações diferen-ciais façam sentido.Assim, devemos impor as condições

I (0) = II (0) ; 0I (0) = 0II (0) ;

Com isso

A+B = C

ik1 (A�B) = ik2C =) A�B = k2k1C

47

Page 48: Apontamento quantica

Resolvendo para C=A e B=A temos

C

A=

2h1 + k2

k1

i ; BA=1� k2

k1

1 + k2k1

Com isso, nossos coe�cientes se tornam

T =4k2=k1�1 + k2

k1

�2 ; R = ����1� k2=k11 + k2=k1

����2

Usando (53) e (54)k2k1=

r1� V

E

Vamos primeiro analisar o caso em que E � V

E � V ) V

E� 1) 0 � k2

k1� 1

Primeiramente note que, como era de se esperar

T +R =1�

1 + k2k1

�2 h2k2=k1 + 1 + (k2=k1)2i = 1Para o caso especial E = V

T = 0 ; R = 1

temos uma re�exão total da partícula. Conforme E cresce o coe�ciente detransmissão vai aumentando enquanto o de re�exão vai diminuindo.Observe que, apesar do coe�ciente de transmissão aumenta com a energia

(o que é natural), o comportamento é completamente diferente do esperadoclassicamente. Pois, mesmo que a partícula tenha uma energia E > Vela tem uma probabilidade de ser re�etida pela barreira. Ou seja, sejogarmos várias partículas com uma energia E > V detectaremos algumas sendore�etidas pela barreira. No nosso exemplo da carga atravessando o campo, anossa partícula tem energia cinética su�ciente para vencer o campo,mas, mesmo assim, ela é re�etida.Vejamos agora o que ocorre quando E < V .Neste caso, a ES na região II se torna

d2

dx2 II = �

2m

~2(E � V ) II =

d2

dx2 II =

2m

~2(V � E) II

00II = �2 II ; �2 =

2m

~2(V � E) > 0

Cuja solução vale

48

Page 49: Apontamento quantica

Figure 6: Libo¤

II (x) = C exp (��x) + C 0 exp (+�x)Qual dos sinais acima usar?A resposta para esta pergunta permite analisar uma série de características

(físicas e formais) da MQ.Vamos considerar que a solução geral seja uma combinação linear dos dois

sinais.o sinal positivo (+). Neste caso, conforme nossa onda se aproxima do in�nito

teremos: II (x!1) ' C exp (�x)!1

(A partícula sempre estaria no in�nito)Fisicamente isso signi�ca que a partícula sempre seria encontrada no in-

�nito, ou seja, a probabilidade dela estar no in�nito (e conseqüentemente sertransmitida seria sempre maior que qualquer outra probabilidade �nita). Obvi-amente isso não acontece, o que nos permite (com argumentos físicos) escolhero sinal de menos na exponencial. Matematicamente o mesmo argumentoa�rma que uma função de onda este fato está relacionado com não podermosnormalizar a função de onda acima. Assim, entre os postulados da MQ, temosque os estados físicos do sistema são dados por funções de onda que respeitamZ 1

�1j (x)j2 dx <1

Ou seja, cuja probabilidade de serem encontrada em todo o espaço seja �nita.Dizemos que as funções permitidas são de quadrado integrável, ou, mais tecni-camente, que elas pertencem ao espaço de Hilbert.

49

Page 50: Apontamento quantica

Podemos continuar usando todos os resultados anteriores fazendo

00II = �2 = � (i�)2 II

e substituindo k2 por i�. Com isso

B

A=1� i�

k1

1 + i�k1

Se de�nirmosz = 1 + i

k1

lembrando que �=k1 2 R, temos

B

A=�z

z=) R =

����BA����2 = ��� �zz ���2 = 1

Para obter o coe�ciente R vamos usar,

T +R = 1) T = 0 :

Entretanto, precisamos ver que este resultado continua válido para E < V(lembre-se que, para obter o resultado acima, usamos explicitamente E � V ).Neste caso é necessário notar que no processo de espalhamento que estamos estu-dando todas as correntes são constantes. O que, pela equação de continuidade,signi�ca que

r � J = �@�@t) @�

@t= 0 :

Para o caso de uma partícula, este resultado não é nada intuitivo com a nossavisão clássica. Pois não podemos imaginar a partícula entrando nemsaindo de nenhuma região. Mas lembres-se que, enquanto você não detectara partícula ela é uma onda no espaço todo. O resultado acima nos diz que

@Jx@x

� @J

@x= 0 ;

com isso Z 1

�1

@J

@xdx = J1 � J�1 = 0 :

Mas sabemos que

J�1 = Ji � JrJ1 = Jt

com isso

Jt � Ji + Jr = 0 =)JtJi+JrJi= 1 =) T +R = 1 :

Assim este resultado é válido para qualquer corrente estacionária.

50

Page 51: Apontamento quantica

Com isso, para E < V , temos

R = 1 =) T = 0

Ou seja, para energias menores que a barreira todas as partículas são re�etidas.

Este último resultado concorda plenamente com o esperado classicamente.Podemos obter este resultado também diretamente da solução

II (x) = C exp (��x) =) II (1) = 0

Ou seja, não podemos encontrar nossa partícula muito longe da barreira e,consequentemente, não há corrente Jt nesta região. Além disso, como a correnteé estacionária, Jt � 0.

6.1 Comportamento dentro da barreira

Uma atenção especial deve ser dada para o comportamento da função de ondana região dentro da barreira

II (x) = C exp (��x)

Onde o valor de C está relacionado com as demais constantes pelas condições decontorno e pela normalização. Observe que agora a probabilidade de encontrara partícula no interior da barreira (apesar de não ser nula) cai exponencialmente

II (x!1) ' Ce��x ! 0

Mas, a previsão da MQ, é que existe uma probabilidade não nula da partículaser encontrada numa região classicamente proibida.Observe, entretanto, que nesta região a partícula teria uma energia total

negativa (E � V < 0). Um tal estado não é considerável �sicamente possível,porque não saberíamos que tipo de dispositivo físico poderia medir esta energia(não há um análogo clássico para isso). Entretanto, o ponto importante é que,se a barreira tiver uma largura �nita, de sorte que a função não seja zero no�nal da barreira, uma partícula com uma energia E < V poderia atravessar estabarreira.

7 Barreira quadrada

Vamos analisar agora um problema um pouco mais complicado, mas muito maisinteressante. Imagine agora que o nosso potencial não continua constante até oin�nito, mas volta a cair num certo ponto. Ou seja, a nossa partícula vem livreaté x < �a (U (x < �a) = 0), sofre a ação de um potencial em x = a (U = V ),mas a in�uência deste potencial torna a desaparecer numa certa distância a(U (x > a) = 0).

51

Page 52: Apontamento quantica

Figure 7: Libo¤

Temos agora 3 regiões de interesse e, para cada região, temos a seguinte ESindependente do tempo

I (x) = Aeik1x +Be�ik1x ; k21 =2mE

~2; x < �a

II (x) = Ceik2x +De�ik2x ; k22 =2m

~2(E � V ) ; �a < x < a

III (x) = Feik1x ; x > a

Onde, na última função de onda, usamos novamente que estamos interessadosapenas no espalhamento de uma partícula vinda da esquerda.Mais uma vez, estamos interessados no estudo dos coe�cientes de transmissão

T e re�exão R deste potencial

T =

����FA����2 ; R =

����BA����2

Mais uma vez, os coe�cientes estão relacionados pela continuidade da funçãoe sua derivada nos pontos �a

e�ik1a +

�B

A

�eik1a =

�C

A

�e�ik2a +

�D

A

�eik2a

k1

�e�ik1a �

�B

A

�eik1a

�= k2

��C

A

�e�ik2a �

�D

A

�eik2a

52

Page 53: Apontamento quantica

e a, �C

A

�eik2a +

�D

A

�e�ik2a =

�F

A

�eik1a

k2

��C

A

�eik2a �

�D

A

�e�ik2a

�= k1

�F

A

�eik1a

Resolvendo estas equações para F=A, B=A temos:

F

A= e2ik1a

�cos (2k2a)�

i

2

�k21 + k

22

k1k2

�sin (2k2a)

��1B

A=i

2

�F

A

�k22 � k21k1k2

sin (2k2a)

Exercise 14 Obtenha as expressões acima.

Usando a segunda das relações acima podemos escrever����BA����2 = ����FA

����2 14���������k22 � k21k1k2

����2 sin2 (2k2a)�����

e suando a relação

T +R =

����FA����2 + ����BA

����2 = 1 =) ����BA����2 = 1� ����FA

����2temos

1

T=

����AF����2 = 1

4

����k22 � k21k1k2

����2 sin2 (2k2a) + 17.1 Primeiro caso E > V

Para E > V temos

k21 =2mE

~2; k22 =

2m

~2(E � V )

k21 � k22 =)����k22 � k21k1k2

�����2 = �k21 � k22k1k2

��2=E (E � V )

V 2

com isso

T =4E (E � V )

V 2 sin2�gpE � V

�+ 4E (E � V )

; E > V

g = 2a

r2m

~2(55)

Onde agrupamos todas as características da partícula e da espessura da barreirana constante g.

53

Page 54: Apontamento quantica

Além disso, a transmissão é total (T = 1) sempre que a diferença entre aenergia e o potencial valer:

E � V = ~2

2m

�n�

2a

�2=) T =

4E (E � V )4E (E � V ) = 1

Ou seja, quando a barreira respeita a relação acima ela se torna transparentepara as partículas. Usando a relação de De Bloglie

2ak2 = n� =) 2a = n�

2

quando o comprimento de onda da partícula é metade do tamanho da barreira.Esta relação pode ser usada para medir a espessura da barreira.Para energias muito altas

T = 1 ; E !1 :

Mais uma vez temos o comportamento descrito anteriormente de que, mesmopara energias mais altas que V , a partícula pode ser re�etida pelo potencial.Quando E �! V temos

E !+V ; sin

�gpE � V

�! g

pE � V ;

T ! 1�g2

�2V + 1

< 1 :

Agora temos que para energias próximas ao valor do potencial o coe�ciente detransmissão não mais se anula. Além disso, para uma barrira in�nita (V !1),ou uma barreira muito longa (g ! 1, que é o caso analisado anteriormente),temos (como esperado) T = 0.

7.2 Segundo caso E < V

Analisemos agora o caso para E < V . Novamente podemos aproveitar toda aálgebra desenvolvida anteriormente fazendo a substituição

k22 =2m

~2(E � V )

�2 =2m

~2(V � E) = �k22 ) i� = k2

com isso II (x) = Ce��x

Observe então que antes e depois da barreira temos ondas (oscilantes) en-quanto dentro da barreira a função de onda decai exponencialmente. Assim,devemos esperar um comportamento como o da �gura abaixo. Onde a ampli-tude da onda depois da barreira e tão menor quanto mais longa a barreira.

54

Page 55: Apontamento quantica

Libo¤

Com isso temos:

1

T=1

4

����� (i�)2 � k21k1i�

�����2

sin2 (2i�a) + 1

=1

4

������2 � k21k1i�

����2 sinh2 (2�a) + 1=1

4

��2 + k21k1�

�2sinh2 (2�a) + 1

usando�2 + k21k1�

=Vp

E (V � E)temos

T =4E (V � E)�

V 2 sinh2�gpV � E

�+ 4E (V � E)

� ; E < V

O principal ponto deste resultado é que, mesmo para E < V (classicamentenossa partícula não tem energia para atravessar o potencial), temos T 6= 0. Estefenômeno é chamado de tunelamento quântico, ou simplesmente, tunelamento.Este processo esta por trás do Scanning tunneling microscope. De acordo comeste efeito, sistemas quânticos fazem coisas que eles não teriam energia pra fazer(mas isso, de forma alguma, viola a conservação de energia). Uma das primeirasaplicações do tunelamento, foi para explicar o decaimento radioativo de certosátomos. No núcleo atômico a forca de repulsão coulombiana entre os prótons ecompensada pela atração nuclear entre os nucleons. Entretanto, como a forçanuclear é de curto alcance, enquanto a força de Coulomb é de longo alcance,conforma aumentamos o tamanho do átomo, prótons mais distantes continuam

55

Page 56: Apontamento quantica

se repelindo pela força eletromagnética, mas são atraídos apenas pelos nucleonsa sua volta. Vamos tendo assim um aumento gradual da repulsão, enquantoa atração permanece a mesma. Se tentarmos montar um átomo muito grandea repulsão colombiana simplesmente despedaçará o nosso átomo. Mas, paraátomos não tão grandes (e.g., urânio-238), a força de atração ainda é maior (maspouco maior) que a repulsão. Assim, classicamente este átomo seria estável.Entretanto, devido ao processo de tunelamento, pedaços do núcleo que nãoteriam energia (devido a repulsão) para escaparem da atração, conseguem fazê-lo. Assim, alguns pedaços do núcleo (e.g., dois prótons e dois nêutrons, chamadode partícula alfa) escapam do átomo de urânio. Este problema foi tratado comesta abordagem de tunelamento por Gamow, Condon e Gurney em 1928.Atualmente uma série de dispositivos eletrônicos (junção de Josephson e

diodos de tunelamento) funciona através deste processo de tunelamento, nestecaso, envolvendo elétrons.Vemos que para E < V temos T < 1. E para E ! 0

T ! 0hV 2 sinh2

�gpV�i = 0 ;

O comportamento geral do sistema pode ser visto na �gura abaixo

O coe�ciente (e, conseqüentemente, a probabilidade) de transmissão vai au-mentando com a energia E, até atingir um valor máximo (T = 1) que dependedas características da barreira (g). Depois este valor oscila próximo ao máximo,de sorte que num certo range, se aumentarmos a energia diminuímos a trans-missão (um comportamento bastante inesperado). Depois, para energias muitoaltas, a transmissão passa a valer sempre 1.

8 Poço �nito

O poço de potencial quadrado, apesar de mais complicado que os potenciaisanteriores, fornece uma forma simples de entender alguns dos mais importantesproblemas tratados pela MQ. Ente eles, a estrutura do átomo de hidrogênio e acondução eletrônica tanto em metais e em semicondutores.A con�guração deste problema pode ser descrita por um potencial na forma

56

Page 57: Apontamento quantica

Figure 8: Figura tirada do Libo¤, para g = 4.

57

Page 58: Apontamento quantica

Libo¤

Neste problema podemos continuar usando as mesmas equações do problemaanterior

I (x) = Aeik1x +Be�ik1x ; k21 =2mE

~2; x < �a

II (x) = Ceik2x +De�ik2x ; k22 =2m

~2(E � V ) ; �a < x < a

III (x) = Feik1x ; x > a (56)

apenas com a modi�cação

k22 =2m

~2(E � V )! k22 =

2m

~2(E + jV j)

com isso, para E � 0 (que equivale ao caso E � V ) o coe�ciente de transmissão(55)

T =4E (E � V )

V 2 sin2�gpE � V

�+ 4E (E � V )

; E > V ; g = 2a

r2m

~2

se torna

T =4E (E + jV j)

V 2 sin2�gpE + jV j

�+ 4E (E + jV j)

58

Page 59: Apontamento quantica

Para este potencial temos

T ! 1 para E !1T = 0 para E = 0

Além disso, temos, novamente, um máximo de transmissão para

gpE + jV j = 2ak2 = n�

O principal ponto a se notar agora que este potencial, diferente do anterior, éum potencial atrativo.Classicamente, é impossível para um potencial atrativo re�etir uma partícula.

Entretanto, no caso quântico, vemos que tal efeito pode acontecer. Nesta teoria,podemos imaginar um elétron sendo atirado contra um núcleo, temos que esteelétron pode ser re�etido pelo núcleo. Além disso, para valores de energia acima(2ak2 = n�), o núcleo é completamente transparente para o elétron (este é oefeito Ramsauer).Neste caso, como nos anteriores, a partícula pode assumir qualquer

valor de energia, i.e., o espectro de energia forma um contínuo.

