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Ficha de Informação Características do conto (tem partes e regras definidas) Conto Tradicional O conto tradicional (ou popular) é uma narrativa breve, concentrada numa só situação e com um reduzido número de personagens. É de tradição oral, tem a sua origem no povo anónimo e pertence a um património universal e intemporal. Existe nos diferentes povos e culturas, desde os tempos primitivos. Tem uma função lúdica e transmite uma moralidade. O tempo e o espaço são indeterminados. Os temas são variados: a mulher (teimosa, desmazelada, gulosa, etc.); a infidelidade; a fidelidade; o engano; o homem dominado pela mulher; a superstição, a feitiçaria, a magia; a crença no destino, etc. No que respeita às personagens, encontra-se uma imensa galeria de personagens astuciosas, engenhosas, irreverentes e maliciosas, que se servem de ardis bem imaginados, de manhas e de espertezas para atingirem os seus objectivos. O Conto Tradicional: - é de autor anónimo; - o espaço e o tempo são indefinidos; - transmite-se oralmente; - possui diferentes versões; - tem um enredo simples; - é uma história curta; - apresenta (quase sempre) formas fixas iniciais (Era uma vez…) e finais (… casaram e viveram muito felizes.); - possui um número reduzido de personagens; - o herói/heroína sai sempre vitorioso; - o mais fraco (o mais novo, mais feio) é sempre recompensado; - diverte e entretém; - tem uma função didáctica. Partes do Conto: (a maioria dos contos têm três partes) 1ª – Situação inicial – o herói é maltratado, é vítima de um encanto, é ameaçado… 2ª – Percurso do herói – Tem de enfrentar um perigo, há alguém que tenta maltratá-lo, é feito prisioneiro, é enfeitiçado, é forçado a viajar para longe… 3ª Desfecho – o herói usa a magia, luta e sai vitorioso, é libertado, ressuscita, é salvo, casa, tornou-se rei, o mal é vencido e castigado, o bem é recompensado… P L A N O introdução Apresenta a personagem principal; localiza a acção no tempo e no espaço (local); prepara a acção. desenvolvimento Desenvolve o conhecimento das personagens; desenrola uma sequência de acções que, na sua totalidade, constituem a história; descreve situações e lugares.

Características do conto tradicional

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Page 1: Características do conto tradicional

Ficha de InformaçãoCaracterísticas do conto

(tem partes e regras definidas)

Conto Tradicional

O conto tradicional (ou popular) é uma narrativa breve, concentrada numa só situação e com um reduzido número de personagens.

É de tradição oral, tem a sua origem no povo anónimo e pertence a um património universal e intemporal. Existe nos diferentes povos e culturas, desde os tempos primitivos. Tem uma função lúdica e transmite uma moralidade.

O tempo e o espaço são indeterminados.Os temas são variados: a mulher (teimosa, desmazelada, gulosa, etc.); a

infidelidade; a fidelidade; o engano; o homem dominado pela mulher; a superstição, a feitiçaria, a magia; a crença no destino, etc.

No que respeita às personagens, encontra-se uma imensa galeria de personagens astuciosas, engenhosas, irreverentes e maliciosas, que se servem de ardis bem imaginados, de manhas e de espertezas para atingirem os seus objectivos.

O Conto Tradicional:- é de autor anónimo;- o espaço e o tempo são indefinidos;- transmite-se oralmente;- possui diferentes versões;- tem um enredo simples;- é uma história curta;- apresenta (quase sempre) formas fixas iniciais (Era uma vez…) e finais

(… casaram e viveram muito felizes.);- possui um número reduzido de personagens;- o herói/heroína sai sempre vitorioso;- o mais fraco (o mais novo, mais feio) é sempre recompensado;- diverte e entretém;- tem uma função didáctica.

Partes do Conto: (a maioria dos contos têm três partes)

1ª – Situação inicial – o herói é maltratado, é vítima de um encanto, é ameaçado…2ª – Percurso do herói – Tem de enfrentar um perigo, há alguém que tenta maltratá-lo,

é feito prisioneiro, é enfeitiçado, é forçado a viajar para longe…3ª Desfecho – o herói usa a magia, luta e sai vitorioso, é libertado, ressuscita, é salvo,

casa, tornou-se rei, o mal é vencido e castigado, o bem é recompensado…

PLANO

introdução Apresenta a personagem principal; localiza a acção no tempo e no espaço (local); prepara a acção.

desenvolvimentoDesenvolve o conhecimento das personagens; desenrola uma sequência de acções que, na sua totalidade, constituem a história; descreve situações e lugares.

conclusão

Marca o fim do texto, ou seja, aquilo em que vai dar o projecto inicial: pode ser um êxito e a história acaba bem, ou um fracasso e a história acaba mal. O fim pode, pois, ser anedótico, triste, sentimental, moralizador, filosófico.

