55
1 Formação de Professores do Ensino Médio

Caderno 2 2ª etapa pacto

Embed Size (px)

DESCRIPTION

PACTO EM - 2º Etapa

Citation preview

  • 1. 1Formao de Professores do Ensino Mdio

2. Ministrio da EducaoSecretaria de Educao BsicaFormao de Professoresdo Ensino MdioCINCIAS HUMANASPacto Nacional peloFortalecimento do Ensino MdioEtapa II - Caderno IICuritibaSetor de Educao da UFPR2014 3. MINISTRIO DA EDUCAOSECRETARIA DE EDUCAO BSICA (SEB)MINISTRIO DA EDUCAOSECRETARIA DE EDUCAO BSICAEsplanada dos Ministrios, Bloco L, Sala 500CEP: 70047-900Tel: (61)20228318 - 20228320Brasil. Secretaria de Educao Bsica.Formao de professores do ensino mdio, Etapa II - Caderno II:Cincias Humanas / Ministrio da Educao, Secretaria de EducaoBsica; [autores: Alexandro Dantas Trindade... et al.]. Curitiba:UFPR/Setor de Educao, 2014.53p.ISBN 9788589799966 (coleo)9788589799980 (v.2)Inclui refernciasPacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Mdio1. Ensino mdio. 2. Professores - Formao. 3. Cincia ehumanidades. 4. Prtica de ensino. I. Trindade, Alexandro Dantas. II.Universidade Federal do Paran. Setor de Educao. III. CinciasHumanas. IV. Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Mdio.V. Ttulo.CDD 373.19UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANSISTEMA DE BIBLIOTECAS BIBLIOTECA CENTRALCOORDENAO DE PROCESSOS TCNICOSAndrea Carolina Grohs CRB 9/1384 4. CINCIAS HUMANASEtapa II Caderno IIAUTORESAlexandro Dantas TrindadeArnaldo Pinto JuniorClaudia da Silva KryszczunEduardo Salles de Oliveira BarraMarivne Regina MachadoMarcia de Almeida GonalvesMarcia Fernandes Rosa NeuCOORDENAO DA PRODUOMonica Ribeiro da Silva (organizadora)Culi Mariano JorgeEloise Medice ColontonioGlian Cristina BarrosGiselle CorreaLia de Cssia Fernandes HegetoLEITORES CRTICOSJoo Batista Gonalves BuenoJunot Cornlio MatosLetcia Carneiro AguiarMarcos Antonio QueirozWillian SimesREVISOGiselle Christina CorraPROJETO GRFICO E EDITORAOVictor Augustus Graciotto SilvaRafael Ferrer KlossCAPAYasmin FabrisRafael Ferrer KlossARTE FINALRafael Ferrer KlossCOORDENAO GERAL E ORGANIZAO DA PRODUO DOS MATERIAISMonica Ribeiro da Silva 5. Caro Professor, Cara ProfessoraCom vistas a garantir a qualidade do Ensino Mdio ofertado no Pas foi institudo por meio da Portaria Ministerial n 1.140, de 22 de novembro de 2013, o Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Mdio. Este Pacto contempla, dentre outras, a ao de formao continuada dos professores e coordenadores pedaggicos de Ensino Mdio por meio da colaborao entre Ministrio da Educao, Secretarias Estaduais de Educao e Universidades.Esta ao tem o objetivo central de contribuir para o aperfeioamento da formao continuada de professores a partir da discusso das prticas docentes luz das novas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Mdio DCNEM (Resoluo CNE/CEB n 2, de 31 de janeiro de 2012). Nesse sentido, a formao se articula ao de redesenho curricular em desenvolvimento nas escolas pblicas de Ensino Mdio a partir dessas Diretrizes.A primeira etapa da Formao Continuada, em conformidade com as DCNEM, trouxe como eixo condutor Os Sujeitos do Ensino Mdio e a Formao Humana Integral e foi composta pelos seguintes Campos Temticos/Cadernos: Sujeitos do Ensino Mdio e Formao Humana Integral; Ensino Mdio e Formao Humana Integral; O Currculo do Ensino Mdio, seus sujeitos e o desafio da Formao Humana Integral; Organizao e Gesto do Trabalho Pedaggico; Avaliao no Ensino Mdio; e reas de Conhecimento e Integrao Curricular.Nesta segunda etapa, dando continuidade ao eixo proposto, as temticas que compem os Cadernos de Formao do Pacto so: Organizao do Trabalho Pedaggico no Ensino Mdio e reas de Conhecimento do Ensino Mdio, em consonncia com as proposies das DCNEM, considerando o dilogo com o que vem sendo praticado em nossas escolas, a diversidade de prticas e a garantia da educao para todos. A formao continuada propiciada pelo Pacto auxiliar o debate sobre a Base Nacional Comum do Currculo que ser objeto de estudo dos diversos setores da educao em todo o territrio nacional, em articulao com a sociedade, na perspectiva da garantia do direito aprendizagem e ao desenvolvimento humano dos estudantes da Educao Bsica, conforme meta estabelecida no Plano Nacional de Educao.Destacamos como ponto fundamental que nesta segunda etapa seja feita a leitura e a reflexo dos Cadernos de todas as reas por todos os professores que participam da formao do Pacto, considerando o objetivo de aprofundar as discusses sobre a articulao entre conhecimentos das diferentes disciplinas e reas, a partir da realidade escolar. A perspectiva de integrao curricular posta pelas DCNEM exige que os professores ampliem suas compreenses sobre a totalidade dos componentes curriculares, na forma de disciplinas e outras possibilidades de organizao do conhecimento escolar, a partir de quatro dimenses fundamentais: a) compreenso sobre os sujeitos do Ensino Mdio considerando suas experincias e suas necessidades; b) escolha de conhecimentos relevantes de modo a produzir contedos contextualizados nas diversas situaes onde a educao no Ensino Mdio produzida; c) planejamento que propicie a explicitao das prticas de docncia e que amplie a diversificao das intervenes no sentido da integrao nas reas e entre reas; d) avaliao que permita ao estudante compreender suas aprendizagens e ao docente identific-las para novos planejamentos.Espera-se que esta etapa, assim como as demais que estamos preparando, seja a oportunidade para uma real e efetiva integrao entre os diversos componentes curriculares, considerando o impacto na melhoria de condies de aprender e desenvolver-se dos estudantes e dos professores nessa etapa conclusiva da Educao Bsica.Secretaria da Educao BsicaMinistrio da Educao 6. SumrioIntroduo / 61. A integrao entre as Cincias Humanas como projeto pedaggico / 91.1 O problema das Cincias Humanas / 91.1.1 A paideia grega: a formao do cidado / 101.1.2 As artes liberais romanas: a formao do orador / 101.1.3 As Humanidades renascentistas: a formao literria / 111.1.4 As especialidades e disciplinas modernas: a formao do cientista / 121.1.5 As Cincias Humanas contemporneas: a formao do especialista / 131.2 Integrao e interdisciplinaridade no ensino secundrio brasileiro: dilemas e possibilidades / 142. Os sujeitos estudantes do Ensino Mdio e os direitos a aprendizagem e ao desenvolvimento humano na rea de Cincias Humanas / 192.1. Contribuies das Cincias Humanas para a compreenso da relao entre Juventude e Educao / 222.2 Para que servem as Cincias Humanas? / 253. Trabalho, Cultura, Cincia e Tecnologia na rea de Cincias Humanas / 284. Possibilidades de abordagens pedaggico-curriculares na rea de Cincias Humanas / 374.1 Uma ltima palavra: interdisciplinaridade como ao / 44Referncias / 46 7. 6Cincias HumanasIntroduoA minha escola no tem personagemA minha escola tem gente de verdadeAlgum falou do fim do mundo,O fim do mundo j passouVamos comear de novo:Um por todos, todos por um.Vamos fazer um filme. Legio Urbana.Caros professores, caras professoras, vocs muito provavelmente conhecem os versos menciona-dos.O grupo Legio Urbana marcou sua poca e at hoje reverenciado por geraes distintas: os quetinham seus vinte e poucos anos naquele momento, os jovens de nossa atualidade e tantos outros. A msi-ca,como toda arte, no tem idade. Remete, contudo, como toda criao humana, a um contexto particularonde sujeitos singulares se expressam no registro de percepes do mundo, sentimentos, ideias, crticas,dvidas, incertezas, projetos. A dcada de 1990, para a sociedade brasileira, correspondeu a um momentode impasses e transformaes das quais, certamente, ainda somos herdeiros. Os rapazes do Legio Urbana,em alguma medida, souberam disso. Sugerimos a visita ao site do grupo para conhecer mais a sua histria,shows e produo musical, disponvel em: http://www.legiaourbana.com.br/E por que comear esse Caderno de estudo sobre a rea das Cincias Humanas e a formao deprofessores do Ensino Mdio com a meno a uma msica do grupo Legio Urbana? Entre as respostas,na verdade, figuram perspectivas e algumas apostas.Comecemos pelas apostas: desejar uma escola com gente de verdade e, talvez, para dar partida,comear de novo com muito trabalho e cooperao pela frente um por todos, todos por um. Licenaspoticas parte, cabe no entanto, situar perspectivas sobre os objetivos e reflexes materializados nesseCaderno.A escola brasileira de Educao Bsica, em especial, na rede pblica de ensino, palco de contra-diessociais e polticas que nos afetam como comunidade local e nacional. Entre o fim dos governosmilitares e a democratizao instaurada no decorrer dos anos 1980 e 1990, os debates acerca de problemascrnicos, tais como as desigualdades sociais e a excluso de diversos grupos do pleno exerccio dos maisdiversos direitos, incrementaram-se, explicitando a maior publicizao de demandas pautadas nos movi-mentospopulares. A elaborao da nova Constituio Federal, a Constituio Cidad em 1988, simbolizaparte dessas transformaes.A promulgao de uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educao (LDB n 9394 de 20 de De-zembrode 1996), representou uma das mudanas fundamentais dos marcos legais reguladores das aesno campo educacional. A partir dela derivaram-se iniciativas e estratgias de naturezas variadas. Como leimaior sobre a educao brasileira, baseada em princpios que figuram na Constituio Federal de 1988, 8. 7Formao de Professores do Ensino Mdiovale ser lida e discutida por professores e estudantes. H uma verso atualizada em 2013 nas publicaesda biblioteca digital da Cmara dos Deputados (http://bd.camara.gov.br/bd/handle/bdcamara/14676).Destaca-se, na atualidade, o Plano Nacional de Educao (PNE) institudo pela Lei n 13.005, de25 de junho de 2014 e que dever vigorar de 2014 a 2024. O PNE apresenta 20 metas seguidas das estra-tgiasespecficas de concretizao. (BRASIL, 2014).No que se refere s proposies relativas ao currculo, cabe mencionar o incio dos debates quevieram a culminar na elaborao das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Mdio - DCNEM(BRASIL, 2012) e, no mbito avaliativo, a criao do Exame Nacional do Ensino Mdio (ENEM).A partir de 2008, o ENEM, ou Novo ENEM, passou a ter outro formato, assumindo o carter deprova de ingresso nacional para o ensino superior, substituindo, em especial, os exames de vestibular dasinstituies federais, norteando muitas propostas curriculares para o Ensino Mdio. No ano de sua cria-o,em 1998, possua carter diagnstico, visando elaborar amostragens sobre o desempenho escolar deestudantes do Ensino Mdio.A meno s DCNEM e ao ENEM nos interessa, considerando-se que houve, a partir de ambos, aconfigurao da rea das Cincias Humanas como dimenso norteadora de aes curriculares para o En-sinoMdio, fomentando abordagens que buscaram ampliar dilogos entre seus componentes por meio deprticas pedaggicas e premissas avaliativas focadas na interdisciplinaridade e na integrao curricular.A rea das Cincias Humanas, circunscrita inicialmente Histria e Geografia, para o caso do EnsinoMdio, veio a ser significativamente alterada pela incluso da obrigatoriedade de oferta de dois novoscomponentes: a Sociologia e a Filosofia - Lei n 11.684, de 2 de junho de 2008 (BRASIL, 2008). Essa leialtera o art. 36 da LDB n 9.394 para incluir a Filosofia e a Sociologia como disciplinas obrigatrias noscurrculos do Ensino Mdio.Essa rpida contextualizao nos possibilita compreender certas condies histricas nas quaisforam gestadas as atuais Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educao Bsica e, em particular,as DCNEM. Como enfatizado em momentos anteriores desse curso, reiteramos a importncia de, talqual a LDB vigente, conhecer e discutir as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educao Bsica.Recomendamos a edio compilada de todas as diretrizes, publicada em 2013 e disponibilizada no portaldo MEC: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12663&Itemid=1152Tais diretrizes, j abordadas nos Cadernos da Etapa I desse curso de formao para professores cons-tituem-se, igualmente, base norteadora das propostas de reflexo e de ao dessa Etapa II, focada nas reasde conhecimento e nas modalidades de ensino.Por outro lado, o cuidado em contextualizar toda e quaisquer informaes e experincias, mesmono sendo exclusivo das Cincias Humanas, fortemente uma das marcas identitrias desse campo do co-nhecimento.Cuidado esse, caros professores e professoras, que vocs provavelmente exercitam em suasprticas docentes no cotidiano da escola.Conhecer as DCNEM um ponto de partida e, nessa qualidade, se institui na dependncia direta daefetivao de aes curriculares dispostas a lidar, democraticamente, com uma escola que possua gentede verdade. Em outras palavras, sujeitos professores, estudantes, funcionrios, gestores nas suas 9. 