8.0.1 Energia negativa.

Vamos agora procurar por soluções da ES com E < 0. Neste caso temos (lembreque agora a região classicamente proibida é jxj > a)

d2 Idx2

= �2 I ; �2 =

2m

~2jEj > 0 =) I (x) = A exp (�x)

d2 IIdx2

= �k22 II ; �22 =2m

~2(jV j � jEj) > 0 =) II (x) = B exp (ik2x) + C exp (�ik2x)

d2 IIIdx2

= �2 III ; =) I (x) = D exp (��x) (57)

Onde, pela condição de normalização, em I usamos apenas o sinal de + e em II o sinal de �. E usamos novas letras para as constantes multiplicativas.Nesta escolha implicitamente estamos escolhendo a raiz positiva de �

�2 = �r2m

~2jEj =) � = +

r2m

~2jEj > 0 :

Novamente impomos as condições de continuidade da função e sua derivadanos pontos �a

A exp (��a) = B exp (�ik2a) + C exp (ik2a)�A exp (��a) = ik2 [B exp (�ik2a)� C exp (ik2a)]

59

Page 60: Apontamento quantica

e a

B exp (ik2a) + C exp (�ik2a) = D exp (��a)ik2 [B exp (ik2a)� C exp (�ik2a)] = �D exp (��a)

coletando estas equações temos

Ae��a �Be�ik2a � Ceik2a = 0 ;Beik2a + Ce�ik2a �De��a = 0 ;A�e��a �Bik2e�ik2a + Cik2eik2a = 0 ;Bik2e

ik2a � Cik2e�ik2a +D�e��a = 0 :

As equações acima podem ser escritas na seguinte forma matricial

Mv = 0

onde

M =

0BB@e��a �e�ik2a �eik2a 00 eik2a e�ik2a �e��a

�e��a �ik2e�ik2a ik2eik2a 0

0 ik2eik2a �ik2e�ik2a �e��a

1CCA ; v =

0BB@ABCD

1CCASe a matriz M for inversível, podemos escrever

v =M�10) A = B = C = D = 0 :

Assim, a única forma da equação acima ter uma solução não trivial, é a matrizM não ser inversível. Ou seja,

detM = 0 ;

(esta é a regra de Kramer para que um sistema de equações tenha solução não-trivial).Manipulando a matriz temos

1. Multiplicando a primeira linha por � e subtraindo com a terceira; multi-plicando a segunda por � e somando da quarta; multiplicar primeira linhapor �1 0BB@

0 G� G 00 G G� 0

�e��a �ik2e�ik2a ik2eik2a 0

0 ik2eik2a �ik2e�ik2a �e��a

1CCA0BB@

ABCD

1CCA ;

ondeG � (�+ ik2) eik2a :

60

Page 61: Apontamento quantica

2. Trocar primeira coluna com a segunda (observe que estamos reorganizandoo sistema e precisamos rede�nir v)0BB@

G� 0 G 0G 0 G� 0

�ik2e�ik2a �e��a ik2eik2a 0

ik2eik2a 0 �ik2e�ik2a �e��a

1CCA0BB@

BACD

1CCAe depois segunda com a terceira0BB@

G� G 0 0G G� 0 0

�ik2e�ik2a ik2eik2a �e��a 0

ik2eik2a �ik2e�ik2a 0 �e��a

1CCA0BB@

BCAD

1CCASe calcularmos agora o determinante da matriz acima temos

detM =�2

k22

�G2 � (G�)2

�e2(�a�)

Exercise 15 Calcule o determinante da matriz acima.

Com isso, a condição de Kronecker se torna

detM = 0) G2 = (G�)2 ) G = �G� (58)

Lembrando que um número complexo pode ser escrito na forma polar

z = �+ ik2 = jzj ei� ; jzj =qk22 + �

2 ; tan� =k2�

temosG = jGj exp (i [k2a+ �])

Assim, (58) se torna

G = �G� ) exp (i [k2a+ �]) = � exp (�i [k2a+ �])

Para as raízes positivas

G = +G� =) exp (i [k2a+ �]) = exp (�i [k2a+ �]) =) k2a+ � = 0

ou ainda

k2a+ � = 0 =) tan (k2a) = � tan� = �k2�=) � tan (k2a) = �k2

ou ainda

� = �cos (k2a)sin (k2a)

k2 = �k2 cot (k2a) ;G

G�= 1 (59)

61

Page 62: Apontamento quantica

Para a raiz negativa fornece

G = �G� =) exp (i [k2a+ �]) = � exp (�i [k2a+ �]) = exp (�i [k2a+ �� �])

k2a+ � = �k2a� �+ � =) k2a+ � =�

2

ou ainda

tan� =k2�= tan

��2� k2a

�= cot (k2a)

que pode ser colocada na forma

k2 tan k2a = � ;G

G�= �1

Retornando estas soluções em0BB@G� G 0 0G G� 0 0

e�ik2a �eik2a � �ik2e��a 0

�eik2a e�ik2a 0 � �ik2e��a

1CCA0BB@

BCAD

1CCA = 0 (60)

temos

G�B +GC = 0 =) B

C= � G

G�

GB +G�C = 0 =) B

C= �G

G

com isso, para cada uma das raízes (58) e (59) temos

B

C= � G

G�= 1 =) B = C ; k2 tan k2a = � ;

G

G�= �1 ;

B

C= � G

G�= �1 =) B = �C ; �� = k2 cot (k2a) ;

G

G�= 1 :

8.0.2 Raiz negativa, primeira igualdade

Substituindo a segunda igualdade B = C nas duas outras últimas equações em(60) temos

e�ik2aB � Ceik2a � �

ik2e��aA = 0 =) A = 2

k2�B sin (k2a) e

�a

�eik2aB + Ce�ik2a � �

ik2e��aD = 0 =) D = 2

k2�B sin (k2a) e

�a

Substituindo nas funções de onda (57) temos

I (x) = A exp (�x) =) I (x) = 2k2�B sin (k2a) exp [� (x+ a)] ;

II (x) = B exp (ik2x) + C exp (�ik2x) =) II = 2B cos (k2x) ;

III (x) = D exp (��x) =) III (x) = 2k2�B sin (k2a) exp (�� (x� a)) ;

k2 tan k2a = � : (61)

62

Page 63: Apontamento quantica

Que, pela dependência na coordenada na forma do cosseno, são chamada desoluções pares.Para determinar a constante B em ambas as soluções acima, basta nor-

malizar as função Z 1

�1j j2 dx = 1

temos assim a solução completa do nosso problema.A relação entre k2 e � na equação (61) determinam os valores possíveis de

energia do nosso problema. Entretanto, esta é uma equação transcendental enão podemos encontrar uma forma algébrica fechada para as soluções (i.e., nãopodemos encontrar uma relação simples entre estas quantidades).Vamos primeiro estudas as pares (61). Fazendo mudança de variáveis (para

variáveis adimensionais)

� = k2a ; � = �a =) � tan � = � (62)

Lembrando que escolhemos a raiz positiva de � e que a > 0 temos

� > 0 :

Pela de�nição de k2 e � temos

�2 =2m

~2jEj ; k22 =

2m

~2(jV j � jEj) =) �2+k22 =

2m

~2jEj+2m

~2(jV j � jEj) = 2m

~2jV j

ou ainda�2 + �2 = a2

2m

~2jV j � �2

ou seja, para dados valores de a,m e V a relação acima descreve um círulo deraio � no plano � � �.Ou seja, para um dado poço de tamanho a, profundidade V e uma partícula

de massa m, a ES do nosso problema terá soluções não-triviais, apenas se asseguintes equações forem (simultaneamente) satisfeitas

� = � tan � ; � = +p�2 � �2 ;

� (E) = �a =a

~p2m jEj > 0 (63)

onde, novamente, escolhemos o sinal de + para � porque já haviamos escolhidoa raiz positiva de �. Esta é uma restrição nas energias (para soluçõesestacionárias pares) permitidas para o nosso sistema.Para encontrar estes valores possíveis de energia, podemos usar métodos

numéricos, ou simplesmente plotar num grá�co as duas equações (63) e procu-rarmos pelas intersecções destas �guras.Um exemplo, para um dado valor de � < �, é mostrado na �gura abaixo.

63

Page 64: Apontamento quantica

Libo¤

Ou seja, para

� < � =) jV j < ~2

2m

��a

�2estas curvas se encontrar apenas uma vez no ponto �1 da �gura. Assim, paraeste valor de potencial, temos apenas um possível valor de k2 e � que respeita ascondições de contorno do nosso problema. A energia deste estado é dada pelovalor de �

�1 = �1a =) jE1j =~2

2m�21 =) E1 = �

~2

2m

��1a

�2Este é um estado estacionário (par) permitido para o sistema (como é a soluçãoda ES independente do tempo, o estado deve ser estacionário). Lembrando queos estados estacionários são estados de energia determinada, nestas condiçõeso sistema tem apenas um valor permitido de energia. Este é um estado esta-cionário em que a partícula está presa dentro do posso. Ou seja, a regiãopermitida para a partícula é limitada no espaço. Um estado estacionário (deenergia bem de�nida) limitado no espaço é chamado de um estado ligado (emcontradição aos estados não ligados onde a partícula de energia bem de�nidapode ir para o in�nito).Observe que, se aumentarmos a profundidade do poço (i.e., aumentar a força

de atração jV j), de forma que

� < � < 2� =) � <

ra22m

~2jV j < 2�

64

Page 65: Apontamento quantica

teremos dois estados ligados para o sistema. Ou seja, dois estados de energiapermitidos. Além disso, o número de estados ligados aumenta com a largurado poço a. Outro ponto a se observar é que para qualquer valor de energiaE < 0 existe pelo menos um estado ligado par. Ou seja, assim como no casoclássico, um poço de potencial quântico sempre pode capturar uma partículacom E < 0. A diferença é que classicamente esta partícula é sempre capturadaenquanto quanticamente ela tem uma probabilidade de ser capturada dada pelocoe�ciente de re�exão.

8.0.3 Raiz positiva, segunda igualdade

Substituindo a segunda igualdade B = �C nas duas outras equações temos

B

C= �1 =) A

B= �D

B= �2i sin (k2a) e�a

e�ik2aB � Ceik2a � �

ik2e��aA = 0 =) A = 2

ik2�e�aB cos (k2a)

�eik2aB + Ce�ik2a � �

ik2e��aD = 0 =) D = �2 ik2

�Be�a cos (k2a)

Substituindo nas funções de onda (57) temos

I (x) = A exp (�x) =) I (x) = 2ik2�B cos (k2a) exp (� (x+ a)) ;

II (x) = B exp (ik2x) + C exp (�ik2x) =) II (x) = 2B sin (k2x)

III (x) = D exp (��x) =) III (x) = �2ik2�B cos (k2a) exp (�� (x� a)) ;

k2 cot (k2a) = �� : (64)

Estas são as soluções impares do nosso problema.O desenvolvimento segue de forma completamente análoga ao caso da raiz

negativa (ondas pares). Neste caso, novamente, temos a condição:

�2 + �2 = a22m

~2jV j � �2 ; � = k2a ; � = �a

mas agora devemos procurar por intersecções deste circulo com a curva:

� = �� cot (k2a)

O grá�co desta curva tem a forma:Ou seja, para valores

2< � <

3�

2

temos apenas um estado ligado. Diferente das soluções pares, para � < �=2

(i.e., jV j < ~22m

��a

�2) não temos nenhum estado ligado ímpar.

65

Page 66: Apontamento quantica

Figure 9: Libo¤

Obviamente, os estados ligados disponíveis para a partícula no poço são asoma dos estados pares e impares. Entretanto, com o veremos na segunda partedeste curso, esta característica de paridades estão diretamente relacionadas coma natureza das partículas con�nadas dentro do poço.Os dois primeiros estados ligados do sistema têm a forma:Observe que, novamente, existe uma probabilidade da partícula ser detectada

na região classicamente proibida fora do poço. Além disso, se o poço é muitoprofundo (jV j ! 1) teremos estados ligados com energia E << 0 (jEj >> 0)e conseqüentemente � >> 0. Neste caso (o poço de profundidade in�nita)qualquer estado com energia �nita terá um decaimento muito rápido fora dabarreira. Ou seja, a probabilidade de ser encontrada fora do poço énula. Assim, quando a profundidade do poço tende a in�nito, voltamos a ter oproblema da partícula na caixa, com as mesmas soluções e energias encontradasanteriormente.

8.0.4 Espectro contínuo e discreto

O desenvolvimento matricial permite ver com mais facilidade a diferença en-tre o problema para o espectro contínuo E > 0 e o espectro discreto E < 0.Para o espectro contínuo do caso do espalhamento, as condições de fronteira do

66

Page 67: Apontamento quantica

Figure 10: Libo¤

problema nos dão

��B

A

�eik1a +

�C

A

�e�ik2a +

�D

A

�eik2a = e�ik1a�

B

A

�eik1a +

k2k1

�C

A

�e�ik2a � k2

k1

�D

A

�eik2a = e�ik1a�

C

A

�eik2a +

�D

A

�e�ik2a �

�F

A

�eik1a = 0

k2k1

�C

A

�eik2a � k2

k1

�D

A

�e�ik2a �

�F

A

�eik1a = 0

onde, como temos agora cinco variáveis, podemos eliminar uma delas escrevendotodas as quantidades em relação a razão ?=A, uma vez que o número de condiçõesde fronteira é o mesmo temos o mesmo número de equações. Além disso, comoestamos interessados num problema de espalhamento de partículas lançadas de�1 (as funções de onda foram montadas com esta suposição), sabemos quesempre teremos A 6= 0.

67

Page 68: Apontamento quantica

Com isso podemos escrever o nosso sistema na forma

�B0eik1a + C 0e�ik2a +D0eik2a = e�ik1a

B0eik1a +k2k1C 0e�ik2a � k2

k1D0eik2a = e�ik1a

C 0eik2a +D0e�ik2a �D0eik1a = 0

k2k1C 0eik2a � k2

k1D0e�ik2a � F 0eik1a = 0

Onde as quantidades com linha são as originais divididas por A.Novamente, podemos colocar as equações acima na forma matricial

Mv = u

onde

M =

0BB@�eik1a e�ik2a eik2a 0

eik1a k2k1e�ik2a �k2

k1eik2a 0

0 eik2a e�ik2a �eik1a0 k2

k1eik2a �k2

k1e�ik2a �eik1a

1CCA ; v =

0BB@B0

C 0

D0

F 0

1CCA ; u = e�ik1a

0BB@1100

1CCAO que obtemos agora é uma equação não homogenia (u 6= 0) nas nossas

incógnitas. Neste caso a solução geral do nosso problema não está restrita acondição de Kronecker (ou, seja, não impomos mais que M não seja inversível).Na verdade, tudo que temos de fazer agora e inverter a matriz M e podemosdeterminar (de forma unívoca) o vetor v

v =M�1u

Se você �zer isso, irá obter exatamente as relações calculadas anteriormente. Ouseja, neste caso não precisamos impor nenhum vínculo no sistema para obteruma solução não trivial (i.e., para obter v 6= 0). A constante A que sobra podeagora ser determinada pelas condições de normalização.Este problema é importante porque mostra bem a diferença entre estados

ligados e não-ligados, e para modelar a física da condução em metais de semi-condutores. Entretanto, como veremos, ele é bastante arti�cial, especialmenteporque matematicamente alguns observáveis não estão bem de�nidos.

9 Estrutura formal da MQ

A fenomenologia da MQ surge nos trabalhos de Planck e Einstein (1895-1915).A estrutura formal da MQ nasce com o processo de quantização de Bohr-Sommerfeld e dos postulados de De Broglie (1910-1923). Esta é a chamada velhaMQ. Esta estrutura é modi�cada pela estrutura envolvendo variáveis intrinse-camente complexa, presente nos trabalhos de Schroedinger e a estrutura não-comutativa (matricial) dos trabalhos Heisenberg, Born e Jordan (1925-1930).

68

Page 69: Apontamento quantica

Estas duas estruturas foram posteriormente uni�cadas por Schroedinger dentrodos conceitos da análise funcional. Nasce aqui a nova MQ. Este trabalho foiavançado numa estrutura formal ainda mais consistente pelos trabalhos de VonNeumann (análise complexa), Weyl (teoria de grupos) e Dirac (tudo!).Nos trabalhos iniciais de Bohr-Sommenrfelde e De Broglie, a MQ é pensada

como uma �releitura�da física clássica. Ou seja, a interpretação de quantidadesclássicas mensuráveis não como uma característica intrínseca dos sistemas, mascomo probabilidades que o sistema assuma tais valores. Entretanto, como vi-mos, a teoria de Schroedinger a�rma que a descrição completa de um sistemafísico envolve quantidades complexas que estão fora do alcance dos aparelhosde medida. Ou seja, a descrição anterior da mecânica, baseada em variáveisreais e no espaço de fase, não pode comportar a realidade dos sistemasfísicos. Foi necessário então desenvolver uma nova estrutura matemática paradescrever de forma satisfatória esta nova teoria quântica. Esta nova estruturaenvolve conceitos da análise funcional como espaços de Hilbert e o espectrode operadores. E é em termos desta estrutura matemática que os postula-dos da MQ são estabelecidos. Ou seja, é impossível ter uma idéia da estruturaatual da MQ sem um conhecimento, ainda que (bem) super�cial, da estruturamatemática envolvida nesta teoria. Por isso vamos fazer um pequeno passeiopor alguns conceitos da análise funcional complexa.

9.1 Espaços vetoriais e operadores

Um espaço vetorial V é qualquer conjunto de elementos onde de�nimos umaregra de composição entre estes elementos, que simbolizamos geralmente pelosinal de soma (+). Ou seja, dado dois elementos quaisquer v1; v2 2 V , sabemosrealizar a composição:

8 v1; v2 2 V : v1 + v2 = v3 2 V ;

Ademais estabelecesse uma outra regra, chamada de produto com um escalar(�), da composição dos elementos deste conjunto sobre o corpo dos reais (ou doscomplexos). Ou seja:

8 v1 2 V; a 2 R : a:v1 = av1 = v3 2 V ;

Além disso, esta operação de soma deve respeitar (lembre-se que podemosde�nir diferentes somas, e.g., soma de setas, de matrizes.):

1. (a) Associativa: v1 + (v2 + v3) = (v1 + v2) + v3.

