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139 Blogs e jornalismo no Brasil: um estudo da relação entre instituições e profissionais Francisco Paulo Jamil Almeida Marques e Olga Guedes Bailey Introdução A dimensão tecnológica da atividade jornalística é, certamente, aquela que mais tem chamado a atenção de profissionais e estudiosos da área ao longo de algumas décadas. (GILLMOR, 2004; MERRITT; MCCOMBS, 2004; POSTMAN, 1985) A possibilidade de elaborar e divulgar conteúdos com o au- xílio de computadores e dos demais dispositivos de comunicação digital acaba atraindo o olhar dos observadores para a influência da tecnologia não apenas sobre os processos produtivos, mas, também, sobre as formas pelas quais são consumidos os materiais jornalísticos. No entanto, ao se investigar de maneira mais detida a interface entre jornalismo e tecnologia, é possível apontar outras dimensões a serem conside- radas para além do incremento dos meios técnicos. Por exemplo, é lícito ques- tionar quais as consequências que o barateamento no acesso à informação traz para a audiência. É possível saber de eventos ocorridos em todo o mundo de modo cada vez mais rápido, sem que a audiência exerça o mesmo esforço de antes (ir até uma banca de jornal, torcer para ainda haver edições dispo- níveis para venda etc.) e sem depender, necessariamente, da sincronia com a qual um dado é transmitido através da TV ou do rádio. O arranjo informacional contemporâneo, assim, contribui para um aprimoramento no repertório cogni- tivo da audiência. teoria e pratica da critica.indd 139 16/05/14 14:35

Blogs e jornalismo no Brasil: um estudo da relação entre instituições e profissionais

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Blogs e jornalismo no Brasil: um estudo da relação entre instituições e profissionais

Francisco Paulo Jamil Almeida Marques e Olga Guedes Bailey

Introdução

A dimensão tecnológica da atividade jornalística é, certamente, aquela que mais tem chamado a atenção de profissionais e estudiosos da área ao longo de algumas décadas. (GILLMOR, 2004; MERRITT; MCCOMBS, 2004; POSTMAN, 1985) A possibilidade de elaborar e divulgar conteúdos com o au-xílio de computadores e dos demais dispositivos de comunicação digital acaba atraindo o olhar dos observadores para a influência da tecnologia não apenas sobre os processos produtivos, mas, também, sobre as formas pelas quais são consumidos os materiais jornalísticos.

No entanto, ao se investigar de maneira mais detida a interface entre jornalismo e tecnologia, é possível apontar outras dimensões a serem conside-radas para além do incremento dos meios técnicos. Por exemplo, é lícito ques-tionar quais as consequências que o barateamento no acesso à informação traz para a audiência. É possível saber de eventos ocorridos em todo o mundo de modo cada vez mais rápido, sem que a audiência exerça o mesmo esforço de antes (ir até uma banca de jornal, torcer para ainda haver edições dispo-níveis para venda etc.) e sem depender, necessariamente, da sincronia com a qual um dado é transmitido através da TV ou do rádio. O arranjo informacional contemporâneo, assim, contribui para um aprimoramento no repertório cogni-tivo da audiência.

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Jamil
Caixa de texto
MARQUES, F. P. J. A.; Bailey, Olga Guedes . Blogs e jornalismo no Brasil: um estudo da relação entre instituições e profissionais. In: Edson Fernando Dalmonte. (Org.). Teoria e prática da crítica midiática. 1ed.Salvador: EDUFBA, 2013, v. 1, p. 139-168.

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Este incremento na oportunidade de se apreender informações, por sua vez, acarreta uma série de efeitos, podendo-se mencionar a conveniên-cia não apenas para receber dados, mas, também, para produzir e publicar informações à vontade; a atuação daqueles que produzem notícias passa a ser marcada por uma concorrência acirrada, o que confere ao público tanto a possibilidade de escolher que tipo de informação deseja receber, quanto a oportunidade de exigir um tratamento mais aprofundado do material forne-cido.

O fato é que as inúmeras experiências e inovações testemunhadas na área tornam difícil fazer generalizações acerca dos rumos do jornalismo. A fim de ilustrar esta inquietação, ressalte-se que, por mais de uma década, o estudo da influência social das tecnologias digitais se alternou entre a defesa de uma perspectiva otimista e de uma visão mais pessimista – uma cisão que Dahlgren (1996) intitulou como “cyber euphoria”, de um lado, ou “digital dystopia”, de outro.

A primeira vertente se referia à crença de que os media digitais ofe-receriam à audiência a oportunidade de passarem ao papel de agentes ativos do processo comunicacional, deixando para trás o patamar de meros especta-dores. Na segunda abordagem, prevalece a interpretação de que a tecnologia traria malefícios insanáveis, como a “balkanização” de grupos políticos, que tenderiam a se isolar e a enfraquecer os laços sociais em um contexto se-melhante àquele diagnosticado por Putnam (2000) de enfraquecimento do capital social.

Uma terceira linha de argumento apresentou a noção de que os media digitais não seriam inerentemente positivos ou negativos. Na verdade, defen-dem os autores vinculados a tal concepção “neutra”, as tecnologias à dispo-sição seriam simples ferramentas, às quais seriam dadas distintas formas de uso, a depender do desejo daqueles que as manejam.

Ora, ainda que um usuário possa criar uma comunidade ou lista de discussão para falar mal ou bem do governo (afinal, as redes digitais e seus mecanismos funcionarão, do ponto de vista técnico, de forma independente do objetivo planejado), não se pode considerar que o papel da Internet foi “neutro”. Isso porque somente a simples existência das redes telemáticas e a certeza de que se poderá contar com seus artifícios já modifica a disposição de quem lança mão de tais recursos. Se alguém sabe que pode protestar ou

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entrar em contato com usuários geograficamente distantes e a baixo custo, o cotidiano de tal indivíduo sofre uma série de modificações (ainda que indire-tamente), o que enfraquece o argumento dos efeitos neutros. (LEMOS, 2009; MACKENZIE; WAJCMAN, 1999; MISA, 1988)

Tendo em vista o panorama apresentado logo acima, este trabalho se dedica a examinar os efeitos que as redes telemáticas geram, especificamente, sobre determinadas práticas jornalísticas. O objetivo do texto é investigar os blogs jornalísticos de maior repercussão e visibilidade no cenário brasileiro, a fim de esclarecer quais aspectos influenciam a relação mantida entre os blo-gueiros e as grandes instituições mediáticas no país.

A hipótese a ser verificada é a de que existem fatores para além da tecnologia a explicarem a dinâmica do consumo de informações jornalísticas através dos blogs, tais como a reputação dos grandes grupos mediáticos e dos profissionais responsáveis pelas experiências com maior quantidade de acessos.

Nesse sentido, a primeira parte do trabalho apresenta uma breve história das formas de uso dos blogs por organizações jornalísticas no Brasil. Em seguida, discute-se a redefinição das práticas de produção e de apropria-ção de conteúdos jornalísticos a partir da influência que os blogs exercem sobre o campo da comunicação. Por último, são examinadas as tensões e simbioses observadas no caso brasileiro naquilo que se refere aos blogs jor-nalísticos.