Princípio e fim:- Começos do conto – “Era uma vez…”, “Naquele dia…”, “Há muito tempo…”,

“Num reino muito distante…”, “Noutros tempo…”, “Reza a história que…”, “Conta-se que…”, …

- encerramento do conto – “… e foram felizes para sempre”, “… e todos viveram felizes e contentes”, “… casaram e tiveram lindos filhos”, “… casaram e houve grandes festejos”, …

- Por vezes os contos também apresentam uma mensagem moralizante: “E assim foram todos castigados até se arrependerem e se tornarem melhores”.

Carácter Anónimo:

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Personagens- as figuras dos contos raramente têm nome próprio, sendo identificadas pela sua

profissão ou posição social;- As figuras dos contos são apenas pessoas boas ou más. Não têm grande

densidade psicológica, nem personalidades definidas ou rebuscadas;- O herói é revelado muito superficialmente, só raramente fica ferido, nunca

sucumbe à doença, raramente exprime os seus sentimentos (revela sempre frieza nas situações mais delicadas e perigosas);

- Os acontecimentos podem ser motivados por sentimentos como a raiva, ira, amor, ciúme ou inveja;

Espaço- O país dos contos: é anónimo, indefinido, caracterizado sempre de uma forma

muito abrangente e sem pormenores específicos que remetam para uma localidade concreta. Nada é dito sobre a cidade ou aldeia onde o herói mora, pelo contrário, o conto só começa raramente quando o herói deixa o seu “habitat”.

Tempo- Tempo indefinido, remetendo quase sempre para uma época, nunca para um

tempo concreto e real. Pode eventualmente sugerir informações acerca da estação do ano. O tempo é condensado, podendo muitos anos passar de uma forma bruscamente rápida, sem implicar o envelhecimento das personagens.

- Não temos tempo histórico real. As figuras dos contos nunca envelhecem.

A simbologia dos números:- Quase todas as fórmulas acontecem três vezes (três tarefas, três ajudas, algo

que não aparece três vezes, três filhos, três irmãs, três gigantes, etc…);- O número sete também é recorrente (sete desejos, sete anões, sete anos, etc…):- Os números doze e seis também são muito utilizados.

A lei dos opostos:- No conto podemos verificar grandes contrastes (novos /velhos,

grandes/pequenos, bons/maus, espertos/ tolos, seres humanos/monstros, ricos/pobres…).- Nunca há um meio termo.

Uma só dimensão:- Nos contos as pessoas sabem fazer encantamentos e os animais sabem falar.- As figuras dos contos não se surpreendem com o maravilhoso ou o fantástico.- No mesmo espaço convivem seres do ar, da terra, do fogo e da água.

Metais e minerais:- O país dos contos é fértil em pedras, pedrarias, cristais e metais.- Há casas e palácios de ouro, vidro ou diamantes.- Os cavalos, bosques, duendes e pessoas transformam-se em ouro, prata, ferro e

cobre, ou então, por castigo, em pedra.- Todos estes minerais têm um significado e desempenham um papel importante

no tratamento do conto.

Repetições:- Repetem-se versos e fórmulas mágicas (“Espelho mágico, espelho meu, há no

mundo mulher mais bela do que eu?” – em A Branca de Neve e os Sete Anões; “Quem isto ouvir e contar / Em pedra se há-de tornar” – em Pedro e Pedrito; “Quem quer casar com a Carochinha, que é rica e bonitinha” – em A Carochinha.

Herói do conto:- Personagens são figuras isoladas, solitárias, sozinhas (o filho único, o filho mais

novo, o jovem mais pobre, as bruxas, as fadas, os animais).