8Cincias Humanascircunstncias de vida as mais diversas, com suas vivncias e expectativas singulares e, como sabemos,para o caso das redes pblicas de ensino da sociedade brasileira, inseridos em realidades adversas e com-plexas,limitadoras daquilo que pode ser denominado de formao humana integral.De acordo com as DCNEM, formao humana integral se associa a uma concepo pedaggicavalorizadora de aes que busquem articular as vivncias e experincias dos estudantes, seus saberes e ex-pectativas,ao aprendizado de conhecimentos significativos e integrados, das diversas reas e disciplinas,tendo em vista a configurao de atitudes viabilizadoras do exerccio democrtico da cidadania, do de-senvolvimentode posturas ticas quanto diversidade cultural e s questes ambientais, da compreensocrtica do mundo e da universalizao de direitos sociais.Como foi pontuado em outros momentos desse curso, a efetivao dessa formao humana integralno tarefa fcil. Tom-la como desafio pode circunscrever significados sem, contudo, simplific-los ougarantir seu sucesso. Imaginemos a prtica do canto coral. Quem j o realiza, pelos motivos mais variados,ou no caso dos professores de msica, sabem que para que o efeito final fique belo, com ritmo e harmonia,a sensibilizar ouvintes e cativar novos participantes, h que se planejar, dividir tarefas e funes, ensaiar(muito!!!!), partilhar dificuldades e se auxiliar mutuamente. Se quisermos instituir o canto coral comometfora para nossas propostas curriculares, o trabalho conjunto, planejado e cooperativo, a par de conhe-cimentose estudos que o estruturem, figura como estratgia fundadora.Antecipamos que a questo contempornea dos direitos aprendizagem e ao desenvolvimento hu-mano,conforme apontado no Plano Nacional de Educao, foco da base nacional comum para o currculo,orientada pelas DCNEM, se justifica tambm como poltica de universalizao do direito educao.Depreende-se ento o quanto os componentes curriculares da rea das Cincias Humanas podem,e devem, contribuir para esse processo qualificado de universalizao do ensino e esse o principal ob-jetivo,e em paralelo, compromisso tico das discusses, reflexes e propostas que se apresentam nasunidades desse Caderno.Na unidade um, objetiva-se discutir um pouco da histria do que veio a ser denominado de Huma-nidadese de Cincias Humanas, problematizando aspectos estruturais e conjunturais que interferem naelaborao de propostas pedaggicas interdisciplinares. Na unidade dois, so apresentadas indagaes so-breos jovens estudantes do Ensino Mdio, buscando indicar aes curriculares baseadas no conhecimentoe valorizao de suas experincias, saberes e expectativas. Na unidade trs, o eixo trabalho, cultura, tec-nologiae cincia analisado luz da contribuio especfica dos componentes curriculares das CinciasHumanas. Na unidade quatro so propostas algumas reflexes e sugestes de abordagens pedaggicasinterdisciplinares nas Cincias Humanas, no Ensino Mdio.Desejamos um bom trabalho a todos e a todas! 10. 9Formao de Professores do Ensino Mdio1. A integrao entre as Cincias Humanas como projeto pedaggicoCara professora, caro professor, todo conhecimento, na qualidade de prtica cultural, possui condi-eshistricas para sua emergncia e caracterizao. Como obra humana, os conhecimentos so institu-dospor sujeitos especficos, em tempos e espaos variados, em funo de diversos interesses, possibilida-dese necessidades sociais e polticas. No poderia ser diferente para a rea que se convencionou chamarde Cincias Humanas. Como nome e como conceito, as Cincias Humanas possuem histria e a tentativade abord-la por si s tema para investigao. Longe de esgotar essa temtica, achamos importante si-tu-la como convite para reflexo, sob a chave de discutir alguns aspectos de seu processo de constituioe de significao.1.1 O problema das Cincias HumanasAtualmente, no contexto das escolas brasileiras e de acordo com as DCNEM, entende-se por Cin-ciasHumanas a rea do conhecimento na qual esto includas a Histria, a Geografia, a Filosofia e aSociologia. Cada um desses componentes curriculares derivado de conhecimentos cientficos e discipli-nares,os quais, em funo de suas tradies e procedimentos institudos, possuem atualmente estatutosepistemolgicos prprios. Estes so o resultado mais visvel do processo de especializao que atingiupraticamente todos os campos do conhecimento, desde pelo menos o final do sculo XVII e incio dosculo XVIII, nas sociedades do ocidente europeu. Ocorre que, antes da generalizao desse processo deespecializao, havia um certo domnio de conhecimentos cuja herana, de uma forma ou de outra, foireivindicada por cada nova disciplina cientfica surgida desde ento. Esse domnio comum chamou-seHumanidades.As Humanidades talvez sejam a forma mais acessvel de imaginar uma unidade possvel entre osquatro componentes das Cincias Humanas no currculo do Ensino Mdio. Dialogamos, nessa proposta,com as observaes da professora Marjorie Garber (2001). Para ela:Se as humanidades tm um futuro, [...], ser um futuro que envolve retornar ao passadoe habitar esse momento interdisciplinar pr-disciplinrio. No para se afastar da hist-ria,do contexto e da cultura; mas para, ao contrrio disso, fazer justamente o oposto:concluir que Freud estava mais certo do que ele prprio poderia supor quando imaginoua mente humana como sendo uma cidade tal como Roma, camada sobre camada, nosubstituindo umas s outras, mas coabitando com o passado.[...] Neste momento, en-quantoestudiosos, nossa tarefa reimaginar as fronteiras do que chegamos a acreditarserem as disciplinas e ter a coragem para repens-las (GARBER, 2001, p. 95-96).De acordo com essas consideraes, as Humanidades permitem, entre outros desdobramentos,construir prticas pedaggicas de natureza interdisciplinar para as Cincias Humanas. Para avaliar a viabi-lidadedisso ser preciso percorrer algumas das camadas historicamente sobrepostas das quais emergemo legado das Humanidades. O objetivo que, desse percurso, resultem imagens viveis para um projetopedaggico destinado educao integrada no campo das Cincias Humanas. 11. 10Cincias Humanas1.1.1 A paideia grega: a formao do cidadoPor volta do sculo V a.C. na Grcia, quando ocorre a gradualtransio da cultura oral para cultura escrita, encontra-se o que talvezseja o antecedente mais remoto das Humanidades, tendo em vista asheranas culturais de sociedades euroasiticas. Nesse contexto culturalsurge o conceito de paideia, que sintetizava os estudos que deveriamfazer parte da preparao dos jovens aristocrticos para a vida pessoal,familiar e social, em seus aspectos religiosos, polticos e morais. Almde algum tipo de treinamento fsico, essa preparao inclua o estudode msica, poesia, dana e, provavelmente, rudimentos da histriasocial e poltica. No havia, contudo, nenhuma preocupao utilitria,muito menos vocacional. Tampouco havia preocupaes com aquiloque se tornaria o mago da filosofia grega, a saber, a especulaosistemtica sobre questes ticas, polticas, metafsicas, epistemolgi-casou cientfico-naturais.1.1.2 As artes liberais romanas: a formao dooradorPode-se dizer que as Humanidades so uma criao tipica-menteromana. Alm de fornecerem a raiz latina da palavra, foramos romanos antigos quem lhes conferiram um objeto e um contedoprprios. Durante o final da Repblica e o incio do Imprio, entre ossculos I a.C. e I d.C, eles formularam a concepo segundo a qualcertas artes e saberes especficos seriam mais adequados para expres-sare atender s necessidades dos seres humanos. Nos seus ltimosescritos, Ccero indicou a poesia, geometria, msica e dialtica comoartes e saberes que as crianas deveriam apreender para alcanar a suacompleta humanidade.O modelo das Humanidades forjado pelos romanos baseou-sena tradio grega, mas foi profundamente ajustada s suas prpriasnecessidades e interesses. Nesse contexto, a educao preconizada porCcero e Quintiliano tinha como objetivo a formao segundo o mo-delodo papel a ser desempenhado pelo homem pblico o orador.O domnio da comunicao oral e escrita era considerado como umapreparao essencial para influenciar a poltica e opinio pblica e,assim, servir ao Estado.A paideia era inseparvelde outro conceito grego:aret ou excelncia, es-pecialmenteexcelnciade reputao, mas tam-bmvirtude e excelnciaem todos os aspectos davida. Nesse sentido, pai-deiasignificava a sabedo-riahumana e suas aplica-espara viver uma vidavirtuosa, que inclua noapenas o autodesenvolvi-mento,mas sobretudo odesenvolvimento cvicocom o objetivo de tor-nara prpria cidade maisvirtuosa e excelente. Se-gundoJaeger, em sinto-niacom a modalidade depensamento dos temposprimitivos, [Homero] de-signapor aret a fora ea destreza dos guerreirose lutadores e, acima detudo, herosmo, considera-dono no sentido de aomoral e separada da fora,mas sim intimamente liga-doa ela (JAEGER, 1995,p. 25-27). 12. 