Identificando o cenário: a relação entre blogs e jornalismo na última década

A adoção de blogs por profissionais e empresas ligados ao jornalismo é um dos aspectos que mais chama a atenção de estudiosos e produtores de conteúdos voltados para a atualização noticiosa.1 Isso ocorre, muito provavel-mente, porque os blogs são de fácil operacionalização, tornando conveniente a disposição de informações às quais se pretende conferir visibilidade.

1 Já há um grande número de estudos voltados a examinar as características e a influência exercida por blogs jornalísticos. (FRASCAROLI et al., 2007; SINGER, 2005)

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Sem grandes conhecimentos técnicos, é possível publicar conteúdos de naturezas diversas, de maneira vinculada ou não a uma empresa jornalística; além disso, pode-se, por exemplo, permitir ou não a intromissão de usuários na formulação, crítica e aperfeiçoamento do material elaborado (é o caso dos co-mentários). Em outras palavras, os blogs constituem, talvez, a ferramenta mais evidente a encarnar o que Howard Rheingold (2000, p. 18, tradução nossa) intitula um “ecossistema de subculturas”.

Não existe uma coisa como uma única, monolítica, subcultura online; é mais como um ecossistema de subculturas, algumas fúteis, outras sérias. [...] Ao mes-mo tempo, ativistas e educadores estão utilizando o mesmo meio como uma ferramenta política. Você pode usar as comunidades virtuais para encontrar informa-ções, vender um cortador de grama, publicar um ro-mance, realizar uma reunião.2

O fato é que as características acima mencionadas tornaram os blo-gs um fenômeno mediático relevante e com uma audiência que não pode ser desprezada. (PEW RESEARCH CENTER, 2004; SINGER, 2005) No final de 2008, o Technorati, motor de buscas voltado especificamente para blogs, inventariou 133 milhões de iniciativas dessa natureza existentes em todo o mundo, com uma média aproximada de 900 milhões de postagens diárias. (DE ZÚÑIGA, PUIG-I-ABRIL; ROJAS, 2009)

Ademais, o estudo das últimas eleições presidenciais no Brasil de-monstra a influência que tais suportes exercem, por exemplo, no que se refere à aquisição de informação política no país. Uma matéria do jornal Folha de S. Paulo, publicada em março de 2011, baseou-se em relatório da empresa de consultoria com Score para revelar que:

[...] uma das causas para a popularidade dos blogs no Brasil em 2010 [...] foram as eleições. Os meses de outubro e novembro tiveram o recorde de internautas (39,3 milhões, em novembro) e de páginas visitadas

2 There is no such thing as a single, monolithic, online subculture; it’s more like an ecosystem of subcultures, some frivolous, others serious. […] At the same time, activists and educational re-formers are using the same medium as a political tool. You can use virtual communities to find a date, sell a lawnmower, publish a novel, conduct a meeting.

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(2,25 bilhões, em outubro). Em todas as regiões do Brasil, o número de internautas que visitaram blogs cresceu nesse período. (FOLHA, 2011)

A reportagem menciona, ainda, que 71% dos usuários brasileiros acessaram blogs no ano de 2010, enquanto a média mundial seria de aproxi-madamente 50%.

Com tal projeção, é natural que instituições diversas se mostrem in-teressadas em estabelecer um canal mais próximo de prestação de informa-ções e atualizações através dos blogs. Os empreendedores de tais experiên-cias acreditam que os blogs servem para burlar, em certa medida, o papel de mediação realizado por empresas jornalísticas que, com maior ênfase ao lon-go do século XX, mantiveram o controle sobre o que se denomina de “esfera de visibilidade pública”. (GOMES, 2004) O Senado Federal, por exemplo, lançou, em 2009, um blog3 voltado não apenas para divulgar informações de interesse da Casa, mas, também, para rebater notícias e dados que, de acordo com a assessoria do órgão, estariam sendo divulgados de forma equi-vocada pela imprensa.

Um projeto semelhante foi realizado pela Petrobras, em 2009, quando a empresa criou um blog cujo objetivo foi publicar, na íntegra, as respostas que a assessoria da instituição encaminhava aos jornalistas. A iniciativa teve como meta contestar os padrões de cobertura adotados pelas empresas jorna-lísticas, que nem sempre cobriam a Petrobras de maneira positiva (como, na-turalmente, desejam as assessorias) ou que optavam por selecionar e publicar informações ou enquadramentos que não eram de interesse da multinacional. O blog da Petrobras foi cercado de polêmica e de críticas – inclusive por parte da Associação Nacional de Jornais (ANJ) – mas acabou tendo sua reverbe-ração e sucesso reconhecidos ao receber premiações internacionais, como o Gold Quill Awards 2010, oferecido pela International Association of Business Communicators (IABC).

É possível identificar, assim, distintas implicações que os blogs geram sobre a atividade jornalística. Às vezes, a relação se mostra concorrencial (ha-vendo, inclusive, rivalidade com experiências externas ao campo do jornalismo). É o caso dos blogs do Senado e da Petrobras. Em outras ocasiões, a concor-

3 Ver <http://www.senado.gov.br/BLOG/>

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rência é interna, entre empresas jornalísticas, que procuram atrair audiência, utilizando-se do prestígio já consolidado no ambiente offline.

A disputa para hospedar um blogueiro em um portal específico, por exemplo, acaba modificando a relação estabelecida entre a empresa e o pro-fissional. Aqui, restam proeminentes não só aquelas transformações cotidianas no universo de produção e consumo de notícias: é importante destacar a partir de que tensões são estabelecidas as relações entre blogs e jornalismo.

Acredita-se que os mainstream media exercem um papel essencial para se aferir o sucesso da maioria dos blogs jornalísticos no Brasil. A relação simbiótica entre os blogs e os portais nos quais eles estão abrigados parece contrariar, assim, a ideia de que tais plataformas estariam mais voltadas para servirem a visões alternativas de mundo.

Um amplo conjunto de casos no Brasil demonstra uma espécie de colonização consensual, na qual as empresas oferecem aos profissionais mais reconhecidos e com maior credibilidade a oportunidade de catalisarem a audi-ência que um blog de maneira isolada dificilmente conseguiria atrair sozinho devido a dificuldades atinentes à infraestrutura ou a outras questões.

Blogs e jornalismo no caso brasileiro: da resistência às tentativas de colonização

A fase inicial de popularização dos blogs no cenário jornalístico con-temporâneo veio acompanhada de um tom de otimismo que, muitas vezes, apenas refletia a própria literatura científica típica da área no final do século XX. O argumento delineado no início da última década dava conta, fundamen-talmente, de um conjunto de modificações na comunicação jornalística que se estabeleceriam mediante a utilização de blogs. Os exemplos mais candentes seriam:

• Uma dinâmica de cobertura capaz de concretizar o anseio por um “jornalismo cidadão”; ou seja, os blogs teriam a capacidade de ofertar aos usuários informações e opiniões acerca de temas até então colocados em segundo plano pela grande imprensa (seja por conta dos rígidos critérios de noticiabilidade, seja de-vido o papel proeminente dos gatekeepers).