(b) Comutativa: v1 + v2 = v2 + v1.

(c) Elemento identidade: 9 0 2 V : v + 0 = v; 8 v 2 V .(d) Elemento inverso: 8 v 2 V; 9 � v 2 V : v + (�v) = 0 :(e) Distributiva pelo produto com um escalar: a (v1 + v2) = av1 + av2.

69

Page 70: Apontamento quantica

(f) Distributiva pela soma escalar: (a1 + a2) v = a1v + a2v

(g) compatível com a multiplicação escalar dos campo: a1 (a2v) = (a1a2) v

Um exemplo simples e bem conhecido de um espaço vetorial seria o con-junto de setas num plano. Ou seja, quantidades com um certo comprimentoque apontam em determinada direção e sentido (mas que não estão �xas emnenhum ponto). Com isso, V é o conjunto de todas as setas. Para que esteconjunto se torne um espaço vetorial precisamos primeiro de�nir como estassetas são multiplicadas por um número real. Fazemos isso de�nindo que

~v2 = a~v1 ; ~v1;2 V ; a 2 R ; a � 0

é uma nova seta ~v2 2 V (também no plano) que aponta na mesma direção de~v1, mas tem o comprimento a vezes maior. Da mesma forma,

~v3 = a~v1 ; ~v1 2 V ; a 2 R ; a < 0

tem o mesmo módulo e sentido de ~v2, mas aponta na direção contrária (temsentido contrário).Precisamos agora de�nir como se somam estas. Fazemos isso de�nindo

~v3 = ~v1 + ~v2 ; ~v1; ~v2 2 V

como uma nova seta ~v3 2 V obtida levando a origem de ~v1 na ponta de ~v2 eligamos a extremidade de ~v1 com a ponta de ~v2 (ou fazemos o mesmo invertendo~v1 com ~v2).

Com isso, é fácil ver que V é um espaço vetorial.

9.2 Produto interno

Dentro do espaço vetorial, podemos ainda (mas não é uma condição necessáriapara a sua construção) de�nir uma operação de produto entre os elementosdo espaço. Esta operação, no caso geral, associa a dois vetores quaisquer umnúmero. Ou seja, esta operação é um mapa

V � V � V 2 �! R ;

O símbolo usual para esta operação é o seguinte:

(~v1; ~v2) = v ; ~v1; ~v2 2 V ; v 2 R

Esta operação é chamada de produto vetorial, ou, de forma mais geral, de produtointerno. Ela pode ser de�nida de várias formas diferentes, precisando apenasrespeitar as seguintes regras (no corpo dos reais):

(~v1; ~v2) = (~v2; ~v1) (simétrico)

(a~v1 + b~v2; ~v3) = (a~v1; ~v3) + (b~v2; ~v3) (linear)

(~v;~v) � 0 ; (~v;~v) = 0 =) ~v = ~0 (positivo de�nido)

70

Page 71: Apontamento quantica

onde ~0 é o vetor identidade do espaço vetorial, usualmente denotamos ~0 � 0,mas lembre-se que 0 2 V .Como exemplo, no nosso espaço de setas podemos de�nir:

(~v1; ~v2) = j~v1j j~v2j cos �

Onde jvj 2 R� é o tamanho da nossa seta e � é o menor ângulo entre as setas.Num espaço vetorial geral, este tamanho é chamado de norma do vetor e podeser escrito como

(~v;~v) = j~vj j~vj cos 0 = j~vj2 :

Ou seja, uma vez de�nido o produto interno sabemos calcular a normados vetores.O produto interno fornece uma forma bastante conveniente de fazemos refer-

ências as nossas setas (sem termos de fazer desenhos ou guardamos a seta, cuida-dosamente para não girar, numa gaveta). Imagine que todas as pessoas que irãotrabalhar com estas setas concordam em usar duas setas especiais ~e1 e ~e2, ouseja, duas setas que todos sabem o tamanho e a direção que apontam (apenasestas duas nós guardamos na gaveta). Feito isso, podemos associar a uma setaqualquer ~v os números:

v1 = (~v;~e1) ; v2 = (~v;~e2) (65)

Dado estes dois números, qualquer pessoa que conheça as setas ~e1 e ~e2 podereconstruir ~v. Estes dois vetores formam uma base do nosso espaço de setas.A única exigência é que estes não sejam setas que apontem na mesma direção(co-lineares).Como reconstruímos o vetor ~v? O que temos de fazer é procurar por um

vetor cujo produto interno com ~e1 e ~e2 forneça os números acima. Feito isso,este vetor será único.Agora, seria muito conveniente se pudéssemos sistematizar a reconstrução de

~v numa álgebra simples. Por exemplo, seria bastante conveniente se púdessemosreconstruir ~v apenas fazendo

~v = v1~e1 + v2~e2 (66)

Isso é válido para qualquer base (~e1; ~e2)? A resposta é não.Quais as característica devemos impor para a nossa base para podermos usar

a expressão (66)?Tomemos novamente o produto interno do nosso vetor (66) com ~e1

(~v;~e1) = (v1~e1 + v2~e2; ~e1) = v1 (~e1; ~e1) + v2 (~e2; ~e1)

Usando agora (65) devemos ter

v1 (~e1; ~e1) + v2 (~e2; ~e1) = v1

71

Page 72: Apontamento quantica

para um vetor ~v qualquer do nosso espaço. Esta igualdade só é válida paravetores ~e1 e ~e2 que respeitam

(~e2; ~e1) = 0 (ortogonal)

(~e1; ~e1) = 1 (normalizado)

A primeira igualdade nos diz que os nossos vetores de base são ortogonais e asegunda que o vetor ~e1 está normalizado. Da mesma fora, se tivéssemos feitoo produto com ~e2 teríamos

(~e1; ~e2) = 0 ; (~e2; ~e2) = 1 :

Ou seja, dada uma base e um vetor ~v estes só estarão relacionados pela expressão(66) se

(~ei; ~ej) = �ij : (67)

Uma base que respeita a igualdade (67) é chamada de ortonormal.

Remark 16 Observer que bases não-ortonormais também são legítimas paradescrever o espaço. Entretanto, para bases ortonormais as expressões e manip-ulações dos vetores toma uma forma bastante simples.

Como veremos a seguir, existe um procedimento geral para, dado um espaço,obtermos uma base ortogonal. Entretanto, esta base usualmente não é nor-malizada. Contudo, num espaço vetorial com o produto interno de�nido, dadosdois vetores ~e1 e ~e2 que sejam ortogonais ((~e1; ~e2) = 0), mas não normalizados,podemos facilmente de�nir novos vetores

ei =~eij~eij

=~eip(~ei; ~ei)

que serão obviamente normais

(ei; ei) = 1

Este processo é chamado de normalização dos vetores de base. Usamos o chapélpara indicar que a base foi normalizada.A base ortonormal nos dá uma forma também muito conveniente de de�nir-

mos a soma dos nossos elementos (mais uma vez, sem precisarmos apelar paradesenhos). Vimos que, dada uma base ortonormal, a representação dos nossosvetores nesta base assume a forma

~v = v1e1 + v2e2 ; vi = (~v; ei)

Podemos agora escolher uma representação matricial para os nossos ve-tores da base. Uma escolha possível é a seguinte:

e1 ��10

�= e1 ; e2 �

�01

�= e2 (68)

72

Page 73: Apontamento quantica

Com isso,

~v = v1e1 + v2e2 � v1e1 + v2e2 =

�v1v2

�:

Feito isso, a soma e a multiplicação por escalar se resume a álgebra usual dematrizes

v + av0 =

�v1v2

�+ a

�v01v02

�=

�v1 + av

01

v2 + av02

�No lugar de (68) poderíamos ter escolhido qualquer base ortonormal para o

espaço das matrizes. Ou seja, qualquer par de matrizes que fossem ortogonaise normalizadas. Por exemplo:

e1 �1p2

�11

�= e01 ; e2 �

1p2

�1�1

�= e02 (69)

Mas, neste caso, a forma matricial dos nossos vetores não seria tão simples

v1e01 + v2e

02 = v1

1p2

�11

�+ v2

1p2

�1�1

�=

1p2

��v1 + v2v1 � v2

��A base (68) se chama base canônica.A igualdade acima é válida para qualquer base ortonormal. Ou

seja, se escolhermos uma base diferente da canônica, ainda podemos encontraras componentes dos vetores na base original através do produto interno

vi = (v; ei) = (~v; ei) :

Por exemplo, dado o vetor

v =

�01

�:

As componentes vi deste vetor na base canônica é, obviamente, v1 = 0 ; v2 = 1.Entretanto, se tivéssemos escolhido a base (69), teríamos

v1 = (v; e01) =

�0 1

� 1p2

�11

�=

1p2

v2 = (v; e01) =

�0 1

� 1p2

�1�1

�= � 1p

2

Assim, sempre que temos um vetor na forma matricial, precisamos saber emque base este vetor foi escrito. Usualmente, e quando nada for especi�cado,estaremos falando da base canônica.Como veremos, algumas vezes é conveniente trabalhar numa base diferente

da canônica.

73

Page 74: Apontamento quantica

9.2.1 Representação dual

Poderíamos também ter escolhido representar nossos vetores (na base canônica)por matrizes linha

~v =�v1 v2

�:

Observe que o próprio conjunto das matrizes n � m (para qualquer valorde m e n) com a de�nição usual de soma e multiplicação por escalar já formaum espaço vetorial. Ou seja, no procedimento acima estamos identi�candoum espaço vetorial com outro. Para com isso aproveitarmos as característicasalgébricas já conhecidas do outro espaço (das matrizes).Neste processo podemos identi�car, ou representar, o vetor ~v com a matriz

n � 0 ou com a matriz 0 � n. A representação n � 0 é chamada de dual darepresentação 0� n (e vice-versa).Dada uma base ortonormal feig e as componentes de dois vetores nesta

base~v = v1e1 + v2e2 ; ~g = g1e1 + g2e2 ;

o produto interno entre eles pode ser calculado como

(~v;~g) = (v1e1 + v2e2; g1e1 + g2e2)

= v1g2 (e1; e2) + v1g1 (e1; e1) + v2g1 (e2; e1) + v2g2 (e2; e2)

= v1g1 + v2g2 =2Xi=1

vigi :

Na representação matricial esta igualdade toma a forma

(~v;~g) = v1g1 + v2g2 =�v1 v2

�� g1g2

�= vTg

onde vT é a transposta de v. Ou seja, podemos realizar o produto internoconvencionando que o elemento a direita em (:; :) representa o vetor, enquantoo elemento a esquerda, representa o dual do vetor.

74

Page 75: Apontamento quantica

Recapitulando:

1. Partimos de um conjunto de objetos (setas) e de�nimos neste conjuntouma operação de soma entre os elementos e a multiplicação destes ele-mentos por um número real. De�nimos assim um espaço vetorial Vsobre os reais.

2. Em seguida selecionamos dois elementos ortogonais deste conjunto (duassetas que formam um ângulo de 90o) e normalizados (setas de comprimentounitário) e formamos uma base ortonormal feig.

3. Passamos então a identi�car as setas com as suas componentes nesta base~v 2 V : ~v ! fv1; v2g.

4. Em seguida organizamos estas componentes em matrizes. E passamos anão mais olhar para o espaço original das setas, mas sim para o espaçodas matrizes associadas a cada elemento ~v 2 V : ~v ! fv1; v2g ! v.

Dizemos com isso que estamos escolhendo uma representação matricial parao nosso espaço vetorial.

9.3 Mudança de base

Como vimos anteriormente, a forma explicita das componentes do vetor depen-dem de qual base escolhemos.Se numa certa base fe1; e2g um vetor ~v tem componentes

~v = v1e1 + v2e2

numa outra base fe01; e02g ele terá outras componentes

~v = v01e01 + v

02e02

Se você escolher uma certa base ortonormal fe1; e2g, como comparar suasquantidades com os de alguém que ecolheu outra base fe01; e02g? Ou seja, comovi se relaciona com v0i?Para saber isso basta lembrar que todos estes vetores formam uma base do

espaço. Assim, podemos escrever

e1 = a11e01 + a12e

02

e2 = a21e01 + a22e

02

onde, pela de�nição dos nossos coe�cientes de expansão (65), temos a11 =(e1; e

01), ou, de forma geral

aij =�ei; e

0j

�:

ei =2Xj=1

aij e0j =

2Xj=1

�ei; e

0j

�e0j (70)

75

Page 76: Apontamento quantica

Assim, se você tem um vetor qualquer

~v = v1e1 + v2e2 =2Xi=1

viei

podemos usar (70) e escrever

~v =2Xi=1

viei =2Xi=1

2Xj=1

vi�ei; e

0j

�e0j =

2Xj=1

2Xi=1

vi�ei; e

0j

�e0j

Ou seja, se vi são as componentes de ~v na base feig as componentes v0i destemesmo vetor na base fe0ig são

v0j =2Xi=1

vi�ei; e

0j

�As quantidades

�ei; e

0j

�também podem ser organizadas numa matriz quadrada

com linha i e coluna j. Esta matriz é chamada de matriz de mudança da basefeg para a base fe0g.Vemos assim como é conveniente identi�carmos nossos vetores com matrizes.

De forma geral, todas as quantidades com um único índice podem ser vistoscomo uma matriz coluna de 2 elementos e qualquer quantidade com dois índicescomo uma matriz 2� 2.

9.4 Notação de Dirac

Observe que estamos trabalhando com duas quantidades, os elementos do con-junto que formam o espaço vetorial V e os elementos do conjunto dos reais R.Por isso usamos uma notação especial para diferenciar os elementos destes doisconjuntos. No caso, uma seta sobre os vetores para as setas, ou um negrito paraas matrizes. Poderíamos também usar letras gregas para vetores e romanas paranúmeros. O importante é sabermos, numa expressão, diferenciar os vetores dosnúmeros.A seta usada anteriormente nos lembra que estamos trabalhando com um

conjunto de setas. Como queremos trabalhar com diferentes espaços vetoriais,vamos apenas introduzir uma notação mais abstrata e geral. Para diferenciar onúmero a 2 R de um vetor a 2 V , usaremos o seguinte símbolo:

V 3 a � jai :

Ou seja, colocar a letra dentro do símbolo (j i) acima, chamado de ket, apenasindica que esta quantidade é um vetor.Dentro da nossa representação matricial devemos identi�car jai com uma

matriz a. Nesta representação podemos também de�nir o símbolo para o dualdo vetor

aT � haj :

76

Page 77: Apontamento quantica

chamado de bra. Esta é a notação de Dirac.A vantagem desta notação é que ela nos permite representar diretamente o

produto escalar dos vetores(b; a)

como o produto de um vetor jai pelo dual de hbj

(b; a) � hbj � jai � hbj ai

onde o símbolo h:j :i é chamado de braket (parênteses). Ou seja, a notaçãode Dirac divide o símbolo (:; :) em paren j) e teses (j que juntos formam umparênteses (esta foi a notação original que posteriormente mudou para h:j e j:i)

9.5 Operadores

Podemos também realizar operações nos nossos vetores. Por exemplo, se nossovetor é uma seta que aponta numa certa direção, você pode querer saber oque acontece com esta seta se ela for girada de um certo ângulo. Ou seja,queremos de�nir a operação de rotação nos nossos vetores. Se nosso vetor temcomponentes

jvi =�v1v2

�Quais as novas componentes, ou novo vetor jv0i, se este vetor for girado no sen-tido anti-horário, de um ângulo �. Como vimos na primeira parte do curso, narepresentação matricial, estas novas componentes se relacionam com as anteri-ores por

jv0i =�v01v02

�=

�cos � � sin �sin � cos �

��v1v2

�;

ou ainda simbolicamente

jv0i = R jvi ; R =�cos � � sin �sin � cos �

�:

R, que nosso caso é uma matriz 2 � 2, é um operador no nosso espaço devetores de dimensão 2. Ou seja, no nosso espaço vetorial 2 � 0 um operador éuma matriz 2� 2.As componentes de matriz n � n podem ser identi�cadas através de dois

índices Rij . Na notação de Dirac um operador pode ser representado como

Rij � jii hjj

Se encararmos jii como um vetor (uma matriz 2� 0), vemos que a quantidadeacima representa um �produto�entre o vetor jii e o dual do vetor jii. Ou seja,para dois vetores jai ; jbi 2 V , podemos de�nir dois tipos de produtos entre ume o dual do outro

haj jbi � haj bi (produto interno)jbi haj � jbi haj (produto externo)

77

Page 78: Apontamento quantica

o primeiro, como vimos, é o produto interno. O segundo é chamado de produtoexterno, ou produto tensorial.Ou seja o produto tensorial leva um par de vetores em V (matrizes 2 � 0)

em um elemento do espaço V � V = V 2 (matrizes 2� 2).Ou de um ket 2 � 0 com um bra 0 � 2 leva a 2 � 2. Lembrando que o

conjunto das matrizes m� n formam um espaço vetorial, este é uma mapa (ouuma relação entre espaços vetoriais).Este é o mesmo produto tensorial estudado na primeira parte do curso.