11Formao de Professores do Ensino MdioNesse sentido, as Humanidades romanas afastaram-se da paideiagrega e foram transformadas naquilo que passou a se chamar artesliberais. As listas das artes liberais poderiam variar, mas certamenteconteriam a Aritmtica, Msica, Geometria, Astronomia, Gramtica,Retrica e Dialtica. As quatro primeiras (quadrivium) em nadalembravam os conhecimentos formais ou tericos maneira comoforam pensadas por Plato e Aristteles. Os romanos as tratavam comofatos, prticas e informaes, que forneciam ao orador vocabulrioe temas teis. A Msica, por exemplo, interferiria no treinamentoprtico dos atos de ouvir e utilizar a voz. De outro lado, entre as trsltimas (trivium), a Gramtica era a de maior interesse, pois o estudoda literatura e da lngua passaram a ter um papel predominante sobreos demais conhecimentos.1.1.3 As Humanidades renascentistas: a formaoliterriaA palavra humanista (em italiano, umanista) foi o termo cor-renteento utilizado para nomear investigadores e professores dasuniversidades, em finais do sculo XV. Eles questionaram as revisesdas artes liberais promovidas pela Escolstica, na Baixa Idade M-dia.No incio da expanso do cristianismo no Ocidente, a partir dosculo III, Agostinho e outros pensadores cristos adaptaram o pro-gramagrego de educao s ideias e valores de sua doutrina religiosa.Durante os sculos XII e XIII, nas catedrais e nas ento emergentesuniversidades, o foco da educao nas artes liberais foi redirecionadopara uma anlise racional de textos clssicos, sempre acompanhadada leitura das sagradas escrituras e dos comentrios bblicos. A impor-tnciada Retrica declinou fortemente, e a Gramtica foi transforma-danum conhecimento especulativo com nfase na lgica. A obra deToms de Aquino, voltada s questes de f e razo e incorporaoda formao secular aos cnones teolgicos, representou esse esforode promover uma sntese crist que ultrapassasse e ressignificasse asheranas greco-romanas.Avessos a essa tradio inaugurada com a cristandade, os hu-manistasitalianos se esforaram para reviver e redimensionar as artesliberais de acordo com as tradies greco-romanas. Desde ento, afamiliaridade com a cultura greco-romana antiga e a eloquncia no la-tim,tornaram-se preparao obrigatria para a elite que controlava asinstituies pblicas na maior parte dos estados italianos do centro e doNesse uso social, o sentidode artes liberais nada tinhaa ver com o significadoque a palavra humani-dadepossua at ento algo muito prximo danoo grega de filantropia,que consiste em ter um es-pritoamigvel e um bomsentimento. Elas estavammais prximas do ideal deeducao derivado da pai-deiagrega, onde a virtudedas chamadas bonas artesderiva da sua intrnsecaaptido aos fins morais eprticos um propsitoque se tornou a pedra an-gulardas humanidades,bem como da educaoliberal e da cultura geraldesde ento. 13. 12Cincias Humanasnorte da pennsula. Em meados do sculo XV, os cursos humansticospassaram a integrar o currculo das universidades da pennsula italianae se espalharam rapidamente para o norte da Europa, onde Erasmus deRoterdam viria a se tornar um dos mais proeminentes representantesdo Humanismo renascentista.A partir da Renascena, as Humanidades foram progressiva-menteinstitucionalizadas como conhecimento referencial. Os profes-soresitalianos de Gramtica e Retrica muniram-se cada vez mais derecursos pedaggicos formalizados em livros, manuais e instrumentosinstrucionais. Nesse formato, os estudos humansticos descolaram-sedos estudos teolgicos. Mas, ao longo de toda a Renascena, dificil-mentea palavra Humanidades se referia a um estudo geral da huma-nidadeou dos seres humanos enquanto participantes de uma cultura,muito menos exprimiam a ideia de que o ser humano ao invs deDeus, a tradio ou a Natureza fosse o centro ou a medida de todasas coisas. Segundo Hoyrup (2000), os estudos humansticos eram vol-tadosa:[...] temas e questes centrais para uma vida vir-tuosa:gramtica (latina), retrica, poesia, hist-riae filosofia moral. (...) A cultura humanista foimoldada pela cultura literria da classe alta ro-manae passou, ento, a ser tambm consideradao smbolo e a garantia das qualidades pessoais eespecialmente cvicas utilidade, de fato, sem-presignificou utilidade cvica (HOYRUP, 2000,p. 83-85).1.1.4 As especialidades e disciplinas modernas: aformao do cientistaAs Humanidades renascentistas fizeram reviver os ideais roma-nosde uma educao voltada transmisso de uma cultura liberal oucultura geral. Mas, apesar do carter generalista que caracterizou asHumanidades renascentista, nesse perodo, nada h que possa ante-cipara nossa atual procura de uma abordagem interdisciplinar paraas Humanidades. Isso nos permitir enfatizar que interdisciplinaridadeno sinnimo de generalidade. Ao contrrio, a interdisciplinarida-derequer disciplinas e especialidades bem estabelecidas. Assim, astentativas de produzir ou exibir uma unificao entre conhecimentos realizadas, por exemplo, por Comenius, Leibniz, DAlembert, Kant,Desde os tempos antigos,a literatura tinha sido ummeio para a educao mo-ral.O emprego da palavraliteratura restrita aosescritos mais imaginati-vos,posteriormente qua-lificadoscomo ficcionais,emergiu no decorrer do s-culoXVIII, em sociedadesdo ocidente europeu, asso-ciando-se, entre outros as-pectos,ao surgimento doromance moderno. 14. 13Formao de Professores do Ensino MdioHegel e von Humboldt somente se tornaram possveis com a fundao das academias cientficas nosculo XVII a Royal Society, na Inglaterra, e a Acadmie des Sciences, na Frana, por exemplo , queforam decisivas para os processos que resultaram na definio das especialidades e na delimitao dasdisciplinas cientficas.O contraste entre as perspectivas medieval e moderna sobre o conhecimento ainda mais ntido noprojeto iluminista consubstanciado na Enciclopdia de Diderot e DAlembert. O objetivo desse projeto erareunir todas as formas disponveis de conhecimento presentes nas artes e nas cincias. Os enciclopedistasfranceses divergiam da concepo clssica de Humanidades e, inspirados em Francis Bacon, repudia-rama indistino predominante desde a paideia grega entre arte e cincia uma indistino decorrenteda concepo de que a cincia deveria estar a servio de fins no-cientficos, isto , polticos, morais ereligiosos, entre outros. Progressivamente, difundiu-se o legado da Revoluo Cientfica do sculo XVIIprotagonizada, entre outros, por Galileu, Descartes e Newton, convertendo a cincia e seus mtodos emnovos critrios para a legitimao do conhecimento e, consequentemente, para a sua universalizao.Os excessos de zelo com a elegncia e correo do estilo e a erudio exacerbada, pouco a poucocederam lugar ao conhecimento efetivo, slido e til adquirido pela investigao direta das evidnciasempricas, e no apenas por exaustivas anlises textuais dos chamados clssicos. Depois de ImmanuelKant, ao final do sculo XVIII, a especializao torna-se um imperativo crescente, de tal modo que a uni-dadeda cincia converte-se num ideal cada vez mais irrealizvel. Esse ideal tem um fugaz ressurgimento,durante as primeiras dcadas do sculo XX, impulsionado pelo programa de uma Cincia Unificada pro-postopelo positivismo lgico. No entanto, esses e outros esforos enfrentavam insuperveis limitaes.1.1.5 As Cincias Humanas contemporneas: a formao do especialistaO sculo XIX representou um momento mpar para a crescente especializao e disciplinarizaodos conhecimentos. Esse processo produziu efeitos imediatos na reorganizao das universidades e susci-touacalorados debates sobre a classificao das cincias. Na passagem do sculo XIX para o XX, o pen-sadoralemo Wilhelm Dilthey foi um dos que dedicou parte expressiva de suas especulaes distinoentre os procedimentos e as caractersticas de determinadas cincias, categorizando-as em dois grandesgrupos: as Cincias da Natureza (Naturwissenschaften) e as Cincias do Esprito (Geisteswissenschaften).Para essas ltimas, Dilthey identificava maneiras de conhecer muito especficas, centradas em prticasinterpretativas hermenuticas dos fenmenos analisados. Das apropriaes e adaptaes posterioresdessa distino, derivaram-se as recentes designaes Cincias Humanas entre as quais se inclurama Histria, a Psicologia, a Economia, a Antropologia, a Sociologia e a Cincia Poltica, e Cincias Natu-rais Fsica, Quimca, Biologia, Astronomia. A essas ltimas caberia a busca de explicaes a partir deconjuntos sistemticos de leis gerais as chamadas leis da natureza, enquanto as Cincias Humanas de-veriamvoltar-se para a compreenso de fenmenos que, por serem presumidamente nicos e particulares,no estariam sujeitos a leis gerais.A categorizao e difuso das Cincias Humanas, entretanto, no decretou o imediato ocaso dasHumanidades no sentido da chamada educao liberal. Assim, por exemplo, em meados do sculo XIX, o 15. 14Cincias Humanastermo Humanidades ainda indicava predominantemente os estudos degrego e latim, com nfase em gramtica. Houve permuta de sentidose fuses de contedos entre os termos Cincias Humanas e Humani-dades.O padro da educao liberal foi profundamente modificado nocurso de um sculo, de tal modo que Humanidades passaram a signi-ficaros estudos culturais cada vez mais inclusivos a ponto de alcanara literatura em lngua verncula, alm da Filosofia, Histria da Arte e,frequentemente, Histria Geral. A essas disciplinas, vieram a se juntaros tradicionais estudos de grego e latim, reunidos sob o rtulo de es-tudosclssicos.1.2 Integrao e interdisciplinaridade no ensinosecundrio brasileiro: dilemas e possibilidadesO exerccio sinttico de problematizar a historicidade do con-ceitode Humanidades e de Cincias Humanas, no ocidente europeunos possibilita, professoras e professores, visualizar a complexidadeda questo e tambm perceber o quanto certas tradies, de carterdisciplinar e cientfico, contriburam para separar e distanciar os diver-soscampos de conhecimento.Se isso se manifestou nas Cincias Humanas, o mesmo ocor-reucom as Cincias da Natureza. Em sociedades onde os progressostecnolgicos cada vez mais ditaram os ritmos de vida, da organizaoe diviso do trabalho, dos fluxos de riquezas, capitais e mercadorias,e das prprias percepes do tempo e do espao, os conhecimentossobre o mundo natural adquiriram destaque e referencialidade. Seusprocedimentos metodolgicos e critrios epistemolgicos foram entotomados como parmetros de verdade, confiabilidade, utilidade, pro-gressoe civilizao.As escolas, como espaos de instruo, de educao e de for-maode sujeitos os mais variados, foram afetadas por todas essasquestes de fundo. As pesquisas e trabalhos do campo da Histria daEducao, principalmente, indicam a importncia dessas reflexes.Em meio a tantas heranas e tradies disciplinares, propor erealizar a integrao e a interdisciplinaridade entre as Cincias Huma-nascomo projeto pedaggico no Ensino Mdio brasileiro, na atualida-de,no tarefa simples, envolvendo desafios, dilemas, mas tambmpossibilidades.No Brasil, nos ltimostrinta anos, ampliaram-see diversificaram-se aspesquisas sobre temas taiscomo a histria da esco-la,da profisso e do sa-berdocente, dos saberese culturas escolares, dasconcepes pedaggicas,do livro didtico, do curr-culo,entre outros. A ttulode ter um pouco a dimen-sodo quanto tem sidopesquisado e produzido,sugerimos, professores eprofessoras, como exer-ccio,navegar um pouconos sites dos programasde ps-graduao na reade Educao e tambm nobanco de teses e disser-taesda CAPES (http://bancodeteses.capes.gov.br/)Destaquem temas e ttulosque mais lhes interessa-rem.Se for o caso, sele-cionemtrabalhos que pos-samser alvo de um grupode estudo. 16. 