302
Cartografias dos estudos culturais uma versão latino-americana Ana Carolina D. Escosteguy Estudos Culturais

Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

Embed Size (px)

DESCRIPTION

 

Citation preview

Page 1: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

Cartografias dos estudos culturaisuma versão latino-americana

Ana Carolina D. Escosteguy

O cenário contemporâneo,identificado como globalização,vem repor questões já clássicasnos estudos sociais, como a identi-dade cultural, ao mesmo tempoem que desafia os particularis-mos, a diversidade e a possibili-dade de convivência num mundocada vezmais entrelaçado e, para-doxalmente, mais desigual. A am-bivalência que emerge dessa reali-dade exige dos estudiosos e pes-quisadores tanto a crítica dos tra-dicionais procedimentos de análi-se como a criação de novos instru-mentos de compreensão. É dentrodesse pano de fundo que primei-ramente deve ser visto este livrode Ana Carolina D. Escosteguy.Dizendo de outro modo, ele é na-turalmente contemporâneo.

Produto de uma tese de dou-torado realizada sobre fontes ori-ginais, esta obra traz uma discus-são teórica densa e esclarecedorasobre o encontro de duas tradi-ções intelectuais – a dos estudosculturais britânicos e a dos estu-dos culturais latino-americanos. Aautora não só percorre a históriadessas duas perspectivas, o que afaz deter nas suas especificidadese identidades, bem como se detémem seus vasos comunicantes.Mas, creio que a sua grande con-tribuição está no verdadeiro tra-balho de garimpagem bibliográfi-ca que possibilita uma síntese ex-plicativa raramente oferecida an-tes ao público brasileiro e que vaida origem do projeto dos estudosculturais britânicos ao seu proces-so de internacionalização. Essa éa cartografia que dá título ao livro

www.autenticaeditora.com.br0800 2831322

EstudosCulturais

Este livro traça cartografias intelectu-ais significativas no desenvolvimento dosestudos culturais. Na Inglaterra, pólo deorigem dessa perspectiva, a trajetória deStuart Hall é explorada. Na América Lati-na, os itinerários de Jesús Martín-Barberoe Néstor García Canclini evidenciam aconfiguração dessa abordagem no espaçolatino-americano.

Esta leitura dos estudos culturais dizrespeito a nós, latino-americanos, e aeterna discussão de nossas particularida-des em relação aos Outros.

e por meio da qual são reveladostraços inéditos da contribuição la-tino-americana aos estudos cultu-rais e de comunicação. Esta é amaneira encontrada pela autorapara demonstrar que a atividadeda ciência não é imune ao trabalhoda história e, de forma original,nos traz o confronto entre o nós eo eles, o local e o internacional,marcas do cenário contemporâ-neo, para dentro dos atuais estu-dos da cultura e da comunicação.

Maria Immacolata Vassallo de Lopes

Ana Carolina D. Escosteguy édoutora em Ciências da Comunica-ção (USP, 2000), professora do Pro-grama de Pós-Graduação em Co-municação Social da Faculdade deComunicação Social (FAMECOS)da Pontifícia Universidade Católi-ca do Rio Grande do Sul (PUCRS),além de pesquisadora do CNPqnas áreas de Estudos Culturais &Comunicação, Estudos de recepçãoe relações de gênero e Teorias daComunicação.

Cartografiasdosestudosculturais–uma

versªo

latino-americana

-A

naC

arolinaD

.Escosteguy

Page 2: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

Cartografias dos estudos culturaisUma versão latino-americana

Page 3: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana
Page 4: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

Ana Carolina D. Escosteguy

Cartografias dos estudos culturaisUma versão latino-americana

Edição on-line, ampliada

Page 5: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

Copyright © 2001 Ana Carolina D. Escosteguy

COORDENADOR DA COLEÇÃO “ESTUDOS CULTURAIS”Tomaz Tadeu da Silva

CAPA

Jairo Alvarenga Fonseca(Mandala – Massa corrida sobre madeira)

EDITORAÇÃO ELETRÔNICA

Waldênia Alvarenga Santos Ataíde

REVISÃO

Erick Ramalho

AUTÊNTICA EDITORA LTDA.AUTÊNTICA EDITORA LTDA.AUTÊNTICA EDITORA LTDA.AUTÊNTICA EDITORA LTDA.AUTÊNTICA EDITORA LTDA.Rua Aimorés, 981, 8º andar. Funcionários30140-071. Belo Horizonte. MGTel.: (55 31) 3222 6819TELEVENDAS: 0800 283 13 22www.autenticaeditora.com.br

Todos os direitos reservados pela Autêntica Editora. Nenhumaparte desta publicação poderá ser reproduzida, seja por meiosmecânicos, eletrônicos, seja via cópia xerográfica, sem aautorização prévia da Editora.

Escosteguy, Ana Carolina D.

Cartografias dos estudos culturais – Uma versão latino-americana/ Ana Carolina D. Escosteguy – ed. on-line – BeloHorizonte: Autêntica, 2010.

240p. (Coleção Estudos Culturais, 8)

ISBN 85-86583-97-9

1. Estudos Culturais. 2. Antropologia.

3. Cultura-América Latina. I. Título. II Série.

CDU 316.75008(8=6)

D256e

Page 6: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

À Elisa, minha filha,que aos três meses iniciou esta jornada comigo.

Page 7: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana
Page 8: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

Agradeço à Maria Immacolata Vassalo Lopes,Francisco R. Rüdiger, Nilda Jacks, Eliana PibernatAntonini, Dóris Fagundes Haussen, Maria AméliaMascena, Cláudia Peixoto de Moura e José Eduardo Utzig,pelas variadas formas de colaboração, estímulo e afeto.

Gostaria ainda de mencionar as observações de SilviaHelena Simões Borelli, Mauro Wilton de Sousa, AntônioFlávio Pierucci e Octavio Ianni que constituíram a bancaque aprovou esta pesquisa como tese de doutoramentona Universidade de São Paulo, uma fonte valiosa deincentivo para revisar o texto original e publicar este livro.

Page 9: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

A pesquisa que deu origem a este livro recebeu apoio daCAPES (Bolsa de Doutoramento e Doutorado-sanduíche)e PUCRS (horas-pesquisa e auxílio às viagens).

Page 10: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

Sumário

Prefácio à edição on-line................................................

Introdução.........................................................................................

Estudos culturais: uma perspectiva histórica........................Uma narrativa possível ou a versão britânica......................................A construção de uma narrativa ou uma versão latino-americana......

De ideologia para hegemonia......................................................Ideologia como dominação................................................................O aporte gramsciano............................................................................

O popular como opção política...................................................Formas de engajamento intelectual.....................................................

Identidades culturais: uma discussão em andamentoIdentidade como diáspora...................................................................Identidade como descentramento.......................................................Identidade como hibridismo...............................................................

A título de conclusão.....................................................................

Notas....................................................................................................

Bibliografia........................................................................................

Apêndice

Depoimento de David Morley..........................................................Depoimento de James Curran..........................................................Depoimento de Nick Couldry.............................................

17

272745

656597

113130

145148160177

193

211

229

11

249269283

Page 11: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

10

Page 12: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

11

Cartografias dos estudos culturais – uma versão latino-america-na, em edição esgotada já há algum tempo, passa a estar disponí-vel, em acesso aberto, no formato eletrônico. Embora não fosse ofoco central da obra, ela revela, através da explanação dos seuseixos teóricos – a questão da ideologia, da hegemonia, da proble-mática do popular e das identidades, que o corpo teórico-meto-dológico associado aos estudos culturais1, configurado a partirdo final dos anos 50, na Inglaterra, passou por alguns desdobra-mentos. Portanto, das reflexões embrionárias de sua formação,em especial sustentadas por Richard Hoggart, Raymond Willia-ms e E. P. Thompson, à prática contemporânea dos estudos cul-turais da virada do século XX para XXI, época do lançamento dolivro, observam-se alterações em relação a posições teóricas, me-todológicas e até mesmo políticas.

Passados 10 anos do primeiro lançamento dessa obra, pode-sedizer que tais transformações se exacerbaram. É claro que esta nãoé uma característica exclusiva dos estudos culturais, ao contrário,estes sofrem o que Ianni2 (2003, p.331) já problematizou, identi-ficando que “o processo de globalização envolve uma ruptura deamplas proporções, abalando mais ou menos profundamente osquadros sociais e mentais de referência (...) trata[ndo-se] de umaruptura simultaneamente histórica e epistemológica”. No que dizrespeito aos estudos culturais, apenas algumas dessas mudançasforam mapeadas e circulam no meio acadêmico através de textosque tomam a própria tradição como objeto de análise3.

Logo, hoje, para fazer juz ao título de Cartografias dos estu-dos culturais, os capítulos deveriam ser reformulados, acrescen-tando-se informações novas e atualizando aquelas defasadas. Aprodução intelectual e as discussões sobre os estudos culturais,no meio acadêmico nacional, latino-americano e anglo-america-no, cresceram num ritmo galopante no último decênio4. Fenôme-no reconhecido, por exemplo, por Roberto Follari5 (2003, p. 4):

PREFÁCIO À EDIÇÃO ON-LINE

Page 13: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

12

“o peso dos estudos culturais é tal na América Latina que se fazindispensável tomar seu desenvolvimento como objeto. Isto é,chegou o momento da consciência teórica sobre o fenônemo dosestudos culturais, fruto precisamente de seu forte desenvolvimen-to”. Nas nossas fronteiras, isso foi reforçado sobretudo pela cir-culação mais ágil de bibliografia em língua inglesa, mas tambémpela tradução de obras importantes6 e, claro, pela formação depesquisadores que se vincularam a esse programa de pesquisa.

De imediato, essa expansão exponencial de produção intelec-tual demandaria o acréscimo de capítulos, a reestruturação e ampli-ação do livro. Por um lado, os eixos-teóricos se desdobrariam emobjetos de estudo, tais como a problemática da recepção, das cultu-ras juvenis, da cibercultura via contribuições do ciberfeminismo,da crítica feminista aos estudos de mídia, entre os mais prementes.De outro, as próprias trajetórias intelectuais exploradas – StuartHall, Jesús Martín-Barbero e Néstor García Canclini – deveriamser continuadas, dado que esses autores permanecem atuantes nacena intelectual. Também outros itinerários mereceriam ser incor-porados para dar conta de uma prática em circunstâncias distintas,como já mencionei, tanto no cenário latino-americano quanto an-glo-americano. Como resultado final teríamos uma nova obra. Oque se pretende com esta edição não é isso.

Creio que apesar do que foi dito, o conteúdo original dotexto ainda tem uma função ao recapitular a matéria e preparar oleitor para acompanhar com alguma propriedade essa produçãomais recente. Persistindo a finalidade didática de apresentar umaabordagem introdutória, publica-se novamente o texto sem mexerno seu conteúdo, alertando que este obrigatoriamente precisa serlido no seu respectivo contexto, a entrada no século XXI. Nessesentido, faz-se imprescindível um registro. Este diz respeito aorecorte temporal da produção bibliográfica que comparece nesseestudo. A tese que dá origem à Cartografias dos estudos culturais,foi concluída no segundo semestre de 1999, tendo sua defesa ocor-rido em março de 2000, portanto, o texto original alcança, porexemplo, apenas a publicação das reflexões de Hall até 1998.

Contudo, com o objetivo de suprir essa lacuna em termos deatualização, à moda das suítes na música, o texto original é suce-

Page 14: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

13

dido pelos depoimentos de três intelectuais – David Morley, NickCouldry e James Curran – com expressiva importância no debateinternacional sobre os estudos culturais. Tratando-se de um pro-grama de pesquisa, diverso e heterogêneo como inúmeras vezesjá foi qualificado, é indispensável analisá-lo mediante a elucidaçãode trajetórias intelectuais e suas respectivas reflexões e pesquisascomo sustentado na presente obra. Destaco que as característicasdo atual contexto histórico, bem como da presente institucionali-zação dos estudos culturais – aqui refiro-me especialmente aocontexto anglo-americano – têm diferenças do período de sua for-mação e mesmo do que foi apresentado em 2000, momento dedefesa da tese. Dado que essas transformações estão em anda-mento e, portanto, ainda não estão disponíveis em relatos maissistemáticos ou mesmo em reflexões que tenham tal propósito, aexposição de testemunhos orais de atores envolvidos nesse pro-cesso contribui para dar visibilidade a distintas experiências, ofe-recendo uma oportunidade para refletir sobre a contribuiçãocontemporânea dos estudos culturais. Com esse objetivo, as en-trevistas, realizadas por mim, em fevereiro de 2007, com o apoiodo CNPq, versam sobre a história dos estudos culturais e o res-pectivo lugar ocupado nela pelo entrevistado, bem como de queforma sua produção intelectual contribui para a reconfiguração eatualização dos mesmos. Assim, abre-se uma possibilidade paraque o leitor pense como um programa de pesquisa pode ser re-construído7, a fim de melhor atingir a meta que a própria teoria sefixou no momento de sua origem.

Ressalto que David Morley e Nick Couldry se destacam naconstituição atual desta área de estudos, atuando no GoldsmithsCollege da Universidade de Londres, tanto em nível de graduaçãoquanto de pós-graduação. No entanto, podem ser identificados comode gerações distintas na configuração dos estudos culturais. DavidMorley faz parte do que se convencionou chamar de segunda gera-ção de estudos culturais8. Participou do coletivo de pesquisadoresdo Centro, no início dos anos 70, momento em que a Escola deBirmingham se consolida. O encontro de Nick Couldry com osestudos culturais somente ocorreu no limiar dos 90 quando estes játinham se internacionalizado e estavam institucionalizados, na

Page 15: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

14

Grã-Bretanha. Esta diferença geracional abarca singularidades de-correntes das respectivas formações. O primeiro, no próprio CCCSe o outro, fora daí, no Goldsmiths College. Isto é, ambos vivenciamsituações históricas bastante distintas – o momento de efervescên-cia do CCCS e a consolidação dos estudos culturais na academia.Decorre, também, daí a possibilidade de observar um forte reco-nhecimento, em nível internacional, do primeiro com os estudosculturais e um vínculo mais fraco, no caso do segundo. Em relaçãoao terceiro pesquisador que também está vinculado ao GoldsmithsCollege, trata-se de um dos porta-vozes, no contexto britânico, dascríticas aos estudos culturais. Situando-se mais próximo dos estu-dos de economia política da comunicação, tradição extremamenteforte naquele ambiente acadêmico, o propósito é que ele reavalie osembates gerados entre essas duas forças teórico-metodológicas,confronto que teve escasso realce entre nós.

De resto, considero oportuno trazer à baila pelo menos duasdas críticas que, embora não tenham sido lançadas em referênciadireta ao trabalho em questão, circulam no nosso contexto acadê-mico. Uma delas diz respeito às resistências vigentes em aderir aouso do termo estudos culturais latino-americanos e a sua associaçãoà intelectuais como Martín-Barbero e García Canclini. De um lado,nega-se a utilização da terminologia, dando-se preferência, por exem-plo, a estudos de cultura na América Latina ou estudos sobre co-municação e cultura9 ou ainda estudos de cultura e poder10.

O que parece estar implicado é que tal enquadramento teó-rico não sofre influências de repertórios teóricos surgidos em outraslatitudes. E que, no caso específico, não têm afinidades com aproposta dos estudos culturais. É claro que os estudos sobre cultu-ra são bem anteriores a essa proposição, mas também é verdadei-ro que os estudos culturais imprimiram uma determinada formade estudá-la e construíram uma diferenciação11. De outro lado,evoca-se a própria resistência, por exemplo, dos autores citados,na sua auto-identificação com esse campo, omitindo-se que emdeterminados momentos tal associação é aceita, reconhecida e atémesmo bem-acolhida12.

Tendo assumido como ponto de vista o que chamo de narra-tiva dominante sobre os estudos culturais, a partir desse marco,

Page 16: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

15

considerei que era possível esboçar um mapa mínimo sobre osestudos culturais onde se destacava, além do que já foi menciona-do, uma possível vinculação entre a vertente britânica de estudosculturais e a emergência de uma perspectiva latino-americana deanálise cultural, associada fundamentalmente aos itinerários inte-lectuais de Jesús Martín-Barbero e Néstor García Canclini. Foi,sumária e pretenciosamente, isso que tentei cartografar, dado queuma cartografia dos estudos culturais era impossível, devido àamplitude do tema, e que meu interesse também era pensar: comoalgo denominado como um “marco teórico latino-americano” ti-nha sido configurado? Isso existia? Em que condições ele tinhasido constituído? Quem eram seus formuladores?

O ponto de convergência entre esses autores e os estudos cultu-rais britânicos se deu através da discussão sobre o uso do aportegramsciano em torno da hegemonia o que significa dizer que a cul-tura devia ser estudada mediante as relações de poder que constituíae expressava. E que, na comunicação, implicava em pensar, comodiz Martín-Barbero13 (2002, p. 224), que “a inscrição da comunica-ção na cultura deixou de ser mero assunto cultural, pois é tanto aeconomia como a política as que estão comprometidas com o que aíse produz”. A partir dessa posição é que foram se alinhavando outrospontos de encontro que tanto podiam ser recuperados retrospectiva-mente como para além dessa convergência teórica. Essa aproximaçãorevela a existência de uma espécie de vasos comunicantes entre umaprodução latino-americana e outra, em especial a britânica. Contudo,a escolha da trajetória de Stuart Hall se deve não a interlocução propri-amente dita entre os autores em foco na pesquisa, mas pela expressãode Hall no direcionamento do Centro de Estudos Culturais Contem-porâneos para especificamente a centralidade do tema da mídia, objetocentral na proposta de Cartografias dos estudos culturais.

Uma outra crítica que circula, sobretudo, entre simpatizan-tes dos estudos culturais, trata do “eterno retorno” às contribui-ções de intelectuais que configuraram a formação dos estudosculturais como se somente esses fossem as vozes autorizadas afalar em nome dos estudos culturais. Em outros termos, é a acusa-ção da volta “patriarcal” à herança da Escola de Birmingham comose estivesse aí a essência dos estudos culturais14.

Page 17: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

16

Como parto do pressuposto que, no nosso meio, muito se falaem estudos culturais, mas pouco se conhece sobre eles - não só sobresua história, mas também sobre a reflexão que constituiu essa área deestudos, assim como ainda se confunde os estudos culturais britâni-cos com os norte-americanos, desconsiderando suas diferenças, con-sidero fundamental um retorno aos “clássicos” simplesmente paraarmar um ponto de vista mais historicizado. Isto não concede auto-ridade apenas aos autores consagrados ou à uma determinada narra-tiva sobre os estudos culturais, nem muito menos desmerece o trabalhode autores contemporâneos e de outras versões de estudos culturais.Reivindica, apenas, a formação de um ponto de vista histórico, vin-culada sim a uma determinada versão de estudos culturais.

Esta contempla o entendimento de uma prática em estudosculturais que foca na tensão entre a capacidade criativa e produtivado sujeito e o peso das determinações estruturais como dimensãosubstantiva na limitação de tal capacidade. Em outros termos, a questãoé como falar das estruturas constituindo os sujeitos, sem perder devista a experiência desses mesmos sujeitos; manter na análise tanto opeso objetivo das instituições, revelado nos seus produtos, quanto acapacidade subjetiva dos atores sociais. Dentro desse marco, tor-nam-se visíveis intersecções entre três temas-chave: o sujeito e suaação num determinado marco histórico; o reconhecimento de pro-cessos de exclusão, diferenciação e dominação como historicamenteconstruídos e não, naturais e/ou tanshistóricos; e a compreensão daesfera cultural e dentro dessa, a comunicação, através da relaçãoentre produtores, produtos e receptores. modo, o objeto de análisedos estudos culturais, como nos diz Santiago Castro-Gómez15, é com-posto pelos “dispositivos a partir dos quais se produz, distribui econsome toda uma série de imaginários que motivam a ação (políti-ca, econômica, científica, social) do homem em tempos de globali-zação. Ao mesmo tempo, os estudos culturais privilegiam o modoem que os próprios atores sociais se apropriam desses imaginários eos integram a formas locais de conhecimento”.

Enfim, cabe ao leitor julgar o mérito tanto das críticas quan-to da apresentação da matéria.

Ana Carolina D. EscosteguyVerão de 2010

Page 18: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

17

Não creio que seja possível elaborar, neste momento, ummapa exaustivo e detalhado do que poderia ser chamado aproxi-mativamente de uma cartografia dos estudos culturais.1 Váriosmotivos poderiam ser arrolados para mostrar as dificuldades decobrir tal objeto. Porém, o primeiro obstáculo esbarra na própriaamplitude teórica do fenômeno. Além disso, existem diversos mo-vimentos de apropriação da perspectiva dos estudos culturais, paranão mencionar a anfibiedade das definições que circulam sobreos mesmos e, também, a existência de uma extensa bibliografia,sobretudo em língua inglesa, sobre o tema.

Em contraposição, não se dispõe de trabalhos preliminaresque recolham e organizem informações sobre a emergência dosestudos culturais no território latino-americano. Uma das exce-ções é o artigo de Fabio López de la Roche (1998) que analisaalgumas contribuições, produzidas a partir do campo de estudodas relações entre comunicação e cultura, de autores latino-ameri-canos, sinalizando a existência de uma investigação cultural inter-disciplinar que poderia ser identificada com uma tradiçãolatino-americana de estudos culturais.

Acrescenta-se, ainda, outro problema: a pouca difusão naAmérica Latina de bibliografia que trate dos estudos culturais,independentemente do contexto geográfico onde sejam pratica-dos. São escassas, para não dizer quase inexistentes, as traduções– tanto em português quanto em espanhol – de textos importantessobre a configuração dos estudos culturais, seja do ponto de vistahistórico, seja de sua composição contemporânea.

Daí a opção de traçar cartografias intelectuais que possamser vistas como significativas no desenvolvimento dos estudosculturais. Na Inglaterra, pólo de origem dessa perspectiva, atrajetória de Stuart Hall é explorada. Na América Latina, ositinerários de Jesús Martín-Barbero e Néstor García Canclini

INTRODUÇÃO

Page 19: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

18

servem para evidenciar a configuração dessa abordagem no es-paço latino-americano.

Dessa forma, a leitura proposta sobre os estudos culturais esua apropriação na América Latina é uma construção nossa, sen-do que o grifo no pronome implica um duplo registro. Em pri-meiro lugar, é uma arquitetura decorrente de um percurso e umposicionamento particular desta autora e, por isso, incompleto eparcial, como será adiante justificado. A outra via diz respeito anós, latino-americanos, e a eterna discussão de nossas particulari-dades em relação aos Outros.

Em relação ao último aspecto, parece oportuno formularalgumas perguntas, mesmo sabendo de antemão que não serãototalmente respondidas: o que têm os nossos estudos culturais desingular em relação ao mais amplo movimento desse corpoteórico-político-acadêmico? Que desconstruções e reconstruçõesefetuamos sobre o empreendimento intelectual dos estudos cul-turais para iluminar nossa própria realidade? No presente traba-lho, essas questões sinalizam uma problemática, e não a exigênciade uma solução.

Neste momento, vale recordar, apenas, que a América Lati-na abarca heterogeneidades culturais, pluralidades étnicas, diver-sidades econômicas, experiências diferentes e desigualdadesestruturais. Logo, falar de América Latina representa uma cons-trução incompleta que é um projeto a realizar, pois é uma tentati-va de uniformizar essas diversidades (ARICÓ, 1988). Portanto, areferência à América Latina e ao latino-americano, neste livro,não desconhece essa dimensão do problema e que “enquanto pro-jeto incompleto, ele está sempre na linha de nosso horizonte e nosincita a indagar sobre o nosso destino, sobre o que somos ou quequeremos ser”(ARICÓ, 1988, p. 29).

Mesmo assim, presume-se que se existe algo denominadoestudos culturais latino-americanos, estes, ou melhor, seus prati-cantes, não parecem dispostos a submergir sua identidade nesseamplo movimento, essencialmente, anglo-americano. Daí a neces-sidade de compreender essa relação entre uns e outros como “detradução”: ou seja, a análise latino-americana pode ser lida tantocomo um exemplo da perspectiva dos estudos culturais quanto como

Page 20: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

19

uma exemplificação que retém tudo que é distintivo a seu respeito.Adotando essa posição, ambas as perspectivas – o programa dosestudos culturais e a investigação cultural latino-americana –, em-bora partilhem um mesmo objeto, isto é, a relação comunicação ecultura, e uma certa afinidade teórica, preservam suas diferenças eoriginalidades.2 Portanto, a idéia de tradução, utilizada aqui, nãoendossa o princípio de existência de um original – no caso, a pro-posta dos estudos culturais britânicos – e sua tradução, entendidacomo mera aplicação de tal proposta em outros territórios.

Os estudos culturais compõem, hoje, uma tendência impor-tante da crítica cultural que questiona o estabelecimento de hie-rarquias entre formas e práticas culturais, estabelecidas a partir deoposições como cultura “alta” ou “superior” e “baixa” ou “inferior”.Adotada essa premissa, a investigação da “cultura popular” que assu-me uma postura crítica em relação àquela definição hierárquicade cultura, na contemporaneidade, suscita o remapeamento glo-bal do campo cultural, das práticas da vida cotidiana aos produtosculturais, incluindo, é claro, os processos sociais de toda produ-ção cultural.

Na América Latina, uma reflexão crítica começou a emer-gir, principalmente, na década de 80, tendo como eixo central asnovas configurações da cultura popular a partir da emergênciadas indústrias culturais. Dentre as contribuições mais importantese originais no repensar dessa problemática, revelando a existênciade empréstimos e negociações entre a cultura considerada “legíti-ma” e aquelas formas culturais cotidianas tidas como “insignifican-tes”, dentro do âmbito latino-americano, estão as reflexões de JesúsMartín-Barbero e de Néstor García Canclini. Por essa razão, estetrabalho se detém na análise da contribuição desses autores.

Porém, tais formulações latino-americanas não podem serencaradas como um movimento isolado do restante do pensamen-to social, ilhadas das idéias em circulação e dos debates atuais.Daí uma das razões para abordá-las em relação com aquela refle-xão que legitimou a “outra” cultura – a comum e ordinária, poisambas as vertentes coincidem nesse pressuposto. Convergem,também, na afirmação de relações entre cultura e poder e seucaráter essencialmente conflitivo, assim como na atenção sobre

Page 21: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

20

a cultura mediática e seu envolvimento em processos de resis-tência e reprodução social. De forma mais genérica, reconhe-cem o papel constitutivo da cultura e das representações nasrelações sociais.

A presença dessas articulações na análise cultural propostapelos autores latino-americanos citados e pelos estudos culturais,e suas implicações em ver a esfera cultural como um terreno ondepolítica, poder e dominação são mediados, propicia a este estudoestabelecer e explorar intersecções, assim como diversidades en-tre os estudos culturais e a reflexão latino-americana em foco.

Entretanto, como os estudos culturais compõem um vasto,fragmentado e inter/trans ou antidisciplinar – conforme o pontode vista que seja assumido – campo de estudo, o recorte, aborda-do pelo meu trabalho, trata especialmente das análises que abor-dam as relações entre comunicação e cultura.

Na tentativa de construir uma abordagem que extrapolasse areconstituição histórico-descritiva das trajetórias britânica e latino-americana, escolhi determinadas temáticas teóricas – eixos-nodais– que fazem a conexão entre os estudos culturais e o pensamentolatino-americano em foco e que marcam o percurso teórico deambas perspectivas. Ao mesmo tempo, constituem-se em ques-tões centrais que vão sinalizando rupturas e desdobrando-se emrotas abertas para a continuidade da reflexão.

Esses eixos teóricos são: as relações entre cultura e ideolo-gia; a opção pela análise da cultura popular; e a construção deidentidades culturais contemporâneas mediadas, intensamente,pelos meios de comunicação. Como eixos-nodais, permitem queoutras questões a eles relacionados sejam também abordadas. Entreelas: o conceito de hegemonia, o papel do intelectual na esfera dacultura e a problemática da recepção. Reconheço, contudo, queao destacar e recuperar apenas esses questionamentos, estou omi-tindo ou subvalorizando outros. Apesar de adotar esse procedi-mento de seleção de aspectos de uma obra, espero não trair opensamento dos autores aqui em destaque.

Seguindo as orientações recém delineadas, este trabalho consis-te, em primeiro lugar, em propor uma articulação entre os autores

Page 22: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

21

latino-americanos citados e os estudos culturais, sobretudo na suavertente britânica. Do ponto de vista dos estudos culturais britâ-nicos, o trabalho de Stuart Hall vai servir como fonte maior destaexploração na medida em que é, indubitavelmente, uma figuracentral no desenvolvimento da versão dominante dos mesmos.Isso não quer dizer que outros autores e trabalhos não sejam in-corporados nessa articulação entre os latino-americanos e o cam-po dos estudos culturais. Ao contrário, a tentativa é compor umanarrativa, na medida do possível – diante da vasta bibliografiaexistente em língua inglesa – mais plural, diversa e polifônica, nãocentrada exclusivamente na versão britânica.3

Ao construir o trajeto sobre o tratamento das temáticas ante-riormente citadas, observa-se como alguns dos praticantes, tantoda perspectiva latino-americana quanto da anglo-saxônica, com-preendem-nas e desenvolvem-nas. Porém, nunca com o propósi-to de aplicar os termos próprios, sobretudo da vertente britânicaenquanto pólo gerador desse projeto, ao contexto latino-ameri-cano. Mesmo porque a prática dos estudos culturais alcança suapropriedade dentro de condições históricas específicas – entreelas a localização nacional e geográfica (GROSSBERG, NELSON E

TREICHLER, 1992; MORRIS, 1992). Contudo, não conta apenas adiferença de contextos dentro dos quais os argumentos se engen-dram, mas existe, também, um grau de especificidade cultural naprópria teoria (TURNER, 1993b).

Outra consideração decorrente da escolha dos autores emfoco neste livro diz respeito ao reconhecimento de que são vozesposicionadas geograficamente em lugares distintos. Ou seja, emtermos talvez não muito apropriados para a época vigente, masque ainda guardam uma certa potencialidade, são posições situa-das no “centro” e na “periferia”. Mesmo que esteja em curso odebilitamento de uma noção de centro que tem sua capacidadeexplicativa fragilizada e a concentração de poder um pouco maisdispersa, percebe-se ainda a exclusão de experiências e saberes“periféricos” daquele identificado como “centro”.

De qualquer modo, o propósito não é reavivar esse confron-to esquemático, mas localizar-se num outro ponto fora dessa opo-sição binária. Nessa direção, os três autores estudados como eixo

Page 23: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

22

central deste livro experimentam todos um deslocamento seme-lhante. Partindo cada um de posições particulares, encontram-se, como disse Martín-Barbero (1987a, p. 229) a respeito de suabusca pessoal por um novo mapa para explorar o campo culturalcontemporâneo, assumindo “as margens não como tema, mascomo enzima”.

Apesar da discussão proposta concentrar-se nesta tríade deautores – Stuart Hall, Jesús Martín-Barbero e Néstor García Can-clini –, não é de forma alguma minha intenção localizar os estu-dos culturais em “textos canônicos” ou elevar a obra de cada umdesses autores a um estatuto canônico. Sobretudo porque é justa-mente contra a oposição entre o cânone e seu outro, a culturapopular, que os estudos culturais vicejaram.

Nesse contexto geral, embora reconheça uma singularidadena reflexão latino-americana, representada, aqui, por Martín-Bar-bero e García Canclini,4 isso não pode ser motivo para assumi-lasem questionamento, deixando de ser objeto de crítica. Logo,pretende-se tanto recuperar e reconstituir alguns procedimentosao longo dessa trajetória quanto, também, discuti-los sistematica-mente, mediante uma leitura crítica e reflexiva, no sentido de verpara onde apontam, que via descortinam para prosseguir o estudoem torno das vinculações entre cultura e comunicação. Esse é,também, o norte da crítica ao atual desenvolvimento dos estudosculturais como um todo.

Delimitados os contornos da temática deste trabalho, é im-perativo esclarecer a partir de que lugar esta análise de um deter-minado aporte teórico-metodológico se realiza, ou seja, explicitaro lugar de enunciação que o analista privilegia para operacionali-zar essa leitura. Proponho, então, situar-me genericamente den-tro dos estudos de comunicação e cultura, denominação correntena América Latina.

Porém, é mais preciso dizer que o ponto de partida se esta-belece mediante a vinculação dos estudos culturais e a comunica-ção5. Isso significa que a investigação da cultura mediática,incluindo tanto os meios, os produtos e as práticas culturais – ouseja, refere-se tanto à natureza e à forma dos produtos simbólicosquanto ao circuito de produção, distribuição e consumo – está

Page 24: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

23

inserida numa concepção mais abrangente de sociedade vista comoo terreno contraditório de dominação e resistência onde a culturatanto se engaja na reprodução das relações sociais quanto na aber-tura de possíveis espaços para a mudança.

Sinteticamente, pode-se dizer, ainda, que essa investigaçãoestá integrada a um contexto maior demarcado por uma teoriasocial crítica que insere essas análises da cultura e comunicaçãono âmbito do estudo da sociedade capitalista. Conseqüentemente,tenta analisar tanto as formas pelas quais cultura e comunicaçãosão produzidas dentro desse ordenamento quanto os papéis e fun-ções que exercem na sociedade, entendida enquanto um conjuntode relações sociais hierarquizadas e antagônicas.

Vale a pena citar que, por exemplo, Douglas Kellner (1995a,1995b, 1997a, 1997b) reivindica superar a bifurcação entre estu-dos culturais versus estudos de comunicação, propondo a denomi-nação “estudos culturais dos meios de comunicação”. Sua propostaimplica uma prática crítica, multicultural e que abranja múltiplasperspectivas ou dimensões: a produção e a economia-política dacultura, análise textual e crítica e, por fim, o estudo de recepção deaudiência e usos dos produtos dos meios de comunicação.

Em contraste, o argumento de Grossberg (1994) trata essetipo de perspectiva ou, segundo seus termos, os “estudos cultu-rais comunicacionais” como uma redução do projeto dos estudosculturais. Isso porque os “estudos culturais comunicacionais” en-campam uma aproximação tripartite – produção, texto e consumo– da comunicação, transformando-a num modelo geral de análiseque reproduz o modelo linear de comunicação: emissor, mensa-gem, receptor. Na verdade, tais estudos não conseguem situar prá-ticas culturais específicas dentro de seus contextos, complexamentedeterminados e determinantes (GROSSBERG, 1994, p. 335).

Daí minha preferência pelo termo estudos culturais ao invésde estudos de comunicação e cultura. Pois os últimos necessitamda moldura teórica recém descrita de inserção numa teoria socialcrítica. E os primeiros, no caso particular deste estudo, apenasuma ênfase num determinado objeto de estudo – a comunicação.Quando observado esse último aspecto, os estudos culturais podemser incluídos nos estudos críticos de comunicação, inaugurados nos

Page 25: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

24

anos 30 pela Escola de Frankfurt, embora entre ambas as aproxi-mações haja, também, profundas diferenças.

Finalmente, gostaria de ressaltar que este livro, pauta-se por,mediante escrutínio de determinadas posições, apontar algumascríticas e pistas, contribuindo para o debate sobre os estudos cul-turais contemporâneos e sua divulgação no nosso meio acadêmi-co. O texto publicado, aqui, toma como ponto de partida a tesede doutoramento apresentada na Escola de Comunicações e Artesda Universidade de São Paulo, em março de 2000, mas é umaversão modificada e resumida daquela pesquisa.

Assim, apresenta-se no primeiro capítulo um ponto de vistahistórico sobre as origens e constituição dos estudos culturais, de-marcando o contexto britânico como a base dessa experiência. Areconstituição dessas origens é tratada como pano de fundo parasituar a discussão central do livro. Diante das múltiplas versões hojedisponíveis sobre o início do projeto dos estudos culturais, que dãorelevância ora para a constituição de um objeto de estudo próprio(JOHNSON, 1996), ora para uma situação histórica específica(SCHWARZ, 1994), aqui resgato aquela que trata da história das idéi-as, indicando o trio fundador – Hoggart, Williams e Thompson –e suas obras. Isso não significa desconsiderar nem desconhecer oaspecto problemático da indicação das origens dos estudos cultu-rais, mas reconhecer que o debate em torno de suas origens é deimportância periférica no contexto maior da minha pesquisa.

A partir deste momento é obrigatório um esclarecimento emrelação ao próprio termo “estudos culturais”. Os textos anglo-ame-ricanos na sua grande maioria utilizam cultural studies, com minús-culas e sem nenhum grifo em especial, para referir-se a tal campode estudos. Por essa razão, também conservo as minúsculas.

No caso latino-americano, dada a ausência de relatos conso-lidados sobre a formação dos estudos culturais, opto por construiruma narrativa que privilegia a constituição dessa perspectiva nasintersecções com o campo da comunicação. Portanto, registro umcenário panorâmico e parcial, sobretudo pela seleção de um enfo-que específico e a brevidade de sua história.

Contudo, esse mapa provisório foi construído com o objeti-vo de localizar a contribuição teórico-metodológica e, assim, ser

Page 26: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

25

analisada num determinado ambiente. Deste modo, a obra indivi-dual estabelece vínculos com um contexto sócio-histórico e teóri-co-acadêmico, mas o autor e seu texto não são explicados peloscontextos que o envolvem.

A partir do segundo capítulo é desenvolvida a análise doseixos temáticos, considerados marcos centrais no debate teóricodos estudos culturais. Assim, demarca-se a discussão sobre ideo-logia e hegemonia, sobre cultura popular numa época em que osmeios de comunicação impregnam o meio social e, finalmente,sobre a problemática da construção das diversas identidades cul-turais que caracterizam os grupos sociais contemporâneos. Cadauma das seções concentra-se na recuperação de tais temáticas nasformulações dos três autores selecionados como fundamentais naconstituição da perspectiva dos estudos culturais, seja no conti-nente europeu, seja na América Latina.

Reitero que todas essas questões são construídas de acordocom o posicionamento deste pesquisador, que se localiza no cam-po de investigação da comunicação, ou melhor, no espaço de co-nexão que se estabelece entre os estudos culturais e a comunicação.6A estratégia adotada é aproximar-se do objeto de estudo já deline-ado a partir de um ponto de vista que pretende compreender asrelações entre cultura e sociedade, reivindicando uma abordagemcrítica como indispensável para uma visão mais compreensiva daexperiência cultural contemporânea.

Na obrigatoriedade de consultar e trabalhar com bibliografiaem inglês e espanhol, gostaria de registrar que tive grande cuida-do com as traduções, mantendo-me sempre alerta e receosa denão ser suficientemente rigorosa nessas transposições. Mesmotendo sempre como meta ser fiel ao texto e, por sua vez, ao autor,proponho em inúmeros casos traduções aproximadas para termosque não têm equivalentes em português.7

Page 27: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

26

Page 28: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

27

UMA NARRATIVA POSSÍVEL OU A VERSÃO BRITÂNICA

As primeiras manifestações dos estudos culturais têm ori-gem na Inglaterra, no final dos anos 50, especialmente em tornodo trabalho de Richard Hoggart, Raymond Williams e EdwardPalmer Thompson. Esta afirmação é lugar-comum em muitas dasreconstituições das origens deste campo de estudo. De outro lado,tem-se tornado também motivo gerador de debates, discussões econtendas, sobretudo, nos últimos tempos.

O campo dos estudos culturais surge, de forma organizada,através do Centre for Contemporary Cultural Studies (CCCS), di-ante da alteração dos valores tradicionais da classe operária da In-glaterra do pós-guerra. Inspirado na sua pesquisa, The Uses of Literacy(1957), Richard Hoggart funda em 1964 o Centro. Este surgeligado ao English Department da Universidade de Birmingham,constituindo-se num centro de pesquisa de pós-graduação destamesma instituição. As relações entre a cultura contemporânea e asociedade, isto é, suas formas culturais, instituições e práticas cul-turais, assim como suas relações com a sociedade e as mudançassociais, vão compor o eixo principal de observação do CCCS.

Três textos que surgiram nos final dos anos 50 são identifica-dos como a base dos estudos culturais:1 Richard Hoggart comThe Uses of Literacy (1957), Raymond Williams com Culture andSociety (1958) e E. P. Thompson com The Making of the EnglishWorking-class (1963). O primeiro é em parte autobiográfico e emparte história cultural do meio do século XX. O segundo constróium histórico do conceito de cultura, culminando com a idéia deque a “cultura comum ou ordinária” pode ser vista como ummodo de vida em condições de igualdade de existência com omundo das Artes, Literatura e Música. E o terceiro reconstrói

ESTUDOS CULTURAIS:UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA

Page 29: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

28

uma parte da história da sociedade inglesa de um ponto de vistaparticular – a história “dos de baixo”.

Na pesquisa realizada por Hoggart,2 o foco de atenção recaisobre materiais culturais, antes desprezados, da cultura popular edos meios de comunicação de massa, através de metodologia qua-litativa. Este trabalho inaugura o olhar de que no âmbito popularnão existe apenas submissão mas, também, resistência, o que,bem mais tarde, será recuperado pelos estudos de audiência dosmeios massivos. Tratando da vida cultural da classe trabalhadora,transparece nesse texto um tom nostálgico em relação a uma cul-tura orgânica dessa classe.

A contribuição teórica de Williams3 é fundamental para osestudos culturais a partir de Culture and Society [Cultura e socieda-de, 1780-1950. São Paulo: Nacional, 1969]. Através de um olhardiferenciado sobre a história literária, ele mostra que a cultura éuma categoria-chave que conecta a análise literária com a investiga-ção social. Seu livro The Long Revolution (1961) avança na demons-tração da intensidade do debate contemporâneo sobre o impactocultural dos meios massivos, mostrando um certo pessimismo emrelação à cultura popular e aos próprios meios de comunicação.

É o próprio Stuart Hall que avalia a importância desse últi-mo livro: “ele [The Long Revolution] transformou toda a base dodebate, de uma definição moral-literária de cultura, para uma de-finição antropológica. Porém, definiu esta [a cultura] como o ‘pro-cesso integral’ pelo qual significados e definições são socialmenteconstruídos e historicamente transformados, sendo, neste contex-to, a literatura e a arte uma única forma especialmente privilegia-da de comunicação social” (Hall apud Turner, 1990, p. 55). Essamudança no entendimento de cultura fez possível o desenvolvi-mento dos estudos culturais.

Em relação à contribuição de Thompson,4 pode-se dizer queinfluencia o desenvolvimento da história social britânica de den-tro da tradição marxista. Para ambos, Williams e Thompson, cul-tura era uma rede vivida de práticas e relações que constituíam avida cotidiana, dentro da qual o papel do indivíduo estava em pri-meiro plano. Mas, de certa forma, Thompson resistia ao entendi-mento de cultura enquanto uma forma de vida global. Em vez

Page 30: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

29

disso, preferia entendê-la enquanto um enfrentamento entre mo-dos de vida diferentes.5

Esses quatro textos recém mencionados foram seminais paraa configuração dos estudos culturais. Entretanto, Hall (1996b,p. 32) ressalta que

eles não foram, de forma alguma, ‘livros didáticos’ para a fundaçãode uma nova subdisciplina acadêmica: nada poderia estar maisdistante de seu impulso intrínseco. Quer fossem históricos oucontemporâneos em seu foco, tais textos eram, eles próprios, foca-lizados pelas pressões imediatas do tempo e da sociedade na qualforam escritos, organizados através delas, além de serem elementosconstituintes de respostas a essas pressões.

Embora não seja citado como membro do trio fundador, aimportante participação de Stuart Hall6 na formação dos estudosculturais britânicos é unanimemente reconhecida. Avalia-se que,ao substituir Hoggart na direção do Centro, de 1968 a 1979,incentivou o desenvolvimento da investigação de práticas de re-sistência de subculturas e de análises dos meios massivos, identi-ficando seu papel central na direção da sociedade; exerceu umafunção de “aglutinador” em momentos de intensas distensões teó-ricas e, sobretudo, destravou debates teórico-políticos, tornando-se um “catalizador” de inúmeros projetos coletivos.7 Tem umaabundante produção de artigos, sendo que sua reflexão faz parteda maioria das coletâneas mais importantes sobre estudos cultu-rais, sejam eles publicados pelo próprio Centro ou não.

Enfim, esses são os principais atores e uma parte da históriado início da configuração deste campo de estudos. Em outraspalavras, essa mesma narrativa poderia ser assim contada:

Desde o final da década de 1950, tem existido, dentro da vidacultural e intelectual de língua inglesa, um projeto que causouimpacto significativo no trabalho acadêmico no campo das Ar-tes, das Humanidades e das Ciências Sociais. Nos anos 50, talprojeto não tinha um nome. Não tinha nem sequer uma únicafonte. Surgiu dentro de um contexto histórico e social especí-fico, a partir do trabalho de três indivíduos. Raymond Willia-ms, Richard Hoggart e E. P. Thompson estavam preocupados,

Page 31: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

30

de forma diferente, com a questão da cultura na sociedade es-tratificada em classes da Inglaterra. Os autores estavam tentan-do, cada um a seu modo, entender o papel e o efeito da culturaem um momento crítico da própria história da Inglaterra: ummomento marcado pelo fim da Segunda Guerra Mundial, aherança, em um ambiente já mudado e em constante mudança,de uma política de classe de limitada resistência, e, finalmente, aimportação ou invasão, através dos meios de comunicação demassa, da cultura americana, o que tornou público e ressaltou atodos o dominador caráter de classe da vida cultural inglesa.(BLUNDELL ET AL., 1993, p. 1)

O trecho em questão replicaria a versão recém apresentada,não fosse esta escrita por autores canadenses que, embora relatemesse ponto de vista de sua fundação, questionam, logo a seguir, aexistência de uma narrativa única sobre sua constituição comoum projeto maior que transcendeu as fronteiras da Grã-Bretanha.O propósito dessa publicação – Relocating Cultural Studies – Deve-lopments in Theory and Research (1993) – é mostrar justamente aversão britânica sobre as origens dessa trajetória em contrastecom a particularidade do caso canadense, revelando, simultanea-mente, o descentramento contemporâneo dos estudos culturais.

Através desse tipo de posicionamento, em que a coletâneacitada é apenas um exemplo,8 problematiza-se o ‘“cânone” – aversão dominante – sobre as origens dos estudos culturais. Emcontraposição a essa versão dominante, afirma-se que em outraslocalidades e em outros momentos podem ser identificadas “ou-tras” origens para esse campo de estudos. Enfim, a existência dediferenças nacionais e a confluência de um conjunto particular depropostas de cunho teórico-político geraram outros exemplos deestudos culturais que desestabilizam a narrativa sobre uma ori-gem centrada, sobretudo, em Birmingham, na Inglaterra.

Ainda, em outra versão que discute a emergência históricados estudos culturais enquanto desenvolvimento organicamentebritânico, desenvolvimento determinado por forças nacionais in-ternas, é obrigatório identificar as condições históricas existentesnaquele momento. Pelo menos duas características são marcantes:o impacto da organização capitalista das formas culturais no campo

Page 32: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

31

das relações sócio-culturais e o colapso do império britânico.No primeiro espaço, observa-se a ruptura das culturas tradicio-nais de classe em conseqüência do alastramento dos meios decomunicação de massa; no segundo, percebe-se que a supostaintegridade da nação britânica começa a implodir. Dessa forma, aascensão dos estudos culturais britânicos coincide com uma crisede identidade nacional.

Porém, não existem motivos para descartar seus princípiosfundadores: “a identificação explícita das culturas vividas comoum objeto distinto de estudo, o reconhecimento da autonomia ecomplexidade das formas simbólicas em si mesmas; a crença deque as classes populares possuíam suas próprias formas culturais,dignas do nome, recusando todas as denúncias, por parte da cha-mada alta cultura, do barbarismo das camadas sociais mais bai-xas; e a insistência em que o estudo da cultura não poderia serconfinado a uma disciplina única, mas era necessariamente inter,ou mesmo anti, disciplinar”, tão bem sumarizados por Schwarz(1994, p. 380) –, pois estes princípios revelaram-se instigantesnestes últimos trinta anos. A rápida expansão dos estudos cultu-rais em parte é atribuída aos mesmos.

Entretanto, seria demasiado ingênuo explicar sua emergên-cia somente em termos do trio fundador e de seus textos-chave,tendo em vista os questionamentos existentes a esse respeito. Con-tudo, faz-se necessário reconhecer que existem desacordos entreos considerados “pais fundadores” dos estudos culturais: Willia-ms, Thompson e Hoggart. Porém, para a constituição dos estu-dos culturais é mais significativo destacar os pontos de vistacompartilhados entre eles.

É importante ressaltar, então, que os três autores citadoscomo os fundadores deste campo de estudos, embora não te-nham uma intervenção coordenada entre si, revelam um lequecomum de preocupações que abrangem as relações entre cultu-ra, história e sociedade.

O que os une é uma abordagem que insiste em afirmar que atravésda análise da cultura de uma sociedade – as formas textuais e as

Page 33: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

32

práticas documentadas de uma cultura – é possível reconstituir ocomportamento padronizado e as constelações de idéias com-partilhadas pelos homens e mulheres que produzem e conso-mem os textos e as práticas culturais daquela sociedade. É umaperspectiva que enfatiza a “atividade humana”, a produção ativada cultura, ao invés de seu consumo passivo”. (STOREY, 1997, p. 46,grifo meu)

É possível apontar, a partir daí, duas grandes reorientaçõesna análise cultural proposta pelos estudos culturais: o padrão esté-tico-literário de cultura, ou seja, aquilo que era considerado “sé-rio” no âmbito da literatura, das artes e da música passa a servisto apenas como uma expressão da cultura. Esta refere-se, en-tão, a um amplo espectro de significados e práticas que move econstitui a vida social. O fato de se alargar o conceito de cultura,incluindo práticas e sentidos do cotidiano, propiciou, por sua vez,uma segunda mudança importante: todas as expressões culturaisdevem ser vistas em relação ao contexto social das instituições,das relações de poder e da história.

Tendo como ponto de partida um conjunto de proposiçõesque à primeira vista mostra-se tão amplo quanto aberto a entendi-mentos diversos, Hall (1996a, p. 263) reivindica manter sua plu-ralidade, mas simultaneamente estabelece um fio condutor:

Ainda que os estudos culturais, como um projeto, estejam emaberto, não podem ser simplesmente pluralistas desta maneira.Recusam-se, sim, a ser um discurso dominante ou um metadiscurso(grifo meu) de qualquer espécie. Constituem, sim, um projetosempre aberto àquilo que ainda não conhece, àquilo que aindanão pode identificar. Porém, tal projeto possui, também, um certodesejo de conectar-se, um balizamento nas escolhas que faz. Por-tanto, realmente fará diferença interpretarem-se os estudos cultu-rais como sendo uma coisa ou outra.

Conclui-se que, se a versão britânica sobre as origens e cons-tituição deste projeto não apresenta implicitamente uma posiçãoteórica unificada, também, não está composta por um conjuntotão díspar que não apresente uma unidade. Indagar-se sobre “aunidade na diferença” (GROSSBERG, 1993) é reconhecer que esta

Page 34: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

33

responde, em parte, a condições particulares – a um contextointelectual, político, social e histórico específico.

As peculiaridades do contexto histórico britânico, abran-gendo da área política ao meio acadêmico, marcaram indelevel-mente o surgimento deste movimento teórico-político. Os estudosculturais ressaltaram os nexos existentes entre investigação e for-mações sociais onde se desenrola a própria pesquisa. “Os estu-dos culturais não dizem respeito apenas ao estudo da cultura.Nunca pretenderam dizer que a cultura poderia ser identificadae analisada de forma independente das realidades sociais concre-tas dentro das quais existem e a partir das quais se manifestam”(BLUNDELL ET AL., 1993, p. 2).

Em primeiro lugar, deve-se acentuar o fato de que os estudosculturais britânicos devem ser vistos tanto do ponto de vista polí-tico, na tentativa de constituição de um projeto político, quantodo ponto de vista teórico, isto é, com a intenção de construir umnovo campo de estudos. “[...] Não se pode entender um projetoartístico e intelectual sem entender, também, sua formação; sementender que a relação entre um projeto e uma formação é sempredecisiva; e que [...] a ênfase dos estudos culturais está precisa-mente no fato de que eles se ocupam de ambas as concepções”(WILLIAMS, 1996, p. 168). A partir desta dupla agenda é que osestudos culturais britânicos devem ser pensados.

Do ponto vista político, são sinônimos de “correção políti-ca” (JAMESON, 1994), podendo ser identificados com a políticacultural dos vários movimentos sociais da época de seu surgimen-to. Por essa razão, sua proposta original é considerada por algunscomo mais política do que analítica.

Autores como Michael Green (1995) apontam como motivoprimordial para o surgimento dos estudos culturais britânicos umacondensação política em torno de um conjunto de novos e com-partilhados temas de interesse que convergiram com o momentode emergência da New Left. “[...] os estudos culturais oferecemum espaço no qual se pode explorar – e refletir sobre – uma vari-edade de questões políticas, e jamais negaram que sua agenda temdimensões políticas e não pode ser ‘objetiva’”, afirma Green. (1995,p. 229).

Page 35: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

34

A titulo de ilustração, os estudos culturais australianos, comoos britânicos, também, são vistos como decorrentes de uma con-juntura política.

A questão aqui, contudo, é simplesmente o fato de que os estudosculturais australianos não apenas foram uma resposta aos movi-mentos políticos e sociais das últimas três décadas (o que pode serdito em relação aos estudos culturais como projeto geral), mastambém produziram muitos de seus temas, suas prioridades depesquisa, suas polêmicas e, de certa forma, sua ênfase teórica e seusprincipais métodos de trabalho, a partir de um engajamento comestes movimentos. (Frow e Morris, 1996, p. 351)

Pela perspectiva teórica, resultam da insatisfação com os li-mites de algumas disciplinas, propondo, então, a inter/trans ou,ainda para alguns, a antidisciplinaridade.9 Isto não impediu, en-tretanto, que em alguns lugares tenham se institucionalizado.10

Os estudos culturais não configuram uma “disciplina” masuma área onde diferentes disciplinas interatuam, visando ao estu-do de aspectos culturais da sociedade. A área, então, segundo umcoletivo de pesquisadores do Centro de Birmingham que atuou,principalmente, nos anos 70, não se constitui numa nova discipli-na, mas resulta da insatisfação com algumas disciplinas e seuspróprios limites (HALL ET AL, 1980, p. 7). É um campo de estu-dos em que diversas disciplinas se interseccionam no estudo deaspectos culturais da sociedade contemporânea, constituindo umtrabalho historicamente determinado.