Como vimos, a sua realização no espaço das matrizes pode ser feito através doproduto de Kronecker.

jbi haj =�b1 b2

��a1a2

�=

�b1

�a1a2

�b2

�a1a2

� �=

�a1b1 a1b2a2b1 a2b2

�que é igual a matriz jji hij = bjai (compare com a equação (1.11) da primeiraparte do curso).

Remark 17 Lembre-se que haj bi é um número, mas jai hbj é uma matriz.

Na notação de Dirac, a atuação do operador jai hbj 2 V 2 num vetor jvi 2 Vé de�nida como

(jai hbj) jvi = jai (hbj jvi) = jai hbj vi 2 V

Ou seja, a atuação do operador jai hbj no vetor jvi gerou um novo vetor que é oproduto do vetor jai com o número hbj vi.Escrevendo

jbi = b1 je1i+ b2 je2ijai = a1 je1i+ a2 je2i

temos

jai hbj = b1a1 je1i he1j+ b2a1 je1i he2j+ b1a2 je2i he1j+ b2a2 je2i he2j

=2X

i;j=1

biaj jeii hej j

ou seja, se ai e bi são as componentes de jai e jbi então as componentes doproduto tensorial jai hbj são aibj na base (de V 2) jeii hej j.Todo o operador (matriz), pode ser decomposto nesta base. Em especial, a

nossa matriz de rotação tem a forma

R =2X

i;j=1

Rij jeii hej j

78

Page 79: Apontamento quantica

(o chapéu indica que R é um operador), com Rij números reais. Com isso

jv0i = R jvi ! jv0i =

0@ 2Xi;j=1

Rij jeii hej j

1A 2Xk=1

vk jeki!

=2X

i;j=1

2Xk=1

Rij jeii vk hej j jeki

=2X

i;j=1

2Xk=1

Rij jeii vk�jk

=2X

i;j=1

Rijvj jeii

Da mesma forma, na representação matricial, num espaço de dimensão Num vetor é uma matriz linha de N elementos e operadores são matrizes N �N .

79

Page 80: Apontamento quantica

9.6 Autovalores e autovetores

Uma relação entre operadores e vetores que é de especial interesse é quando aaplicação de um operador sobre um vetor resulta num vetor na mesma direção(i.e., proporcional) ao vetor original. Isso é, quando:

M jxi = a jxi ; a 2 R ; jxi 6= 0:

Neste caso, dizemos que jxi é um autovetor do operador M e que a é o autovalordo autovetor jxi.Por exemplo, se aplicarmos o operador P (que troca o eixo x por �x, ou

seja, coloca um espelho no nosso sistema) no vetor

jp1i =�01

�teremos

P jp1i =��1 00 1

��01

�=

�01

�= jp1i :

Ou seja, o vetor jp1i é um autovetor de P com autovalor 1. Já o vetor

jp2i =�10

�)��1 00 1

��10

�=

��10

�= �

�10

�= � jp2i :

Assim, jp2i é outro autovetor de P , mas com auto valor �1: Já o vetor

jp3i =�11

�)��1 00 1

��11

�=

��11

�6= a jp3i

então, jp3i não é auto vetor de P . Da mesma forma, qualquer vetor é autovetorde R (�) com autovalor �1, pois

R (�) jxi =��1 00 �1

��x1x2

�= �

�x1x2

�= � jxi

Além disso, o operador R (�=2) não possui nenhum autovetor.

9.6.1 Espaço euclidiano de dimensão �nita RN

Apesar dos exemplos explícitos dados anteriormente envolverem apenas espaçosbidimensionais, toda as discussões e de�nições apresentadas são igualmente vál-idas para um espaço com uma dimensão N arbitrária. Neste caso, obviamente,as somatórias devem ir até N . Por exemplo, num espaço de dimensão N existeuma base fjeiig ; i = 1; 2; 3:::; N que podemos escolher ortonormal e, qualquervetor do nosso espaço pode ser escrito como

j i =NXi=1

ci jeii :

80

Page 81: Apontamento quantica

Onde ci são as componentes do vetor j i na base fjeiig.Na representação matricial, os vetores serão matrizesN�1, os duais matrizes

1�N e os operadores matrizes N �N . Obviamente, neste caso, as di�culdadesalgébricas crescem com o valor de N , mas nenhuma di�culdade conceitual estáenvolvida neste processo.

9.7 Espaço de Hilbert

Nosso objetivo aqui é obter uma generalização dos resultados da seção anterior.O primeiro ponto é lembrar que nossos vetores, e os números que multiplicam

estes vetores, são todos reais. Assim, a primeira generalização que podemos fazeré de�nir um vetor num espaço de dimensão n é qualquer seqüência de númeroscomplexos �1; �2; :::; �n (�i 2 C) e que nossos vetores podem se multiplicadostambém por números complexo

� j�i+ � j i = j�i ; �; � 2 C

com�i = ��i + � i :

Até aqui nada mudou. O ponto agora é que devemos lembrar que se � é umnúmero complexo, podemos ter

�2 < 0

(e.g., para � = i). Isso implica que a somatória do quadrado de númeroscomplexo não é uma quantidade positiva de�nida e, consequentemente, a normade�nida anteriormente pode nos dar valores negativos. Não queremos ter vetoresde norma negativa (isso é, na verdade, contra a de�nição do que é uma norma).Podemos resolver este problema lembrando que

�:�� � 0; 8� 2 C

onde, além disso�:�� = 0) � = 0 :

Assim, podemos recuperar a característica de positividade da nossa norma se,no lugar de (??) de�nirmos o produto interno como

h�j i = ��1 1 + ��2 2 + :::+ ��n n =nX

i=0i

��i i ; (71)

com isso temos, novamente,

j�j2 = h�j �i =nXi=0

��i �i � 0

comj�j2 = 0 =) j�i = 0 :

81

Page 82: Apontamento quantica

A única diferença neste produto interno é que, no lugar da simetria, temosagora uma simetria conjugada

h�j i =nX

i=0i

��i i =nXi=0

(�i� i) =

nXi=0

�i �i

!= h j �i :

Já para o produto externo entre os vetores j�i e j i, temos agora duas opções.Podemos de�nir o operador

M = j�i h jcom componentes

Mij = ��i j

Ou podemos formar também o transposto conjugado do operador

M+ = j i h�j =�MT

�com

M+ij = � i�j =

���j i

�= (Mji)

ou seja

M+ =�MT

�:

Da mesma forma, no que se refere a representação matricial, continuamosrepresentando nossos vetores por matrizes coluna

j�i =

0BBB@�1�2...�n

1CCCAmas, para ser compatível com o produto interno (71), devemos de�nir o dual dej�i, não apenas como o transposto, mas como o transposto conjugado

h�j =���1 ��2 � � � ��n

�A segunda generalização que vamos fazer é permitir que a dimensão do

espaço assuma qualquer valor, incluindo o in�nito. Ou seja, vamos admitirespaços com n =1. Esta é, na verdade, a motivação deste desenvolvimento.Neste caso, obviamente não podemos mais representar nossos vetores por ma-

trizes. Mas podemos continuar usando todas as expressões anteriores (fazendon =1). A grande diferença é que antes, bastava que cada elemento do nosso ve-tor estivesse bem de�nido (não fosse in�nito) e, certamente, todas as expressõestambém estariam bem de�nidas.Agora, para n = 1, pode acontecer de cada elemento do nosso vetor estar

bem de�nido e, mesmo assim, não conseguirmos calcular quantidades como, porexemplo, o produto interno. Ou seja, agora precisamos exigir que as somatóriasde�nidas anteriormente convirjam.

82

Page 83: Apontamento quantica

Por exemplo, podemos de�nir as componentes do nosso �vetor�como

xk =1

k1=2; k 2 N�

Cada componente está bem de�nida. Em especial, para n!1

x1 =1

(1)1=2= 0

Entretanto, se desejarmos calcular a norma deste �vetor�teremos4

jxj2 =1Xk=1

1

k1=21

k1=2=

1Xk=1

1

k�!1 :

E não podemos utilizar para estas componentes a noção de norma que é indis-pensável em todas as nossas análises. Destarte, se quisermos de�nir um espaçovetorial tratável, devemos exigir que os vetores do nosso espaço respeitem arestrição

1Xk=1

j�kj <1 :

Ou seja, para nós agora, vetores são toras as seqüência, �nitas e in�nitas, sobreo corpo dos complexos, tal que a soma do módulo quadrado convirja.Um espaço vetorial de dimensão arbitrária (incluindo in�nito) sobre o corpo

dos complexos onde (para todo elemento) está de�nido um produto interno échamado de espaço de Hilbert.Todos os conceitos desenvolvidos anteriormente, incluindo a noção de ortog-

onalidade e base, são válidos no EH. A diferença é que agora a nossa base podeconter in�nitos termos.Um caso especial de espaço de Hilbert com dimensão in�nita é o espaço das

funções de quadrado integrável. Neste caso, nossos vetores representam funçõesnos reais dentro de um certo intervalo. Ou seja, à função

f (x) ; x 2 [a; b]

corresponde a um vetor jfi 2 H onde jfi indica a coleção de todos os valorespossíveis da função f(x), assim como j�i indicava todos os valores de umasequência �k. Neste caso o �índice�que identi�ca estes valores (x) é um índicecontínuo, ao invés do índice xk anterior que era discreto. Podemos facilmentegeneralizar os resultados anteriores trocando as somatórias dos índices discretospor integrais sobre os índices contínuos. Assim, o produto interno se torna:

h�j i =nX

i=0i

��i i ! hf j gi =Z b

a

�f (x) g (x) dx :

4Lembre que1Xn=1

1

ns

diverge para s � 1.

83

Page 84: Apontamento quantica

Novamente, para que o produto interno acima esteja de�nido, devemos exigirque

hf j fi <1 :

O conjunto de todas as funções que respeitam a restrição acima é um espaço deHilbert chamado espaço das funções de quadrado integrável no intervalo [a; b],ou L2 (a; b).Assim, daqui pra frente, quando escrevermos um vetor j i 2 H podemos

estar falando de uma matriz coluna de tamanho N , de uma seqüência in�nita k, ou mesmo de uma função (x) dentro de um intervalo. Para todas estasquantidades as expressões anteriores são idênticas (a menos do produto internodas funções que envolve integrais e não somatórias).Por exemplo, para o espaço L2(��; �), podemos de�nir uma base ortonormal

fjekig dada pelas funções

ek (x) =1p2�exp (ikx)

Exercise 18 Veri�que que estas funções pertencem ao espaço de Hilbert L2 (�;��).

Exercise 19 Veri�que que estas funções são ortonormais.

Assim, para qualquer função f (x) ; x 2 [��; �] o vetor correspondente jfi 2H pode ser escrito como

jfi =1X

k=�1ck jeki

onde, por ser uma base ortonormal,

ck = hekj fi =1p2�

Z �

��exp (�ikx) f (x) dx

e jfi representa a coleção de todos os valores da função

f (x) =1p2�

1Xk=�1

ck exp (ikx)

A decomposição acima, nesta base fjekig é chamada de série de Fourie dafunção f . Como veremos, existem várias outras decomposições (i.e., outrasbases) possíveis.

9.8 Operadores hermitianos

Como vimos anteriormente um operador pode ser visto como o produto externode dois vetores j�i e j�i5 . Se um operador M é de�nido como

M = j�i h�j5 Isso não é válido para todo operador.

84

Page 85: Apontamento quantica

então, seu hermitiano conjugado M+ será

M+ = j�i h�j

Para o caso do espaço de dimensão �nita, este operador é apenas o transpostoconjugado da matriz M , mas a nomenclatura continua para o caso de dimen-são in�nita. Neste caso podemos imaginar nossos operadores como matrizesquadradas in�nitas.O produto interno do vetor jzi = M jxi com o vetor jyi vale

hyj zi = hyj�M jxi

�podemos eliminar o parênteses acordando que o operador sempre age no vetor adireita (o que é equivalente a acordar que o conjugado do operador age no dualdo vetor a esquerda, hyj zi = hwj xi com jwi = M+ jyi, mas basta convencionarque ele age a direita). Com isso, temos

hyj M jxi = hyj �i h�j xi = h�j yi hxj �i = hxj �i h�j yi = hxj M+ jyi (72)

onde usamoshyj �i = h�j yi :

Um operador é dito simétrico, ou hermitiano se

M = M+ ) j�i h�j = j�i h�j

ou seja, para espaços de dimensão �nita são matrizes cuja transposto conjugadoé igual a ela mesma. Por exemplo, qualquer matriz na forma0BBB@

a11 a12 a13 � � ��a12 a22 a23 � � ��a13 �a23 a33 � � �...

......

. . .

1CCCA ; aii 2 R ; i = 1; 2; 3::

Para operadores hermitianos a propriedade (72) fornece

hyj M jxi = hxj M jyi : (73)

Propriedades dos operadores hermitianos:Imagine agora que você encontrou um autovetor j�i de um operador her-

mitiano M com autovalor �, ou seja,

M j�i = � j�i

observe que estamos usando a mesma letra apenas por conveniência, mas � 2 Cenquanto j�i 2 H.

85

Page 86: Apontamento quantica

Com isso a propriedade (73) acima fornece

hyj M jxi = hxj M jyi =)h�j M j�i = h�j� j�i = � h�j j�i = h�jM j�i = h�j� j�i = ��h�j j�i

Mash�j �i = h�j �i

com isso� h�j �i = �� h�j �i

comoh�j �i 6= 0 ; h�j �i <1,

temos� = ��) � 2 R :

Ou seja, todos os autovalores de um operador hermitiano são reais.Exemplo: Num espaço de dimensão 2 o operador

�2 =

�0 �ii 0

�:

(em MQ este é um dos operadores associados ao spin das partículas). É hermi-tiano.Vamos encontrar seus autovalores. O processo geral é o seguinte: En-

contrar um autovetor signi�ca resolver a equação

M j�i = � j�i )�M � �I

�j�i = 0 :

A quantidade M ��I é um novo operador. Para um espaço de dimensão �nita,este operador é uma nova matriz. Vamos chamar esta nova matriz de

T = M � �I

Nossa equação �caT j�i = 0

Se T é uma matriz inversível, podemos calcular T�1 e multiplicar pelos doislados da expressão acima

T�1T j�i = T�10) j�i = 0

Ou seja, se T é inversível, o vetor j�i é único e vale j�i = 0. Assim, M não teráautovetor. Portanto: A única forma de M ter autovetor é que T = M � �Inão tenha inversa. Para que uma matriz não tenha inversa, basta que

det T = det�M � �I

�= 0 :

86

Page 87: Apontamento quantica

Para o nosso casoM = �2

Logo devemos exigir que

det (�2 � I�) =����� 0 �i

i 0

�� �

�1 00 1

����� = ����� �� �ii ��

����� = 0 ;ou seja,

�2 � (�i:i) = �2 � 1 = 0 =) �2 = 1 =) � = �1 :Vemos então que �2 tem dois autovaloes �1 = 1 e �2 = �1 e, como esperado,ambos são reais.Suponha agora que temos dois autovetores de um operador hermitiano

M j�i = � j�i ; M j i = j i

com� 6= :

Para estes vetores podemos calcular

h j M j�i = h j� j�i = � h j j�i ;h�j M j i = h�j j i = h�j j i

além disso, usando (72) temos

h j M j�i = h�j M j i =) � h j �i = �h j �i = � h�j i = h�j i

onde usamos que �; 2 R. Com isso

[�� ] h�j i = 0

Se usarmos agora � 6= a igualdade acima implica

h�j i = 0

Ou seja, autovetores correspondentes a autovalores distintos são or-togonais.O resultado acima fornece uma forma prática e bastante útil de encontramos

bases ortogonais para um espaço qualquer. Bastando para isso encontrarmosoperadores hermitianos neste espaço.Exemplo: Voltemos a nossa matriz

�2 =

�0 �ii 0

�Sendo esta matriz hermitiana, devemos esperar que seus auto vetores sejamortogonais. Encontremos então estes autovetores. Voltando a equação de auto-valores,

(�2 � �I) j�i = 0)��� �ii ��

���1�2

�= 0

87

Page 88: Apontamento quantica

sabemos que � = �1. Para � = 1 temos��1 �ii �1

���1�2

�= 0) ��1 � i�2 = 0

i�1 � �2 = 0

Primeiro note que, se multiplicarmos a primeira equação por �i temos

i�1 � �2 = 0

que é idêntica a segunda equação. Assim, na verdade, temos apenas umaequação e duas incógnitas. Isso nada mais é do que uma conseqüência dofato da matriz �

�1 �ii �1

�não possuir inversa (ou ter determinante nulo). Lembre-se que construímos osvalores de � impondo esta exigência. Assim, usando a única equação que temos

i�1 � �2 = 0) i�1 = �2

Ou seja, o nosso autovetor tem a forma

j�+i =�

�1i�1

�= �1

�1i

�para qualquer valor �1 2 C.Isso é uma característica geral destes problemas. Para um sistema qualquer

de dimensão N , construímos seus autovalores � de um operador M exigindoque a matriz M � �I não tenha inversa. Isso faz com que, para estes valoresde �, tenhamos um sistema de N � 1 equações para N incógnitas. Com issosempre teremos uma parâmetro livre nos nossos autovetores. É a existênciadeste parâmetro que nos permite normalizar nossos vetores. Ou seja, escolhemoseste parâmetro de forma que nossos vetores tenham norma 1.Com isso, o autovetor associado ao autovalor 1 vale

�+ = +1 ; j�+i = �1

�1i

�:

Da mesma forma, encontramos o autovetor associado ao auto-valor � = �1�1 �ii 1

���1�2

�= 0) �1 � i�2 = 0

i�1 + �2 = 0:

Onde já sabemos que podemos usar apenas uma destas equações. Assim, usandoa segunda equação,

i�1 + �2 = 0) �i�1 = �2

Ou seja, o autovetor associado ao auto-valor � = �1 vale

�� = �1 ; j��i = �1

�1�i

�:

88

Page 89: Apontamento quantica

Como vimos, uma vez que �+ 6= �� devemos esperar que os vetores j��i e j�+isejam ortogonais. De fato

h�+j ��i = ��1�1 �i

�� �1

�1�i

�= j�1j2 (1� 1) = 0 :

Assim, fj�+i ; j��ig formam uma base ortogonal do nosso espaço. Podemosainda normalizar esta base fazendo

je�i =j��iph��j ��i

=1

j�1jp1 + 1

�1

�1�i

�=

1p2

�1j�1j

�1�i

�=

1p2ei��

1�i

�; � 2 R:

Ou seja, a nossa normalização também está de�nida a menos de umaconstante. Como veremos, os princípios da MQ nos permitem �xar arbitrari-amente esta constante. Escolhendo o caso mais simples � = 0 temos

je�i =1p2

�1�i

�Da mesma forma, podemos de�nir o vetor normalizado

je+i =1p2

�1i

�estes vetores respeitam

he+j e�i = 0 ; he+j e+i = he�j e�i = 1

e, consequentemente, formam uma base ortonormal do nosso espaço.Este resultado é geral. Para um espaço de Hilbert H de dimensão N qual-

quer, inclusive in�nito, dado um operador hermitiano M neste espaço, os auto-vetores deste operador formam uma base deste espaço. Assim, qualquer vetorj i 2 H pode ser escrito como

j i =NXk=1

ck j�ki

ondeM j�ki = �k j�ki :

9.9 Postulados da Mecânica Quântica

Os estados de um sistema físico podem ser (completamente) representados porvetores (normalizados) no espaço de Hilbert. Ou seja, uma vez identi�cado ovetor em H que representa o nosso sistema, sabemos tudo que é possível sabersobre este sistema.

89

Page 90: Apontamento quantica

Na teoria de Schroedinger o sistema quântico é representado por uma função,chamada de função de onda. Uma exigência da interpretação probabilísticada MQ é que estas funções de onda sejam normalizáveis e, consequentemente,possuam norma �nita Z

j (x)j2 dx <1 :

Ou seja, as funções de onda devem pertencer ao espaço de Hilbert L2. Damesma forma, na teoria de Heisenberg, os estados do sistema são representadospor matrizes coluna. Pela mesma razão, estas matrizes têm de ser de quadradosomável. Ou seja, nesta teoria os estados do sistema são vetores no espaço deHilbert RN . O postulado acima nos diz que qualquer teoria quântica trabal-hará com vetores em algum EH. Escolher o espaço signi�ca escolher como osestados do sistema físico serão representados. Nos exemplos acima temos entãoa representação de Schroedinger e a representação de Heisenberg.Além disso, vetores que di�ram apenas por uma fase (global) representam o

mesmo estado físico. Ou seja, o estado do sistema é representado por vetoresem H a menos de uma fase. Assim, os vetores

j i ; j 0i = ei� j i

representam o mesmo estado físico do sistema.Isto está relacionado com o fato das quantidades �sicamente mensuráveis

do sistema estarem relacionados com as médias, ou com o produto interno, dosvetores e os dois vetores acima fornecem o mesmo valor.

h 0j 0i = h j e�i�ei� j i = h j i

Remark 20 É por isso que, no processo de normalização, podemos escolherarbitrariamente a fase dos vetores.

Um ponto importante é observar que a fase referida acima deve ser global.Como vimos, na descrição quântica um sistema pode estar numa superposiçãode dois estados

j i = a j 1i+ b j 2i

o estado acima é equivalente ao estado

j 0i = ei� [a j 1i+ b j 2i] ;

mas não é equivalente ao estado

j 00i = ei�a j 1i+ b j 2i

A fase não-global presente no estado j 00i gera fenômenos de interferênciaque permitem (�sicamente) distinguir este estado de j i.Uma vez preparado um sistema no laboratório, este sistema �será�um vetor

no espaço de Hilbert. Precisamos agora saber como descrever (dentro da teoria)

90

Page 91: Apontamento quantica

a manipulação, a evolução temporal e as possíveis medidas que fazemosneste sistema.Quando um sistema no estado j i sofre qualquer tipo de modi�cação ele

passa a ser descrito por um novo vetor j 0i. Ou seja modi�cações no sistemasão transições

j i ! j 0i

Estas transições podem ser descritas por operadores agindo em H,

j 0i = M j i

Assim, tudo que acontece com o sistema pode ser representado porum operador agindo em H.Um tipo muito especial destes operadores são exatamente as medidas que

podemos fazer no sistema (e.g., sua energia), ou seja, o que podemos observardo sistema. Estas quantidades são chamadas de observáveis.Outro postulado da MQ a�rma que todo o observável corresponde a um

operador hermitiano no espaço de Hilbert. Assim, se um sistema possuiuma certa característica observável, por exemplo spin, existe um operador Sagindo em H correspondente a este observável.Para entendermos melhor este postulado, precisamos ainda de um terceiro

postulado: Se M é um operador (hermitiano) relacionado com um observávelm (i.e., m é o valor que o aparelho que mede esta quantidade pode marcar), ese no laboratório efetuarmos uma medida deste observável os únicos valorespossíveis de se obter são os auto-valores do operador M (ou seja, o valorm marcado no aparelho é um autovalor de M).Um exemplo disso já nos é conhecido. Voltemos para a teoria de Schroedinger

e tomemos o operador hamiltoniano (45)

H = � ~2

2mr2 + V (x) :

Pela teoria de Schroedinger (baseada na mecânica analítica) sabemos que esteoperador está relacionado com o hamiltoniano do sistema, que por sua vez está(classicamente) relacionado com a energia do sistema.A primeira pergunta que surge é: Será que H é hermitiano?Primeiramente é necessário dizer em qual espaço de Hilbert estamos tra-

balhando. Vamos escolher, por exemplo, uma partícula presa numa caixa detamanho a. Ou seja, nosso EH é H = L2(0; a). Dos resultados anteriores,sabemos que, se um operador é hermitiano, ele respeita a igualdade (73)

hyj M jxi = hxj M jyi : (74)

Lembrando que estamos no espaço das funções e, consequentemente, nosso pro-

91

Page 92: Apontamento quantica

duto interno se realiza por uma integral, temos

h j H j�i =Z a

0

� (x)hH� (x)

idx =

Z a

0

� (x)

��� ~

2

2m

d2

dx2+ V (x)

�� (x)

�dx

= � ~2

2m

Z a

0

� d2�

dx2+

Z a

0

� V � dx (75)

onde e � são dois estados quaisquer do nosso sistema, ou seja

j i ; j�i 2 H :

Já para o segundo termo de (74) temos

h�j M j i =Z a

0

�� (x)

��� ~

2

2m

d2

dx2+ V

� (x)

�dx

=

Z a

0

� (x)

��� ~

2

2m

d2

dx2+ V

�� (x)

�dx

= � ~2

2m

Z a

0

�d2 �

dx2+

Z a

0

�V � dx (76)

Ser ou não hermitiano depende de (76) ser, ou não, igual a (75).Analisemos primeiro o último membro de cada igualdade. Para (76) temosZ a

0

� (x)V � (x) dx =

Z a

0

� (x)V (x)� (x) dx

que, obviamente, é igual ao último termo de (75).Vejamos agora o primeiro termo de (75). Fazendo uma integral por partes

temos Z a

0

� d2

dx2� dx =

�d�

dx�

�a0

�Z a

0

d �

dx

d�

dxdx

=

�d�

dx�

�a0

���d �

dx�

�a0

�Z a

0

d2 �

dx2� dx

�=

�d�

dx�

�a0

��d �

dx�

�a0

+

Z a

0

�d2 �

dx2dx

que (multiplicado por �~2=2m) seria exatamente igual ao primeiro termo de(76) se não fossem os dois primeiros termos de fronteira.Devemos lembrar agora que nem todos os vetores em L2(0; a) descreve um

estado físico do nosso sistema. Em especial, para resolvermos o problema dapartícula na caixa, tivemos de impor as condições de fronteira

(0) = (a) = 0 :

Ou seja, os vetores do nosso espaço não são todos os vetores em L2(0; a), masapenas os vetores �

2 L2 (a; b) ; (0) = (a) = 0:

92

Page 93: Apontamento quantica

Com esta imposição temos�d�

dx�

�a0

=d�

dx� (a)� d�

dx� (0) = 0�

d �

dx�

�a0

=d �

dx� (a)� d �

dx� (0) = 0

e, com isso,

h j H j�i = h�j H j i

e o operador H é hermitiano.

Remark 21 Vemos agora como a imposição física de que a partícula não pen-etre nas paredes da caixa, se traduz no formalismo matemática da MQ comouma exigência de que a energia do sistema seja um observável (i.e., que H sejahermitiano).

Para sistemas mais complicados nem sempre é possível estabelecer as condiçõesde contorno do sistema através de argumento físicos (como �zemos com apartícula na caixa). Assim o resultado acima é bastante prático e geral: ascondições de contorno do sistema devem ser impostas de forma que os ob-serváveis de interesse (no geral a energia) sejam hermitianos.Em seguida, no desenvolvimento do nosso problema, encontramos os autove-

tores de H,H n = En n

(ou seja, resolvemos a ES independente do tempo) e encontramos n e En. Oque o postulado acima sobre os autovalores nos diz é que, numa medida daenergia do sistema, podemos obter apenas um dos valores En acima.Lembre ainda que uma característica peculiar a MQ é que o sistema pode

estar numa superposição de estados. Ou seja, nossa partícula na caixa podeestar, por exemplo, num estado (x) na forma

(x) = a0 0 (x) + a2 2 (x) :

O que o postulado sobre autovalores nos diz é que, mesmo num caso como este,ao medirmos a energia da partícula encontraremos apenas ou E0 ou E2.Uma extensão do postulado acima a�rma que, se �zermos uma medida da

energia e obtivermos o resultado E2, isso garante que, após a medida, osistema tem energia E2. Ou seja, o estado após a medida não é mais o estado (x) acima, mas o estado 0 (x)

0 (x) = 2 (x)

Dizemos assim que o sistema que estava numa superposição de ondas (ounum pacote de ondas) colapsou para uma das ondas do pacote. Este efeito échamado de colapso da função de onda.

93

Page 94: Apontamento quantica

O fato de um sistema poder existir numa superposição de vários estadospossíveis, mas apresentar (colapsar para) apenas um destes estados quando umamedida é feita, dá origem a pergunta: se o sistema está num certo estado quala probabilidade de, numa medida deste sistema, ele ser encontrado no estado �.Por exemplo, suponha que L representa o operador de momento angular do

sistema. Num certo instante o sistema é preparado no estado

j i = a1 j 1i+ a2 j 2i+ a3 j 3i ;

(com ai conhecidos) ondeL j ni = ln j ni :

Se efetuamos uma medida do momento angular e obtivermos o valor l = 2sabemos que, após esta medida, o sistema estará no estado j 2i. Assim, apergunta acima seria: qual a probabilidade do sistema no estado j i serencontrado no estado j 2i. A resposta para esta pergunta é mais um postuladoda MQ.Se um sistema se encontra num determinado estado, dado por um vetor j i,

a probabilidade de que este sistema seja encontrado num estado j�i é dado por:

jh�j ij2 =� PN

i=1��i iR1

�1�� (x) (x) dx

:

Por exemplo,voltemos ao estado que uma superposição dos estados de mo-mento ângular

j i = a1 j 1i+ a2 j 2i+ a3 j 3i :

Qual a probabilidade de numa medida deste sistema ele ser encontrado noestado de momento angular j 2i?Este valor é dado por:

jh 2j ij2 = jh 2j (a1 j 1i+ a2 j 2i+ a3 j 3i)j2

= j(a1 h 2 j 1i+ a2 h 2 j 2i+ a3 h 2 j 3i)j2

Entra aqui o fato (já visto) que os autovetores de um operador hermi-tiano são ortogonais, com isso (lembrando que nossas funções estão normal-izadas)

jh 2j ij2 = jh 2j (a1 j 1i+ a2 j 2i+ a3 j 3i)j2

= ja2 h 2 j 2ij2 = ja2j2 :

Um outro fato, que vamos aceitar sem provar (isso não é um postulado),é que, além de ortogonais, os autovetores de um operador hermitiano forma umabase do espaço. Ou seja, se M é um operador hermitiano, com autovetor j nie autovalor mn,

M j ni = mn j ni

94

Page 95: Apontamento quantica

qualquer estado do nosso sistema pode ser escrito como:

j i =Xn

cn j ni ;

Além disso, sendo a nossa base ortonormal sabemos que

cn = h n j i =) jh n j ij2 = jcnj2

e jcnj2 é, no caso geral, a probabilidade de, numa medida do observável M ,obermos o valor mn.Vemos assim que o signi�cado físico dos autovetores de um operador her-

mitiano serem ortogonais está relacionado com o fato de que, se �zemos umamedida obtemos apenas um valor. Ou seja, se após uma medida obtivermos ovalor j 2i a probabilidade de, após esta medida, o sistema ser encontrado noestado j 3i deve ser nulo:

h 3 j 2i = 0 :E o fato destes vetores j ni formarem uma base signi�ca que nosso sistema pode,em princípio assumir qualquer valor do observável, com uma certa probabilidadejcnj2.Além disso, o fato de operadores hermitianos terem apenas autovalores reais

está relacionado com medidas nos darem apenas valores reais.Dada uma in�nidade de cópias idênticas do sistema, podemos nos perguntar

sobre o valor médio de algum observável. Ou seja, pegamos uma in�nidadede exemplares desta coleção de sistema, efetuamos em cada um a medida deum certo observável M e tiramos a média deste valor para obter hMi. Estaquantidade é também chamada de valor esperado do observável.Classicamente, se cada exemplar do nosso sistema tem uma probabilidade

Pi de que o observável M forneça o valor mi, esta média pode ser calculadacomo

hMi =Xi

Pimi

somado para todos os valore mi possíveis do observável M . No caso de m seruma variável contínua, temos

hMi =ZmP (m) dm

onde P (m) é a probabilidade do sistema ter o valor medido entre m e m+ dm.O próximo postulado da MQ a�rma que, se o sistema está no estado j i, o

valor esperado de observável M é dado por:

hMi = h j M j i =Z 1

�1� (x; t) M (x; t) dt : (77)

Esta expressão está diretamente relacionada a noção clássica de média. SendoM um observável, podemos escrever:

j i =Xi

ci j ii

95

Page 96: Apontamento quantica

ondeM j ii = mi j ii

Substituindo em (77) temos

h j M j i =

24Xj

h j j �cj

35 M "Xi

ci j ii#=Xj

Xi

�cjci h j j M j ii

=Xj

Xi

�cjci h j jmi j ii =Xj

Xi

mi�cjci�ij

=Xi

jcij2mi =Xi

Pimi

onde usamos que jcij2 é a probabilidade de se obter o valor mi numa medida deM .O ponto importante deste postulado está no fato de geralmente, em exper-

iências, não estamos tratando apenas com uma entidade, mas sim uma coleçãodestas entidades. Por exemplo, uma corrente de elétrons, um feixe de laser(vários fótons), ou um feixe de partículas. Assim, o que nossos aparelhos reg-istram pode não ser o valor possível do observável, mas sim uma média destesvalores. Com isso, o valor esperado de um observável quântico está diretamenterelacionado com o limite clássico no valor deste observável. Ou seja, se temosum feixe de partículas (e.g., elétron) no estado

j i = c1 j 1i+ c2 j 2i

ondeH j ii = Ei j ii

são autoestados da energia, se medirmos a energia do feixe (não de um únicoelétron) nosso aparelho clássico mostrará o valor

E = hHi = h j H j i = E1 jc1j2 + E2 jc2j2 :

Nosso último postulado diz respeito a evolução temporal do sistema. Ea�rma que: a evolução temporal de um sistema dado por uma funçãode onda (x; t) é dado pela equação de Schroedinger

i~@

@t= H ; H = � ~

2

2mr2 + V (x)

Este postulado pode ser convertido na linguagem de operadores agindo emH e, com isso, generalizado para qualquer descrição quântica (e.g., Heisenberg).Para isso basta introduzirmos o chamado operador de evolução temporal U 6

U (t) = exp

�� i~Ht

�6Este é o caso especial em que H não depende do tempo.