15Formao de Professores do Ensino MdioImportante ter alguns cuidados. Um deles atentar para os lugares que os componentes do campodas Cincias Humanas ocuparam e ocupam nos currculos do que hoje chamamos de Ensino Mdio. Sehoje a Histria, a Geografia, a Filosofia e a Sociologia possuem lugares, sendo esses alvos de controvrsias,tal configurao, como sabemos, nem sempre possuiu tal disposio. Como analisado anteriormente, se asconcepes de Humanidades e de Cincias Humanas alteraram-se historicamente e epistemologicamente,o mesmo pode ser aplicado reflexo sobre como as Humanidades, e as disciplinas que a elas se associaram,vieram a ser abordadas e categorizadas nos currculos do Ensino Mdio. O que entendemos por EnsinoMdio, como etapa da Educao Bsica, igualmente variou de forma, contedo, nome e funo. Esse,alis, um tema bastante visitado pelos pesquisadores da Histria da Educao no Brasil.Sem a pretenso de esgotarmos essas reflexes, apresentamos ponderaes sobre a historicidade dedeterminadas questes. A dcada de 1920 foi um momento significativo de proliferao de debates e pro-jetosacerca da urgncia de aes que enfrentassem os problemas brasileiros poca. No contexto de fimda Primeira Grande Guerra (1914-1918) e de muitas crticas aos preceitos liberais, ampliaram-se deman-daspor reformas sociais, trabalhistas, econmicas, polticas e educacionais. Intelectuais de matizes ideo-lgicosvariados envolveram-se diretamente em discusses sobre a criao de um sistema educacionalbrasileiro que coordenasse esforos no sentido de modernizar as prticas e concepes pedaggicas emvigor nas escolas brasileiras.Nesse contexto, polarizaram-se opinies entre conservadores e reformadores. Um dos pontos dedivergncia era a ampliao do espao dedicado aos estudos cientficos e a consequente diminuio doespao ocupado pelas Humanidades, algo que se supunha ser uma exigncia da sociedade moderna e dosprocessos de modernizao tecnolgica-industrial em curso.Nos argumentos utilizados por intelectuais catlicos sobressaram elementos de continuidade e deruptura com as prticas vigentes. Houve a defesa de uma formao geral, sem preocupao com a especia-Entre as controvrsias, destacam-se: os tempos de aula destinados a cadaum desses componentes curriculares, a seleo e didatizao de contedossignificativos, em especial, mas no exclusivamente, para o caso da Filosofiae da Sociologia.Para aprofundar essas anlises, recomendamos a leitura e discusso do artigode Helena Bomeny. Novos talentos, vcios antigos: os renovadores e a pol-ticaeducacional, publicado na Revista Estudos Histricos, Rio de Janeiro.Vol 6 (Os anos 20), n.11, 1993, p. 24-39.Disponvel em http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/in-dex.php/reh/article/view/1955/1094Para conhecer melhor a vida e os projetos de intelectuais que participaramdesses debates e de seus desdobramentos nas dcadas de 1930 a 1960 An-sioTeixeira, Fernando Azevedo, Edgard Roquette Pinto, Loureno Filho, Al-ceuAmoroso Lima consulte a Coleo Educadores, organizada pelo MEC.Disponvel em http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/PesquisaObraForm.jsp 17. 16Cincias Humanaslizao ou com a profissionalizao. Esse humanismo de vis catlicocompartilhava as mesmas preocupaes com a formao moral do an-tigohumanismo latino. Para seus adeptos, a literatura latina sobressaacomo sendo a maior escola de moral que jamais existiu. (SOUZA,2009, p. 74)Os intelectuais catlicos promoveram uma ampliao do sen-tidotradicional de Humanidades de modo a conferir-lhe um cartermais transcendental: os estudos que se dirigem ao que h de mais ele-vadono homem, os estudos destinados a desenvolver o sentimento desolidariedade humana, preconizando um Humanismo que integrassetodas as dimenses do homem. (SOUZA, 2009, p. 74)Com a Revoluo de 1930 e a criao do Ministrio da Educa-oe da Sade, no contexto das aes centralizadoras do governo deGetlio Vargas (1930-1945), reformas educacionais e de ensino pro-movidase/ou propostas nos mbitos estaduais na dcada de 1920, in-formaramas reformas promovidas pelo governo federal, a do ministroFrancisco Campos, de 1931, e a do ministro Gustavo Capanema, em1942. (BOMENY, 1993, p. 24-39). Ambas as reformas, a despeito dasdiferenas buscavam, por meio de aes de natureza centralizadora,instaurar unidade de procedimentos para o que se desejava como sis-temanacional de ensino.Importante destacar nesse contexto de embates e experimentaeso posicionamento dos educadores do movimento da Escola Nova. NoManifesto dos Pioneiros da Educao Nova de 1932, os signatriosreconheceram que, nas reformas educacionais em curso no Pas, oensino secundrio representava o ponto nevrlgico da questo.Era nessa etapa de ensino que se concentravam os obstculosopostos pela escola tradicional interpenetrao das classes sociais,destinando s classes populares a escola primria, enquanto a classemdia [burguesia] servia-se da escola secundria e superior comoreduto dos [seus] interesses de classe. (AZEVEDO, 2010, p. 54)Os problemas, contudo, naquele contexto, no se limitavamqueles de carter sociolgico. Havia tambm questes de fundo, as-sociadass divergncias entre concepes de currculo. Os educado-resescolanovistas estavam convictos de que era no ensino secundrioque se levanta a controvrsia sobre o sentido de cultura geral e se peo problema relativo escolha do momento em que a matria do ensinodeve diversificar-se em ramos iniciais de especializao. (AZEVE-DO,2010, p. 54)Sobre o humanismo e suasapropriaes nas propos-tascurriculares sugerimosa leitura do artigo de RosaFtima de Souza. A reno-vaodo currculo do en-sinosecundrio no Brasil:as ltimas batalhas pelohumanismo. Currculosem fronteiras. v. 9, n.1, p.72-90, Jan/Jun 2009.Disponvel emhttp://www.curriculosem-fronteiras.org/vol9iss1arti-cles/4-souza.pdfIndicamos, da mesma au-tora,o livro Histria daorganizao do trabalhoescolar e do currculo nosculo XX. Ensino prim-rioe secundrio no Brasil.So Paulo: Cortez, 2008.Sugerimos a leitura e dis-cussodo Manifesto dosPioneiros da EducaoNova de 1932 e do Mani-festodos Educadores de1959. Disponvel na Cole-oEducadores do MEC:http://www.dominiopubli-co.gov.br/pesquisa/Deta-lheObraForm.do?select_ac-tion=&co_obra=205210 18. 17Formao de Professores do Ensino MdioEsse debate, professores e professoras, que talvez sugira certaatualidade, no se extinguiu ou foi plenamente resolvido nas dcadasde 1930 e 1940. Com o fim do Estado Novo (1937-1945) e a democra-tizao,a questo educacional manteve sua centralidade, adquirindocontornos diferenciados, materializados nos debates que possibilita-rama elaborao do projeto em 1948, que daria origem a primeira Leide Diretrizes e Bases da Educao, em 1961.Acrescentemos o quanto intelectuais envolvidos no debate dadcada de 1930, como Ansio Teixeira, mantiveram e ampliaram emtempos de maior liberdade poltica e de expresso, sua atuao, es-tandoatentos, todavia, aos novos impasses e problemas da sociedadebrasileira nas dcadas de 1950 e 1960. As cidades se expandiram eo processo de industrializao, em alguns dos seus efeitos, amplioudesigualdades entre os estados e regies brasileiras, estimulando mo-vimentosmigratrios internos. Criadas na dcada de 1930, as univer-sidades,seus projetos e cursos, incluindo-se a questo da formaode professores, eram alvo de demandas por expanso, incluso e de-mocratizao,nas dinmicas da qualificao profissional. O analfa-betismo,problema crnico, precisava ser aceleradamente combatido.Os movimentos sociais entre estudantes, sindicalistas, intelectuais,expandiram-se nas presses pelas reformas de base.A instaurao do governo autoritrio aps o golpe civil-mili-tarde 1964 alterou significativamente esse cenrio. As mudanas nocampo educacional materializaram-se, entre outras aes, numa novaLDB, a Lei n 5.692 de 1971 (BRASIL, 1971). As polticas educacio-naisps-1964 restringiram o espao destinado s Humanidades noscurrculos escolares da Educao Bsica. Novas disciplinas a Edu-caoMoral e Cvica (EMC) para o ensino fundamental, e Organiza-oSocial e Poltica Brasileira (OSPB) para o Ensino Mdio foramcriadas com objetivo de promover simplificaes em determinadoscontedos histricos, geogrficos e sociolgicos e, em muitos casos,divulgar valores patriticos em tempos de governo ditatorial e de res-trios liberdades democrticas.As reformas do perodo da redemocratizao, ps-1985, entreelas a elaborao da nova LDB, aprovada em 1996, tentaram rever-teresse quadro, extinguindo as disciplinas mencionadas, criadas noperodo da ditadura civil-militar, restringindo os efeitos indesejveisda especializao e da profissionalizao precoces, e configurando aProfessoras e professores,caso queiram entender umpouco mais sobre o debatereferente elaborao daLDB de 1961 sugerimosa consulta da Revista Bra-sileirade Estudos Pedag-gicos,publicada no ano de1960, disponvel no PortalDomnio Pblico. Paraacessar, clique no linkabaixo e escreva o nomeda Revista no campo t-tulo.http://www.dominiopublico.gov.br/Como pesquisa, interes-santecomparar as LBDsde 1961, 1971 e de 1996,no sentido de situar dife-renas,compreender asmudanas no sistema edu-cacionalbrasileiro e desta-cara importncia da atualLBD para o contexto deelaborao das DiretrizesCurriculares Nacionais,em especial as DCNEM. 19. 18Cincias Humanaspresena das Cincias Humanas, e das demais reas de conhecimento no currculo escolar da EducaoBsica, como j descrito na introduo desse Caderno.Importante demarcar o quanto a incluso da Filosofia e da Sociologia como componentes curricu-laresdas Cincias Humanas aponta como um elemento inovador, exigindo de ns, professores e gestores,respostas e possibilidades criativas, como esse curso procura fomentar.H, portanto, na atualidade, um contexto desafiador para a criao de prticas curriculares promo-torasda interdisciplinaridade nas Cincias Humanas, e dessas, com outras reas do conhecimento. Umcenrio desafiador e, arriscamos, favorvel para um passo na direo de aproximar o ensino das CinciasHumanas no Brasil daquilo que pode ser retido como legado com relao s Humanidades: a construode uma genuna integrao entre seus componentes curriculares. Ningum questionaria hoje o significadoe o alcance da disciplinarizao dos conhecimentos que compuseram as antigas Humanidades e as suasrecentes sucessoras no campo das cincias. A reflexo sobre esse processo possibilita, como procuramosproblematizar, seu reconhecimento crtico e tambm a compreenso de alguns dos critrios que informa-ramdistines e aproximaes entre conhecimentos, suas prticas, seus usos sociais.Ao admitirmos a disciplinarizao e a especializao como processos sedimentados e bem estabe-lecidos,o sonho de uma retomada da unidade, nos moldes antigos das Humanidades, torna-se um tantoimpraticvel. Talvez, o possvel de ser feito , nas belas palavras de Marjorie Garber (2001, p. 96), rei-maginaras fronteiras do que chegamos a acreditar serem as disciplinas e ter a coragem para repens-las.E nisso, convidamos vocs, professores e professoras, reflexo e ao exerccio coletivo, partilhando suasideias, saberes docentes e experincias pedaggicas.Integrar no unificar. Vencido, assim esperamos, o projeto de subordinar o Ensino Mdio aos in-teressesde uma nica classe social, fazendo da incluso com qualidade e da universalizao dos direitosobjetivos fundantes, preciso agora reimaginar as fronteiras disciplinares no de uma nica perspectivaparticular, mas das vrias perspectivas que, no mbito da Educao Bsica, cada componente curricularpode oferecer. Com essa variedade e diversidade, com imaginao e reflexo, por meio de prticascurriculares inventivas, repensam-se as fronteiras disciplinares, sem pretenses de anul-las.REFLEXO E AOCaro professor, cara professora, o texto abaixo sugere que o trabalho interdisciplinar exige o en-cargoda compreenso. Leia o texto e discuta este conceito entre seus colegas. Registre em um texto asprincipais ideias debatidas, e em seguida, identifique um contedo ou tema do seu componente curricularcom potencial para uma ao interdisciplinar.Apesar de os estudos de processos integrativos serem pequenos em nmero, os autores concordamem vrios pontos. Tomar emprestado de outra disciplina exige assumir o que Janice Lauer chamou deencargo da compreenso. necessria uma compreenso mnima do seu mapa cognitivo, incluindo osconceitos bsicos, modos de investigao, termos, categorias de observao, tcnicas de representao,padres de prova e tipos de explicao. Aprender uma disciplina a fim de pratic-la , porm, diferentede us-la para propsitos interdisciplinares. O domnio da disciplina denota conhecimento completo. O 20. 