Em análises que tentam mapear o centro de atenção destecampo, enfatiza-se seu diálogo entre disciplinas: “Os estudos cul-turais são um campo interdisciplinar onde certas preocupações emétodos convergem; a utilidade dessa convergência é que ela nospropicia entender fenômenos e relações que não são acessíveisatravés das disciplinas existentes. Não é, contudo, um campo uni-ficado” (TURNER, 1990, p. 11).

Em termos de disciplinas, no seu primeiro momento de for-mação, o encontro entre Literatura Inglesa, Sociologia e Históriapropiciou pensar uma conexão entre três níveis distintos. A pri-meira contribuiu com a preocupação com as formas culturais

Page 36: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

35

populares, assim como com textos e textualidades, estes últimospodendo estar situados além da linguagem e literatura;11 à socio-logia atribui-se o exame da reprodução estrutural e da subordina-ção e da história vem o interesse da “história de baixo” e, também,o reconhecimento da história oral e da memória popular.

Entretanto, é preciso ressaltar que, na sua fase inicial, os fun-dadores desta área de pesquisa tentaram não propagar uma defini-ção absoluta e rígida de sua proposta. Nas palavras de Stuart Hall,o órgão de divulgação do Centro – Working Papers in Cultural Stu-dies12 – não deveria preocupar-se em “[...] ser um veículo que defi-na o alcance e extensão dos estudos culturais de uma forma definitivaou absoluta. Nós rejeitamos, em resumo, uma definição descritivaou prescritiva do campo” (HALL, 1980a, p. 15).

Na realidade, os estudos culturais britânicos se constituemna tensão entre demandas teóricas e políticas. Embora sustentemum marco teórico específico (não obstante, heterogêneo), am-parado principalmente no marxismo, a história deste campo deestudos está entrelaçada com a trajetória da New Left, de algunsmovimentos sociais (Worker’s Educational Association, Cam-paign for Nuclear Disarmament, etc.) e de publicações – entreelas, a New Left Review – que surgiram em torno de respostaspolíticas à esquerda. Ressalta-se seu forte laço com o movimen-to de educação de adultos.

A multiplicidade de objetos de investigação também caracteri-za os estudos culturais. Resulta da convicção de que é impossívelabstrair a análise da cultura das relações de poder e das estratégiasde mudança social. A ausência de uma síntese completa sobre osperíodos, enfrentamentos políticos e deslocamentos teóricos contí-nuos de método e objeto faz com que, de forma geral e abrangente,o terreno de sua investigação circunscreva-se aos temas vinculadosàs culturas populares e aos meios de comunicação de massa e, pos-teriormente, a temáticas relacionadas com as identidades, sejamelas sexuais, de classe, étnicas, geracionais etc. Mas é necessárioesperar até os anos 70, principalmente, com a implantação da pu-blicação periódica dos Working Papers, para que a produção cientí-fica do Centro passe a ter visibilidade e repercussão.

Page 37: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

36

Numa tentativa de reconstituir uma narrativa histórica sobreos interesses e temáticas que predominaram neste campo de estu-dos, podem-se identificar alguns momentos bem diferenciados.No início dos anos 70, o desenvolvimento mais importante con-centrou-se em torno da emergência de várias subculturas que pa-reciam resistir a alguns aspectos da estrutura dominante de poder.E, a partir da segunda metade dessa mesma década, percebe-se aimportância crescente dos meios de comunicação de massa, vis-tos não somente como entretenimento mas como aparelhos ideo-lógicos do Estado.

Nessa época, os estudos das culturas populares pretendiamresponder a indagações sobre a constituição de um sistema de valo-res e de um universo de sentido, sobre o problema de sua autono-mia e, também, como esses mesmos sistemas contribuem para aconstituição de uma identidade coletiva e como se articulam asdimensões de resistência e subordinação das classes populares.13

Já o estudo dos meios de comunicação caracterizava-se pelofoco na análise da estrutura ideológica, principalmente, da cober-tura jornalística. Esta etapa foi denominada por Hall (1982) de“redescoberta da ideologia”, sendo que uma das premissas bási-cas desta fase pressupunha que os efeitos dos meios de comunica-ção podiam ser deduzidos da análise textual das mensagens emitidaspelos próprios meios.

Ainda nessa década, a temática da recepção e a densidadedos consumos mediáticos começam a chamar a atenção dos pes-quisadores de Birmingham, ou melhor, do CCCS. Este tipo dereflexão acentua-se a partir da divulgação do texto “Encoding anddecoding in the television discourse”,14 de Stuart Hall, publicadopela primeira vez em 1973. Desencadeado um processo de deslo-camento do olhar, dentro do espectro dos estudos culturais, co-meçam a aparecer outras produções: David Morley publica “Texts,readers, subjects” (1977-1978) e, logo em seguida, algumas pes-quisas empíricas começam a tomar corpo.

Depois de um período de preocupação com análises textuaisdos meios massivos, tais estudos de audiências começam a serdesenvolvidos como uma tentativa de verificar empiricamente tantoas diversas leituras ideológicas construídas pelos próprios pesqui-

Page 38: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

37

sadores quanto as posições assumidas pelo receptor.15 Porém, é nasegunda metade dos anos 80 e já não mais circunscrito às investi-gações do CCCS, que se nota uma clara mudança de interesse doque está acontecendo na tela para o que está na frente dela, ouseja, do texto para a audiência.

Entretanto, ainda nos anos 70, o trabalho em torno das dife-renças de gênero através do feminismo que irrompe em cena, e osdesenvolvimentos em torno da idéia de “resistência”, tambémmarcam o período. Hall (1992, 1996a) aponta o feminismo comouma das rupturas teóricas decisivas que alterou uma prática acu-mulada em estudos culturais, reorganizando sua agenda em ter-mos bem concretos. Desta forma, destaca sua influência nosseguintes aspectos: a abertura para o entendimento do âmbitopessoal como político e suas conseqüências na construção do ob-jeto de estudo dos estudos culturais; a expansão da noção de po-der, que, embora bastante desenvolvida, tinha sido apenastrabalhada no espaço da esfera pública; a centralidade das ques-tões de gênero e sexualidade para a compreensão da própria cate-goria “poder”; a inclusão de questões em torno do subjetivo e dosujeito e, por último, a “reabertura” da fronteira entre teoria sociale teoria do inconsciente – psicanálise.

De forma assumidamente deliberada, Hall (1996a, p. 269)utiliza a seguinte metáfora sobre a “irrupção” do feminismo nosestudos culturais e, em especial, na vida intelectual do CCCS:“Não se sabe, de uma maneira geral, onde e como o feminismoarrombou a casa. [...] Como um ladrão no meio da noite, eleentrou, perturbou, fez um ruído inconveniente, tomou a vez, es-tourou na mesa dos estudos culturais”.

E, em outro lugar, conta como ele e Michael Green, perce-bendo a importância das questões em torno do feminismo, “con-vidaram” algumas feministas para destravar essa discussão dentrodo Centro e como esta tomou forma por si própria.

Em um dado momento, Michael Green e eu decidimos experi-mentar e convidar algumas feministas, que não estavam trabalhan-do conosco, para vir para o Centro, visando a projetar a questãodo feminismo no interior dele. Assim sendo, a tradicional história

Page 39: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

38

de que o feminismo surgiu de dentro dos estudos culturais não ébem verdadeira. Estávamos muito ansiosos para estabelecer aquelevínculo, em parte porque nós dois, à época, vivíamos com feminis-tas. Trabalhávamos com estudos culturais, mas mantínhamos umaconversação com o feminismo. As pessoas pertencentes aos estudosculturais estavam se tornando sensíveis à política feminista. Sendoclássicos ‘novos homens’, a verdade é que, quando o feminismorealmente emergiu de forma autônoma, fomos pegos de surpresapela própria coisa que havíamos tentado, de forma patriarcal, iniciar.Aquelas coisas eram simplesmente muito imprevisíveis. O feminis-mo, então, realmente irrompeu no Centro, em seus próprios ter-mos, de sua própria e explosiva maneira. Mas não era a primeira vezque os estudos culturais pensavam sobre política feminista ou setornavam cientes dela. (HALL, 1996d, p. 499)16

Embora esta versão não seja bem vista pelas feministas, tantoas do CCCS quanto as que trabalham com estudos culturais, valea pena resgatá-la. Representando as feministas e em oposição aorelato de Hall, Brunsdon (1996) nomeia como importantes nareconstituição desta trajetória trabalhos produzidos a partir de1974, demonstrando assim a existência deste nicho de interessesdentro do Centro.

O artigo mimeografado de 1974, ‘Images of women’, de HelenButcher, Rosalin Coward, Marcella Evaristi, Jenny Garber, RachelHarrison, Janice Winship; o artigo de Jenny Garber e AngelaMcRobbie sobre ‘Girls and subcultures’, nos Working Papers inCultural Studies de 1975 – Resistance through Rituals e a publica-ção de 1978 Women Take Issue, todos marcam diferentes disputasneste campo. [...] Assim, se há uma primeira fase no encontroentre as feministas e o CCCS, começando, talvez, em 1973-4, eusugeriria que seu texto final é a coletânea de 1981, de McRobbiee McCabe, Feminism for Girls, a qual, em seu uso de ‘feminismo’ e‘meninas’, sugere uma distância dos anos 70. Este livro marca,também, o fim da primeira fase com uma percepção muito fortedos problemas com a categoria ‘mulher’, bem como com a diferen-ça entre (grifo meu) as mulheres. (BRUNSDON, 1996, p. 278)17

É necessário notar que estas primeiras produções aparecemde forma ainda esparsa. Em 1976, influenciadas pelo Women’sLiberation Movement, as mulheres do CCCS questionaram sua

Page 40: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

39

própria posição dentro do centro de pesquisa e propuseram acriação de um grupo de estudo somente composto por mulhe-res. Embora fortemente contestada, essa proposição foi refe-rendada.

Reconstituindo, então, de uma outra forma a história do fe-minismo no CCCS, Brunsdon (1996, p. 280) nega veementemen-te a versão paternalista de Hall.

Na primeira vez em que li esta avaliação, eu queria esquecê-la ime-diatamente. Negá-la, ignorá-la, desconhecê-la – não reconhecer aagressão ali contida. Não tanto para negar que as feministas doCCCS, durante os anos 70, haviam feito um poderoso desafioaos estudos culturais, na forma como estavam constituídos na-quele momento e naquele lugar, mas para negar que tivessem acon-tecido da forma aqui descrita [por Hall].

Nota-se, entretanto, no relato de Brunsdon, a problematiza-ção da existência de duas esferas nos estudos culturais: a comume ordinária e a feminina/feminista. Mas há um tom de questiona-mento sobre a propriedade de existir “em separado” uma versãofeminista deste campo de estudos.

Apesar das divergências na reconstituição dessa experiência,o volume Women Take Issue (1978) é considerado o primeiro re-sultado prático de maior envergadura na divulgação dos trabalhosdo Women’s Studies Group do CCCS. Na realidade, este seriaoriginalmente o 110 Working Papers in Cultural Studies, sendo quenas suas edições anteriores somente pouquíssimos artigos preo-cupavam-se com questões em torno da mulher.18 Embora somen-te algumas pesquisadoras estivessem em contato mais intenso como Women’s Liberation Movement, que tinha surgido no final dos60, revelava-se aí uma primeira tentativa de realizar um trabalhointelectual feminista.

A preocupação original deste coletivo era ver como a catego-ria “gênero” estrutura e é ela própria estruturada nas formaçõessociais. “Argumentávamos que a sociedade deveria ser compreen-dida, em sua constituição, através da articulação sexo/gênero eantagonismos de classe, embora algumas feministas priorizassema divisão sexual em suas análises” (1978, p. 10).

Page 41: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

40

Num primeiro momento, o desafio foi examinar as imagensdas mulheres nos meios massivos (1974) e, a seguir, o debatetravou-se em torno da temática do trabalho doméstico.

Mais especificamente, tal mudança foi vista como uma tentati-va de considerar a relação entre classe e subordinação da mulherem um nível teórico. Porém, de certa forma, tal mudança foium passo seguinte ao artigo ‘Images’. Junto à mulher comoobjeto sexual, estava a mulher como mãe e dona-de-casa, quenós entendíamos ser a imagem básica e determinante nos meiosde comunicação. De forma mais geral, este trabalho representavaum engajamento educativo com as difíceis categorias econômicas domarxismo. (1978, p. 13, grifo meu)

Grande parte da contribuição deste coletivo reside neste últi-mo aspecto.

Embora esse livro tenha dado visibilidade a uma produçãointelectual em torno de um projeto feminista, mostrou também asdiferenças e fragilidades existentes no grupo. Mesmo assim, de-marcou uma área de atuação com especificidade dentro do cam-po acadêmico, servindo para delinear novos objetos de estudo.

Somos um grupo de mulheres e homens que produziram, juntos,este livro com idéias diferentes do que é e deveria ser o trabalhointelectual feminista. Isso depende parcialmente da maneira pelaqual entendemos ‘feminismo’ e ‘trabalho intelectual’ como práti-cas políticas (e de suas relações).Todos consideramos que o traba-lho intelectual feminista é um engajamento, tanto intelectualquanto político, no âmbito do próprio trabalho intelectual. Possu-ímos opiniões diferentes, porém, em relação a se isso é, em si, umaprática política adequada, e se a adequação política é um critériorelevante e direto para o trabalho intelectual. Quanto ao relaciona-mento entre marxismo e feminismo, temos abordagens diferentesem termos de prática política. Divergimos sobre o que o feminis-mo é, no que concerne aos homens poderem ou não ser feminis-tas. Além disso, nossas opiniões também são diferentes quanto àidéia de devermos estar nos dirigindo primordialmente a homensou mulheres, e se é possível nos dirigirmos a ambos simultanea-mente, nos mesmos termos. (1978, p. 13)

Page 42: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

41

É dessa forma que se estabelece o encontro com a produçãofeminista. Apesar da polêmica em torno da forma como tal seefetuou, este foco de atenção propiciou novos questionamentosem redor de questões referentes à identidade, pois introduziu novasvariáveis na sua constituição, deixando-se de ver os processos deconstrução da identidade unicamente através da cultura de classee sua transmissão geracional.

Na avaliação da Michael Green, “se há um tema que possaser identificado na primeira fase dos estudos culturais, é o dacultura como espaço de negociação, conflito, inovação e resistên-cia dentro das relações sociais das sociedades dominadas pelo podere fraturadas por divisões de gênero, classe e raça” (GREEN, 1996b,p. 125). Em suma, no período de maior evidência do CCCS acres-centa-se ao seu interesse pelas subculturas às questões de gêneroe, logo em seguida, as que envolvem raça e etnia.19 Além, é claro,como já foi anotado, a atenção sobre os meios de comunicação.

A partir dos anos 80, há indícios de que a importância doCCCS como pólo de difusão da proposta dos estudos culturaiscomeça a arrefecer, isto é, começa a ser observada uma força dedescentralização. Durante esse processo, nota-se a expansão doprojeto dos estudos culturais para outros territórios, para além daGrã-Bretanha, ocorrendo mutações importantes, decorrentes, prin-cipalmente, de uma observação sobre a desestabilização das iden-tidades sociais, ocasionada, sobretudo, pela aceleração do processode globalização. O foco central passa a ser a reflexão sobre asnovas condições de constituição das identidades sociais e sua re-composição numa época em que as solidariedades tradicionaisestão debilitadas. Enfim, trata-se de uma ênfase à dimensão subje-tiva e à pluralidade dos modos de vida vigentes em novos tempos– ‘New Times’ (HALL, 1996g).

Armand Mattelart e Eric Neveu (1997, p. 131) sugerem queum dos fatores- chave nesta orientação se refere a uma redefini-ção das modalidades de análise dos meios de comunicação social.“Se existiu uma ‘virada’ no início da década dos anos 80, consis-tiu em prestar uma atenção crescente à recepção dos meios decomunicação social, tratando de operacionalizar modelos como oda codificação-decodificação”.

Page 43: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

42

Vale lembrar, no entanto, que a incorporação do modelo deHall, num primeiro momento, desembocou em estudos do âmbi-to do ideológico e do formato da mensagem, sobretudo, da televi-siva. Ainda o poder do texto sobre o leitor/espectador dominaesta etapa de análise dos meios, embora desafie a noção de textosmediáticos enquanto portadores “transparentes” de significados,rompendo, também, com a concepção passiva de audiência. Éexemplar a esse respeito o trabalho de Morley e Brundson (1978)sobre o programa Nationwide que a seguir é levado em frentenum estudo específico de audiência (MORLEY, 1980b).

No contexto britânico, a trajetória de pesquisa de DavidMorley exemplifica o deslocamento da análise da estrutura ideoló-gica de programas factuais de televisão em direção aos processosmultifacetados de consumo e codificação nos quais as audiênciasestão envolvidas. A primeira pesquisa envolveu uma análise deta-lhada da estrutura interna de uma edição deste programa televisi-vo de sucesso na época junto à sociedade britânica. Já The NationwideAudience (1980b) é um estudo de audiência considerado o marcoinicial de uma área de investigação que se consolida como pró-pria dos estudos culturais.

Assim, aos poucos, nos anos 80 vão definindo-se novas mo-dalidades de análise dos meios de comunicação. Passou-se, então,à realização de investigações que combinam análise de texto compesquisa de audiência. São implementados estudos de recepçãodos meios massivos, especialmente, no que diz respeito aos pro-gramas televisivos. Também são alvo de atenção a literatura popu-lar, séries televisivas e filmes de grande bilheteria.20 Todos estestratam de dar visibilidade à audiência, isto é, aos sujeitos engaja-dos na produção de sentidos. Também há um redirecionamentono que diz respeito aos protocolos de investigação. Estes passama dar uma atenção crescente ao trabalho etnográfico.

A importância que a etnografia assumiu nas análises da re-cepção, funcionando como uma forma de relativizar os achadosda tendência anterior marcada pela crítica ideológica, precisaser sumariamente avaliada. Ao operar no ponto de encontroonde determinadas condições sociais transformam-se em con-dições especificamente vividas, trabalha-se por dentro de frontei-

Page 44: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

43

ras. Nesse estreito espaço, de difícil acesso, corre-se o risco per-manente de celebrar as resistências ao reconhecer que as audiên-cias respondem ativamente às formas culturais massivas,principalmente, se for levado em consideração o trabalho anteri-ormente executado de “desmistificar, denunciar e condenar” opoder dos meios sobre a audiência.

Embora seja plausível a consideração de que a audiênciaestabelece uma ativa negociação com os textos mediáticos e comas tecnologias no contexto da vida cotidiana, esse posiciona-mento pode tornar-se tão otimista que perde de vista a margina-lidade do poder dos receptores diante dos meios. A euforia coma vitalidade da audiência e por sua vez com a cultura popular fezcom que esta fosse entendida como um espaço autônomo e re-sistente ao campo hegemônico. Algo que aconteceu com váriasdas pesquisas dessa época.

No contexto dos estudos de audiência, uma avaliação críticados resultados obtidos nesse tipo de investigação reivindica: “Oque uma etnografia crítica das audiências dos meios de comuni-cação precisa esmiuçar, então, é a não reconhecida, inconscientee contraditória efetividade do hegemônico dentro do popular, as rela-ções de poder que estão inscritas no interior da textura das práticas derecepção” (ANG, 1996, p. 245). Para tanto, o entendimento daconcepção de hegemonia não pode permanecer no nível teórico-abstrato. É necessário dar conta de alcançar um sentido concretodas forças hegemônicas que regem o mundo atual. A mesma au-tora conclui: “Precisamos ir além dessas conceitualizações para-digmáticas de hegemonia e desenvolver um sentido de hegemoniamais específico, concreto, contextual, em resumo, mais etnográfi-co” (grifo meu). Posição semelhante é reivindicada por McRob-bie (1992, 1994).

Nos anos 90, este leque de investigações sobre a audiênciaprocura ainda mais enfaticamente capturar a experiência, a capa-cidade de ação dos mais diversos grupos sociais vistos, principal-mente, à luz das relações da identidade com o âmbito global,nacional, local e individual. Questões como raça e etnia, o uso e aintegração de novas tecnologias como o vídeo e a TV, assim comoseus produtos na constituição de identidades de gênero, de classe,

Page 45: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

44

bem como as geracionais e culturais, e as relações de poder noscontextos domésticos de recepção, continuam na agenda, princi-palmente, das análises de recepção.21 Destacam-se, como ênfasesmais recentes neste tipo de estudo, os recortes étnicos e a incor-poração de novas tecnologias. Em relação às estratégias metodo-lógicas, estas redundam na etnografia e na observação participanteembora possam parecer mais diversificadas – (auto)biografias,depoimentos, histórias de vida.

De maneiras variadas, esses estudos de audiências estão preocupa-dos em situar as leituras e práticas dos meios de comunicação den-tro de redes complexas de determinações, não apenas dos textos,mas também daqueles determinantes estruturais mais profundos,como classe, gênero e, ainda, em menor grau, raça e etnia. Estesestudos também iluminam os caminhos em que se intersectam esão vividos os discursos públicos e privados, nas práticas rotinei-ras e íntimas da vida cotidiana. Além disso, a maioria reflete sobreos métodos de pesquisa e, especialmente, sobre a localização dopesquisador ou pesquisadora em seu estudo [...]. Desta forma,apesar de sua pequena escala, cada um deles, de maneiras diferen-tes, coloca questões mais amplas de estrutura e atuação dentrodo mundo socialmente estruturado das práticas e da subjetivida-de, e muitos refletem sobre o contexto institucional da própriapesquisa. (GRAY, 1999)

Enfim, estes estudos dos anos 90 revelam alguns dos objeti-vos que, com diferentes ênfases, continuarão sendo perseguidospela linha de investigação de audiências. Ainda é cedo para elabo-rar um balanço deste último período, é possível apenas identificaras tendências recém citadas.

Aqui se enfatizou esta orientação na análise dos meios decomunicação de massa – a recepção – porque a finalidade é refle-tir sobre a comunicação mediática como clivagem dentro do am-plo espectro proposto pelos estudos culturais. Tal fato, de formaalguma, implica restringir o objeto de estudo deste campo emtorno desta temática. Ao contrário, cada vez mais o objeto deinvestigação se diversifica e se fragmenta. Contudo, no ponto deencontro destas duas frentes, comunicação e estudos culturais,

Page 46: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

45

identifica-se uma forte inclinação em refletir sobre o papel dosmeios de comunicação na constituição de identidades, sendo estaúltima a principal questão deste campo de estudos na atualidade.

Resta dizer que, se originalmente os estudos culturais po-dem ser considerados uma invenção britânica, hoje, na sua formacontemporânea, tornaram-se uma problemática teórica de reper-cussão internacional. Não se confinam mais à Inglaterra e Europanem aos Estados Unidos, tendo se alastrado para a Austrália, Ca-nadá, Nova Zelândia, América Latina e também para a Ásia eÁfrica22. E é especialmente significativo afirmar que o eixo anglo-saxão já não exerce mais uma incontestável liderança desta pers-pectiva. A observação contemporânea de um processo deestilhaçamento do indivíduo em múltiplas posições e/ou identida-des transforma-se tanto em tema de estudo quanto em reflexo dopróprio processo vivido atualmente por este campo: descentradogeograficamente e múltiplo teoricamente.

A CONSTRUÇÃO DE UMA NARRATIVA OU UMA VERSÃO LATINO-AMERICANA

No han sido sólo los paradigmas, sino lostercos hechos, los procesos sociales de América Latina,

los que nos están cambiando el ‘objeto’ deestudio a los investigadores de comunicación.

Jesús Martín-Barbero

A partir do panorama histórico, esboçado anteriormente,sobre o surgimento dos estudos culturais na Inglaterra, aponta-secomo entendimento-síntese para o termo sua ênfase à ação social.Relacionada com essa marca, identifica-se, também, como carac-terística fundamental dessa perspectiva, a importância dada aocontexto, o foco localizado e historicamente específico, a atençãoàs especificidades e particularidades articuladas a uma conjunturahistórica determinada, produzindo, então, uma teoria engajadanas diferenças culturais. Tudo isso relacionado à pertinência dainvestigação de práticas e formas simbólicas que tinham sido, atéaquele momento – virada dos anos 50 para os 60, excluídas da

Page 47: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

46

esfera cultural ou que não eram vistas com suficiente legitimidadecultural para tornarem-se objeto de estudo.

Dessa forma, os estudos culturais na América Latina, assimcomo os da Austrália, Canadá e Estados Unidos, entre outros,também têm um desenvolvimento singular. Destaco, pois, essaspeculiaridades tendo como ponto de partida a tradição britânica,mas sem excluir outras versões de estudos culturais. Delineio,também, o contexto em que emergem os estudos culturais latino-americanos a fim de oferecer um mapa provisório onde se locali-za, insere-se e tem suas raízes uma determinada proposta de análisecultural da comunicação.23 Destacam-se, assim, tendências geraisde tal proposta, sendo que algumas, embora não tenham relaçãodireta com os dois autores latino-americanos estudados neste li-vro, Néstor García Canclini e Jesús Martín-Barbero, estendemsua abrangência à perspectiva como um todo.

Apesar de suas singularidades, existem afinidades entre umcorpo teórico-metodológico de análise cultural que emerge nosanos 80 neste contexto particular e um movimento que germinana Inglaterra, no final dos anos 50, e vai se espraiando. Issoajuda a esclarecer posicionamentos assumidos por intelectuaislatino-americanos num conjunto de trabalhos em relação a umdebate internacional efervescente que vem ocorrendo no últimoperíodo, bem como permite mostrar sua contribuição particularaos impasses, questionamentos e críticas ao desenvolvimento dosestudos culturais.

Diante de uma certa resistência em definirem-se como prati-cantes de estudos culturais, é somente nos anos 90, e de formaainda bastante tímida, que alguns poucos pesquisadores latino-americanos começam a identificar-se – ou ser identificados porinvestigadores estrangeiros que tomam a América Latina comoobjeto de estudo – com esta perspectiva.24 Se o receio é de queessas afinidades descaracterizem a independência e autonomia daperspectiva latino-americana, afirma-se que, ao contrário, reve-lam integração e sintonia com um movimento teórico maior e umdiálogo frutífero com o que ocorre além das fronteiras do territó-rio latino-americano. Sem que isso indique vassalagem ou xeno-fobia da América Latina a modas teóricas das metrópoles.

Page 48: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

47

As indicações de Jesús Martín-Barbero e Néstor García Can-clini como figuras-chave na constituição da perspectiva dos estu-dos culturais em solo latino-americano são unânimes nos relatosencontrados (Davies, 1995; Golding e Ferguson, 1997; Fox, 1997;O’Connor, 1991; Yúdice, 1993b; Lull, 1998; López de la Roche,1998). Outros nomes vão somando-se: Carlos Monsiváis, JorgeGonzález, Guillermo Gómez Orozco, Rossana Reguillo (Méxi-co); Guillermo Sunkel, José Joaquín Bruner (Chile); Renato Or-tiz (Brasil); Beatriz Sarlo, Aníbal Ford (Argentina); Rosa MariaAlfaro (Peru), entre outros.

De forma ainda genérica, toma-se, como ponto de partida, aanálise de formas culturais contemporâneas num determinado es-tágio do capitalismo, formulando respostas particulares à inser-ção das indústrias culturais na vida cotidiana. O que a Inglaterraexperiencia, no final dos anos 50, a América Latina passa a viven-ciar acentuadamente nos anos 70.25

Em meados da década de 80, a configuração da pesquisaem comunicação revela nítidos sinais de mudança, que têmorigem não somente em deslocamentos internos ao própriocampo, mas, também, num movimento mais abrangente dasciências sociais como um todo. O debate sobre a modernida-de, o horizonte marxista vigente na época e a questão da glo-balização obrigaram a repensar a trama teórica vigente. “Osdeslocamentos com os quais se buscará refazer conceitual emetodologicamente o campo da comunicação virão do âmbitodos movimentos sociais e das novas dinâmicas culturais, abrin-do, dessa forma, a investigação para as transformações da ex-periência social” (MARTÍN-BARBERO, 1992, p. 29).

Levando em consideração esse pano de fundo, os estudosculturais questionam a produção de hierarquias sociais e políticasa partir de oposições entre tradição e inovação, entre a grandearte e as culturas populares, ou, então, entre níveis de cultura –por exemplo, alta e baixa, cultura de elite e cultura de massa. Aconseqüência natural desse debate é a revisão dos cânones estéti-cos ou mesmo de identidades regionais e nacionais que se apre-sentam como universais ao negarem ou encobrirem determinaçõesde raça, gênero e classe.

Page 49: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

48

Tal tipo de análise, a exemplo da tradição britânica dos estu-dos culturais, traz a marca da multidisciplinaridade ou o senti-mento de que o suporte de uma única disciplina não dá conta dacomplexidade do momento em foco. “Mais decisiva, sem dúvida,que a tematização explícita de processos ou aspectos da comuni-cação nas disciplinas sociais é a superação da tendência a destinaros estudos de comunicação a uma disciplina e a consciência cres-cente de seu estatuto transdisciplinar” (MARTÍN-BARBERO, 1992, p.29), o que pode ser ilustrado, ainda que distante da representati-vidade de uma hegemonia teórico-metodológica, com a obra deJesús Martín-Barbero e Néstor García Canclini.

O primeiro inicia sua trajetória na filosofia. Passa um perío-do trabalhando com semiótica e, posteriormente, chega às rela-ções entre comunicação e cultura. A partir de um curso desemiótica, ministrado na Universidad del Valle (Cali-Colômbia),no início da década de 70, com o propósito de propiciar ferra-mentas que permitissem aos estudantes entender os processos decomunicação cotidiana, foi aproximando-se e formulando umametodologia que permitia relacionar o estudo da significação, oumelhor, “a produção do sentido com os próprios sentidos” (grifomeu). Dessa forma, passou a repensar a comunicação a partir daspráticas sociais.

Dei-me conta da necessidade que existia de uma teoria que não serestringisse ao problema da informação. Não obstante, percebia aimportância capital que havia adquirido a informação na socieda-de; via, também, que para a imensa maioria das pessoas a comuni-cação não se esgotava nos meios. […] O problema não era de faltade lógica ou coerência a uma teoria pensada em termos de emissor,mensagem, receptor, código, fonte… O problema era que tipos deprocessos comunicativos podiam ser pensados a partir daí. Ondeestava o emissor numa festa, num baile, num sacramento religio-so?, questionava-me. Onde estavam a mensagem e o receptor? Oque existia de comunicação numa prática religiosa não tinha maisa ver com outros modos, com outras dimensões da vida, comoutras experiências que desbordam por completo as explicaçõesda teoria da informação? Foi aí que percebi com clareza que falarde comunicação era falar de práticas sociais e que, se queríamos

Page 50: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

49

responder a todas essas perguntas, tínhamos que repensar a comu-nicação a partir dessas práticas. (MARTÍN-BARBERO, 1995a, p. 14)

O percurso acadêmico de Néstor García Canclini tambémtem sua base fundamental na filosofia. Entretanto, na sua trajetó-ria, este campo de conhecimento aparece sempre tecendo rela-ções com outros territórios disciplinares, principalmente, dasciências sociais. “Na Argentina, trabalhei com questões relacio-nadas à sociologia da arte, e, mais tarde, minha atenção voltou-seà antropologia e à literatura, até minha chegada ao México. En-tão, como se pode ver, minha atenção voltava-se principalmenteaos textos (grifo meu). Contudo, desde minha chegada ao México,comecei a me envolver muito mais com o trabalho de campo (grifomeu), primeiro em Michoacán, depois na Cidade do México,Tijuana e em outros lugares. Para mim, deveria haver um diálogoconstante entre as duas dimensões [teoria e pesquisa empírica]”(GARCIA CANCLINI citado por MURPHY, 1997, p. 81).

Embora possa ser dito que desde seu início os estudos dosmeios massivos tenham tido uma inflexão multi ou interdiscipli-nar26, a combinação construída pelos estudos culturais é particu-lar. Os estudos culturais propõem um olhar interdisciplinar queentende os processos culturais como interdependentes e não comofenômeno isolado, como é a prática usual da maioria das disci-plinas. Essa interdependência caracteriza uma relação dinâmicacom outras esferas, principalmente com a estrutura ou os pro-cessos produtivos.

O interesse central dos estudos culturais é perceber as inter-secções entre as estruturas sociais e as formas e práticas culturais.Assim, a análise dos meios de comunicação pelo prisma dessaperspectiva, na América Latina, é vista como comunicação, masem relação à cultura e aos processos políticos, isto é, como parteda problemática do poder e hegemonia. Daí a razão de observaros processos de comunicação com uma forte referência nas ciên-cias sociais, constituindo uma vertente singular de estudos cultu-rais com forte atenção na base social dos processos culturais27 .Foi se constituindo, então, uma preocupação fundamentalmentesociológico-cultural.

Page 51: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

50

Esse traço não impediu, no entanto, que o locus de surgimen-to dos estudos culturais latino-americanos seja o ambiente acadê-mico. Mas mesmo aí seu espaço é relativamente precário emcomparação com o rápido processo de institucionalização queocorreu na Inglaterra, nos Estados Unidos, no Canadá e na Aus-trália, para citar os casos mais conhecidos. Na América Latina,eles sobrevivem como uma tendência dentro de um departamentoacadêmico através de posicionamentos isolados ou de um coletivode pesquisadores, outras vezes como linha de pesquisa de progra-mas de pós-graduação ou mesmo como projetos de investigaçãointerdisciplinar.28

Embora a vertente latino-americana tenha emergido e se lo-calizado preferencialmente no âmbito acadêmico, surge entrela-çada com um momento conjuntural de redemocratização dasociedade e de observação intensa da ação dos movimentos sociaisda época. As profundas alterações que vêm ocorrendo na vidasocial dirigem o olhar dos intelectuais que individualmente têmelaborado análises críticas sobre a vida social e cultural contempo-rânea. É esse tipo de engajamento político que se dá nos estudosculturais latino-americanos e os diferencia tanto do momento ini-cial da vertente britânica quanto do seu desenvolvimento em solonorte-americano.29

Além disso, conta também para sua emergência a estrutura-ção de um nexo entre um contexto histórico e as teorias circulan-tes no campo intelectual, reveladas pelo universo conceitualutilizado nas pesquisas desse momento. De modo especial, inte-ressa destacar a passagem de um marxismo determinista para ummarxismo de corte gramsciano.

No primeiro, era imperativo explicar e analisar os conflitosatravés de uma única contradição: a diferença de classe. Isso impe-dia de pensar a pluralidade de matrizes culturais, a diversidade cul-tural. A flexibilização dessa lógica permitiu o redesenho das relaçõesentre cultura e classe social. O redefinido é tanto o sentido de cultu-ra quanto o de política, permitindo (re)descobrir as culturas popu-lares e a constituição de identidades.30 Isso em grande medida sedeve à incorporação de parte do pensamento gramsciano.

Page 52: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

51

Enfim, para abordar a constituição do objeto de estudo destaperspectiva, é válido resgatar as principais marcas da pesquisa emcomunicação, registradas num passado bem próximo. Inúmerosautores trabalham na sistematização das tendências da pesquisaneste campo. Aqui, apenas recupero marcas que trazem uma for-te conexão e desembocam na constituição da perspectiva dos es-tudos culturais.31

Num sintético balanço da pesquisa em comunicação na Améri-ca Latina, quatro grandes áreas de análise surgem como marcantes:Influência da política econômica internacional no desenvolvimentocultural dependente; Políticas dos meios de comunicação e, sobretu-do, a democratização da comunicação; Comunicação popular/alter-nativa como base da democratização da comunicação; Papel dos meiosmassivos na transformação das culturas nacionais. As três primeirassão marcantes de um período mais ou menos definido entre 1970 einício dos 80.32 A quarta problemática passa a ser mais desenvolvidaa partir de meados dos 80.

Alterações do contexto sócio-político-econômico que tomamforma ainda na década de 70 contribuem para que surja essa últimatendência na pesquisa em comunicação. No nível regional, a re-pressão desencadeada pelos governos militares, que proliferaramnessa época na América Latina, e a posterior articulação da socie-dade civil em combate ao autoritarismo e, no nível internacional, opróprio momento histórico e a movimentação do campo intelectu-al, no que se refere às formas de pensar a cultura, desestabilizaramas teorias dominantes na pesquisa em comunicação.

Um fator que contribuiu de forma imperativa para a reavalia-ção dos modelos de análise foi a atenção que mereceu a efervescên-cia do meio social latino-americano. Expandiram-se movimentossociais que levaram adiante lutas contra a repressão e a discrimina-ção e, também, mobilizações dos setores populares da sociedadeque lutavam pela apropriação de bens e serviços e pressionavam osistema político a atender suas demandas sociais.

Essas mobilizações e tais movimentos sociais politizaramquestões antes consideradas privadas, introduzindo uma sériede mudanças na vida cotidiana das pessoas (cf. CARDOSO, 1985;

Page 53: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

52

GARCÍA CANCLINI, 1985). A novidade dessas lutas populares reve-lou-se no âmbito do sociopolítico ao compor um quadro de lutaspelo direito de organização e de participação, fissurando o po-der autoritário.

Associações comunitárias, clubes de mães e de jovens, co-munidades eclesiais de base, movimentos em defesa da moradia,do meio ambiente, dos direitos humanos, o movimento feminis-ta, o negro e outros de existência bem localizada fizeram com queo campo das reivindicações se ampliasse. Passaram a entrar emcena interesses que extrapolavam o mundo estrito do trabalho,despertando outras dimensões da cultura.

O surgimento desses novos atores sociais colocou em xeque acultura política tradicional. O reconhecimento dessas experiênciascoletivas, que incluíam práticas do viver cotidiano e interesses situa-dos num campo mais vasto do que o da produção, renovaram oâmbito do político.

Diante dessa conjuntura política e cultural, fez-se necessárioabandonar uma concepção de transnacionalização como mera es-tratégia de imposição cultural que desconhecia os modos de apro-priação e ressignificação das mensagens hegemônicas, isto é, osusos que os diversos grupos sociais fazem dos meios e dos produ-tos massivos. Assim, a investigação exemplificada pela teoria dadependência cultural e leitura ideológica das mensagens dos mei-os de comunicação passou a ser questionada na passagem dosanos 70 para os 80.

Nos anos oitenta, no plano econômico-social, nota-se umaalteração no desenvolvimento do capitalismo em que se ressalta aglobalização econômica. O plano político sente os efeitos dessefenômeno, mas, também, emergem aí novas experiências que sur-gem dos processos de redemocratização da América Latina, istoé, há um reconhecimento de experiências coletivas não enquadra-das em formas partidárias.33 No plano cultural, verifica-se a con-solidação de um mercado de bens simbólicos tanto nas fronteirasnacionais quanto nas relações que se estabelecem com as demaisindústrias culturais, da América Latina e fora dela, ou seja, mani-festa-se a globalização cultural.

Page 54: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

53

Na convergência do processo de globalização com o movi-mento de profunda transformação do político, uma valorizaçãodiferente do que pode ser considerado cultural germina. Tal pano-rama problematiza a idéia de dominação, vigente até o momento,e traz conseqüências para a discussão da questão da identidade daAmérica Latina.

E mais: “é a própria categoria de fronteira a que perdeu suasreferências e com ela a idéia de nação que inspirou toda umaconfiguração do cultural” (MARTÍN-BARBERO, 1995b, p. 173). Énesse contexto de crise do âmbito da Nação, da identidade e deparadigmas, em especial aqueles fundamentados em “grandes nar-rativas”, que emerge uma nova valorização do cultural. Esse des-locamento abrange toda a América Latina, resguardadas asparticularidades de cada nação. De toda forma, é dentro desseespectro que se inicia a configuração de um olhar que vê a comu-nicação na cultura e se associa aos estudos culturais.

Na avaliação de Martín-Barbero (1989a, p. 22), essa propos-ta, ainda que não assuma propriamente a denominação de estu-dos culturais, tem como eixo:

a apropriação, isto é, a ativação da competência cultural das pesso-as, a socialização da experiência criativa e o reconhecimento dasdiferenças, isto é, a afirmação da identidade que se fortalece nacomunicação – feita de encontro e conflito – com o outro. Acomunicação na cultura deixa, então, de ter a figura do interme-diário entre criadores e consumidores, para assumir a tarefa dedissolver essa barreira social e simbólica, descentrando e desterri-torializando as próprias possibilidades da produção cultural eseus dispositivos.

Em outras palavras, isso significa deslocar a idéia de culturado âmbito estrito da reprodução para o campo dos processos cons-titutivos e transformadores do social. O desafio para os investiga-dores da comunicação é, portanto, construir um discurso – a partirda comunicação – sobre os sujeitos sociais e suas práticas. Embo-ra isso não signifique defender uma posição disciplinar (ou seja,da comunicação enquanto disciplina) nem desconhecer a tendên-cia crescente de multidisciplinaridade.

Page 55: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

54

No final da década de 80, Martín-Barbero (1989b) reavalia amovimentação das problemáticas de pesquisa no campo da comu-nicação, salientando a configuração de três grandes áreas: políticas,tecnologias e democracia; indústrias culturais, transnacionalizaçãoe culturas populares; e meios, públicos e usos. Nesse momento, umolhar transversal já aponta para pontos de contato entre os possíveislimites destas linhas de investigação, desmoronando as fronteirasantes construídas. De outro lado, estas tendências, também, mos-tram sinais do deslocamento da comunicação para o âmbito dacultura, rompendo barreiras disciplinares.

Martín-Barbero percebe esse movimento de espraiamento nasfronteiras do campo da comunicação:

Quando, em 1980, tracei um mapa da investigação latino-ameri-cana em comunicação os limites que demarcavam o campo conser-vavam bastante nitidez. Hoje, quase dez anos depois, as fronteiras,as contigüidades e as topografias desse campo não são as mesmasnem estão tão claras. A idéia de informação – associada à inovaçãotecnológica – ganha legitimidade teórica e operacionalidade, en-quanto a de comunicação faz-se em pedaços ou se desloca e sealoja em campos vizinhos. (MARTÍN-BARBERO, 1989b, p. 140)

De forma ainda mais enfática, em 1992, concluía: “[…] aproblemática da comunicação desborda hoje as divisas e os esque-mas de nossos planos de estudo e de nossas investigações. O cam-po que, até bem pouco, tinha demarcações acadêmicas nítidas jánão é mais o campo da comunicação. Gostemos ou não, outros apartir de outras disciplinas e outras preocupações fazem já partedele” (MARTÍN-BARBERO, 1992, p. 31).

Em síntese, uma nova conjuntura sócio-político-econômica ecultural, configurada pela globalização do capital e da política, pelaconsolidação de indústrias culturais latino-americanas que expandi-ram, inclusive, sua atuação para além das fronteiras nacionais epelo reconhecimento de sujeitos sociais, que compondo formas di-ferenciadas de mobilização, revelavam plena atividade – emboraessas manifestações não atuassem de modo constante e a diversida-de de movimentos indicasse relevâncias distintas (CARDOSO, 1985,p. 121) –, contribuiu para mostrar que o arsenal teórico dominante

Page 56: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

55

no campo da comunicação, na América Latina, não estava afina-do para compreender essa realidade.

Desse modo, a experiência do popular vinculada ao espaçoda comunicação foi a protagonista da emergência dos estudosculturais no contexto latino-americano. Por essa razão, o objetopreferencial de estudo desta perspectiva se concentra no espaçodo popular, das práticas da vida cotidiana, fortemente relacionadocom as relações de poder e conotação política.34 Esta é uma dassingularidades do processo latino-americano que se revela no acen-to do viés sócio-cultural. Disciplinarmente evidenciado no triân-gulo comunicação, sociologia e antropologia.

Toda análise deste gênero corre o risco de tornar-se simpló-ria e reducionista, pois, ao tratar de generalizar, perde de vista asparticularidades. Digo isso com o intuito de, por um lado, acres-centar que esta perspectiva teórica também estabelece relaçõescom outras disciplinas (por exemplo, história, crítica literária epolítica35) e, por outro, com o objetivo de demarcar diferenciaisem relação à formação de outras trajetórias regionais (por exem-plo, a britânica, que estabelece no período inicial fortes laços coma crítica literária).

Ao contrário das trajetórias de estudos culturais que estabe-leceram uma forte relação com análises de textos (a britânica, decerta forma, durante um período, e a norte-americana desde suaorigem) e, portanto, uma relação mais intensa com outro grupodisciplinar, os latino-americanos tentam, num primeiro momen-to, gerar competências pertinentes à mudança social. Ou seja,observa-se uma forte tendência social nos estudos culturais lati-no-americanos, percebida não só no momento inicial, mas ain-da com repercussões na atualidade, embora os laços políticosvenham atenuando-se.

A opção pela análise das práticas sociais do âmbito populardepois de uma fase de concentração nas leituras ideológicas dasmensagens dos meios de comunicação é um indicativo de com-promisso social. Metodologicamente, as estratégias qualitativas depesquisa e, fundamentalmente, a etnografia transformaram-se numinstrumento apropriado para levar em frente esta prática de investi-gação. A partir dos anos 80, nota-se tal ênfase metodológica.

Page 57: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

56

Justifica-se essa escolha porque a “etnografia reposiciona a teoriade acordo com as condições concretas de existência cultural; [e]processos e negociações modulados através da vida cultural po-dem ser usados para confrontar e redirecionar a teoria”, diz Gar-cía Canclini (citado por MURPHY, 1997).

É, ainda, importante salientar, a mudança de enfoque queocorreu no início dos anos 80, dentro do campo estratégico deinvestigação da comunicação participativa, alternativa ou popu-lar. Esse eixo de pesquisa – a investigação da comunicação popular– passou a indicar que o alternativo poderia ser alguma coisaproduzida no próprio âmbito dos meios massivos embora, de for-ma bem ampla, devesse propiciar que os grupos dominados to-massem a palavra.

Martín-Barbero (1984) indica que no espaço do popular po-deriam ser identificados: o popular-memória, isto é, a memória deoutra matriz cultural; o popular-massivo, em que o massivo não éexterior ao popular, remetendo-se a dispositivos de enunciaçãopopular; e os usos populares do massivo, quando junto com a lingua-gem do meio se pesquisam os códigos de percepção e reconheci-mento, os dispositivos de enunciação popular em que se expressamconfundidos a memória popular e o imaginário de massa.36

É interessante destacar que, do ponto de vista de uma dasreferências internacionais da economia-política da comunicação,os estudos culturais latino-americanos representam “um acrésci-mo” em relação à prática britânica ou norte-americana, exata-mente por perceberem alterações nas relações entre Estadosnacionais, mercados e meios de comunicação.

Na América Latina, os especialistas têm traçado, baseados na adap-tação e transformação de uma mistura de produtos culturais po-pulares locais e importados (em grande parte norte-americanos), aimagem característica da prática cultural popular de seus países.Muito da pesquisa e da literatura teórica desenvolveu-se comoreação à procura de respostas para questões a respeito dos meios decomunicação e da democracia, bem como da criação de uma esferapública aberta a mais vozes. [...] Evitando velhos dualismos teóri-cos, no que tange àqueles que detêm o poder e àqueles que nãotêm poder nenhum, os estudiosos latino-americanos, tais como

Page 58: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

57

García Canclini e Martín-Barbero, propõem categorias analíticascomo o sincretismo, a hibridação e a mestiçagem [...] para clarificarprocessos de apropriação, adaptação e vocalização culturais na me-diação entre prática cultural, cultura popular, meios de comunica-ção democráticos e política. (GOLDING E FERGUSON, 1997, p. xvii)

Lembre-se que a proposta teórica latino-americana, queentende a comunicação como uma questão de cultura, surgecomo tentativa de resposta à crise dos paradigmas existentes e,essencialmente, contra o olhar que reduz a comunicação a ex-plicações causais e funcionais. O clima propício para esta mu-dança se dá na passagem dos anos 70 para os 80. Na década de80, tais posicionamentos disputam espaços e vão se afirmandocomo uma proposta viável para compreender o papel dos meios,do Estado, e da cultura popular na sociedade; a relação de to-dos esses elementos e o processo de constituição da identida-de, assim como sua articulação com as forças de globalização edesterritorialização.

Durante esse período, existe, ainda, um clima bastante poli-tizado em que intelectuais manifestam suas preocupações e ten-tam exercer um papel político em relação ao debate da identidadelatino-americana e das culturas nacionais. O desafio é produzirum conhecimento sobre o social que não se traduza somente emrenovação de temas, objetos e métodos, mas, sobretudo, em pro-jetos capazes de relacionar o desenvolvimento da comunicaçãocom o fortalecimento a solidariedades e ampliação de formas deconvivência cidadã.

Aos poucos, um certo desencanto com a atuação dos gover-nos democráticos, o enfraquecimento do papel do Estado diantedo avanço acelerado do neoliberalismo, a perda de poder do Esta-do-nação e sua incapacidade de administrar a desigualdade socialcrescente, assim como de tratar a heterogeneidade cultural e, deoutro lado, a diluição da polêmica em torno da identidade nacio-nal, vão esmaecendo os laços políticos.

Em termos propriamente de objeto de estudo, é dentro datemática das culturas populares que começam a ser desenvolvidasdiferentes abordagens da recepção mediática nos anos 80. Estasconfiguram o principal ponto de convergência da perspectiva dos

Page 59: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

58

estudos culturais, juntamente com o trabalho desenvolvido sobreo consumo cultural, seja ele observado tanto através de uma visãomais abrangente de cultura quanto aquela relacionada com os pro-cessos de constituição e hibridação das identidades.37 São estas astendências preferenciais de investigação dos estudos culturais lati-no-americanos do final dos anos 80.

Convém, aqui, ressaltar algumas semelhanças e diferenciaçõesteórico-metodológicas deste desenvolvimento dos de outras trajetó-rias regionais. Dentro do âmbito dos estudos de recepção, a passa-gem das análises concentradas ainda no texto para a descoberta dosujeito-receptor desembocou numa certa obsessão com as “leiturasnegociadas”, ocasionando no limite a celebração da resistência doreceptor, antes visto como mero ente passivo. Esta crítica é extensi-va tanto as análises latino-americanas quanto às anglo-americanas,tendo vigência contemporânea também para ambas.

Nos estudos de audiência anglo-americanos, observa-se umaforte influência do instrumental semiológico que contribui para aanálise da mensagem que está sendo consumida pelos receptoresem foco. Já na América Latina, não há evidências que sinalizemessa incorporação. Ao contrário, os estudos de recepção, de certaforma, manifestavam, fundamentalmente, nos anos 80 e iníciodos 90, uma crítica contundente a esse instrumental, criando umambiente propício para a concentração das análises nos relatosdos próprios receptores.

A adoção da etnografia como principal estratégia metodoló-gica nos estudos de recepção, tanto no contexto latino-americanoquanto no anglo-americano, transformou-se num ritual implemen-tado na grande maioria das investigações incluídas na perspectivados estudos culturais, o que provoca certas deformações nessaproposta metodológica.38

A tradição etnográfica tem ligado os estudos culturais a umaênfase descritiva e a um certo empirismo. Mesmo assim, a op-ção etnográfica vem cada vez mais ganhando popularidade mas,oportunamente, vem se realizando, também, algumas reflexõesmetodológicas sobre suas implicações, nas análises de audiên-cia.39 O desafio reside, a despeito desse tipo de posicionamento,

Page 60: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

59

em extrapolar e transcender o pensamento que se esgota no dadoempírico (REGUILLO, 1997).

Para os estudos culturais como um todo, interessa, em pri-meiro lugar, especificar o que caracteriza seu objeto de estudo,considerado de forma genérica dentro da idéia de “atividade daaudiência”. Esta deve ser vista em relação aos processos e estrutu-ras sócio-políticos, isto é, em relação aos processos estrutural ecultural através dos quais a audiência é constituída. Desta forma,a aproximação à “atividade da audiência” está sempre relacionadacom operações do poder social, isto é, como as relações de poderestão organizadas dentro de práticas diversas e heterogêneas deconsumo dos meios.

Uma outra consideração importante no “fazer” investigaçãodentro dos estudos culturais, no âmbito da audiência, é o prevale-cimento da idéia de que pesquisar significa construir “interpreta-ções”, certos modos de compreender o mundo, semprehistoricamente localizados, subjetivos e relativos. Levando emconsideração essa premissa, o material obtido diante de práticasmetodológicas etnográficas não pode ser entendido, à moda posi-tivista, como um dado natural. Ressalta-se que muitas vezes talprincípio não é observado.

Por outro lado, isso tem implicações na posição que o pes-quisador assume diante de seu objeto. Nessa situação, o pesquisa-dor já não é mais um observador neutro,

mas alguém cujo trabalho é produzir conhecimentos tanto his-toricamente quanto culturalmente específicos, que são resulta-dos de um igualmente específico encontro entre o pesquisador eos informantes, encontro em que a subjetividade do pesquisa-dor não está separada do objeto que estuda. As interpretaçõesproduzidas nesse processo nunca podem ser consideradas defini-tivas: pelo contrário, são necessariamente incompletas (pois sem-pre envolvem simplificação, seleção, e exclusão) e temporárias.(ANG, 1989, p. 105)40

Enfim, o pesquisador é, ele próprio, um sujeito político emoral, responsável socialmente pelo mundo onde vive. Esta con-dição coloca-o em interfaces diversas, redirecionando-o a tomar a

Page 61: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

60

cultura “como um domínio essencialmente hermenêutico – umdos ‘discursos’, ‘sentidos’, ‘narrativas’, e assim sucessivamente –que o crítico não somente ‘estuda’, mas interpreta e até ‘ressig-nifica’” (LARSEN, 1996, p. 137). É uma decorrência que as rela-ções entre pesquisador-pesquisado tornem-se elas própriastemáticas de atenção.