96

Page 97: Apontamento quantica

onde H é o hamiltoniano do sistema e

exp

�� i~Ht

�=X 1

n!

�� i~Ht

�n= 1� i

~tH � 1

2~2t2H2 + :::

ou seja, cada termo Hn é a aplicação de n vezes o operador H. Com estade�nição de U temos

j ti = U (t) j 0i

onde j 0i é o vetor (estado) do sistema no instante inicial e j ti seu estado numinstante t posterior. Usando a ES temos

i@

@tj ti = i

@

@tU (t) j 0i = i

@U (t)

@tj 0i = i

�@

@texp

�� i~Ht

��j 0i

usando

@

@texp

�� i~Ht

�=

@

@t

X 1

n!

�� i~Ht

�n=

@

@t

�1� i

~tH � 1

2~2t2H2 + :::

�=

�� i~H � 1

~2tH2 + :::

�= � i

~H

�1� 1

~tH + :::

�= � i

~H exp

�� i~Ht

�temos

i@

@tj ti = i

�@

@texp

�� i~Ht

��j 0i = i

�� i~H exp

�� i~Ht

��j 0i

=1

~H exp

�� i~Ht

�j 0i

=1

~H j ti

ou seja, o vetor j ti obedece a equação

i~@

@tj ti = H j ti :

Por exemplo. Suponha que num instante inicial o sistema com hamiltoni-ano H está preparado estar no estado (x; 0) dado por

(x; 0) =1p2[ 1 (x) + 2 (x)] ;

97

Page 98: Apontamento quantica

ondeH i = Ei i :

Qual o estado do sistema num instante t posterior? Neste caso, como temosa condição inicial escrita em termos dos autovetores de H, podemos apenasaplicar o operador de evolução temporal

(x; t) = U (t) (x; 0) =1p2

�exp

�� i~Ht

� 1 (x) + exp

�� i~Ht

� 2 (x)

�o importante aqui é observar que

exp

�� i~Ht

� i (x) =

X 1

n!

�� i~H

�n i (x) =

=

�1� i

~tH � 1

2~2t2H2 + :::

� i (x)

=

�1� i

~tEi �

1

2~2t2E2i + :::

� i (x)

= exp

�� i~Eit

� i (x)

com isso

(x; t) =1p2

�exp

�� i~E1t

� 1 (x) + exp

�� i~E2t

� 2 (x)

�:

Com o exemplo acima podemos ver porque geralmente não precisamos re-solver a equação de Schroedinger dependente do tempo, mas apenas a indepen-dente (i.e., apenas encontrar os autovalores e autovetores de H). Neste caso adi�culdade se transfere em decompor o estado inicial nos autovetores de H. Ouseja, se o sistema está num estado inicial (x; 0) precisamos escrever

(x; 0) =X

cn n (x) ;

o que equivale a calcular

cn = h nj i =Z� n (x) (x) dx

Temos assim a opção de resolver uma equação diferencial parcial (a ES depen-dente do tempo), ou calcular as in�nitas integrais acima.Resumindo nossos postulados temos:

1. O estado de um sistema físico é completamente descrito por um vetor(normalizado) no espaço de Hilbert. E vetores que di�ram apenas poruma fase representam o mesmo estado físico;

2. A todo o observável esta relacionado um operador hermitiano;

98

Page 99: Apontamento quantica

3. Uma medida do observável M pode fornecer apenas autovalores desteoperador e, após uma medida em que se obteve o valor mn o sistemaestará no estado n.

4. Se o sistema se encontra no estado j i, o valor médio de um observávelM é dado por:

hMi = h j M j i =Z� (x; t) M (x; t) dt :

5. A evolução temporal de um sistema no estado inicial j 0i é dado por (nocaso geral de H (t))

j ti = U (t) j 0i ; U (t) = exp�� i~

ZH dt

�que é equivalente a ES

i~@

@t= H :

9.10 O operador de momento

Vejamos agora alguns operadores hermitianos e a que observáveis estes estãoassociados. Um caso já visto é o operador hamiltoniano, cujos autovalores cor-respondem a energia do sistema. Se introduzirmos agora o operador

p = �i~r

podemos escrever

H = � ~2

2mr2 + V (x)

como

H =p2

2m+ V (x)

Que, comparando com a forma clássica do hamiltoniano justi�ca chamar p deoperador de momento. Ou seja, seus autovalores estão associados com omomento que a partícula pode assumir. Obviamente a semelhança com aforma clássica do hamiltoniano não é a única justi�cativa para isso.Uma partícula livre, que pode se mover em todo espaço, é descrita quanti-

camente pela onda plana (x) = N exp (ikx)

Lembrando que, por de�nição, o comprimento de uma onda � é a distânciapara a qual ela volta a assumir o mesmo valor, o comprimento de onda do estadoacima pode ser calculado como

(x) = (x+ �)) exp (ikx) = exp (ik (x+ �))) exp (ik�) = 1

99

Page 100: Apontamento quantica

com issok� = 2� ) k =

2�

�:

A aplicação do operador de momento neste estado fornece

p = �i~ ddxN exp (ikx) = k~N exp (�ikx) = ~k

Ou seja, o estado acima é autovetor de p com autovalor ~k. Se usarmos agorak� = 2� e a relação de De Broglie p = h=� temos

p = k~ = kh

2� =

2�

h

2� =

h

� = p

Ou seja, a relação de De Broglie nos permite associar os autovaloresdo operador

p = �i~ ddx

com o valor do momento do sistema clássico.

100

Page 101: Apontamento quantica

Como era de se esperar por argumentos clássicos, apenas partículas livrestem um valor de momento bem que não se altera com o tempo. Mesmo apartícula numa caixa tem seu momento alternado e, conseqüentemente, os au-tovetores de energia da partícula na caixa não são autovetores do momento.O fato do sistema estar num estado que é autovetor de um operador qualquer

M signi�ca que a aplicação de M não altera o estado do sistema. Ou seja, assimque efetuamos esta operação o sistema estará num estado

j 0i = M j i = m j i

Mas para ser um estado legítimo j 0i precisa ser normalizado e, uma vez quej i já estava normalizado,

j 0i = j i :

Se lembrarmos agora que a aplicação do operador é a descrição quântica damedida do observável, vemos que se o sistema está num auto-estado de umoperador qualquer, podemos fazer a medida deste observável sem perturbaro sistema (ou seja, após a medida o sistema colapsa para o próprio estado).Dizemos com isso que o sistema possui esta quantidade bem de�nida.Isso porque, se o sistema estiver num estado j i que não é autovetor de M

ao aplicarmos o operador o sistema irá colapsar para um estado j 0i 6= j i ea aplicação do operador (ou a medida da quantidade) perturbou o sistema, desorte que não temos mais acesso ao sistema original. Além disso, o valorobtido corresponde apenas a uma, dentre várias, probabilidade de se obter osvalores deste observável. Agora, quando o sistema está num autovalorde um operador, podemos sempre medir o observável correspondente semperturbar o sistema e, pelos postulados introduzidos, obteremos sempre omesmo valor deste observável.

9.11 Quantização

Com a introdução do operador de momento, podemos de�nir um outro processode quantização completamente compatível com a quantização de Schroedinger(ou seja, o procedimento que nos permite identi�car o hamiltoniano clássico Hcom o operador H).Dado um hamiltoniano clássico

H (p;x) =p2

2m+ V (x)

podemos quantizar este hamiltoniano fazendo

p! p = �i~r ;

x! x = x ;

onde a última igualdade indica que o operador x é simplesmente a multiplicaçãopor x, ou seja

x (x0) = x0 (x0) :

101

Page 102: Apontamento quantica

ou seja, para qualquer função f

f (x) = f (x) :

Com isso

H (p; x)! H (p; x) =p2

2m+ V (x) = � ~

2

2mr2 + V (x) :

que é o hamiltoniano quântico obtido na teoria de Schroedinger.Este procedimento de quantização permite quantizar qualquer quantidade

clássica que dependa da posição e do momento, por exemplo, o operador demomento angular pode ser obtido através do momento angular clássico L =x� p, fazendo

L = x� p! L = x� p :Em componentes,

Li = "ijkxjpk ! Li = "ijkxj pk = "ijkxj

��i~ @

@xk

�= �i~"ijkxj

@

@xk

ouL = �i~x�r

Vamos, por exemplo, calcular o momento angular de uma partícula livre,

LiN exp (ikixi) = N

��i~"ijkxj

@

@xk

�exp (ikixi)

= N (�i~"ijkxj) exp (ikixi)@ (ikjxj)

@xk

= N (�i~"ijkxj) exp (ikixi) ikj@xj@xk

= N (�i~"ijkxj) exp (ikixi) ikj�jk= N (�i~"ijkxj) exp (ikixi) ikk= N ("ijkxj (~kk)) exp (ikixi)= N ("ijkxj (pk)) exp (ikixi)

ou seja, para a partícula livre,

L = x� p

(onde p não é mais um operador, mas o momento clássico). Assim, para umapartícula quântica livre o momento angular é uma quantidade bem de�nida étem o mesmo valor esperado classicamente.É importante notar que nem todos os observáveis podem ser quantizados

pelo procedimento acima. Existem quantidades, por exemplo, o spin, que nãose relacionam com os operadores p e x. Quando isso ocorre dizemos que esteobservável só existe na MQ, ou ainda, que este observável não possui umanálogo clássico.

102

Page 103: Apontamento quantica

9.12 O problema do ordenamento

Um dos problemas que surge no processo de quantização acima (e, de umacerta forma, em todos os processos de quantização), é o chamado problema doordenamento. Dado um observável clássico que envolva o produto (o momentoangular é um exemplo)

xp ;

quanticamente podemos associar a este observável os operadores

M = xp ; M 0 = px

onde

M 0 = px = �i~ ddxx = �i~ � i~x d

dx = �i~ + xp

= M � i~ =�M � i~

ou aindaM 0 = M � i~

Ou seja, os dois operadores acima dizem respeito a mesma quantidade clássicaxp. Isso ocorre porque, diferente da MC, na MQ os observáveis não sãonúmeros, mas sim operadores. Assim, para um observável clássico podeestar relacionado mais de um operador quântico.Um ponto a se observar é que, assim como no exemplo acima, no problema

de ordenamento os operadores sempre diferem por uma quantidade proporcionala ~n. Lembrando que uma das formas de tomarmos o limite clássico do nossosistema é fazer ~! 0, vemos que os dois operadores M e M 0 possuem o mesmolimite clássico. Assim, teorias quânticas que di�ram por um problemade ordenamento possuem o mesmo limite clássico. Ou de outra forma,para o mesmo sistema clássico podemos ter várias teorias quânticasdiferentes. Entretanto, apesar de todas terem o mesmo limite clássico, estasteorias podem gerar resultados puramente quânticos (e.g., supercondutividade)bastante diferentes.

9.13 Observáveis compatíveis

Uma questão crucial em MQ é quando uma medida perturba o sistema, ouainda, quando um observável tem um valor bem de�nido. Como vimos, paraque a medida de uma quantidade A não perturbe o sistema, este deve estarnum auto-estado de A. Assim, A não irá perturbar um sistema que esteja numauto-estado

A j�i = a j�i :

Suponha agora que, depois de efetuada uma medida de A desejamos efetuaruma medida de outro observável B. Isso só será possível, sem perturbar o

103

Page 104: Apontamento quantica

sistema, se o vetor obtido após a aplicação de A em j ai também for umautovetor de B, ou seja, se

B�A j�i

�= b0A j�i = b0a j�i = b j�i ; b = b0a

ou seja, j ai tem de ser simultaneamente autovetor dos dois operadores A e B.

A j�i = a j�iB j�i = b j�i

Mas, se isso é verdade, temos

AB j�i = ab j�iBA j�i = ba j�i = ab j�i

ou ainda hAB � BA

ij�i = 0

Para qualquer auto-vetor simultâneo de A e B.A quantidade acima é chamada de comutador entre os operadores A e Bh

A; Bi= AB � BA :

Além disso, se todo o autovetor de A for também autovetor de B temoshA; B

ij�ni = 0 ; A j�ni = �n j�ni

e sabemos que qualquer vetor pode ser escrito como

j i =Xn

cn j�ni

temos que hA; B

ij i =

hA; B

iXn

cn j�ni =Xn

cn

hA; B

ij�ni = 0

Ou seja, sehA; B

i= 0 para qualquer vetor j i do nosso espaço, então A

e B tem uma base de auto-vetores em comum. Mais ainda, podemos efetuarmedidas de um dos operadores sem alterar o valor do outro.(Podem ser medidos simultaneamente)Ou ainda, os dois observáveis podem ser medidos simultaneamente. Quandoh

A; Bi= 0

dizemos que A e B comutam, ou ainda, que estes observáveis são compatíveis.

104

Page 105: Apontamento quantica

Remark 22 Apenas observáveis compatíveis podem ser medidos simultanea-mente em MQ.

Por exemplo: Para uma partícula livre, os operadores de momento e ener-gia são

H =p2

2m; p = �i~ d

dx

calculando os comutadores temoshH; p

i= Hp� pH =

p2

2mp� p p

2

2m=

1

2m

�p2p� pp2

�=

1

2m

�p3 � p3

�= 0

Assim, para qualquer partícula livre (x) (não só para os autoestados de p eH) h

H; pi (x) = 0

e o momento e a energia podem ser medidos simultaneamente. Além disso, todoauto-vetor de H e também auto-vetor de p.

Exercise 23 Explique por que para o problema de uma partícula numa caixaos auto-vetores de H não são auto-vetores de p.

Segundo exemplo: Como vimos, os operadores de momento e posição sãodados por

p = �i~ ddx

; x = x

calculando os comutadores temos

[x; p] (x) = xp (x)� px (x)

= x

��i~ d

dx

� (x)�

��i~ d

dx

�[x (x)]

= �i~�xd

dx��dx

dx (x) + x

d

dx

��= �i~ [� (x)] = i~ (x)

Ou seja, para qualquer função (x)

[x; p] = i~

E, consequentemente, momento e posição não podem ser medidos simultanea-mente. O que já sabíamos pelo princípio da incerteza de Heisenberg.Os resultados acima nos dizem quando devemos esperar uma incerteza rela-

cionada a medida de dois observáveis quaisquer.Por exemplo, podemos efetuar uma medida da posição da partícula na

direção x e medirmos o seu momento na direção y, pois

[x; py]� = �i~�x;

@

@y

�� = �i~

�x@

@y� @

@yx

�� = �i~x

�@

@y� @

@y�

�= 0

105

Page 106: Apontamento quantica

logo[x; py] = 0 ;

ou ainda[xi; pj ] = i~�ij ;

da mesma forma[xi; xj ] = [pi; pj ] = 0 :

106

Page 107: Apontamento quantica

Um exemplo mais fácil de visualizar é o caso do spin da partícula. Classica-mente

U = �� �B

ForçaF = r (� �B)

Para B = Bz

F = r (�zB) = �z@B

@z

O momento magnético sofre um torque

� = ��B

O torque o faz precessionar (Einstein�de Haas).Assim, um feixe de partículas clássicas com todas as orientações de momento

magnético seria espelhado continuamente.Se efetuarmos uma medida do spin de uma partícula de spin 1

2 em qualquerdireção, obteremos sempre os valores +1 ou �1, ou seja, a partícula tem ospin na direção medida, ou contrária a esta direção. Esta medida pode serrealizada através de um experimento de Stern-Gerlach que consistem em passara partícula por um campo magnético não uniforme e esta partícula se deslocarápara cima se seu spin for +1 e para baixo se for �1.

j+i ; j�i

j i = c1 j+i+ c2 j�i

Lembre que j�i é um vetor no espaço de Hilbert. Este espaço possui doiselementos na base e, consequentemente, tem dimensão 2.Mas para trabalhar precisamos de uma representação para esta quantidade.