19Formao de Professores do Ensino Mdiotrabalho interdisciplinar exige adequao. Os que tomam algo emprestado no reivindicam expertise emtodas as reas. Eles identificam informaes, conceitos ou teorias, mtodos ou ferramentas relevantes paraa compreenso de um problema particular, processo ou fenmeno. Alm disso, no h nenhum Esperantointerdisciplinar. (...) A linguagem interdisciplinar normalmente evolui por meio do desenvolvimento deuma lngua de comrcio que se torna um pidgin definido em lingustica como uma lngua provisria ou um crioulo uma nova primeira lngua de uma comunidade (Klein, Julie Thompson. Humanities,culture, and interdisciplinarity: the changing American academy. Albany: State University of New YorkPress, 2005).2. Os sujeitos estudantes do Ensino Mdio e os direitos aprendizageme ao desenvolvimento humano na rea de Cincias HumanasCaro professor, cara professora do Ensino Mdio, os desafios de atender s inmeras demandasexistentes na sociedade atual, de seguir as normas das instituies escolares e de trabalhar satisfatoria-mentecom os jovens estudantes so to complexos que, muitos de ns, pensamos na incompatibilidadedessas mltiplas atividades. Num cenrio cultural que valoriza a eficincia e a destreza dos sujeitos diantede situaes corriqueiras em seus espaos de trabalho, no raro encontrarmos profissionais da educaoque procuram atuar isoladamente, sem se envolverem em projetos pedaggicos coletivos, considerandoque dessa forma no podem ser responsabilizados pelos possveis problemas de execuo ou de resulta-dosinsatisfatrios obtidos. Entra em cena a velha mxima: quando alguma situao no favorvel, logoprocuramos apontar os responsveis.Os sujeitos que recorrem s tendncias de culpabilizao as quais o Caderno II da Etapa I (BRASIL,2013) procurou superar tratam os desafios cotidianos das comunidades escolares a partir de perspectivasindividualistas, talvez idealizadas, elitistas. Esses olhares so capazes de desconsiderar os desdobramen-tosdo processo histrico ocorrido em nosso pas, que possibilitou a ampliao de vagas para estudantese profissionais da educao nas ltimas dcadas. Os espaos escolares na atualidade, distantes dos para-digmaselitistas e difusores de sua suposta eficincia nas prticas de ensino, nos desempenhos escolares,na uniformizao dos comportamentos e na harmonizao das relaes sociais, so na realidade plenos devida, contradies, desejos e potencialidades de produo de conhecimentos.Para alm das tendncias de culpabilizao, importante reconhecer que cada vez mais profissio-naisda Educao Bsica brasileira produzem experincias curriculares que incorporam a diversidadesociocultural e a pluralidade das vozes participantes dos processos pedaggicos formais.Visite a comunidade Espaos que Ensinam do Portal Ensino Mdio EMdi-logo(http://www.emdialogo.uff.br/) e se inscreva. No portal voc encontrartextos e vdeos e poder participar de dilogos sobre a escola e suas relaescom a comunidade, as demandas atuais, as atuaes de estudantes, profes-sorese funcionrios em busca da construo coletiva de espaos e temposescolares melhores para os processos educativos. 21. 20Cincias HumanasRetomando as discusses estimuladas pelo referido Caderno II (BRASIL, 2013) ao invs de elencar-mosos problemas da juventude na escola ou as mazelas relatadas pelos jovens no cotidiano escolar,vamos focalizar nossas reflexes a partir das DCNEM (BRASIL, 2012), com destaque para a centralidadedos jovens estudantes como sujeitos do processo educativo tal como proposto no Parecer n 05/2011 doConselho Nacional de Educao (BRASIL, 2011). O documento explicita a necessidade de uma reinven-oda escola no sentido de garantir o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo aformao tica e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crtico (artigo III), e oreconhecimento e aceitao da diversidade e da realidade concreta dos sujeitos do processo educativo, dasformas de produo, dos processos de trabalho e das culturas a eles subjacentes. (Artigo VII)Desde que a LDB n 9.394/96 foi sancionada, identificamos o intenso debate a respeito da rein-venodos espaos escolares. As atuais DCNEM reforam essa ideia ao destacar o protagonismo dosjovens estudantes como sujeitos do processo educativo. Ns, profissionais da educao, somos chamadosa reinventar a escola junto com nossos estudantes, ao mesmo tempo em que buscamos garantir o direito aprendizagem e ao desenvolvimento do educando por meio de sua formao tica, do desenvolvimento dasua autonomia intelectual e do seu pensamento crtico. Mas como reconhecer e aceitar a diversidade e arealidade concreta dos sujeitos do processo educativo se, em vrias ocasies, no estabelecemos dilogosabertos e democrticos com os sujeitos desse processo? Antes de reinventarmos a escola na companhiados nossos jovens estudantes, propomos algumas perguntas aos professores e professoras que so chama-dosa participar desse processo educativo:Podemos afirmar que, efetivamente, conhecemos nossos jovens estudantes do Ensino Mdio?Quando e onde eles nasceram? Com quem vivem? Como gostariam de viver? Qual o valor dafamlia e dos amigos para esses jovens?Como eles leem o mundo? A escola contribui para prticas de leitura de mundo realizadas pelosjovens estudantes? O que eles esperam dos estudos escolares?Os jovens estudantes do Ensino Mdio que frequentam o perodo diurno apresentam as mesmasdemandas daqueles que frequentam o perodo noturno? Segundo os jovens estudantes do Ensino Mdio,qual o papel dos seus professores na sociedade atual?As Cincias Humanas so valorizadas pelos jovens estudantes? Por qu? Os estudos tradicional-mentepropostos pela rea das Cincias Humanas se aproximam dos interesses e necessidades dos estu-dantesdo Ensino Mdio?Ento, para iniciarmos nossas reflexes, no queremos esgotar o rol de perguntas possveis parasaber o quanto conhecemos nossos jovens estudantes, pois cada espao escolar e grupo social tm suasespecificidades. No entanto, lembramos que nossa realizao como docentes est vinculada ao conheci-mentoque temos sobre esses sujeitos. Como indicado no Caderno II (BRASIL, 2013) da etapa anteriordesta formao, com base nos preceitos antropolgicos necessrio conhecer para compreender. Assim, 22. 21Formao de Professores do Ensino Mdioao reconhecermos as experincias, os saberes e as identidades cultu-raisde nossos estudantes, temos condies de estabelecer dilogos econstruir relacionamentos profcuos.Problematizar as relaes entre os sujeitos na contemporanei-dade,ressaltando as relaes entre os sujeitos integrantes das comu-nidadesescolares, tambm uma de nossas intenes. Vivemos sob agide de padres culturais imersos numa lgica de mercado, marcadosdesde o advento da modernidade pela valorizao do individualismo,hierarquizao de poderes e saberes, compartimentalizao dos co-nhecimentos,desconstruo de padres/valores ticos, dentre outrasquestes. Pensando nos processos educativos, os quais pressupematuaes coletivas e integradoras, o desconhecimento do outro umgrande entrave para a viabilizao dos objetivos propostos na LDB ounas DCNEM.Nesse sentido, precisamos buscar a compreenso das realida-dessocioculturais que esto presentes nas comunidades escolares paraefetivamente conhecermos nossos parceiros no desenvolvimento dosprocessos educativos, sobretudo os jovens estudantes. A escola p-blica o espao onde o dilogo, a colaborao e o comprometimentocoletivo podem potencializar os processos educativos dos sujeitos. Asprticas de ensino alheias realidade social da comunidade, o incenti-vo competitividade entre os estudantes, a ausncia de debates, de es-paosde negociao e de participao democrtica na gesto escolarapenas concorrem para o desencantamento com a instituio escolar.Valorizando-se as concepes democrticas que norteiam a le-gislaoeducacional vigente no Brasil, entendemos que possvel su-peraros fenmenos considerados promotores do mal-estar em nossasinstituies de ensino, construindo novos paradigmas de relaciona-mentocom os jovens estudantes, alm de garantir os direitos apren-dizageme ao desenvolvimento por meio dos conhecimentos traba-lhadospelos componentes curriculares da rea de Cincias Humanas.Neste sentido, os prximos itens pretendem explorar melhor ascontribuies do dilogo interdisciplinar entre os componentes cur-ricularesque formam as Cincias Humanas, visando dois processosdistintos, mas simultneos: primeiro, no que diz respeito compreen-sodos sujeitos da aprendizagem por parte dos professores e segundo,na apropriao, por parte destes sujeitos, de formas de compreensode si mesmos, das relaes de que so constitudos e constituintes, dasociedade de que fazem parte. Por fim, avanaremos, ainda que pre-Alguns trabalhos abor-damas relaes sociaisno mundo contemporneoatravs de perspectivasculturais: Sennett (1997,1998, 2000); Giddens(1991, 2002); Gay (1988,1999); Benjamin (1994,2009); Sevcenko (1998,1999); Ortiz (1991).Os subitens 1.1.4, 1.1.5.e 1.2 deste Caderno japontaram algumas ideiasrelacionadas concepode modernidade para associedades europeias oci-dentais.Os trabalhos queabordam as relaes so-ciaisno mundo contem-porneo,citados SAIBAMAIS anterior, tambmcontribuem para as refle-xessobre a modernidadeocidental e seus desdobra-mentossocioculturais. 23. 22Cincias Humanasliminarmente, na discusso de um currculo que promova a educao integral dos sujeitos envolvidos noprocesso educativo, a partir das contribuies da rea das Cincias Humanas.2.1. Contribuies das Cincias Humanas para a compreenso da relao entreJuventude e EducaoCaro professor, cara professora, as perguntas feitas na introduo desta unidade no tm respostassimples. Contudo, o conjunto dos componentes curriculares da rea de Cincias Humanas pode contribuircom chaves analticas que nos permitam compreender melhor este jovem que ingressa, permanece ou seafasta da escola. Em outras palavras, permite que encaremos de frente aquele desafio colocado na introdu-odeste Caderno, qual seja, o desejo de termos uma escola com gente de verdade.Comecemos com alguns procedimentos que particularizam as Cincias Humanas e as tornam, porassim dizer, cincias reflexivas, isto , que pensam sobre a historicidade de suas prprias prticas, sobreos sujeitos que as pensam e sobre a prpria sociedade. Estes procedimentos investigativos, os quais po-demser entendidos tambm como perspectivas de atuao, so a desnaturalizao, o estranhamento e asensibilizao.Vejamos cada uma delas.A desnaturalizao significa, justamente, o oposto daquela atitude de achar que tudo na vida na-tural,como se a realidade correspondesse exatamente s representaes que fazemos dela. Ou seja, oprocedimento da desnaturalizao consiste em interpretar e reinterpretar o mundo, construir novas expli-caespara alm daquelas mais recorrentes, usuais, rotineiras, banais ou simplistas, existentes em nossasvivncias cotidianas e no que chamamos de senso comum. No se trata simples ou exclusivamente dedesprezar explicaes consideradas simplistas, mas conceb-las como explicaes e representaes queforam construdas em algum momento, num passado remoto ou mesmo no presente, e difundidas a talVisite a comunidade Feito EMdilogo do Portal Ensino Mdio EMdilogo(http://www.emdialogo.uff.br/). Esta comunidade hospeda os contedos produ-zidose disponibilizados pelo Portal, dentre os quais destacamos as questesde interesse dos jovens como a violncia nas proximidades e nos ambientesescolares, a ausncia de novas tecnologias em sala de aula, atos preconceituo-sos,tenses nos relacionamentos sociais e o distanciamento entre professores eestudantes. Acesse a comunidade, compartilhe os contedos com seus colegasda escola e participe das discusses. importante lembrar que as Cincias Humanas, conforme dissemosna unidade 2, precisa realizar, para todos os contedos trabalhados, osprocessos investigativos ou as perspectivas que levem desnaturalizao, aoestranhamento e sensibilizao. Um exemplo disso pode ser dado quandose desnaturaliza a desigualdade social, contextualizando-a no processo deformao da sociedade brasileira, comparando-a com a realidade de pasescom baixas desigualdades e causando, dessa forma, o estranhamento. O debatesobre as formas de reverter a desigualdade pode levar sensibilizao para aatuao cidad. 