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• A possibilidade de se estabelecer um diálogo mais efetivo entre os agentes do jornalismo (e aqui se incluem aquelas iniciativas realizadas por meio de blogs) e a audiência, o que permitiria alcançar aquilo que Christofoletti (2007, p. 11) denominou de “um redesenho das bases de uma credibilidade jornalística onli-ne”, uma vez que “os blogs se valem dos critérios estabelecidos e sedimentados por jornalistas, empresas do ramo e o próprio público, mas também lançam mão das formas que sites de serviços criaram para fidelizar seus clientes [...]”.

• A criação colaborativa de conteúdos, por meio da parceria já testemunhada entre produtores e consumidores de informação.

• A narrativa fragmentada e multimediática típica dos suportes de comunicação digital – que abrange não somente os blogs –, apta a promover uma compreensão mais alargada dos fenôme-nos noticiados na medida em que texto, áudio e vídeo permi-tiram ao usuário se aprofundar no material que tiver interesse.

Esses e outros elementos acabavam por reforçar, desta forma, as van-tagens das coberturas jornalísticas realizadas através de blogs em comparação com as coberturas típicas dos media tradicionais.4 (DAHLGREN, 1996)

Especificamente no Brasil, o discurso otimista acerca do potencial dos blogs jornalísticos contou, por muito tempo, com um fator adicional, a saber:

• A discussão de tais plataformas enquanto ferramentas alterna-tivas para diversificar o cenário informacional do país, marcado por uma forte concentração mediática que, há décadas, envol-ve poucas famílias na condição de controladoras dos principais grupos de jornais impressos, rádios e televisões. Na visão de determinados autores (LIMA, 2001; RAMOS; SANTOS, 2007), as críticas tecidas quanto aos enquadramentos e modos de co-bertura da chamada grande imprensa nacional – alimentadas por um sentimento de pluralidade limitada e de repressão a vozes minoritárias – acabariam, no final das contas, por com-prometer a legitimidade dos conteúdos jornalísticos que circu-lam no Brasil. Diante de tal perspectiva, a possibilidade de se realizar uma comunicação jornalística alternativa, produzida e

4 Não se pode descartar uma onda de críticas à tímida adoção dos dispositivos digitais em geral por parte das empresas jornalísticas que ganhou proeminência no final dos anos 1990. (DEUZE, 2002; SCHULTZ, 1999)

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retransmitida através dos blogs, seria um elemento a atenuar tal problema.

Uma análise mais detalhada dos blogs jornalísticos com maior número de acessos no país, todavia, permite perceber que nem tudo tem caminhado da forma vislumbrada naquele primeiro momento.

Ao analisar os rankings convencionais voltados a estabelecer uma clas-sificação da relevância dos blogs brasileiros, o pesquisador Alex Primo (2009) diagnosticou uma série de distorções em tais listagens, causadas por proble-mas como, por exemplo, o sistema de pontuação baseado na votação dos usuários ou mesmo o caráter comercial percebido na elaboração das listagens. A fim de contribuir para esclarecer, de fato, quais blogs têm maior projeção na chamada “blogosfera brasileira”, Primo dedicou-se a estabelecer um método de aferição da proeminência desses sites que leva em conta diversos mecanis-mos e ferramentas próprias, aceitas com razoável grau de consenso por parte da comunidade da área de tecnologia digital de comunicação.

A partir de uma tabulação das informações dos diversos rankings dis-poníveis, tais como o Google Page Rank, os backlinks do Google e Yahoo, a quantidade de seguidores no Feedburner e dados do Alexa e Blogblogs, Primo chegou a uma fórmula para automatizar a catalogação e classificação dos blogs nacionais, assim expressa:

Pontos = (PR*1000) + google + (yahoo/100)+

(feedreaders/10) + alexa + (blogblogs*10))/100

Para ilustrar o argumento de que a blogosfera brasileira se encontra colonizada por conglomerados mediáticos, utilizou-se a tabela de classificação de Primo, que lista os 100 mais importantes blogs do país no intuito de se destacar quais dessas experiências eram jornalísticas e quais destas estavam ligadas aos conglomerados mediáticos. O levantamento resultou no ranking abaixo, que considera apenas os blogs jornalísticos5 (Quadro 1):

5 A Tabela completa elaborada por Alex Primo está disponível no seguinte endereço: http://www.interney.net/blogs/alexprimo/2009/11/11/ranking_dos_blogs_brasileiros_2009/>. Acesso em: 03 set. 2012. As tabelas e os dados nelas apresentados são concernentes ao ano de 2009 e a posi-ção dos blogs no ranking pode ter sofrido alterações.

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Quadro 1 - Principais blogs jornalísticos brasileiros

Posição Blogs jornalísticosVínculo com portais

da grande imprensaEndereço

4 MacMagazine Sim macmagazine.com.br/

5 Gizmodo BR Não gizmodo.com.br/

14 Ricardo Noblat Sim oglobo.globo.com/pais/noblat/

28 Miriam Leitão Sim oglobo.globo.com/economia/miriam/

29 BR-Linux Não br-linux.org/

30 Imprensa Marrom Sim interney.net/blogs/imprensamarrom/

35 Meio Bit Não meiobit.com/

57 Google Discovery Não googlediscovery.com/

58 De primeira Sim interney.net/blogs/deprimeira/

70 Augusto Nunes Sim veja.abril.com.br/blog/augusto-nunes/

72 Blog do Juca Sim blogdojuca.blog.uol.com.br/

74 Radar on line Sim veja.abril.com.br/blog/radar-on-line/

84 Josias de Souza Sim josiasdesouza.folha.blog.uol.com.br/

87 Balaio do Kotscho Sim colunistas.ig.com.br/ricardokotscho/

92 Reinaldo Azevedo Sim veja.abril.com.br/blog/reinaldo/

97 Diogo Mainardi Sim veja.abril.com.br/blog/mainardi/

Fonte: adaptado de Primo, 2009

A classificação de blogs em “jornalísticos” ou “não-jornalísticos” se re-fere à adoção ou não de um ethos e de um conjunto de valores que constitui a própria ideia do que é o jornalismo. (HALLIN, 1992; KOVACH; ROSENSTIEL, 2001; SCHUDSON, 1995) De maneira geral, pode-se dizer que os blogs são considerados jornalísticos quando seguem, primordialmente, os princípios que conectam a produção de informação e o interesse público. Isso significa que a tecnologia não necessariamente modifica a função social do jornalismo – não obstante ser possível perceber que são alterados os modos de consumo e de produção das notícias. De acordo com Mark Deuze (2008, p. 6, tradução nossa):

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[...] o que um jornalista faz é guiado por diferentes ideias se comparado com o que dá a entender o tra-balho de um desenvolvedor de jogos, produtor de te-levisão ou de publicidade criativa – e vice-versa. Uma coisa que todos esses campos têm em comum é o fato de que o jornalismo, a publicidade, a radiodifusão, o ci-nema e o desenvolvimento de jogos são todos exemplos de produção de cultura. [...] Isso não significa que uma reportagem na CNN e um anúncio da Nike produzido para a Copa do Mundo são igualmente importantes ou valiosos no que se refere a informar e, assim, sustentar o sentimento de comunidade [...].6

A análise mostra que a maioria dos blogs jornalísticos são, de dife-rentes formas, associados a instituições de comunicação do mainstream (ver tabela abaixo). De todos os blogs classificados como jornalísticos na amostra (16 de um universo total dos 100 mais relevantes na classificação de Primo), 75% se encontram, de alguma maneira, vinculados a portais online de gran-des grupos mediáticos.