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Tipologia e variedade do conto tradicional

Conto:• maravilhoso;• de exemplo (conto moral);• de animais ou fabulário;• religioso;• etiológico (explica a origem do aspecto, da forma, da voz de um animal, mineral ou

vegetal ou ainda, de uma localidade ou de um acidente geográfico);• de adivinhação (implica a solução de um enigma pelo herói, como tema central);• acumulativo (sucessão de motivos encadeados; ex.: “O macaco que perdeu o rabo”,

as lengalengas);• de demónio logrado (o herói leva a melhor sobre o Diabo).• facécias (patranhas de rir e de folgar, casos cómicos);• ciclo da morte (esta intervém como personagem sempre vencedora).

Conto Tradicional

Classificação

Função

IMAGINÁRIO

COLECTIVO

Maravilhoso

CulturalDe exemplo

MoralizadoraFabulário

Religioso

LúdicaEtiológico

De adivinhação

Acumulativo

Facécia Memória colectiva

Demónio logrado

Ciclo da morte

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O Conto Popular

O Conto popular é, como qualquer conto, uma narrativa curta, cuja acção é concentrada em torno de um episódio nuclear e na qual intervém um número reduzido de personagens.

Tal como o nome indica, os nomes populares têm uma origem popular, a sua autoria é anónima e a sua ambiência permite-nos remetê-los para uma origem rural.

Embora existam várias teorias, é cada vez mais unanimemente defendido que os contos populares têm origem em mitos primitivos que se foram adaptando ao longo dos séculos.

Os contos populares fazem parte da Literatura Oral e Tradicional, pois a sua transmissão oral é que lhes deu vida durante séculos e séculos em que foram contados de geração em geração. Eles apenas existiam na memória daqueles que os aprendiam desde crianças e os contavam na colectividade, em família ou em pequenos grupos. Cada contador podia dar ao conto o seu cunho pessoal, desde que não adulterasse a história.

Mercadores e viajantes levavam os contos de umas regiões para as outras e aqueles que os receberam acabaram por os transmitir modificados, adaptados à luz da nova geografia e de factores sociológicos e culturais novos.

O interesse dos escritores pelos contos populares nasceu sobretudo a partir do momento em que Charles Perrault publicou a sua recolha de contos populares franceses, em 1697. Mas foi o século XIX que cimentou esse interesse, com os alemães irmãos Grimm a publicarem, em 1814, os contos populares que os tornaram conhecidos.Em Portugal vários nomes ficaram ligados à recolha e publicação dos contos populares portugueses. Adolfo Coelho que publicou a sua recolha de contos, em 1879, Teófilo Braga, em 1883 e Consiglieri Pedroso, em 1910. Leite de Vasconcelos e Ataíde de Oliveira publicaram, já no século XX, importantes colectâneas de contos populares.

Algumas das recolhas publicadas pelos etnólogos portugueses são muito fiéis ao original contado, pelo que se pode apreciar a musicalidade da linguagem utilizada, através da repetição de fórmulas, bem como outras marcas de oralidade, num registo marcadamente popular e, muitas vezes, povoado de regionalismos.

Diversas características do conto popular permitem a sua fixação e fácil memorização: utilizam uma estrutura muito simples, assente em etapas semelhantes de conto para conto e tudo se passa, quase sempre, entre a fórmula inicial «Era uma vez…» e o final «… e foram muito felizes para sempre».

O russo Vladimir Propp estudou os contos populares e concluiu que a sua construção é tão semelhante que as funções das personagens se resumem a 31, na totalidade dos contos. (por ex.: partida, transgressão, punição, casamento, etc.).

As personagens são planas e a sua caracterização directa é escassa. São tipos, sem nome, jovens belas, rapazes corajosos, gigantes, bruxas, madrastas, reis, príncipes e princesas, lenhadores e moleiros.

As descrições do espaço físico são inexistentes e é importante situar a acção no tempo.

Comparando muitos contos, verifica-se que há temas básicos que aparecem em contos de diferentes regiões do Mundo e, muitas vezes, num mesmo país, coexistem diversas versões do mesmo conto. Diz-se, então, que esses contos pertencem ao mesmo ciclo (por ex.: o Ciclo da Bela e o Monstro, o Ciclo da Gata Borralheira, o Ciclo da Branca de Neve, etc.).

Há ainda elementos que surgem em diversos contos do mesmo ciclo ou de ciclos diferentes. São os motivos que constituem uma pequena parcela temática do texto (por ex.: o motivo do animal-noivo, o motivo do rapto da princesa, o motivo do sapato perdido).