A reflexividade, entendida como “pensar o pensamento como qual pensamos” (IBÁÑEZ apud REGUILLO, 1997, p. 136), é condi-ção para dotar de potência explicativa a investigação em comuni-cação. Que ela exista, no contexto latino-americano, por exemploatravés de reflexões de Martín-Barbero,41 García Canclini, Lopes,Reguillo, entre outros, não quer dizer que não necessite ser im-plementada ainda mais.

Se, por um lado, a questão da reflexividade necessita ocuparum espaço importante na pauta das discussões deste campo deestudos, de outro, é tarefa urgente adensar a investigação empíri-ca. Especificamente no que diz respeito à pesquisa da recepção, àprimeira vista podem ser identificados dois grandes eixos: umrelacionado as negociações que se estabelecem entre textos medi-áticos e espectadores/audiência e outro referente às multi-varia-das formas pelas quais nós, espectadores, nos constituímos atravésdo consumo mediático.

E é exatamente nessa constituição dos sujeitos através dosprocessos de recepção e consumo que se nota uma diferenciaçãoimportante entre as investigações latino-americanas e as anglo-americanas. Nestas últimas, adquire especial importância o en-contro entre estudos culturais e feminismo, o que não se observana América Latina, embora exista uma preocupação em focalizarquestões em torno da mulher.

É possível identificar contribuições originais a partir do de-senvolvimento da perspectiva feminista, num primeiro momento,nos estudos culturais britânicos. O olhar feminista desafiou osestudos dos meios que até então vinham sendo feitos, nos quaisapenas valorizavam-se programas noticiosos e de caráter político epúblico, incluindo, então, análises sobre telenovelas e outros gêne-ros considerados mais “femininos”. A família foi identificada comoum importante espaço de apropriação de produtos culturais, abrindo

Page 62: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

61

caminho para investigações inovadoras sobre as conexões entrevida privada e pública.

Enfim, essa perspectiva desafiou a centralidade da categoria“classe social” na interpretação dos processos de dominação, in-serindo a questão do gênero. Em termos de método, a preocupa-ção com a perda da experiência ou agência no discurso analítico,fez com que as feministas utilizassem cada vez mais metodologiasque resgatam esse âmbito – a (auto)biografia, o depoimento, ahistória de vida, entre outras.42

De um modo geral, a atenção no momento da recepção con-tinua sendo fundamental em relação a duas problemáticas maisamplas. Uma delas abrange a temática do sujeito, da subjetivida-de e da intersubjetividade, enquanto a outra se interessa pela inte-gração de novas modalidades de relações de poder na problemáticada dominação.

É dessa forma que se estabelece o encontro com a produçãofeminista. Esta propiciou novos questionamentos em torno dequestões referentes à identidade, pois introduziu novas variáveisna sua constituição, deixando de ver os processos de construçãoda identidade unicamente através da cultura de classe e sua trans-missão geracional. Mais tarde, acrescentam-se às questões de gê-nero, as que envolvem raça e etnia. Estas últimas vem sendodesenvolvidas nos estudos de recepção a partir dos 90.

Com essa digressão pode-se avaliar essa mesma conexão en-tre feminismo e estudos culturais no território latino-americano.Na América Latina, os estudos de recepção dão especial atenção àespectadora feminina, principalmente, de televisão. Alguns, de for-ma proposital; outros, nem tanto. De todo modo, muitas investiga-ções tomam a mulher como informante primordial: seja mulher declasse média ou popular; seja no papel de doméstica, de operária,de dona de casa; seja na função de mãe como agente social de pesona interação com os filhos e, por sua vez, na recepção da televisão.Discute-se se as mulheres controlam ou não a programação televi-siva no ambiente familiar e doméstico, discutem-se suas preferên-cias em termos de gêneros, entre outras questões.43

Existiria uma razão especial para tal concentração? A audiên-cia não é composta apenas por mulheres, inclusive, aquela que

Page 63: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

62

assiste programas tidos como “femininos”, sobretudo, as teleno-velas. Seria a mulher uma informante mais competente diante dasnarrativas masculinas de “falta de tempo” para conversar sobre atelevisão ou de “aparente descaso” quando o tema é novela? Estase outras questões em torno desta preferência “casual” ou “delibe-rada” ainda não foram fruto de atenção, bem como não foraminvestigadas as razões para tal composição de amostragens.

À primeira vista, os estudos de recepção latino-americanostomam a mulher como variável de gênero, mas apenas como maisum indicador entre os índices socioeconômico, geracional e etnia(quando este último é incorporado). A condição feminina nãotem sentido estrutural na articulação da sociedade, não tem umsignificado social concreto no nível da estruturação social, porisso não merece nenhum destaque no âmbito teórico, não é pro-blematizada e nem tem densidade teórica.44 Embora esses mes-mos estudos tenham permitido conhecer o universo cultural dasmulheres, revelando o contexto no qual recebem as mensagensmediáticas e quais os usos que fazem dessas narrativas dentro desua vida cotidiana.

O fato é que parece não existir uma inflexão feminista nosestudos culturais latino-americanos que, aqui, estão em questão(cf. YÚDICE, 1993b; García Canclini na sua entrevista a Murphy,1997). Geralmente, no caso dos estudos de recepção, as preocu-pações em torno da condição da mulher se dão em referência aum contorno mais amplo, sobretudo, o de classe social.

Assim, também, no contexto latino-americano pode-se ob-servar uma atenção crescente à temática das identidades num panode fundo de intensa fragmentação do sujeito. Quase no final dosanos 90, a tendência geral que se esboça, aborda a constituição deidentidades e representações, na qual o poder é entendido quaseque exclusivamente como uma função de manipulação simbólica.Por sua vez, os diferentes grupos sociais e suas identidades pas-sam a ser vistos mais como resultado do consumo simbólico, es-maecendo-se os laços com os processos produtivos.

A tradição ensaística também caracteriza os estudos cultu-rais latino-americanos de hoje. A meu ver, o aspecto negativodeste tipo de narrativa é o uso recorrente a metáforas que obscu-

Page 64: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

63

recem as particularidades do processo. O risco é compor posicio-namentos e análises eminentemente retóricos.

Por exemplo, pensar a cultura, hoje, pressupõe vê-la comouma realidade que transcende os limites do Estado-nação e que seinsere no processo de globalização. No entanto, tal premissa temvalidade se permitir compreender o vínculo entre produção sim-bólica e base econômica. Caso contrário, pode transformar-se emmera mistificação.

No plano específico da pesquisa em comunicação na Amé-rica Latina, Martín-Barbero (1996a) desenha o que pode confi-gurar o horizonte próximo desse campo. Quatro grandes questi-onamentos afloram: indagações em torno do desordenamentodo cultural; questionamentos sobre os processos de mediação demassa da política; problemas em torno da cidade enquanto espa-ço de comunicação; e o âmbito da recepção/uso dos meios e doconsumo cultural. Aparentemente todas temáticas de forte cono-tação política.

Na realidade, o que esses eixos de investigação estão sinali-zando é que a comunicação como objeto de estudo pode ser defi-nida, em seus termos mais gerais, como as relações, através desuas múltiplas mediações, entre produção de sentido e identidadedos sujeitos nas mais diversas práticas sócio-culturais (FUENTES,1996). No entanto, a afirmação de identidades diversas e pluraistende a constituir o mundo em termos de identidades tão particu-lares que facilita desaguar num nível muito localizado e domésti-co. E novamente desentrelaçado da trama social, da estruturaçãogeral da sociedade.

A questão da relação, em formações sociais específicas, en-tre práticas culturais e outras práticas, isto é, a relação entre ocultural e o econômico, o político e as instâncias ideológicas quecaracterizou um deslocamento teórico fundamental na constitui-ção da tradição dos estudos culturais, torna-se assim problemáticano atual desenvolvimento dos estudos culturais latino-americanos.

Aliado a isso, observa-se o avanço da idéia de descrença nopapel propositivo do intelectual. Alguns intelectuais latino-ameri-canos revelam sinais nessa direção. Porém, algumas vozes que

Page 65: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

64

crêem nessa missão ainda subsistem em convívio com um destrava-do processo de despolitização dos estudos culturais latino-america-nos. O que se pode perder através desse processo é aquela marcainicial da reflexão latino-americana de pensar a mudança social.

E mais um pressuposto essencial para os estudos culturaisparece estar em xeque na reflexão de alguns analistas culturais,na atualidade: a crença na ação social. Se os estudos culturaiscaracterizaram-se por constituir uma perspectiva que enfatiza aatividade humana, a produção ativa da cultura, ao invés de seuconsumo passivo e, hoje, tal capacidade começa a ser posta emdúvida, as análises contemporâneas podem estar indicando, defato, um processo de despolitização dos estudos culturais nocontexto latino-americano. Caso essa tendência se concretize,mais uma vez poderá ser identificada a articulação da propostalatino-americana com o movimento mais geral dos estudos cul-turais, pois esse debate já constitui a agenda de discussões inter-nacionais desse campo de estudos.

Page 66: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

65

DE IDEOLOGIA PARA HEGEMONIA

IDEOLOGIA COMO DOMINAÇÃO

Embora se reconheça que o debate teórico dentro da forma-ção da trajetória britânica dos estudos culturais não se deu deforma linear, eliminando passo a passo determinadas concepções,podem ser identificados diferentes enfrentamentos na sua consti-tuição. Convém, agora, recuperar especificamente a constituiçãode uma abordagem dos meios de comunicação que se dá entreduas aproximações distintas: a culturalista e a estruturalista. Essaconstrução está, sobretudo, proposta na reflexão de Stuart Hall.1

Do outro lado, observa-se, na América Latina, representadaaqui através de Néstor García Canclini e Jesús Martín-Barbero,como a mesma discussão tomou forma. Não obstante, nesta regiãoo tratamento de tal problemática não assumiu tais termos – ou seja,um confronto entre culturalismo versus estruturalismo –, logo, nãodesencadeou uma proposta de articulação dessas duas perspectivas.Mesmo assim, as questões que tentam ser resolvidas através dessecotejo teórico, situadas, principalmente, em torno da relação entremeios de produção e ideologia, são vivamente tratadas, também,pelos autores latino-americanos, permitindo assim a construção deparalelismos entre as posições de Hall, Martín-Barbero e GarcíaCanclini. Os autores citados coincidem na escolha de uma contri-buição teórica singular na tentativa de construir uma resposta maiscomplexa a tais questionamentos. O ponto de convergência, ouuma possível superação dos problemas postos pelo confronto entreestruturalismo e culturalismo, dá-se, sobretudo, através da incorpo-ração do conceito de hegemonia, de Antonio Gramsci.

No centro desta discussão está o que Hall (1982, p. 88) de-nominou de identificação da ideologia aliada ao reconhecimentoda importância da significação social e política da linguagem,assim como do signo e do discurso. Nas palavras do autor, esta

Page 67: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

66

mudança de posicionamento equivaleria “a re-descoberta da ideo-logia”, no entanto, “seria mais apropriado referir-se ao retornodo reprimido”. Este posicionamento revela a construção de umaabordagem alternativa à teoria dominante, na época, no que dizrespeito à comunicação de massa.2

O contorno mais geral em que se dá a construção da proble-mática em torno da ideologia diz respeito às relações entre estu-dos culturais e marxismo. Duas questões são aí primordiais:entender a cultura em relação a estrutura social e sua contingênciahistórica; assumir que a sociedade capitalista é uma sociedadedividida desigualmente e que a cultura é um dos principais níveisem que esta divisão é estabelecida e, também, contestada.

Avançando um pouco mais nesta relação, pode-se afirmarque o campo dos estudos culturais sofre a influência marxista emtrês vetores.

O primeiro é que os processos culturais estão intimamente conec-tados com as relações sociais, especialmente com formações e rela-ções de classe, com divisões sexuais, com a estruturação racial dasrelações sociais e com as opressões de geração como uma forma dedependência. O segundo é que cultura envolve poder e ajuda aproduzir assimetrias nas habilidades dos indivíduos e grupos soci-ais para definir e perceber suas necessidades.O terceiro, que segueos outros dois, é que cultura não é um campo nem autônomonem externamente determinado, mas um espaço de diferenças elutas sociais. (Johnson, 1996, p. 76)

A relação com o marxismo se inicia e se desenvolve atravésda crítica de um certo reducionismo e economicismo dessa pers-pectiva, resultando na contestação do modelo base-superestrutu-ra. Os estudos culturais atribuem à cultura um papel que não étotalmente explicado pelas determinações da esfera econômica.

Entretanto, a perspectiva marxista, nesse estágio do desen-volvimento dos estudos culturais, contribuiu no sentido de com-preender a cultura na sua “autonomia relativa”, isto é, ela não édependente das relações econômicas, nem reflexo, mas tem influên-cia e sofre conseqüências das relações político-econômicas. ComoAlthusser argumentava, existem várias forças determinantes –

Page 68: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

67

econômica, política e cultural –, competindo e em conflito entresi, compondo uma complexa unidade – a sociedade.

Embora se afirme a influência desse ponto de vista na cons-tituição do corpo teórico de um determinado período da verten-te britânica dos estudos culturais, deve-se ter presente que essaarticulação mutuamente determinante entre forças distintas é pro-blemática, ambígua e contraditória. Sobretudo porque pretendera “autonomia relativa” da esfera cultural, não elimina a possibili-dade de compreendê-la determinada “em última instância” pelaesfera econômica.

A questão da relação entre práticas culturais e outras práticasem formações sociais definidas, isto é, a relação do cultural como econômico, o político e as instâncias ideológicas, pode serconsiderada enquanto um questionamento-chave na construçãoda tradição dos estudos culturais. Reafirma-se que a contribuiçãode Althusser nesse sentido é marcante. “Grosso modo, a inovaçãoimportante foi a tentativa de pensar a ‘unidade’ de uma formaçãosocial em termos de uma articulação. Isto estabeleceu os temas da‘autonomia relativa’ do nível ideológico-cultural e um novo con-ceito de totalidade social: totalidades como estruturas complexas”,reconhece Hall (1980a, p. 32, grifo meu).

Hall destaca que não se pode eliminar a distinção entre ins-tâncias e elementos diferentes nem se aderir à tese de determina-ção do econômico, existindo, então, uma articulação entre níveisdistintos. E que o entendimento da totalidade social, ao contráriode ser mera expressão do vivido, funda-se em estruturas.

Inserida em tais contornos, a transição do paradigma domi-nante ao crítico no campo da comunicação, segundo Hall, podeser sintetizada na idéia de reconhecimento que os media funcio-nam dentro e através do domínio do discursivo. Por sua vez, osmedia não podem ser vistos fora do campo das relações de poder.Mais ainda, Hall resume esta mudança na afirmação: “os meiosde comunicação são ideológicos”. Isso implica compreender queos media operam dentro do campo da construção social do sentido,isto é, os significados não estão inscritos nas suas próprias ori-gens mas nas relações e nas estruturas sociais.

Page 69: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

68

Profundas diferenças teóricas e políticas estão em questão nes-ta mudança. A ruptura mais dramática ocorre precisamente emtermos do movimento de passagem de uma ótica essencialmentecomportamental, característica do paradigma dominante, para umaperspectiva ideológica. Em termos bem gerais, o que está postoem questão é o papel “reflexivo” dos meios de comunicação e aconcepção da linguagem como algo “transparente”. Na perspectivade Hall, os meios de comunicação definem, não simplesmente repro-duzem, a “realidade”. Como o próprio Hall (1982, p. 64) explica,

definições de realidade são sustentadas e produzidas através de todasaquelas práticas lingüísticas – entendidas num sentido amplo – pormeio das quais definições seletivas do ‘real’ são representadas. Masrepresentação é uma noção muito diferente daquela de reflexão.Implica o trabalho ativo de selecionar e apresentar, de estruturar edar forma: não simplesmente de transmitir um significado já exis-tente, mas o trabalho mais ativo de fazer as coisas significarem.

Na realidade, a representação implica uma prática, uma pro-dução de sentido – “o que, subseqüentemente, veio a ser definidocomo uma ‘prática significante’. Os meios de comunicação sãoagentes significantes” .

Duas preocupações são centrais nessa mudança de enfoque.De um lado, como a ideologia funciona e quais são seus mecanis-mos e, de outro, como o ideológico é concebido em relação àsoutras práticas dentro de uma formação social. Insatisfeito comos contornos tanto do culturalismo quanto do marxismo estrutu-ralista, proposto por Althusser, Hall confrontou-os, tensionandoseus princípios ao limite. Surge daí uma outra armação teórica.

Na perspectiva esboçada por Hall, a produção e transforma-ção do discurso ideológico está formatada por teorias preocupadascom o caráter simbólico e lingüístico desse discurso. Por essa ra-zão, as ideologias funcionam mediante a linguagem. No estrutura-lismo, essa questão remete ao problema da significação. “Linguageme simbolização são o meio pelo qual o significado é produzido.Esta aproximação destituiu a noção referencial de linguagem […]onde o significado de um termo particular ou sentença podia servalidado simplesmente vendo ao que ela referia-se no mundo real.

Page 70: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

69

Ao invés, linguagem tinha de ser vista como o meio no qual signi-ficados específicos são produzidos” (HALL, 1982, p. 67).

Os significados são, então, uma produção social; resultamde uma prática social. Considerando o pressuposto que o senti-do é produzido e não dado, diferentes significados podem sercreditados para os mesmos eventos. Diante disso, Hall (1982)problematiza a questão de como o discurso dominante se garan-te ele próprio como a versão diante dos outros sentidos alterna-tivos ou competitivos. Problematiza, também, como asinstituições que são responsáveis pela explicação desses eventos– nas sociedades modernas, os media, por excelência – têm su-cesso na manutenção dos sentidos preferenciais (ou dominan-tes) dentro do sistema de comunicação.

Nesse espectro teórico, os media são responsáveis por provera base pela qual grupos e classes sociais constroem uma imagemdas vidas, práticas e valores de outros grupos e classes. Essas ima-gens, representações esparsas e fragmentadas da totalidade social,acabam construindo um todo coerente, o imaginário social “[…]através do qual nós percebemos os ‘mundos’, as ‘realidades vivi-das’ dos outros e, imaginariamente, reconstruímos suas vidas e asnossas em algum ‘mundo por todos’ inteligível, numa ‘totalidadevivida’” (HALL, 1977, p. 341).

É, também, função dos media refletir e expressar uma pluralida-de – mesmo que aparente – de representações ao invés de um univer-so ideológico unitário. Esse conhecimento social que os mediaseletivamente fazem circular é organizado através de sentidos prefe-renciais. E, por último, esse conjunto de representações, imagens esentidos, seletivamente representado e classificado, é organizado earticulado num todo coerente, numa ordem reconhecida, ou melhor,na produção do consenso, na construção da legitimidade.

São determinados mecanismos que permitem aos media tertal papel ideológico. Os media produzem mercadorias simbólicas esua produção não pode ser alcançada sem passar pelo crivo da lin-guagem, pois é necessário traduzir o evento real numa forma sim-bólica. Esse é o processo de codificação em que a seleção de códigospreferenciais parece corporificar uma explicação “natural”, mos-trando-se como a única forma inteligível e disponível do evento.

Page 71: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

70

No entanto, Hall (1977, p. 343) alerta que “nós devemoslembrar que ele [significado dominante] não é único, unitário,mas uma pluralidade de discursos dominantes: [e] que estes nãosão deliberadamente selecionados pelos codificadores para ‘repro-duzir eventos dentro do horizonte da ideologia dominante’, masconstituem o campo dos significados dentro do qual eles [codifica-dores] devem escolher”. Essa dinâmica é invisível e inconscientemesmo para os codificadores, sendo mascarada muitas vezes pelaintervenção de ideologias profissionais.

Do ponto de vista das abordagens convencionais dos meios decomunicação, esse problema da seleção e exclusão de sentidos seresume a problemas técnicos. Entretanto, para uma teoria da signi-ficação, todos esses são elementos derivados de práticas sociais.

Significação [é] uma prática social porque, dentro das instituiçõesdos meios de comunicação, uma forma particular de organizaçãosocial desenvolveu-se que capacitou os produtores (radiodifuso-res) a empregar os meios de produção de significados à sua dispo-sição (o equipamento técnico) através de um certo uso práticodeles (a combinação de elementos de significação identificadosacima) com o objetivo de produzir um produto (um significadoespecífico). (HALL, 1982, p. 68)

Contudo, o processo de significação dos media difere de ou-tros processos precisamente porque o que esta prática social pro-duz é um objeto discursivo, logo, o que o diferencia enquantoprática é a articulação de elementos sociais e simbólicos.

Porém, o problema reside, ainda, no processo de tornar “um”sentido predominante sobre os demais. Deduz-se daí que o poderexercido nesse processo não é uma força neutra. O processo designificação é o meio pelo qual os entendimentos coletivos sãocriados e, então, o consenso pode ser efetivado.

Ideologia, de acordo com essa perspectiva, não somente se tornauma ‘força material’ – para usar uma expressão antiga – real porqueé ‘real’ nos seus efeitos. Ela se torna, também, um espaço de luta(entre definições concorrentes) e uma aposta – um prêmio a serganho – na condução de enfrentamentos particulares. Isso signi-fica que ideologia não pode mais ser vista como uma variável

Page 72: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

71

dependente, uma mera reflexão de uma realidade preexistente namente. Nem são seus resultados previsíveis por derivação a partirde alguma lógica determinista simples. Eles dependem de um ba-lanço de forças numa conjuntura histórica particular: de uma ‘po-lítica de significação’.(HALL, 1982, p. 70)

Esse posicionamento revela uma mudança de enfoque nanoção de ideologia e como ela atua. Na perspectiva proposta pe-los estudos culturais, sobretudo dos anos 70, ideologias são estru-turas, logo, não são imagens, conceitos ou mero conteúdo. Emsíntese, é um sistema de codificação.

Assim, os meios de comunicação atuam incessantementena construção e desconstrução ideológica. Esse é um trabalhoque reproduz contradições e no qual, por definição, tendênciascontrárias estão constantemente manifestas, mas a inclinação dosmedia é reproduzir o campo ideológico da sociedade em tal for-ma que reproduz, também, sua estrutura de dominação. Hallreconhece que essa teoria tende a apresentar o processo excessi-vamente acentuado numa única direção, funcionalmente adapta-do à reprodução da ideologia dominante.

Até agora apenas a questão da codificação das mensagensesteve, aqui, em evidência. O ponto de vista da decodificação vaiser abordado, sobretudo, no ensaio “Encoding and decoding intelevision discourse” onde Hall3 (1980b) abre a discussão sobre atemática da recepção e dos consumos mediáticos.

O ponto de partida de Hall é compreender o processo decomunicação

em termos de uma estrutura produzida e sustentada através daarticulação de momentos vinculados, porém distintos – produ-ção, circulação, distribuição/consumo, reprodução. Isso seria pensaro processo como uma ‘estrutura complexa com dominante’, sus-tentada através da articulação de práticas conectadas, onde cadaqual, contudo, retém sua distinção e tem suas próprias modalida-des específicas, suas próprias formas e condições de existência.(HALL, 1980b, p. 128).

Esse ponto de vista apresenta-se como uma homologia aodesenho do esquema de produção de mercadorias proposto por

Page 73: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

72

Marx. A idéia é ver o processo de comunicação como um circuitocontínuo – produção-circulação-produção. Dessa forma, Hall reve-la uma postura crítica em relação à linearidade implícita no modeloemissor-mensagem-receptor – concepção dominante do processode comunicação – assim como à sua concentração na mensagem eà ausência de uma concepção estruturada dos diferentes momentosdeste processo enquanto uma complexa estrutura de relações.

Mais tarde, refletindo sobre o “modelo de codificação/deco-dificação”, o autor insiste em que o mesmo deve ser compreendi-do tendo em vista o contexto teórico-metodológico vigente naépoca. “[…] o modelo está posicionado, portanto, contra umanoção particular de conteúdo pré-formado e de significado fixoou de mensagem que pode ser analisada em termos de transmis-são do emissor para o receptor. Está posicionado contra uma cer-ta unilinearidade daquele modelo de fluxo unidirecional: o emissorcria a mensagem, a mensagem é ela mesma unidimensional e oreceptor a recebe” (HALL, 1994, p. 253).

Em decorrência, acaba posicionando-se contra a pesquisaque utiliza métodos empíricos tradicionais e positivistas de análi-se de conteúdo, assim como contra o survey de audiência quedetecta os “efeitos” dos media. Na verdade, desafiando o modelodominante de comunicação o objetivo é desestabilizar a noçãotransparente de comunicação implícita no paradigma dominante.

Na apresentação do modelo, Hall enfatiza que a singularidadedo processo de comunicação se dá através da forma discursiva, daveiculação de símbolos constituídos dentro das regras da linguagem.

é na sua forma discursiva que acontecem tanto a circulação doproduto quanto sua distribuição para diferentes audiências. Umavez levado a cabo, o discurso deve ser, então, traduzido – transfor-mado, de novo – em práticas sociais, se o circuito tem de ser,igualmente, completo e efetivo. Se não há ‘significado’, não podeexistir consumo. Se o significado não está articulado na prática,não tem efeito. O valor dessa abordagem é que, enquanto cadaum dos momentos, em articulação, é necessário para o circuitocomo um todo, nenhum deles pode garantir completamente opróximo com o qual está articulado. Já que cada um tem suamodalidade específica e condição de existência, cada um pode

Page 74: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

73

constituir sua própria pausa ou interrupção do ‘desenvolvimentodas formas’, cuja continuidade do fluxo de uma produção efetiva(isto é, ‘reprodução’) depende. (HALL, 1980b, p. 128)

Utilizando o discurso televisivo como exemplo, Hall exem-plifica que é no espaço da produção que se constrói a mensagem.Mas o momento da produção não se constitui num sistema isola-do dos outros momentos; ele recupera agendas, tópicos, eventos,enfim, temas da própria audiência e de outras fontes da estruturasócio-político-cultural.

Num sentido, o circuito inicia aqui [na produção]. É claro, que oprocesso de produção não é desprovido de seu aspecto ‘discursi-vo’; ele, também, é estruturado por significados e idéias – conhe-cimento em uso a respeito das rotinas de produção, habilidadestécnicas definidas historicamente, ideologias profissionais, conhe-cimento institucional, definições e suposições, conjeturas sobre aaudiência, etc armam a constituição do programa através dessaestrutura de produção. (HALL, 1980b, p. 129)

Outra das preocupações de Hall, na apresentação do mode-lo, é mostrar as conexões, as relações de interdependência entreprodução-circulação-recepção, pois na concepção dominante, atéentão, de comunicação estas eram etapas distintas e separadas.

circulação e recepção são, realmente, ‘momentos’ do processo deprodução na televisão e são reincorporados via um número deimprecisos e estruturados ‘feedbacks’ no mesmo processo de pro-dução. O consumo ou recepção da mensagem de televisão é, destamaneira, também um ‘momento’ em si mesmo, no seu mais amplosentido, do processo de produção, embora este último seja ‘pre-dominante’ porque é o ‘ponto de partida para a realização’ damensagem. Produção e recepção da mensagem televisiva não são,contudo, idênticos mas são relacionados: eles são momentos dife-renciados dentro da totalidade formada pelas relações sociais doprocesso comunicativo como um todo. (HALL, 1980b, p. 130)

Nesse modelo existe uma relação entre a codificação da men-sagem, no âmbito da produção, e sua decodificação, no nível darecepção. No entanto, esses dois momentos não constituem umaidentidade imediata, ou seja, os códigos utilizados pela codificação

Page 75: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

74

e pela decodificação podem não ser perfeitamente simétricos. “Asassim chamadas ‘distorções’ ou ‘mal-entendidos’ [sobretudo, naconcepção dominante de comunicação] decorrem precisamenteda falta de equivalência entre os dois lados na troca comunicativa.Isso, uma vez mais, define a ‘autonomia relativa’ – mas com ‘de-terminação’ – da entrada e saída da mensagem nos seus momen-tos discursivos” (HALL, 1980b, p. 131).

Como implicação direta disso, vê-se que o sentido da mensa-gem não é fixo, ao contrário, é polissêmico. Hall é enfático a esserespeito tanto no texto em que esboça o modelo quanto em entre-vista posterior em que comenta a respeito. “Se você lê o jornal,existe uma noção presente que trabalha contra o veio de um mo-delo superdeterminista de comunicação. Daí a noção de que osignificado não está fixo, de que não existe uma lógica determi-nante global que pode permitir a você alguma grade [de leitura].Essa é a noção de que o significado é mais multifacetado, é sem-pre multirreferencial” (HALL, 1994, p. 254). Esse posicionamen-to mostra a entrada do estruturalismo e da semiótica e seu impactonos estudos culturais de um determinado período.

Hall considera também fundamental, para a compreensãode sua proposta, identificar o contexto político do debate dopróprio marxismo onde o “modelo de codificação/decodifica-ção” foi formulado.

Existe um argumento a respeito do modelo base-superestrutura, arespeito da noção de ideologia, linguagem e cultura como secundá-rio, como não constitutivo, mas somente como constituído pelosprocessos socioeconômicos. Existe [também] a introdução de umanoção de política na cultura. As questões políticas, também, têm deocupar-se com a construção e reconstrução do significado, a formapela qual o significado é disputado e estabelecido. Esses processosnão são secundários […] mas uma autonomia relativa de eficiência,que lhes é específica, tem de ser dada a eles. Essa questão não é, nosentido estrito, política; não é um projeto político que pode serclaramente extraído do texto. Ela dá suporte para que pensemossobre as questões políticas. (HALL, 1994, p. 254)

O modelo desenhado por Hall sinaliza – mesmo que frou-xamente – uma futura mudança de uma posição caracterizada

Page 76: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

75

pela sobredeterminação implícita na tese da ideologia dominan-te para um posicionamento mais complexo, associado à noçãode hegemonia de Gramsci, pois Hall reivindica estar tratando de“[...] um modelo do que chamo de ‘articulação’, um entendimen-to dos circuitos do capital como uma articulação dos momentosda produção com os momentos do consumo, com os momentosda realização, com os momentos da reprodução” (Idem, p. 255).

Através de categorias da semiologia articuladas a uma noçãode ideologia, Hall insiste na pluralidade, determinada socialmen-te, das modalidades de recepção dos programas televisivos. Argu-menta, também, que podem ser identificadas três posiçõeshipotéticas de interpretação da mensagem televisiva: uma posição“dominante” (chamada, também, de “preferida” ou “preferenci-al”), quando o sentido da mensagem é decodificado segundo asreferências da sua construção;4 uma posição “negociada”, quandoo sentido da mensagem entra “em negociação” com as condiçõesparticulares dos receptores;5 e uma posição de “oposição”, quandoo receptor entende a proposta dominante da mensagem mas a in-terpreta segundo uma estrutura de referência alternativa.6

Em avaliação posterior, Hall (1994, p. 265) reconhece queesse aspecto do modelo – a recepção – não está suficientementedesenvolvido, pois “o problema, se se transferir essas duas posi-ções para a política, é que se retorna a uma posição muito deter-minista. Tem-se a falsa consciência de uma leitura perfeitamentetransparente ou a matéria revolucionária perfeita do sujeito inva-riavelmente oposicionista. Por isso, eu quero alguma coisa nomeio. Portanto, eu simplesmente falo sobre o código negociado”.

Além disso, na sua opinião, esse modelo homogeneíza de-mais o nível de codificação, não dando abertura para o espaçocontraditório dentro dos meios de comunicação enquanto insti-tuições. “[O modelo] Trata a institucionalização da comunicaçãocomo excessivamente unidimensional, como demasiadamente ar-ticulada à ideologia dominante, de uma maneira direta” (HALL,1994, p. 263).

Hall reconhece, ainda, que essas posições devem ser testadasempiricamente e refinadas. Na mesma entrevista, já citada, proble-matiza a transformação de seus comentários sobre a codificação e a

Page 77: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

76

recepção num “modelo”: “Eu não penso [que o modelo] tenha origor teórico, a consistência interna lógica e conceitual para tal. Seele tem algum valor, agora e mais tarde, é por aquilo que sugere. Elesugere uma aproximação; revela novas questões. Ele mapeia o terre-no. Mas é um modelo que tem de ser manipulado, desenvolvido ealterado” (HALL apud CRUZ E LEWIS, 1994, p. 255).

Contudo, no texto em questão, surgem dubiedades, pois Hallora refere-se a “sentidos” ou “significados” preferidos ora a “leitu-ras” preferidas, ou seja, tanto mensagens (codificadas no momen-to da produção) quanto leituras (localizadas no momento darecepção) podem ser construídas no âmbito do “hegemônico do-minante”. Por essa razão, Hall é questionado. As questões sur-gem em torno de onde se localiza preferencialmente esse processo:é no texto ou, entendida em um sentido político e social amplo,na cultura? E mais, do ponto de vista da decodificação, quais sãoas conseqüências, tanto teóricas como políticas, de situar essamodalidade num determinado momento ou noutro do circuito(cf. CRUZ E LEWIS, 1994, p. 261)?

Hall tenta explicar essa situação quase vinte anos depois depublicar o “modelo de codificação/decodificação”:

leituras preferidas dão a impressão de assumir o lado decodifican-te, ao passo que sentido preferido está no âmbito codificante, nãono decodificante. Por que ele está lá? Bem, está lá porque nãoquero um modelo de um circuito que não tenha poder dentrodele. Não quero um modelo que seja determinista, mas não quero ummodelo sem determinação (grifo meu). E, por conseguinte, não pensoque as audiências estão na mesma posição de poder daqueles quesignificam o mundo para elas. E leitura preferida é simplesmenteum modo de dizer que se escreve os textos a partir do controle dosaparatos de significação do mundo, do controle dos meios decomunicação, e – em alguma extensão, [a leitura preferida] temum formato determinante. Suas decodificações vão ter lugar emalguma parte dentro do universo da codificação. Um está tentan-do englobar o outro.Transparência entre o momento da codifica-ção e decodificação é o que chamaria do momento da hegemonia.Para ser perfeitamente hegemônico é ter cada sentido que vocêquer comunicar entendido pela audiência somente daquela ma-neira. Um tipo de sonho do poder – nenhum chuvisco na tela,

Page 78: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

77

apenas audiência totalmente passiva. Agora, meu problema é quenão creio que a mensagem tenha somente um significado. Então,eu quero apostar numa noção de um poder e estruturação nomomento de codificação que, não obstante, não apague todos osoutros possíveis sentidos. (HALL, 1994, p. 261)

Numa avaliação geral sobre os paradigmas dos estudos deaudiência, Morley (1989a, p. 17) situa o modelo de Hall contra aperspectiva dos efeitos, assim como a dos usos e gratificações,mas ressalta que

ele [Hall] toma dos teóricos dos efeitos a noção que a comunica-ção de massa é uma atividade estruturada na qual as instituições queproduzem as mensagens têm poder para fixar agendas e definir te-mas. Isto é mover-se da idéia de poder do meio para construir ocomportamento da pessoa num certo modo (como efeito diretoque é causado pelos estímulos do meio) mas é, também, manteruma noção do papel dos meios de comunicação em estabeleceragendas e prover categorias e estruturas culturais dentro das quaismembros da cultura tenderão a operar. (grifo meu)

Apesar do texto em tela explicitar uma posição de aberturaem relação ao âmbito da recepção, reconhecendo a existência,principalmente, de leituras negociadas,7 fica claro o papel centralexercido pelo “analista” ou pelo “crítico”, assim como da ferra-menta da análise textual, o que, por sua vez, é uma “decodifica-ção” do mesmo pesquisador. Embora uma certa noção de textoseja posta em questão nesse estudo, é ainda em torno de umaoutra noção de “texto” que esse modelo está construído: seja eleum programa de TV, a fala de um sujeito/receptor ou a “leitura”de um “analista”.

De outro lado, o modelo de Hall, também, propõe um circui-to: primeiro, a análise da mensagem para observar um sentido do-minante; depois, a audiência, para ver as variações de “leituras”; epor último, a checagem destas com o texto original. Assim, é otexto que permanece o locus privilegiado. O debate situa-se em tor-no do papel do texto, seja na sua relação com o processo de produ-ção ou com o consumo, e, por fim, na articulação entre os três.

Na avaliação de Colin Sparks (1996), esse modelo é quaseinteiramente semiótico, sobretudo porque localiza a questão das

Page 79: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

78

diferentes decodificações decorrentes principalmente da naturezapolissêmica do âmbito conotativo. Além disso, considera que nãoexiste aí nenhum esforço para demonstrar como a codificação dodiscurso televisivo pode estar relacionada à estrutura da sociedade.

Isso revela a influência do estruturalismo na construção des-se modelo de análise, pois se o que está em foco é a produção desentido, por sua vez, esta se estabelece através da linguagem. Daío interesse numa teoria da linguagem que, de certa forma, divor-cia-se da experiência social. A ênfase num todo estruturado ounuma totalidade social às custas da experiência ou da ação huma-na, acaba endossando uma perspectiva de reprodução social.

De outro lado, deve-se apontar o fato que, para Hall, as di-versas decodificações possíveis de um determinado texto estãosempre relacionadas à experiência das audiências. Logo, o desejode reter essa noção (de experiência, ação humana) demonstra queo modelo de codificação/decodificação proposto não se encontrainteiramente dentro do campo estruturalista.

É de especial importância ressaltar que o elemento estruturalis-ta aponta para a natureza relativamente determinada da vida culturale das formas culturais sob o capitalismo, já o elemento culturalistavaloriza a experiência e acentua a autonomia relativa da cultura. Oponto crítico, então, situa-se na discussão do grau dessa autonomiarelativa. Ao não resolverem essa tensão entre determinação e capaci-dade de ação dos sujeitos, assim como entre níveis de estruturaçãosocial e discursiva (neste aspecto, tem sido reiterada sua inter-rela-ção), os estudos culturais se fragilizam teoricamente.

Se adotada a definição de ideologia de Althusser, que a com-preende como um marco onde os homens interpretam, dão senti-do, experienciam e vivem as condições materiais nas quais seencontram, a mudança cultural é quase impossível. Vai ser justa-mente na passagem para a influência gramsciana que se assumeuma noção de determinação menos mecanicista e se consegueperceber como a mudança é construída dentro do sistema.

No entanto, o acento no debate teórico da época nessa noçãode ideologia que enfatiza o discurso dominante problematiza aidéia que vinha sendo trabalhada pelos pesquisadores do CCCS,no mesmo período, sobre a ação e papel das subculturas.

Page 80: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

79

Num trabalho coletivo de 1975 sobre a cultura da juventu-de da classe trabalhadora nos anos 50, tem-se como definiçãode cultura:

A ‘cultura’ de um grupo ou classe é o ‘modo de vida’ caracterís-tico e distintivo do grupo ou classe, os sentidos, valores e idéiascorporificados nas instituições, nas relações sociais, em sistemasde crenças, valores e costumes, nos usos de objetos e da vidamaterial. […] A cultura inclui os ‘mapas de sentido’ que fazem ascoisas intelegíveis para seus membros. Esses […] [mapas de sen-tido] são objetivados nos padrões da organização e das relaçõessociais através dos quais o indivíduo torna-se um ‘indivíduosocial’. […] Cultura é a forma que as relações sociais de umgrupo são estruturadas e modeladas, mas é, também, o modoque essas formas são experienciadas, entendidas e interpretadas.(CLARKE, HALL ET AL., 1975, p. 10)

É clara a associação dessa definição com as formulações deWilliams, com a definição expressiva de cultura. Está aí manifes-to, também, o princípio de que a classe social é um elementodefinitivo na experiência cultural. E embora não esteja denomina-do é, também, visível a relação com o conceito de estrutura dosentimento.

Entretanto, na seqüência do trabalho os autores modificamsuas posições originais. Na tentativa de integrar as contribuiçõesde Gramsci e Althusser, eles vão sugerir que as subculturas devemser vistas enquanto formas “[…] dentro das quais modos ‘imagi-nários’ de resolver as contradições reais que os diferentes gruposenfrentam, mas que são incapazes de solucionar praticamente,são apresentadas, vividas e exercitadas” (BENNETT, MARTIN, MER-CER e WOOLACOTT, 1989, p. 41).

Nesse momento se mostra, também, a incorporação da idéiade hegemonia:

Gramsci usou o termo ‘hegemonia’ para referir-se ao momento emque uma classe dominante é capaz não somente de coagir umaclasse subordinada a sujeitar-se aos seus interesses, mas de exerceruma ‘hegemonia’ ou ‘autoridade social total’ sobre as classes su-bordinadas. Isso envolve o exercício de um tipo especial de poder

Page 81: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

80

– o poder de conceber alternativas e incluir oportunidades paraganhar e forjar o consentimento, de tal forma que a outorga delegitimidade às classes dominantes aparece não somente como ‘es-pontânea’ mas, também, como natural e normal. (CLARKE, HALL

et al., 1975, p. 38)

O terreno onde a hegemonia é ganha ou perdida é o terrenodas superestruturas, ou seja, as instituições da sociedade civil e oestado. A hegemonia trabalha através da ideologia, mas não con-siste em falsas idéias, percepções e definições. Além disso, nuncaé sustentada por uma única classe. Sustentando a tese de que “seucaráter e conteúdo [da hegemonia] podem somente ser estabele-cidos observando situações concretas em momentos históricosconcretos” (CLARKE, HALL ET AL., 1975, p. 40), o trabalho apre-senta uma análise conjuntural de um momento histórico onde sevê funcionando ou aplicado o conceito de hegemonia numa deter-minada formação social.

Porém, a partir de um certo momento da pesquisa, o focopassa a ser a relação entre estilo (uma forma particular de fazeralgo) e juventude, isto é, como classe social e geração interatuamna produção de um grupo distinto de estilos; como os materiaisdisponíveis ao grupo são construídos e apropriados numa formade resposta visivelmente organizada.

Dessa forma, as várias subculturas jovens passam a ser iden-tificadas pelas diversas maneiras de incorporar objetos/símbolosno seu cotidiano.

Os objetos estavam disponíveis lá, mas eram usados (grifo meu)pelos grupos na construção de estilos. Mas isso significa nãosimplesmente apanhá-los, mas construir ativamente (grifo meu)uma seleção específica de coisas e bens num estilo. E isso fre-qüentemente envolve […] subverter e transformar essas coisasem seu significado e uso conhecido para outros sentidos e usos.Todas as mercadorias têm um uso social e, portanto, um signifi-cado cultural. (CLARKE, HALL ET AL., 1975, p. 54)

Nas leituras realizadas desse “estilo” da subcultura apareceum tratamento particular. É a semiótica que inspira essa análise.Assim, os objetos e práticas que marcam essa subcultura são

Page 82: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

81

identificados como um estilo coerente e internamente articulado(SPARKS, 1996, p. 85).

Esse trabalho de Clarke, Hall e outros evidencia uma tensãoentre o entendimento da cultura enquanto expressiva, ou seja, umamarca da aproximação teórica oriunda nas formulações dos “fun-dadores” dos estudos culturais, e a abordagem estruturalista comsua ênfase nas estruturas de significação. Em outros termos, trans-parece um confronto entre a ação do sujeito e a determinação dosujeito pela linguagem.

Ainda no mesmo período, um coletivo do CCCS, compostopor Stuart Hall, Chas Critcher, Tony Jefferson, John Clarke eBrian Roberts8 (1978), examina porque e como os temas daraça, crime e juventude, condensados na imagem do “assalto derua”, serve como articulador de uma crise e seu condutor ideo-lógico. O cenário maior é a crise de hegemonia que a sociedadebritânica vive nos anos 70.

Aí são analisados os espaços onde a hegemonia é construída.A ênfase incide nos níveis civil, político, jurídico e ideológico deuma formação social, ou seja, na superestrutura. Por essa razão, aanálise dá mais atenção às mudanças nas relações de força, na lutapolítica, na alteração das configurações ideológicas, do que aosmovimentos econômicos. No entanto, os autores reconhecem que“hegemonia, no sentido de Gramsci, envolve a ‘passagem’ de umacrise da base material da vida produtiva para as ‘complexas esferasdas superestruturas’. Apesar disso, o que a hegemonia assegura,em última análise, são as contradições sociais de longo curso para acontinuidade da reprodução do capital” (HALL ET AL., 1978, p. 218).

A tese sustentada é de que o “assalto de rua” estava relaciona-do com uma mudança na administração da luta de classes do esta-do capitalista de uma forma consensual para uma mais coercitiva.Nessa direção, a crise foi ideologicamente construída pelas ideo-logias dominantes para ganhar o consenso nos meios de comuni-cação e, então, construir a base na “realidade”, isto é, na opiniãopública. Desse modo, “concordando” com a visão de crise queganhou credibilidade nos escalões do poder (os meios de comuni-cação), a consciência popular também foi ganha para dar suporteas medidas de controle que esta versão da realidade social exigia.

Page 83: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

82

Com o objetivo de demonstrar essa tese, o trabalho reconstitui ahistória da Grã-Bretanha a partir do pós-guerra, mostrando a cons-trução do consenso e o seu colapso.

Outro exemplo de análise conjuntural através do uso do con-ceito de hegemonia se mostra na explicação, considerada polêmi-ca pela esquerda britânica, da ascensão do thatcherismo (HALL,1983) não como reflexo da crise vivida pela sociedade britânicanos 70, mas como resposta à crise. Novamente, o olhar recaiparticularmente nas dimensões políticas e ideológicas, negligen-ciadas em outras análises. A adesão popular ao repertório do tha-tcherismo, calcado basicamente no rejuvenescimento dos temasdo anticoletivismo e do antiestatismo, transformou essa doutrinaem senso comum. Mas foi o discurso do thatcherismo que conse-guiu, com sucesso, neutralizar as contradições entre povo e Esta-do (bloco de poder) e ganhar a adesão popular, mostrando suafaceta populista.

Esses três trabalhos – Clarke, Hall et al. (1975), Hall et al.(1978) e Hall (1983) – compõem uma resposta a uma situaçãoparticular, vivida pela sociedade britânica num período históricodeterminado. São trabalhos de intervenção, desenhados para terum efeito na política social do momento. Apesar de serem análi-ses conjunturais, exemplificam uma concepção teórica que articu-la cultura e poder, cultura e hegemonia, mostrando uma densidadetanto teórico-analítica quanto descritiva.9

Diante dessa produção, surge um certo mal-estar na incor-poração de teses althusserianas que contradizem a história dos es-tudos culturais, à luz da contribuição gramsciana. É manifesta atensão entre essas contribuições: Gramsci abrindo o corpo teóricopara refletir sobre a “agência humana” e Althusser impondo limita-ções estruturais, ou seja, na ênfase no todo estruturado ou na tota-lidade social às custas do processo, da experiência, da “agência”.

Nada melhor do que reproduzir as palavras do autor quepensou sobre a mediação entre esses dois corpos teóricos – cultu-ralismo e estruturalismo – para explicar tal enfrentamento, sobre-tudo, no que diz respeito à compreensão da concepção deexperiência: “Enquanto que, no culturalismo, experiência era abase – o terreno ‘do vivido’ – onde consciência e condições se

Page 84: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

83

cruzam, o estruturalismo insistia que a ‘experiência’ não podia,por definição, ser a base de nada, visto que alguém somente podia‘viver’ e experienciar suas próprias condições dentro e através dascategorias, classificações e estruturas da cultura. Essas categorias,contudo, não surgiam da ou na experiência; antes, a experiênciaera seu efeito” (HALL, 1996b, p. 41).

Na tentativa de construir um posicionamento que dê contadessa oposição, Hall critica ambos os paradigmas e vai gradativa-mente incorporando cada vez mais as formulações gramscianas.Assim, a influência de Althusser vai ficando secundarizada, em-bora Hall sempre reconheça sua importância, principalmente,concentrada nos primeiros escritos daquele autor (1965/1969),para pensar a superestrutura.

Enfim, é necessário ver, em resumo, como Hall articulousua noção de ideologia, afastando-se do marxismo estruturalista.“Por ideologia, refiro-me às estruturas mentais – as linguagens,os conceitos, as categorias, imagens do pensamento e os sistemasde representação que diferentes classes e grupos sociais desenvol-vem com o propósito de dar sentido, definir, simbolizar e impri-mir inteligibilidade ao modo como a sociedade funciona” (HALL,1996h, p. 26). Essa definição permite ver que interesses de dife-rentes grupos sociais são representados e articulados em diferen-tes ideologias.

Permanecendo, ainda, dentro da tradição marxista, essa defi-nição, de corte gramsciano, procura dar conta de como certosdiscursos políticos na luta pela hegemonia são construídos e re-construídos, expandem-se ou se restringem, ganham ascendênciaou a perdem.

Entretanto, o desprendimento da noção althusseriana de ide-ologia não faz com que Hall perca a referência na linguagem. Aocontrário, ele insiste na função “multirreferencial” da linguagem,permitindo, assim, que a mesma relação social, ou fenômeno,possa ser diferentemente representada e construída. “É precisa-mente porque a linguagem, o meio de pensamento e cálculo ide-ológico, é ‘multiacentuada’ como Volosinov colocou, que o campodo ideológico é sempre um campo de ‘cruzamento de ênfases’ ede ‘cruzamento de interesses sociais diferentemente orientados’”

Page 85: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

84

(HALL, 1996h, p. 40). A partir daqui, a incorporação do aportegramsciano na vertente britânica dos estudos culturais passa aser fundamental, acarretando uma série de conseqüências teóri-co-metodológicas.

Todavia, antes de recuperar essa discussão sobre a contribui-ção gramsciana para os estudos culturais, é preciso reconstituir odebate sobre ideologia, do ponto de vista latino-americano – nosautores em foco neste trabalho.

O território latino-americano viveu um período sob o domí-nio de uma postura estruturalista, nos seus próprios termos. Ébastante conhecida a influência da teoria da dependência culturale a proposta de desmascaramento ideológico das mensagens dosmedia. Esta última principalmente viabilizada através da modaalthusseriana vigente, sobretudo nos anos 70, na pesquisa em co-municação. Aí prevaleceu de forma incontestável e sem media-ções a tese de determinação das estruturas macrossociais.

Martín-Barbero (1995a, p. 148) avalia que os estudos de co-municação propriamente latino-americanos fundam-se exatamentena teoria da dependência. “A teoria da dependência vai ser a gran-de inspiradora, primeiro, da articulação dos estudos dos meios aoestudo das estruturas econômicas e das condições de propriedadedos meios. E, segundo, do estudo do processo ideológico, dasanálises dos conteúdos ideológicos dos meios”.

Enquanto fundamentada nessa base teórica, a pesquisa emcomunicação difundiu uma concepção reprodutivista de cultura.

A cultura era basicamente ideologia. Nesse caso, não existia ne-nhuma especificidade no âmbito da comunicação. Estudar os pro-cessos de comunicação era estudar processos de reprodução. Nãoexistia nenhuma especificidade conceitual nem histórica nos pro-cessos de comunicação. De tal forma que as ciências sociais, nessemomento a economia e a sociologia, dissolveram o que podería-mos chamar de novo objeto. Dissolveram-no nas suas própriasperguntas sobre a luta de classes e os aparelhos de Estado. (MAR-TÍN-BARBERO, 1995a, p. 149)

O poder comunicacional foi concebido como um atributo deum sistema monopólico que administrado por uma minoria de

Page 86: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

85

especialistas, podia impor valores e opiniões da burguesia às demaisclasses. A eficiência desse sistema residia não somente na ampla difu-são que os meios massivos proporcionavam às mensagens dominan-tes, mas, também, na manipulação inconsciente dos receptores.

Não interessa, aqui, recuperar as características teórico-me-todológicas, limitações, nem críticas dessa fase, que já contacom uma bibliografia específica. O objetivo é ler em chave lati-no-americana, isto é, nos trabalhos de Jesús Martín-Barbero eNéstor García Canclini, a incorporação do debate sobre ideolo-gia, cultura e poder. A exemplo da reflexão britânica, recémapresentada, os posicionamentos desses autores latino-america-nos foram sendo construídos num terreno de rejeição e confron-to às teses do reducionismo e determinismo econômico implícitasnum certo marxismo, logo, também, a uma determinada con-cepção marxista de ideologia.

Para iluminar as relações entre cultura, ideologia e poder,especialmente, na “escritura massiva”, o trajeto percorrido porJesús Martín-Barbero em Comunicación masiva: Discurso e poder(1978) é significativo a esse respeito.Um esclarecimento antes deiniciar propriamente a exposição do assunto em questão é obriga-tório. Convém destacar esse texto, pois ele é tributário do mo-mento no qual foi escrito, ou seja, a década de 70 na AméricaLatina e a equivalente caracterização da pesquisa em comunica-ção. Porém, ele propõe deslocamentos em relação às teorias do-minantes no período e, de modo incipiente, já se delineiam nelealgumas sugestivas pistas que alcançarão densidade teórica e difu-são mais plena em De los medios a las mediaciones – Comunicación,cultura y hegemonía (1987).

Distanciando-se do modelo funcionalista, em Comunicaciónmasiva: Discurso e poder (1978), Martín-Barbero localiza-se na fron-teira do campo do estruturalismo e da análise semiológica parapensar a prática comunicativa, na América Latina, como marca damalha global de dominação. Contudo, os questionamentos propos-tos ancoram-se em teorias da linguagem. Por essa razão, no finaldesse trabalho, o autor liga a primeira reflexão teórica com a práti-ca discursiva da informação jornalística e do espetáculo televisivo.Aí, o objeto, ou seja, a análise do próprio texto, se impõe.

Page 87: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

86

Acredito que o gérmen dessa proposta está contido na sua tesede doutoramento La palabra y la acción – Por una dialéctica de la libera-ción (1972) como a própria combinação das palavras do seu títulosugere. Estando na França no final dos anos 60 e início dos 70,vivencia o intenso debate condensado entre posições estruturalistas epós-estruturalistas. E o resultado é essa investigação, que partindo dafilosofia da linguagem tem o duplo propósito de questionar a lingüís-tica a partir das ciências sociais, mas somente depois de ter desmon-tado uma concepção tradicional da sociologia com instrumentallingüístico e semiótico (HERLINGHAUS, 1998, p. 15).