Tabela 1 – Quantidade de blogs de maior importância do país vinculados a portais da grande imprensa

Blogs jornalísticos vinculados a portais da grande imprensa Frequência %

Sim 12 75

Não 4 25

Total 16 100

Fonte: Elaborado pelos autores a partir de Primo (2009)

A Tabela 2 detalha os portais aos quais os blogs se encontram asso-ciados.

6 […] what a journalist does is guided by distinctly different ideas and factors of influence than what informs the work of a game developer, television producer, or advertising creative – and vice versa. One thing all these fields have in common is the fact that journalism, advertising, broadcasting, film, and game development are all examples of the production of culture. […] This does not mean that a news report on CNN and a Nike advertisement produced for the soccer World Cup are equally important or valuable in informing and thus sustaining people’s sense of community […].

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Tabela 2 - Lista de portais da grande imprensa que abrigam blogs de maior destaque

Portais da grande imprensa listados Frequência %

Independente 4 25

http://oglobo.globo.com 2 12,5

http://veja.abril.com.br 4 25

http://www.abril.com.br 1 6,3

http://www.folha.uol.com.br 1 6,3

http://www.ig.com.br 3 18,8

http://www.uol.com.br 1 6,3

Total 16 100

Fonte: Elaborado pelos autores a partir de Primo (2009)

Os resultados apresentam dados curiosos: em 2009, a Editora Abril, responsável pelas principais revistas no país, agregava 5 dos 16 blogs jornalís-ticos brasileiros mais relevantes. Especificamente a Revista Veja, pertencente à editora mencionada, contava com 4 blogs, atualizados por seus colunistas, dentre os mais relevantes.

Já o Grupo Folha da Manhã – responsável por editar o principal jornal brasileiro, a Folha de S. Paulo, e ao qual pertencem os portais UOL e Folha Online – tinha dois blogs dentre os mais importantes do universo jornalístico no Brasil.

O Globo Online (pertencente, por sua vez, às organizações Globo, pro-prietária da maior rede televisiva do país) hospedava, no universo de blogs jornalísticos nacionais com maior prestígio, dois integrantes.

Até 2009, o Portal IG também detinha uma das posições mais rele-vantes, com três casos. Trata-se de um portal de variedades, que nasceu com a Internet (tendo o objetivo inicial de servir como provedor discado gratuito) e que acabou atuando, com maior destaque, na área de produção de conteúdos, com o site Último Segundo, voltado para oferecer notícias atualizadas conti-nuamente acerca de diferentes temas. Mas houve mudanças na influência do Portal IG no período entre 2009 e 2012.

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O blog InterNey,7 bastante popular no Brasil, parceiro do IG desde 2007, passou a ser hospedado em um portal concorrente, o R7, também per-tencente a um grande grupo mediático. O InterNey atua não apenas proven-do conteúdo, mas serve, também, como agregador de outros blogs.8 Deve-se mencionar, inclusive, que 2 dos 16 blogs jornalísticos mais populares no país mantêm parceria com o InterNey. Um outro blog que estava hospedado no IG e que, em 2011, também migrou para o Portal R7 foi o Balaio do Kotscho.

O fato a ressaltar é que os blogs jornalísticos brasileiros de maior au-diência estão, em sua maioria, abrigados nos grandes portais das mesmas empresas de comunicação tradicionais (ou, ainda, nos portais de grandes gru-pos de comunicação e prestação de serviços que foram criados já a partir da existência do ciberespaço). Tal disposição revela uma tendência, no caso brasileiro, à colonização das estruturas digitais de comunicação que aparen-tavam, inicialmente, encaixar-se de maneira mais adequada à promoção de perspectivas de mundo alternativas.

Outro aspecto importante a ser mencionado é a mobilidade com a qual contam os blogs na medida em que seus responsáveis acertam parcerias mais vantajosas em um intervalo de poucos meses de diferença (o InterNey e o Balaio do Kotscho migraram, por exemplo; outros blogs, como aquele man-tido por Diogo Mainardi, simplesmente foram descontinuados, não obstante a ampla audiência com a qual contavam). Essa característica torna explícita uma nova dinâmica percebida na relação entre os profissionais e as empre-sas de comunicação. Sublinhe-se, porém, que, mesmo com as mudanças nas parcerias, os grandes conglomerados de comunicação brasileiros continuam tendo uma posição proeminente no que se refere à relevância à audiência dos blogs que abrigam.

Em um primeiro momento, as instituições da grande imprensa – no Brasil e no mundo – pareceram reticentes quanto à possibilidade de perde-rem audiência e influência para blogs jornalísticos bem conceituados junto ao público. O modelo de negócios que rege o mercado de jornalismo online na maioria dos países ocidentais reconheceu, contudo, que, em vez de competir com os media digitais, o mais indicado seria incorporá-los, ampliando, assim, a base de atividades dos grandes grupos. Em suma, não pareceu plausível

7 Ver <Interney - http://www.interney.net/>

8 Ver <http://www.interney.net/blogs/>

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resistir à tendência de adoção da Internet por parte de um público cada vez mais amplo.

Um fenômeno comum em países da Europa acabou por se repetir no Brasil: as empresas jornalísticas brasileiras foram adotando as tecnologias di-gitais de comunicação de maneiras muito distintas, oferecendo aos usuários experiências heterogêneas de aquisição de informações.

Por exemplo, alguns jornais se limitaram a transpor o conteúdo de suas versões impressas; outros criaram portais independentes, ligados à instituição jornalística tradicional, mas contando com redações exclusivas; outros promo-veram modificações em seu formato impresso, oferecendo aos leitores o e-mail dos jornalistas que redigiram as matérias; por fim, grupos econômicos alheios à produção jornalística até a década de 1990 passaram a figurar no mercado noticioso, ampliando a concorrência no que se refere à oferta de informação. (KARAM, 2009)

Comum a todas estas iniciativas está a percepção, por parte de tais empresas, de que a adoção dos chamados new media se mostrava fundamen-tal em um cenário caracterizado por uma informação de custo mais baixo, no qual o usuário não mais precisa investir altas parcelas de seu estoque de tempo e dinheiro para que as matérias jornalísticas cheguem a ele. É tarefa conveniente, por exemplo, assinar feeds ou receber indicações de colegas por e-mail.

O resultado mais evidente desta configuração mercadológica é o acir-ramento na disputa pela atenção da audiência, o que pressiona as empresas a adotarem uma postura mais agressiva. Em tal contexto, os blogs jornalísticos constituem um dos mais importantes repositório de conteúdos que os profis-sionais e as empresas jornalísticas empregaram na última década. (GANT, 2007)

O jornal O Estado de São Paulo, por exemplo, reestruturou seu organo-grama e passou a contar com uma editoria voltada, precisamente, para lidar com conteúdos digitais. O responsável por tal seção na empresa, Pedro Dória, apontou a necessidade de se aumentar a oferta de conteúdo para a web. Uma das saídas mais relevantes encontradas pela equipe do Portal foi ampliar a quantidade de blogs disponíveis. A frase de Dória, mencionada em palestra proferida na Campus Party, em janeiro de 2011, é fatal para se compreender

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a nova configuração da comunicação jornalística pela Internet: “Os blogs dão mais audiência que as notícias”.9

Nesse sentido, pode-se interpretar que os blogs ganham maior reco-nhecimento por conta de um motivo essencial: há conteúdos que fazem su-cesso junto aos usuários e não oferecê-los seria perder um nicho de mercado cuja atenção se volta a temas específicos. O que muitos dos leitores de blogs procuram não são apenas notícias “equilibradas”, mas, também, uma modali-dade de opinião que se ofereça de maneira mais “leve” ou informal.