Apesar das suas fórmulas repetitivas, há uma tipologia temática bastante diversificada de contos populares: contos de fadas (em que intervém o maravilhoso) contos de exemplo, contos religiosos, contos etiológicos (que explicam a causa de determinados fenómenos), contos de adivinhação, facécias (mais ou menos humorísticos).

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O Conto Popular

O conto popular partilha algumas das propriedades que caracterizam o conto literário consagrado, mas constitui uma modalidade específica de discurso que só pode ser devidamente esclarecida em termos pragmáticos. Se se atentar nas tais propriedades comuns, verifica-se que em ambos os casos se trata de narrativas que põem em cena um número reduzido de personagens escassamente caracterizadas, regra geral meros suportes de uma acção bastante concentrada em torno de uma peripécia particular. Todavia, como já se assinalou, não basta referir os traços genéricos característicos do conto para se captar o particular estatuto semiótico do conto popular: torna-se imprescindível clarificar as circunstâncias que presidem à sua elaboração e reflectir sobre o seu circuito específico de transmissão.

ORIGEM E TRANSMISSÃO

A expressão conto popular comporta uma alusão explícita à fonte que se presume responsável pela produção deste sub-conjunto peculiar de textos narrativos: de facto, popular reenvia de imediato para povo, conceito relativamente ambíguo que denota, de forma difusa, um ser colectivo preferencialmente situado num espaço rural periférico, pouco permeável a contaminações da cultura urbana. Sublinha-se, assim, que o conto popular tem as suas raízes não no mundo letrado da cultura “consagrada”, oficialmente reconhecida, mas nas camadas não hegemónicas da população. Porém, é fundamentalmente a nível do circuito de comunicação e difusão que o conto popular afirma a sua especificidade. Juntamente com os provérbios, as adivinhas, as canções e os jogos de palavras, os contos populares fazem parte da literatura tradicional de transmissão oral: circulam oralmente de geração em geração, assegurando a manutenção de um património cultural que escapa à sanção dos mecanismos institucionais. […]

Relativamente à instância emissora, verifica-se também uma diferença essencial entre o conto popular e o conto literário escrito: neste último, o emissor é o escritor/autor, indivíduo empírico historicamente situado, que se pode identificar e nomear e que, em certa medida, programa e controla e controla a produção dos seus textos. É bem mais complexo o estatuto do emissor do conto popular, na medida em que estas narrativas são discursos anónimos, legitimados pela comunidade em que circulam. Na verdade, é a comunidade que se encarrega de (re)emitir um legado tradicional, como se de uma espécie de sujeito colectivo se tratasse. No momento da «performance» efectiva, este sujeito colectivo desmembra-se num conjunto indefinido de sujeitos individuais que funcionam como intérpretes pontuais da tradição. […]

Qualquer intérprete dispõe de uma certa margem de liberdade nos eu acto individual de actualização discursiva: pode introduzir inovações pontuais, ditadas pela sua imaginação criadora ou pelo próprio contexto situacional, pode reordenar parcialmente os elementos constitutivos do conto e adicionar novos elementos figurativos, mas, no essencial, o intérprete tem de submeter-se à lógica profunda dos «esquemas» prescritos pela tradição. Neste jogo dialéctico entre tradição e inovação importa sublinhar que a imperatividade da tradição limita consideravelmente o alcance da criatividade individual: as diferentes variantes dos contos populares nunca derrogam frontalmente os esquemas formais e semânticos herdados das gerações anteriores, revelando, por isso mesmo, estruturas bastante estereotipadas e repetitivas.

TRAÇOS CARACTERIZADORES

A expressão conto popular cobre um vasto conjunto de narrativas bastante diversificadas do ponto de vista temático. Essa diversidade tem suscitado várias propostas de clarificação que reflectem a existência de um número relativamente elevado de tipos de conto: contos maravilhosos ou de encadeamento, contos de exemplo, conto de animais, contos religiosos, contos etiológicos, facécias, contos de adivinhação.