Também aparece nessa tese o esforço de articular a análiseteórica ao imperativo das condições históricas, isto é, o esforçoteórico tem de ser realizado à luz de uma realidade mais próxima,no caso, a latino-americana (quando em 1997 sua obra foi discuti-da na Universidade Central de Bogotá em comemoração aos dezanos de publicação de De los medios a las mediaciones, Martín-Barbe-ro reconhece que esse viés de sua reflexão se revela desde sua tesede doutoramento). Esse mesmo aspecto repete-se no trabalho de1978. Enfaticamente condena a omissão das condições de produ-ção nas teorias dominantes, isto é, das condições históricas de do-minação, na tentativa de explicar os processos de comunicação.

A teoria crítica que se foi esboçando não busca competir com omercado das originalidades senão com algo bem distinto: denun-ciar e dar armas, despertar e traçar estratégias – que o importante énão perder de vista o caráter histórico e estrutural dos processos, que adimensão ideológica das mensagens é unicamente legível a partir destese que tanto essa dimensão como a trama mercantil dos ‘meios’ têm queser vistas sempre articuladas às condições de produção de uma existênciadominada. (MARTÍN-BARBERO, 1978, p. 14, grifo meu)

Metido profundamente na realidade latino-americana, admi-te a expansão da ideologia, inclusive, no campo da teoria e daciência. “Os críticos latino-americanos não rejeitam a ciência, en-tendem de outra maneira sua objetividade. Não é que […] tenhamoposto a ciência à ideologia e fiquem com esta última. É que expe-rimentam a cada dia como a ideologia trabalha e controla qualquerprática, qualquer discurso, incluído o científico” (1978, p. 21).

Page 88: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

87

O desafio temático, exposto nesse texto, diz respeito à enun-ciação, explicitando a importância da linguagem. Linguagem quepermeia e se prolonga através do processo comunicativo, dissi-mulando os rastros da dominação. No entanto, essa afirmação é,também, ruptura com uma outra noção de linguagem que desco-necta o signo dos lugares de sua produção, que dificulta restabele-cer as relações do “texto” com seu contexto histórico.

Avaliando a contribuição do projeto intelectual de Martín-Barbero para o pensamento latino-americano da comunicação,Javier Protzel (1998, p. 39) detecta com precisão o deslocamentoproposto por Martín-Barbero no final dos anos 70.

Reposicionamento que implica simultaneamente aproximação edistância: empatia para interpretar o vivido mas, também, rupturapara decompor o signo e reconstruí-lo com atitude semiótica, rela-cionando lugares de produção de sentido antes inconexos. Nãomais a fria autópsia do enunciado, mas a calidez da enunciação, deum sentido registrado na medida em que é produzido, fechandoassim a fenda sujeito-objeto num ato de recuperação mútua.

Dessa forma, a proposta básica de Martín-Barbero (1978, p. 46)é deslocar o estudo da comunicação do espaço organizado peloconceito de estrutura para o espaço que abre o conceito de práti-ca. “O que intencionamos pautar é que, enquanto a comunicaçãocontinue sendo pensada como alguma coisa superestrutural, nãoexistirá forma de romper com o espaço da estrutura e o sistema e,portanto, não será possível conceber sua inserção multidimensio-nal e plurideterminada no modo de produção, nem muito menosnuma formação social concreta.”

Através do conceito de prática, é possível pensar a ação dosmedia como discurso mas sem confundi-lo com exclusivamentemensagem, estruturas de significação ou problemas de conteúdo.Essa perspectiva reduz o discurso a problemas e relações de signi-ficação, descartando sua inserção no processo histórico e desarti-culando-se dos sujeitos.

Discurso como prática discursiva não se trata de alguma coisa queestá aí e que depois tem que ver como se relaciona com o modo de

Page 89: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

88

produção, mas é parte integrante, constitutiva dele. […] Nome-aremos, então, discurso dos meios o dispositivo da mediação demassa enquanto ritual operativo de produção e consumo, arti-culação de matérias e sentidos, aparatos de base e disposição emcena de códigos de montagem, de percepção e reconhecimento.(MARTÍN-BARBERO, 1978, p. 46)

Entretanto, para alcançar essa nova formulação do proble-ma, Martín-Barbero (1978, p. 41) realiza uma crítica densa tantoàs limitações do modelo informacional-lingüístico quanto às aná-lises políticas, vigentes na época. Na primeira, o aspecto destaca-do é sua concepção mecânica do social, o ocultamento da história,da dominação, do conflito, das contradições.

A formalização que a lingüística leva a cabo opera, de fato, comoum descarte radical de sua densidade histórico-social, colocando adescoberto uma concepção neutralizante e redutora da complexi-dade e a opacidade da linguagem, expulsando tudo aquilo queexcede e subverte o tranqüilo ir e vir da informação, tudo aquiloque é rastro do sujeito histórico e pulsional, isto é, tudo aquiloque não é mero intercâmbio senão produção do que se intercam-bia, dos intercambiantes e do próprio intercâmbio.

A segunda ruptura identificada nessa trajetória diz respeito àredução dos processos comunicativos à sua dimensão “ideológico-negativa”, ou seja, a instrumento de reprodução ideológica daclasse dominante e, portanto, reflexo do econômico. Dessa for-ma, a metáfora base-superestrutura é questionada: “[…] o que setorna impensável [a partir dessa metáfora] é a produção (grifo meu)que habita e atravessa a ‘reprodução’. O ideológico como produ-ção (grifo meu) e não mera manifestação instrumental de interes-ses específicos” (MARTÍN-BARBERO,1978, p. 43).

Durante todo o itinerário teórico proposto, Martín-Barberopersegue este questionamento: quais são as condições de produ-ção, de existência e de operação do discursivo? Ao passar por Saus-sure, Barthes, Greimas, Chomsky, Austin, entre outros, é essa aquestão que norteia o trajeto. Ao mesmo tempo em que revela as-pectos dessas proposições que contribuem para a elaboração deuma teoria crítica do discurso, ilumina seus limites, criticando-os.

Page 90: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

89

Martín-Barbero assume, então, que recolocar de um modonovo a problemática da comunicação requer um posicionamentopolítico que tem como eixo o questionamento do social, isto é, oreconhecimento de uma sociabilidade constituída pelo conflito e,por essa razão, tramada com as relações de dominação. “[...] di-gamos de imediato que esse discurso não revela seu sentido a nãoser lido a partir das relações de poder e dos conflitos que essepoder gera” (1978, p. 118).

Embora Martín-Barbero afirme que o espaço dessa reflexãoque persegue compreender “como na produção dos discursos seinscreve o conflito” seja o materialismo histórico, seu posiciona-mento implica rupturas com o economicismo e com o entendi-mento da produção de discursos enquanto um fenômenosuperestrutural.

Contudo, analisar politicamente a problemática dos discur-sos sociais é adentrar no problema do ideológico. “O ideológicose constitui no processo de produção dos discursos sociais, namaterialização de um sentido que é inabordável por fora deles.O ideológico não é um produto a consumir mas a própria forma doconsumo” (1978, p. 116, grifo meu).

Através da própria análise da “escritura massiva”, esse au-tor conclui: “O trabalho ideológico […] se situa na própria es-critura, visto que é nela, e não em nenhum tipo de conteúdos,que se configura e plasma a organização desse espaço cujas ‘fi-guras’ podem variar ao infinito, a começar pelas figuras simpló-rias das fotonovelas as muito mais complexas de certas novelaspoliciais ou de algumas séries de televisão norte-americanas”(MARTÍN-BARBERO, 1978, p. 224).

Além de rastrear essas marcas da dominação, Martín-Barberopropõe outra articulação: a do desejo, a do sujeito pulsional. Jus-tifica a inclusão desse aspecto na medida em que implica a possi-bilidade de entender a extensão do econômico, isto é, como aeconomia libidinal trabalha e é trabalhada pela ordem da domina-ção, como o dispositivo da sexualidade se inscreve no discurso,integrando-o. A contribuição fundamental desse aporte psicanalí-tico reside na eliminação da pretendida exterioridade do imaginá-rio em relação ao real.10

Page 91: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

90

Martín-Barbero vai propor, então, uma concepção de discur-so-prática. Se pensado como prática, o discurso carrega-se de umvolume histórico. Ao mesmo tempo que implica a relação do discur-so com a língua, o discurso-prática transborda esse limite e se cons-titui na trama da intertextualidade. “[…] um discurso não é jamaisuma mônada, mas o lugar de inscrição de uma prática cuja materia-lidade está sempre atravessada pela de outros discursos e outras prá-ticas. Intertextualidade diz, nesse caso, não só das diferentes dimensõesque num discurso fazem visível e analisável a presença e o trabalho deoutros textos, [...] mas diz, também, da materialização no discursode uma sociedade e de uma história” (1978, p. 137).

Resta, enfim, enfatizar a crítica desse autor à homologia doconceito de cultura ao de ideologia, assim como a impossibilidadede continuar pensando o sistema ideológico como uma unidade desentido. Ao contrário, propõe vê-lo como “algo fragmentário e ins-tável”, contudo, incrustado numa estrutura, onde a especificidadeda análise ideológica reside no estudo das relações do discurso esuas condições de produção. Entretanto, analisar o processo deprodução e consumo dos discursos implica, também, o estudo dossujeitos produtores. “Sujeitos que […] não se definem por algumtipo de intencionalidade, mas pelo ‘lugar’ que ocupam no espaçosocial e pela forma como inscrevem sua presença no discurso”(MARTÍN-BARBERO, 1978, p. 121). Aqui se manifesta essa tensãoentre o peso da estrutura e a emergência da ação dos sujeitos.

O que vem a seguir, depois dessas proposições, encontra-sena seqüência do trabalho desse autor, que culmina com a publica-ção de De los medios a las mediaciones (1987). Aí é, fundamental-mente, a contribuição gramsciana que vai permitir abordar acomunicação como dimensão constitutiva da cultura e, portanto,de produção da sociedade.

Trato novamente das relações entre cultura, ideologia e po-der, agora em García Canclini, para depois desenhar o mapa doingresso de Gramsci nos estudos culturais, embora este já tenhasido esboçado. Através de uma série de conferências realizadas noinício dos anos 80, intituladas “Pode ser hoje marxista a teoria dacultura?”, “Reprodução social e subordinação ideológica dos sujei-tos” e “Como se configuram as culturas populares: a desigualdade

Page 92: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

91

na produção e no consumo”, García Canclini11 trata diretamentede tal assunto, condensando suas observações a esse respeito. Masé claro que essas posições se manifestam e têm ressonância emsua produção intelectual compreendida como um todo. Vale acen-tuar que a intenção é discutir uma teoria da cultura na contempo-raneidade e não, uma teoria dos meios de comunicação de massa.

Seguindo a trilha proposta por esse autor, falar de uma possí-vel teoria marxista da cultura implica recorrer ao tratamento dado atemática da ideologia e as questões que permaneceram em aberto apartir desse olhar. Quatro limitações básicas, recuperadas aqui sin-teticamente, no pensamento marxista sobre ideologia são aponta-das por García Canclini. E são justamente nesses espaços quecontribuições de outros campos disciplinares, assim como refor-mulações sobre a teoria marxista da ideologia, devem ser incorpo-radas para refletir sobre a complexidade dos processos ideológicos.

Em primeiro lugar, García Canclini aponta que a grande mai-oria dos textos marxistas refere-se à ideologia das classes dominan-tes. Contudo, reconhece que alguns autores marxistas se detiveramno aspecto oposto. Mas, de uma forma geral, o conhecimento dacultura e da ideologia dos setores populares têm sido foco de aten-ção de antropólogos não-marxistas. Ao incorporar à problemáticadas culturas populares, certos desdobramentos teórico-metodológi-cos (por exemplo, os de Bourdieu, Williams, Cirese e LombardiSatriani) passam a reposicionar a problemática ideológica no espa-ço da interação entre classes e grupos sociais e como parte da dis-puta pela hegemonia. Assim, a ideologia aparece como um efeitoda desigualdade entre classes e das suas relações conflitivas.

Além disso, os fenômenos ideológicos passam a ser entendi-dos não somente como derivados das classes, mas, também, comoresultantes de outras diferenciações sociais (etnias, grupos profis-sionais, frações de classe). E assim “[…] as ideologias ou as dife-renças culturais entre esses grupos se constituiram não somentena produção – como na teoria marxista clássica sobre as classes –mas, também, no consumo” (GARCÍA CANCLINI, 1995a, p. 20). Ques-tão que será tratada mais adiante.

Em segundo lugar, a metáfora marxista de ideologia comoreflexo contribuiu para que se atribuisse à representação, e não à

Page 93: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

92

estrutura econômica, a responsabilidade deformadora. Assim, asteorias do conhecimento e da cultura que aderem a essa idéiatendem a pensar a determinação da estrutura sobre a superesturu-tura como causal, mecânica e unidirecional. Na realidade, rebateGarcía Canclini (1995a, p. 18), a determinação é estrutural, re-versível e multi-direcional: “a base material determina por múlti-plos condutos a consciência (se podemos seguir falando essalinguagem) e esta sobredetermina dialeticamente, também, deforma plural, a estrutura”.

Recuperando a reflexão de outro autor marxista, associado aposturas althusserianas – Maurice Godelier – García Canclini en-dossa o princípio de que qualquer prática é simultaneamente eco-nômica e simbólica. Ela existe nas relações sociais que são, porsua vez, relações de significação. “O pensamento não é um meroreflexo das forças produtivas; tem nelas, desde o começo, umacondição material de seu aparecimento. […] Essa parte ideal, pre-sente em todo desenvolvimento material, não é, desse modo, ape-nas um conteúdo da consciência; existe ao mesmo tempo nasrelações sociais que são, portanto, também, relações de significa-ção” (GARCÍA CANCLINI, 1995a, p. 21).

Esse tipo de análise que identifica ideologia como “reflexo”,diz García Canclini, fez com que ela tenha sido estudada funda-mentalmente como sistema de representações conceituais e reper-tório de imagens, em detrimento de sua organização material,sendo esta a terceira limitação desse corpo teórico. Gramsci équem renova a perspectiva marxista, incluindo como parte doprocesso ideológico, instituições que fazem possível a produção ecirculação da ideologia, isto é, um nível de materialidade.

De outro lado, através da contribuição dos estudos semióti-cos, a ideologia passou a ser vista, sobretudo, como um sistemade regras semânticas, isto é, como um nível de significação pre-sente em qualquer discurso. As reflexões de Martín-Barbero e Hallrevelam esse tipo de abordagem.

E, por último, segundo García Canclini, a ênfase no estudoda ideologia em contraposição à ciência funcionou como obstá-culo à formação de uma teoria marxista da cultura. Através dessa

Page 94: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

93

estratégia, a ideologia é vista como distorção e encobrimento dasrelações sociais.

Alguns autores que se ocuparam das outras funções da ideologia(por exemplo, assegurar a coesão entre os membros de cada classeou uma nação; garantir a reprodução de suas condições de repro-dução) não desenvolveram adequadamente esses aspectos ‘positi-vos’ da ideologia, como ocorreu com Althusser, porque a oposição[da ideologia] à ciência os induziu a destacar a função negativa,seu papel osbtaculizador para o conhecimento correto da estrutu-ra social. (GARCÍA CANCLINI, 1995a, p. 19)

Entretanto, a inserção da problemática da ideologia nas teo-rias da reprodução social e da hegemonia, permite que esta sejaencarada como um componente indispensável para a reproduçãomaterial e simbólica da sociedade, para construir o consenso e acoesão social.

Do ponto de vista de García Canclini, é necessário afirmar aindissolubilidade do econômico e do simbólico, do material e docultural. Questão colocada, em outros termos, expostos anterior-mente, por Stuart Hall e Martín-Barbero. Incrustam-se exatamen-te nesse ponto, dois questionamentos clássicos, ou seja, como seefetua a mediação entre estrutura e superestrutura e como se dá arelação entre indivíduo e sociedade, melhor ainda, como se inte-riorizam as estruturas sociais nos sujeitos individuais e coletivos.

A proposta esboçada por García Canclini ampara-se, princi-palmente, nas formulações de Pierre Bourdieu. Quando Bour-dieu estuda os públicos dos museus, os perfis do gosto, a estruturada escola e da educação na sociedade francesa, está tratando deexplicar como se reproduz uma sociedade e como se organizamas diferenças entre as classes sociais, enfim, como se estrutura acultura e a sociedade. Assim, ele trata de desvendar o processoatravés do qual as classes hegemônicas, utilizando as estruturassimbólicas – estruturas ideológico-culturais – constroem sua legi-timidade. A teoria dos campos, do habitus e do poder simbólicosão construídas e articuladas com esse propósito.

Não cabe, aqui, recuperar essas proposições por si mesmas,apenas os momentos onde se dá a convergência entre as idéias de

Page 95: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

94

Bourdieu, incorporadas por García Canclini, e as dos estudosculturais britânicos, através dos posicionamentos de Hall. E,também, aqueles pontos onde o próprio García Canclini se afas-ta da teoria bourdiana, unificando sua posição com a dos estu-dos culturais.

O esquema estruturador da sociedade é a teoria dos camposque vem substituir a divisão clássica entre estrutura e superestru-tura. A localização de cada campo na totalidade da estrutura soci-al remete ao princípio das diferenças entre classes sociais. Aqui,as classes sociais não se diferenciam apenas pela sua participaçãona produção, mas, também, pela diferenciação pelo consumo. “[…]as diferenças e desigualdades se duplicam sempre por distinçõessimbólicas. E essas distinções simbólicas têm por função eufemi-zar e ‘legitimar’ a desigualdade econômica”(BOURDIEU apud GAR-CÍA CANCLINI, 1995a, p. 37).

As formas através das quais os membros de cada classe ougrupo reproduzem a estrutura social mediante seu comportamen-to cotidiano conduz ao problema da interiorização das estruturassociais nos sujeitos. É, aqui, que a teoria do habitus se insere.

Estruturas estruturadas: porque o habitus que cada um leva den-tro, foi estruturado a partir da sociedade, não é engendrado pornós mesmos. Quando adquirimos a linguagem, a língua a nóspreexiste, estrutura-nos de uma certa forma para pensar e percebera realidade nos moldes que essa linguagem permite. Mas, por suavez, essas estruturas estruturadas estão predispostas a funcionarcomo estruturas estruturantes, no sentido de que são estruturasque vão organizar nossas práticas, a maneira pela qual vamos atuarna sociedade. (GARCÍA CANCLINI, 1995a, p. 40)

Então, sua relação com a existência de estruturas “estrutura-das” – uma determinação social – e “estruturantes” – que organi-zam novas práticas sociais –, aproxima essa teoria do estruturalismomarxista. E tal laço torna-se mais estreito quando se insere a me-diação da linguagem e, conseqüentemente, a reprodução social.

Embora García Canclini alerte para o fato de que nem sem-pre as práticas correspondem ao habitus na teoria de Bourdieu,impõe-se nessa teoria uma visão reprodutivista da sociedade.

Page 96: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

95

Seu trabalho [o trabalho de Bourdieu] nos ajuda a perceber opouco que podemos escolher, [pois] estamos condicionados poruma estrutura social, pelo pertencimento a grupos, a campos, aclasses que nos fazem atuar de uma certa forma. No entanto, parece-me que uma certa estabilidade e falta de mobilidade social na socie-dade francesa, o caráter fortemente reprodutor, por exemplo, dosistema escolar, que é onde ele analisa mais rígida e estaticamente ofenômeno, tem dado pouco lugar na teoria bourdiana às práticastransformadoras. Poderíamos dizer que falta distinguir entre as prá-ticas como execução ou reinterpretação do habitus, e a praxis comotransformação da conduta para a transformação das estruturas obje-tivas. Bourdieu não examina como o habitus pode variar segundo oprojeto reprodutor ou transformador de distintas classes e grupossociais. (GARCÍA CANCLINI, 1995a, p. 43)

Aí se inicia o distanciamento de García Canclini da teoriabourdiana. De um lado, existe um movimento que reconhece queas estruturas sócio-culturais condicionam as mudanças políticas,ou dito de outra forma, a potencialidade transformadora das dis-tintas classes sociais está limitada pela lógica do habitus de classe.Há um reconhecimento da força da reprodução social pela inser-ção dessa lógica no cotidiano dos sujeitos. De outro, existe umaproblematização de como inserir a ruptura nesse espectro, isto é,um movimento que força em direção contrária.

Para mostrar conceitualmente como esses dois movimentospodem em determinadas situações coexistir, é preciso retomar oconceito de cultura em García Canclini. Sua noção de cultura sesitua entre a antropologia, um certo modo de tratamento da rela-ção entre o econômico e o simbólico trabalhado pelo marxismo, edesenvolvimentos contemporâneos da sociologia da cultura.

Em síntese, cultura é um processo de produção de fenômenosque contribui através da representação ou reelaboração simbólicadas estruturas materiais para compreender, reproduzir ou trans-formar o sistema social. De acordo com García Canclini,

estamos considerando [a cultura] como um lugar onde se repre-senta nos sujeitos o que sucede na sociedade; e, também, comoinstrumento para a reprodução do sistema social. […] se os sujeitosnão interiorizam, através de um sistema de hábitos, de disposições, de

S

Page 97: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

96

esquemas de percepção, compreensão e ação a ordem social, estanão pode produzir-se somente através da mera objetividade. Ne-cessita reproduzir-se, também, na interioridade dos sujeitos. Essadimensão simbólica, ao mesmo tempo, objetiva e subjetiva, é nu-clear dentro da cultura. (1995a, p. 60)

A cultura tem, portanto, uma função de conhecimento dosistema social. No entanto, os sujeitos não somente conhecemesse sistema social através da cultura como buscam sua transfor-mação, procuram elaborar alternativas. E é exatamente nesse pontoque se pode distinguir a diferença entre ideologia e cultura.

No entendimento de García Canclini, nem tudo é ideológiconos fenômenos culturais, se ideologia for entendida como deforma-ção do real em função dos interesses de classe, sendo esta a visão deideologia da maioria dos autores marxistas. Por essa razão, ele con-servaria o termo cultura precisamente por ter uma abrangência maior.

Na verdade, cultura não pode ser intercambiável com ideo-logia porque a primeira implica que toda produção social desentido é suscetível de ser explicada em relação às suas determi-nações sociais. Esse tipo de explicação, todavia, não esgota ofenômeno. Cultura tem uma abrangência mais vasta, pois nãosó representa a sociedade, também, cumpre a função de reelabo-rar as estruturas sociais e imaginar novas. “Além de representaras relações de produção, contribui para reproduzi-las, transfor-má-las e inventar outras”, diz o próprio García Canclini (1995a,p. 23). E o conceito de ideologia, seja ela vista como deforma-ção, reflexo ou representações das condições reais de existência,não admite esse entendimento. Além disso, não dá para esque-cer que ideologia, na visão marxista, é reduzida a interesses declasse, a formas de dominação relacionadas à classe dominante.Residiriam aí os motivos pelos quais os estudos culturais vãodar preferência ao termo cultura.

Através da reconstituição dos três itinerários – Hall, Mar-tín-Barbero e García Canclini – conclui-se que esses autorespercorreram percursos diferenciados, porém coincidentes, nospressupostos de que a cultura não é determinada pela estruturae que a ideologia não é mero reflexo das condições de produ-ção e que ambas são constituídas e constituem a estruturação

Page 98: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

97

da sociedade. É para esse ponto que converge a reflexão dos trêsautores em pauta: a cultura/comunicação como constitutiva datrama social, portanto contribuindo tanto para a reprodução quantopara a transformação e renovação do tecido social vigente. E, emcerto sentido, Gramsci será o ponto de confluência teórica, masseu aporte deixará marcas de intensidade distinta nas trajetóriasindividuais estudadas e nos estudos culturais como um todo.

O APORTE GRAMSCIANO

Uma análise dos meios de comunicação de massa centradana ideologia, nos moldes propostos por Louis Althusser, não per-mitia abertura suficiente para abarcar aqueles espaços que esca-pam das malhas da dominação. Diante de uma perspectiva quedesembocava invariavelmente em reprodução social, a incorpora-ção, sobretudo, do conceito de hegemonia de Antonio Gramscipermitiu vislumbrar um movimento mais dinâmico e complexona sociedade, admitindo tanto a reprodução do sistema de domi-nação quanto a resistência a esse mesmo sistema. Em termos ge-néricos, esse argumento é válido para a vertente britânica, assimcomo para a perspectiva latino-americana.

Do ponto de vista britânico, Hall (1996a, p. 267) aponta areflexão de Antonio Gramsci como instigadora e fundamental naconstituição dos estudos culturais, se considerados os “silêncios”do marxismo sobre uma questão muito cara aos estudos culturais,isto é, o âmbito do simbólico.

pessoalmente penso que os estudos culturais no contexto britânico,num determinado período, aprenderam a partir de Gramsci: formi-dáveis porções sobre a própria natureza da cultura, sobre a disciplinado conjuntural, sobre a importância da especificidade histórica, sobrea imensamente produtiva metáfora da hegemonia, sobre a forma pelaqual alguém pode pensar as questões de relações de classe somenteusando a noção substituta de conjuntos e blocos.

Tendo em vista não só essa avaliação, mas, também, váriasinvestigações realizadas dentro desta tradição, pode-se dizer queos estudos culturais britânicos, durante o período em que Hall

Page 99: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

98

presidiu o CCCS – 1968/1979, discutiram e trabalharam deforma mais extensa a contribuição gramsciana. Nos própriostrabalhos de Stuart Hall observa-se uma preocupação em recu-perar noções como “formação social” que propicia uma análiseda articulação entre os níveis político, econômico e ideológi-co, sem determinação de um sobre o outro, assim como a pers-pectiva “relacional”, necessária para implementar análises nessesmoldes. Porém, várias dessas investigações caracterizaram-sefundamentalmente como análises políticas conjunturais, utili-zando os meios de comunicação de massa apenas como umdos seus suportes.

Em relação à perspectiva latino-americana estudada, o aportegramsciano parece circunscrever-se a análises propriamente cultu-rais, embora essas tenham uma forte conotação política na medidaem que vão dar vazão a demandas populares antes desconsideradas.É, principalmente, o conceito de hegemonia e as possibilidades aber-tas por ele para a compreensão do âmbito do popular que repercu-tem nessa vertente de análise cultural da comunicação e, especialmente,nas formulações de Jesús Martín-Barbero e Néstor García Canclini.

De forma enfática, Martín-Barbero reconhece a importânciado pensamento de Gramsci na análise cultural, desbloqueando odebate sobre a cultura dentro do marxismo e contribuindo deforma fundamental à construção de sua própria proposta investi-gativa da comunicação.

fazendo possível pensar o processo de dominação social já nãocomo imposição a partir de um exterior e sem sujeitos, mas comoum processo no qual uma classe hegemoniza, na medida em querepresenta interesses que também reconhecem de alguma maneiracomo seus, as classes subalternas. E ‘na medida’ significa aqui quenão há hegemonia, mas sim que ela se faz e desfaz, refaz-se perma-nentemente num ‘processo vivido’, feito não só de força mas tam-bém de sentido, de apropriação do sentido pelo poder, de seduçãoe de cumplicidade. O que implica uma desfuncionalização da ide-ologia – nem tudo o que pensam e fazem os sujeitos da hegemoniaserve à reprodução do sistema – e uma reavaliação da espessura docultural: campo estratégico na luta por ser espaço articulador dosconflitos. (1987a, p. 84)

Page 100: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

99

O aporte gramsciano tornou possível inverter o sentido daidéia – a comunicação como processo de dominação – até então hege-mônico na visão “crítica” dos pesquisadores da comunicação, naAmérica Latina dos anos 70. Assim, Martín-Barbero passa a pro-por, no final dessa mesma década, a investigação da dominaçãocomo processo de comunicação, pois a dominação é, também, ativi-dade e não pura passividade da parte do “dominado”. Essa mu-dança de enfoque foi possível graças à incorporação do conceitogramsciano de hegemonia entendida como um processo vividopelos sujeitos sociais.

Em Comunicación masiva – Discurso y poder (1978), essa idéiagermina, ganhando densidade em De los medios a las comunicacio-nes (1987). E no aniversário de dez anos de publicação desseúltimo texto, ao realizar um balanço de seu programa de investi-gação, Martín-Barbero reconhece que tudo iniciou juntando Pau-lo Freire com Gramsci. “Compreender a comunicação implicava,portanto, investigar não só as artimanhas do dominador, mas tam-bém aquilo que no dominado trabalha a favor do dominador, istoé, a cumplicidade de sua parte e a sedução que se produz entreambos. Junto com Gramsci foi Paulo Freire quem me ensinou apensar a comunicação, ao mesmo tempo, como um processo so-cial e como um campo de batalha cultural” (1998a, p. 202).

A opção de incorporar parte da reflexão de Gramsci pelosestudos culturais, incentivada, principalmente, através da lideran-ça de Stuart Hall, deve-se em grande medida ao seu ataque aoeconomicismo e reducionismo dentro do marxismo clássico. Oeconomicismo e o reducionismo devem ser entendidos como umaaproximação teórica que tenta ler/interpretar as fundações econô-micas da sociedade como a única estrutura determinante. “Essaabordagem tende a ver todas as outras dimensões da formaçãocomo simples espelho do ‘econômico’ em outro nível de articula-ção e não tendo nenhuma outra força determinante ou estrutura-dora no seu próprio direito. A abordagem, de forma simples,reduz tudo numa formação social ao nível econômico e conceituatodos os outros tipos de relações sociais como direta e imediata-mente correspondentes ao econômico” (HALL, 1996c, p. 417).

Page 101: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

100

Essa, também, pode ser considerada como uma das vias deentrada de Gramsci no arcabouço teórico de García Canclini. EmAs culturas populares no capitalismo (1983), García Canclini manifestaa intenção de superar as premissas que o idealismo deixou sem expli-cação, assim como o reducionismo do materialismo mecanicista. Otermo cultura significará, então, “a produção de fenômenos que con-tribuem, mediante a representação ou reelaboração simbólica dasestruturas materiais, para a compreensão, reprodução ou transfor-mação do sistema social, ou seja, a cultura diz respeito a todas aspráticas e instituições dedicadas à administração, renovação e re-estruturação do sentido” (GARCÍA CANCLINI, 1983, p. 29).

Entretanto, García Canclini ressalta que sua definição não pro-põe uma identificação do cultural com o ideal e do social com omaterial, como também não supõe que esses níveis possam ser es-tudados de forma separada. “Ao contrário, os processos ideais (derepresentação ou reelaboração simbólica) remetem a estruturasmentais, a operações de reprodução ou transformação social, a prá-ticas e instituições que, por mais que se ocupem da cultura, impli-cam uma certa materialidade. E não é só isso: não existe produçãode sentido que não esteja inserida em estruturas materiais”(Idem).

Embora se apresente de um modo peculiar, esse tipo de vin-culação já estava expresso nas formulações de Williams sobre a“estrutura de sentimento”, ou seja, a forma pela qual sentidos evalores são vividos na vida real. A noção de “estrutura de sentimen-to” teve seu esboço num livro publicado em 1954, onde se lia:

Todos os produtos de uma comunidade são, num dado período,[…] essencialmente relacionados, embora na prática e no detalheisso não seja simples de se observar. No estudo de um período,podemos ser capazes de reconstruir com mais ou menos exatidãoa vida material, a organização social geral e, numa abrangênciamaior, as idéias dominantes. Não é necessário discutir aqui qualdesses aspectos, se algum, no conjunto global, é determinante[…] Mas apesar de ser possível, no estudo de um período dopassado, separar aspectos particulares da vida e tratá-los como sefossem independentes, é óbvio que tais aspectos somente poderãoser estudados dessa forma, jamais experienciados. (WILLIAMS apudHALL, 1993b, p. 352)

Page 102: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

101

Reitera-se aí que somente para efeitos de análise podemosseparar diferentes aspectos da vida, pois na realidade tais níveisnão são experienciados dessa forma. Também na proposta deWilliams que foi fundamental na constituição do projeto dosestudos culturais, a introdução do conceito de hegemonia foiessencial para deslocar a idéia de cultura do âmbito da ideologia,isto é, da reprodução social.

O fato de Williams, Hall, Martín-Barbero e García Canclinicoincidirem na tematização da cultura como um espaço de pro-dução social e não só de reprodução, assim como o fato de credi-tarem a Gramsci um papel importante no repensar desse papel noespectro da perspectiva marxista, não podem ser associados dire-tamente à idéia de que a construção desses posicionamentos sedeu mediante essa única via. Influências diversas atuaram nas tra-jetórias individuais desses intelectuais na problematização dasquestões mencionadas.

Por exemplo, no trabalho de García Canclini percebe-setanto a influência teórica de Pierre Bourdieu quanto de Anto-nio Gramsci.

O enfoque mais fecundo é aquele que entende a cultura como uminstrumento voltado para a compreensão, reprodução e transfor-mação do sistema social, através do qual é elaborada e construída ahegemonia de cada classe. De acordo com essa perspectiva, tratare-mos de ver as culturas das classes populares como resultado deuma apropriação desigual do capital cultural, a elaboração específicadas suas condições de vida e a interação conflituosa com os setoreshegemônicos. (GARCÍA CANCLINI, 1983, p. 12, grifo meu).

A articulação entre esses dois autores parece possível na me-dida em que García Canclini historiciza o modelo de Bourdieu,ou seja, um desenvolvimento específico das forças produtivas edas relações sociais construiu em nosso continente um capitalcultural heterogêneo em que confluem a herança das culturas pré-colombinas, a cultura européia, especialmente a espanhola e por-tuguesa e, por fim, a presença negra.

No entanto, em Culturas Híbridas (1989), o autor reconheceque a articulação entre hegemonia e reprodução ainda não está

Page 103: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

102

resolvida na teoria social. Embora o conceito de hegemonia per-maneça ainda manifesto nas suas formulações, García Canclinivai assumindo um posicionamento crítico no que diz respeito àincorporação propriamente dita de tal conceito nas análises cultu-rais. Aliado a isso, a discussão sobre a modernidade e pós-moder-nidade na América Latina e suas conseqüências, que se revelarãode forma ainda mais contundente nos próximos trabalhos (1995b),vai contribuir para redirecionar sua armação teórica.

Como se vê, os percursos individuais dos autores estudadossão diferentes. Contudo, existe uma preocupação semelhante: me-diante influências diversas, tanto teóricas quanto contextuais, dis-cute-se o reducionismo e economicismo do marxismo ortodoxo.Todos rejeitam a lógica de uma determinação direta do âmbito daeconomia sobre a cultura e a função desta como reprodutora daestrutura social.

Ao tematizarem essa questão, Martín-Barbero, García Can-clini e Hall, mesmo que em momentos históricos específicos, re-conhecem o papel fundamental exercido pela obra de Gramsci norepensar o espaço do simbólico. No entanto, concretizam-se la-ços distintos: seja Gramsci com Freire, Gramsci com Bourdieuou ainda Gramsci com posições identificadas como estruturalis-tas, principalmente, com uma parte da reflexão de Althusser. Se,por um lado, isso impede de falar em plena identidade teóricaentre essas reflexões, por outro, é possível notar afinidades teóri-cas entre elas. A exemplo do que ocorreu na formação do projetodos estudos culturais britânicos, nota-se novamente uma “unida-de na diferença” entre os três autores aqui estudados.

Como foi mencionado anteriormente, a tradição britânicasofre uma influência mais abrangente da contribuição gramscia-na. Por exemplo, a utilização do conceito de formação social vaiajudar a pensar que as sociedades são necessariamente totalidadescomplexas estruturadas em diferentes níveis (econômico, políticoe ideológico) e em distintas combinações; cada combinação dávazão a uma configuração diferente das forças sociais e, assim, aum desenvolvimento social característico.

Nas ‘formações sociais’, está se tratando com sociedades comple-xamente estruturadas, compostas de relações econômicas, políticas

Page 104: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

103

e ideológicas em que os diferentes níveis de articulação, de qual-quer maneira, simplesmente não correspondem ou ‘espelham’ unsaos outros, mas são […] ‘determinantes’ uns nos outros. É essacomplexa estruturação dos diferentes níveis de articulação, nãosimplesmente a existência de mais de um modo de produção, queconstitui a diferença entre o conceito de ‘modo de produção’ e anecessariamente mais concreta e historicamente específica noçãode ‘formação social’. (HALL, 1996c, p. 420)

O conceito de “formação social” propicia compreender asrelações entre estrutura e superestrutura através de um entendi-mento mais complexo e dinâmico. O pressuposto, aqui, é que seestabelece uma articulação entre essas forças em qualquer forma-ção social, suspendendo-se a idéia de determinação. Logo, Gra-msci também vai contribuir de forma substancial para esse debate.

Outra idéia fundamental para estabelecer as bases de umaanálise histórica e dinâmica das “relações de força” que constitu-em o terreno da luta política e social é o parâmetro “relacional”,também, proposto por Gramsci.

Aqui ele [Gramsci] introduz a noção crítica que nós estamos pro-curando, que não é a vitória absoluta de um lado sobre outro,nem a total incorporação de um conjunto de forças em outro.Antes, a análise é um problema relacional – isto é, uma questão aser resolvida relacionalmente, usando a idéia de ‘balanço instável’ou ‘o processo contínuo de formação e substituição do equilíbrioinstável’. A questão crítica é ‘as relações de forças favoráveis oudesfavoráveis a esta ou aquela tendência’. Esta ênfase às ‘relações’ e ao‘balanço instável’ lembra-nos que forças sociais que deixam deexistir num período histórico particular não desaparecem do terre-no do conflito, nem o conflito, em tais circunstâncias, é suspenso.(HALL, 1996c, p. 422)

Ou seja, ao aderir a uma noção de formação social que in-trinsecamente implica o estabelecimento de “relações” entre ins-tâncias diferentes – econômica, política e cultural –, que não secaracterizam por assumir um caráter de determinação, a análisepassa a privilegiar o aspecto “relacional”, configurando-se umaperspectiva teórica que exige, para sua unidade conceitual, sercomplementada pela concepção de hegemonia.

Page 105: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

104

O que se observa, também, é que certos conceitos gramscia-nos vão permitindo uma formação teórica mais flexível do queaquela fundamentada no estruturalismo marxista. Embora mes-mo Williams já tivesse recuperado a contribuição de Gramsci, oarcabouço conceitual dos estudos culturais britânicos, sob influên-cia de Hall, manifesta com muito mais força essa incorporação namedida em que a trama teórica passa a ter como pilar a noção dehegemonia.

Ao contrário do que possa parecer devido à abertura quepropiciou, a incorporação do trabalho de Gramsci pela trajetó-ria britânica de estudos culturais tem motivado algumas críticas.Ao examinar, principalmente, textos publicados pelo CCCS epela Open University associados à cultura popular, Harris (1992)avalia que Gramsci pareceu oferecer um marxismo “simpático”,pois era teoricamente respeitado, não-reducionista e ativista nassuas implicações. De outro lado, a utilização do conceito dehegemonia ofereceu a vantagem de dignificar uma série de ati-vidades como “políticas”.

Todavia, Harris reconhece que a perspectiva influenciada porGramsci dentro dos estudos culturais abriu um número de áreas àinspeção crítica, resultando numa nova abordagem; foi responsá-vel, também, pela emergência de uma sociologia crítica da cultu-ra e pela “politização” dessa temática. No entanto, o mesmo autorconclui: “Muito sinteticamente, o gramscismo, para mim, estádemasiadamente pronto […] a fazer seus conceitos prematura-mente idênticos com os elementos dessa realidade de variadasformas. Os escritos de Gramsci, para mim, estão sujeitos a umfechamento prematuro por serem demasiado ‘estratégicos’ tam-bém – por permitirem o privilegiamento da análise política […].Tais fechamentos têm benefícios, mas, também, consideráveisperdas” (HARRIS, 1992, p. 195).

Entre as desvantagens usualmente creditadas às análises dosestudos culturais como um todo e que podem estar associadas àinfluência da perspectiva gramsciana, especialmente à incorpora-ção do conceito de hegemonia, estariam a excessiva atenção àsuperestrutura, à capacidade de ação dos sujeitos e a essa “outra”expressão cultural identificada como comum e ordinária.

Page 106: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

105

Entretanto, no território latino-americano, Martín-Barbero(1995a, p. 52) reafirma a importância da incorporação do con-ceito de hegemonia na análise da dimensão cultural, destacando-acomo um avanço teórico.

A hegemonia nos permite pensar a dominação como um processoentre sujeitos onde o dominador intenta não esmagar, mas seduzir odominado, e o dominado entra no jogo porque parte dos seuspróprios interesses está dita pelo discurso do dominador. E, segun-do elemento que nos traz Gramsci com o conceito de hegemonia, éque essa dominação tem que ser refeita continuamente, tanto pelolado do dominador como pelo do dominado. (grifo meu)

A adoção dessa categoria na perspectiva proposta por Mar-tín-Barbero revela-se, em primeira mão, no questionamento dasteorias dominantes na investigação da comunicação, na medidaem que primordialmente não contemplam o modo como as pes-soas se comunicam e usam os meios de comunicação. Nas teoriasdominantes, a comunicação assume um sentido genérico de cir-culação de informações.

Antes de ir adiante no delineamento das conseqüências daincorporação da categoria de hegemonia na análise da comunica-ção, vale anotar que a crítica às teorias dominantes na pesquisaem comunicação já era o mote da obra de Martín-Barbero, Comu-nicación masiva – Discurso y poder (1978). O diferencial é que nessetexto a crítica se faz a partir da perspectiva semiológica, permane-cendo, então, o foco na “escritura massiva”. A necessidade de estu-dar os sujeitos sociais encontra-se esboçada, mas não é o eixocentral da discussão.

No contexto do livro De los medios a las mediaciones (DMM12), aprimeira implicação da adoção de hegemonia é o (re)direcionamentoda problemática da comunicação para a cultura, modificando suacompreensão. O sentido agora é de processo produtor de significa-ções e, portanto, o receptor não é apenas decodificador do queexiste na mensagem, imposto pelo emissor, mas também produ-tor de novos significados. Logo, aqui, a ênfase do autor é outra.

Sendo assim, comunicação assume o sentido de práticas sociais.13

Elas podem ser entendidas enquanto práticas coletivas quando se

Page 107: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

106

fala do sentido que a comunicação assume para os sujeitos. As-sim, trata-se da comunicação nas ruas, nas casas, nas praças, nasfestas, nos bairros, nas escolas, nas famílias; entre mulheres, jo-vens, indígenas, trabalhadores rurais, domésticas, etc. Mas, tam-bém, as práticas podem assumir o sentido de produção cultural.Práticas culturais que expressam valores e significados promovi-dos por instituições, corporações, intelectuais, a publicidade e osmeios de comunicação em geral.

Pensar a comunicação a partir da cultura, programa de inves-tigação elaborado por Martín-Barbero, pressupõe não centralizar aobservação nos meios em si, ou seja, concentrar-se nos artefatos,mas abrir a análise para as mediações. De forma genérica, significadeslocar os processos comunicativos para o denso e ambíguo espa-ço da experiência dos sujeitos. Isso parece coincidir com a recémcitada análise de Williams e mais ainda com seu posicionamentode associar cultura à própria noção de experiência.

Em outras análises da rota aberta por Martín-Barbero parapensar a modernidade latino-americana, através da categoria me-diações, reafirma-se como fundamental o eixo da experiência, po-rém a partir das sugestões de Walter Benjamin. Eliseo Colón, umdos pesquisadores que se aprofunda nesta relação, pondera queembora fique sugerido um diálogo com a obra de Raymond Willi-ams e Antonio Gramsci, o amparo fundamental está na “experiên-cia urbana”, proposta por Benjamin. “É a possibilidade dofragmento, a ruína, da estética que se rebela contra a Aesthetica,da resistência diante do poder sedutor da totalidade; é a estéticaque propõe Benjamin”(Colón, 1998, p. 32). O acento recai nopensar a experiência à moda de Benjamin, isto é, na região huma-na da percepção: da recepção múltipla e dispersa da experiênciaurbana. Para Colón,

do ponto de vista da perspectiva benjaminiana, a noção que esbo-ça Martín-Barbero da mediação, com sua superposição de pedaçosdispersos e fragmentos, é coerente com a experiência urbana [deBenjamin]. Em Martín-Barbero, esses fragmentos que, para oshumanos, ocupam o lugar do autêntico, são a arquitetura da coti-dianidade do bairro, da rua. São os grafites, a música, a festa, ochiste, as feiras, o mercado. (1998, p. 33)

Page 108: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

107

Não há como negar esta imbricação entre o pensamento deMartín-Barbero e Benjamin, especialmente se tomado como pon-to de encontro a insistência do primeiro nas transformações dosmodos de percepção (novo sensorium) e da experiência social, pro-porcionados pelas alterações que ocorrem no espaço da cultura.O que não invalida, de outro lado, a vinculação de Martín-Barbe-ro a Williams, pois este, em outros termos, também, tratou dessatemática – a experiência.

Para Williams, o objetivo da análise cultural é reconstituir a“estrutura de sentimento” ou o que a cultura está expressando,isto é, a experiência através da qual a cultura é vivida. Em Martín-Barbero a comunicação se dá, a exemplo de Williams, na cultura,sendo a categoria de mediação que faz essa ponte.

A apresentação da categoria mediações, em DMM, dá-se medi-ante dois procedimentos: um de caráter conceitual e outro, ilustra-tivo. Através das observações conceituais, as mediações sãoconcebidas como conexões, amálgamas que misturam elementos,formando um todo novo. São pontes que permitem alcançar umsegundo estágio, sem sair totalmente do primeiro. Dessa forma, asmediações constituem-se em articulações entre matrizes culturaisdistintas, por exemplo, entre tradições e modernidade, entre rural eurbano, entre popular e massivo, também, em articulações entretemporalidades sociais diversas, isto é, entre o tempo do cotidianoe o tempo do capital, entre o tempo da vida e o tempo do relato.

Através das mediações é possível entender, fundamentalmen-te, a interação entre produção e recepção ou entre as lógicas dosistema produtivo e dos usos, ou seja, o que se produz nos meiosnão responde unicamente ao sistema industrial e à lógica comer-cial mas, também, a demandas dos receptores, ressemantizadaspelo discurso hegemônico. Enfim, são instituições, organizaçõessociais, sujeitos e matrizes culturais distintas.

Nos exemplos apresentados nesse livro (DMM), as mediaçõestanto podem ser meios – a literatura de cordel espanhola, a litera-tura de colportage francesa,14 o cinema mexicano ; sujeitos – indi-víduos que trabalham com a literatura de colportage; gêneros –radioteatro, folhetim, melodrama, as séries e os gêneros televisi-vos; e espaços – o cotidiano familiar, o bairro.

Page 109: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

108

Além disso, no estudo da telenovela colombiana, coordenadopor Martín-Barbero, pode-se entender a própria como mediaçãono entendimento do processo de constituição do massivo, assimcomo a classe social, o gênero, a geração, a etnia, a família, obairro e a cidade como mediações para as diversas possibilidadesde leituras da telenovela.

E, assim, novamente, ao juntar todas essas pistas, espalhadastanto no seu texto seminal (DMM) quanto na sua ampla produçãode artigos, conferências e entrevistas, o sulco que vai se formandocontorna insistemente o enfoque do cultural no espaço do cotidi-ano. A tentativa é aproximar-se da “experiência que as pessoas tême ao sentido que nela adquirem os processos de comunicação”(MARTÍN-BARBERO citado HERLINGHAUS, 1998, p. 17).

Ainda em DMM, o autor propõe “como hipótese” três lu-gares de mediação preferenciais: a cotidianidade familiar, a tem-poralidade social e a competência cultural. A primeira trata dafamília como unidade básica de audiência ou recepção, por isso,seria um dos espaços-chave de recepção e decodificação. A se-gunda diz respeito à relação entre o tempo produtivo do sistemasocial e o tempo repetitivo do cotidiano. A última relaciona-se àpresença de uma matriz cultural e um modo de perceber/ler/usaros produtos culturais.

Em outro lugar, Martín-Barbero (1990b) propõe a transfor-mação das hipóteses citadas em três dimensões: a sociabilidade, aritualidade e a tecnicidade. A primeira diz respeito às negocia-ções cotidianas do sujeito com o poder e às diversas instituições,isto é, de forma mais ampla, a interação social; a segunda tratadas rotinas e das regras construídas a partir da combinação dosritmos do tempo e dos eixos do espaço, isto é, da profunda imbri-cação entre as rotinas do trabalho e as ações de transformação; aúltima identifica-se com as características do próprio meio.

Se adotada a premissa de que os conceitos podem operar emdiferentes níveis de abstração e são com freqüência consciente-mente planejados para atuar dessa forma, o importante é não jul-gar indevidamente um nível de abstração pelo outro. Seguindoessa lógica, o conceito de mediação, no projeto de Martín-Barbero,poderia equivaler-se ao de cultura, operando num nível mais geral

Page 110: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

109

de abstração. Nesse mesmo nível, os conceitos de hegemonia ehistória completariam sua reflexão. E em torno da idéia de cotidi-anidade, desdobrada nas dimensões de sociabilidade, ritualidadee tecnicidade, residiria um nível de mais concretude.

Movendo-se, então, para o nível mais concreto, que exige aaplicação de novos conceitos, é que aflora a ambigüidade das pro-posições do autor. Num primeiro momento, é o próprio conceitode mediação que assume essa função através de sua transformaçãoem meios, sujeitos, gêneros e espaços (exemplificados em DMM).Numa segunda (cotidianidade familiar, temporalidade social ecompetência cultural) e terceira etapa (sociabilidade, ritualidadee tecnicidade) é que a concepção de mediação passa a comportaraproximações analíticas mais concretas. O problema é que nãofica claro se a última etapa pressupõe o esgotamento ou o refina-mento da anterior, acrescentando sucessivas aproximações.

É claro que, na ordem mais geral de sua proposta, pode-sedizer que pensar os processos de comunicação a partir da culturapressupõe deixar de pensá-los a partir da fixidez das disciplinas edos meios de comunicação em si mesmos. Os espaços de interse-ção de conhecimentos provenientes de áreas diversas são salienta-dos, pois não é possível compreender o que ocorre no campo dacomunicação apoiando-se somente no que produzem os especia-listas da área.

Tal implicação teórico-metodológica já estava expressa emComunicación masiva – discurso e poder (1978). Lá o autor insistiana impossibilidade de manter as fronteiras disciplinares diante deum objeto que reivindica a ampliação de seus contornos. “Essasfronteiras respondem a uma divisão do trabalho teórico, da pro-dução social do conhecimento que, neste momento, torna-se obs-táculo para o desenvolvimento da investigação. Trata-se darearticulação das ciências humanas e sociais em função das trans-formações que as novas problemáticas trazem aos ‘objetos’ tradi-cionais dessas ciências” (1978, p. 119).

Enfim, entre os deslocamentos expressos no programa deinvestigação, elaborado por Martín-Barbero, destaco duas dimen-sões fundamentais: hegemonia e história. De um lado, a incorpo-ração do conceito gramsciano de hegemonia permite pensar a

Page 111: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

110

dominação não como imposição, desconhecendo a existência desujeitos, mas, sim, como construção de um consentimento/de umpacto que está permanentemente sendo refeito num processo vi-vido entre sujeitos. De outro, a análise da hegemonia acabadeslocando a idéia de cultura do âmbito puramente ideológico.A conseqüência é o abandono de uma concepção meramente su-perestrutural de cultura. Nessa direção, significa dizer que a cul-tura não é algo exterior às relações de produção, e não pode excluiras relações sociais e de poder.

A dimensão histórica referenda essa posição, proporcionan-do materialidade às práticas culturais.

No campo da comunicação, falar de história tem sido reduzido àhistória ‘dos meios’ que os autonomiza ‘mcluhianamente’, dotan-do-os de sentidos por si próprios ou faz depender esse sentido desua relação, quase sempre exterior e mecânica, com as forças pro-dutivas e os interesses de classe. Agora tratar-se-ia de outra coisa: deuma história dos processos culturais como articuladores das práticascomunicativas com os movimentos sociais. O que implica localizar acomunicação no espaço das mediações onde os processos econô-micos deixam de ser um exterior dos processos simbólicos e estes,por sua vez, aparecem como constitutivos e não somente expressi-vos do sentido social. Porque não existe infra-estrutura ou econo-mia que escape da dinâmica significante, não é possível continuarpensando por separado e de maneira fetichista o plano dos proces-sos tecnológicos, industriais, e o da produção e reprodução dosentido. (MARTÍN-BARBERO, 1983, p. 10).

Dessa forma, a proposta de Martín-Barbero organizada emtorno da categoria central de mediações, no plano da análise, segun-do Reguillo (1998, p. 86), passa a ser transposta para o espaço, otempo, a memória, as identidades que “deixam de ser concebidascomo ‘determinações’, constituindo-se nas próprias mediações que,através de seu caráter histórico, permitem explicar tanto a mudançacomo a continuidade cultural, isto é, a cultura como uma arena dedisputas simbólicas pela transformação e inovação”.

Assim, o conceito de cultura se funde no de hegemonia, é aarena do consenso e da resistência, e esse é o mesmo espaço ondese funda a hegemonia. Essa premissa tem validade, especialmente

Page 112: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

111

para Hall e Martín-Barbero. O primeiro ao aplicar o conceito dehegemonia ao contexto britânico em diferentes momentos históri-cos, iluminando diferentes temáticas, dá uma certa materialidadeao mesmo, articulando a noção de cultura com a estrutura produti-va. O segundo formula sua proposta investigativa do espaço dacomunicação fundamentado nessa categoria. Do ponto de vista deGarcía Canclini, a perspectiva aberta pelo conceito de hegemonia,embora incorporada em sua reflexão, parece reter em si mesmalimitações, sobretudo iluminadas em uma possível contraposiçãoentre subalterno e hegemônico que adiante será discutida.