Não se pode deixar de dizer que, em alguns casos, a apropriação da tecnologia é feita de maneira mais cautelosa. O Conselho editorial do jornal The New York Times, por exemplo, criou um blog denominado The Board, direcionado a discutir com os leitores os modos de atuação do periódico. Já a revista The Economist encontrou, em 2007, uma forma alternativa de oferecer conteúdo: selecionou os 100 blogueiros norte-americanos mais influentes da área de política e decidiu oferecer a eles o conteúdo do periódico antes mesmo deste ser ofertado na versão impressa, com o objetivo de fomentar o debate sobre o material elaborado e, claro, catalisar a atração de audiência.

Mas nem sempre o suporte à comunicação jornalística exercida por meio de blogs foi regra. As empresas tradicionalmente estabelecidas expõem receios de origens distintas, justificados por fatores como uma possível con-corrência estabelecida a partir do momento em que oferece a um profissional a chance de atualizar conteúdos sem, necessariamente, passar por um filtro editorial prévio. Ou seja, a apropriação individualizada das ferramentas por parte dos profissionais não é sempre bem aceita, o que acarreta tentativas de colonização de uma plataforma que, de início, foi vista de modo positivo justamente por seu caráter informal e independente.

Tal incômodo das empresas se revela, de forma mais proeminente, quando elas estabelecem regras de uso de blogs e redes sociais por parte de seus funcionários. Em 2009, por exemplo, a TV Globo emitiu um comunicado com o seguinte teor:

A divulgação e ou comentários sobre temas/informa-ções direta ou indiretamente relacionados às atividades ligadas à Rede Globo, ao mercado de mídia e ao nosso

9 Mais detalhes em: <http://goo.gl/p5rpf>. Acesso em: 03 set. 2012.

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ambiente regulatório, ou qualquer outra informação/conteúdo obtidos em razão do relacionamento com a Rede Globo são vedados, independentemente da pla-taforma adotada, salvo expressamente autorizada pela empresa. [...] A hospedagem em Portais ou outros si-tes, bem como a associação do nome, imagem ou voz dos contratados da Rede Globo a quaisquer veículos de comunicação que explorem as mídias sociais, ainda que o conteúdo disponibilizado seja pessoal, só poderá acontecer com prévia autorização formal da empresa.10 (GLOBO, 2009)

A Folha de S. Paulo adota a mesma linha da maior emissora de TV brasileira e, internamente, também estabeleceu um conjunto de normas que devem regular o uso de blogs por parte de seus jornalistas e colaboradores. A intenção seria evitar qualquer risco de que um profissional contratado assu-misse posições partidárias que acabassem por prejudicar o esforço do grupo em manter a reivindicação de esforços por imparcialidade. Outro objetivo seria evitar que os próprios jornalistas do grupo “furassem” os veículos que perten-cem ao Grupo Folha, através da postagem de matérias de acesso exclusivo de assinantes. (BORTOLOTTI, 2009)

Uma saída cômoda encontrada por muitas empresas jornalísticas tradi-cionais foi convidar seus colunistas (geralmente oriundos do impresso) a terem um blog no portal da instituição, como fez o jornal O Globo com Miriam Leitão.11 Tal providência permite manter, em alguma medida, o controle editorial já es-tabelecido, além de incrementar a audiência do Portal na Internet mediante o investimento na credibilidade de profissionais já conhecidos do público.

Blogs jornalísticos: perspectivas de redefinição nas práticas, rotinas e linguagens

Testemunha-se uma profusão de blogs jornalísticos que (a) ora se fi-xam apenas na retransmissão dos conteúdos produzidos pelos media tradicio-

10 Fonte: http://redeglobo.globo.com/Tv_globo/Noticias/0,,MUL1300026-16162,00-REDE+GLO-BO+DIVULGA+REGRAS+DE+USO+DE+NOVAS+MIDIAS+PARA+SEUS+CONTRATADOS.html.

11 Ver <http://oglobo.globo.com/economia/miriam/>

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nais; (b) ora tomam tais conteúdos com vistas à reprodução e a um posterior complemento ou crítica (seja do fato noticiado, seja da cobertura realizada, apontando os erros dos repórteres em suas investigações, por exemplo); ou que (c) se dispõem a realizar uma cobertura própria, utilizando recursos que caracterizam um processo de produção sob controle do blogueiro.

Tal leque de possibilidades acaba pressupondo que a estruturação dos conteúdos jornalísticos ofertado em blogs mantém um formato mais livre, sem, necessariamente, ter de enfrentar uma organização hierárquica rigida-mente estabelecida que marca a maioria das empresas do ramo. Isso não quer dizer que os jornalistas responsáveis por blogs descartem o preenchimento de determinadas normas e requisitos fundamentais do processo de produção que caracteriza as rotinas jornalísticas. Na verdade, a tecnologia na qual se baseiam os blogs funciona como ponta de lança para se refletir acerca da apli-cação e da validade de técnicas jornalísticas consolidadas.

O sucesso do jornalismo na divulgação de notícias em todos os media sempre foi influenciado, se não deter-minado, por avanços tecnológicos: das máquinas tipo-gráficas à editoração eletrônica; das pesadas câmeras até dispositivos portáteis; da gravação analógica à edi-ção digital; de um simples meio para as plataformas multimedia. Em diferentes momentos da história da profissão, a tecnologia foi (e ainda é) anunciada como a portadora de todos os tipos de novas ameaças e pos-sibilidades.12 (DEUZE, 2008, p. 10, tradução nossa)

A superação de uma mera fase transpositiva no âmbito dos blogs jor-nalísticos foi se delineando na medida em que os profissionais ligados ao mainstream passaram a atualizar e a oferecer conteúdos que não necessaria-mente seriam publicados na versão impressa dos jornais. Ou seja, aos poucos, um novo produto foi sendo concebido – com novos ritmos de atualização, interferência do público, menção a links externos ao portal original ao qual o blogueiro se vincula, dentre outros pontos – o que acabou por exigir uma

12 The success of journalism in reporting news across all media has always been influenced if not determined by technological advances: from manual typesetting to desktop publishing, from bulky cameras to handheld devices, from analogue recording to digital editing, from single-medium to multimedia. At different times in the history of the profession, technology was (and still is) herald-ed as the bringer of all kinds of new threats and possibilities.

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abordagem mais cuidadosa não apenas em relação aos conteúdos, mas, tam-bém, no que se refere à estrutura (necessidade de uma equipe para mediar comentários) e à forma (uma maior quantidade de acessos demanda páginas leves e funcionais) através das quais tais conteúdos eram tornados disponíveis.