Os ciclos temáticos assinalados encontram-se representados em múltiplas áreas geo-culturais, facto que levou alguns investigadores a postular uma série de fundo arquetípico universal susceptível de enquadramentos e interpretações multiformes. Não havendo uma teoria concludente e unanimemente aceite sobre a origem última (e eventualmente comum) dos contos populares, foram progressivamente adaptando a novos cenários culturais. […]

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Para além de um círculo específico de comunicação e de uma organização funcional bastante estável, o conto popular manifesta ainda certos traços característicos no que diz respeito às personagens e ao plano enunciativo. Quanto às personagens, impera a regra do anonimato: geralmente, são personagens «referenciais», no sentido em que reenviam para certos atributos e percursos culturalmente cristalizados (rei, princesa, dragão, moleiro, etc.). No plano enunciativo, é de referir a constância de fórmulas introdutórias do tipo «Era uma vez », que situam o conto num passado indefinido e permanentemente reactualizável. Esta localização temporal indeterminada, para além de assinalar uma «entrada» no mundo ficcional, permite a generalização de situações, acentuando a natureza paradigmática dos eventos narrados.

A ESTRUTURA DOS CONTOS: FUNÇÕES DAS PERSONAGENS

Analisando a estrutura do conto popular – com particular atenção ao conto russo (que de resto pertence largamente ao mesmo património indo-europeu a que pertencem os contos alemães ou os italianos) -, Propp consentiu formular três princípios: 1) «os elementos constantes e estáveis do conto são as funções das personagens, independentemente do executor e do modo de execução»; 2) «o número das funções que comparecem nos contos de magia é limitado»; 3) «a sucessão das funções é sempre idêntica».

No sistema de Propp as funções são trinta e uma e bastam, com as suas variantes e articulações internas, para descrever a forma dos contos:

1) afastamento2) interdição3) transgressão4) interrogação5) informação6) engano7) cumplicidade8) malfeitoria (ou falta)9) mediação10) consenso do herói11) partida do herói12) herói posto à prova pelo doador13) reacção do herói14) recepção do objecto mágico15) deslocação do herói16) combate entre herói e antagonista

17) o herói maçado18) vitória sobre o antagonista19) reparação da desgraça ou falta inicial20) volta do herói21) sua perseguição22) o herói salva-se23) o herói chega incógnito a casa24) pretensões do falso herói25) ao herói é imposta uma tarefa difícil26) cumprimento da tarefa27) reconhecimento do herói28) desmascaramento do falso herói ou

do antagonista29) transfiguração do herói30) punição do antagonista31) casamento do herói

Naturalmente, nem em todos os contos estão presentes todas as funções: na sucessão obrigatória verificam-se saltos, acrescentos e sínteses, que no entanto não contradizem a linha geral. Um conto tanto pode começar pela primeira função como pela sétima ou pela décima segunda, mas – se for suficientemente antigo – é difícil que dê saltos para trás, para recuperar as passagens esquecidas.A função do «afastamento», que Propp indica em primeiro lugar, pode ser cumprida por uma personagem que se afasta de casa por qualquer motivo, um príncipe que parte para a guerra, um pai que morre, um dos pais que vai para o trabalho (recomendado aos filhos – e cá está a «interdição» - que não abram a ninguém, ou que não mexam numa certa coisa), um mercador que vai fazer uma viagem de negócios, etc. Todas as «funções» podem compreender o seu contrário: a «interdição» pode ser representada por uma «ordem» positiva.

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Mas não avencemos demasiado com as nossas observações sobre as «funções» de Propp senão para sugerir, a quem o deseje, que se exercite a comparar a sua sequência com a trama de qualquer filme sobre as façanhas do Agente 007: esse alguém poderá espantar-se de encontrar um grande número delas, quase na ordem certa, tão viva e obstinadamente presente está na nossa cultura a estrutura do conto popular. E muitos livros de aventuras não apresentam marcas diferentes.

ERA UMA VEZ, NUM CERTO PAÍS…O ESPAÇO E O TEMPO IMAGINÁRIOS

«Era uma vez», «Num certo país», «Há mil anos ou mais», «No tempo em que os animais falavam», «Uma vez num velho castelo, no meio de uma grande e densa floresta» - estes intróitos sugerem que o que se vai seguir não pertence ao «agora e aqui» que conhecemos. Esta imprecisão deliberada no princípio dos contos de fadas, simboliza que estamos a deixar o mundo concreto da realidade quotidiana. Os velhos castelos, as cavernas escuras, as portas fechadas à chave onde é proibido entrar, os bosques impenetráveis sugerem todos que alguma coisa normalmente escondida virá a ser revelada, enquanto o «há muito tempo» implica que vamos lidar com acontecimentos arcaicos.