Contudo, a conseqüência natural da incorporação do concei-to de hegemonia pelos estudos culturais desemboca na aborda-gem de questões em torno da cultura popular e o reconhecimentoda atividade ou “agência humana”. Através dos trabalhos pionei-ros de Williams, Hoggart e Thompson, a cultura e as práticaspopulares tornam-se objeto de investigação. Especificamente emrelação ao popular, o resultado mais direto é que

a teoria da hegemonia nos permite pensar a cultura popular comouma mistura ‘negociada’ de intenções e contra-intenções; tanto apartir de ‘cima’ como a partir de ‘baixo’, tanto ‘comercial’ quanto‘autêntica’; um balanço inconstante de forças entre resistência eincorporação. Isso pode ser analisado em diferentes configura-ções: gênero, geração, raça, região, etc. A partir dessa perspectiva,cultura popular é uma mistura contraditória de interesses e valoresconcorrentes: nem classe média nem trabalhadora, racista ou não-racista, sexista ou não-sexista, […] mas sempre um balanço incons-tante [...]. A cultura comercialmente fornecida pelas indústriasculturais é redefinida, reconfigurada e redirigida em atos estratégicosdo consumo seletivo e atos produtivos de leituras e articulação, comfreqüência, em formas não pretendidas ou mesmo não calculadaspor seus produtores. (STOREY, 1997, p. 127).

O aporte gramsciano vai permitir, então, o entendimento decontextos históricos específicos e formações sociais em que a histó-ria é ativamente produzida pelos indivíduos e grupos sociais, man-tendo-se, ainda que de forma não acentuada, uma tensão entre asestruturas e os sujeitos. Muitas vezes, a ação dos sujeitos é valoriza-da. No entanto, reside naquele tensionamento entre estruturação e

Page 113: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

112

“agência” o ponto de motivação para uma constante redefiniçãode posições teóricas dentro do leque aberto de preocupações dosestudos culturais.

A reconstrução de parte da trajetória teórico-metodológicados estudos culturais não pode ignorar esse contínuo debate entreposições diversas, o trabalho de transformação dessas posições, orearranjo e a redefinição das diferenças teóricas do próprio cam-po em resposta a questões pertinentes a um contexto históricoespecífico. Esses movimentos revelaram rupturas e incorporaçõesteóricas importantes que contribuíram para a construção da pers-pectiva teórica e das principais problemáticas da tradição dos es-tudos culturais.

Page 114: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

113

Embora os estudos culturais não possam ser reduzidos aoestudo da cultura popular, esta temática é central no seu projeto.Mas para falar sobre tal tema, é conveniente recuperar uma breveafirmação de Williams (1983, p. 237): “cultura popular não foiidentificada pelo povo, mas por outros”. Nesse sentido, é uma cri-ação intelectual. Se essa premissa for adotada, pode-se concordarcom Bennet (1986b) quando observa que a questão relativa a quemé o “povo” não pode ser resolvida de forma abstrata, somente podeser respondida politicamente. Sendo assim, a tematização da cul-tura popular em si mesma já é uma opção de cunho político.

Parto, então, para rastrear como se configura conceitualmenteo popular dentro dos estudos culturais e suas implicações teóricas,políticas e intelectuais. Novamente, a reconstituição do debate so-bre o popular sustenta-se nas reflexões de Stuart Hall, Néstor Gar-cía Canclini e Jesús Martín-Barbero, mas também contemplandooutras trajetórias e críticas.

Em linhas gerais, os estudos culturais estão, sobretudo, pre-ocupados com as inter-relações entre domínios culturais suposta-mente separados, interrogam-se sobre as mútuas determinaçõesentre culturas populares e outras formações discursivas e estãoatentos para o terreno do cotidiano da vida popular e suas maisdiversas práticas culturais.

Durante um longo período a cultura popular foi despreza-da e relegada como objeto de estudo. Entretanto, nos últimostempos, avanços foram conquistados na compreensão dessa es-fera cultural. Na Grã-Bretanha, o termo foi utilizado, em umprimeiro momento, para identificar uma coleção ou miscelâ-nea de formas e práticas culturais, tendo em comum o fato deestarem excluídas do cânone aceito da “alta cultura”. O desejode conhecer empiricamente as formas culturais populares fez

O POPULAR COMO OPÇÃO POLÍTICA

Page 115: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

114

com que fosse fundada na Inglaterra, em 1878, a primeira So-ciedade do Folclore.

Ao longo do percurso que foi sendo construído em torno detal temática, observa-se que a descoberta da cultura popular, tam-bém, se associou às idéias de nacionalidade, modernidade, for-mação da identidade nacional em um contexto de industrializaçãoe democratização. Em contraste, no debate contemporâneo, inte-ressa destacar que os estudos dedicados às culturas populares es-tão estreitamente articulados à política, à direção política e culturaldas sociedades.

Numa tentativa de reconstituição extremamente sintética dosdebates sobre o tema do “popular” em um passado recente, nomeio britânico, pode-se dizer que, no final dos anos setenta, taisdiscussões concentravam-se em duas oposições, representadas peloestruturalismo e culturalismo.

Na perspectiva do estruturalismo, a cultura popular foi com fre-qüência considerada como uma ‘máquina ideológica’ a qual dita-va o pensamento do povo de uma forma tão rígida e com a mesmaregularidade de lei como na síntese de Saussure – a qual forneceuo paradigma original para o estruturalismo – o sistema da línguadita os eventos da fala [...]. Contrariamente, o culturalismo foicom freqüência acriticamente romântico em sua celebração da cul-tura popular como expressão dos autênticos valores e interessesdas classes e grupos sociais subordinados. Essa concepção, alémdisso, resultou em uma visão essencialista de cultura, ou seja, emuma personificação de essências de classe ou gênero específico.(BENNETT, 1986a, p. XII)

O elemento novo que deslocou essas polaridades, foi a incor-poração das reflexões de Antonio Gramsci sobre o tema da hege-monia. A contribuição gramsciana configurou um novo tipo deênfase na análise da cultura popular.

Em uma síntese da reflexão gramsciana, a cultura popular não évista nem como o local da deformação cultural do povo nemcomo a sua auto-afirmação cultural [...]; ao contrário, ela é vistacomo um campo de força de relações moldadas precisamente poressas tendências e pressões contraditórias – uma perspectiva que

Page 116: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

115

permite uma reformulação significativa das questões teóricas epolíticas as quais estão em jogo no estudo da cultura popular.(BENNETT, 1986a, p. XIII)

A idéia central, exposta aqui de forma sumária, é de que asesferas da cultura e da ideologia não podem ser concebidas comosendo divididas em duas hermeticamente separadas e inteiramen-te opostas culturas e ideologias de classe.

O efeito é desqualificar as opções bipolares das perspectivas estru-turalista e culturalista da cultura popular, vista tanto como a con-dutora de uma ideologia burguesa indissolúvel ou como o localda autêntica cultura do povo […]. Pelo contrário, a cultura popu-lar está em parte envolvida na luta pela hegemonia – e para Grams-ci, os papéis desempenhados pela maioria dos aspectos culturaissedimentados da vida cotidiana estão crucialmente implicados nosprocessos por onde a hegemonia é disputada, vencida, perdida,resistida – e o campo dessa cultura está estruturado tanto pelatentativa da classe dominante em obter a hegemonia quanto pelasformas de oposição a esse empreendimento. Como tal, ela não estáconstituída simplesmente por uma cultura de massa imposta quecoincide com a ideologia dominante, nem simplesmente por cul-turas espontaneamente de oposição, mas, ao invés, é uma área denegociação entre as duas dentro das quais […] ‘estão’ misturadosvalores e elementos ideológicos e culturais dominantes, subordi-nados e de oposição, em diferentes permutações. (BENNETT, 1986a,p. XV)

Enfim, essa reorientação dos estudos no âmbito da culturapopular acarretou duas mudanças nos mesmos. A teoria da hege-monia permitiu a construção de um olhar, de dentro do marxis-mo, que evita ver o popular como um bloco homogêneo deoposição, decorrente somente de uma posição de pertencimentofixo a uma classe. Propiciou, também, pensar na possibilidade deexistência da separação relativa de diferentes regiões de enfrenta-mento cultural como classe, gênero e raça, assim como sobreposi-ções entre essas categorias em diferentes circunstâncias históricas.Em resumo, ao sugerir que as articulações políticas e ideológicasdas práticas culturais são dinâmicas – que uma prática que estáarticulada a determinados valores hoje pode estar desvinculada

Page 117: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

116

deles e associada a outros valores amanhã – a teoria da hegemoniatorna o campo da cultura popular uma área de enormes possibili-dades políticas (BENNETT, 1986a, p. XVI).

Já na América Latina, a discussão do popular toma o seguin-te rumo. De forma resumida, pode ser dito que existem três con-tornos onde a questão da cultura popular torna-se objeto dediscussão e reflexão: o primeiro está associado à idéia de folclore,o segundo à cultura massiva e o terceiro associa-se ao populismo.Cada um desses contornos identifica-se com tradições intelectuaisespecíficas e com diferentes propostas políticas. No entanto, ne-nhum deles é satisfatório na contemporaneidade.

A característica do olhar do folclore é a nostalgia. É um olharque vê a pureza da cultura popular ameaçada pela industrializa-ção, fundamentalmente, pelos meios de comunicação. O popularassociado à cultura “moderna” ou à cultura mediática é produçãocomercial e industrializada, associando-se muito mais à idéia depopularidade. E o ponto de vista expresso pelo populismo políti-co, característica da história latino-americana, tem finalidade prag-mática – usa o popular para referendar e sustentar uma determinadaaliança política. Não há como não mencionar, também, que cul-tura popular na América Latina assume com freqüência conota-ções de expressa oposição, visão que foi predominante, sobretudo,em um momento no qual experiências de “contra-hegemonia”foram o foco de atenção.

Na perspectiva do populismo, os valores “tradicionais” do povo,assumidos e representados pelo Estado ou por um líder carismático,legitimam uma ordem, transmitindo aos setores populares a idéia deque participam de um sistema que os reconhece e valoriza. Na reali-dade, simula-se que o “povo” é ator e protagonista.

Comentando esses posicionamentos, Martín-Barbero (1978,p. 224) afirma:

É esse círculo vicioso, de acordo com o qual o sucesso de públicocomprova a validez popular da fórmula, que é necessário fazerrebentar, sem cair nem no pessimismo dos que pensam que opopular ou não existe ou foi completamente digerido, apodrecidopelo massivo, nem no otimismo populista para o qual, após a

Page 118: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

117

conquista do poder, as massas não terão mais que resgatar sua‘verdadeira’ cultura, até então soterrada, e torná-la ‘oficial’.

Sem negar as diferenças entre o “culto” e o “massivo”, énecessário romper com a idéia de que o âmbito do massivo sejasomente lugar de reprodução ideológica. Nesse sentido, Martín-Barbero (1978, p. 221) pondera que “a escritura massiva é tãoescritura como a culta, que na primeira também se faz e desfaz alíngua, também nela trabalham a história e a pulsão, da mesmaforma que na escritura culta, desejando-se ou não, se reproduz osistema e o sujo comércio incuba sua demanda”.

E assim, a partir dos anos 70, a idéia de popular como entida-de subordinada e passiva passa a ser questionada teórica e empiri-camente, através da incorporação de uma noção de poder que seexpande além das estruturas institucionais convencionais – Estado,meios de comunicação, etc (GARCÍA CANCLINI, 1989a, p. 243).

Mas é somente na década de 80 que o interesse pela culturapopular suscita estudos que a tomam como um dos elementos dearticulação do consenso social. Duas vertentes se destacam nesseperíodo: uma baseada na teoria da reprodução social e a outraque se apóia na teoria gramsciana de hegemonia. “Ao situar asações populares no conjunto da formação social, os reprodutivis-tas entendem a cultura subalterna como resultado da distribuiçãodesigual dos bens econômicos e culturais. Os gramscianos, me-nos ‘fatalistas’, relativizam esta dependência porque reconhecemàs classes populares certa iniciativa e poder de resistência, massempre dentro da interação contraditória com os grupos hegemô-nicos” (GARCÍA CANCLINI, 1989a, p. 233).

Martín-Barbero (1995a, p. 51) traduz essa mudança de rotano entendimento do popular, através da difusão do pensamentode Gramsci, na reformulação das questões pertinentes a serempesquisadas. “[…] eu sintetizaria o avanço numa mudança de per-guntas. Creio que a pergunta de um animador cultural, de umtrabalhador social, de um educador, de um comunicador, não podeser o que é que na vida das pessoas fica de autêntico, o que é quena vida das pessoas permanece de parecido a como era antes? Massim, o que é que na vida das pessoas está vivo, as motiva, asdinamiza, as apaixona?”

Page 119: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

118

Uma das implicações desse tipo de abordagem, segundoMartín-Barbero, desemboca na incorporação da dimensão histó-rica. Porém, ele ressalva qual o sentido que essa perspectiva históricaadquire na sua reflexão:

sem confundir história com nostalgia que é a tentação historicista:no passado está a razão do que somos e o passado sempre foimelhor do que o presente. […] Agora, como transladar isto paraa complexidade da vida cultural de um país? Eu creio que a chavecontinua sendo o não confundir memória com a fidelidade aopassado. Trata-se de uma tentação muito forte, explicável porquea crise que estamos vivendo é a crise de um modelo de sociedade;é a ligeireza de pensar que o que fracassou veio de fora, pensar queo que fracassou é o modelo que não tem relação conosco, que temsomente relação com o que existe de imposição, e não com o queexiste de cumplicidade, não com o que existe de sedução. (MAR-TÍN-BARBERO, 1995a, p. 52)

O popular como campo de abordagem é uma idéia que seencontra tanto nas reflexões de Martín-Barbero e García Cancliniquanto nas de Stuart Hall, assim como do espectro mais geral dosestudos culturais. Em todo esse conjunto repercute a influênciagramsciana. Essa aproximação revela a existência de uma espéciede vasos comunicantes entre uma produção latino-americana eoutra, originalmente, britânica.

De uma forma geral, ou seja, com validade para ambos itine-rários, a noção de popular a partir do olhar dos estudos culturaisnão se refere diretamente às mercadorias produzidas pelas indús-trias culturais, muito menos refere-se às tradições folclóricas. Aoinvés, o popular refere-se a uma visão específica da relação entrepovo e poder, a uma visão de onde e como o poder está localizadona vida das pessoas. “O popular é de fato um ‘campo de questões’ queexige que examinemos como o poder funciona onde o povo experi-encia sua vida” (GROSSBERG apud MORRIS,1997, p. 43, grifo meu).

Esta idéia de que o popular é mais uma problemática do queum objeto empírico delimitado que pode ser recortado da realidadesocial com precisão, repete-se nas observações de García Canclini(1987, p. 6): “O popular não corresponde com precisão a umreferente empírico, a sujeitos ou situações sociais nitidamente

Page 120: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

119

identificáveis na realidade. Ele é uma construção ideológica cujaconsistência teórica está ainda por ser alcançada. É mais um cam-po de trabalho do que um objeto de estudo cientificamente deli-mitado”. Assim paralelismos e coincidências vão se apresentandona discussão sobre a cultura popular.

Stuart Hall,1 em “Notes on deconstructing ‘the popular’”(1981), afirma que o termo “cultura popular” pode ter vários ediferentes sentidos. Entre os três descritos, o primeiro, senso co-mum numa sociedade capitalista, associa popular com mercado,ou seja, algo é popular porque é muito consumido. No entanto, oautor mostra suas reservas em relação a esta definição, pois ela,de um lado, pode identificar-se com uma noção de passividade emanipulação e, de outro lado, pode contrapor-se à idéia de exis-tência de uma cultura genuinamente popular.

Na realidade, ambos sentidos implícitos nessa primeira apro-ximação mostram-se como um todo demasiado coerente e rígido:um conjunto de formas/práticas populares que está “corrompido”ou é “autêntico”.

Basicamente o que há de errado [nesta primeira definição] é queela negligencia as relações absolutamente essenciais do poder cul-tural – de dominação e de subordinação – que é uma característicaintrínseca das relações culturais. Ao contrário, eu quero afirmarque não existe nenhuma ‘cultura popular’ completamente autên-tica e autônoma, que esteja fora do campo de força das relações depoder e dominação cultural. Em segundo lugar, essa definiçãosubestima em demasia o poder de inculcação cultural. [...] [Dessaforma,] o estudo da cultura popular continua sendo visto entredois pólos bastante inaceitáveis: pura autonomia ou total incor-poração. (HALL, 1981, p. 232)

A segunda definição é puramente descritiva: é o que o povofaz ou tem feito, isto é, um modo distinto de vida. Esse sentidoiguala-se a um inventário com uma infinita listagem, problemáti-ca no momento de eliminar o que não é popular. Por outro lado,sua oposição taxativa entre o popular e o não-popular não leva emconsideração, principalmente, o processo histórico, a movimen-tação das formas culturais.

Page 121: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

120

De um período para outro os conteúdos de cada categoria mudam.As formas populares enriquecem seu valor cultural, sobem na es-cala cultural e acabam por descobrirem-se no lado oposto. Outrascoisas deixam de ter alto valor cultural e são incorporadas peloâmbito do popular, transformando-se nesse processo. O princípioestrutural não consiste, então, nos conteúdos de cada categoria –os quais, eu insisto, se modificam de um período para o outro.(HALL, 1981, p. 234)

E a terceira definição é aquela onde se insiste que o essencialsão as relações que definem a cultura popular numa contínua “ten-são” – esta tanto pode implicar vinculação, influência e antagonis-mo – com a cultura dominante (HALL, 1981, p. 235). Nessaconcepção, as relações de poder se manifestam e ocupam o lugarcentral a partir do qual pensar o popular.

Essa última definição trata o domínio das formas culturaispopulares como um campo em permanente mudança.

Ela [essa definição de cultura popular] olha o processo pelo qual asrelações de dominação e subordinação são articuladas. Ela as tratacomo processo: o processo através do qual algumas coisas sãoativamente preferidas enquanto outras podem ser menosprezadas.Ela tem no seu centro as relações de força desiguais e variáveis quedefinem o campo da cultura – isto é, a questão da luta cultural esuas muitas formas. Seu principal foco de atenção concentra-senas relações entre cultura e questões de hegemonia. (Hall, 1981,p. 235)

Nesta direção, Hall apresenta sua definição de cultura popu-lar estreitamente ligada ao campo da política. Visões críticas des-sa posição identificam que, aí, a idéia de cultura popular ficareduzida à de política, o que passa a ser problemático para umponto de vista de análise cultural (MCGUIGAN,1992). A questãofulcral, no entanto, não se situa apenas na relação que se estabele-ce entre esses planos ou campos, cultura e política, mas destesdois com os processos produtivos, com a estrutura da sociedade.

A incorporação da teoria da hegemonia na construção de umprotocolo teórico-metodológico de cultura popular resulta em duasconseqüências: as formas culturais não têm em si um valor ou

Page 122: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

121

sentido inerente e não existe uma relação direta entre classe e umaprática cultural. Esse fato tem repercussão na discussão sobre ovalor cultural das práticas, sobre seu julgamento e, também, sobre aposição que o analista assume diante dessa situação.

Em outro lugar, Hall (1986) apresenta uma revisão histórica eteórica das relações entre essa última definição de cultura popular eo Estado através de três estudos de caso: o processo de construçãode leis no século XVIII; o papel exercido pelo Estado na formaçãoda imprensa no século XIX e a constituição da BBC no início doséculo XX. Todos esses períodos são considerados de transição his-tórica na Inglaterra. Mediante a análise dessas circunstâncias, eledemonstra que não existe uma relação estável, permanente e contí-nua entre o “povo” – ou o público – a cultura e o Estado. Essasrelações são propriamente um espaço de contínua intervenção polí-tica nas quais as posições são reformuladas a cada tanto.

Em 19922, Hall novamente ampara-se nessa análise teórica dopopular para refletir sobre a cultura popular negra. A cultura popularnegra é vista como um espaço contraditório, em alguns momentos éum espaço estratégico de contestação, mas, em outros, é tambémincorporação de valores dominantes (v. Hall et al. 1978). Por essarazão, tais práticas não podem ser vistas através de um olhar deoposições binárias tais como: resistência versus incorporação, autên-tico versus inautêntico, oposição versus homogeneização.

Hall conclui que cultura popular: “é uma arena que é profun-damente mítica. É um teatro de desejos populares, um teatro defantasias populares. É onde nós descobrimos e brincamos com nos-sas próprias identificações, onde somos imaginados, representa-dos, não somente para as platéias lá fora que não captam a mensagem,mas, pela primeira vez, para nós mesmos” (Hall, 1996i, p. 474).Além disso, é um espaço dialógico mais do que oposicional, é fusãoconflitiva, um espaço tanto de rejeição como de inclusão.

Na mesma direção, Bennett propõe um protocolo de aproxi-mação à cultura popular que seja

uma abordagem que mantenha esses termos [cultura popular,popular e povo] vazios em suas definições, – ou, pelo menos, rela-tivamente vazios – com o interesse de preenchê-los politicamente de

Page 123: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

122

diversas maneiras conforme a dinâmica das circunstâncias de-mandarem. (…) O significado desses termos, por assim dizer,nunca pode ser apreendido de forma fixa ou separadamente,visto que seus usos estão sempre atrelados a uma luta para deter-minar precisamente quais os sentidos de ‘povo’ e ‘popular’ queterão politicamente peso em relação as suas habilidades de orga-nizar diferentes forças sociais em uma aliança política ativa. (BEN-NETT, 1986b, p. 8)

Desse modo, a definição de Hall para cultura popular derivasua força da categoria hegemonia a qual implica pensar o popularem termos de relações entre classes. “A cultura popular é um dosespaços onde ocorre a luta a favor e contra uma cultura dos pode-rosos: é também um jogo a ser ganho ou perdido nesta luta. É aarena de consentimento e de resistência. É parcialmente onde ahegemonia surge e onde é assegurada” (HALL, 1981, p. 239). Essaposição corre o risco de reduzir a cultura popular ao âmbito dopolítico. Mas o que interessa destacar, neste momento, é a relaçãode tal posicionamento com a análise cultural propriamente dita.

Ao recuperar tal definição de cultura popular, observa-se umaestreita afinidade entre essa preocupação da vertente britânica e aproposta pelos autores latino-americanos em foco. A discussãosobre o que é o popular, num tempo onde tudo ou quase tudo semassifica, ocupa um espaço fundamental na construção do refe-rencial de García Canclini. Mais tarde, em 1995 quando publicaConsumidores e Cidadãos, motivado pelas mudanças sócio-cultu-rais decorrentes da globalização, modifica seus posicionamentos– mais adiante comentarei a esse respeito. Isso, no entanto, nãoinvalida resgatar o movimento de suas formulações e reformula-ções porque o objetivo, aqui, é demarcar um momento caracterís-tico no estudo e reconhecimento cultural de modalidades diversasde análise da comunicação.

Na pesquisa sobre artesanato e festas populares, realizadaentre 1977 e 1980, numa zona central do México, García Canclini(1983) aponta como eixo fundamental para compreender as ma-nifestações da cultura popular, no interior do sistema capitalista,o desenvolvimento de uma estratégia de investigação que abran-gesse tanto a produção quanto a circulação e o consumo.

Page 124: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

123

De Gramsci, além da conexão cultura e hegemonia, é incor-porada a própria noção de popular.

o popular não deve por nós ser apontado como um conjunto deobjetos (peças de artesanato ou danças indígenas), mas sim comouma posição e uma prática. Ele não pode ser fixado num tipoparticular de produtos e mensagens, porque o sentido de ambos éconstantemente alterado pelos conflitos sociais. Nenhum objetotem o seu caráter popular garantido para sempre porque foi pro-duzido pelo povo ou porque este o consome com avidez; o sen-tido e o valor populares vão sendo conquistados nas relações sociais.É o uso e não a origem, a posição e a capacidade de suscitar práticasou representações populares, que confere essa identidade. (GARCÍA

CANCLINI, 1983, p. 135)

Ao assumir tal definição, Canclini questiona o modo pelo qualas culturas populares foram abordadas tanto pelo folclore quantopela comunicação, sugerindo que o popular é um espaço a partirdo qual é possível repensar a complexa estrutura dos processos cul-turais e, simultaneamente, implodir os redutivismos disciplinares.

Dessa forma, o popular se reformula como uma posiçãomúltipla, representativa de correntes culturais diversas que reivin-dicam uma inter-comunicação massiva permanente. O popularnão aparece, diz García Canclini (1987, p. 10), como o oposto aomassivo, mas como um modo de atuar nele. E o massivo não é,nesse caso, somente um sistema vertical de difusão e informação;também é, como disse uma antropóloga italiana, a expressão eamplificação dos vários poderes locais que vão se difundindo nocorpo social.

Tal noção de popular relaciona-se diretamente com os usos,as apropriações, a recepção, enfim, com o consumo. Aí, já estáexpresso o embrião para a seqüência de suas investigações, apro-ximando-se cada vez mais do consumo como objeto de estudo.

Em Culturas híbridas (1989), García Canclini busca repen-sar a heterogeneidade da América Latina como uma articulaçãocomplexa de tradições e modernidades (diversas e desiguais), comoum continente formado por países onde coexistem múltiplas lógi-cas de desenvolvimento. Sem nostalgia, propõe, então, a análise

Page 125: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

124

do hibridismo intercultural, apontando processos-chave para ex-plicá-lo: a ruptura das coleções que organizavam os sistemas cul-turais e a desterritorialização dos processos simbólicos.

Hoje, as coleções se desestruturam e o xerox e o videocasse-te, entre outros, podem ser citados como dispositivos de reprodu-ção que contribuem para esta desestruturação. Os videoclips e osvideogames podem ser apontados como exemplos dos novos recur-sos tecnológicos que surgem fundindo e decompondo as rígidasseparações entre o culto, o popular e o massivo. E, como gênerosimpuros, pode-se incluir os grafites e as histórias em quadrinhos.Essas referências têm curso num trânsito permanente do autorpelo engajamento empírico e interpretação teórica.

Por outro lado, o processo de desterritorialização é concomi-tante ao de reterritorialização na medida em que os indivíduos sedesenraízam de um território nacional que definia sua identidade,e se enraízam no espaço local onde se dão suas práticas cotidia-nas. Do ponto de vista teórico, a contribuição original de GarcíaCanclini encontra-se na idéia de hibridez das culturas contempo-râneas. Esta idéia é uma proposta conceitual feita para estudaruma série de fenômenos e de processos contemporâneos que nãosão identificados, exclusivamente, no espaço do culto/erudito,popular ou massivo.

A hibridez trata de designar, precisamente, esse caráter misto, essescruzamentos interculturais nos quais, no meu modo de ver, devesituar-se a investigação. […] A proposta de Culturas híbridas é a deelaborar uma noção de hibridação que permita abarcar, de ummodo dinâmico, os diferentes processos em que o culto, o popu-lar e o massivo se inter-relacionam, se misturam; o tradicional seintercepta com o moderno; distintas culturas de países e regiõesdiferentes também entram em relação. Interessa-me analisar comoesses intercâmbios dos processos culturais se produzem, para nãodar visiões fragmentadas, excessivamente analíticas. (GARCÍA CAN-CLINI apud MONTOYA, 1992, p. 11)

As duas principais conseqüências dessa postura teórico-me-todológica, mencionadas em outros termos por Hall (1981), são:não se pode vincular rigidamente as classes sociais com estratosculturais fixos, nem esses estratos culturais comportam um elenco

Page 126: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

125

de bens simbólicos e valores nitidamente definidos e fixos – porexemplo, a elite não domina um repertório cultural, exclusiva-mente, erudito, pois existem obras, nesse espaço, que estabele-cem relações com outras esferas; não se pode vincular rigidamenterepertórios culturais a territórios, isto é, delimitar a definiçãode identidades culturais às fronteiras nacionais de um territóriogeográfico.

A perda da relação natural da cultura com um território geo-gráfico ou o processo de desterritorialização, assim como a quedadas fronteiras entre estratos culturais (erudito, popular e massivo)e culturas diversas (locais, regionais, nacionais e global) ou o pro-cesso de hibridação cultural é o foco central da reflexão propostaem Culturas híbridas (1989). Mas, enfim, ainda nesse texto Gar-cía Canclini (1989a, p. 260) reconhece que:

as investigações mais complexas dizem, perfeitamente, que o popu-lar se dispõe em cena não com uma unidirecionalidade épica, mascom o sentido contraditório e ambíguo de quem padece a história e,ao mesmo tempo, luta com ela; referem-se, também, àqueles quevão elaborando, como em toda tragicomédia, os passos interme-diários, as astúcias dramáticas, os jogos paródicos que permitem aquem não tem possibilidade de mudar radicalmente o curso daobra, administrar os interstícios com parcial criatividade e benefí-cio próprio. (grifo meu)

Em outras palavras, García Canclini critica tanto a teoriafundamentada na reprodução social quanto aquela que se amparana hegemonia, embora reconheça em ambas teorias pistas suges-tivas para compor uma análise do âmbito do popular. Contudo,ambas contém limitações próprias à sua tecitura. A primeira, re-servando toda iniciativa aos grupos dominantes; a segunda, desta-cando a autonomia dos grupos populares.

Na tentativa de compor uma definição que escape das armadi-lhas propostas pelas teorias citadas, García Canclini (1989a, p. 259)atribui ao popular o valor ambíguo de uma noção teatral. Assim,afirma: “as interações entre hegemônicos e subalternos são cená-rios de luta, mas também espaços onde uns e outros dramatizam(grifo meu) as experiências da alteridade e do reconhecimento.

Page 127: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

126

A confrontação é um modo de encenar a desigualdade (enfrenta-mento para defender o próprio) e a diferença (pensar-se atravésdo que desafia)”.Vai enfatizar, ainda, que nas manifestações po-pulares existe “ação e atuação”, “expressão do próprio e reconstitui-ção incessante do que se entende por próprio em relação às leismais amplas da dramaturgia social como, também, em relação àreprodução da ordem dominante”(1989a, p. 260, grifo meu).

Na trama conceitual, proposta por Martín-Barbero, o popu-lar também assume uma importância decisiva: não se pode pensaro popular à margem do processo histórico de constituição domassivo, da ascensão “das massas” e da sua presença no cenáriosocial. O popular é um lugar a partir do qual pode-se pensar oprocesso comunicativo, é uma matriz cultural vista como media-ção para estudar a comunicação, localizada entre os meios e aspráticas cotidianas.

Martín-Barbero efetiva esse procedimento de aproximaçãoteórica ao popular com elementos da filosofia, da história, da so-ciologia, da política e da antropologia, construindo uma propostapara investigar o processo de constituição do massivo a partir dasmediações e dos sujeitos.

Para alcançar tal objetivo, Martín-Barbero desvela, em De losmedios a las mediaciones (1987), o movimento de gestação de al-guns conceitos, refazendo sua história. Faz, então, uma revisãocrítica da idéia de povo para românticos e ilustrados; da idéia depovo, agora, diluída na de classe social, debate que contrapõeanarquistas e marxistas;3 e, ainda, da idéia de povo dissolvida nade massa, proposta por teóricos liberais, principalmente, de for-ma mais recente através de intelectuais norte-americanos; de con-ceitos da Escola de Frankfurt sobre os processos de massificação;dos desenvolvimentos que essa escola desencadeou através dasformulações de Edgar Morin, Jean Baudrillard e Jürgen Habermas;da contribuição dos estudos históricos que redescobriram o po-pular, restituindo-lhe um papel de memória constitutiva do pro-cesso histórico; dos estudos culturais, via os trabalhos de RichardHoggart e Raymond Williams; da vertente sociológica francesaque trabalha a temática da cultura, destacando-se Pierre Bourdieue, ainda, do trabalho singular de Michel de Certeau.

Page 128: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

127

É através dessa retrospectiva que Martín-Barbero constróisua posição, sintetizada na idéia de que o popular somente temsentido, hoje, se for pensado na sua “imbricação conflitiva nomassivo” (MARTÍN-BARBERO, 1987a, p. 248). A referência ao “mas-sivo”, segundo Martín-Barbero, diz respeito a condição estruturalda sociedade moderna, a uma nova forma de sociabilidade, a no-vas condições de existência e, por sua vez, a um novo modo defuncionamento da hegemonia. Daí sua insistência em tentar en-tender como a massificação funciona, hoje, seus traços históricose desenvolvimento na América Latina.

Nessa direção, Martín-Barbero procura restabelecer o en-contro entre “modernidade” e “cultura popular”. Assim, na avali-ação de Herlinghaus (1998, p. 18),

a noção do ‘popular’ é submetida a uma reformulação poucousual já que é ligada aos processos concretos de modernização. Opopular aparece agora localizável numa relação dinâmica com omassivo – de acordo com a hipótese de que a modernidade latino-americana, revisada dessa forma, se caracteriza por uma ‘não-con-temporaneidade’ constitutiva, isto é, por descontinuidades culturaiscujo signo histórico é a ‘não-exterioridade’ do massivo no popu-lar –, constitui-se em um de seus modos de existência. Aí, não seconfundem memória popular e imaginário de massa, mas se aban-dona a conhecida ilusão essencialista de um estrato popular incon-taminado e autêntico.

Ao reformular a noção de popular, Martín-Barbero creditouespecial papel à ação dos setores populares no fortalecimento dasociedade civil. Esse otimismo se lastra, essencialmente, na suaincorporação da capacidade “tática” atribuída às classes popula-res por Michel De Certeau. Grosso modo, as táticas da vida coti-diana são o locus da resistência e subversão.

Nas palavras de Martín-Barbero (1987a, p. 94):

Popular é o nome para uma gama de práticas inseridas na modali-dade industrial, ou melhor, o ‘lugar’ a partir do qual devem servistas para se desentranharem suas táticas. Cultura popular fala,então, não de algo estranho, mas de um resto e um estilo. Umresto: memória da experiência sem discurso, que resiste ao discurso e

Page 129: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

128

se deixa dizer só no relato. Resto feito de saberes inúteis à coloniza-ção tecnológica, que assim marginalizados, carregam simbolicamen-te a cotidianidade e a convertem em espaço de uma criação muda ecoletiva. E um estilo, esquema de operações, modo de caminhar pelacidade, habitar a casa, de ver televisão, um estilo de intercâmbiosocial, de inventividade técnica e resistência moral.

Esse posicionamento gerou uma certa desconfiança no pro-jeto barberiano. Todavia, Martín-Barbero, mais tarde, vai mati-zar a valorização da capacidade criativa coletiva, expressa nessemomento, ao alertar contra a tendência de pensar que existe ape-nas uma única forma “autêntica” de alternativo. É muito o esfor-ço de dar voz e imagem aos excluídos e de abrir espaço à expressãopopular que tem detrás da chamada ‘comunicação alternativa’.Mas, também, é muito o que, aí, tem sido ocultado de visão ma-niqueísta e marginal, carregada de resíduos puristas e populistas:isto é, o alternativo, identificado com o popular e, por sua vez,com o autêntico, seria o mundo da horizontalidade e da participa-ção em si mesma” (MARTÍN-BARBERO, 1995a, p. 200).

Esses três posicionamentos – de Hall, García Canclini e Mar-tín-Barbero – falam por si mesmos nas suas afinidades e discor-dâncias. Até aqui não existem, ainda, divergências profundas, mashá indícios que tais itinerários individuais mostrarão suas singu-laridades quando a temática da globalização e sua incidência nocampo cultural e, por sua vez, na arena popular, for pontuadamais enfática e detalhadamente. Esse recorte será tratado em ou-tro lugar deste trabalho.

Desse modo, o reconhecimento do âmbito popular comoum espaço de protagonização da hegemonia revela uma opçãopolítica. Não há como evitar reconhecer que existe uma políticaassumida na posição teórica dos estudos culturais, assim comouma causa subjacente a essa posição.

A relação entre popular, hegemonia e política está expressa-mente articulada com a influência do pensamento de Antonio Gra-msci nas formulações dos autores em foco. Contudo, é precisomencionar a interpretação deste conceito-chave de hegemonia. Se-guindo uma via analítica do pensamento gramsciano, proposta porNorberto Bobbio, hegemonia significa direção política, mas

Page 130: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

129

também e, predominantemente, direção cultural. “Com relação àfunção, a hegemonia não visa apenas à formação de uma vontadecoletiva capaz de criar um novo aparelho estatal e de transformar asociedade, mas também à elaboração e, portanto, à difusão e à reali-zação de uma nova concepção de mundo” (BOBBIO, 1987, p. 48).

Através de outra análise da reflexão de Gramsci, realizadapor Carlos Nelson Coutinho, reitera-se que os “[…] conceitosgramscianos, sublinham fortemente o momento superestrutural, sobre-tudo o momento político, superando assim as tendências economicistas”(COUTINHO citado por ARICÓ, 1998, p. 19, grifo meu).

Ao recuperar esses comentários, assinalo a possibilidade deque a própria categoria hegemonia possa ser considerada funda-mentalmente como superestrutural. A armadilha que o conceitohegemonia traz à tona para um pesquisador do campo cultural, éde perder de vista as complexas relações entre superestrutura eestrutura. Como o objeto de estudo primordial do analista culturalencontra-se no primeiro nível (somente para efeitos de exposiçãopodemos classificá-lo dessa forma), o risco de superestimá-lo égrande. Um especial interesse na especificidade do cultural tendea subvalorizar as determinações econômicas e, em alguns casos,as políticas que, na realidade, configuram as condições de produ-ção e circulação das mercadorias culturais.

Desenvolvendo um raciocínio que guarda algumas aproxi-mações com essas últimas considerações, mas também estenden-do sua análise a outros pontos, McGuigan (1992) observa oaparecimento de uma força “acrítica” no estudo da cultura popu-lar no âmbito dos estudos culturais, estimulada pelo fracasso dearticular consumo e produção cultural. Essa força “acrítica” é atri-buída à teoria da hegemonia. “Uma crise de paradigma nos estu-dos culturais contemporâneos do qual uma tendência populista éum sintoma, é identificada e relacionada às contradições internasda teoria da hegemonia neo-gramsciana que uma vez coesionou ocampo de estudo em oposição à perspectiva da economia-políti-ca” (MCGUIGAN, 1992, p. 5).

Ao avançar nas suas críticas, o autor insiste: “A teoria dahegemonia colocou ‘entre parênteses’ (grifo meu) o econômico

Page 131: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

130

da produção cultural, de tal forma, que uma perspectiva ex-clusivamente focada no consumo pode emergir de suas contradi-ções internas: essa é uma das razões pelas quais deixou de ser amoldura ordenadora que uma vez foi” (MCGUIGAN, 1992, p. 76).Essa situação criou um fosso entre os estudos culturais e a econo-mia-política da comunicação e da cultura.

A partir do momento que é identificada essa vertente “acríti-ca” nos estudos culturais contemporâneos, delineia-se um dos di-lemas que a armação teórico-metodológica dos estudos culturaiscoloca para o estudo da cultura popular: “a dissidência entre osmicro-processos do sentido e os macro-processos da economia-política é uma das principais razões da limitação do populismocultural no plano explicativo” (MCGUIGAN, 1992, p. 171).

Até o momento analisado neste capítulo, não se pode atri-buir diretamente essas críticas às reflexões dos autores em foco –Néstor García Canclini, Jesús Martín-Barbero e Stuart Hall. Bemdiferente é observar a incorporação dessas idéias e seu uso no de-senvolvimento tanto da vertente britânica ou da latino-americana,principalmente, no que diz respeito a pesquisa da atividade da au-diência e dos diversos sentidos que os meios de comunicação, so-bretudo, a TV, assumem no cotidiano. Aí, traços dessa crítica podemser vivamente evidenciados. Porém, a centralidade que a esfera cul-tural assume no programa de investigação proposto por esses auto-res, mesmo que resguardados matizes distintos, permiteinterpretações de que é através dela que o econômico e o políticose realizam. Teríamos, assim, um determinismo às avessas.

FORMAS DE ENGAJAMENTO INTELECTUAL

El oficio del intelectual en esto consiste, en hacer aparentetodo aquello frente a lo que muchos son ciegos por ser

demasiado obvio. Sabe escuchar dentro de los silencios de unaépoca, pega el oído a la tierra para escuchar las corrientessubterráneas, el rumor insignificante confundido con el

ruido para comprender su sentido: he ahí su sensibilidad paracaptar lo esencial.

Javier Protzel

Page 132: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

131

A prática dos estudos culturais envolve produção de teorias,de conhecimento. Porém, não se trata apenas de aplicar teoriasexistentes a um recorte empírico determinado. Na obra de Hall,García Canclini e Martín-Barbero o elemento teórico é visto comouma resposta à práticas específicas em contextos particulares.Reafirma-se que essa é uma das características proeminentes daproposta teórico-política dos estudos culturais.

Falando sobre a constituição e a prática dos estudos culturaisbritânicos, Hall (1996a, p. 264) diz que uma atitude de pesquisaque almeja demarcar uma “diferença no mundo” deve ter algumasmarcas de distinção. As marcas distintivas compõem o que eledenomina de uma questão de posicionamento [positionalities].“Porém, também é verdade que esses posicionamentos [positiona-lities] jamais são definitivos, nunca são absolutos; não podem sertraduzidos de forma intacta de uma conjuntura para outra, nãopodem estar subordinados a permanecer no mesmo lugar”.

Condições históricas bem gerais como industrialização, mo-dernização, urbanização, massificação, mercantilização da vidacultural, desenvolvimento de novas formas de capitalismo, globa-lização da economia, migrações, emergência de novos nacionalis-mos e fundamentalismos, entre outras, manifestam-se de formadiferenciada em diversos contextos nacionais. Em cada contexto,essas forças têm produzido com freqüência significativos desloca-mentos sociais, políticos e culturais. São essas mesmas condiçõesgerais históricas, que se mostram específicas em contextos parti-culares, que deságuam diferentes tradições – que comportam nasua unidade o seu oposto, a não-coesão; que reivindicam a provi-soriedade de suas interpretações, ao contrário, da certeza absolu-ta do conhecimento – de estudos culturais.

Essas contingências são centrais no desenvolvimento e navitalidade dos estudos culturais contemporâneos. No entanto, issonão quer dizer que toda posição teórica, dentro do campo dosestudos culturais, tenha de ser separada de seus usos anteriorespara ser utilizada em contextos culturais distintos. Existem con-ceitos suficientemente abstratos e gerais que podem ser translada-dos a novos contextos toda vez que seja necessário. De outro lado,existem também conceitos que, profundamente enraizados numa

Page 133: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

132

determinada conjuntura, não podem simplesmente ser transplan-tados para outra situação, sem serem repensados.

A expansão do projeto dos estudos culturais para outros terri-tórios é um processo de negociação cultural. Hall (1996f, p. 393)insiste em que as novas inserções dos estudos culturais se dãoatravés de processos de “re-tradução”.

[Os estudos culturais estão] passando por um processo de re-tradução por onde quer que estejam sendo compreendidos, espe-cialmente nos Estados Unidos, Austrália e Canadá. Cada um desseslugares está envolvido com sua própria re-tradução. Além disso,também há uma tradução entre gerações, mesmo dentro dos estu-dos culturais britânicos. Os estudos culturais estão agora em umaposição diferente de quando o Centro de Birmingham estava atu-ando. Mesmo após a primeira década do trabalho inicial do Cen-tro, nos anos oitenta, era bem diferente. Por isso, estou chocadocom o fato de que, de um certo modo, a internacionalização colocaproblemas em uma escala maior, mas não de diferente tipo, porquea tradução tem que continuar, onde quer que praticantes se apropri-em de um paradigma e suas próprias preocupações.

Afirma, ainda, que é um processo contínuo de re-articulaçãoe re-contextualização, sem nenhuma noção de origem primária.4

Dessa forma, onde os estudos culturais ganham espaço, os termosvão mudando, existindo uma apropriação particular. Em qual-quer processo de rearticulação e desarticulação, há elementos quepermanecem, conceitos comuns, mas também há novos elemen-tos que mudam sua face.

Se não fosse assim, o processo estaria incompleto, pois nãodaria conta das particularidades da sociedade em análise.

Os estudos culturais são transformados uma vez que se começa apensar o que é [por exemplo] a situação de Taiwan, o que ‘nação’significa lá e como a internacionalização e a nova economia globalestão transformando aquela sociedade. Até que se penetre nosestudos culturais a partir dessas estruturas – não a partir de dentromesmo dos estudos culturais, mas através dessas externalidades –,não se traduz realmente os estudos culturais, simplesmente ostoma emprestado, renova-os, brinca de revestí-los. (HALL, 1996f,p. 397, grifo meu).

Page 134: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

133

Essa relação entre teoria e situações concretas particulares ea constatação de que problemáticas teóricas para serem utilizadasem realidades diferenciadas necessitam “traduções”, revela estrei-ta proximidade com o pensamento gramsciano. Gramsci em inú-meras partes dos seus Cadernos refere-se ao problema da“tradutibilidade”. No sentido gramsciano, essa problemática re-fere-se à possibilidade de algumas experiências históricas, políti-cas e sociais encontrarem uma equivalência em outras realidades(cf. ARICÓ, 1998).

“Se a tradutibilidade supõe que uma fase determinada dacivilização tenha uma expressão cultural ‘fundamentalmente’ idên-tica, ainda que a linguagem seja historicamente distinta na medi-da em que está determinada por tradições específicas de cadacultura nacional e tudo o que dela se depreende” (ARICÓ, 1998,p. 6), a prática dos estudos culturais pode ser traduzida paraoutros contextos e territórios toda vez que seja possível estabele-cer algum tipo de sintonia histórico-cultural entre seu mundo eaquele para o qual está sendo apropriado.5

Também em suas notas, “Gramsci se pergunta pelas condi-ções de ‘universalidade’ de um princípio teórico. Sua respostainsiste na necessidade de que ele apareça como uma expressãooriginária de uma realidade concreta a qual ele seincorpora”(ARICÓ, 1998, p. 17). Sobre esse aspecto é o próprioHall que faz questão de salientar tal caráter peculiar da produçãointelectual gramsciana.

Ele [Gramsci] estava usando constantemente ‘teoria’ para ilumi-nar casos históricos concretos ou questões políticas; ou para pen-sar em conceitos amplos em termos de suas aplicações a situaçõesespecíficas e concretas. Conseqüentemente, o trabalho de Gramscinormalmente aparece como muito concreto: demasiado historica-mente específico, muito delimitado em suas referências, muito‘descritivamente’ analítico, muito preso ao tempo e contexto. Suasidéias e formulações mais brilhantes são tipicamente do tipo con-juntural. Para se fazer um uso mais geral de suas idéias, elas têm queser delicadamente desenterradas de seus enraizamentos intrinsica-mente concretos e históricos e serem transplantadas para um novosolo com considerável cuidado e paciência. (HALL, 1996c, p. 413)

Page 135: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

134

Duplicando essas considerações de Hall, pode-se aplicá-lasàs características dos trabalhos – pelo menos àqueles que têm qua-lidade teórico-descritiva – do próprio projeto geral dos estudosculturais. É claro que não esquecendo as devidas diferenças entrea produção original de um pensador marxista e um projeto quemais articulou diferentes tradições teóricas na composição de umaperspectiva metodológica com tal particularidade.

O que se observa na América Latina através das formulaçõesde Martín-Barbero e García Canclini, é uma criatividade teórico-metodológica profundamente enlaçada com a conjuntura latino-americana mas, ao mesmo tempo, em sintonia com um movimentointelectual maior, passível de ser associada aos estudos culturais.Uma afinidade teórica perpassa as observações de Hall, GarcíaCanclini e Martín-Barbero, embora cada uma delas esteja enraiza-da e levando em consideração condições históricas determinadase percursos próprios.6

O caminho de Stuart Hall, entranhado numa situação histó-rica particular, e a construção de um conjunto de questões emtorno de seu trajeto individual estão expressos nas suas análises dothatcherismo, da reação da sociedade britânica à ascensão do cri-me, assim como nas observações sobre as subculturas juvenis esobre a identidade negra e sua inserção na cultura britânica.

Sua preocupação incessante com problemáticas da atualida-de quer sejam de maior densidade como o debate da pós-moder-nidade, globalização, constituição de identidades, entre outras,quer sejam de recorte mais empírico como a inserção de umatecnologia como o walkman no cotidiano social, mostram seupermanente engajamento com a fluída movimentação da socieda-de contemporânea.

Imersos no mundo híbrido da América Latina, Martín-Barbe-ro e García Canclini compõem, também, reflexões comprometidase situadas historicamente. O primeiro expõe explicitamente essetipo de posicionamento ao propor incorporar a dimensão históricana pesquisa em comunicação. Segundo Martín-Barbero, isso signi-fica assumir um determinado lugar – posição do investigador –para recuperar a história dos processos culturais como articulado-res das práticas comunicativas com os movimentos sociais.

Page 136: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

135

Na realidade, Martín-Barbero procura construir uma históriada constituição do cultural. A história do melodrama na AméricaLatina, projeto levado adiante por ele, exemplifica tal procedimen-to. O melodrama é, ao mesmo tempo, forma de recuperação damemória popular pelo imaginário, fabricado pela indústria cultu-ral, e indicador da presença do popular na constituição do massivo.

Outras frentes de trabalho, – estudos dos processos de co-municação cotidiana, observação de práticas populares e seu vín-culo com a mudança social (religiosidade popular), formaçãoprofissional – todas interpretadas à luz da inter-relação entrecomunicação, cultura e sociedade na América Latina, reiteramessa mesma posição.

Já García Canclini parte do pressuposto de que para compre-ender a conjuntura latino-americana deste final de século, é preci-so uma perspectiva pluralista que admita a fragmentação e ascombinações múltiplas entre tradição, modernidade e pós-moder-nidade. Na América Latina, de acordo com García Canclini, amodernidade não está superada, mas vive-se um estilhaçamentodo moderno, uma interação crescente entre culto, massivo e po-pular, diluindo fronteiras entre seus praticantes e os distintos esti-los. Uma das principais conseqüências é a reformulação do capitalsimbólico mediante cruzamentos e intercâmbios.

A sociabilidade híbrida que sugerem as cidades contemporâneasnos leva a participar, em forma intermitente, de grupos cultos epopulares, tradicionais e modernos. A afirmação do regional ounacional não tem sentido nem eficácia como condenação geral doexógeno. Devem ser concebidos, hoje, como a capacidade de inte-ragir com as múltiplas ofertas simbólicas internacionais a partir deposições próprias. (GARCÍA CANCLINI, 1989a, p. 332)

Em termos de temáticas pesquisadas, García Canclini desen-volve estudos sobre os desafios enfrentados pelas identidades na-cionais na medida em que se aceleram os acordos de livre comércioe integração global das economias. No caso específico do Méxi-co, com o Tratado de Livre Comércio da América do Norte.

Ele realiza, também, estudos de consumo cultural e pesqui-sas sobre políticas culturais e consumo popular na Cidade do

Page 137: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

136

México. Num período anterior, investigou culturas tradicionaiscomo artesanato e festas populares, sob o efeito da massificação,do turismo e da modernização. Enfim, o autor transitou no traba-lho de campo tanto em zonas rurais e indígenas quanto na cidadecontemporânea.

Se o trabalho teórico-intelectual se dá numa relação com ascircunstâncias históricas vividas, a prática intelectual acaba tendoressonâncias políticas. Do ponto de vista dos estudos culturais bri-tânicos, da sua origem até a contemporaneidade, a relação teórico/político sempre foi uma premissa fundamental. Hall ressalta que

mesmo quando o debate sobre assuntos específicos estavam ocor-rendo dentro do Centro de Birmingham, todo mundo sabia quea relação entre política e cultura era central em nossas preocupa-ções e prática. Não uma posição política particular e sectária – issonós sempre evitamos- mas a relação entre cultura (entendida comopráticas significantes) e poder. De um certo modo, se há algumacoisa para ser aprendida dos estudos culturais britânicos é a insis-tência na articulação entre cultura e poder – em diferentes contex-tos, obviamente. (HALL, 1996f, p. 395)

No debate contemporâneo ainda essa questão da politizaçãoda prática dos estudos culturais é objeto de preocupação.

Os estudos culturais são, com certeza, ou, pelo menos, aspiram serum modo de politizar práticas intelectuais. Porém, a prática deestudos culturais não impõe aos seus praticantes uma agenda po-lítica específica, e não acarreta quaisquer posições fixas ou soluçõesprontas para conflitos. Examinar a ‘relação entre’ povo e poder, eperguntar ‘quando e como’ o poder está localizado em suas vidas,é adotar uma abordagem contextual ou uma aproximação prag-mática à política. (MORRIS, 1997, p. 43)

Entre outros intelectuais que se destacam nesse campo, TonyBennet (1992,1993) e McGuigan têm enfatizado esse aspecto, oumelhor, têm insistido na recuperação e na necessidade de discutir“política” ou “políticas” nos estudos culturais.

Essa idéia se cruza com as propostas de Martín-Barbero queentende a atividade de investigação como atividade crítica, acompa-nhada de um compromisso com um projeto político de participação

Page 138: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

137

popular. Tal posicionamento se manifesta, por exemplo, na sua preo-cupação com a educação, especialmente, com a escola e com o papeldo professor enquanto “provocador de interrogantes”.

Mas, também, Martín-Barbero enfatiza em sua extensa pro-dução de textos que os avanços teóricos, obtidos na reflexão sobrea cultura ou sobre a comunicação na cultura, devem tornar-seoperativos, traduzíveis. Isto é, não deve existir um confronto en-tre teoria-prática, mas constribuições teóricas destinadas a fecun-dar a ação em si mesma. Aí, tem origem sua preocupação com aconstituição de um comunicador como intelectual.

Pensar na possibilidade que o espaço da comunicação sejaum lugar estratégico para pensar a sociedade, significa refletirsobre o peso social dos estudos da comunicação e a exigência derepensar as relações comunicação e sociedade. Por essa razão,Martín-Barbero reivindica a conversão do comunicador em inte-lectual, de intermediário entre produtores e consumidores paramediador na cultura. E o mediador deve tornar explícita a relaçãoentre diferença cultural e desigualdade social.