Neste caso temos uma total liberdade na escolha desta representação e, emespecial, na base desta representação. Vamos então escolher uma direção, porexemplo z, é dizer que j+i é o spin nesta direção e j�i na direção contrária.Para deixar isso mais explicito, vamos mudar a notação

j�i ! jz�i

Como nosso espaço tem dimensão 2 podemos escolher qualquer matriz (nor-malizada) para representar o nosso estado, a escolha mais simples é

jz+i =�10

�e para jz�i um vetor normalizado ortogonal a jz+i

jz�i =�01

107

Page 108: Apontamento quantica

Sabemos que existe um operador, que é uma matriz 2x2 relacionada ao spin.Ou seja, seus autovalores são os possíveis valores do spin. Pela de�nição dosvetores acima temos:

�3 jz+i = +1 jz+i�3 jz�i = �1 jz�i

Com isso, podemos escrever

�3 =

�1 00 �1

�O operador de spin na direção z é apenas de�nido proporcional a este operadorcom constantes que acerte as unidades

S3 =~2�3

Por razões não podemos esclarecer agora (esta é a teoria de Pauli que veremosna segunda parte do curso), os operadores de spin nas direções x,y,z são dadospor:

Si =~2�i ; �1 =

�0 11 0

�; �2 =

�0 �ii 0

�; �3 =

�1 00 �1

�:

Vamos então à descrição de uma série de medidas do spin de uma partícula.Suponha que você alinhou o aparato de SG na direção z, ou seja, efetuou umamedida de S3 e obteve o valor +1 (a partícula subiu). Com isso, pelos postuladosvistos, sabemos que a partícula, após a medida, está num auto-estado de S3 comvalor +1:

jz+i =�10

�:

Exercise 24 Veri�que que este estado é auto-estado de S3 com autovalor +1.

Suponha agora que, depois desta medida, você alinha o aparato da direçãox efetua uma nova medida.Qual a probabilidade de você obter o valor +1 novamente?Bem, após esta segunda medida o sistema irá colapsar num dos autovetores

de S1

jx+i =1p2

�11

�; jx�i =

1p2

�1�1

�:

Exercise 25 Veri�que que estes vetores são autovetores de S1 com auto valor+1 e �1.

108

Page 109: Apontamento quantica

A questão é a seguinte: você sabe que o seu sistema está no estado jz+i(pois você mediu o spin na direção z) e que saber, por exemplo, a probabilidadede, numa medida do spin na direção x obter o valor +1. Pelos postuladosvistos anteriormente, sabemos que a probabilidade P (x+) encontrar o sistemano estado jx+i sabendo que ele está no estado jz+i vale

P (x+) = jhx+ jz+ij2 =����� 1 0

� 1p2

�11

�����2 = 1

2

Da mesma formaP (x�) = jhx� jz+ij2 =

1

2

ou seja, você tem uma incerteza total na medida do spin na direção x.(Depois da medida em x)Agora, se você efetuou a medida na direção x (do estado jz+i) e obteve o

valor +1 (a partícula foi para a direita), você sabe que após a medida a partículaestá no estado

jx+i =1p2

�11

�Se você �zer novamente uma medida do spin na direção z, a probabilidade deobter novamente +1 vale

P (z+) = jhz+ jx+ij2 =���� 1p2 � 1 1

�� 10

�����2 = 1

2

Da mesma forma P (z�) = 1=2. Ou seja, após a medida na direção x vocêperdeu toda a informação do spin na direção z.Uma forma clara de ver isso é notando que

jx+i =1p2

�11

�=

1p2

��10

�+

�01

��=

1p2jz+i+

1p2jz�i

E uma partícula no estado jx+i tem 50% de chance de apresentar, numa medidado spin da direção z, o valor +1 e �1.O ponto aqui é que a medida de um dos observáveis perturbou o valor do

outro. Ou seja, não podemos medir, simultaneamente, Sx e Sz.Isso já era de se esperar pelo resultado anterior, pois estes operadores não

comutam:hSx; Sz

i=

�~2

�0 11 0

�;~2

�1 00 �1

��=

�~2

�2 ��0 �22 0

��=~2

2

��0 �11 0

��= �i~

2

2

��0 �ii 0

��= �i~

2

2S2 6= 0

109

Page 110: Apontamento quantica

9.13.1 Relações de incerteza

Uma quantidade clássica muito usada para caracterizar a incerteza de umamedida A é o desvio quadrado médio

�2A =A2�� hAi2

Pelos postulados da MQ sabemos que, o valor médio de um observável A numestado vale

hAi = h j A j ie a versão quântica para o desvio padrão pode ser escrita como

�2A ( ) = h j A2 j i � h j A j i2

se �zemosA = A� h j A j i

podemos escrever�2A ( ) = h j A2 j i

Exercise 26 Veri�que a a�rmação acima.

Considere agora dois observáveis A e B.Um resultado conhecido como desigualdade de Schwarz nos diz que para

qualquer operador A e qualquer vetor j i (não necessariamente normalizado)

h j A2 j i h j B2 j i ����h j A B j i���2

com isso temos

�2A ( )�2B ( ) = h j A2 j i h j B2 j i �

���h j A B j i���2 (78)

Além disso, apesar de serem hermitianos, o produto AB nem sempre o será.Com isso a quantidade

�2A ( )�2B ( )

será, em geral, complexa���h j A B j i���2 = hRe�h j A B j i�i2+hIm�h j A B j i�i2 � hIm�h j A B j i�i2(79)

Podemos agora calcular

Im�h j A B j i

�=1

2i

�h j A B j i � h j A B j i

�Mas,

h j A B j i = h j�A B

�+j i = h j B+ A

+ j i = h j B A j i

110

Page 111: Apontamento quantica

onde, na última igualdade, usamos a hermiticidade de de A e B. Com isso

Im�h j A B j i

�=1

2i

�h j A B j i � h j B A j i

�=1

2ih j�A B � B A

�j i

=1

2ih jhA ; B

ij i

usando hA ; B

i=hA� h j A j i ; B � h j B j i

i=hA; B

itemos

Im�h j A B j i

�=1

2ih jhA; B

ij i (80)

Usando (78), (79), (80) temos

�2A ( )�2B ( ) �

���h j A B j i���2 � hIm�h j A B j i�i2 = ���� 12i h j hA; Bi j i����2 :

Com isso�A ( )�B ( ) �

1

2

���h j hA; Bi j i���ou seja, o produto da incerteza de qualquer medida é proporcional ao comutadordos operadores correspondentes.Para o caso especial de posição e momento temos

[x; p] = i~) �x�p ( ) � ~2

que é a relação de incerteza de Heisenberg.

9.14 O oscilador harmônico

São incontáveis os sistemas e aplicações em física que podem ser modeladospelo problema do oscilador harmônico (OH). Uma das razões para isso é queum potencial V (x) qualquer (dado por uma função analítica) sempre pode serexpandido em sua série de Taylor

V (x) = V0 +dV

dx

����x0

x+1

2

d2V

dx2

����x0

x2 +1

3!

d3V

dx3

����x0

x3 + ::::

Além disso, em muitos problemas em física estamos interessados no comporta-mento do sistema perto da condição de equilíbrio. Nesta condição

dV

dx

����x0

= 0

111

Page 112: Apontamento quantica

e nosso potencial se torna

V (x) =1

2kx2 +O

�x3�

k =d2V

dx2

����x0

onde usamos que uma constante no potencial não altera o comportamento dosistema. Assim, próximo do equilíbrio, qualquer potencial pode ser aproximadopor um OH.Vamos introduzir os seguintes operadores diferenciais lineares

L � H = � ~2

2m

d2

dx2+1

2m!2x2 ;

p = �i~ ddx

D (p) = D�H�=� ; 0 2 L2; a:c:

aqui H é o operador hamiltoniano de um oscilador harmônico. A solução doproblema quântico se obtém pela solução da ES estacionária, i.e., através dasolução do problema de autovalores de H,

H = E =) � ~2

2m

d2

dx2+1

2m!2x2 = E

Esta equação não é nada simples de se resolver.Vamos tentar então um método alternativo. Primeiro observe que, para

qualquer função 2 D (p) temos

xp � p (x ) = x

��i~ d

dx

� �

��i~ d

dx

�(x )

= �i~x d

dx + i~

d

dx(x )

= �i~x d

dx + i~ ( ) + i~x

d

dx

= i~ (81)

Se usarmos a notação

xp � p (x ) = [xp� px] � [x; p] ;

onde[x; p] � [xp� px]

é chamado o comutador de x com p, lembrando que o operador atua em tudo queestiver a sua direita e que (81) é válida para toda função , podemos escreversimbolicamente

[x; p] = i~ (82)

112

Page 113: Apontamento quantica

ou seja, sempre que aparecer o comutador entre x e p podemos sub-stituir por i~. Lembre que a quantidade acima é um operador enquanto aquantidade à direita da igualdade é um número.

Remark 27 Assim, esta igualdade só faz sentido quando ambos os lados atuamnuma função qualquer.

Vamos agora de�nir os seguintes operadores diferenciais

a =�p2

�x+

ip

m!

�; a+ =

�p2

�x� ip

m!

�x =

1

�p2

�a+ a+

�; p = i~

�p2

�a+ � a

�(83)

� =

rm!

~

Com estes novos operadores o Hamiltoniano pode ser escrito como (veri�que):

H = �~2 �2

2

(a+ � a)2

2m+1

2

1

�22m!2

�a+ a+

�2=1

4!~h�a+ a+

�2 � �a+ � a�2i=1

4!~ha2 + aa+ + a+a+

�a+�2 � �a2 � aa+ � a+a� �a+�2�i

=1

2!~�aa+ + a+a

�H =

p2

2m+1

2m!2x2 = ~!

�a+a+

1

2

�(84)

As regras de comutação (82) implicam que (veri�que):

�a; a+

�=�2

2

��x+

ip

m!

�;

�x� ip

m!

��=�2

2

��x+

ip

m!

�;

�x� ip

m!

��=�2

2

��x+

ip

m!

��x� ip

m!

���x� ip

m!

��x+

ip

m!

��=�2

2

"x2 � x ip

m!+

ip

m!x�

�ip

m!

�2� x2 � x ip

m!+

ip

m!x+

�ip

m!

�2#

= �i�2

2

2

m![x; p]

= 1

[x; p] = i~ =)�a; a+

�= 1 : (85)

113

Page 114: Apontamento quantica

aa+ = 1 + a+a

H =1

2!~�aa+ + a+a

�= !~

�1

2+ a+a

�Suponha agora que n (x) é uma auto função qualquer de H, ou seja,

H n = En n

Agora uma característica muito mais do que importante dos oper-adores (83): Usando a regra de comutação (85) vemos que

Ha n = ~!�a+a+

1

2

�a n = ~!

��a+a

�a+

1

2a

� n

= ~!��aa+ � 1

�a+

1

2a

� n

= a~!�a+a� 1 + 1

2

� n

= a~!��a+a+

1

2

�� 1� n

= ahH � ~!

i n

= a [En � ~!] n

= ~!�En~!

� 1�a n :

fazendoEn~!

= �n =) H n = ~!�n n

temosHa n = ~! (�n � 1) a n :

Ou seja, se n é autovetor de H com autovalor ~!�n, então a n é outroautovetor de H, mas com autovalor ~! (�n � 1) diminuindo de uma unidade.Simbolicamente podemos chamar este vetor de n�1;

a n � n�1 ; H n�1 = ~!�n�1 n�1 ; �n�1 � �n � 1 :

114

Page 115: Apontamento quantica

Da mesma forma

Ha+ n = ~!�a+a+

1

2

�a+ n

= ~!�a+aa+ + a+

1

2

� n

= ~!�a+�1 + a+a

�+ a+

1

2

� n

= a+~!��1 + a+a

�+1

2

� n

= a+~!�1 + H

� n

= a+~! (1 + �n) n= ~! (1 + �n) a+ n

Ou seja, se n é autovetor de H com autovalor ~!�n, então a+ n é outro au-tovetor de H, mas com autovalor ~! (�n + 1) acrescido de uma unidade. Sim-bolicamente podemos chamar este vetor de n+1;

a+ n � n+1 ; H n+1 = ~!�n+1 n+1 ; �n+1 � �n + 1 : (86)

Por isso estes operadores são chamados de operadores de criação a+ e aniquilaçãoa.Vamos usar agora que a energia do sistema é uma quantidade positiva7

h j H j i � 0

num estado n qualquer

h nj H j ni = h nj ~!�n j ni = ~!�n h nj ni = ~!�n � 0 : (87)

(onde supusemos que n está normalizado).Se a energia é positiva deve haver um estado de energia fundamental, i.e.,

um estado cuja energia não possa ser reduzida. Podemos chamar este estadosimbolicamente de 0 com energia �0 � min (�n).Mas a existência do operador a garante que sempre podemos baixar a energia

do sistema. Ou seja, o vetor = a 0 teria uma energia �0 � 1 < �0, a menosque (x) = 0, ou seja,

a 0 = 0 :

7 Isso pode ser visto observando que para qualquer autovetor normalizado n temos

h nj a+a j ni =Z b

a[ n (x)]

� �a+a n (x)� dx=

Z b

a[a n (x)]

� [a n (x)] dx

= ha nj ja ni � 0 :

115

Page 116: Apontamento quantica

Voltando agora para os nossos operadores originais (x; p) temos:

a 0 = 0 =)�p2

�x+

ip

m!

� 0 = 0

x 0 +~m!

d 0dx

= 0

fazendo

k =~m!

temosd 0dx

= �1kx 0 =)

1

0

d 0dx

=d

dxln 0 = �

x

k;

Fácil ver que a equação acima é bem mais fácil de resolver que a nossaequação original (??). Sua solução vale

ln 0 = �x2

2k+ C =) 0 (x) = N exp

��x

2

2k

�:

com N uma constante (normalização).A exigência a 0 = 0, nos permite ainda determinar a energia deste estado

fundamental. Partido da eq. (84)

H n = ~!�n n

~!�a+a+

1

2

� 0 = ~!�0 0

~!�a+ (a 0) +

1

2 0

�= ~!�0 0

~!1

2 0 = ~!�0 0

�0 =1

2

Então já temos o estado fundamentas e a sua energia (auto-valor).Observe que a descrição quântica do OH implica na existência de uma energia

mínima (o oscilador nunca para de oscilar).Como construir os outros estados n?Para isso, basta usar a propriedade (86)

a+ n = n+1 =) a+ 0 = 1 =)�p2

�x� ip

m!

� 0 = 1

E1 = ~! (�0 + 1) = ~!�1

2+ 1

116

Page 117: Apontamento quantica

explicitamente

�p2

�x 0 �

~m!

d

dx 0

�= 1

1 (x) =�p2x

1 +

~~m!m!

! 0

1 (x) = 2�p2x 0 = N

2�p2x exp

��x

2

2k

�Da mesma forma, podemos obter todos os outros estados (não-normalizados) n

n =�a+�n 0

n (x) = N

��p2

�x� ~

m!

d

dx

��n 0 (x)

Com autovalor

En = ~!�n+

1

2

�9.14.1 Normalização

As funções n (x) não estão normalizadas, i.e., após a aplicação do operador a+

n vezes, precisamos calcular N . Isso pode ser simpli�cado supondo que, se né um vetor normalizado, queremos obter N e N+ para que

a n � N n�1

a+ n � N+ n+1

a n e a+ n também já estejam normalizados.

H j ni = En j ni

~!�a+a+

1

2

�j ni = ~!

�n+

1

2

�j ni

a+a j ni = n j ni

multiplicando pelo dual de j ni temos

h nj a+a j ni = n h nj j ni = n (88)

Agora observe que, pela de�nição de adjunto

h j A j�i = h�j A+ j i

temos Z� �A��dx =

Z�� (A+ ) dx =

Z(A+ )� dx

117

Page 118: Apontamento quantica

ou seja, podemos calcular h j A j�i como o produto do dual de j i com A j�i,ou como o produto de j�i com o dual de A+ j i. Com isso

h nj a+a j ni =Z� n�a+ (a n)

�dx =

Z �a � n

�(a n) dx

se �zemosj�ni = a j ni

a expressão acima se tornaZ(�n) (�n) dx = h�nj j�ni = j�nj2 = ja nj2

usando (88)

ja nj2 = n)���� a npn

����2 = 1ou seja, se quisermos um vetor normalizado não devemos de�nir a n = n�1,mas sim

a npn� n�1 ) a n =

pn n�1

Da mesma forma

h nj aa+ j ni = h nj 1 + a+a j ni = 1 + h nj a+a j ni = 1 + n =��N+

��2a+ n =

pn+ 1 n+1

Ou, fazendo m = n+ 1,a+ m�1 =

pm m

com isso

m =a+ m�1p

m=

a+pm

a+pm� 1

a+pm� 2

m�3

=a+pm

a+pm� 1

a+pm� 2

:::a+pm�m

m�m

=(a+)

m

pm!

0 :

Assim, a formula para a n-ésima autofunção do hamiltoniano do OH se torna

n (x) =N0pn!

��p2

�x� ~

m!

d

dx

��n 0 (x)

onde N0 é a normalização do estado 0 .As funções n assim construídas são chamadas de funções de Hermite.

118

Page 119: Apontamento quantica

Exercise 28 Use a integral gaussianaZ 1

�1e�x

2

dx =p�

e ache a normalização N0.

Exercise 29 Construa a função de Hermite 4 (x).