24. 23Formao de Professores do Ensino Mdioponto que, para muitos, se tornam explicaes naturalizadas de como as coisas realmente funcionam.Romper com a atitude de achar tudo natural implica, portanto, em estranhar esse prprio mundo, nossocotidiano, nossas rotinas mais usuais. Assim, a perspectiva do estranhamento requer certo reencantamen-todo mundo, isto , uma atitude de voltar a admir-lo e de no ach-lo normal. Implica tambm emno nos deixarmos levar por aquilo que usualmente conhecemos como conformismo e resignao.Ou seja, sentir-se insatisfeito ou incomodado com a vida como ela nos conduz a formular perguntas,sugerir hipteses, questionar portanto os prprios fatos, tais como eles se nos apresentam. Por fim, asensibilizao pode ser entendida como a possibilidade de percepo atenta das vivncias e experinciasindividuais e coletivas, rompendo-se assim com atitudes de indiferena e incompreenso na relao como outro e com os problemas que afetam comunidades, povos e sociedades.Assim, as perspectivas da desnaturalizao, do estranhamento e da sensibilizao podem ser en-tendidascomo ferramentas cruciais para o desenvolvimento de uma postura investigativa, atitude fun-damentalpara a problematizao dos fenmenos considerados os mais triviais da realidade. Aqui, talvezrepouse o aspecto mais importante do legado das Cincias Humanas para a aprendizagem, qual seja, ode fomentar conhecimentos emancipatrios, voltados ao enfrentamento de dilemas de nossa contempora-neidade.Afinal, a pergunta sobre qual escola queremos deve ser objeto de nossa reflexo. A mencionadareinveno dos espaos escolares requer a aceitao da diversidade e da realidade concreta dos sujeitos,alm de posturas investigativas e atuantes por parte dos profissionais da educao e dos jovens estudantes.Antes de prosseguirmos com as perspectivas colocadas acima, convm desenvolver, ainda que deforma breve, algumas consideraes sobre a escola e seus sentidos possveis. Como afirma Theodor Ador-no(2003), a educao tem sentido unicamente como educao dirigida a uma auto-reflexo crtica(ADORNO, 2003, p. 121), reflexo essa que busque superar aquilo que o autor designa como tabus. Isto, representaes inconscientes ou pr-conscientes, preconceitos psicolgicos e sociais que se conservamno discurso do senso comum e que, a despeito de em grande parte perderem sua base real, sedimentam-sede forma coletiva e se convertem em foras reais que moldam a forma como enxergamos o mundo.Theodor Adorno (2003), ao posicionar-se publicamente ao longo dos anos 1960 em torno de temas rela-cionados educao, a partir da crtica que fazia aos meios de comunicao de massa e, de modo geral, indstria cultural, estava convicto de que a educao no era, necessariamente, um fator de emancipa-o.Ao contrrio, englobada como estava e ainda est , em processos de desumanizao e reificaotpicos da contemporaneidade capitalista (o que implica na naturalizao do mundo, das relaes sociaise da prpria humanidade a partir da mercantilizao da vida), poderia reproduzir o horror e a barbrie emnome da Razo ou da Modernidade. Nesse sentido, o objetivo da escola deveria ser a desbarbarizao dahumanidade, por mais restritos que pudessem ser o alcance e as possibilidades atribudas escola.Outro argumento instigante o desenvolvido por Bernard Charlot (2000) a partir das pesquisas deFranois Dubet (1994), para quem a escola, assim como a sociedade, no pode ser analisada como umsistema regido por uma lgica nica mas, ao contrrio, estruturada por vrias lgicas de ao, tais comoprocessos de socializao, subjetivao, distribuio de competncias, dentre outras. O sentido da escoladeixa de ser dado de antemo para ser, ao contrrio, construdo pelos atores, pelos sujeitos, por suas expe-rinciasindividuais e coletivas. Em outras palavras, a escola fabrica ou contribui para fabricar, atores e su- 25. 24Cincias Humanasjeitos de naturezas diferentes. As reflexes de Charlot e Dubet nos conduzem a pensar melhor a principalquesto que norteia esta unidade, qual seja, os sujeitos da aprendizagem: a experincia escolar, afirmaCharlot, a de um sujeito e uma sociologia da experincia escolar deve ser uma sociologia do sujeito.(CHARLOT, 2000, p. 38)Podemos agora, prosseguindo na argumentao de Bernard Charlot (2000), retomarmos aquelasperspectivas norteadoras das Cincias Humanas (desnaturalizao, estranhamento e sensibilizao), ob-jetivandoa construo de chaves analticas que os professores e professoras do Ensino Mdio possammobilizar para compreender a si mesmos, bem como aos estudantes, como sujeitos da aprendizagem.Estas chaves tambm podem, e devem, ser mobilizadas pelos prprios estudantes a partir dos diferentescomponentes curriculares articulados na rea de Cincias Humanas. As reflexes apresentadas acima vi-samtornar mais palpveis algumas das premissas apontadas no Parecer CNE/CEB n 05/2011 (BRASIL,2011), em sua exposio dos princpios norteadores das DCNEM (BRASIL, 2012), dentre as quais aquelaque enfatiza a necessidade de oferecer aos nossos jovens novas perspectivas culturais para que possamexpandir seus horizontes e dot-los de autonomia intelectual, assegurando-lhes o acesso ao conhecimentohistoricamente acumulado e produo coletiva de novos conhecimentos, sem perder de vista que a edu-caotambm , em grande medida, uma chave para o exerccio dos demais direitos sociais. (BRASIL,2011, p.1).Neste sentido, se partimos de premissas tais como as de que o Ensino Mdio tem como pblico osJovens de modo geral, ou se partimos de problemas sociais como fracasso escolar, evaso ou desin-teressedos jovens pela escola, ou ainda da violncia e de formas de transgresso, isto , todas aquelasreferncias apontadas no Caderno II da Etapa I (BRASIL, 2013), o que podemos fazer , antes de tudo,problematizar a historicidade e o alcance daquelas poderosas vises que constrem nossa realidade.O dilogo entre os componentes curriculares das Cincias Humanas nos fornece pistas e caminhosmetodolgicos que nos permitem pr em questo essas pr-noes. Assim, quando tomamos a juventudeou a evaso escolar como objetos, para ficarmos nestes exemplos, estamos simplesmente reproduzindoo que o senso comum, a viso comumente aceita e tida como verdade e os discursos autorizados sobre taisproblemas, enfatizam. Ou seja, a Juventude ou a Evaso Escolar so percepes de fenmenos sociaismuito complexos, percepes essas construdas num contexto de relaes sociais nas quais as disputas emtorno de seu significado no so ntidas.A princpio esta afirmao pode causar estranheza. Afinal, no parece bvio que a Juventude ou aEvaso existam? A que est o X da questo, e que tornam as Cincias Humanas to importantes parauma educao emancipadora: os objetos destas cincias so o mundo social, o mundo que nos familiar,seja no presente ou no passado. Por outro lado, os conceitos de que tais cincias se utilizam, muitas ve-zesconfundem-se com a linguagem cotidiana, expresso deste mesmo mundo que as Cincias Humanasinvestigam. Ento, como poderamos romper com o senso comum? Desnaturalizar, estranhar e sensi-bilizarimplicam, em termos prticos, em um exerccio de pr em relao aquilo que conhecemos comoevidncias empricas, inquestionveis, existentes por si ss. Uma atitude cara Sociologia, mas no exclu-sivadela, consiste em, nas palavras de Pierre Bourdieu, tomar para objeto o trabalho social de construodo objeto pr-construdo: a que est o verdadeiro ponto de ruptura. (BOURDIEU, 1998, p. 28). Assim, 26. 25Formao de Professores do Ensino Mdiotermos como Juventude ou Evaso Escolar, por exemplo, da perspectiva das Cincias Humanas, de-vemantes de tudo serem postos em relao com o contexto em que foram produzidos historicamente.Em suma, devem ser investigados enquanto noes e percepes que tm uma historicidade e um espaode produo, que variam de uma cultura para outra e mesmo no interior de uma mesma sociedade.Em outras palavras, no mbito do dilogo entre os componentes curriculares das Cincias Hu-manas, preciso levar em conta uma prtica cientfica que no se exima de pr em causa suas prpriasoperaes e seus instrumentos de pensamento, seus conceitos e teorias, como primeiro passo em busca daforma como outros instrumentos de pensamento, conceitos e teorias, muitas vezes popularizados, foramconstrudos. Essa autorreflexo , talvez, a maior contribuio que os professores e professoras do EnsinoMdio podem se apropriar para pensar os sujeitos da aprendizagem e a si prprios. Como tal, tambmum exerccio que pode ser estimulado com e pelos estudantes, potencializando o prazer pelo saber e peloconhecimento de Si e do Outro como parte de uma estratgia para a autonomia intelectual.2.2 Para que servem as Cincias Humanas?Qual professor, durante suas aulas, nunca ouviu de determinado estudante a indagao, suposta-mentedesafiadora: para que serve esta disciplina? Antes mesmo de formular uma resposta adequada, oprofessor tambm pode ter ouvido de outros estudantes: para passar no vestibular; para tirar uma boanota no ENEM; para no repetir de ano.Entre os estudantes que buscam uma utilidade prtica para as atividades desenvolvidas nas escolase os estudantes que vislumbram potencialidades socioculturais mais amplas, podemos encontrar jovensangustiados com as perspectivas do mercado de trabalho, inconformados com suas configuraes familia-res,desmotivados com o cenrio cultural e poltico de sua regio, preocupados com sua insero e aceita-onos meios sociais prximos. Infinitas questes povoam as cabeas de nossos jovens estudantes doEnsino Mdio, que alm de estarem matriculados em nossas escolas, encontram-se em uma fase da vidamarcada por processos de transio repletos de dilemas, indefinies, questionamentos e crises. Nessesentido, reafirmamos a importncia da discusso referente s identidades juvenis.Com tantas questes existenciais, os jovens estudantes valorizam os conhecimentos abordados pe-loscomponentes curriculares? Eles esto mais preocupados com seus espaos e tempos de sociabilidade eprticas coletivas ou com as, muitas vezes, repetitivas experincias curriculares?Caro professor, cara professora, temos que reconhecer, muitas vezes atuamos em salas de aula semsabermos quais so as principais demandas trazidas pelos jovens estudantes, sujeitos do processo educati-voque ainda precisam exercer, na prtica, o protagonismo nos espaos e tempos escolares.No Caderno II (BRASIL 2013) da Etapa I, a unidade 2. Jovens, culturas,identidades e tecnologias proporcionou reflexes acerca dos desafios decompreender o jovem nos cenrios socioculturais contemporneos e os ml-tiplostrajetos possveis para a existncia do tempo de juventude. 