Em contraste com o intermediário, o mediador se reconhece soci-almente necessário mas, culturalmente, problemático, num ofícioambíguo e até contraditório: trabalhar pela abolição das fronteirase das exclusões é despojar de chão seu próprio ofício; buscar aparticipação das maiorias na cultura é elevar o número dos produ-tores mais do que dos consumidores[…]. (MARTÍN-BARBERO, 1990,p. 14).

O que o autor parece querer argumentar é que a investiga-ção em comunicação não está eximida de elaborar uma teoriacom vínculo social e, por sua vez, este investigador e/ou comuni-cador não está isento de exercer o papel de intelectual. No entan-to, mais recentemente, reconhece que o papel do intelectual estáem xeque a partir da crise do Estado-nação, das utopias e daesfera pública política7. Além disso, os seus últimos textos (1997/98) exalam um certo ceticismo a projetos mais ambiciosos deemancipação e transformação social.

A repercussão desse tipo de atitude de engajamento intelectualtem, também, seus desdobramentos na obra de García Canclini

Page 139: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

138

que procura com freqüência relacionar sua produção teórico-em-pírica com o ato de trazer para o campo cultural uma perspectivade ação. Não basta abordar as representações simbólicas e os as-pectos reprodutivos do campo simbólico, mas propor uma estra-tégia de ação, uma proposição política. Daí resulta a impressãode que o autor realiza uma análise do presente articulada à vonta-de de transformação. Esse é um ato político que articula a análisecientífica com a ação política.

Tal tipo de engajamento pode ser observado, em primeirolugar, no texto As culturas populares no capitalismo (1983). Nas con-clusões desse trabalho, encontram-se delineadas políticas culturaisque tratam das relações dos artesãos com o Estado e o papel desteúltimo em relação às culturas populares. A ênfase dessas políticasculturais populares encontra-se no papel de protagonista que ospróprios produtores devem exercer, mas isto somente se realizarácomo conseqüência de uma democratização radical da sociedadecivil.

Em Culturas híbridas (1989), García Canclini avalia os efei-tos do discurso e da prática liberal ou neo-conservadora. O papeldo poder público se reduz como garantia da democratização cul-tural. Isso significa concentrar o poder em empresas privadas,transformando em mercadoria os anteriormente serviços públicosde informação, artes, comunicação e outros. Dessa forma, o aces-so a esses bens torna-se possível somente a setores privilegiados.Em tal panorama, a fragmentação dos públicos, produzida peladiversificação das ofertas, reduz a expansão dos bens simbólicos.E o efeito é uma segmentação desigual dos consumos.

Ainda no mesmo livro, o autor evita explicitar generalizações“fortes”, pois reconhece a crise da noção de totalidade, num tempoonde a história se movimenta em muitas direções e toda conclusãoé provisória e incerta. Diante da diversidade e desigualdade decondições vividas pelos países latino-americanos o que enlaça todose tudo é uma reformulação do capital simbólico mediante cruza-mentos do culto, popular, massivo, tradicional, moderno, ou me-lhor, através da reconversão ou hibridismo cultural.

Assim, este livro não termina com uma conclusão senão com umaconjetura. Suspeito que o pensamento sobre a democratização e a

Page 140: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

139

inovação se movimentará nos anos noventa nesses dois trilhos queacabamos de atravessar: a reconstrução não substancialista de umacrítica social e o questionamento às pretensões do neoliberalismotecnocrático de converter-se em dogma da modernidade. Trata-sede averiguar, nessas duas vertentes, como ser radical sem ser funda-mentalista. (GARCÍA CANCLINI, 1989a, p. 348)

Em Consumidores e cidadãos (1995b), apesar de considerar airreversibilidade do processo de globalização, García Canclini nãoacredita que o global esteja substituindo o local, assim como nãovê o atual modo neoliberal de nos globalizarmos como o únicopossível. É nesse sentido que ele propõe uma luta pela reforma doEstado, traçando políticas culturais que assegurem iguais possibi-lidades de acesso aos bens da globalização.

Como o título desse livro sugere, o autor procura indagar comopodemos entender as tensões identitárias entre o sujeito-consumi-dor e o sujeito-cidadão em um contexto de mercado econômico ecultural glogalizado. No final, ele reivindica uma articulação entremercado e propostas políticas com o intuito de resguardar a produ-ção cultural latino-americana e preservar o papel do Estado comoum agente importante da identidade cultural coletiva.

Ao recuperar as contribuições mais significativas do pensa-mento de García Canclini para os estudos culturais latino-ameri-canos e, especialmente, mexicanos, Lull (1998, p. 412) concluique, em Culturas híbridas (1989), “García Canclini imagina umtipo de utopia da comunicação – uma esfera pública mediada quelembra o que John Thompson propõe por ‘reinvenção do espaçopúblico’. García Canclini acredita que o mercado pode reascen-der a ‘imaginação de uma esfera pública’ e que um vasto e variadouniverso de produtos e mensagens deveria estar igual e facilmenteacessível para a maioria do povo”.

Do meu ponto de vista, no mínimo três alternativas se abrempara definir o posicionamento de García Canclini: utópico, ingê-nuo ou apenas favorável a um multiculturalismo democrático.Isso somente poderá ser avaliado com o cuidado que merece,após resgatar as considerações de García Canclini sobre a con-temporânea organização das identidades, próxima temática destelivro. De toda forma, fica explícita a posição de intervenção social

Page 141: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

140

assumida por ele. Essa marca de intervenção estende-se, também,à prática de estudos culturais em outros contextos geográficos.Novamente, o exemplo pode ser o caso australiano. Na apresenta-ção de uma coletânea de textos sobre os estudos culturais naqueleterritório, Frow e Morris (1996, p. 354) salientam que, emboranão exista um consenso sobre “uma política do trabalho intelectu-al”, o projeto dos estudos culturais está, em certa medida, sempremarcado pelo discurso do envolvimento social.

Na trajetória da vertente britânica de estudos culturais fica claraa preocupação em produzir um interesse simultâneo por formas deconhecimento e formas de política. Referindo-se ao trabalho doCCCS, Green (1996c, p. 97) afirma: “Eles [os estudos culturais]tornaram-se amplamente conhecidos por sua combinação de críticapolítica engajada, trabalho com textos, mas também através de estu-dos etnográficos, inseridos num contexto de mudança política e soci-al, e uma incansável exploração de marcos teóricos”.

Na proposta original do CCCS e do seu coletivo de pesquisa-dores, não havia dúvidas a respeito da intenção de constituir “in-telectuais orgânicos”. A necessidade de refletir sobre a posiçãoinstitucional e sobre a prática intelectual, novamente, estabeleceuum vínculo entre Gramsci e os estudos culturais britânicos.

Hall reconhece que:

Devo confessar que, embora tenha lido muitas abordagens maiselaboradas e sofisticadas, a de Gramsci ainda me parece a que maisse aproxima daquilo que eu acho que estávamos tentando fazer.Admito que há um problema com sua expressão ‘a produção deintelectuais orgânicos’. Porém não tenho a menor dúvida de queestávamos tentando encontrar uma prática institucional nos estu-dos culturais capaz de produzir um intelectual orgânico. Antes,no contexto britânico dos anos 70, não sabíamos o que isso signi-ficaria, e não tínhamos certeza se seríamos capazes de reconhecerele ou ela se conseguíssemos produzi-lo(a). O problema com oconceito de intelectual orgânico é que ele parece alinhar os intelec-tuais com um movimento histórico emergente, e não podíamosdizer naquela época, e dificilmente podemos agora, onde tal mo-vimento histórico devia ser encontrado. Éramos intelectuais orgâ-nicos sem qualquer ponto de referência orgânica; intelectuais

Page 142: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

141

orgânicos com uma nostalgia ou vontade ou esperança (lançandomão da expressão gramsciana retirada de outro contexto) de que,em algum momento, estaríamos preparados intelectualmente paraaquele tipo de relação, caso semelhante conjuntura aparecesse. Abem da verdade, estávamos preparados para imaginar ou modelarou simular essa relação em sua ausência: ‘pessimismo da razão,otimismo da vontade’. (1996a, p. 267)

A proposta gramsciana implica em pensar o papel do intelec-tual orgânico em duas frentes: estar à frente teoricamente e não seomitir da responsabilidade de transmitir conhecimentos, atravésda função intelectual, para aqueles que não pertencem a categoriados intelectuais. Essa ambição fazia parte do projeto dos estudosculturais, embora Hall insista: “Nós nunca produzimos intelectu-ais orgânicos no Centro (gostaria que tivéssemos). […] foi umexercício metafórico. No entanto, metáforas são coisas sérias. Elasafetam a prática das pessoas. Eu estou tentando descrever os estu-dos culturais como um trabalho teórico que deve continuar a exis-tir com essa tensão [contribuição teórica e prática política]” (HALL,1996a, p. 268).

Isso mostra a preocupação da vertente britânica com a rela-ção cultura e política, simbólico e social. A questão política foicentral na sua constituição, vide sua ligação com a educação deadultos, com a New Left, com o feminismo, enfim, com os movi-mentos sociais pelo menos da época de sua emergência. Já doponto de vista latino-americano, observa-se uma estreita relaçãoentre cultura e atitude política que se manifesta na construção daperspectiva dos estudos culturais, na escolha de seu objeto de es-tudo e nas preocupações de seus praticantes.

Entretanto, desdobramentos histórico-políticos estão obrigan-do a repensar a própria idéia de “intelectual orgânico”, assimcomo esta vinculação entre produção de conhecimento e o âmbi-to do social. Ilustra essa problematização o questionamento pro-posto por McRobbie (1992, p. 720): “Na era do pós- marxismoquem estará liderando quem? Se a noção de uma classe unificadacujo papel histórico de agência e emancipação desaparece, então,que papel será atribuído ao intelectual orgânico? Em nome dequem ele ou ela está agindo?”

Page 143: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

142

Apesar da aparente não-efetividade da idéia de “intelectualorgânico” na atual conjuntura, Hall considera que essa noção deveser retida como guia da prática dos estudos culturais. No contex-to atual, não há obrigatoriedade de “copiar” esse tipo de posicio-namento, mas de repensá-lo, observando como essa articulaçãoentre produção do conhecimento e o social pode ser assegurada,em diferentes contextos e em um momento histórico distinto.

Contudo, sempre houve no pensamento de Hall um cuidadoespecial em observar criticamente nuances entre a ação políticado intelectual e o trabalho acadêmico:

Eu volto às distinções críticas entre o trabalho intelectual e o aca-dêmico: eles se sobrepõem, eles se aproximam, um alimenta ooutro, um proporciona os meios para realizar o outro. Mas nãosão a mesma coisa. [...] Eu volto à teoria e à política, a política dateoria. Não a teoria como o legado da verdade, mas como umasérie de conhecimentos contestados, localizados e conjunturais,que devem ser debatidos de forma dialógica. Mas também comouma prática que sempre pensa sobre suas intervenções em ummundo onde ela faria alguma diferença e possa ter algum efei-to.[...] Eu realmente penso que há toda a diferença do mundoentre entender a política do trabalho intelectual e substituir otrabalho intelectual por política. (HALL, 1996a, p. 274)

Também, a reflexão de Martín-Barbero mostra sinais eviden-tes de uma preocupação semelhante. Em Comunicación masiva –Discurso y poder (1978), declarando princípios para uma práticainvestigativa, Martín-Barbero reafirma a importância da históriae assume a existência de um posicionamento político na pesquisa,mas que não se confunda com “ativismo”. Porém, as exigênciasconcretas de posições relacionadas com um projeto político nãodevem inibir a prática da crítica.

não é sobre os objetos e os métodos que se opta direta e imediata-mente, mas sobre o projeto histórico que os mediatiza e dota desentido e eficácia. Sem cair na armadilha contrária, a de um politi-cismo redutor que intenta suplantar o trabalho teórico com agi-tação política. A proposta crítica consiste em assumir que ‘somenteé científico, elaborador de uma verdade, um método que surjade uma situação histórico-política determinada e que verifique

Page 144: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

143

suas conclusões em uma prática social de acordo com as proposi-ções histórico-políticas nas quais se pretende inscrevê-las’. (SCH-MUCLER apud MARTÍN-BARBERO, 1978, p. 24)

Para finalizar, vale retornar a conexão que se estabelece entreintelectuais e o interesse pela cultura popular. Essa ênfase no po-pular expressa uma determinada opção política e teórica que, nacrítica de McGuigan, foi denominada de “populismo cultural”.Ele é entendido como “a suposição intelectual […] que as expe-riências e práticas simbólicas das pessoas comuns são mais impor-tantes analítica e politicamente do que Cultura com a letramaiúscula C” (1992, p. 4, grifo meu). Segundo o mesmo autor,esse tipo de posicionamento implica em um julgamento de valordecorrente de “sentimentos populistas”.

Não há como negar que o popular, entendido à luz gramsci-ana não mais como uma essência, mas como uma matriz cultural,transformou-se num objeto privilegiado de análise dos estudosculturais. Do ponto de vista dos autores em tela neste trabalho,aproximar-se desse modo ao âmbito do popular significou exata-mente desafiar certas noções associadas a sentimentalismos, resti-tuindo a capacidade de agência aos sujeitos que, de formas diversase diferenciadas, compõem o espaço do popular.

Page 145: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

144

Page 146: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

145

O nosso tempo, então, é o tempo da diferença fazendo o seujogo, o tempo da diferença proliferante.

Antônio Flávio Pierucci

Pensar em como se constituem as identidades culturais nocontexto do final deste milênio é o eixo deste capítulo, pois esta éa temática central dos estudos culturais de hoje. Essa perspectivapassa a ser evidente, sobretudo, como resultado da influência dereflexões em torno de temas como identidade e cultura nacional,raça, etnia, gênero, modernidade/pós-modernidade, globalização,pós-colonialismo, entre os mais importantes, dentro do espectrodo campo dos estudos culturais.

De forma mais geral, esse debate torna-se um problema teó-rico a partir da modernidade quando a identidade passa a serencarada como algo sujeito a mudanças e inovações. Esse temaestá relacionado com a discussão sobre o sujeito e sua inserção nomundo; sobre os indivíduos e suas identidades pessoais – comonos constituímos, percebemo-nos, interpretamos e nos apresenta-mos para nós mesmos e para os outros; sobre o deslocamento doindivíduo do seu lugar na vida social e de si mesmo. Esses movi-mentos e questionamentos acabam gerando tensões, instabilidadee ameaça aos modos de vida estabelecidos, conseqüentemente, aidentidade cultural torna-se foco de questionamento.

Essas breves referências revelam a amplitude de tal proble-mática. Devido à sua extensão, esta reflexão circunscreve-se à abor-dagem do papel dos meios de comunicação, seja na constituiçãode identidades nacionais, seja na proliferação de novas identida-des culturais. Porém, o ponto de partida não é apenas a comuni-cação e seus efeitos na cultura e identidade nacional, mas,também, a própria problemática da identidade nacional e de outrasidentidades culturais, e qual a importância que as práticas rela-cionadas à comunicação têm na sua constituição.

IDENTIDADES CULTURAIS:UMA DISCUSSÃO EM ANDAMENTO

Page 147: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

146

De uma maneira geral, o debate sobre as identidades oscilabasicamente entre duas grandes matrizes: “essencialismo” e “cons-trução social”. A primeira posição é caracterizada por compreen-der a existência de grupos e/ou comunidades através de umacategoria inerente e inata aos mesmos, e a segunda posição, poratribuir a sua presença como um produto social.

Para Larrain (1996, p. 13), esses dois posicionamentos assu-mem a denominação de teorias racionalistas ou universalistas e,em oposição às primeiras, estão as historicistas.

As primeiras sublinham a identidade de metas e semelhança demeios no curso da história, as segundas acentuam as diferençasculturais e descontinuidades históricas. As primeiras não enten-dem as diferenças e julgam o ‘outro’ a partir de uma perspectivatotalizante e universalista; olham a história como uma série deetapas que todos têm que percorrer. As segundas destacam as dife-renças e descontinuidades e olham o ‘outro’ a partir da perspectivada sua especificidade cultural única; não entendem a base comumde humanidade entre culturas.

Porém, ambas as posições correm o risco de tornarem-sepreconceituosas. A universalista ao enfatizar a verdade absoluta econtinuidade histórica, descuida da especificidade do “outro” etende a julgar as outras culturas sob princípios da sua própria; e ahistoricista, ao reiterar a especificidade, pode desenvolver umaconstrução do “outro” como inferior. “Duas formas de racismoresultam desses extremos: enquanto as teorias universalistas po-dem não aceitar o ‘outro’ porque não sabem reconhecer e aceitarsua diferença, as teorias historicistas podem recusar o ‘outro’ por-que este é construído como um ser tão diferente que chega aaparecer como inferior” (LARRAIN, 1996, p. 57).

Enfim, as teorias que enfatizam as especificidades históricasdesenvolvem uma concepção de identidade cultural associada ànoção de existência de uma essência que marca diferenças irre-conciliáveis entre povos e nações. Dessa forma, concebem a iden-tidade cultural de maneira a-histórica. Já aquelas que acentuam ahistória como progresso universal tendem a reduzir as identida-des culturais a manifestações de um processo histórico universal.

Page 148: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

147

Se as teorias racionalistas contêm o perigo do etnocentrismo(falta de respeito ao outro), totalitarismo (falta de respeito àdiferença), universalismo (falta de respeito às especificidades lo-cais e espaciais) e a-historicidade (falta de respeito à especificida-des históricas e temporais), o historicismo contém o perigo doparticularismo racista (acentuação da diferença), essencialismo(identidade cultural como um espírito imutável), relativismo (averdade é impossível) e irracionalismo (ataque à razão). (LAR-RAIN, 1996, p. 85)

A problematização das identidades culturais estará evi-denciada, aqui, através da incursão no pensamento da tríadede autores, eixo central deste livro: Stuart Hall, Jesús Mar-tín-Barbero e Néstor García Canclini. Embora essas trajetó-rias intelectuais mostrem coincidências, opto por realizaruma ramificação da temática, construindo três narrativas in-dividualizadas.

Antes de adentrar no debate da constituição das identida-des, é preciso fazer apenas referência ao contexto mais geralonde essa temática assume importância. Assim, a primeira con-dição é reconhecer a desestabilização gerada pela modernida-de nessa discussão, assim como as implicações da problemáticada pós-modernidade e seu interesse na (re)construção das iden-tidades.1 A segunda condição para compreender a preocupa-ção contemporânea em torno das identidades é apontar, comopano de fundo, a existência da globalização.2 Contudo, a defi-nição e o endosso a um posicionamento a esse respeito fazemparte dos caminhos que cada autor percorre, assim, esses te-mas serão abordados, pelo menos indiretamente, em cada umadas narrativas.

Mesmo assim, vale dizer que a vinculação entre essas duasproblemáticas, recém citadas, tem ressonâncias políticas, econô-micas e culturais. Dentro do âmbito cultural, a configuração dasidentidades sofre profundas alterações. Em um mundo que pare-ce dominado por um repertório cultural global, novas comunida-des e identidades estão sendo constantemente construídas ereconstruídas. É justamente uma reflexão sobre esse processo quese apresenta a seguir.

Page 149: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

148

IDENTIDADE COMO DIÁSPORA

A experiência da diáspora que se desconecta do sentido estri-to da dispersão dos judeus ou de outros povos por motivos políti-cos ou religiosos, em virtude da perseguição de grupos intolerantes,sintetiza, segundo Stuart Hall, a nova configuração que as identi-dades culturais assumem hoje. “Visto que a migração3 resultouser o evento histórico-mundial da modernidade tardia, a clássicaexperiência pós-moderna revela-se ser a experiência diaspórica”(1996d, p. 490).

Essa idéia passa a enfatizar tanto o deslocamento espacialquanto o temporal. Este último sentido refere-se à permanênciade uma ligação com o passado – mesmo que possa estar associadoà imagem de um passado em ruínas. Por essa razão, Hall vaidiscutir a formação de novas formas de identidade ligadas ao re-contar o passado através da memória e à afirmação da diferença.

Outra imagem que pode simbolizar o arquétipo da condiçãoatual e reforça a anterior é a do “forasteiro familiar”. Ele expressauma tensão entre elementos pessoais e estruturais, residindo aí seupoder enquanto imagem criativa, mas que não perde suas especifi-cidades. A trajetória pessoal de Hall é ilustrativa nesse sentido.

Tendo sido preparado pela educação colonial, eu conhecia a Ingla-terra a partir de dentro. Mas eu não sou e nunca serei ‘inglês’. Euconheço ambos os lugares [Jamaica e Inglaterra] intimamente, maseu não sou completamente de nenhum desses lugares. E isso é exa-tamente a experiência diaspórica, distante o suficiente para experien-ciar o sentimento do exílio e perda, próximo o suficiente para entendero enigma de uma ‘chegada’ sempre adiada (Idem).

Partindo ou não de seu caso pessoal, a identidade é umabusca permanente, está em constante construção, trava relaçõescom o presente e com o passado, tem história e, por isso mes-mo, não pode ser fixa, determinada num ponto para sempre,implica movimento.

Eu penso [diz Hall] que a identidade cultural não está fixa, é semprehíbrida. Mas é precisamente porque surge de formações históricasmuito específicas, de histórias específicas, de repertórios culturais de

Page 150: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

149

enunciação, que pode constituir-se em um ‘posicionamento’ [‘po-sicionality’] que nós chamamos, provisoriamente, identidade. […]Então, cada um desses relatos de identidade está inscrito nas posi-ções que assumimos e com que nos identificamos, e temos de viveresse conjunto de posições de identidade em toda sua especificida-de” (1996d, p. 502).

Na tentativa de apresentar o desenrolar do debate que tratade como estão sendo transformadas e produzidas diferentes enovas posições de sujeitos no curso e desdobramento de umacultura global, de uma maneira mais ou menos cronológica, acre-dito que é importante recuperar, ainda que de forma breve, areflexão de Stuart Hall sobre a natureza da identidade culturalque pertence àquele momento histórico particular, marcado poruma posição de liderança das nações no mercado mundial. Valelembrar que Hall vai pensar essa problemática a partir de umlugar determinado, a partir do Reino Unido e, particularmente,da Inglaterra, ou seja, um lugar que exerceu forte liderança mun-dial mas, hoje, de certa forma tem menos realce devido ao seudeclínio econômico e político.

Circunscrita a um momento determinado, a identidade cul-tural era, então, definida como fortemente centrada, um pontoestável de referência, um tipo particular de “etnicidade”, localiza-da num lugar, numa história específica. No entanto, Hall reco-nhece que não era polido referir-se dessa forma à identidadebritânica até recentemente. “Uma das coisas que está acontecen-do na Inglaterra é a longa discussão, recém iniciada, que tentaconvencer os ingleses que eles são, afinal de contas, somente ou-tro grupo étnico” (HALL, 1991b, p. 21).

Com o processo de globalização, essa relação estável entreidentidade cultural nacional e Estado-nação começa a mudar, istoé, a idéia de que uma formação nacional possa ser representadapor uma identidade nacional passa a estar tensionada. No casobritânico, Hall identifica esse processo de mudança através de umconjunto de fatores: declínio econômico da nação britânica; acele-rado processo de abertura de mercados globais a partir dos anos70; movimentos de migração, sobretudo no período pós-SegundaGuerra; aumento da interdependência internacional; surgimento

Page 151: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

150

de acordos monetários e regionais através de organizações supra-nacionais e suas implicações na concepção de soberania e do Es-tado-nação; e, também, o impacto do “progresso” no meioambiente mundial.

Mesmo que a análise de Hall sublinhe aspectos que dizemrespeito ao caso específico britânico, pode-se, de outro lado, es-tender suas observações em um contexto bem mais vasto. Assim,com essa movimentação geral, sumariamente descrita, vem a ero-são do Estado-nação e das identidades nacionais associadas a ele.Dessa forma, o autor pondera que “quando a era dos estadosnacionais, na globalização, começa a declinar, pode-se ver umaregressão a uma forma de identidade nacional muito defensiva ealtamente perigosa, que está dirigida por uma forma muito agres-siva de racismo” (HALL, 1991b, p. 26).

Em outro lugar, Stuart Hall (1994) avalia que as “grandesnarrativas” da modernidade criaram uma expectativa de gradualdesaparecimento de posições nacionalistas ao invés do imprevisí-vel retorno aos nacionalismos que estamos presenciando. Dianteda globalização, aspectos locais e nacionais são cada vez mais me-recedores de atenção. E, embora os estados nacionais sejam possi-velmente menos importantes hoje do que em épocas anteriores,vínculos com a nação, assim como com a região, isto é, comlugares propriamente ditos, que foram uma vez pensados comoparticularismos arcaicos que a modernidade capitalista dissolve-ria ou ultrapassaria, estão renascendo.

A última fase da globalização capitalista com suas impetuosascompressões e reordenamentos sobre o tempo e o espaço nãoresultou necessariamente na destruição daquelas estruturas espe-cíficas, conexões e identificações particularistas que estão ligadasàs comunidades mais localizadas cuja modernidade homogenei-zante supôs substituir. […] Mas, a assim chamada ‘lógica docapital’ tem operado muito mais através da diferença – preser-vando e transformando a diferença […] – do que a minando.(HALL, 1993b, p. 353)

A partir do momento em que foram criados estados nacio-nais com suas fronteiras geográficas bem definidas, sua economia

Page 152: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

151

e cultura nacionais, se estabelece uma tensão entre esse primei-ro desenvolvimento e os imperativos transnacionais da lógicacapitalista.

A atual e intensa fase de globalização tem favorecido tendênciasque pressionam os estados nacionais em direção à integraçãosupranacional – econômica e, mais hesitantemente, política e cul-tural – enfraquecendo sem destruir o Estado-nação e, desse modo,abrindo ambas as economias, locais e regionais, para novos des-locamentos e novas relações. Paradoxalmente, a globalização pa-rece, também, ter conduzido a um fortalecimento de fidelidadese identidades ‘locais’ dentro dos estados nacionais. Embora issopossa ser enganador, o fortalecimento do ‘local’ é provavelmentemenos o revival de identidades estáveis de ‘comunidades estabe-lecidas localmente’ do passado e mais aquela ardilosa versão ‘dolocal’ que opera dentro e tem sido completamente remodeladapelo ‘global’, funcionando amplamente dentro de sua lógica.(HALL, 1993b, p. 354)

O que na verdade pode ser observado, segundo Hall, é umagradual, embora irregular, erosão dos nacionalismos dos princi-pais estados da Europa Ocidental e o fortalecimento tanto de rela-ções transnacionais quanto de identidades locais. Dois traçosmarcam o desenrolar desse processo: por um lado, a revaloriza-ção de movimentos por autonomia regional e nacional, precisa-mente encampados por grupos que tiveram suas identidadesamordaçadas por estados nacionais fortes e, de outro lado, o cres-cimento concomitante de uma reação defensiva daquelas culturasnacionais que se viram ameaçadas por movimentações de suaspróprias periferias.

Entre os exemplos citados pelo autor, vale recuperar sua refe-rência a Raymond Williams, pois este reflete a ambivalente iden-tificação produzida por essas duas tendências quando seautodenomina um “galês-europeu”, isto é, oriundo do País deGales mas sob a égide da Grã-Bretanha que, por sua vez, integraenquanto uma unidade a Europa Ocidental.

Também, não pode ser negligenciado o que ocorreu e está emcurso na Europa Oriental: o esfacelamento da União Soviética e orenascimento de nacionalismos étnicos submersos por décadas sob

Page 153: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

152

o poder da influência soviética e outros acontecimentos atuaiscomo a guerra entre sérvios e bósnios. De forma muito cuidado-sa, Hall avalia que, do ponto de vista político, o nacionalismo nãoé necessariamente nem uma força reacionária nem progressiva.“Ele é suscetível de ser modulado a posições políticas muito dife-rentes, em momentos históricos diferentes e seu caráter dependemuito de outras tradições, discursos e forças com as quais estáarticulado” (1993b, p. 355). Por exemplo, movimentos de paísesdo Terceiro Mundo que foram produzidos como contra-discursosà exploração e colonização cultural têm trajetórias bem distintasdaqueles que foram gerados em reação ao sistema socialista.

Sendo assim, Hall endossa a posição de que o Estado-naçãonão é apenas uma entidade política, mas, também, uma formaçãosimbólica que produz uma “idéia” de nação enquanto uma “co-munidade imaginada”. Porém, o percurso desses movimentos pró-nacionalismo têm revelado com freqüência a tentativa de construçãode formações etnicamente “fechadas”, isto é, “puras”, alinhando-sea uma concepção essencialista de identidade nacional.

Mas a história dos estados nacionais do Ocidente nunca foi dessetipo etnicamente puro. […] eles são, sem exceção, etnicamentehíbridos – o produto de conquistas, absorções de um povo poroutro. A principal função das culturas nacionais, que […] sãosistemas de representação, tem sido representar o que é, de fato,uma amálgama étnica da nacionalidade moderna como a unidadeprimordial de ‘um povo’ […] Além do mais, esse hibridismo doEstado-nação moderno está hoje, na presente fase de globalização,sendo composto por uma das maiores, compulsórias e voluntári-as, migrações de massa dos últimos tempos. Portanto, um após ooutro, os estados nacionais ocidentais, já incontestavelmente dias-porizados [diaspora-ized], estão tornando-se inextricavelmente‘multiculturais’ – étnica, religiosa, cultural, lingüisticamente, etcmisturados. (HALL, 1993b, p. 356)

Por esse trajeto, Hall recupera a reflexão de Williams sobre o“modo de vida global”, problematizando-a.4 Em outras palavras,refere-se a quem esse modo de vida; a qual vida; existiria umúnico modo de vida ou vários; não seria o caso de que, no mundomoderno, quanto mais se examina esse “modo de vida global”

Page 154: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

153

mais internamente diversificado, mais atravessado por complexospadrões de similaridades e diferenças, ele parece ser. “As pessoasmodernas, de todos os tipos e condições, cada vez mais comouma condição de sobrevivência, parecem ser membros, simulta-neamente, de muitas e sobrepostas ‘comunidades imaginadas’; eas negociações entre e através dessas complexas ‘fronteiras’ sãocaracterísticas da própria modernidade” (HALL,1993b, p. 359).

Embora já se tenha mencionado que o global e o local sãoduas rotas simultâneas, características de uma época de globaliza-ção – da passagem daquela onde o Estado-nação, as economiasnacionais e as identidades culturais nacionais eram dominantespara a presente, em que esses mesmos laços se afrouxam –, éimportante recuperar esse aspecto de forma mais sistemática.

Hall questiona-se, então,

O que é esse novo tipo de globalização? O novo tipo de globali-zação não é inglês, mas americano [norte-americano]. Em termosculturais, o novo tipo de globalização tem a ver com uma novaforma de cultura de massa global, muito diferente daquela associ-ada com a identidade inglesa e as identidades culturais associadasao Estado-nação numa fase anterior. A cultura de massa global édominada pelos meios modernos de produção cultural, domina-da pela imagem que atravessa e reatravessa fronteiras lingüísticasmuito mais rápida e facilmente, e fala através de linguagens de ummodo muito mais imediato. (1991b, p. 27)

Sintetiza-se que essa “cultura de massa global” permanececentrada no Ocidente ou melhor nas narrativas ocidentais; “falainglês” enquanto língua internacional; é dominada por imagensda publicidade, da televisão e do cinema; é uma forma peculiar dehomogeneização, ou seja, é uma forma de representação cultural(fundamentalmente, visual) homogeneizadora mas nunca absolu-tamente completa.

Essa forma de homogeneização é muito particular, explicaHall (1991b, p. 28):

[Ela] está querendo reconhecer e absorver as diferenças dentro deuma extensa estrutura do que é essencialmente uma concepção

Page 155: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

154

americana do mundo. Isso é dizer que ela está muito fortementelocalizada na concentração crescente e em andamento da cultura e deoutras formas de capital. Mas é hoje uma forma de capital que reco-nhece que – usando uma metáfora – somente pode governar atravésde outros capitais locais, ao lado de e em parceria com outras elitespolíticas e econômicas. Essa forma de homogeneização não tentaapagar as diferenças, ela funciona através delas (grifo meu).

E mais adiante, Hall cita um exemplo que nos interessareter aqui:

Você tem que pensar sobre a relação entre Estados Unidos e Amé-rica Latina para descobrir sobre o que estou falando, como aque-las formas que são diferentes, que tem sua própria especificidadepodem ser, contudo, repenetradas, absorvidas, remodeladas, ne-gociadas, sem absolutamente destruir o que é específico e particu-lar a elas. (Idem)

Essa menção ao processo cultural vigente na América Latinarelaciona-se precisamente ao que Martín-Barbero e García Can-clini estão tentando chamar a atenção, isto é, para os movimentosparticulares de negociação de sentidos que incorporam “imagens”dessa “cultura de massa global” mas com rastros de uma outraidentidade, lastrada numa outra história. Esse novo regime cultu-ral vive através da diferença.

Assumindo que o reconhecimento da diversidade cultural éimperativo na contemporaneidade, Hall sinaliza que o grande ris-co surge de formas de identidade cultural e nacional que tentamfirmar-se adotando versões “fechadas” de cultura e pela recusa aengajar-se na problemática de viver com a diferença. Por essarazão, enfaticamente propõe posicionar-se “nas margens” para apartir desse lugar reconhecer um modo de existência que não sedeixa classificar como simplesmente de assimilação cultural.

É a partir desse espaço, que pode também ser identificadocomo o âmbito do local, que passam a aparecer novas representa-ções, novos sujeitos que mediante diferentes embates, alcançammeios de falarem por si mesmos. Assim, ao mesmo tempo que sesente a força da homogeneização e absorção, sente-se a pluralida-de e a diversidade, formas locais de oposição e resistência.

Page 156: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

155

Nesse sentido, Hall identifica em curso uma “política de re-presentação” – um envolvimento dos sujeitos que até então pode-riam estar localizados “nas margens”, em reclamar alguma formade representação por si mesmos. Duas questões passam a ser cru-ciais nesse contexto: a disposição de viver com a diferença e, deoutro lado, a etnicidade.

Ambos os termos são passíveis de mal-entendidos, por isso oautor indica o sentido que lhes dá. O primeiro evoca a multiplicida-de de diferenças que operam na constituição e representação daidentidade. O termo etnicidade admite o entendimento do espaçoda história, da linguagem e da cultura na construção da subjetivida-de e da identidade, isto é, um reconhecimento em que todos nósfalamos a partir de um lugar, de uma história, de uma experiência,de uma cultura particular. “Nesse sentido, nós somos todos etnica-mente situados e nossas identidades étnicas são cruciais para nossosenso subjetivo de quem somos” (HALL, 1996j, p. 447).

Contudo, esses movimentos que vêm do local, podem de-sembocar em duas vertentes bem distintas. Uma implica o retor-no aos fundamentalismos: “Quando os movimentos das margensestão tão profundamente ameaçados pelas forças globais da pós-modernidade, eles mesmos podem retroceder aos seus própriosenclaves exclusivistas e defensivos. E, nesse ponto, as etnicidadeslocais tornam-se tão perigosas quanto as nacionais. Nós vimosisso acontecer: a recusa da modernidade toma a forma de umretorno, redescoberta da identidade que constitui uma forma defundamentalismo” (HALL, 1991b, p. 36).

E a outra vertente diz respeito ao reconhecimento de quese fala a partir de um determinado lugar, que seria a descobertade um “passado”, de um “chão”. Essas origens, no entanto, nãoestão imersas num lugar mítico e idealizado que não estabelecerelações com o presente, mas, ao contrário, é aquele espaço defronteira, de cruzamento, apontado como híbrido.

Do lugar de milhões de pessoas deslocadas, de culturas deslocadas,de comunidades fragmentadas do ‘Sul’, que foram retiradas desuas ‘comunidades já estabelecidas’, de seus ‘sentimentos já aloca-dos’, de suas ‘verdadeiras relações vividas’, de seu ‘modo de vida’.Essas pessoas tiveram de aprender a desenvolver outras habilida-

Page 157: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

156

des, aprender outras lições. São produtos de novas diásporas queestão se delineando no mundo. São obrigadas a viver pelo menosduas identidades, a falar pelo menos duas linguagens culturais,negociando-as e traduzindo-as mutuamente. [...] Essas pessoassão o produto das culturas da hibridação. [...] Os híbridos guar-dam fortes ligações e se identificam com as tradições e com oslocais de sua ‘origem’. Mas não têm nenhuma ilusão em relação aum verdadeiro ‘retorno’ ao passado. Ou nunca retornarão (sejaqual for o sentido literal) ou os lugares a que retornarem terão setransformado em algo irreconhecível devido aos processos des-providos de qualquer remorso que caracterizam a transformaçãomoderna. Nesse sentido, não há hipótese de se voltar para ‘casa’novamente. [...] Estão também obrigados a chegar a um acordocom as novas culturas em que vivem, bem como fazer algo novodelas, sem simplesmente deixarem-se assimilar por tais culturas.Não são e nunca serão, em um sentido antigo, unificados cultural-mente, porque são inevitavelmente os produtos do encadeamen-to de várias histórias e culturas, pertencendo, ao mesmo tempo, avárias ‘casas’ – e assim a nenhuma casa em particular. (HALL, 1993b,p. 361)

Nessa longa citação, encontram-se, de forma explícita ouimplícita, diversas idéias-chave que marcam a contribuição deStuart Hall sobre a identidade no mundo contemporâneo. Emprimeiro lugar, identidade é um espaço onde um conjunto de no-vos discursos teóricos se interseccionam e onde um novo grupode práticas culturais emerge. Trata-se de uma categoria política eculturalmente construída em que a diferença e a etnicidade sãoseus elementos constituintes; a experiência da diáspora se trans-forma em emblema do presente; a hibridação deixa sua marca e afluidez da identidade torna-se ainda mais complexa pelo entrela-çamento de outras categorias socialmente construídas, além dasde classe, raça, nação e gênero.

Essas últimas categorias somadas à narrativa do Ocidente, se-gundo Hall, são “as grandes identidades coletivas sociais” que nãodesapareceram, mas não têm mais a força de antes. Como pensar,então, a problemática da identidade na esteira do esmaecimentodessas “grandes identidades”, sendo que estas já não têm mais opoder explicativo e compreensivo que tiveram? Esse questionamento

Page 158: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

157

é ainda mais crucial em relação à classe, pois esta era o principalreferente de posição social.

Se um sentido de identidade se perdeu, precisamos de outro.Isso faz com que tornemo-nos cientes de que identidades não sãonunca completas, finalizadas. Ao contrário, estão em permanenteprocesso de constituição. São narrativas, discursos contados a partirdo ponto de vista do Outro. “[…] identidade é sempre em parteuma narrativa, sempre em parte um tipo de representação. Estásempre dentro da representação.5 Identidade não é algo que éformado fora e, no final, nós narramos histórias sobre ela. É o queestá narrado na nossa própria pessoa (Hall, 1991a, p. 49, grifo meu).

Por essa razão, Hall concebe a identidade articulada ao pas-sado e presente, em permanente construção, atravessada tantopelos discursos públicos quanto pelas práticas e experiências dossujeitos, entranhados numa determinada conjuntura histórica. Aidentidade, então,

é um assunto de ‘chegar a ser’ como também de ‘ser’. Pertence aofuturo tanto quanto ao passado. Não é algo que já existe, trans-cendendo lugar, tempo, história e cultura. As identidades culturaisvêm de algum lugar, têm histórias. Mas, como tudo o que é histó-rico, elas sofrem uma transformação constante. Longe de estaremeternamente fixas num passado essencializado, estão sujeitas aocontínuo ‘jogo’ da história, da cultura e do poder. Longe de esta-rem fundadas numa mera ‘reprodução’ do passado que está espe-rando ser encontrado e que, quando encontrado, assegurará nossosentido de nós mesmos até a eternidade, as identidades são osnomes que damos às diferentes maneiras como estamos situadospelas narrativas do passado e como nós mesmos nos situamosdentro delas. (HALL, 1990, p. 225)

Dentro desse contexto, Hall presta acurada atenção às iden-tidades diaspóricas, isto é, o que a experiência da “migração”afeta a identidade, pois ninguém se translada de um lugar a outroou herda e se apropria de culturas diversas sem ser afetado poressa experiência. E, aqui, as características da hibridez – expressana idéia de cut and mix – e do movimento integram-se às caracte-rísticas, anteriormente descritas, na constituição da identidade.

Page 159: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

158

Ao pensar o sentido de identidade no seu caso em particular,isto é, sua autonarrativa, Hall reconhece sua posição de migrantee negro como marcantes, posição que vai ter implicações no seuviver com e através da diferença, compondo, também, a experiên-cia diaspórica.

Lembro a ocasião em que retornei, a título de visita, à Jamaica, noinício do anos 60, depois da primeira onda de migração para aInglaterra. Minha mãe falou: “Espero que lá não pensem que vocêé um desses imigrantes!”. Assim, naquele momento, soube clara-mente e pela primeira vez que eu era um imigrante. Repentina-mente, relacionada a essa narrativa da migração, uma versão domeu “eu real” desvelou-se. Eu disse: ‘É claro que sou um imigran-te. O que você acha que eu sou?’ [...] o problema é que no mo-mento em que se compreende que se é um imigrante, reconhece-seque não se pode mais sê-lo: não é uma posição que se ocupe pormuito tempo. Passei, então, pela longa e importante educaçãopolítica de descobrir que sou ‘negro’. Constituir-se como ‘negro’é um outro reconhecimento de ser através da diferença. (HALL,1993a, p. 135)

Ainda sobre a questão da diferença, Hall se apropria do ter-mo derridiano différance para evocar o jogo de significantes e amultiplicação de diferenças que operam no caleidoscópio da iden-tidade e sua representação. Segundo Hall, essa noção instaurauma certa perturbação no estabelecido entendimento de diferen-ça, mas alerta para o risco de escorregar para o desconstrucionis-mo e seu infinito jogo de significantes.

Pensar a identidade através da diferença é voltar-se, também,para a politização do local e dessa nova noção de identidade. Nocaso britânico, vai ser a formação da diáspora negra que vai trans-formar a vida inglesa. A própria narrativa de Hall sobre sua traje-tória pessoal revela a passagem do âmbito do nacional, enquantoeixo central da constituição da identidade, para a etnicidade, ao“descobrir-se” migrante e negro.

E esse mesmo movimento está expresso na sua reflexão em“Minimal selves” (1987) e “New ethnicities” (1989) quando, noprimeiro artigo, concluía que “o vagaroso e contraditório movi-mento do ‘nacionalismo’ para a ‘etnicidade’ como uma fonte de

Page 160: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

159

identidades é uma parte de uma nova política” (1993a, p. 138) e,no segundo, detendo-se na descrição propriamente dita desse ou-tro momento: “o que está em questão aqui é o reconhecimento daextraordinária diversidade de posições subjetivas, experiênciassociais e identidades culturais que compõem a categoria ‘negra’,isto é, o reconhecimento que ‘negro’ é, essencialmente, uma cate-goria construída política e culturalmente, que não pode ser funda-da em um conjunto de categorias raciais transculturais fixas outranscendentais e que, por essa razão, não tem garantias na natu-reza” (HALL, 1996j, p. 443)

Nessa perspectiva, resta anotar que a forma de Hall pensar aidentidade é diferente da perspectiva pós-moderna. Embora ad-mita um certo descentramento do sujeito na atual conjuntura, negaa existência de algo tão novo e completamente diferente e de certamaneira unificado como a condição pós-moderna. Reconhece avigência de experiências que podem ser vistas como uma tendên-cia emergente ou uma entre outras tantas, mas essa não tem umaforma cristalizada.

Admite que se vive num turbilhão de sentidos onde vige umamultiplicidade infinita de códigos, discursos e leituras que produznovas formas de autoconsciência e reflexividade. Isso, de formaalguma, significa que a representação se exauriu, mas que se tor-nou um processo bem mais problemático.

Uma variedade de termos existe e está sendo utilizada natentativa de descrever essas diversas e diferentes dimensões daexperiência contemporânea: pós-fordismo, pós-industrial, pós-mo-dernidade, entre outros. “Nenhum desses é completamente satisfa-tório. Cada um expressa um sentido mais perspicaz do que nósestamos deixando para trás […] do que para onde nós estamos nosdirigindo. Cada um, contudo, representa alguma coisa importantesobre o debate dos ‘Novos Tempos’” (HALL, 1996g, p. 224).

Em suma, Hall não aceita a idéia de que se vive uma novaera, uma outra época. Porém, utiliza inúmeras vezes o termo pós-moderno para referir-se à condição atual. Suas observações mos-tram-se abertas a algumas manifestações desta lógica e sãorelativamente otimistas em relação ao seu desenlace.

Page 161: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

160

IDENTIDADE COMO DESCENTRAMENTO

Uma atmosfera específica permeia o debate contemporâneosobre a particularidade do latino-americano. A descrição do cená-rio onde se gesta esse pensamento é fundamental, sobretudo se areconstituição das cenas se faz a partir da própria caracterizaçãodo autor em foco neste momento: Jesús Martín-Barbero.

Ao percorrer a obra desse pesquisador, percebe-se que o seuprimeiro livro Comunicación masiva: Discurso y poder (1978) deixaas pistas para a continuidade de uma trajetória que tem em De losmedios as las mediaciones – DMM – (1987) sua seqüência. Porém,se existem linhas que indicarão continuidade entre um trabalho eoutro, também existem nítidos sinais de ruptura, pois é neste últi-mo lugar – em DMM – onde se expõe a originalidade de suasformulações, propondo o estudo da comunicação a partir da cul-tura ou, mais exatamente, a partir das experiências dos sujeitossociais. Em DMM também aparecem marcas que serão explora-das a partir dos anos 90, sinalizando flertes teóricos e possivel-mente um outro rumo para uma reflexão que promete imprimirsua marca neste novo milênio.

Em outras palavras, ao ler e reler a produção de Martín-Barbero identificam-se momentos de ruptura e momentos de con-tinuidade. Assim, em 1978, o eixo da reflexão centrava-se nosdiscursos, mas a importância do sujeito-receptor estava mencio-nada, embora permanecesse como pano de fundo. Em 1987, aexperiência desse sujeito assume o papel de protagonista, preen-chendo todo o espaço. Contudo, a questão transnacional, aborda-da na última parte do seu livro, serve como elo para repensar asmediações em tempos de globalização e descentramento cultural,tema central em 1997.

Na sua produção, especialmente a da segunda metade dosanos 90, dois lugares são decisivos para a análise cultural da co-municação: a televisão (sobretudo a publicidade, os videoclipes ea dramaturgia) e a cidade e suas implicações na construção dasidentidades, deslocando interesses anteriores, centrados, porexemplo, na telenovela. E, nos últimos textos de 97/98, talvez jáesteja em estado embrionário uma rota diferente. No entanto

Page 162: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

161

nesse último estágio somente podem ser vislumbradas as conti-nuidades e rupturas, tendo como contraponto DMM (1987).

O propósito, aqui, é reconstituir alguns momentos dessa tri-lha, sem perder de vista o eixo do tema da identidade. Comomuitas das sugestões teóricas de DMM já foram devidamente re-cuperadas em outras partes deste trabalho, parte-se de breves ob-servações encontradas ainda naquele livro para tentar elucidarpossíveis rupturas que despontam nos textos seguintes.

Os processos políticos e sociais vividos na América Latinanos anos 70 e 80 mexeram profundamente com algumas certezasteóricas, com a “razão dualista” e com esquematismos correntesna época que confrontavam rural/urbano, popular/erudito, Euro-pa-Estados Unidos/América Latina, universal/local, etc. Ao colo-car as fronteiras desses termos em xeque, foi possível confrontar-secom outra “verdade cultural desses países: a mestiçagem, que nãoé somente fenômeno racial do qual viemos, mas trama contempo-rânea de modernidade e descontinuidades culturais, de formaçõessociais e estruturas de sentimento, de memórias e imagináriosque remexem o indígena com o rural, o rural com o urbano, ofolclore com o popular e o popular com o massivo” (MARTÍN-BAR-BERO, 1987a, p. 10).

É nesse contexto e a partir desse ponto de vista que é possívelidentificar um sentido contraditório, heterogêneo e descontínuopara a modernidade latino-americana. Martín-Barbero indica trêsplanos primordiais para a visualização desse modo dependente deacesso à modernidade: da assincronia entre formação do Estado eda nação; do modo “desviado” como as classes populares se in-corporam ao sistema político e à formação dos estados nacionais;e, por último, do papel político que os meios de comunicaçãodesempenham na nacionalização das massas populares.

Assim, o primeiro esforço de construir a modernidade naAmérica Latina esteve ligado com a idéia de Nação, e os meios decomunicação foram decisivos na formação e difusão da identidadenacional. Nesse momento, articulava-se um movimento econômi-co de entrada das economias nacionais no mercado internacional eum projeto político de constituição da nação mediante a criação de

Page 163: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

162

uma cultura, de uma identidade nacional ou, nos termos da época,de um “sentimento nacional”. Dessa forma, os meios vão proporci-onar às populações afastadas do “centro” uma experiência de inte-gração, de tradução da idéia de nação em vivência cotidiana.

Na perspectiva de Martín-Barbero, a modernidade latino-americana enquanto experiência coletiva, está estreitamente vin-culada a expansão das indústrias culturais. Ao contrário damodernidade ilustrada, em que a cultura do livro era o eixo, aqui,é, principalmente o rádio, o cinema, a televisão, seu suporte. “Amodernidade fala na América Latina, de uma maneira peculiar,da compenetração e da cumplicidade entre a oralidade – comoexperiência cultural primária da maioria das pessoas – e a visualida-de eletrônica. […] As maiorias em nossos países aceitam e se apro-priam da modernidade sem deixar sua cultura oral, sem passar pelolivro, com tudo o que isso implica de escândalo e desafio paranossos modelos de cultura” (MARTÍN-BARBERO,1995b, p. 169).

De outro lado, vale recuperar a insistência de Martín-Barberona “não-exterioridade do massivo no popular” na constituição damodernidade latino-americana. A noção de popular é revista, pas-sando a estabelecer-se uma relação dinâmica entre o popular e omassivo. Porém, na modernidade latino-americana, “não se con-fundem memória popular e imaginário de massa, mas se abando-na a conhecida ilusão essencialista de um estrato popularincontaminado e autêntico” (HERLINGHAUS, 1998, p. 18).

Todavia, Martín-Barbero insiste no registro em que a “mo-dernidade não-contemporânea” da América Latina deve ser lidapara evitar mal-entendidos. Essa não-contemporaneidade é dis-tinta da idéia de “atraso constitutivo”, isto é, o atraso não é otraço explicativo da diferença cultural.

[A modernidade não-contemporânea] é uma idéia que se mani-festa em duas versões. Uma, pensando que a originalidade dospaíses latino-americanos, e da América Latina como um todo, foiconstituída por fatores que escapam à lógica do desenvolvimentocapitalista. Outra, pensando a modernização como recuperaçãodo tempo perdido, e portanto identificando o desenvolvimentocom o definitivo deixar de ser o que fomos para afinal sermosmodernos. A descontinuidade que tentamos pensar aqui está

Page 164: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

163

situada em outra chave […]. Para poder compreender tanto o queo atraso representou em termos de diferença histórica, mas não numtempo detido, e sim relativamente a um atraso que foi historicamenteproduzido […], quanto o que apesar do atraso existe em termos dediferença, de heterogeneidade cultural, na multiplicidade de tempo-ralidades do índio, do negro, do branco e do tempo decorrente desua mestiçagem. Só a partir dessa tensão é pensável uma modernida-de que não se reduza a imitação e uma diferença que não se esgoteno atraso. (MARTÍN-BARBERO, 1987a, p. 165)

Não há imitação de outras trajetórias de modernidade – eu-ropéia e/ou norte-americana, mas a tessitura da nossa própriamodernidade. A diferença, então, não é apenas aquela associadacom nosso subdesenvolvimento, mas que retém nesse processo de“constituir-se e desconstituir-se essa contraditória mas ainda po-derosa identidade” (MARTÍN-BARBERO, 1992, p. 32, grifo meu).

Assim como, num primeiro momento, as indústrias culturaisdesempenharam um papel integrador e organizador, hoje, emboraelas continuem interpelando os sujeitos, atuam mais como desorga-nizadoras e reorganizadoras da experiência social. “O processo quevivemos hoje é não só distinto como, em boa medida, inverso: osmeios de comunicação são uns dos mais poderosos agentes da des-valorização do nacional” (MARTÍN-BARBERO,1995b, p. 172).

Hoje, os meios de comunicação agem como o dispositivomais poderoso na dissolução de um horizonte cultural comumno âmbito da nação. Encarnam, assim, uma posição mediadorana construção de outras identidades: das cidades, das regiões,do espaço local, etc. “Atravessando o movimento de homogenei-zação que implica a globalização econômica e tecnológica, osmeios massivos e as redes eletrônicas veiculam um multicultura-lismo que faz rebentar os referentes tradicionais de identidade”(MARTÍN-BARBERO, 1997c, p. 20).

Diante dessa situação, o modelo de sociedade implícito àidéia de modernidade anteriormente descrita entra em crise e,com ele, duas das suas categorias-chave: Estado nacional e espa-ço público. A esfera pública vai corresponder fundamentalmenteao espaço controlado pelos meios de comunicação de massa.Essa concepção, por sua vez, traz profundas conseqüências para a

Page 165: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

164

compreensão do que é política. “Esta veria esvaziar seus conteú-dos substantivos para tornar-se refém da forma de comunicaçãodos meios nos quais não cabem formas de verdade matizadas: ospróprios personagens políticos não buscam distinguir-se por suaexperiência ou capacidade de liderança, mas pela simpatia que seuspublicistas são capazes de suscitar entre os grandes auditórios”(COSTA, 1999, p. 97). Nas palavras de Martín-Barbero, esse pro-cesso revela a crise do político como dimensão fundamental davida social. A espetacularização da política retira-lhe substância,transformando-a em “gesto dramático”.6

Nesse novo contexto, duas características primordiais confi-guram a contemporaneidade latino-americana: as contradições pro-venientes dos acordos de integração regional nesse continente e apaulatina desestruturação do espaço nacional. Diante da globaliza-ção em curso, “a integração dos países latino-americanos implicaa sua inevitável integração a pura e dura lógica de uma economia-mundo na qual toda aliança é para competir e fragmentar” (MARTÍN-BARBERO, 1996a, p. 58). Exigências de competitividade prevalecemsobre laços de cooperação e complementaridade regional. Sendoassim, a solidariedade regional se fragiliza.