10 Potenciais centrais

Até aqui tratamos praticamente todos os exemplo em 1D e argumentamos que aextensão destes resultados para 3D não envolvia nenhuma di�culdade conceitualmais profunda.Vamos agora considerar o momento angular orbital de um sistema, ou seja,

uma característica que exige que nosso sistema tenha mais de 2D. O momentoangular que vamos tratar aqui é chamado de momento angular orbital. Esterepresenta a quantização, nos moldes introduzidos anteriormente, do observávelclássico momento angular

L = x� p! L = �i~x�r :

Esta distinção é necessária porque em MQ temos ainda um outro tipo demomento angular, chamado spin, que representa uma característica interna daspartículas (a seguir veremos a diferença). Este último não representa a quanti-zação de nenhum observável clássico e, mais ainda, não possui nenhum análogoem MC.O operador de momento angular respeita a seguinte regra de comutaçãoh

Lj ; Lk

i= i~"ijkLi

e, conseqüentemente, não podemos esperar medir suas três componentessimultaneamente (não são compatíveis). Portanto escolhemos uma destascomponentes para caracterizar o sistema,usualmente Lz.

Exercise 30 Veri�que a regra de comutação acima.

Entretanto, apesar de não podemos medir simultaneamente as 3 compo-nentes do momento angular, podemos de�nir um operador relacionado com omódulo (ou o valor total do momento angular)

L2 = L21 + L22 + L

23 :

(na verdade, a raiz quadrada do autovalor do operador acima). Este operadorcomuta com todas as componentes do momento angularh

L2; Li

i= 0

119

Page 120: Apontamento quantica

Exercise 31 Veri�que explicitamente quehL3; L

2i= 0.

Assim, podemos caracterizar (medir simultaneamente) tanto o momento an-gular numa dada direção (e.g., L3), quanto o seu módulo. Ou seja, podemosprocurar por autofunções simultâneas destes dois operadores. Vamos chamarestas autofunções de Km e, por conveniência, vamos escrever seus autovalorescomo

L2 Km = ~2K2 Km

L3 Km = ~m Km

Os índices K;m caracterizam nosso estado físico. Índices que caracterizamum estado físico em MQ são chamados de números quânticos. Ou seja, dizer quenosso sistema esta no estado l;m signi�ca dizer que ele tem momento angularna direção z igual a ~m e o módulo do vetor momento angular vale ~K.

Remark 32 Qualquer outra tentativa para especi�car melhor o valor do vetorL irá destruir as informações obtidas anteriormente.

Uma visão clássica para o nosso sistema (que ajuda a desenvolver algunsraciocínios) é que, após uma medida de L3 e L2 o vetor momento angular estáprecessionando em torno do eixo z. Mas este imagem não deve ser levadatão à sério. O resultado mais preciso, mas que é difícil de visualizar, é que,após a medida de L3, nosso sistema está numa superposição de todos os valorespossíveis de Lx e Ly, compatíveis com o valor de L2.

10.1 Autovalores e autovetores do momento angular

Vamos agora discutir os possíveis valores dos autovalores e a forma dos autove-tores de L3 e L2. Estes operadores são, obviamente, operadores diferenciais e aobtenção destas quantidades representa a resolução do problema de autovalorespara estas equações. Entretanto, no lugar de resolvermos diretamente estasequações, podemos usar um método completamente análogo ao desenvolvidopara resolver o problema do oscilador harmônico. Neste caso, introduzamos osoperadores

L+ = L1 + iL2 :

L� = L1 � iL2 =�L+

�+:

Estes operadores fazem às vezes de a e a+ neste problema e obedecem asseguintes regras de comutaçãoh

L3; L+

i= ~L+h

L3; L�

i= �~L�

[L+; L�] = 2~L3hL2; L�

i= 0

120

Page 121: Apontamento quantica

Exercise 33 Veri�que as leis de comutação acima

Assim como �zemos no caso do OH, imagine que você encontrou um autove-tor m do operador L3

L3 m = ~m m :

Usando as regras de comutação acima é possível mostrar que

L3

�L+ m

�= ~ (m+ 1)

�L+

� m

L3

�L� m

�= ~ (m� 1)

�L�

� m

Ou seja, o operador L+ (L�) permite construir um novo autovetor com o auto-valor aumentado (diminuído) de uma unidade. Por isso este operador é chamadode operador de levantamento (abaixamento).

Exercise 34 Veri�que as igualdades acima.

Uma vez que L2 comuta com L3, podemos esperar que o autovetor m acimaseja também autovetor de L2

L2 m = ~2K2 m :

Além disso, comohL�; L

2itemos

L2 (L� m) = L�L2 m = L�~2K2 m = ~2K2 (L� m)

Ou seja, os autovetores construídos acima são também autovetores de L2 comoo mesmo autovalor. Assim, os operadores L� abaixam e levantam a projeçãodo momento angular no eixo z sem mudar o valor do módulo do vetor.

Fazer desenho

Assim como H do OH, o operador L2 é positivo de�nido, com isso,DL2E m

� 0) K2 � 0 :

Além disso, temosDL2E m

=DL21

E m+DL22

E m+DL23

E m

=DL21

E m+DL22

E m+ ~2m2 ;

ou sejajKj � jmj ) �K < m < K

Que obviamente signi�ca apenas que o módulo de um vetor é maior ou igualqualquer uma de suas componentes.Entretanto, o fato de podermos sempre aumentar o valor da projeção com

o operador L+ leva a uma contradição com a igualdade acima (assim como no

121

Page 122: Apontamento quantica

caso da energia mínima do OH). Por isso, se mmax � K é o maior valor possívelpara a projeção do momento angular na direção z, devemos exigir que

L+ mmax = 0 : (89)

Pela mesma razãoL� mmin = 0 : (90)

O operador L2 pode ser escrito como

L2 = L21 + L22 + L

23

= L�L+ + L23 + ~L3

= L+L� + L23 � ~L3

Exercise 35 Veri�que as igualdades acima.

Usando a relação acima, podemos escrever (89) como

L2 mmax = ~2K2 =�L�L+ + L

23 + ~L3

� mmax

=�L23 + ~L3

� mmax =

�~2m2

max + ~2mmax

� mmax

ou sejaK2 = mmax (mmax + 1)

Da mesma formaK2 = mmin (mmin � 1)

Com isso

mmax (mmax + 1) = mmin (mmin � 1)m2max +mmax = m2

min �mmin

que implicammax = �mmin

Ou seja, os valores possíveis de m variam de uma em uma unidade ese distribuem simetricamente em torno de 0.A simetria da distribuição acima, nos mostra que temos apenas duas possi-

bilidades para os valores de mmax

mmax = inteiro) m = f�mmax;�mmax + 1; ::; 0; ::;mmaxgmmax = semi-inteiro) m = f�mmax;�mmax + 1; ::;mmaxg

no segundo caso m 6= 0. Qualquer outro valor de mmax não teria a simetrianecessária para que mmax = �mmin.Os dois tipos de valores para mmax caracterizam os dois tipos diferentes de

momento angular mencionados anteriormente. Para mmax um semi-inteiro, Lé um momento angular intrínseco, i.e., um spin (e.g., férmions tem spin 1=2).

122

Page 123: Apontamento quantica

Como veremos mais pra frente, para o caso do momento angular orbital, nec-essariamente devemos ter mmax inteiro8 .Vamos chamar

l � mmax = �mmin

Ou seja, os valores de m variam de uma em uma unidade desde �l até l. Coma de�nição acima temos

K2 = mmax (mmax + 1) = l (l + 1)

Ou seja, os autovalores deL3 e L2 são

L2 m;l = ~2l (l + 1) m;l ; l = 0; 1; 3:::

L3 m;l = ~m m;l ; m = �l;�l + 1; :::; 0; :::; l

Para cada valor de m temos 2l + 1 valores de m.Por razões que se tornarão claras futuramente, l é chamado de número quân-

tico orbital, enquanto m é chamado de número quântico azimutal (ou númeroquântico magnético).Vemos que o valor máximo da projeção é sempre menor que o módulo do

vetor, ou seja, o vetor nunca está projetado inteiramente no eixo z. Seisso fosse possível, teríamos um estado com L3 bem de�nido e com L1 = L2 = 0,ou seja, haveria um estado em que conheceríamos as 3 componentes do momentoangular.Observe que a MQ nos diz que as partículas podem ter apenas valores inteiros

e semi-inteiros de l. Desta forma, temos 3 casos distintos:

1. o momento angular orbital, com l inteiro;

2. o momento angular intrínseco (spin) com l inteiro e semi-inteiro. No quese refere ao spin,

(a) partículas com spin inteiro são chamados de bósons e

(b) partículas com spin semi-inteiro são chamados de férmions.

Esta característica pode ser observada num experimento de EG.Da mesma forma como no caso do OH, temos agora uma equação diferencial

mais simples pra resolverL+ l;l = 0

Uma vez obtida esta solução, podemos construir as demais soluções baixando oauto-valor de m

l;l�1 = L� l;l

e assim até l;�l onde, obviamente

L� l;�l = 0 :

8Não estamos a�rmando que mmax inteiro não pode ser um valor de spin, mas apenas queo momento angular orbital tem, obrigatoriamente, um valor inteiro de mmax.

123

Page 124: Apontamento quantica

Para resolver este problema o ideal é trabalhamos em coordenadas esféricas

x = r sin � cos�

y = r sin � sin�

z = r cos �

Nestas coordenadas temos

L� = Lx + iLy = ~e�i��i cot �

@

@�� @

@�

�L2 =

1

sin �

@

@�sin �

@

@�+

1

sin2 �

@2

@�2(91)

Em especial, o operador L3 assume uma forma bem simples

L3 = �i~@

@�:

Assim, as funções procuradas obedecem a equação (fazendo l;m = Y ml )

L3Yml = imY ml ;

Y ml = Y ml (�; �)

fazendo uma separação de variáveis

Y ml (�; �) = �m (�)�ml (�)

temosL3Y

ml = imY ml ) �m (�) =

1p2�exp (im�) :

Onde o fator 1=p2� é, obviamente, a normalização.

Observe que a condição de unicidade da solução exige que

�m (�) = �m (�+ 2�)) eim2� = 1) m = 0; 1; 2; ::

Ou seja, m deve ser inteiro. Como a�rmamos para o caso do momentoangular orbital.Assim, nossas soluções têm a forma

Y ml (�; �) =1p2��ml (�) exp (im�) ; m 2 Z :

Voltando agora para a nossa equação

L+Yll = 0) ~ei�

�i cot �

@

@�+

@

@�

�1p2��ll (�) exp (il�) = 0

ou seja@

@��ll (�) = l cot ��ll (�)

124

Page 125: Apontamento quantica

que possui a solução

�ll (�) = Nl sinl � ) Y ll (�) =

Nlp2�exp (im�) sinl �

onde Nl é uma normalização. As demais soluções são obtidas pela aplicação dooperador L�

Y l�ml (�; �) =�L�

�mY ll (�; �) = Nl�m

�~e�i�

�i cot �

@

@�� @

@�

��msinl � ; m � 2l

As funções Y l�ml assim construídas, e devidamente normalizadas, são chamadasde harmônicos esféricos. Com isso

L2Y ml = ~2l (l + 1)Y ml ; l 2 N:::L3Y

ml = ~mY ml ; m = �l;�l + 1; :::; 0; :::; l

hY ml Y m0l0 i =Z�Y ml (�; �)Y m0l0 (�; �) d�d� = �mm

0

ll0

Os harmônicos esféricos são funções tabeladas e também podem ser escritoscomo

Y ml (�; �) =

�2l + 1

4�

(l �m)!(l +m)!

�1=2Pml (cos �) e

im�

onde

Pml (�) = (�1)m �1� �2

�m=2 dmPl (�)d�m

Pl (�) =1

2ll!

dl

d�l��2 � 1

�londe Pl são conhecidos como os polinômios de Legendre e Pml os polinômiosassociados de Legendre.

10.2 O átomo de hidrogênio

Partindo do hamiltoniano da partícula livre

H = � ~2

2mr2

e escrevendo o laplaciano em coordenadas esféricas temos

H =p2r2m

+L2

2mr2

com

pr =1

r

@

@rr

L2 =1

sin �

@

@�sin �

@

@�+

1

sin2 �

@2

@�2

125

Page 126: Apontamento quantica

onde L2 é o operador de momento angular introduzido anteriormente (91) e pr échamado de momento radial. Assim, para o caso de um potencial que dependaapenas da coordenada radial, i.e., um potencial central, temos que o operadorhamiltoniano se torna

H =p2r2m

+L2

2mr2+ V (r)

Para o caso de um sistema ligado de um próton e um elétron (i.e., um átomode hidrogênio) temos que o potencial do elétron devido ao próton vale

V (r) = �e2

r

com o que nosso hamiltoniano �ca

H =p2r2m

+L2

2mr2� e2

r

Remark 36 Lembre que, na verdade, sendo um sistema de dois corpos, deve-mos usar a massa reduzida

� =memp

me +mp' me ;

reveja o capítulo sobre o átomo de Bohr.

Assim, na teoria de Schroedinger, o problema dos estados estacionário (es-tados com energia de�nida) do átomo de hidrogênio, consiste em encontrar osautoestados do operador acima

H = � jEj :

Além disso, como estamos interessados em estados ligados, estamos interessadosno caso E < 0 (pois, como no problema usual do potencial acima, estamoscolocando o zero de energia no in�nito).O problema acima pode ser facilitado usando, novamente, uma separação de

variáveis. Entretanto, observe quehH; L2

i=hH; L3

i= 0 ;

ou seja, podemos procurar por autofunções simultâneas de H; L2 e L3 (ou ainda,podemos medir simultaneamente H; L2 e L3). Com isso, vamos procurar asnossas soluções na forma

= R (r)Y ml (�; �) :

Substituindo a solução na forma acima na ES temos:�� ~

2

2m

�1

r

d2

dr2r

�+~2l (l + 1)2mr2

� e2

r+ jEj

�R (r) = 0

126

Page 127: Apontamento quantica

Esta equação pode ser simpli�cada fazendo

u � rR

com o que ���d2

dr2r

�+l (l + 1)

r2� 2me

2

~2r+2m jEj~2

�u (r) = 0

que pode ser colocada numa forma ainda mais simples através das variáveis

� � 2�r ; ~2�2

2m= jEj ; � = RH

jEj

RH =~2

2ma20; a0 =

~2

me2

onde RH é a constante de Rydberg e a0 o raio de Bohr introduzidos na seçãosobre o átomo de Bohr. Nestas novas variáveis temos

d2u

d�2� l (l + 1)

�2u+

��

�� 14

�u = 0

Nosso trabalho se resume, obviamente, em resolver a equação diferencial acima.Assim como nos casos anterior existem técnicas especí�cas para encontrar asolução desta equação. Após a aplicação destas técnicas, as soluções do prob-lema acima podem ser escritos como:

un;l (�) =�

2�exp

���2

��l+1Fnl (�)

onde

Fnl (�) =n�l�1Xi=0

(�1)i [(n+ l)!]2 �ii! (n� l � 1� i)! (2l + 1 + i)! ; n 2 N

são os polinômios associados de Laguerre. Para que estas funções sejam dequadrado integrável, devemos ter9

n� l � 1 � 0) l � n� 1) l < n

Assim, a solução do problema do átomo de hidrogênio pode ser escrito como

n;l;m (r; �; �) = Rn;l (r)Yml (�; �) ;

Rn;l (r) =1

run;l (�) ; � � 2�r

un;l (�) = exp���2

��l+1Fnl (�) :

9Podemos de�nir os polinômios acima para valores negativos do fatorial usando a função�. Entretanto, � (�m)) =1 para m inteiro positivo.

127

Page 128: Apontamento quantica

com os autovalores

En = �RHn2

que são exatamente os mesmos obtidos pela quantização de Bohr.A solução da parte radial do problema (como era de se esperar) introduziu

o novo número quântico n nas nossas soluções. Chamado de número quânticoprincipal.

Remark 37 A energia depende apenas do número quântico principal.

As restrições acima impõeml < n :

e as restrições obtidas anteriormente

jmj < l :

Assim, para um dado valor de l temos 2l + 1 estados e, para um dado valor den temos n2 estados com a mesma energia.Na notação usada em química, os valores de n rotulam os chamados orbitais.

Os valores de l são chamados, em seqüência, s; p; d etc. E para cada um destesvalores, temos m = 2l + 1 estados distintos.

1s1

2s12p3

3s13p33d5

...

A descrição completa dos orbitais atômicos depende ainda de uma carac-terística negligenciada até aqui: o spin do elétron. Esta quantidade faz comque cada estado possa existir em dois estados distintos de spin. Ou seja, onúmero de estados de cada orbital é dobrado.

1s2

2s22p6

3s23p63d10

...

Além disso, a estrutura da distribuição eletrônica, bem como a estabilidade detoda a matéria conhecida, depende diretamente da in�uência do spin nestesníveis eletrônicos. Ou seja, é impossível compreender a distribuição eletrônica(em especial a tabela periódica) sem tomar em conta o spin do elétron.Mas isso é uma outra história...

128