Os irmãos Grimm não poderiam ter começado a sua colecção de contos de fadas de maneira mais impressionantes do que aquela com que fazem a introdução da sua primeira história, O Rei-Sapo. Começa assim: «No tempo em que desejar ajudava muito, vivia um rei cujas filhas eram todas bonitas, mas a mais nova era tão linda que o próprio Sol, que já tinha visto tanto ficava estarrecido quando brilhava na sua face». Este começo localiza a história num tempo ímpar das histórias de fadas: no período arcaico em que, na nossa visão animista do mundo, o sol reparava em nós e reagia aos acontecimentos. A fantástica beleza da criança, a eficácia do desejo e o espanto do Sol significam a absoluta singularidade desse acontecimento. Estas são as coordenadas que colocam a história não no tempo ou espaço da realidade exterior, mas num estado de espírito - o dos jovens.

O «era uma vez» que abre os contos de fadas não é um verso de enchimento; serve antes para dizer aos auditores que vão ser conduzidos para o mundo especial dos contos de fadas em que se espera que aconteça toda a espécie de coisas próprias de contos de fadas. A frase transporta portanto o público para determinado mundo imaginário, no qual permanecerá até que o convencional «e viveram felizes para sempre» leve a história a seu termo.

OS CONTOS DE FADASMAGIA E DESCOBERTA

Com ou sem a presença de fadas, mas sempre com o maravilhoso, os argumentos do conto de fadas desenvolve-se dentro da magia féerica (reis, rainhas, príncipes, princesas, fadas, génios, bruxas, gigantes, anões, objectos mágicos, metamorfoses, tempo e espaço fora da realidade conhecida, etc.) e têm como eixo gerador uma problemática existencial. Ou melhor, têm como núcleo problemático a realização essencial do herói ou da heroína, realização que, via de regra, está visceralmente ligada à união homem-mulher.

A efabulação básica do conto de fadas expressa os obstáculos ou provas que precisam ser vencidas, como um verdadeiro ritual iniciático, para que o herói alcance a sua auto-realização existencial, seja pelo encontro do seu verdadeiro eu, seja pelo encontro da princesa, que encarna o ideal a ser alcançado.

A SIMBOLOGIA DOS CONTOS

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DA PROTECÇÃO DA FAMÍLIA À AUTO-AFIRMAÇÃO DO HERÓI

Se considerarmos o início de centenas de contos «Era uma vez um rei que tinha três filhos», «Era uma vez um rei e uma rainha que tinham ma filha», «… a rainha morreu e passado algum tempo o rei voltou a casar», o cenário familiar está pintado.

Mas a história não se preocupa com a geração mais velha, que só é relevante quando o seu comportamento afecta a geração mais nova. Os filhos têm que afastar-se dos pais, «partir para longes terras», sacudir o manto protector da identidade familiar e descobrir a sua própria identidade. O Príncipe tem de conquistar o Dragão seu pai, enganar a Bruxa sua mãe. Para poder casar com a linda princesa, terá que estar emocional e sexualmente amadurecido. Cinderela, o arquétipo da «boa menina», peça pela primeira vez quando está sob o encantamento, sob a atracção, do jovem Príncipe.

Tanto o herói como a heroína têm de fugir da segurança da família, têm que testar-se em circunstâncias adversas, para poderem encontrar-se a si próprios.

«Vemos que as características mais aparentes do conto, a sua ingenuidade, o seu encanto infantil, estão longe de justificar a sua espantosa sobrevivência […]. Mascarado de símbolos e de imagens, fala muitas vezes uma linguagem mais directa que o mito ou a fábula, por exemplo, e as crianças sabem-no instintivamente, uma vez que “acreditam” no conto na justa medida em que encontram o que mais as interessa no mundo: uma imagem identificável de si próprias, da sua família, dos seus pais.»

Para esta autora, um dos segredos do conto, e a explicação da sua permanência ao longo dos séculos, é precisamente esta focalização do conto na família humana «visa através da lente de aumentar da visão infantil, mas restringida à organização elementar que é para a criança a única com interesses».

Os contos de fadas não são apenas maravilhosas e inofensivas histórias que dão prazer aos mais novos e aos mais velhos? Ou são mais do que isso?