De outro lado, a desintegração social e política do espaçonacional é cada vez mais evidente. Indicativos como a crescentedesigualdade social, a inserção de instituições financeiras transna-cionais que vão substituindo o Estado no planejamento do desen-volvimento, a deterioração da esfera pública e de mecanismos decoesão política cultural, entre outros aspectos, levam o autor aduvidar da pertinência de categorias como nação e Estado paracompreender as experiências culturais contemporâneas.

Entrelaçado com esse cenário, Martín-Barbero reitera o “mal-estar latino-americano na modernidade”:

Aí se enraízam algumas das nossas mais secretas e entranhadas vio-lências. Pois as pessoas podem com certa facilidade assimilar os instru-mentos tecnológicos e as imagens de modernização, mas só muito lenta edolorosamente podem recompor seu sistema de valores, de normas éticas evirtudes cívicas. […] Não dispomos de categorias de interpretaçãocapazes de captar o rumo das vertiginosas transformações que vive-mos. Somente alcançamos vislumbrar que na crise dos modelos de

Page 166: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

165

desenvolvimento e dos estilos de modernização existe um fortequestionamento das hierarquias centradas na razão universal, queao perturbar a ordem seqüencial libera nossa relação com o passado,com nossos diferentes passados, permitindo-nos recombinar as memóriase reapropriar-nos criativamente de uma descentrada modernidade.(MARTÍN-BARBERO, 1996a, p. 59, grifo meu)

A partir de De los medios a las mediaciones (1987) está sugeridaa importância das práticas populares e sua natureza “sincrética”(nos termos de Martín-Barbero, a mestiçagem). São essas “esque-cidas” formas de participação na vida cotidiana que contribuemtanto para preservar as identidades culturais como para adaptá-lasàs demandas modernas. Daí a ênfase do autor em insistir que, emúltima instância, o próprio objeto dos estudos de comunicação “sãoas mudanças nos modos das pessoas juntarem-se, as mudanças nosmodos de estarem juntas”, admitindo, então, que isso têm umaestreita vinculação com o encarar os meios de comunicação comoespaços de constituição de identidades e como espaços de confor-mação de comunidades. Em suma, os processos de comunicaçãosão “fenômenos de produção de identidade, de reconstituição desujeitos, de atores sociais” e os meios de comunicação “não são umpuro fenômeno comercial, não são um puro fenômeno de manipu-lação ideológica, são um fenônemo cultural através do qual a pes-soa, ou muitas pessoas, cada vez mais pessoas vivem a constituiçãodo sentido de sua vida” (MARTÍN-BARBERO, 1995d, p. 71, grifo meu).Embora já estivesse explícita em 1987, essa proposta tem aindarepercussões na reflexão mais recente de Martín-Barbero.

A posição desse autor, em DMM, é especialmente críticaem relação àquelas teorias que procuram associar o sentido dasidentidades culturais a uma essência ou em termos de uma “pu-reza” do ser latino-americano. A idéia de identidade culturaldeve servir para discutir a progressiva transformação dos valoressociais e para explorar os diversos tecidos culturais que a com-põem. Desprende-se, de tal reflexão, uma proposta que destaca anatureza negociadora da formação histórica da identidade cultu-ral latino-americana.7

Para ele, a identidade cultural latino-americana é uma mistu-ra, uma “mestiçagem”. Esta, no entanto, não se refere estritamente

Page 167: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

166

ao caldeirão racial que caracteriza nosso território, mas a tramaentre modernidades e descontinuidades, de memórias e imaginá-rios que misturam o rural com o urbano, o popular com o massi-vo. Na mestiçagem, as culturas rurais, urbanas, raciais, locais,regionais, nacionais e transnacional interagem. E o fato de que acultura massiva, seja aquela originária da América Latina como ade outros continentes, faça parte desse conjunto não contribuipara que essa mestiçagem se descaracterize ou seja “menos latino-americana”, pois é o próprio mix que é único.

Em DMM (1987) e em Televisión y melodrama (1992), entreoutros momentos, o interesse de Martín-Barbero pela telenovelacomo o gênero massivo latino-americano mais importante, deve-se ao fato de que, embora revele traços do folhetim francês econvenções do massivo, evoca profundamente o imaginário me-lodramático dos latino-americanos. Segundo White (1995), Mar-tín-Barbero sugere que em muitos aspectos a telenovela, com todaa sua impureza, pode estar mais próxima de articular identidadespolíticas do que a tradição maniqueísta das elites políticas quetêm reivindicado representar as classes populares.

Ainda na avaliação de White (1995, p. 484), “para entendero papel dos meios no processo de articulação de identidades, Mar-tín-Barbero introduz o conceito de mediações. […] Para Martín-Barbero, o sentido dos meios não está no texto ou mesmo na‘leitura’ do texto, mas aloja a fonte de criação do sentido nas inte-rações sociais e movimentos de grupos que buscam por identida-des. O sentido do texto dos meios depende muito das identidadesque os diferentes grupos estão tentando definir”.

Martín-Barbero tem argumentado sobre a relação entre iden-tidade cultural latino-americana e cultura popular, acreditando queesta última tem modificado as formas de expressão da cultura demassa. Sugere que “a compreensão do processo de comunicaçãode massa implica reconhecer a rearticulação das fronteiras simbóli-cas e como estas novas fronteiras simbólicas confirmam o valore poder das identidades coletivas” (MARTÍN-BARBERO citado porSCHLESINGER E MORRIS, 1997, p. 63). Nesse sentido, tem insistidoem que os processos de comunicação devem ser abordados a partirda base dos movimentos sociais, em vez de partir de pressupostos

Page 168: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

167

sobre o próprio poder dos meios, isto é, sua proposta largamenteconhecida de deslocamento dos meios em direção às mediações.

Antes de continuar na análise dos processos de constituiçãocontemporânea da identidade cultural em que a indústria culturalexerce um papel destacado – reorganizando as identidades coleti-vas e as formas de diferenciação simbólica –, aproveito esta men-ção à DMM para ressaltar que, nesse texto, Martín-Barberoalinhava uma posição crítica ao discurso pós-moderno, não acei-tando os termos nos quais é posto o debate a partir do ponto devista pós-moderno.

Na sua recuperação de posições em torno da indústria cultu-ral, passando por Horkheimer, Adorno, Benjamin, Morin, Fou-cault, chega a Baudrillard. Nesse ponto, avalia que a reflexão desteúltimo é uma “boa expressão da armadilha política” que está im-plícita na “dialética negativa” destravada pela Escola de Frank-furt. Diante do pessimismo e irreversibilidade de posturas dessemesmo corte, Martín-Barbero ilumina o que elas deixam de pen-sar: as contradições inerentes às tendências da crise cultural con-temporânea. “A nova valorização da cotidianidade, o modernohedonismo ou o novo sentido da intimidade não são unicamenteoperações do sistema, mas novos espaços de conflito e expressõesde nova subjetividade em gestação”. E, de forma ainda mais con-tundente, conclui a seção, afirmando: “Quando a crítica da crise‘convoca’ à crise da crítica é o momento de redefinir o campomesmo de debate” (1987a, p. 70).

No entanto, percebe-se em alguns textos posteriores à DMMa matização dessa crítica8. Javier Protzel, no aniversário de dezanos de De los medios a las mediaciones, lançava essa pista: “Precisa-mente o descompasso do processo da modernidade latino-america-na e a desierarquização dos relatos e das artes [...] dão continuidadea uma reflexão que passa a ocupar-se da condição pós-moderna.Mais ainda, a dupla evidência da formação de uma cultura latino-americana moderna articulada pela mediação de massa, por umlado, e a da cidade como teatro de operações de hibridação, poroutro, passam a ser os referentes para abordar a desterritoriali-zação das culturas e uma nova relação entre o público e o priva-do” (PROTZEL, 1998, p. 43).

Page 169: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

168

Ao recuperar novamente alguns teóricos alinhados com oque se denomina pós-modernidade, Martín-Barbero vai começara observar que se delineia a emergência de um novo paradigma,caracterizado pelo fluído e circular em oposição ao mecânico elinear. A superação desse pensamento linear está fazendo possívelreconhecer novos espaços e modos de relação, assim como umanova sensibilidade. “Essa nova sensibilidade se traduz numa novapercepção do poder que não aparece localizado num único pon-to desde o qual irradia, mas disperso e transversal; nova valori-zação do local enquanto espaço da proximidade, isto é, onde sefaz efetiva a diferença; e, no cotidiano como ‘lugar’ onde se luta ese negocia permanentemente a relação com o poder” (MARTÍN-BARBERO, 1988, p. 13).

Embora mostre ainda reticências e críticas em relação a esseparadigma, vai propor como programa, citando García Canclini,que se assuma “sem nostalgias nem estremecimentos” que é na“América Latina onde se realiza com ênfase um dos traços desta-cados pelo pós-modernismo na cultura atual: ser a pátria do pasti-che e da bricolagem, onde se citam ironicamente todas as épocase estéticas” (MARTÍN-BARBERO, 1988, p. 15).

É importante situar esse movimento no pensamento de Mar-tín-Barbero em sintonia com a descrição das novas dinâmicasculturais, identificadas por ele próprio e que estariam caracteri-zando as sociedades latino-americanas atuais. Aqui, podem serapontadas as situações correntes mais determinantes. A primeiradelas diz respeito ao modo como as indústrias culturais estão re-organizando as identidades coletivas e as formas de diferenciaçãosimbólica, esmaecendo cada vez mais as demarcações entre cultoe popular, tradicional e moderno, o próprio e o alheio. Na verda-de, essa situação somente veio a se intensificar na última década.

Uma segunda dinâmica trata da ação simultânea dos meiosmassivos que hibridizam mas, também, separam, “aprofundam ereforçam as divisões sociais, refazem as exclusões que vêm daestrutura social e política, legitimando-as culturalmente” (MAR-TÍN-BARBERO, 1990a, p. 9). Martín-Barbero, ainda, reitera esseaspecto: “[…] falar em identidade regional ou local implica falarnão só de costumes e tradições orais, de cerâmicas e ritmos musi-

Page 170: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

169

cais, mas, também, de marginalização social, de expoliação eco-nômica e de exclusão nas decisões políticas, isto é, do ‘desenvolvi-mento desigual’ de que estão feitos esses países” (1990a, p. 13). Éimportante ressaltar esse lado da questão para que, mais tarde, talposicionamento não se confunda com uma postura multicultura-lista que reconhece como politicamente correto as diferenças cul-turais, sem destacar as desigualdades sociais implicadas.

E, por último, é identificado o surgimento de culturas ousubculturas não-ligadas à memória territorial. Mais recentemen-te, esse autor tem se preocupado cada vez mais com as “memó-rias desterritorializadas”, isto é, com aquelas relacionadas comuma cultura de massa global (da TV, do vídeo, da música e docinema) que dificilmente podem ser vistas em relação a um ter-ritório definido, pois estão ligadas ao mercado transnacional.Nessa direção, têm-se tornado tema constante de suas reflexõescertas culturas juvenis “tachadas com freqüência de antinacio-nais porque não têm raízes num território determinado. Noentanto, elas não são tanto antinacionais, mas uma nova formade perceber a identidade. São identidades com temporalidadesmais curtas e precárias, que tem uma flexibilidade que lhespermite aglutinar ingredientes de diferentes mundos culturais”(SCHLESINGER E MORRIS, 1997, p. 63).

Na emergência das culturas “sem memória territorial” é quese evidencia uma outra ordem ou forma de organização promovi-da pelos meios de comunicação, isto é, o movimento contraditó-rio de globalização e fragmentação da cultura. “Os meios decomunicação, tanto o rádio como a imprensa e, aceleradamente,a televisão, são hoje os mais interessados em diferenciar as cultu-ras, seja por regiões, por profissões, por sexos ou pela idade. […]De forma que a desvalorização do nacional não provém unica-mente da desterritorialização que os circuitos de interconexão globalda economia e da cultura-mundo efetuam, mas da erosão internaproduzida pela liberação das diferenças, especialmente das regio-nais e geracionais” (MARTÍN-BARBERO, 1995b, p. 172).

Relacionada com essa dinâmica cultural, há uma revitalizaçãodo local, uma emergência de relatos e imagens que revelam a diver-sidade das culturas locais. E mesmo diante de uma impossibilidade

Page 171: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

170

de definir fronteiras precisas de uma cultura nacional, mantidapela soberania do Estado, a noção de nacional ainda tem vigên-cia, convertendo-se num “espaço estratégico de resistência à do-minação e uma mediação histórica da memória longínqua dospovos, essa que faz possível o diálogo entre gerações” (MARTÍN-BARBERO, 1995b, p. 173).

É evidente [reflexão de Martín-Barbero] a ruptura com a proble-mática de uma hegemonia cultural imposta de fora. A transnacio-nalização é considerada como um fator de deslocamento, não dehomogeneização de culturas e, nesse contexto, é difícil ver comose pode impor uma identidade coletiva dominante, no âmbitonacional, por meio de medidas políticas públicas, adotadas peloEstado. (SCHLESINGER E MORRIS, 1997, p. 63)

Enfim, Martín-Barbero acaba pondo em questão a capacidadede ação do Estado no que diz respeito ao campo da comunicação.Embora, ao mesmo tempo, sustente que o espaço da nação e dacidade constituem um espaço estratégico de resistência à domina-ção global e, assim, lugares para se pensar sobre a identidade.

Ao revisar a abundante produção de textos de Martín-Barbero,ficam evidentes repetições e reiterações de posicionamentos. Deoutro lado, é impossível evitá-las, pois são elas que vão sinalizandoas continuidades na reflexão desse autor. Contudo, vão sendo reve-ladas, também, observações pertinentes a mudanças ou intensifica-ções de certas experiências sociais, priorizando-se, então, outrosespaços ou outros ângulos para sua abordagem analítica.

Nesse sentido, destaco agora o movimento que pode ser observa-do nos textos posteriores à DMM, de aproximação com o pensamentopós-moderno ou pelo menos com alguns de seus princípios. A partirda dúvida sobre se pensamos a crise da modernidade e o que ela possater de superável, isto é, sua reformulação, ou o que esse debate pressu-põe de anúncio da pós-modernidade, Martín-Barbero (1992) recuperaambas as direções dessa discussão. Em ambos os contextos, enfatizaque o lugar estratétigo para pensá-los é a comunicação.

Na seqüência desse raciocínio vai observar que a críticadas dinâmicas culturais vigentes não cabe mais nos termos damodernidade.

Page 172: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

171

Um dos efeitos mais evidentes da crise que mina aquela [moder-na] organização do mundo é a nova percepção do ‘campo dastensões’ entre tradição e inovação, entre a grande arte e as culturasdo povo e das massas. Campo que já não pode ser captado nemanalisado nas ‘categorias centrais’ da modernidade: progresso/rea-ção, presente/passado, vanguarda/kitsch. Porque se tratam de cate-gorias despotencializadas em e por uma sensibilidade que no lugarde completar a modernidade a problematiza, ao abrir a questão dooutro, a questão das tradições culturais como questão estética epolítica. (1992, p. 31)

A exaustão dos termos da crítica moderna estaria relaciona-da, então, à idéia de que o próprio princípio de separação entreculto, popular e massivo não tem mais validade? Ou os princípiosda crítica moderna se exaurem porque o discurso moderno pres-supõe saber, decidir e legitimar uma determinada cultura?

Em outros termos, pensar essa nova experiência – caracteri-zada por Vattimo (citado por Martín-Barbero, 1992, p. 31), pelodebilitamento do real na experiência cotidiana de desenraizamen-to do homem urbano, pela constante mediação e simulação queexercem as tecnologias, pela dispersão estética e pelo simulacropolítico – a partir do horizonte da crítica moderna, torna impos-sível escapar de julgamentos que implicam degradação cultural.Somente outra estética, ética, e outros princípios que caracteri-zem uma outra sensibilidade, “poderão ter algum papel num pro-jeto de emancipação para a gente de hoje. Uma emancipação quecomeça por sentir o mundo menos seguro, mas, também, menostotalitário” (MARTÍN-BARBERO, 1992, p. 31).

É nítida, nesse posicionamento de Martín-Barbero, a aceita-ção de certos traços que marcam nossa inserção no mundo dehoje à luz de teorias pós-modernas, mas, também, sua vinculaçãocom ideais essencialmente modernos: pensar na tradução da aná-lise cultural num projeto político, acreditando ainda na capacida-de de ação dos sujeitos.

A partir daqui passa a ser essencial verificar como esse ten-sionamento que confronta o permanecer no campo da moderni-dade com o aliar-se a posições pós-modernas se manifesta nosseus textos de 1997/98.9

Page 173: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

172

Num texto em que refaz o percurso da sua formação teórica,revelando, no passado, seu encontro com o campo da comunica-ção e, no presente, seu reencontro com a filosofia, seu ponto departida, assume especial importância o questionamento sobre opapel do “pensamento crítico” num momento marcado pela “des-localização do intelectual, o apagamento das utopias e a crise darepresentação política”. Reivindica, então, passar de uma formaexplicativa de pensar para outro regime, o da racionalidade com-preensiva. Assim, ao mesmo tempo que reconhece a existência deum novo terreno, elucida sua proposta:

Não é verdade que com o apagamento das ideologias e utopias daesquerda, o pensamento crítico perdeu seu território próprio e seencontra hoje lutando a partir do campo que o adversário cons-truiu e domina? Um adversário que, ao diluir-se o território daesquerda, também se apaga, tornando-se embaciados os traçosque o identificavam, tornando-o vulnerável. Exilado de seu espa-ço e, em certa medida, do seu tempo, de seu passado, o pensamentocrítico somente pode vislumbrar o futuro, tornando-se nômade,aceitando o caminho da diáspora. (1998a, p. 205)

Esse pensamento nômade para Martín-Barbero está caracteri-zado pelo “descentramento”, desordem que afeta tanto a noção deespaço como de tempo, “exigindo-nos pensar os descompassos quesubvertem uma contemporaneidade esmagada sobre a simultanei-dade do atual, sobre um presente autista” (1998a, p. 206). O queera antes apenas um delineamento de um “novo paradigma” queaparecia mais como resultado da recuperação de outras posições,aqui, plasma seu próprio (re)conhecimento da situação.

a partir da perspectiva do des-centramento e da diáspora, a comuni-cação deixa de ser confundida com o movimento de uma mensa-gem que circula entre um emissor e um receptor. E encontra a idéiae a imagem de rede – ou melhor, em seu plural: redes – a possibilidadede pensar a multiplicidade de sentidos que sustenta a comunicaçãohumana e a diversidade de sentidos em que se move a informação aodispersar-se no entrelaçamento dos circuitos. (Idem)

Embora reiterada a idéia de que a modernidade latino-ame-ricana está fundada na conexão entre cultura oral e visualidade

Page 174: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

173

eletrônica, agora, Martín-Barbero nomeia o hipertexto, ou seja,aqueles “textos sem centro e direção fixa”, como sua narrativacentral. Isso se coaduna com alterações na sua análise da experiên-cia contemporânea e, nesse sentido, da constituição das identida-des, assim como com essa nova forma de pensar.

No esboço de mais um dos seus “mapas noturnos” – que ilu-minam certas rotas, mas onde muitas outras ficam encobertas –,Martín-Barbero vai identificar o mundo e a técnica como categori-as imprescindíveis de serem (re)pensadas, pois os saberes que asrodeiam são precários e as resistências em admitir que estamosdiante de um “novo objeto” são ainda muito fortes. É essencial,principalmente para quem se insere no campo da comunicaçãoobservar o que esses dois âmbitos estão sinalizando.

A primeira categoria deverá indicar a passagem de um pro-cesso de internacionalização para o de mundialização, reclamaassim um novo paradigma, pois o mundo de hoje não pode estarancorado no tempo das relações internacionais.

Interligada com a idéia de mundo está a recorrente temáticaque se encontra na ordem do dia: a globalização. Esta, por suavez, está sempre a exigir explicação, pois transforma-se tanto emmetáfora vazia quanto pode ficar reduzida à concentração e aopoder alcançado pelo mercado. Por essa razão, Martín-Barbero ex-plicita que o global não se deixa captar pela categoria do Estadonacional e que é justamente o espaço nacional que sofre, hoje, oprocesso mais profundo de reconfiguração. “[…] preso entre aslógicas desnacionalizadoras do global e as dinâmicas de restau-ração do local, vê-se superado economicamente (demasiado gran-de e pesado para gestionar o local e demasiado pequeno paracompetir com as forças do global) e deslocado culturalmente. Oque não significa seu desaparecimento […] (MARTÍN-BARBERO,1998a, p. 212).

Duas imagens sintetizariam nosso ingresso e imersão nessemundo. A primeira delas é que nos ofereceu o primeiro satélite,proporcionando “ver o mundo a partir do espaço”. Isso colocouem andamento a globalização do imaginário humano. A segundaimagem é a da queda do Muro de Berlim, que serviria comometáfora do fim das barreiras entre Leste e Oeste. Nesse cenário,

Page 175: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

174

Martín-Barbero retorna a constituição do imaginário coletivo evolta seu olhar para a vida cotidiana e ordinária, com seu ritmomuito mais lento e as suas amarras numa outra história que não éa da fluidez, circularidade, velocidade. “Mais lentos, no entanto,que a economia e a tecnologia, os imaginários coletivos do globalconservam e arrastam vestígios do lugar, vestígios do local, queintensificam as contradições entre velhos hábitos perspectivos enovas habilidades técnicas, entre ritmos locais e velocidades glo-bais” (1998a, p. 213).

O outro eixo proposto para se (re)pensar é a técnica. Nesseâmbito, o autor sinaliza três possibilidades de abordagem. A pri-meira propõe refletir em conjunto o “hipertexto e o palimpsesto”,isto é, “essa nova enciclopédia na qual as palavras já não remetemmais a outras palavras, mas a imagens e sons mobilizadores denovos modos de escritura e leitura, que são os hipertextos. E essaescritura difusa que confusamente emerge nas entrelinhas com asquais escrevemos o presente é o palimpsesto” (1998a, p. 213).

A segunda direciona-se às novas narrativas que a tecnologiafaz possível, principalmente aquelas tramadas pela sensibilidadedos jovens. E, por último, a terceira implica deixar de ver a técni-ca como mera transmissora e abordá-la como parte constitutivados novos modos de produzir conhecimento.

Articuladas essas três aproximações, um novo sensorium emer-ge. Este não é mais caracterizado pela “dispersão” e pela “ima-gem múltipla” que representava a experiência moderna, mas pela“fragmentação” e pelo “fluxo”. Estes últimos dois – fragmentaçãoe fluxo – são os novos dispositivos que conectam a estrutura co-municativa da televisão com os ordenamentos da nova cidade.

A primeira característica – fragmentação – associa-se comdesagregação social, isto é, relaciona-se com a atomização que aprivatização da experiência televisiva proporciona. E a televisão,hoje, associa-se a uma experiência doméstica e privada, circuns-crita a casa. É a partir desse ambiente que cada dia um maiornúmero de pessoas realiza sua inserção na cidade.

“Do povo que tomava a rua ao público que ia ao teatro ou aocinema, a transição era transitiva e conservava o caráter coletivo da

Page 176: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

175

experiência. Dos públicos do cinema às audiências de televisão, odeslocamento sinaliza uma profunda transformação: a pluralida-de social, submetida a lógica da desagregação, faz da diferença umamera estratégia de rating. E não representada na política, a frag-mentação da cidadania é tomada a cargo do mercado: é dessamudança que a televisão é a principal mediação! (MARTÍN-BARBERO,1997a, p. 36)

O outro dispositivo que complementa a fragmentação é ofluxo. Ele diz respeito a profusão de imagens que retêm a atençãodo espectador, sinalizando que este ininterrupto fluxo de imagensé mais importante que o próprio conteúdo da programação televi-siva. “É com pedaços, restos e resíduos de objetos e saberes queboa parte da população arma os abrigos onde habita, tece o rebus-que10 com que sobrevive e enfrenta a opacidade da cidade. Eexiste, também, uma eficiente travessia que liga os modos de vera partir dos quais o televidente explora e atravessa o palimpsestodos gêneros e os relatos com os modos nômades de habitar acidade” (1997a, p. 37) Em última instância, o autor nos adverteque o fluxo televisivo remete às formas da vida na cidade, especi-almente dos jovens, impondo a dissolução dos gêneros e a exalta-ção do efêmero.

Como vivemos, então, a contemporaneidade? Habitamos ummundo onde se cultua o presente, fomentado pelo conjunto demeios de comunicação, com especial destaque para a televisão, eonde a percepção do tempo e do espaço se transforma.

A mutação que experimentamos produz “um novo tipo deespaço reticulado que debilita as fronteiras do nacional e do local,ao mesmo tempo que converte esses territórios em pontos de aces-so e transmissão, de ativação e transformação do sentido de co-municar”. Mas como se conectam o atual desenvolvimentotecnológico com as transformações na nossa experiência sensível,e como interatuam? Citando Manzini, Martín-Barbero nos diz:“o espaço que nossos itinerários perceptivos atravessam se encon-tra estratificado segundo a velocidade do meio tecnológico queusamos […], mas a multiplicidade de temporalidades que vive-mos, não se encontra regulada pela lógica interna do sistema téc-nico” (1998a, p. 30). O que significa, então, que a inserção dos

Page 177: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

176

sujeitos nesse contexto não é automática, mas atravessada de con-tradições e ambigüidades, de ritmos diferenciados.

Porém, em outro lugar (1998b, p. 55), Martín-Barbero co-menta que, ao comparar-se práticas de comunicação nos super-mercados com as práticas que ocorriam nos mercados e feiraspopulares, constata-se uma substituição da interação comunicati-va pela textualidade informativa: “É o que vive o comprador nosupermercado ou o passageiro no aeroporto, onde o texto infor-mativo ou publicitário guia-o de uma ponta a outra sem necessi-dade de intercambiar uma palavra durante horas”.

Em relação ao tempo, sua marca hoje é o instântaneo, a “simul-taneidade do atual”, remetendo, por um lado, ao “debilitamento dopassado”, que fica reduzido à citação em expressões de qualquernatureza (tais como na arquitetura, literatura, etc) e, de outro, à“ausência de futuro”, instalando-se um “presente contínuo”.

Associada às reestruturações do espaço e do tempo, a cons-tituição das diversas identidades locais converte-se em “represen-tação da diferença”, mas uma diferença comercializável, isto é,“submetida ao turbilhão de colagens e hibridações que o mercadoimpõe” (1997a, p. 32). Embora se reconheça que o processo deglobalização valorize, de forma paradoxal, o âmbito do local,mostrando-o como a ancoragem primordial do sujeito, seu senti-do não é unívoco.

É nesse cenário que a reflexão de Martín-Barbero se insere.Diante de um mundo paradoxal é uma reflexão prenhe de dúvidase incertezas, que dilacera-se entre o “lúcido pessimismo” dos rela-tos desencantados, a idéia de que “uma crítica pessimista da culturaé uma tarefa positiva” (MARTÍN-BARBERO citando STEINER, 1997a, p.40) e a tentativa de compreender o desencantado mundo socialcom o intuito de transformá-lo. Lidando com uma situação na qualvivemos “o desencantamento do mundo sem que isto nos convertaautomaticamente em seres desencantados”, Martín-Barbero deba-te-se para inverter a avaliação de Benjamin – “todo documento decultura é também um documento de barbárie”, desejando que “nes-tes escuros tempos existissem documentos de barbárie que fossemdocumentos de cultura” (1997a, p. 40).

Page 178: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

177

IDENTIDADE COMO HIBRIDISMO

Ao revisar as teorias sobre a modernidade tendo como foco astransformações ocorridas a partir dos oitenta na parte latina do con-tinente americano, García Canclini (1989a) vai conceber a AméricaLatina como uma articulação complexa entre tradições e modernida-des, diversas e desiguais, coexistindo em múltiplas formas de desen-volvimento. A partir dessa constatação, o autor converte o termo“hibridismo cultural” em modelo explicativo de identidade.

Como o sentido que esse termo adquire na reflexão de Gar-cía Canclini já foi explicado, o ponto de partida será recuperaralgumas das suas idéias, resultantes de uma série de investigaçõese análises da cultura visual (por exemplo, monumentos, grafites,artes plásticas, entre outros), e sua relação com os processos deconstituição da identidade cultural. Seguindo esse roteiro, serãoampliadas e aprofundadas algumas das suas considerações a esserespeito. O contexto geral dessas observações pressupõe que, apartir da consolidação da urbanização na América Latina, são osmeios de comunicação de massa que vão estabelecer uma novadiagramação dos espaços e intercâmbios urbanos.

Nessa perspectiva, García Canclini (1988b, p. 49) observaque a constituição da figura do latino-americano, isto é, sua iden-tidade, pode apresentar sua cara na cultura visual. O termo cultu-ra visual, segundo o mesmo autor, abrange os diversos sistemasde imagens e desenhos presentes na organização simbólica decada sociedade (arte, artesanato, meios massivos, arquitetura,desenho gráfico e industrial) e, também, os processos mistos ondeesses sistemas se cruzam e interpenetram.

Uma das principais marcas desse conjunto de formas simbó-licas, hoje, é a impossibilidade de distinguir nele a existência dediferentes universos, tais como culto, popular e massivo. Na ver-dade, diz García Canclini, a América Latina não teve uma histó-ria cultural semelhante à da Europa, onde existiu uma distinçãoculto/popular durante séculos. Tal oposição na Europa

contribui para organizar simbolicamente as diferenças entre as clas-ses durante todo o processo de modernização. Antes que o reorde-namento massivo das sociedades contemporâneas perfurasse o muro

Page 179: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

178

que dividia o culto do popular, dois tipos bem diferenciados decultura visual tinham delineado identidades separadas, formasdiversas de reconhecimento e valorização. Enquanto o campoartístico conquistava sua autonomia e se dedicava a produzir obrascotadas pela sua originalidade, a arte popular ia sendo valorizadapela sua autenticidade e tradicionalidade. (GARCÍA CANCLINI,1988b, p. 49)

Associado a esse posicionamento sustenta-se que não existesomente um tipo de identidade, ao contrário, existiriam dois uni-versos de imagens: o culto e o popular.

A América Latina não compartilha dessa narrativa culturaleuropéia. No nosso caso, durante a época das colônias, as artesestavam sob a tutela religiosa ou sob um poder político que nãoconcedia espaços autônomos. A partir de meados do século XIX,as artes começam a desprender-se desse jugo, no entanto, esse pro-cesso não foi acompanhado pela estruturação de um forte mercadocultural. “Longe de poder constituírem projetos criativos indivi-duais, os artistas foram empregados para construir a iconografiadas gestões de liberação e organização nacional” (1988b, p. 50).Dessa forma, é somente a partir da primeira metade do século XX,com o desenvolvimento industrial, urbanização e crescente podereconômico das classes médias e altas, que se constitui um públicocomprador de arte, sendo somente nos anos 50/60 que o processode autonomização da arte culta começa a deslanchar.

A particularidade do caso latino-americano sobressai quandose observa que as condições socioeconômicas e culturais que per-mitiriam a autonomização dos campos culturais coincide com odesenvolvimento do processo de massificação que remodela ospaíses dessa parte do continente. “Em parte pelos movimentospolíticos [sobretudo os populismos], em parte pela modernizaçãocomunicacional [instalação da lógica das indústrias culturais], aautonomia de uma estética culta e o desenvolvimento autônomode tradições populares tornam-se empresas falidas” (Idem).

Na América Latina, os sistemas simbólicos e cenários cultu-rais sofrem mudanças constantes e radicais e, por essa razão, asregularidades e distinções que poderiam facilitar sua análise sãoinsustentáveis. Dessa maneira, uma das primeiras conclusões é de

Page 180: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

179

que o universo culto e popular se desenvolvem, transformando-semutuamente; não se configuram em blocos homogêneos e com-pactos com contornos definitivos.

Outro ponto relacionado à precária construção da moderni-dade na América Latina e, por sua vez, à identidade latino-ameri-cana, concentra-se nos esforços políticos em construir patrimôniosculturais comuns como base simbólica das nações modernas. Nassuas versões mais modernas, a ideia de patrimônio se constitui emexpressão da aliança entre classes e abrange a herança cultural co-mum de cada povo. Em tais modalidades são incluídas práticas dosmembros dessas sociedades que vão permitir uma identificaçãoconjunta. Em outras palavras, tentam abarcar tanto os bens produ-zidos pelas classes hegemônicas quanto os das classes populares.

Esse conjunto de bens e práticas tradicionais que nos identificamcomo nação ou como povo é apreciado como um dom, algo querecebemos do passado com tal prestígio simbólico que não cabediscuti-lo. […] A perenidade desses bens faz imaginar que seuvalor é inquestionável e os torna fonte do consenso coletivo, des-considerando divisões entre classes, etnias e grupos que fraturam asociedade e diferenciam os modos de apropriar-se do patrimônio.(GARCÍA CANCLINI, 1989a, p. 150)

Tal tipo de posicionamento desemboca numa noção essencia-lista de identidade,11 desse modo, “o que se define como patrimô-nio e identidade pretende ser o reflexo fiel de uma essência” (1989a,p. 152, grifo meu).

Segundo García Canclini, essa postura expressa pelo patri-monialismo essencialista não proporciona condições para com-preender a crise generalizada da cultura visual ou, em outros termos,o significado do pós-moderno na história da cultura visual. Nessesentido, o pós-moderno é uma situação complexa de desenvolvi-mento cultural em que o ponto central se situa no reordenamentodos princípios que regiam o culto, o popular e a oposição entreeles, quando funcionavam como estruturas separadas.

Embora essa cultura visual tenha truncado as explicações deencontrar uma identidade constituída na raça, num território ounum patrimônio, não eliminou o questionamento em torno da

Page 181: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

180

identidade. Ao contrário, em tempos de contradições e instabili-dades essa questão se torna ainda mais premente.

É exatamente neste ponto que o termo “hibridação” se transfor-ma no eixo do conceito de modernidade latino-americana, para Gar-cía Canclini. Cruza-se, aqui, reflexão teórica com trajetória pessoal.Indagado, em certa ocasião, sobre se tal conceito tem seu lastro nasua origem argentina ou na sua vivência no México, respondeu:

Eu diria que das duas origens. A Argentina é um país constitutiva-mente multiétnico, embora às vezes esqueça esse fato; foi formadomodernamente por muitas migrações européias e, também, medi-ante um processo de arrasamento e encurralamento da sua popula-ção indígena originária. Grande parte das manifestações culturaisque habitualmente se consideram distintivas da Argentina, como otango ou o sainete, são interculturais, são muito híbridas. Não épossível falar da Argentina como uma sociedade homogênea, senãocomo uma sociedade de alta heterogeneidade regional, de classe, degrupos étnicos, etc [...] O México, que também é um país constitu-tivamente multiétnico, tem um perfil distinto. Em primeiro lugar,pela importante presença indígena e por todos os processos de hi-bridação que ocorreram durante a colônia, que teve uma presençamuito mais vigorosa no que se chamou a Nova Espanha do quenesse distante Vice-Reinado do Sul ao qual pertenceu a Argentina.Minhas experiências no México, através do trabalho de campo emzonas rurais e indígenas e nos fenômenos urbanos, mostraram-meuma constante confrontação com processos de hibridação de umtipo diferente do argentino.Além disso, sem dúvida, está o fato deeu mesmo ser um imigrante e, portanto, um participante fraturadopor estas duas experiências. A expressão argenmex, com a qualdesignam os argentinos que vivem há muito tempo no México,é claramente representativa desta mescla. (CANCLINI entrevistadopor MONTOYA, 1992, p. 12)

Exatamente por vivenciar na própria pele a separação da ter-ra natal e inserção num outro contexto, apropriando-se de outromix de culturas, García Canclini constitui-se num híbrido. “Ar-gentino de nascimento, García Canclini está bem qualificado paraescrever sobre híbridos culturais, dado que seu próprio corpo é umhíbrido cultural. […] García Canclini escreve como um argentino

Page 182: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

181

sobre o México e como um mexicano sobre o México. Ele retrataa Argentina como um exílio e como um mexicano. Sua reflexivi-dade é multiplicada pela mesma trajetória da sua própria históriade vida” (LULL, 1998, p. 408). Nos termos de Stuart Hall, issosignifica construir uma espécie de ponte entre posições diferen-tes, ter um investimento em mundos distintos, o que compõe aexperiência da diáspora através da qual a identidade cultural con-temporânea está articulada.

Na avaliação de Herlinghaus (1997, p. 47), a concepção dehibridização cultural12 de García Canclini é pós-moderna “namedida em que relativiza aquelas metas que impediram de pensaro descontínuo e o multitemporal”. Nos cruzamentos e nas nego-ciações entre o culto, o popular e o massivo suspendem-se as lógi-cas modernas de divisão, separação e pureza destes níveis.

García Canclini reconhece a utilidade da reflexão sobre a pós-modernidade para compreender essa heterogeneidade cultural lati-no-americana. Contudo, ele tem o cuidado de sublinhar que nãoconcebe a pós-modernidade como uma etapa que substituiria omundo moderno, mas como “uma forma de problematizar os vín-culos equivocados que este [o mundo moderno] armou com astradições que quis excluir ou superar para constituir-se” (1989a,p. 23). A relativização proposta pelas teorias pós-modernas facilitarevisar a separação entre culto, popular e massivo, proporcionandomeios para elaborar um pensamento mais aberto em relação a in-tercâmbios, integrações e interações entre esses níveis.

Em outras palavras, ele percebe, na corrente de pensamentoda pós-modernidade sugestões para repensar algumas questõescolocadas pela modernidade.13

O aporte pós-moderno é útil para escapar desse impasse, pois revelao caráter construído e teatralizado de toda tradição, incluída a damodernidade: refuta a origem das tradições e a originalidade dasinovações. Ao mesmo tempo, oferece a ocasião de repensar o mo-derno como um projeto relativo, vacilante, não antagônico às tradi-ções, nem destinado a superá-las por alguma lei evolucionistainverificável. Serve, em suma, para fazer-nos cargo, ao mesmo tem-po, do itinerário impuro das tradições e da realização desencaixada,heterodoxa, de nossa modernidade. (1989a, p. 190)

Page 183: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

182

García Canclini procura construir uma posição intermediá-ria que nega tanto a postura que absolutiza uma pureza ilusóriaquanto o relativismo acachapante pós-moderno, em que qualquersentido se desfaz. Há uma explícita tentativa de considerar tantoas questões modernas quanto as pós-modernas, negociando umespaço interpretativo entre esses dois discursos.

Nessa direção, sua análise de algumas práticas culturais apontapara o surgimento de novas formas de subjetividade que, emboradesprovidas de qualquer noção totalizante, mantêm uma tensarelação interrogativa com as sociedades, ou fragmentos delas, eonde os novos atores sociais acreditam ver movimentos sócio-culturais vivos e utopias praticáveis.

Isso sinaliza a crença do autor na temática das utopias e dosprojetos históricos e que estes ainda têm validade. “Alguns de nósentendem que a queda dos grandes relatos totalizadores não eli-mina a busca crítica do sentido – ou melhor, dos sentidos – naarticulação das tradições e da modernidade. E que a renovação dotratamento desta questão deve partir do reconhecimento da plura-lidade semântica que se dá não somente na arte culta e no popular,mas nos seus entrecruzamentos inevitáveis e na sua interação coma simbólica massiva” (1988b, p. 56).

Paulatinamente, a reflexão de García Canclini passou a inte-ressar-se cada vez mais pelos processos de consumo cultural que jáeram assinalados na década de 80 como relevantes para reavaliar aspolíticas culturais e desenhar novas políticas verdadeiramente de-mocráticas, isto é, que construíssem espaços para o reconhecimen-to e o desenvolvimento coletivo, mas, também, proporcionassemcondições reflexivas para que fosse avaliado o que obstrui esse reco-nhecimento (1989b, p. 148). O que se observa nesse movimento éum deslocamento em direção à importância do mercado e seupoder na estruturação e constituição das identidades, desbancan-do a influência do Estado, destacada em outros períodos, no pro-cesso do consumo.

É difícil rastrear os conceitos e idéias fundamentais dos se-cundários no livro de García Canclini – Consumidores e cidadãos(1995b). Ele expõe uma diversidade de questões para pensar e,além disso, a sua forma de apresentação não é linear, articulando

Page 184: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

183

numa série de ensaios um leque de problemáticas em torno doconsumo, identidade cultural e cidadania.

Vemos aí a retomada e atualização de uma série de questõesque foram sendo expostas em textos anteriores. Metodologica-mente, García Canclini continua insistindo no trabalho de com-plementação entre antropologia, sociologia, comunicação e outrasáreas do campo das ciências humanas.

Uma das idéias-chave é de que os problemas do consumo nãopodem ser vistos apenas como relacionados à eficiência comercial,aos negócios, à publicidade, ou ainda, como uma questão de gos-tos pessoais. Entender como as mudanças na maneira de consumirforam alterando as formas de exercer a cidadania e a construção daidentidade é a provocação que García Canclini propõe.

Para alcançar tal objetivo, traça o novo cenário sócio-culturalcontemporâneo e repassa algumas questões como: o esfacelamen-to da oposição entre o próprio e o alheio; a assunção do global,mediado pela cultura local; a necessidade de definir novas políti-cas culturais em tempos de integração cultural e globalização; acrença numa sociedade civil rearticulada de forma diferente da-quela dos anos 70/80, entre outras.

Dois âmbitos são, então, cruciais na análise de García Can-clini: na cultura destaca-se o consumo e na política é a próprianoção de cidadania que necessita ser revista. No início do livro aposição do autor fica claramente expressa: “Homens e mulherespercebem que muitas das perguntas próprias dos cidadãos – a quelugar pertenço e que direitos isso me dá, como posso me informar,quem representa meus interesses – recebem sua resposta mais atra-vés do consumo privado de bens e dos meios de comunicação de massa doque das regras abstratas da democracia ou pela participação coletivaem espaços públicos” (1995b, p. 13, grifo meu).

A própria política tornou-se errática e submetida às regrasdo espetáculo onde as decisões são tomadas em função das sedu-ções do consumo. Por essa razão, García Canclini dirige-se à cida-dania, entendida como “o núcleo daquilo que na política é relaçãosocial”, sem desvinculá-la do consumo. Ao repensar a cidadania emconexão com o consumo e como estratégia política, procura-se uma

Page 185: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

184

forma de articular o poder de organização do Estado com o domercado. “Precisamos de uma concepção estratégica de Estado edo mercado que articule as diferentes modalidades de cidadanianos velhos e nos novos cenários, mas estruturados de maneiracomplementar” (1995b, p. 24).

Segundo a ótica de García Canclini, os próprios meios decomunicação de massa que foram responsáveis pelo aparecimentodas massas na esfera pública foram mudando e deslocando o exercí-cio da cidadania e o desenvolvimento do espaço público em dire-ção às práticas de consumo. “Devemos nos perguntar se ao consumirnão estamos fazendo algo que sustenta, nutre e, até certo ponto,constitui uma nova maneira de ser cidadãos. Se a resposta for po-sitiva, será preciso aceitar que o espaço público transborda a esfe-ra das interações políticas clássicas” (1995b, p. 31).

E o autor não se furta de elaborar uma proposta onde o con-sumo não seja comandado pelas forças do mercado, mas faça par-te de interações sócio-culturais complexas. “Vincular o consumocom a cidadania requer ensaiar um reposicionamento do merca-do na sociedade, tentar a reconquista imaginativa dos espaçospúblicos, do interesse do público. Assim o consumo se mostrarácomo um lugar de valor cognitivo, útil para pensar e atuar signi-ficativa e renovadoramente, na vida social” (1995b, p. 68).

Do ponto de vista da análise, as alterações que vão ocorren-do no plano histórico têm suas equivalências em termos de concei-tos. Numa determinada situação, conceitos específicos sãoprodutivos e em outra, são descartáveis. Esse processo está expres-so no abandono da noção de popular que se tornou inadequada paraabarcar os múltiplos cruzamentos culturais contemporâneos. As-sim, o popular foi substituído pela idéia de sociedade civil. Porém,esta também foi tornando-se inapreensível, pois passou a indicar asmais díspares manifestações de grupos, organizações não-governa-mentais, empresas privadas e mesmo indivíduos. Na opinião deGarcía Canclini, o termo sociedade civil passou a ser “outro con-ceito totalizador a negar o heterogêneo e desintegrado conjunto devozes que circulam pelas nações” (1995b, p. 34). Por essa razão,agora o ponto de vista centra-se na idéia de consumidor-cidadão.

Page 186: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

185

A definição sobre quem somos nós, os latino-americanos,continua demarcando um espaço importante na reflexão de GarcíaCanclini. Se antes as identidades se definiam pelas relações com oterritório, tentando expressar a construção de um projeto nacio-nal, atualmente configuram-se no consumo, dependem daquiloque se possui ou daquilo que se pode chegar a possuir.

O rádio e o cinema e, particularmente no caso brasileiro, atelevisão, contribuíram, na primeira metade deste século, para aorganização da identidade e do sentido de cidadania nas socie-dades nacionais, na América Latina. Os meios massivos acaba-ram unificando os padrões de consumo e proporcionando umavisão nacional.

Essa identidade foi construída através de relatos fundadores,apropriação de um território e defesa desse mesmo território dasinvasões estrangeiras. Tudo isso com o fim de nos diferenciarmosdos outros. No final do século XX, isto se transformou. Esse tipode construção identitária começou a se esboroar nos anos 80. “Osreferentes de identidade se formam, agora, mais do que nas artes,na literatura e no folclore – que durante séculos produziram ossignos de distinção das nações –, em relação com os repertóriostextuais e iconográficos gerados pelos meios eletrônicos de comu-nicação e com a globalização da vida urbana” (GARCÍA CANCLINI,1995b, p. 124). De forma sintética, pode-se dizer que a globaliza-ção da economia e a integração regional foram reduzindo o papeldas culturas nacionais e dos referentes tradicionais de identidade.

Apesar da mescla de elementos de várias culturas, das diversassituações de interculturalidade, das formas desiguais de apropria-ção, combinação e transformação de elementos simbólicos, aindasubsistem as culturas nacionais, as culturas regionais e os movi-mentos de afirmação do local. Hoje não existem somente culturasdiferentes, mas, também, maneiras desiguais com que os grupos seapropriam de elementos de várias sociedades, combinando-os etransformando-os. Logo, a questão colocada hoje é como se re-constroem as identidades em processos de hibridismo cultural.

A identidade, para García Canclini, é entendida enquantouma narrativa que se constrói; um relato reconstruído incessante-mente e não uma essência dada por uma vez e em forma definitiva.

Page 187: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

186

Uma narrativa construída pelos e entre diversos atores sociais, masque se realiza em condições desiguais devido às relações de poderque intervêm. Dessa maneira, a identidade torna-se uma co-pro-dução que inclui a presença de conflitos pela coexistência de naci-onalidades, etnias, gêneros, gerações etc, constituindo-sesimultaneamente em representação e ação.

Embora García Canclini afirme que as categorias de hege-monia e resistência continuem válidas para compreender os pro-cessos de configuração das identidades, a complexidade dasinterações que se estabelecem, demanda, sobretudo a necessidadede analisá-las como processos de negociação, na medida em quesão “híbridas, dúcteis e multiculturais” (1995b, p. 151). Isso tem,pelo menos, duas implicações: o objeto empírico deve abarcar osespaços de negociação de sentidos14 e, conceitualmente, a negocia-ção é importante.

Mais uma vez García Canclini reafirma a validade conceitualde hegemonia, contudo, critica o estilo de investigação que a con-cepção gramsciana propiciou, pois, na realidade, as complexasrelações entre hegemonia e subalternidade foram reduzidas a umconfronto rígido e bipolar. Nessas condições se confere pouco ounenhum peso aos espaços de negociação.

A negociação é um componente-chave no funcionamento dasinstituições e dos campos socioculturais. A negociação, hoje, éuma modalidade de existência, “está instalada na subjetividadecoletiva, na cultura cotidiana e política mais inconsciente. Seucaráter híbrido, que na América Latina vem da história de mesti-çagens e sincretismos, acentua-se nas sociedades contemporâneaspelas complexas interações entre o tradicional e o moderno, opopular e o culto, o subalterno e o hegemônico” (1995b, p. 238).

É importante retornar, neste momento, à visão de cidadaniaque Canclini expressa, rearticulando os planos da cultura e dapolítica. O exercício da cidadania expressa aquilo que na políticaé relação social, mas não mostra somente a racionalidade dos prin-cípios ideológicos. Isso seria uma redução: identificar pura e sim-plesmente cidadania e política. “Ser cidadão não tem a ver apenascom os direitos reconhecidos pelos aparelhos estatais para os que

Page 188: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

187

nasceram em um território, mas também com as práticas sociaise culturais que dão sentido de pertencimento, e fazem com que sesintam diferentes os que possuem uma mesma língua, formas seme-lhantes de organização e de satisfação das necessidades” (CANCLINI,1995b, p. 22, grifo meu).

Um significado mais amplo de cidadania, segundo GarcíaCanclini, implica abranger as práticas emergentes não consagra-das pela ordem jurídica, em rever o papel das subjetividades narenovação da sociedade e entender seu lugar na ordem democrá-tica. Se ampliarmos seu sentido, poderemos conectar cidadania econsumo, considerando as atividades do consumo cultural comouma dimensão da cidadania.

Para tal, García Canclini elabora uma proposição de políticasculturais concretas, assinalando requisitos indispensáveis: a) umaoferta vasta e diversificada de bens, representativos da variedadeexistente nos mercados, de fácil acesso para as maiorias, isto é,uma oferta multicultural equilibrada; b) informação multidirecio-nal e confiável sobre os produtos, cujo controle seja exercido pelospróprios consumidores, possibilitando refutar as seduções da pro-paganda; c) participação democrática dos principais setores dasociedade civil nas decisões de ordem material, simbólica, jurídi-ca e política em que se organizam os consumos.

Entretanto, García Canclini reconhece que nos anos noventavivencia-se a dissolução dos espaços públicos de negociação ou daesfera pública como âmbito de participação popular. Esse proces-so vai cada vez mais se intensificando e agravando na medida emque as indústrias culturais substituem as interações diretas pelasmediatizações eletrônicas.

Uma série de exemplos de situações nacionais latino-ameri-canas (campanhas eleitorais de Fujimori, Carlos Menem, Fernan-do Collor) e de contexto internacional (a Guerra do Golfo)demonstram para García Canclini a substituição dos conflitos emespetáculos. Agora, tudo se fotografa, filma, televisiona e conso-me em imagens. Mesmo assim o autor reluta em aderir às teses de“tudo é simulacro”, advertindo que essa não se converteu na úni-ca saída. Ainda há um espaço aberto para negociar.

Page 189: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

188

Os conflitos, hoje, não se dão apenas entre classes ou grupos, mastambém entre duas tendências culturais: a negociação racional ecrítica, de um lado, e o simulacro de um consenso induzido pelamera devoção aos simulacros, do outro. Não é uma opção absoluta,já que sabemos que os simulacros fazem parte das relações de signi-ficação em toda cultura. Porém, estabelecer de que maneira iremosnegociar o compromisso entre ambas as tendências é decisivo paraque na sociedade futura predomine ou a participação democráticaou a mediatização autoritária. (1995b, p. 243)

A alternativa esboçada por García Canclini trata de repensarconjuntamente o papel do Estado, da sociedade civil e do merca-do. Implícito nessa revisão, encontra-se a tentativa de reconcebero espaço público: “Nem subordinada ao Estado, nem dissolvidana sociedade civil, a esfera pública reconstitui-se simultaneamen-te na tensão entre ambos” (1995b, p. 253).

A proposta resultante para delinear uma nova concepção estra-tégica do Estado deve implicar que o Estado reassuma o interessepúblico. “O desafio é, principalmente, revitalizar o Estado comorepresentante do interesse público, como árbitro ou asseguradordas necessidades coletivas de informação, recreação e inovação,garantindo que estas não sejam sempre subordinadas à rentabilida-de comercial” (1995b, p. 254). Essa combinação entre Estado emercado necessita do reconhecimento do mercado enquanto espa-ço onde ocorrem interações socioculturais complexas.

Tudo isto tem conseqüências para o entendimento da socieda-de civil. Para García Canclini (1995b, p. 261), redefini-la implicaver que, na atualidade,“as sociedades civis aparecem cada vez me-nos como comunidades nacionais, entendidas como unidades terri-toriais, lingüísticas e políticas; manifestam-se principalmente comocomunidades hermenêuticas de consumidores, ou melhor, comoconjuntos de pessoas que compartilham gostos e pactos de leituraem relação a certos bens (gastronômicos, desportivos, musicais),os quais lhes fornecem identidades comuns”. A nova característi-ca dessas comunidades é sua organização em torno de consumossimbólicos e não mais em relação a processos produtivos.

Enfim, a proposta de García Canclini culminaria na constru-ção de um multiculturalismo democrático, a partir do Estado, da

Page 190: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

189

sociedade civil e de uma nova forma de pensar o mercado. Dessaforma, constituir-se-ia um espaço cultural cuja base seria o reco-nhecimento multicultural da América Latina e onde as forçasmonopolistas do mercado estariam sob controle mediante açãopública do Estado. Este seria, então, o projeto político implícitoem tais formulações.

É de se pensar com atenção as implicações e dúvidas queeste tipo de posicionamento delineado por García Canclini gera.De certa forma essas implicacões foram detectadas, também, porLull.15 A primeira delas pode parecer um contra-senso a posturasbem demarcadas pelo próprio autor na seqüência desta reconsti-tuição, mesmo assim, vale registrar a seguinte questão: a ênfasedada ao consumo e às identidades que se constituem nesse mes-mo âmbito que, por sua vez, estão, sobretudo situadas num mer-cado global, não endossa teses pós-modernas? E, ainda, o acentona perspectiva do consumo não pode dissolver as especificidadesdos processos textuais e dos processos de produção cultural?