27. 26Cincias HumanasMas como os professores do Ensino Mdio podem conhecer as demandas de tantos jovens estudan-tes?H tempos e espaos escolares para tal tarefa? Bem, como j explicitado, no simples atendermoss inmeras atividades que so colocadas aos profissionais da educao. Entretanto, podemos pensar emestratgias que ampliem as leituras dos nossos estudantes em relao aos componentes da rea de CinciasHumanas, buscando aproximaes instigantes entre a realidade social e as chaves analticas que destaca-mosno item anterior.Algumas das marcas mais caractersticas de nosso tempo so as constantes, intensas e desafiadorasmudanas que atingem distintos grupos sociais concomitantemente. Entre os jovens estudantes, as novastecnologias lanadas no mercado em ritmo cada vez mais acelerado apresentam apelos consumistase simblicos capazes de alterar suas formas de leitura de mundo, prticas de convvio, comunicao,participao poltica e produo de conhecimento, interferindo efetivamente no conjunto de suas relaessociais. Diante deste cenrio de mudanas, os profissionais da educao precisam refletir sobre os projetospedaggicos em curso, reafirmando a preocupao com a plena formao para o exerccio da cidadania,fundada na incorporao dos elementos culturais como desdobramento do processo de humanizao.Considerando os procedimentos investigativos mencionados no item 2.1, podemos analisar critica-menteas potencialidades e os limites das novas tecnologias. Nossos jovens estudantes, invariavelmentemuito bem informados e, ao mesmo tempo, seduzidos pelos equipamentos, marcas, funcionalidades, in-terfaces,aplicativos e demais especificaes tcnicas disponibilizadas no mercado, podem discorrer sobreaspectos da cultura digital, que ganha fora dia aps dia.Por outro lado, para ns professores, a problematizao das novas tecnologias uma interessanteoportunidade para estabelecermos um dilogo mais prximo com nossos estudantes, conhecendo um pou-comais sobre suas vises de mundo, expectativas, dilemas, anseios.Voltando aos procedimentos investigativos do item anterior, ao trabalharmos com as perspectivasda desnaturalizao, do estranhamento e da sensibilizao, podemos compreender, bem como tornarcompreensveis aos estudantes, o impacto cotidiano das novas tecnologias de informao, desde o uso decelulares e smartphones, passando pela produo de contedos na internet, em sites e nas redes sociais,at s formas de sociabilidade produzidas historicamente por tais mediaes. Em suma, abrimos umapossibilidade metodolgica de desenvolver projetos educacionais que abordem a relao entre as novastecnologias e a sociedade, possibilitando tanto a compreenso da complexidade do mundo contempor-neo,como tambm permitindo a construo de espaos nos quais o dilogo entre saberes, fazeres e visesde mundo distintos possam contribuir para o desenvolvimento integral de todos e de cada um. Nessesentido, os projetos educacionais aproximam-se tambm de diretrizes ticas e polticas que reafirmam opapel humanizador da escola na contemporaneidade. dentro desse ambiente escolar, pautado por dire-trizesticas e polticas capazes de estimular a reavaliao das funes historicamente constitudas paraNo Caderno II da Etapa I, a unidade 2.1. Jovens em suas tecnologias digitaisabordou aspectos importantes que podem ser retomados agora. Ampliaremosa discusso na unidade 3. Trabalho, Cincia,Tecnologia e Cultura na rea deCiencias Humanas deste Caderno. 28. 27Formao de Professores do Ensino Mdioas prprias instituies escolares , que os projetos educacionais encontram e valorizam as demandas denossos jovens estudantes.Buscando atender s demandas atuais, os profissionais da escola pblica brasileira precisam consi-derara historicidade dos paradigmas clssicos constitudos pela tradio educacional para estabeleceremamplos dilogos com os paradigmas emergentes, oriundos da complexidade sociocultural contempornea.Os componentes curriculares da rea das Cincias Humanas so fundamentais para a construodessa escola pblica capaz, tanto de compreender os jovens estudantes, como torn-los compreensveisa si mesmos. Nesse sentido, estimular a imaginao sociolgica que, evidentemente, no se esgotano componente curricular da Sociologia implica compreender as relaes entre a biografia individuale o contexto histrico e social mais amplo. O desafio da anlise da sociedade tambm um exerccio deautoconhecimento. Atravs desta imaginao, o estudante compreende, problematiza e ressignifica suaprpria experincia, e a situa no mbito de permanncias e rupturas em diferentes escalas locais, regionais,nacionais e mundial. nesta perspectiva que podemos situar a sensibilizao diante de diversas temticas cotidianas,dentre as quais se destacam as questes ambientais, as polticas afirmativas de incluso, as perspectivas desuperao das diversas formas de desigualdade (socioeconmica, racial, de gnero), as formas socio-his-tricasde construo de identidades (culturais, religiosas, tnico-raciais, geogrficas, etc). Ainda, me-diantea desnaturalizao da revoluo microeletrnica, da cultura digital, dos processos de globalizao,dentre outras questes, que o jovem estudante pode tambm se apropriar de formas de conhecimento quelhe parecem, muitas vezes, inacessveis. Por fim, por meio do estranhamento do mundo, dos conheci-mentosproduzidos sobre este mundo e dos discursos que o apresentam como imutvel (a vida comoela , A realidade essa etc.) que, dialeticamente, o jovem estudante pode pr em questo a pretensaverdade dos fatos e requisitar uma atuao crtica e emancipadora.Assim, constatamos que no faltam desafios s instituies escolares, aos profissionais da educaoe aos estudantes e comunidades, para a construo de uma escola plural e diversa, comprometida noapenas com a insero qualificada no mundo do trabalho, mas especialmente nas novas configuraes erelaes sociais. Entendemos que a escola e seus processos educativos no podem ser reduzidos s media-esestritas do mercado de trabalho. Se por um lado no podemos desconsiderar a formao do sujeitopara a vida social, que inclui o mundo do trabalho, por outro lado as instituies educacionais tm funoprimordial na formao de sujeitos crticos e no tutelados, capazes de desenvolver autonomia tica eelevao esttica, e preparados para criarem e se engajarem em processos de discusso e de articulaosociopolticos solidrios, democrticos e participativos.REFLEXO E AOCaro professor, cara professora, como sugesto para o desenvolvimento de um bom trabalho e comfoco no processo de humanizao, sugerimos a realizao de um exerccio simples com os jovens. Peaque eles escrevam (ou utilizem outra forma de expresso mais atraente, como um pequeno vdeo, umateatralizao etc) quais so seus valores atuais, seus planos para o futuro, e como eles se imaginam daquia 10 anos. 29. 28Cincias HumanasAcreditamos que com este exerccio simples voc poder se surpreender com a beleza de muitossonhos, com o valor que estes jovens do a famlia e a escola. Esses dados podem ser expostos, sem iden-tificaodos autores, mas como forma de valorizar o jeito de cada um. Lembre-se que conhecer os sujeitosda aprendizagem fundamental. Poder fazer toda a diferena na conduo das nossas aulas. Nos tornarprofissionais mais prximos do que o jovem estudante tambm espera de um professor.Depois de realizar essa ao, registre as concluses por escrito e socialize no seu grupo de estudo.3. Trabalho, Cultura, Cincia e Tecnologia na rea de CinciasHumanasCaro professor, cara professora, como de seu conhecimento, as DCNEM apresentam como eixosintegradores as dimenses do trabalho, da cultura, da cincia e da tecnologia. Esses eixos buscam superaro historico conflito sobre o papel da escola: formar para a cidadania ou para o trabalho produtivo. Essasdimenses superam inclusive o peso que as reas do conhecimento tm no currculo e na formao dossujeitos. Consideramos o papel das Cincias Humanas de extrema relevncia no desenvolvimento dessasdimenses.As Cincias Humanas tm, na essncia dos seus diferentes componentes curriculares, o potencial ea responsabilidade de liderar reflexes importantes no cotidiano escolar. Essas reflexes so fundamentaispara a formao cidad e para a leitura de mundo dos jovens brasileiros.Professores, ns que atuamos no Ensino Mdio, assumimos o compromisso de trabalhar para a con-cretizaodo direito dos nossos estudantes compreenso das inter-relaes entre os fenmenos sociais eculturais, alm da prpria construo da ideia de natureza ao longo do tempo.Os fenmenos naturais, quando analisados em diversas escalas, permitem aos jovens estudantesperceberem as diferentes vises de mundo e situar-se como integrante dessa comunidade global.Alm disso, a aprendizagem dos fenmenos da natureza permite o desenvolvimento de atitudes depreservao que se concretizam sobre o local, manifestando assim, uma ao cidad.Os novos paradigmas da modernidade em contexto de mundializao ou glo-balizao,segundo Pinto (2005), apresentam uma mudana educacional, jque exigem diferentes respostas que esto distantes de um nico modelo deescola. Fazer parte de uma Comunidade Global parte da compreenso doPlaneta como nico, e ns como integrantes da mesma comunidade humana.Sugerimos para aprofundamento:PINTO, Luiz Castanheira. Educar para uma Cidadania Global? Cadernos deInDucar. Setembro, 2005, p. 1-10. Disponvel em:http://www.inducar.pt/webpage/contents/pt/cad/teoriaClassesPierreBourdieuEduca-caoNF.pdfAcesso em: 13/8/2014. 30. 29Formao de Professores do Ensino MdioO Parecer CNE/CEB n 05/2011 (BRASIL, 2011) que dispesobre as DCNEM, ao citar a Lei de Diretrizes e Bases da Educao(LDB n 9394/96), aponta o Ensino Mdio como etapa que deve pos-sibilitaraos adolescentes, jovens e adultos trabalhadores, o acesso aosconhecimentos que permitam a compreenso das diferentes formas deexplicar o mundo, seus fenmenos naturais, sua organizao social eseus processos produtivos. Nesse caso, as Cincias Humanas tm umpapel primordial, pois alm de localizar os estudantes no tempo e noespao, por meio da dimenso cultural, permite dialogar com as espe-cificidadesdos diversos grupos sociais. A tecnologia, como uma dasdimenses, auxilia tanto como mtodo de abordagem como estratgiapor tornar menores as distncias, o mundo mais conectado e a apren-dizagemmais atraente aos jovens nativos digitais.As DCNEM apontam, em uma das suas premissas, a pesquisacomo princpio pedaggico. Essa premissa demanda que ns profes-soresestejamos empenhados na escolha de estratgias de aprendizadoe organizao das aulas, focando sobretudo a forma como os nossosestudantes aprendem. Por isso, planejar estratgias de investigaoe de pesquisa ultrapassa a pura e simples dimenso do ensino paraabranger a aprendizagem significativa, duradoura e transformadora.Essas atividades desafiam nossos estudantes na busca de respostaspara questes que, provavelmente, ainda no foram realizadas. Osestudantes passam a ser ativos na construo do seu prprio conheci-mento.