Um novo leque de comportamentos e de competências passa a ca-racterizar a produção jornalística em blogs, que se volta para um leitor pouco interessado em concorrência entre empresas mediáticas e mais preocupado em obter informação de maneira rápida e na profundidade que lhe aprouver. Paradigmas tais como a menção à concorrência em matérias jornalística (algo tradicionalmente mal visto pelas chefias de redação) são, de certa forma, mo-dificados pela lógica que guia a elaboração de conteúdos jornalísticos em blo-gs.13 Admitir erros também passou a ser uma tarefa recorrente, sobretudo em um cenário no qual os leitores estão atentos para fiscalizar, corrigir e contradi-zer. Além disso, os jornalistas não têm o costume de se relacionar diretamente com os leitores e nem são treinados para dar prontas respostas ou justificativas à audiência. (BORGES, 2006) De acordo com Melissa Wall (2005, p. 154, tradução nossa):

Esta análise sugere que esses blogs representam um novo gênero no jornalismo – a oferta de notícias que apresenta um estilo de narrativa caracterizada pela personalização e um status de ênfase na não-institu-cional; participação do público na criação de conteúdo; e formas de matérias que são fragmentadas e interde-pendentes com outros sites. Em última instância, essas mudanças sugerem que algumas formas de notícias on-line, como os blogs se afastaram da abordagem mo-dernista do jornalismo tradicional para encarnar uma forma de jornalismo pós-moderno.14

13 De acordo com Carpenter (2010), existe ainda a preocupação por parte das empresas de evitar “linkar” conteúdos para fora de seu portal não especificamente por uma questão de concorrência mas, para que não sejam criados problemas concernentes, por exemplo, à veracidade do con-teúdo tornado disponível em um site alheio e que pode ser modificado a qualquer hora sem o conhecimento daquele que endereçou o usuário. “[…] news organizations may fear readers will not come back to their site, or they may discover a better alternative source of information. News organizations should strive to act as a portal to information to encourage people to use their site as a primary source for online information rather than a site that people visit or link to periodically for information”. (CARPENTER, 2010, p. 13)

14 This analysis suggests that these blogs represent a new genre of journalism – offering news that features a narrative style characterized by personalization and an emphasis on non-institutional

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Deve-se ressaltar que há transformações não apenas no “varejo” do mercado de produção e consumo de informações (ou seja, as mudanças não se restringem aos processos cotidianos que envolvem o jornalismo). Existem alterações mais amplas que devem ser mapeadas, como, por exemplo, o es-tabelecimento de novos contratos de leitura com a audiência. (TRAQUINA, 1993, p. 168)

Carpenter (2010) argumenta que, dentre as modificações percebidas no trabalho desempenhado por jornalistas blogueiros, é possível constatar uma tendência a obedecer em menor medida determinadas rotinas tradicio-nais típicas dos media noticiosos. Um conjunto amplo de autores constata um caráter predominantemente opinativo a caracterizar a cobertura jornalística realizada por meio de blogs.

[...] os blogs, mesmo aqueles que se dedicam ao Jor-nalismo, comportam duas faces de discurso: o sagra-do (rituais e regras do Jornalismo convencional com seus valores-notícas legitimados) e o profano (discurso subjetivo, intimidade, sentimentos, emoções e quebra do protocolo jornalístico). Ambos coexistem no mesmo espaço da blogosfera, hospedados nos portais das em-presas de mídia. (ADGHIRNI, 2008, p. 14)

O argumento de fundo de tais especialistas é o de que os blogs esta-belecem distinções sensíveis no que se refere ao relacionamento entre profis-sionais, organizações jornalísticas e audiência. Em um primeiro momento, a ênfase opinativa e interpretativa que marca a maioria dos blogs jornalísticos indicaria um certo desvio em comparação aos padrões tradicionais de jorna-lismo como fonte de informação neutra. Friend e Singer (2007), por exemplo, destacam a importância do contrato não-dito, mas existente, entre as institui-ções ligadas ao jornalismo e a audiência, que prevê a busca por imparcialidade e objetividade na construção de conteúdos.

Ao longo de seus 300 anos de história na América, o jornalismo se afastou da lealdade à facção política em

status; audience participation in content creation; and story forms that are fragmented and inter-dependent with other websites. Ultimately, these shifts suggest that some forms of online news such as blogs have moved away from traditional journalism’s modernist approach to embody a form of post-modern journalism.

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direção a uma reivindicada lealdade ao ‘interesse públi-co’, com uma obrigação fundamental no que se refere aos cidadãos que dependem da independência jorna-lística. (KOVACH; ROSENSTIEL, 2001) [...] Embora alguns observadores tenham documentado uma mu-dança em direção a uma abordagem mais ‘centrada no jornalista’ que cada vez mais inclui alguma expressão de opinião (STEELE; BARNHURST, 1996), o apartida-rismo continua a ser um padrão normativo para jorna-listas.15 (SINGER, 2005, p. 177-178, tradução nossa)

Nesse sentido, como poderia um profissional emitir opinião, em um blog pessoal, sobre uma matéria que foi alvo da cobertura noticiosa (imparcial, neutra, objetiva etc.) para o jornal em que trabalha? Tal comportamento não acabaria por prejudicar a imagem do veículo, sua legitimidade ou mesmo o pacto fiduciário que se tenta estabelecer com o leitor?

A intenção do capítulo não é discutir os ditames deontológicos do jor-nalismo ou refletir sobre a objetividade jornalística como algo impossível-ideal ou impossível-indesejável (uma boa revisão sobre o tema pode ser encontra-da em Barros Filho, 2003). Na verdade, quer-se discutir a hipótese de que os consumidores de informação jornalística online não veem como grande problema o acesso deliberado a interpretações e opiniões emitidas por um profissional (claro, fatores como credibilidade vão influenciar na reverberação dos posicionamentos de tal jornalista). Nesse sentido, pode-se até arriscar dizer que aceitar obter informação por meio de blogs seria como se os leitores admitissem, sem grandes traumas, a quebra do chamado “pacto fiduciário” tradicionalmente estabelecido desde o século XIX entre o jornalismo e a esfera civil. Modificam-se, assim, as próprias expectativas dos leitores em relação à natureza do material que estão dispostos a consumir.

Um exemplo relevante desse novo comportamento por parte da au-diência é o caso do jornalista Ricardo Noblat (http://oglobo.globo.com/pais/

15 Over its 300-year history in America, journalism has moved away from loyalty to political faction and toward a professed loyalty to ‘public interest’, with a paramount obligation to citizens contin-gent on journalistic independence. (KOVACH; ROSENSTIEL, 2001) […] Although some observers have documented a shift toward a more ‘journalistcentered’ approach to news delivery that in-creasingly includes some expression of opinion (STEELE; BARNHURST, 1996), non-partisanship remains a normative standard for journalists.

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noblat/), mantenedor de um dos blogs de maior audiência no Brasil.16 Ao comentar, em 2007, sobre o cenário das eleições norte-americanas marcadas para acontecerem em 2008, Ricardo Noblat postou o seguinte comentário:

É cedo para que este blog tenha candidato a presidente dos Estados Unidos. Há quatro anos, o blog apoiou o candidato democrata derrotado por Bush. Antes apoiara a candidatura a Papa do cardeal de Viena. No primeiro turno da eleição presidencial do ano passado o blog apoiou Cristovam. No segundo, não apoiou ninguém. Antes que venham dizer que o blog é pé frio, lembro que em 2004 ele apoiou a atual prefeita de Fortaleza Luiziane Lins quando até o PT a largara de mão

O caráter opinativo (e, em determinadas ocasiões, pessoal) acabou por chamar a atenção de leitores e estudiosos do blog de Ricardo Noblat. Zélia Adghirni examinou, por exemplo, como Ricardo Noblat aproveitou o espaço e a visibilidade de seu blog para se remeter a questões familiares – o nascimento de sua neta em 2008. A autora se dedica a analisar de que maneira o espaço jornalístico do blog acaba se transformando, inclusive, em uma arena na qual o jornalista compartilha momentos de sua vida pessoal que nada têm a ver com a cobertura diária informacional ou interpretativa.