Os contos, nas suas formas orais, literárias, «mass-mediatizadas», permitiram a crianças e adultos conceber estratégias para se posicionarem no mundo e compreender o que os rodeia. Aprendidos na infância, os contos fornecem significados, estruturam e dão forma às figuras e aos conflitos com que a criança se confronta no seu dia-a-dia.

Os contos da fadas, ao contrário de qualquer outra forma de literatura, orientam a criança no sentido de descobrir a sua identidade e vocação e sugerem também quais as necessárias experiências para melhor desenvolver o seu carácter. Os contos de fadas insinuam que uma vida boa, compensadora, está ao alcance de todos, apesar da adversidade, desde que não nos subtraiamos a enfrentar lutas árduas, sem as quais ninguém pode conseguir verdadeira identidade. Estas histórias prometem que, se a criança tiver coragem de se embrenhar nesta terrível e esgotante demandam, poderes benevolentes virão em seu auxílio e ela vencerá. As histórias advertem também que os que são demasiado timoratos e acanhados para se arriscarem a encontrar-se a si próprios têm de se sujeitar a uma existência insípida – se lhes não for reservada sorte pior ainda.

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A PASSAGEM DA INFÂNCIA À IDADE ADULTA

O que os contos narram – ou escondem, no termo da sua metamorfose – acontecia dantes: os rapazes era separados da família e levados para a floresta (como o Pequeno Polegar, como Hansel e Gretel, como Branca de Neve…) onde os feiticeiras das tribos, vestidos de maneira a provocar o susto, com a cara tapada por máscaras horríveis (que nos fazem pensar logo em magos e bruxas…), os submetiam a provas difíceis e frequentemente mortais (todos os heróis dos contos populares as encontram no seu caminho…). Os rapazes ouviam contar os mitos da tribo e recebiam as armas (os presentes mágicos que nos contos certos doadores sobrenaturais distribuem aos heróis em perigo...) e finalmente regressam às suas casas, muitas vezes com outro nome (também o herói dos contos populares regressa às vezes incógnito…), e estavam suficientemente amadurecidos para se casarem (como nos contos, que nove vezes em cada dez se concluem com uma festa de bodas…).

Nesta estrutura do conto repete-se a estrutura do rito. É precisamente a partir desta observação que Vladimir Propp (mas não só ele) deduz a teoria de que o conto popular começou a viver como tal quando decaiu o antigo ritual, deixando de si apenas o conto. Os narradores, no decurso dos milénios, têm vindo sempre a trair a lembrança do rito e a servir cada vez mais as exigências autónomas do conto, que de boca em boca se transformou, acumulou variantes, acompanhou os povos (indo-europeus) nas suas migrações, observou os efeitos das mudanças históricas e sociais. Assim os falantes, no decorrer de poucos séculos, transformam uma língua até dar vida a uma língua nova: quantos séculos decorreram desde o latim da decadência romana até às línguas neolatinas?

Em resumo, os contos populares terão nascido por decadência do mundo sagrado para o mundo laico: tal como por decadência chegaram depois ao mundo infantil, reduzidos a brinquedos, objectos que eram eras anteriores foram objectos rituais e culturais. Por exemplo as bonecas, o pião… Mas na origem do teatro não está também um mesmo processo de passagem do sagrado ao profano?

Em torno do primitivo núcleo mágico, os contos populares captaram outros mitos dessacralizantes, contos de aventuras, lendas, historietas; ao lado das personagens mágicas, colocaram as personagens do mundo camponês (por exemplo, o espertalhão e o palerma). Criou-se um denso e complexo magma; uma amálgama de cem cores de que, no entanto, - diz Propp – o fio principal é o que descrevemos.

Uma teoria pode valer tanto como outra e talvez nenhuma esteja em condições de dar uma explicação completa dos contos populares. A de Propp tem um fascínio especial porque institui uma ligação profunda – poder-se-á dizer ao nível do «inconsciente colectivo» - entre o rapaz pré-histórico que viveu os ritos iniciáticos e a criança histórica que vive precisamente com o conto uma sua primeira iniciação ao mundo do humano. A identificação entre o pequeno ouvinte e o Pequeno Polegar da história que a mãe lhe conta, à luz dessa teoria, não tem apenas uma justificação psicológica: tem também uma muito mais profunda, radicada no próprio sangue.

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