(BRASIL, 2012, p. 4)Essa atitude pode ter incio na caracterizao dos diferentesconceitos sobre tempo, reconhecendo os tempos histricos homo-gneo,linear, cclico, finito, infinito e mtico, entre outros os quaispermitem a percepo do ritmo e a durao temporal, bem como aaprendizagem sobre a forma como as sociedades humanas convivem ese diferenciam, ainda que coexistam no mesmo perodo de tempo. J acaracterizao sobre espao, implica em refletir sobre lugar, paisagem,territrio e natureza, que relacionadas anlise de territrio, promo-vemuma viso crtica sobre o mundo, partindo do seu lugar, menorespao apropriado pelo ser humano.Segundo Milton Santos (1978) o espao tambm social e per-mitereconhecer suas categorias analticas internas como a paisagem,a configurao territorial, a diviso territorial do trabalho. A dimensodo trabalho, portanto, imprescindvel para auxiliar tanto em estrat-giasde investigao como na anlise das transformaes locais. Nessesentido, os jovens seriam motivados por projetos que buscam fazer aConsulte as DiretrizesCurriculares Nacionaispara o Ensino Mdio DCNEM - no site doMEC. Disponvel em:http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&i-d=12663&Itemid=1152Nativos digitais - termoempregado pela primeiravez no artigo Digital Na-tives,Digital Immigrants,do escritor e designer dejogos na internet norte-a-mericanoMarc Prensky,em 2001. Esse termo ga-nhoufora porque ajudoua retratar o fenmeno dascrianas e jovens que nas-ceramna era da tecnologiadigital. Voc pode apro-fundaresse tema acessan-doo portal do MEC noendereo abaixo:http://portaldoprofes-sor.mec.gov.br/storage/mate-riais/0000012178.pdf 31. 30Cincias Humanasdiferena, seja na escola, com a criao do Grmio Estudantil, seja na comunidade, com a coleta seletivado lixo, por exemplo.Afinal, nossa interferncia cidad acontece de forma mais efetiva no nosso lugar, embora a tecnolo-gia,com destaque para as mdias sociais, amplie em muito o poder de interferncia do cidado. Podemosdizer que at amplia a categoria do lugar.As manifestaes sociais que ocorreram no pas a partir de junho de 2013 as chamadas jornadasde junho , foram exemplares do poder de mobilizao poltica dos jovens brasileiros em torno de diver-sasquestes, bem como evidenciaram o poder das redes sociais.Dessa forma, aproveitar essa energia juvenil para promover pequenas modificaes na comunidadepoder ser significativo em sua aprendizagem para a cidadania. Segundo o Parecer CNE/CEB n 5/2011,que trata sobre as DCNEM, precisamos oferecer aos estudantes novas perspectivas culturais para quepossam expandir seus horizontes, dotando-os de autonomia intelectual, assegurando-lhes o acesso ao co-nhecimentohistoricamente acumulado e produo coletiva de novos conhecimentos, sem perder de vistaque a educao tambm , em grande medida, uma chave para o exerccio dos demais direitos sociais.(BRASIL, 2011, p. 1)A Cincia como dimenso para o Ensino Mdio auxilia na compreenso da realidade, que apesar deser empiricamente observvel apreendida e atribuda de significado. A representao sobre o mundo oua natureza decorrente do que pensamos ou expressamos. Neste sentido, as Cincias Humanas possuemO Projeto de ensino e aprendizagem desenvolvido na Escola de Ensino M-dioEng Annes Gualberto de Imbituba-SC, (iniciado em 2013) em parceriacom o PIBID/UNISUL, foi intitulado pelos estudantes do Ensino Mdio Ino-vador(ProEMI) de Ao Verde. O projeto se prope a auxiliar na formaointegral dos estudantes, modificando atitudes na relao com o meio ambien-te,levando-os a refletir sobre a produo e seleo de resduos slidos, tantona escola como na sua casa. Os estudantes do ProEMI, depois de diagnosti-carhbitos dos colegas em relao ao descarte do lixo, procuraram socializaros resultados e sensibilizar a Comunidade Escolar sobre a responsabilidadede cada um na melhoria do ambiente escolar.Para implantar um projeto sobre a reciclagem de lixo na sua Escola, sugere-seo site: http://www.lixo.com.br/content/view/135/242/Segundo Fachinetto e Ribeiro (2013), refletir sobre as manifestaes sociaisna atualidade nos induz a reconstruo dos demais conflitos da sociedadecontempornea, o que nos instiga a reconstruir tais processos no mbitodestas manifestaes. Assim, continuam os autores, o entendimento de queo conflito inerente s relaes sociais e que a sociedade contemporneaest perpassada por uma multiplicidade de conflitos sociais, nos auxiliaro acompreender e refletir em sala de aula estas questes. Ver artigo em: FACHI-NETTO,Rochele Fellini. RIBEIRO, Vitor Eduardo Alessandri. Juventudes,manifestaes sociais e representaes sobre a violncia. O pblico e o pri-vado.n 21, Janeiro/Junho, 2013. Disponvel em:http://www.seer.uece.br/?journal=opublicoeoprivado&page=article&op=view&pa-th%5B%5D=585 Acesso em: 01/6/2013. 32. 31Formao de Professores do Ensino Mdioelementos conceituais para colocar em questo a leitura de mundo, por meio de dados cientificamenteinterpretveis.A realidade, interpretada pelos sujeitos, carregada de signos culturais construdos historicamente. importante criar nas nossas aulas uma fluidez de significados e apontar para a relatividade dospadres de observao. A partir da podemos aferir o quanto o emprico e o representado se revestem desubjetividades, interpretaes e sentidos diversos, construdos nas relaes sociais e em suas interfacescom o natural.Ns professores compreendemos que os saberes sociais e os conhecimentos cientficos envolvema circulao e a ressignificao, e que esses podem ser abordados nos projetos de ensino escolar parainterpretar a cultura das comunidades. Trata-se, dessa forma, de um direito do estudante compreender acultura e as suas expresses, interpretando os seus sentidos mais amplos, os processos de construo dosconhecimentos, a constituio das identidades individuais e coletivas, sua estruturao do mundo social,representaes religiosas, levando-se em conta os saberes sociais e as produes cientficas.As relaes entre indivduos nas diferentes sociedades so complexas e a sua compreenso no En-sinoMdio permite ao estudante refletir sobre as suas prticas sociais. Callai (1999), analisando a impor-tnciados grupos sociais, afirma que:[...] o grupo fundamental para a vida. No nosso cotidiano, ele permanentementevivido. Pertencemos a diversos grupos. []. nesse processo de socializao que estembutido todo o aprendizado. Portanto, os processos de socializao e aprendizagemso intermediados pelos grupos e essencial para os jovens. Da os diferentes gruposformados nas escolas e a importncia da percepo sobre essas identidades para a ga-rantiada aprendizagem. (CALLAI, 1999, p. 67)Alm disso, cabe s Cincias Humanas a discusso sobre o domnio do privado e do pblico, dis-cussoessa que extrapola os limites do Estado e alcana segmentos expressivos da sociedade civil e suasinstituies associaes comunitrias, sindicais, religiosas e as diversas mdias. Constituem espaos, porexcelncia, de controvrsia, de discusso e de cidadania, e por isso merecem ser objetos de investigaoe reflexo nas escolas do Ensino Mdio. Esse debate importante para compreender a necessidade dagarantia da livre manifestao de interesses, ideias, crenas, valores e comportamentos. Derivada destarelao podemos pensar, por exemplo, na relao entre religio e Estado e a garantia de laicidade desteltimo, justamente para garantir a liberdade de pensamento e manifestao na esfera pblica.Nesse sentido, ns professores do Ensino Mdio precisamos promover atividades formativas queproporcionem a reflexo sobre os desafios contemporneos relacionados s novas formas de convvio,tolerncia e mutualidade, identidades e orientaes sexuais, valores, crenas e manifestaes religiosas,Segundo Sirgado (2000), a funo simblica, como toda funo superior oucultural, tem sua origem numa funo natural. Portanto, os signos culturaisrefletem como as pessoas significam a sua cultura, as suas experincias, o queo rodeia. Ver mais em: SIRGADO, Angel Pino. O social e o cultural na obrade Vigotski. In.: Revista Educao e Sociedade. Ano XXI, n 71, jul./2000.Disponvel em: http://www.scielo.br/pdf/es/v21n71/a03v2171.pdf 33. 32Cincias Humanasdireitos humanos, discriminaes de gnero, cor e etnia, entre outros. Portanto, reconhecer as identidades,as diferenas e os valores de alteridade direito do estudante, que poder problematizar os fatores quecontribuem tanto para a reproduo como para a eliminao das formas de discriminao social.Outros conceitos primordiais para as Cincias Humanas so a tica e a Poltica. Para a reflexo dasquestes ticas com os jovens estudantes do Ensino Mdio faz-se necessrio relacion-las a conceitos debem e de mal, de certo e de errado, de justia e de injustia e de virtude e vcio, entre outros. Abre-se paraa possibilidade de investigao sobre as relaes polticas na comunidade qual a escola est localizada.O estudo reflexivo e interpretativo da cultura local, regional e nacional, luz das relaes entre tica epoltica, oferece oportunidade para aprofundar as relaes entre o social e o individual, o coletivo e oparticular, o pblico e o privado.Alm disso, o Estado e o Direito tambm so conceitos que norteiam o trabalho dos componentescurriculares das Cincias Humanas. Para alguns componentes curriculares esses conceitos so abordadoscom mais ou menos intensidade, mas todos os trabalham. O vis da cultura pode novamente intermediaresse conhecimento, pois a formao cidad se subsidia sobre direitos e deveres. Direito, de forma gen-rica, o conjunto de normas entendidas como intransferveis ao ser humano que devem, dentre outrasquestes, assegurar a dignidade da vida e garantir as condies necessrias para seu desenvolvimento emnvel individual e coletivo.O surgimento do Estado moderno, na cultura Ocidental, ampliou as suas funes, j que passou aatuar, alm das atividades administrativas e polticas, como regulador da vida pblica da sociedade civil,at ento sob o controle da Igreja. Nesse contexto, a liberdade de crena religiosa e de expresso de pensa-mento,a manuteno da segurana, a preservao da vida, a resistncia tirania, entre outros, passam a serapresentados como direitos fundamentais do cidado que devem ser respeitados pelo Estado. (MONDAI-NI,2009). No entanto, a disputa entre diferentes grupos para assumir e ou manter o comando do Estadodeixa, com frequncia, as instituies estatais a servio de interesses particulares. O que provoca, muitasvezes, a negao dos direitos que deveriam ser garantidos pelo Estado.Portanto, caro professor, cara professora, promover a compreenso do carter contraditrio do Esta-do,das disputas polticas que envolvem o exerccio e a sucesso do poder, os direitos e deveres inerentesa cada cidado (civis, polticos, econmicos, culturais, ambientais, entre outros), a luta constante para apromoo e a defesa da dignidade humana, dentre outras questes, implica reconhecer valores fundamen-taisda democracia. Esses constituem-se em aspectos importantes a serem desenvolvidos no cotidianoda Educao Bsica para a configurao de uma reflexo a respeito da dignidade da vida, em toda a suadiversidade.A categoria do trabalho, para ns que atuamos nas Cincias Humanas, considerado essencial paraa vida em sociedade. Entreta