[...] o blogueiro traz fatos do dia, com produção própria, individual ou com o apoio de uma equipe de repórteres, surgem comentários íntimos, pessoais, desabafos, in-terferências profanas que estão bem longe dos cânones jornalísticos sacralizados pelo ritual da tradição. (AD-GHIRNI, 2008, p. 2)

Aqui entra em pauta uma nova questão atinente às práticas jornalís-ticas reconfigurada pelo advento dos blogs: Quem tem autoridade para emitir opinião? O leitor recorre aos blogs não apenas a fim de se manter informado, mas, também, para saber quais são as opiniões disponíveis no mercado. (GO-MES, 2008) O importante é perceber que nem todos obtêm a mesma capa-

16 O blog do Noblat se destacou pela intensa cobertura concernente ao escândalo político do Men-salão, em 2005, quando o Poder Executivo foi acusado de pagar mensalmente a integrantes do Legislativo para votarem de acordo com as orientações do governo.

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cidade de reverberação de suas opiniões, pois um componente tradicional do jornalismo, a saber, a credibilidade, ainda é vigente.

Mais exatamente, o que se pode dizer quanto às diferenças entre a credibilidade de uma instituição que atua há anos no mercado mediático e a credibilidade de um só profissional?

Ao discutir ética no jornalismo, é essencial considerar a parcela de compromissos que se espera do profissional em relação ao interesse público. No entanto, os olhos mais atentos sabem que ética jornalística também se re-fere aos compromissos que as empresas mantêm com seus leitores. Ou seja, o estabelecimento de um pacto de confiança não se dá, necessariamente e nem diretamente, entre o jornalista e os leitores de sua notícia, artigo ou coluna. Existe uma chancela do conteúdo provida, também, pela própria instituição à qual o profissional está integrado. E, sobretudo para aquele profissional que ainda não alcançou maior visibilidade, é fundamental contar com uma institui-ção para conferir um teor de veracidade à informação repassada.

Assim sendo, a credibilidade jornalística vai se construindo com o tem-po e necessita ser constantemente reafirmada junto à audiência por meio de mecanismos diversos. Pode-se mencionar, por exemplo, a edição de manuais de redação, a menção a prêmios recebidos, a sustentação de um ombuds-man, dentre outras providências. Mas o importante a ressaltar é que os blogs jornalísticos adicionam novos componentes à ideia de credibilidade, conforme sugerido por Christofoletti (2007, p. 2).

[...] os blogs jornalísticos ajudam a entrever novas pos-sibilidades de um pacto entre jornalistas e seus públi-cos, assentado em novas bases. Mas, então, a credibili-dade jornalística nos blogs é distinta? Sim e não. O que se percebe – ao menos agora, quando os blogs chegam a sua primeira década de existência – é que essa nova mídia carrega traços do conceito tradicional de credibi-lidade jornalística e ainda se vale de novos sistemas de reputação, originados e fortalecidos na internet. Assim, parece haver nos blogs jornalísticos uma simbiose dos modelos que certificariam a credibilidade (ou não) de um veículo ou outro.

A relação de confiança entre o jornalista responsável pelo blog e a au-diência parece se constituir, assim, a partir de um conjunto de fatores:

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a) A imagem do jornalista que administra o blog ainda é importante, naturalmente. E muito dessa imagem foi construída a partir dos media tradi-cionais. A experiência e o reconhecimento adquiridos em outras plataformas dão ao jornalista mantenedor do blog a prerrogativa de opinar sem maiores constrangimentos (não somente pela facilidade oferecida pela ferramentas, algo disponível a qualquer usuário, mas por conta do status alcançado).

Uma outra faceta dessa credibilidade se consolida por meio do cibe-respaço, quando o jornalista aceita e até estimula a participação dos leitores na produção dos conteúdos disponíveis. Em outras palavras, a credibilidade também se fortalece na medida em que o leitor se vê publicado e com voz. Nada muito diferente do que já acontecia no cenário dos media tradicionais.

b) Os usuários sabem que o blog traz a eles informações e opiniões daquele profissional. Mesmo assim, os leitores dão o aval ao profissional para que tal atividade seja realizada. Ou seja, a audiência acessa um blog na inten-ção de que o serviço de seleção e de disponibilização de opiniões seja feito por alguém em quem confia, de quem “compra” a opinião existente no mercado. Na verdade, pode-se, inclusive, apontar que os usuários mais procuram uma interpretação da realidade, guiando-se, muitas vezes, pela opinião daqueles em quem confiam, do que no relato simples e neutro do acontecimento. E, talvez o mais importante, os leitores sabem, sim, que aquela informação que estão recebendo é fruto de um posicionamento específico, enquadrado, várias vezes, em um determinado campo político-ideológico.

A chave que explica o fenômeno de sucesso dos blogs jornalísticos – e, logo, a ânsia das empresas em contar com tais canais – se encontra, assim, no lado da demanda: as instituições jornalísticas utilizam a Internet para oferecer exatamente aquilo que a maioria dos usuários quer: opinião, ofertada para fa-zer com que a audiência se sinta melhor localizada no que concerne aos temas considerados relevantes.

Blogs, jornalistas e empresas: tensão, simbiose ou independência?

Boa parte dos blogs jornalísticos de maior repercussão se encontra abrigado em portais de grandes grupos de comunicação. Muitas das iniciativas em blogs jornalísticos nasceram a partir de experimentos independentes, de

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indivíduos que, no momento, encontravam-se fora do mercado convencional. Assim, por um lado, estar fora do circuito empresarial do jornalismo foi vanta-joso para parte dos profissionais da imprensa. Em tal momento, aqueles que já têm consolidada uma imagem positiva junto ao público alcançam autoridade suficiente para ter voz e ser ouvido na profusão de discursos que permeia o ciberespaço.

Por outro lado, a integração a empresas consolidadas também traz vantagens. Por exemplo, torna-se facilitada uma atração mais conveniente de anunciantes, uma melhor estrutura técnica de funcionamento das iniciativas e, naturalmente, passa a haver uma sinergia a partir do aproveitamento ou di-recionamento a outros materiais ligados ao portal. É por contas destas razões que uma relação simbiótica é regra na atuação de blogueiros renomados que encontram abrigo em instituições mediáticas consolidadas.

Mas tal simbiose tem seus momentos de ruptura. Os blogueiros podem ir migrando entre grandes portais concorrentes na medida em que considera-rem mais conveniente. E o público cativo tende a seguir o mantenedor do blog em caso de mudança, uma vez que se estabelece uma espécie de contrato de leitura entre o blogueiro e a audiência. Foi o caso, mais uma vez, de Ricardo Noblat, que, em 2007, migrou do portal Estadão para o portal de O Globo Online.

O que tal fenômeno sugere é que aquele profissional que obteve reco-nhecimento não apenas interno ao campo do jornalismo, mas da audiência, não necessariamente precisa se subordinar às estritas regras da empresa na qual abriga suas produções jornalísticas digitais. Isto é, há um poder de bar-ganha maior do qual se aproveitam estes olimpianos.

Assim como acontece com um colunista, que não enfrenta os mesmos filtros editoriais pelos quais passa, por exemplo, o repórter de rua, o blogueiro tem privilégios. A livre menção a jornais concorrentes ao qual se vincula (algo não permitido para repórteres do impresso com a mesma frequência) é uma espécie de privilégio de jornalistas com capital acumulado em seu campo profissional.

Em outras palavras, ainda que seja plausível afirmar que “[...] o blog jornalístico é um fenômeno de audiência e de credibilidade ligado a gran-des estruturas jornalísticas (Estadão, Globo, Folha, UOL, etc.)” (ADGHIRNI, 2008), verifica-se um conjunto de tensões que, se não permitem afirmar o

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estabelecimento de uma ruptura com os padrões tradicionais de produção jornalística, pelo menos alteram as disposições entre os agentes responsáveis pelos controles editoriais e hierárquicos que marcaram a maioria das redações ao longo do século XX.

Assim sendo, mesmo quando blogueiros e instituições mediáticas de-cidem se associar, percebe-se um conjunto de tensões, por exemplo, quanto aos limites editoriais daquilo que é aceitável ou não para ser publicado. Afi-nal, independência de opinião completa representa um risco à empresa, que nem sempre vai dispor dos mesmos mecanismos de controle empregados na imprensa tradicional, apontados há décadas por Breed (1955). Toda vez que possível, no entanto, a intenção de cada um destes agentes é tirar o máximo de proveito da relação mantida, seja contando com a estrutura das empresas (técnicos, máquinas, equipe e prestígio no campo jornalístico), seja atraindo uma parcela relevante da audiência, canalizada para um blog hospedado no respectivo portal.

Por último, não podem ser desconsiderados os novos desafios que se apresentam às próprias instituições jornalísticas. É preciso repensar o geren-ciamento das plataformas que pertencem a um mesmo grupo, a fim de evitar uma indesejável concorrência interna. Ademais, em um cenário concorrencial, um dos objetivos principais passa a ser não somente provar que os conteúdos produzidos pelo próprio jornal são de boa qualidade: é preciso mostrar que os blogueiros hospedados também apresentam um diferencial de mercado.

Conclusão

O objetivo deste trabalho foi discutir em que medida o avanço das tecnologias de comunicação altera dimensões específicas da atividade jorna-lística. Se, em um primeiro momento, a literatura dedicada a investigar a po-pularização do consumo de informações através de blogs indicou um cenário otimista – por conta da expectativa de se reforçar, por exemplo, (a) o chamado jornalismo cidadão ou (b) as possibilidades de participação na elaboração e crítica dos conteúdos ofertados –, em um segundo momento, a apreensão efetiva de tais recursos denota um cenário distinto.

A adoção dos blogs como plataforma digital de comunicação proemi-nente acabou despertando o interesse de grandes instituições da comunicação

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de massa – que, sabendo da importância crescente dos new media junto aos usuários, passaram a traçar estratégias de colonização de tais recursos.17

Naturalmente, este não é um processo fácil para os big media players. Há dificuldades claras, como (a) a existência de um leque de possibilidades alternativas para o consumo de informações à disposição dos usuários e (b) a chance de determinada iniciativa obter visibilidade e reconhecimento mesmo quando não pertence ao circuito do mainstream news. É o caso dos blogs in-dependentes que, em diferentes ocasiões, oferecerem coberturas jornalísticas autônomas.

O registro de tais fenômenos, contudo, não impede que as grandes empresas produtoras de conteúdos jornalísticos invistam, inclusive, em ex-periências que, no passado, soaram como concorrenciais. Ao testemunharem o novo cenário informativo que marcou a primeira década do século XXI, as instituições jornalísticas sentiram uma necessidade de adaptação que se en-contra tanto no plano interno (dinâmicas inéditas de produção, necessidade de atualização constante de materiais), quanto na dimensão externa de sua atuação (interesse em ocupar espaços em todas as plataformas nas quais a audiência se encontra; exigência de respostas imediatas a erros cometidos na confecção de conteúdos noticiosos).

Uma das alterações que mais vem chamando a atenção de estudiosos se refere às respostas que as empresas vêm oferecendo à maior projeção que um conjunto seleto de jornalistas vem obtendo a partir do advento dos media digitais.

Uma vez que determinado jornalista obtém um grau elevado de reco-nhecimento junto aos usuários (algo que pode ser resultado de seu prestígio consolidado por conta de uma atuação pregressa nos media tradicionais, por exemplo), ele passa a exercer uma autonomia da qual nem mesmo muito dos colunistas que trabalham em grandes jornais impressos gozam. Em outras palavras, quando um jornalista reconhecido pelo público por manter um blog de referência possui capital (e audiência) suficiente para negociar os termos em que vai se hospedar em um grande portal ligado a determinado grupo,

17 Não se pode desconsiderar, claro, a profusão de experiências que envolvem Jornalismo e blogs. Há casos das mais variadas naturezas (blogs de jornalistas independentes e desconhecidos, dire-cionados apenas a fornecer opiniões; blogs que apenas atuam como repositório de notícias pro-duzidas por outras instituições, dentre outros), sendo aquelas experiências de blogs de jornalistas abrigados em portais de grandes empresas apenas uma faceta do fenômeno.

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identifica-se uma modificação qualitativa na forma através da qual a empresa se organiza.

Por exemplo, se um colunista apreciado pelos leitores de um jornal im-presso é demitido por divergências editoriais com a empresa, muito provavel-mente o número de leitores que deixará de assinar o jornal será pequeno. Isso porque a audiência se vincula a tal periódico não apenas por conta daquele colunista específico, mas devido a todo um “contrato de leitura” estabelecido, às vezes, por meio de décadas de relacionamento. No entanto, o público fiel a um jornalista blogueiro pode, de maneira conveniente e sem implicar maiores custos para si mesmo, migrar de um portal a outro, o que permite concluir que o pacto entre as dimensões da produção e do consumo de informação no ambiente digital se dá em termos distintos.

No final das contas, é preciso compreender que a modificação ora tes-temunhada é, sobretudo, cultural (na mesma direção em que aponta Daniel Hallin (1992), pois implica reconfiguração das relações entre jornalistas pro-fissionais e empresas. Esta constatação permite reivindicar a atualização de teorias importantes voltadas para explicar “por que as notícias são como são” (TRAQUINA, 2004), a exemplo da Teoria Organizacional (inspirada em Breed (1955), mas atualizada a partir da década de 1970).

No caso brasileiro, o que se percebe é um processo semelhante ao que acontece em outras partes do mundo: novos componentes são adicionados à dinâmica de produção de conteúdos jornalísticos, delineando-se uma renego-ciação em patamares distintos sobre os limites dos constrangimentos orga-nizacionais que marcam a relação entre jornalistas e instituições mediáticas.

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