Sem a intenção de reanimar o debate bem conhecido naAmérica Latina em torno do controle dos meios de comunicação,ao delinear, sobretudo, políticas culturais que tratam do fluxo edistribuição de formas culturais, não se está sobrevalorizando umadeterminada área e deixando a descoberto outras. Não é de sepensar conjuntamente numa pluralidade de formas de gestão dosmeios de comunicação?

De outro lado, é de se observar se esta reflexão não ocorrenum vácuo econômico e político. Em outras palavras, esse posicio-namento veria o cultural, o social e o econômico de tal formaintrincados que acabariam fundindo-se e não haveria como desar-ticulá-los, mesmo que para efeitos de análise.

Nesse sentido, sob aparente convocação da cidadania comocontrapeso ao impacto das relações neoliberais de mercado, a res-sonância da proposta de García Canclini parece convocar muitomais o consumidor do que o cidadão. Conseqüentemente, parececompreender a era corrente como um novo modo de organizaçãosocial em que o essencial é prover ao consumidor-cidadão apenasum leque mais amplo de escolhas.

Page 191: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

190

O discurso da globalização enquanto construção teórica ad-mite uma diversidade de entendimentos e sentidos que variam deacordo com as suposições e compromissos da teoria em questão.Por essa razão, o termo é utilizado, nesta seção, com o sentidogeral de descrever as formas pelas quais as forças econômicas,políticas e culturais globais estão rapidamente alastrando-se peloglobo e criando um novo mercado mundial, novas organizaçõespolíticas transnacionais e uma nova cultura global (CVETKOVICH EKELLNER, 1997).

Parece ser no âmbito da cultura que a globalização se tornamais aparente e visível porque os meios de comunicação e ossistemas de informação, através da cultura mundial do consumo,fazem circular produtos, imagens e idéias pelo globo todo, alte-rando de forma notável a experiência cultural de viver sob o capi-talismo. A esfera cultural constitui-se, então, num terreno complexoonde essa cultura global que transita desenfreadamente, desconsi-derando fronteiras geográficas, permeia as culturas locais. Decor-rente dessa conjuntura, emergem novas configurações quesintetizam ambos os pólos – global e local. Simultaneamente, aesfera cultural apresenta-se como um espaço contraditório ondeforças opostas atuam: homogeneização e surgimento de formaslocais híbridas, neocolonização e resistência.

Quando os aspectos culturais assumem a primazia nas análi-ses desse contexto – isto é, quando se trata de analisar “o lugar dacultura na estrutura empírica real” (HALL, 1997, p. 208) – o pro-blema em torno da identidade aparece em primeiro plano. De umlado, essa ênfase surge tanto em resposta às forças de homogenei-zação quanto pode ser atribuída à produção de novas configura-ções de identidades, em acelerada proliferação nesse contexto deglobalização onde conflitos e escolhas forçam ainda mais a procu-ra de identidades e valores.

Porém, de outro lado, esse enfoque está relacionado a umaaproximação da análise social contemporânea em que a cultura setorna uma condição de existência constitutiva da vida social. Emoutros termos, a cultura assume uma centralidade em todos osaspectos da vida social, mediando tudo (HALL, 1997, grifo meu).

Page 192: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

191

É nesse ambiente que se insere a reflexão dos três autoresrecém recuperados, revelando uma amostra do caminho adotadopelos estudos culturais contemporâneos. No entanto, não se podeapagar o fato de que a adoção da rota das identidades responde decerta forma ao atual estágio do capitalismo enquanto modo deorganização social vigente. A maneira como as identidades seconstituem e se multiplicam, hoje, corresponde a “estrutura desentimento” corrente relacionada a um determinado desenvolvi-mento capitalista. Tal vinculação não pode ser perdida de vista.

Page 193: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

192

Page 194: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

193

Cada nueva perspectiva introducidaen un campo de saber no deja inmune ni al campo ni a símisma. Ambos entran en interacciones recíprocas, pactos

y luchas si no reapropriaciones que concurrena un nuevo universo simbólico.

Alicia Entel

Dois registros fazem-se essenciais para finalizar o traçadodas cartografias de Stuart Hall, Jesús Martín-Barbero e NéstorGarcía Canclini e o desenho do contexto particular de sua emer-gência. O primeiro descreve alguns princípios que nortearam areconstituição dos itinerários estudados e o segundo recuperamarcas particulares das trajetórias estudadas, sinalizando uma rotapossível para os estudos culturais contemporâneos.

Quando comecei esta pesquisa, em meados dos 90, seu pro-pósito fundamental consistia em analisar a constituição de ummarco teórico, no contexto latino-americano, que reivindicava oenlace da investigação sobre comunicação e cultura. Além disso,a inserção da comunicação no âmbito da cultura estava cruzadacom o problema social.

Porém, naquele momento inicial, meu posicionamento pri-vilegiava apenas a distinção latino-americana, isto é, um desejode demarcar nossas diferenças e originalidades em uma imagi-nária discussão internacional. No entanto, no decorrer de meusestudos, passei a perceber que se a diferença na abordagem lati-no-americana não podia ser omitida, também, as diversas con-tribuições teóricas não deveriam ser desconhecidas e, por suavez, suas relações com perspectivas teóricas contemporâneas maisamplas. Esse movimento de inclusão de outras idéias que vi-nham de lugares distintos e sua adaptação a uma realidade parti-cular tinha que ser capturado.

A TÍTULO DE CONCLUSÃO

Page 195: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

194

Assim, por diversas vias, fui percebendo a forte articulaçãoque se estabelecia entre a perspectiva latino-americana de análisecultural da comunicação, neste caso específico visualizada funda-mentalmente através dos itinerários intelectuais de Martín-Barbe-ro e García Canclini – esses dois autores latino-americanos já faziamparte de meu recorte original e tinham sido, inclusive, estudadosna minha dissertação de mestrado, em 1993 – e o corpo teóricoda tradição dos estudos culturais.

Ambas vertentes configuram-se em uma aproximação críticaà cultura contemporânea, sendo que esta última é entendida comoespaço de contestação e conflito mas, também, de consenso ereprodução social. Caracterizam-se, ainda, pelo reconhecimentoda existência de ação social, de uma sociedade ativa e pela impor-tância dada ao contexto, isto é, atenta-se para as especificidades eparticularidades culturais articuladas a uma conjuntura históricadeterminada. Acabei, então, optando por revelar e, de certa for-ma, flagrar a relação existente entre um determinado pensamentolatino-americano e os estudos culturais.

Ao traçar esse mapa, tive como preocupação constante asseguintes questões: Como falar de uma produção teórica latino-americana de tal forma que não comprometesse sua especificida-de histórica e política, mas que, também, pudesse ser compreendidanum movimento mais global do campo intelectual contemporâ-neo? Como abordar essas reflexões que respondem a determina-das demandas de um contexto particular, de forma articulada ainteresses que extrapolassem os contornos da própria AméricaLatina?

Por essa razão, propôs-se interpelar as idéias de García Can-clini e Martín-Barbero como momentos de emergência e consti-tuição dos estudos culturais latino-americanos, sendo que a reflexãode Hall é tomada como paradigmática, ilustrando a configuraçãoda tradição britânica – ou inglesa, para alguns críticos – dessecampo de estudos.

Meu objetivo central foi o de identificar o movimento demigração de um corpo de reflexões que, em princípio, tem suaorigem na Grã-Bretanha e alcança a América Latina. A intenção

Page 196: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

195

não se pauta por discutir origens, mas rotas, trajetos que impli-cam em reconversões.

O que procurei mostrar durante todo o trajeto deste trabalhoé que “a originalidade da cópia é demonstrada especificando emque consiste, como foi produzida e quais os seus resultados, omodo pelo qual uma determinada teoria, sendo ela mesma, nãoobstante é outra. A hipótese básica é que estamos diante de umcaso bem-sucedido de assimilação e recriação de um conjunto deidéias, de uma orientação teórica e metodológica que prova suafecundidade heurística dando conta de situação distinta da qualnasceu para dar expressão e, ao conseguir isso, revela-se comouniversal” (BRANDÃO em Ricupero, 2000, p.17).

Contudo, os estudos culturais não podem ser vistos como fór-mula teórica com validade universal, abstraindo a teoria da realidade,nem como formatados pela realidade concreta onde se inserem, poisseriam apenas expressão dessa realidade. Logo, o que estamos suge-rindo é que os autores estudados nem se lançaram a uma transposi-ção mecânica de uma teoria à uma realidade particular, subordinandoa realidade à fórmulas teóricas, nem subordinaram uma teoria àrealidade latino-americana – mesmo que a unidade da AméricaLatina não possa ser tomada como evidente.1

Portanto, o pensamento latino-americano estudado pode seridentificado como estudos culturais, dado uma série de proximi-dades demonstrada ao longo desta narrativa. Porém, é ainda maisapropriado dizer que os intelectuais analisados ao fundirem teoriacom realidade produziram estudos culturais latino-americanos e nãoapenas estudos culturais localizados na América Latina. Estes úl-timos estariam sim associados com aquela concepção de que asidéias mudam de lugar, sem se transformar.

De forma geral, pode-se dizer que, embora não exista umaligação direta entre o desenvolvimento dos estudos culturais britâ-nicos e a constituição dos estudos culturais latino-americanos, so-bretudo aqueles que mantêm um forte enlace entre comunicação ecultura, é possível uma aproximação entre as análises da vida cultu-ral contemporânea produzidas a partir de ambos os contextos. Aexemplo do que ocorreu na Inglaterra no período de formação dosestudos culturais – mesmo que se atente para a existência de parti-

Page 197: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

196

cularidades históricas e teóricas em cada desenvolvimento –, obser-va-se que, no espaço latino-americano, os estudos culturais consti-tuem-se enquanto aproximação dos processos culturais com fortevinculação a uma base social. Sob influência do pensamento gra-msciano e através do engajamento2 de intelectuais nos movimen-tos políticos alternativos que estavam em andamento na época (naInglaterra dos anos 70 até meados dos 80 e na América Latina,principalmente, na segunda metade dos 80), ambas as vertentesrevelaram aspirações políticas, concentradas em torno da investi-gação das práticas populares, muitas vezes vistas sob o prisma desua capacidade de resistência.3 Na verdade, o que os estudos cul-turais estavam revelando eram as intensas relações entre cultura epoder, mas sempre com um objetivo de mudança social.

Porém, devido a uma série de fatores, já mencionados no de-correr deste livro, esse tipo de inserção política e enquadramentoteórico está na atualidade muito mais matizado e permeado porinfluências teóricas bem mais diversas. Como vimos no último ca-pítulo, a atenção à problemática das identidades e sua multiplica-ção, embora se debruce sobre fenômenos, temas e objetos políticos,pode simultânea e contraditoriamente estar sinalizando um esmae-cimento desses mesmos laços políticos. Daí a reivindicação de esta-belecer um diálogo mais profícuo entre os estudos culturais e osestudos políticos, fundamentalmente aqueles que atentam para asociedade civil e questões em torno da cidadania.

O fato de reivindicar tal interlocução entre os estudos cultu-rais e estudos políticos revela mais um aspecto importante e quedeve ser retido como distintivo da abordagem dos estudos cultu-rais. Este trata justamente da confluência de distintas disciplinaspara dar conta da investigação cultural.

Enfim, as vias em debate, hoje, nos estudos culturais são múl-tiplas. O que parece ser essencial é compatibilizar uma análise dasrepresentações simbólicas com a ação social, sem nunca esquecerque esta revela marcas de reprodução e transformação. Emboraeste trabalho tenha iniciado com questionamentos em torno dotraço exclusivamente latino-americano dentro do amplo contextodos estudos culturais, no fundo os dilemas abordados são centraise comuns à investigação da cultura na contemporaneidade.

Page 198: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

197

Por essa razão, concluo com uma visão geral sobre o desdo-bramento dos estudos culturais, tendo em vista a atenção crescentena proliferação das identidades culturais. Para compreender aimportância que a problemática da construção das identidadescontemporâneas assume, na atualidade, é necessário olhar em re-trospectiva para alguns vínculos teóricos que os estudos culturaisforam estabelecendo ao longo de sua trajetória.

Na Europa, a partir da segunda metade dos anos 80 a análisecultural implementada pelos estudos culturais passa a sofrer – no-vamente – transformações, principalmente desencadeadas pelodebate em torno da modernidade/pós-modernidade. Isso foi ge-rando, sobretudo, um deslocamento de conceitos ancorados nocampo marxista.

Na América Latina, esse mesmo processo parece entrar emandamento na virada da década de 80 para os 90, com conseqüên-cias mais nítidas a partir da segunda metade dos anos 904.

Como evidencia a estruturação deste trabalho, num primeiromomento, a discussão travada concentrava-se no âmbito da ideo-logia e dominação social, gradualmente desembocando na incor-poração da concepção de hegemonia e na percepção de um jogoentre reprodução e resistência, detectado, sobretudo, no âmbito“do popular” e, finalmente, no interesse atual em torno das novasidentidades.

As mudanças ocorridas em torno do processo de globaliza-ção vão ter impacto na constituição das identidades e, de certaforma, contribuíram para erodir uma noção centrada de identida-de. Os meios de comunicação passam a ter um papel central namediação e construção dessas “novas” identidades, reconstruídasem outros termos. As identidades passam a ser vistas como cultu-ralmente formadas, construídas através da cultura.

É dentro desse contexto que o descentramento do sujeito,um traço filosófico postulado como pós-moderno, é percebido eencarado como fundamental característica da condição contem-porânea e constitutiva das identidades, sobretudo, por Jesús Mar-tín-Barbero e Stuart Hall. Porém, em ambos esse traço é assumidocom ênfases distintas.

Page 199: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

198

Para Stuart Hall, o entendimento sobre a constituição dasidentidades situa-se numa compreensão maior onde “cada práticasocial depende e se refere a sentidos; conseqüentemente, a culturaé uma das condições constitutivas de existência daquela prática,[isto é,] cada prática social tem uma dimensão cultural. […] cadaprática social tem um caráter discursivo”(HALL, 1997, p. 225).

O descentramento do sujeito, segundo Hall, pode revelar,paradoxalmente, o encontro ou o centramento do sujeito. No seucaso pessoal há, inclusive, um tom bem positivo em relação a esseaspecto. “Uma das coisas fascinantes sobre essa discussão é encon-trar-me, finalmente, centrado. Agora que, na era pós-moderna, vocêstodos sentem-se tão dispersos, eu torno-me centrado. O que eupenso como o disperso, o fragmentado vem, paradoxalmente, ser aexperiência moderna representativa!” (HALL, 1993a, p. 134).

Entretanto, suas observações evidenciam um otimismo mo-derado diante do momento vivido. Como já foi anotado, existe nocontexto atual uma abertura para que vozes excluídas se assumamnas suas diferenças, isto é, está em andamento uma política derepresentação. Em oposição a essa face “positiva”, incluem-seaqueles movimentos essencialistas e particularistas que represen-tam riscos à convivência democrática.

Uma análise mais acurada da atualidade problematiza a vi-são celebratória da globalização cultural. Porém, não nega a trans-formação vivida nas relações que se estabelecem no âmbito cultural.De acordo com Hall (1997), a cultura é hoje um dos elementosmais dinâmicos neste início de milênio.

Martín-Barbero ao refletir sobre esse descentramento do su-jeito, característico do momento presente, mostra uma simpatiareticente. O aspecto do envolvimento e endosso a esse postulado évisto na caracterização conceitual adotada nas suas formulaçõesatuais. Contudo, sua relutância se manifesta na afirmação que oreconhecimento dessa condição não pode levar a posições apoca-lípticas e de descrédito no ser humano e nas suas qualidades. Nessesentido, parece indagar: como construir projetos numa situaçãotão precária? Porém, esse questionamento parece deixá-lo dividi-do entre deixar-se seduzir pelo ceticismo e o reconhecimento de

Page 200: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

199

que essa postura não admite a vontade de mudança, desincenti-vando a participação política.

Embora os três autores trabalhem com uma noção históricade identidade, compreendida como algo em permanente constru-ção, revelam matizações e enfoques diversos. Nesse contexto, oeixo central na construção das identidades contemporâneas emGarcía Canclini indica outro rumo: o âmbito do consumo comoplano fundamental.

Entretanto, antes de adentrar nas conseqüências dessa vincu-lação, não se pode menosprezar que a própria idéia de hibridismocultural – uma idéia presente nas formulações dos três autoresestudados, mas, especialmente identificada, neste trabalho, comGarcía Canclini – pode, também, apresentar-se como armadilha.Cvetkovich e Kellner (1997, p. 21) sugerem que a celebração deidentidades híbridas, que estilhaçam categorias estáveis de identi-dade, é um gesto que necessita ser cuidadosamente apurado. “Seaplicado indiscriminadamente para descrever o destino das iden-tidades sob a globalização, a hibridação perde sua força analíticae política como um conceito que descreve circunstâncias particu-lares e locais”. Além disso, se a utilização dessa noção prescindede articulação empírica e contextualidade histórica, pode trans-formar-se numa metáfora cultural esvaziada de conteúdo.

Sobre a concepção de consumo discutida por García Cancli-ni, a primeira observação que pode ser feita, diz respeito a guina-da teórica proposta por esse olhar. Se até os anos 70 predominavaapenas uma visão de consumo como espaço de reprodução, hoje aênfase está na multiplicidade de sentidos que podem ser desenha-dos a partir da escolha dos objetos de consumo, o que, por suavez, pode proporcionar ao consumidor uma identidade nova epotencialmente diferente. McRobbie (1994) ressalta que um dosriscos desse tipo de análise é o excesso de sentidos encontrado noconsumo. Algumas vezes, esse tipo de compreensão pode levar àcelebração por si mesma de tal espaço, às custas de uma análisedas relações sociais do ato de comprar.

Nessa mesma direção passa a ser inevitável que a importân-cia assumida pelo consumo no contexto das novas identidadesrevele uma convergência teórica com as teses da “soberania do

Page 201: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

200

consumidor” e do “livre-mercado” – fundantes da economia neo-clássica e, do ponto de vista da teoria política contemporânea, dademocracia liberal. Embora, no caso específico de García Canclini,haja uma explicitação formal contra a lógica neoliberal.

Ao articular o debate da identidade ao consumo e à cidada-nia, García Canclini traz à tona duas questões radicalmente pro-blemáticas para os estudos culturais em geral5 desde sua origem:a relação entre cultura e economia e a relação entre cultura epolítica. Em determinados momentos de forma explícita e emoutros, implicitamente, esses pontos críticos foram revisados noscapítulos anteriores e, também, estão presentes nas reflexões deJesús Martín-Barbero e Stuart Hall.

Está assentado tanto no projeto dos estudos culturais britâni-cos quanto nas formulações latino-americanas aqui recuperadasque a cultura deve ser estudada dentro das relações sociais e dosistema que a produz e consome, daí o entrelaçamento entre oestudo da sociedade, da política e da economia. E é exatamentenessa articulação que reside a potencialidade da problemática teóri-ca dos estudos culturais. Nos termos de Garnham (1997, p. 56)podem ser apontadas como contribuições desse tipo de análise:

O sucesso do desafio proposto pelos estudos culturais, indubita-velmente, trouxe com ele muitos ganhos para a nossa compreen-são da complexidade do processo pelo qual as determinações daestrutura social e os efeitos do poder social são mediados através desistemas de representações simbólicas; pela forma através da qualos indivíduos e grupos sociais vêm a entender o seu mundo, dotá-lo de sentidos e, finalmente, agir à luz desse entendimento.

Entretanto, da perspectiva das relações entre cultura e eco-nomia, bem conhecida é a crítica travada pela economia-políticada comunicação e cultura sobre os estudos culturais. Do ponto devista da primeira, são exemplares as trajetórias de Nicholas Gar-nham, Graham Murdock, Peter Golding e, mais recentemente, deNeil Larsen, Douglas Kellner, entre outros. É, também, recorren-te a citação dos comentários críticos de McGuigan (1992, p. 40),em que afirma:

Page 202: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

201

a separação dos estudos culturais contemporâneos da economia-po-lítica da cultura tem sido um dos traços mais deficientes desse campode estudo. A problemática central foi virtualmente estabelecidaatravés de um terror ao reducionismo econômico. Como conse-qüência, os aspectos econômicos das instituições dos meios decomunicação e da mais ampla dinâmica econômica da cultura doconsumo foi raramente investigada. Isso foi posto, simplesmente,em parênteses; desse modo, minou, de forma severa, a capacidadeexplicativa e crítica dos estudos culturais.

No final dos anos 90 essa crítica é reeditada por váriosautores – Kellner, Murdock, Garnham, McGuigan, Bennett eoutros –, assumindo matizes diversos. Entre essas apreciaçõescríticas, identifica-se uma tendência nos estudos culturais emgeral de descentrar ou mesmo negligenciar o âmbito da econo-mia em favor de uma ênfase concentrada na construção de iden-tidades híbridas e na atenção exclusiva à cultura mediática,esmaecendo seus laços com a economia, política e história.

No estágio corrente dos estudos culturais existe uma tendênciamuito difundida em descentrar, ou até mesmo ignorar completa-mente a economia, a história e a política em favor de uma ênfasenos prazeres locais, no consumo e na construção de identidadeshíbridas a partir de experiências do popular. Esse populismocultural evidencia a mudança de direção para uma teoria pós-moderna, distanciando-se do marxismo e seu alegado reducio-nismo, das grandes narrativas de liberação e dominação e dateleologia histórica. (KELLNER, 1997a, p. 20)

Porém, de uma forma geral, o antídoto que continua a serreceitado para contrabalançar essa propensão de descolamento é aeconomia-política da cultura.

Parece ser insuficiente e parcial apenas reivindicar a articu-lação dos estudos culturais à economia-política da cultura e dacomunicação, pois através da inclusão dessa última perspectivapode-se combater apenas uma das faces do deslocamento atualdos estudos culturais: aquela que diz respeito à inserção da esfe-ra cultural numa armação analítica que explica como as determi-nações econômicas configuram as condições de produção ecirculação das formas culturais.

Page 203: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

202

O comentário de Garnham (1997, p. 72) serve para reforçara observação acima:

Em resumo, os economistas-políticos acham difícil entender como,dentro de uma formação social, podem-se estudar práticas cultu-rais e sua efetividade política – as formas pelas quais o povo dásentido a suas vidas e, então, atua à luz desse entendimento – semprestar atenção em como os recursos, materiais e simbólicos, para aprática cultural estão disponíveis de modo determinado estrutu-ralmente através de instituições e de circuitos de produção, distri-buição e consumo cultural mercantilizado.

Assim, tal perspectiva fundamentaria, basicamente, o princí-pio de que as práticas culturais estão enraizadas num determina-do modo de produção capitalista. Contudo, de outro lado,propiciaria integrar aos estudos culturais à dinâmica institucionaldo poder, muitas vezes negligenciada pelos praticantes de estudosculturais. No entanto, esse último aspecto extrapola os contornosda economia-política, ligando o campo de investigação dos estu-dos culturais à política.

Nesse caso, a outra face que despotencializa a análise pro-posta pelos estudos culturais e que se revela tanto em posturasniilistas quanto em excessivamente otimistas em relação à condi-ção contemporânea talvez possa ser mediada através de uma reli-gação mais densa exatamente com o terreno da política, recémmencionado. A política, no entanto, não pode ser entendida ape-nas como ativismo – o que de alguma forma marcou e, ainda,deixa sua marca, embora muito tênue, em algumas aproximaçõesdos estudos culturais contemporâneos. Nem somente medianteintervenção pública de intelectuais/pesquisadores, praticantes dosestudos culturais, no âmbito da formulação de políticas culturais.Ambas as ações, no entanto, têm validade em uma composiçãoglobal de atuação no âmbito dos estudos culturais.

Na primeira situação, é necessário reafirmar que o projetodos estudos culturais originalmente aspirava a produzir conheci-mento acadêmico articulado a movimentos sociais e ao debatepúblico. Suas aproximações, conceitos e perspectivas eram deli-beradamente propostos com metas políticas. “Uma força domi-

Page 204: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

203

nante de estudos culturais define o conhecimento social comopolítico, como tendo valor por meio de suas intervenções intelec-tuais nas lutas do cotidiano por justiça social. […] Nós podemosdizer […] que os estudos culturais imaginam o acadêmico comoum intelectual público” (Seidman, 1997, p. 51).

Tanto Richard Hoggart quanto Raymond Williams e, logoem seguida, Stuart Hall e grande parte do trabalho realizado peloCCCS, levavam adiante uma prática acadêmica politicamente en-gajada. Aos poucos, esse tipo de atuação foi arrefecendo, emboranão só no terreno britânico, permanecendo restrita apenas a al-guns círculos. Isso, hoje, gera polêmica e é motivo de inúmerascríticas no debate dentro e sobre os estudos culturais.

É dentro desse escopo que uma tendência nos estudos cultu-rais, principalmente, australianos, onde destacam-se Tony Bennett,Stuart Cunningham, Colin Mercer, Ian Hunter, entre outros, po-siciona-se criticamente contra a atual aproximação circunscrita àcrítica cultural desse campo de estudos. De uma maneira geral,esta outra perspectiva reivindica repensar a vocação dos estudosculturais, redirecionando-os para o âmbito das políticas culturaisque abarca o amplo campo dos processos envolvidos em formular,implementar, debater – incluindo, contestar e apoiar – a interven-ção governamental na atividade cultural. Dessa forma, essa apro-ximação reivindica mostrar-se como um meio de conexão entreanálise teórica e intervenção prática.6

A reivindicação por um engajamento mais prático dos estu-dos culturais via o debate de questões concretas como políticasculturais é legítima e necessária. Por essa razão, essa tendênciaapresenta aspectos positivos mediante a intenção de conectar aná-lise teórica e intervenção política. De certa forma, resgata inclusi-ve uma ênfase proposta desde o início do projeto dos estudosculturais.7 Porém, de outro lado, é alvo também de crítica.

Um ponto atacado trata da excessiva articulação dos estudosde política cultural à praticalidade, à utilidade e efetividade, respon-dendo, sobretudo, a uma demanda por planejamento cultural noâmbito governamental, mas, também, a reivindicações de grupos deinteresses. Nesse último caso, as políticas culturais responderiam àpolítica da identidade ou à política de representação ou ainda a dife-

Page 205: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

204

renças culturais. Simultaneamente, essas ênfases coincidiriam comuma diminuição do papel e importância da crítica e do crítico.

A outra fragilidade da aproximação dos estudos de políticacultural diz respeito à sua configuração enquanto uma alternativaexcludente da crítica cultural predominante, hoje, no campo dosestudos culturais. Isso implica que o intelectual/pesquisador devefazer uma escolha entre duas orientações distintas: ou ser críticoou ser formulador de políticas.

Rejeitando esse tipo de exclusão de papéis, Gripsrud (1998,p. 93) rebate:

Nossa primeira obrigação como intelectuais críticos é fazer pesqui-sa e ensinar criticamente, além de participar como ‘intelectuaispúblicos’ onde quer que exista espaço para intervenções dessegênero. Nessas posições, nossa tarefa será com freqüência opor-seao ‘senso comum’ ou a opiniões e políticas dominantes, ou, ainda,indicar que as questões em discussão são muito mais complexas doque pensam, por exemplo, burocratas ou homens de negócios.Essas são posições, num certo sentido, de ‘atividade negativa’,posições para a produção e comunicação de consciência e conhe-cimento crítico, baseadas em um ethos que combine valores sábiose algum tipo de compromisso social.

Semelhante a Gripsrud, O’Regan (1993, p. 20) defende quenão deveria existir uma oposição entre a nova abordagem de in-tervenção no âmbito das políticas culturais e a crítica cultural,pois uma necessita da outra. Embora ambas as aproximações pos-sam apresentar-se como caminhos diferenciados, precisam inter-cambiar seus discursos e suas análises.

Não existem princípios estabelecidos previamente para escolherum programa de ação política acima da crítica cultural. Nenhumaconjetura pode ser feita sobre a utilidade e eficiência social comonecessariamente pertencendo a uma ou outra, esfera. A políticacultural ou a crítica cultural não são hermeticamente vedadas umaa outra mas são sistemas porosos, abertos o suficiente para permitirtransformação, incorporação e tradução e, suficientemente flui-dos para permitir uma grande variação de práticas e prioridades.

Page 206: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

205

Porém, mesmo atuando dentro dessa nova abordagem paraos estudos culturais – estudos de política cultural – que priorizauma certa instrumentalidade, Stuart Cunnigham (1993) pareceapontar para uma questão central: a necessidade de articular odiscurso teórico com o “mundo real” da política. Adotado esseponto de vista, criticam-se algumas observações, descritas no últi-mo capítulo, referentes à esfera pública contemporânea e açãodos meios de comunicação, assim como a uma determinada con-cepção de cidadania e, conseqüentemente, de sociedade civil. Naverdade, observa-se na temática das identidades uma discrepân-cia, em alguns momentos, entre a crítica e a atividade dos ho-mens e mulheres reais. A articulação reivindicada, então, apontapara o entrelaçamento da crítica cultural com alguns conceitos dapolítica que religariam a análise cultural ao plano do existente econcreto, proporcionando uma visão mais compreensiva das in-ter-relações das condições sociais e econômicas.

Segundo Cunningham (1993, p. 134), o “elo perdido” noestágio atual dos estudos culturais é uma visão de cidadania, de-nominada pelo autor “social-democrática”, e o treinamento ne-cessário para ativá-la. Prefiro, no entanto, conservar, neste primeiromomento, apenas esta reivindicação de forma genérica: “Um con-ceito renovado de cidadania seria cada vez mais central para osestudos culturais quando se adentra os anos 90”.

A concepção de cidadania é fundamental, pois esta articula oterreno da micropolítica referente ao sujeito e suas interações so-ciais com o da macropolítica visto como o espaço oficial onde osdireitos são ou não são reconhecidos. Na realidade, essa noçãoopera como uma dobradiça que articula as relações entre socieda-de civil e Estado.

Contudo, a visão de cidadania que interessa, aqui, destacarnão é aquela vinculada apenas a um “direito de escolha pessoal”,mesmo que este abarque a dimensão cultural como propõe GarcíaCanclini, e muito menos se associa a idéia de “soberania do con-sumidor”. Em ambas as situações, é intrínseco um determinadomodelo de democracia – liberal.

Os eleitores são consumidores, os partidos são empreendedoresoferecendo pacotes alternativos ou indivíduos; são eles que criam

Page 207: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

206

demandas reverenciando a soberania do consumidor somente noque se refere à decisão do sim/não do eleitor sobre quem entre ospré-selecionados candidatos serão seus ‘representantes’. […] Emresumo, as teorias empíricas da democracia (elitista, pluralista, cor-porativa e modelos de escolha racional) tendem de forma relativa-mente aberta a reduzir o significado normativo do termo[democracia] a um conjunto limitado de idéias ligadas à concep-ção de barganha, competição, acesso e responsabilidade deriva-das mais do mercado do que de modelos anteriores de cidadania.(COHEN E ARATO, 1997, p. 5, grifo meu)

Segundo Cohen e Arato (1997), a cidadania nesse contextofica reduzida a princípios formais como eleição de líderes e aprocedimentos que regulam a competição. Não há uma pretensãode que os cidadãos estabeleçam a agenda política ou assumamdecisões políticas. Ao contrário, o sentido de cidadania que sequer acentuar, aqui, é aquele orientado por direitos básicos: liber-dade, igualdade, democracia, solidariedade e justiça social. Alémdisso, abre-se para o cidadão não apenas um “direito de escolha”,mas de participação ativa em espaços públicos.

Parece compreensível, então, a razão pela qual uns falam emidentidade, preferencialmente relacionada ao âmbito do pessoal ecultural, enquanto outros referem-se à cidadania, vinculada ao pú-blico e político. Porém, de um lado, essa referência à cidadaniapode apresentar-se como uma armadilha se implicar somentepretensas condições iguais de escolha no âmbito do consumo.Associar a cidadania primordialmente à arena do consumo, é res-tringir em demasia sua extensão.

De outro lado, não existe uma oposição entre identidade e cida-dania. “A relação entre identidade e cidadania […] está no coraçãodo problema, tanto se nós estamos falando sobre construções cultu-rais da natureza do indivíduo como dos direitos a recursos culturaisque contribuem para a política de transformação das condições ma-teriais.” (McGuigan, 1996, p. 147) Além disso, o “modelo” da iden-tidade, embora recente, parece ser a forma dominante de organizaçãopolítica, pautando o exercício da cidadania.

Nesse sentido, é importante observar, mesmo que de passa-gem, a existência de uma nova situação colocada pela emergência e

Page 208: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

207

proliferação de uma série de comunidades de interesses para o pro-cesso político-econômico contemporâneo. A política desses novosgrupos – na verdade, eles demonstram o aparecimento num cenáriopolítico-nacional da “política da identidade” ou da “política de repre-sentação” – está perturbando precisamente porque escapa das estru-turas familiares de conflito de classe que foi colocado como centralno pensamento marxista. Logo, é reducionista identificar relações einteresses de classe como a chave das formas contemporâneas deação coletiva. É nesse contexto que a constituição de comunidadesidentitárias assume uma certa centralidade no debate político.

O ambiente contemporâneo mostra alguns sinais de muta-ção nas práticas políticas, o que, por sua vez, tem repercussões nopensamento político. No campo da análise cultural, encontram-se, também, algumas referências nesse sentido, embora estas nãosejam propriamente problematizadas.

Por exemplo, Steven Best e Douglas Kellner (1997) ao avalia-rem as teses da pós-modernidade nos campos das artes, da teoriae das ciências, incluem uma caracterização e possível distinçãoentre a política moderna e a política pós-moderna. Conservo, aqui,os termos utilizados pelos autores desses comentários, sem discu-tir a propriedade dos mesmos. O que interessa destacar são aspossíveis características de duas práticas políticas diferentes.

Assim, a política moderna, geralmente, é caracterizada porperseguir objetivos universais tais como liberdade, igualdade ejustiça, tentando transformar estruturas institucionais de domina-ção. Sua finalidade é resolver determinados conflitos, criando umaatmosfera de harmonia e ordem.

A política moderna com freqüência envolve uma política dealiança e solidariedade por meio da qual grupos oprimidos unem-se na luta por interesses comuns. […] Apesar da guerra, pobreza,fome, depressão econômica e formas selvagens de opressão esofrimento, a política moderna era otimista na sua perspectiva,embora fosse freqüentemente religiosa na sua fé teleológica deque a lógica progressiva da história seria pronto realizada. Dessemodo, a política moderna era constituída por fortes valores nor-mativos e visões utópicas de um mundo de liberdade universal,igualdade e harmonia. (KELLNER E BEST, 1997, p. 271)

Page 209: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

208

Contudo, a ênfase ainda é na luta coletiva, na solidariedade enas alianças políticas. No entanto, estas já admitem a existênciade grupos competindo entre si por direitos e liberdades.

Embora ambas as práticas – moderna e pós-moderna –concordem que a sociedade contemporânea – e sua cultura –está envolta em fragmentação, conflitos, contradições e desor-dem, a política pós-moderna vive e convive com esta desordeme fragmentação, admitindo possibilidades positivas, dentro desseconjunto, que vislumbram estratégias “mais modestas” de sobre-vivência “nos fragmentos”, isto é, tentando resolver os proble-mas seccionadamente, em pequenas partes. “A ênfase anteriorde transformar a esfera pública e instituições de dominação ce-deu lugar [na prática pós-moderna] a novas ênfases à cultura,identidade pessoal e vida cotidiana; enquanto a macropolíticafoi substituída pela micropolítica da transformação local e dasubjetividade” (KELLNER E BEST, 1997, p. 271).

Segundo Kellner e Best (1997), a origem dessa forma depolítica está nos movimentos dos anos 70 e 80 – e mesmo dos60 –, que foram se fragmentando cada vez mais na luta de cadaum por seus próprios interesses. “Nos anos 80 e 90 como oprocesso de balcanização continuou, os ‘novos movimentos so-ciais’ transformaram-se em ‘política de identidade’, o próprionome sugerindo um desvio das questões sociais, políticas e eco-nômicas em direção a preocupações com cultura e identidade indivi-dual” (KELLNER E BEST, 1997, p. 274, grifo meu).

No entanto, mais do que pensar esse movimentos como“meramente culturais”, algo usual nos estudos culturais, outra viaé compreendê-los num movimento de generalização da políticaem direção a espaços antes considerados não-políticos. Nessascondições, a constituição desses “novos movimentos sociais” levaa uma expansão da sociedade civil.

Num contexto de consolidação da economia neoliberal, deretraimento do Estado e do setor público, de emergência de no-vos grupos baseados na “política da identidade” e da penetraçãodo espaço público pelos meios de comunicação, é fundamental,

Page 210: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

209

como colocou García Canclini no início dos anos 90, destacar opapel da sociedade civil.

Se existe alguma esperança que a modernização prevaleça sobre adecadência e que os Estados sejam reformados para promover ointeresse público, nós encontraremos tal esperança na sociedadecivil. O pouco que tem sido efetuado recentemente na incumbên-cia prioritária de mitigar os efeitos fatais do programa neoliberal ede questionar o absolutismo do mercado, tem vindo da sociedadecivil. (GARCÍA CANCLINI citado por YÚDICE, 1996)

Segundo Cohen e Arato (1997), sociedade civil não é equi-valente a mercado ou economia nem a Estado. Também, não seidentifica com toda a vida social fora do Estado administrativo edos processos econômicos, isto é, com a vida sócio-cultural comoum todo. Os atores da sociedade política e econômica estão dire-tamente envolvidos com o poder do Estado e da produção econô-mica que eles precisam controlar e administrar.

Por sua vez, o papel político da sociedade civil não está direta-mente relacionado com o controle ou conquista do poder mas comgerar influência no debate que se dá na esfera pública cultural. “Nósentendemos ‘sociedade civil’ como uma esfera de interação socialentre a economia e o Estado, composta sobretudo pela esfera ínti-ma (especialmente da família), pela esfera das associações (especi-almente associações voluntárias), movimentos sociais e formas decomunicação pública” (COHEN E ARATO, 1997, p. IX).8

É nessa direção que se aponta um elo entre os meios decomunicação e a política, isto é, entre as instituições e práticasligadas à comunicação de massa e instituições e práticas da políti-ca democrática. Hoje, no debate das identidades, do ponto devista dos estudos culturais, cultura, sociedade e economia não sãofacilmente distinguíveis um do outro, e, no geral, o âmbito docultural é continuamente visto como parte de uma totalidade. Umadas alternativas de restabelecer o diálogo com as relações materi-ais de poder poderia ser viabilizada através da inserção dos estu-dos culturais na teoria da sociedade civil, o que, por sua vez,permitiria resgatar seu papel na construção de uma sociedade ecultura democrática, preocupação presente e fundante do projetooriginal de Raymond Williams.

Page 211: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

210

Se as identidades que configuram os movimentos que atuam naesfera pública e que, por sua vez, constituem a sociedade civil, sãohoje, sobretudo, mediadas pelos meios de comunicação, esses mes-mos meios e a cultura mediática em geral fazem parte e assumemum papel central no processo e na estrutura política. Entretanto,esse pressuposto implica que a comunicação não pode ser vistaapenas como uma questão de mercado e consumo, embora seadmita que os meios de comunicação estejam impregnados pelalógica do mercado e por interesses políticos particulares, mas comoum espaço possível de pensar o público e a implementação dademocracia.

Com isso o que se quer sugerir é a necessidade de pensar, apartir dos estudos culturais, uma via entre as formas mais redu-tivas e economicistas de análise, a postura culturalista e propos-tas que deflagram a bandeira da “política do sentido”, enfatizandoa linguagem ou o discurso. Se as primeiras, ainda, trabalhamcom uma noção de determinação demasiadamente rígida, a se-gunda expande a idéia de produção e materialidade, aplicando-aa todos os aspectos da ordem social e política, sendo que a últi-ma posição percorre o caminho inverso, esquecendo as condi-ções materiais nas quais a criatividade cultural está fundada. Talvezseja mais produtivo (re)construir uma análise em que os senti-dos e as identidades sejam negociados socialmente e em que essesprocessos estejam enraizados em formações econômicas e ideo-lógicas mais amplas.

De maneira geral, visto que estamos diante de uma discus-são de algo que está em andamento, considera-se que é precisorepensar os rumos dos estudos culturais. O que se tem em vistanão são somente repercussões no campo acadêmico, onde se dis-cute a potencialidade dos mesmos, mas possíveis implicações deutilidade política no debate público, resgatando uma faceta umtanto esmaecida nos estudos culturais dos últimos tempos. A arti-culação entre crítica cultural e política pode ser uma alternativapara trazer à tona a melhor versão de estudos culturais.

Page 212: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

211

PREFÁCIO À EDIÇÃO ON-LINE

1 Tomo como referência a tradição britânica dos mesmos, conforme está apre-sentado no livro. Não problematizo se essa é ou não a sua origem, tema quenão esteve em debate na pesquisa que fundamenta esse texto. Simplesmenteassumo essa contribuição singular devido à minha formação (Bolsa CAPESDoutorado-Sanduíche, de março a setembro de 1998, na Inglaterra, Univer-sidade de Birmingham, no Centro de Estudos Culturais Contemporâneos -CCCS) e, portanto, ao conhecimento adquirido sobre a constituição e de-senvolvimento da mesma, apesar de sua heterogeneidade e múltiplas ori-gens. Dado à extensão e variedade de estudos culturais, destaco sempre suascontribuições para o campo da comunicação.

2 Ver Ianni, O. A sociedade mundial e o retorno da grande teoria. In Lopes,Maria Immacolata V. de Lopes (org.) Epistemologia da comunicação

, São Paulo, Loyola, 2003.3 Entre os textos disponíveis, no contexto nacional, identifico Maria Elisa

Cevasco, Dez lições sobre estudos culturais, São Paulo, Boitempo, 2003; no anglo-americano, ver David Morley e James

Curran (orgs.) Media and cultural theory, Londres/Nova York, Routledge, 2006.4 Embora a escolha de Martín-Barbero e García Canclini continue válida para

abordar uma prática em estudos culturais, 10 anos depois de ter sido efetiva-da, esta deveria ser mesclada, contrastada e ampliada, estimulando conexõestransversais entre os primeiros e as produções do útlimo decênio de DanielMatto, Rossana Reguillo, Beatriz Sarlo, George Yúdice, João Freire Filho,Itania Maria Mota Gomes, Jeder Janotti Junior, Veneza Ronsini, Nilda Ja-cks, Ângela Prysthon, Denilson Lopes, Nelly Richard, entre outros.

5 Follari, R. Los estudios culturals como teorias débiles. Texto apresentado noCongresso da LASA (Latin American Studies Association), realizado emDallas (Texas/USA), março de 2003.

6 O exemplo mais evidente é Stuart Hall, Da diáspora: Identidades e mediaçõesculturais (Belo Horizonte, UFMG, 2003).

7Aqui me fundamento em Rüdiger, que por sua vez retoma Habermas, indicandoque “um programa de pesquisa pode ser restaurado, retornando-se às proposi-ções fundamentais que o emprego sistemático por parte de seus seguidorescorreu; revivido, fazendo-o sair da poeira do tempo, que o votou ao esquecimen-to, ou reconstruído, remontando a teoria de modo novo, a fim de melhor atingir a

NOTAS

Page 213: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

212

meta que ela própria se fixou [grifo meu]” (Rüdiger, F. Comunicação e TeoriaCrítica da Sociedade, Porto Alegre, EDIPUCRS, 1999, p. 11).

8Adoto aqui a proposição de Mattelart e Neveu, em Introdução aos estudosculturais (São Paulo, Parábola, 2004).

9Exemplifica esta posição as declarações de Maria Immacolata V. de Lopes, ementrevista publicada na e-compós (Brasília, v. 11, n 2, maio/ago. 2008, p. 9):“Sobre Barbero e Canclini, eu não acho que eles são representantes dos estudosculturais na América Latina. Eles não são. São chamados assim de maneirain-correta. Fazer estudos de cultura é uma coisa, fazer estudos culturais é outracoisa. Na América Latina, nós temos uma tradição fortíssima de estudos decultura.” 10Daniel Mato é o expoente desta posição. Ver Practicas intelectuales latinoame-

ricanas en cultura y poder y la entrada en America Latina de la idea de “Estu-dios Culturales”. In Silveira, Rosa (org.) Cultura, poder e educação – Umdebate sobre estudos culturais em educação. Canoas, Editora da Ulbra, 2005.

11 Ver, por exemplo, Nelly Richards, Intervenções críticas – Arte, cultura, gêneroe política. Belo Horizonte, Editora UFMG, 2002.

12 Pode-se encontrar um posicionamento desse tipo na entrevista de GarcíaCanclini à Patrick Murphy, Contrasting perspectives: cultural studies inLatin America and the United States – A conversation with Néstor GarcíaCanclini. Cultural Studies 11 (1), 1997; no texto do mesmo autor, El males-tar en los estudios culturales, Fractal 6 (2), 1997. Já Martín-Barbero, falandode suas influências e admirações de praticantes de análise cultural, destaca,“em segundo lugar”, a tríade – E.P. Thompson, Raymond Williams e Ri-chard Hoggart, assumindo que “a perspectiva de Birmingham” vai marcá-lono “mais profundo, intelectualmente”. Ver entrevista do autor em Journal ofLatin American Cultural Studies, vol, 10, n 2, 2001.

13Ver Martín-Barbero, J. Oficio de cartógrafo – Travesías latinoamericanas de lacomunicación en la cultura. México/Chile, Fondo de Cultura Económica, 2002.

14Ver, por exemplo, Denilson Lopes, A delicadeza – estética, experiência e paisa-gens. Brasília, Editora UnB/FINATEC, 2007.

15Ver do autor Apogeo y decadencia de la teoría tradicional. Una visión de losintesticios. In Walsh, Catherine (org.) Estudios culturales latinoamericanos.Univ. Andina Simón Bolívar/Ediciones Abya-Yala, Quito, 2003.

INTRODUÇÃO

1 Projeto acadêmico-intelectual, particularmente associado com o estabeleci-mento, em 1964, do Centre for Contemporary Cultural Studies (CCCS) naUniversidade de Birmingham – Inglaterra, sob a direção de Richard Hog-gart, professor de Literatura Inglesa. A partir dos anos 80, essa perspectivade análise se expande para outros territórios geográficos, adquirindo matiza-ções teórico-metodológicas variadas. Desse modo, essas apropriações retém

Page 214: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

213

especificidades e diferenças históricas e culturais em relação aos estudosculturais britânicos.

2 Essa idéia tem como ponto de partida a leitura de Aricó (1988, 1998),Ricupero (2000), Jameson (1994) e Hall (1996f).

3 Nesse sentido, tentei recuperar textos fundamentais das trajetórias dosestudos culturais, principalmente australianos, norte-americanos e britâni-cos. A abrangência desses textos diz respeito não só à constituição daperspectiva nesses territórios, mas à singularidade das respectivas tradiçõesteóricas.

4 Embora esses dois autores, neste trabalho, sejam relacionados à perspectivalatino-americana dos estudos culturais, não se perde de vista as diferençasentre eles. Essas últimas ficam evidenciadas no tratamento dado por cada umaos eixos-nodais do presente trabalho, sobretudo, em torno da problemáticada ideologia, hegemonia e identidade.

5 No sentido de delimitar os contornos desta área, utilizo a definição de Fuen-tes (1992), em que se entende por “campo acadêmico da comunicação” oconjunto de instituições de onde surgem os estudos de nível superior, a teoria,a pesquisa, a formação universitária e a profissão, centralizando seu conceitonas práticas dos seus atores ou agentes sociais concretos – sejam sujeitosindividuais ou coletivos – na consecução de projetos específicos.

6 Embora identifique em algumas ocasiões o “campo da comunicação” e os“estudos de comunicação”, isso não implica reconhecer um estatuto discipli-nar aos mesmos. Há diferenças que não podem, aqui, ser detalhadas, entreuma estrutura acadêmica que institucionaliza departamentos e a configura-ção de disciplinas, na plenitude do termo. De outro lado, a referência àcomunicação enquanto uma determinada área de investigação e ponto delocalização deste pesquisador não perde de vista o tão propalado processo emandamento de esmaecimento de fronteiras disciplinares. Contudo, é impor-tante lembrar que “as limitações da competência individual são com frequên-cia o elo fraco na cadeia do pensamento interdisciplinar” (GOODWIN EWOLFF, 1997, p. 138).

7 Quando transcrevo citações diretas, originalmente em inglês, contei com acolaboração especializada de Vinicius Figueira. No caso específico da tradu-ção de media, com o objetivo de fugir de uma possível redução mercadológicaque o termo mídia implica no Brasil devido, sobretudo, ao seu intenso usopela publicidade, utilizo no geral meios de comunicação ou, em algumasocasiões, apenas meios. Adoto, então, o adjetivo mediático.As traduções do espanhol são de minha autoria. No caso específico do termohibridación de García Canclini, procurei consultar trabalhos, de distintosautores, que fazem referência a esse mesmo conceito para verificar como oestavam traduzindo para o português. O corrente tem sido traduzi-lo por“hibridização”, por isso, em alguns casos adoto esse termo, embora considereque hibridação (produção de híbridos), hibridez (qualidade de híbrido) ehibridismo (hibridez) sejam mais apropriados.

Page 215: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

214

CAPÍTULO I – Estudos Cuturais: uma perspectiva histórica1 Aponta-se como precursora dos estudos culturais britânicos uma problemática

de estudos conhecida como “Cultura e Sociedade”, que surge em torno de1870, na Inglaterra. Reúne autores tão distintos como Matthew Arnold, JohnRuskin e Williams Morris. Entretanto, os três compartilham uma atitude críti-ca em relação à sociedade moderna. Estigmatizam o século XIX como aqueleonde triunfou o “mau gosto” da “sociedade de massa” e a “pobreza de suacultura”. Estes intelectuais, entre outros, adiantam-se nas críticas contra asconseqüências culturais do advento da civilização moderna.A sociedade vitoriana está, naquele momento, na vanguarda no que diz respei-to ao nascimento das formas culturais vinculadas ao sistema industrial. Já nasegunda metade do século XIX, travam-se as primeiras discussões em torno daregulação de um tipo de atividade, como a da publicidade, sendo na Inglater-ra onde surgiram as primeiras críticas em relação à cultura industrializada(MATTTELART E NEVEU, 1997).Mais tarde, especificamente no período entre as duas guerras, Frank RaymondLeavis (1895-1978) passa a ser uma figura central na promoção de estudos deliteratura inglesa. Funda, em 1932, a revista Scrutiny, que se converte no centrode uma cruzada moral e cultural contra o embrutecimento praticado pelos meiosde comunicação e pela publicidade. O movimento, liderado por Leavis, propu-nha a leitura da “grande tradição” da ficção inglesa como antídoto para atacar adegeneração da cultura. No ensino, adverte-se contra a força manipuladora dapublicidade e a pobreza lingüística da imprensa popular.Esses movimentos, no âmbito da literatura inglesa, são vistos como um ambientepropício e embrionário para o surgimento dos estudos culturais britânicos.

2 Nasceu em 1918, passando sua infância no meio operário, sua origem. No finalda II Guerra, ingressa na docência, trabalhando com formação de adultos domeio operário (Worker’s Education Association – WEA). Influenciado porLeavis e a revista Scrutiny, acaba afastando-se destes por dedicar-se às culturaspopulares de um modo mais condescendente. Fundador do Centro (CCCS),hoje, encontra-se, de certa forma, distante das evoluções político-intelectuaisdos estudos culturais contemporâneos.

3 Nasceu no País de Gales (1921-1988), filho de um ferroviário. No final da IIGuerra passa a ser tutor na Oxford University Delegacy for Extra-MuralStudies devido à sua formação em literatura. A partir de 1958, quando publi-ca Culture and Society, dá vazão à sua produção intelectual. Sua posiçãoteórica será sintetizada em Marxism and Literature (1977), quando reivindi-ca a construção de um “materialismo cultural”.

4 Thompson (1924-1993) inicia sua vida como docente de um centro de edu-cação permanente para adultos (WEA). Foi militante do Partido Comunista,mas, em 1956, rompe com o partido, convertendo-se em um dos fundadoresda New Left Review.

5 Particularmente, sobre esse aspecto, Thompson critica Williams em um ensaio,publicado na New Left Review (1961). A ausência de uma ênfase na questão do

Page 216: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

215

enfrentamento entre classes sociais distintas, a negligência em relação a leiturasalternativas e formas culturais de oposição, a primazia dada ao processo de comu-nicação sobre uma análise do poder e a atitude de esquivar-se de dar conta doproblema da ideologia são as questões apontadas como limitadoras na argumenta-ção de Williams. Em Politics and Letters (1979, p. 134), Williams responde a essacrítica.É interessante destacar que Thompson não aceita a classificação de “cul-turalismo” como uma descrição de seu próprio trabalho: “Rejeito, semreservas, a identificação da tradição marxista da história que tenho desen-volvido, como uma representante do ‘culturalismo’. Esse termo é invençãode Richard Johnson” – citado por Davies (1993/94). Ainda sobre essaquestão, ver Raphael (1981).

6 De origem jamaicana, Hall (1932-) deixa sua terra natal, em 1951, paraprosseguir seus estudos na Inglaterra. Inicia a docência, em 1957, numaescola secundária onde os alunos vêm das classes populares. Tem uma forteatuação junto ao meio editorial político-intelectual britânico, como por exem-plo na Universities and Left Review (década 50/60), Marxism Today (anos 80),Sounding (a partir de 1995), entre outras. A partir de 1979, atua na OpenUniversity, em Londres.

7 O reconhecimento do impacto do seu trabalho no desenvolvimento dosestudos culturais está em parte documentado em Morley e Chen (1996) e narecente publicação organizada por Gilroy, Grossberg e McRobbie (2000)Without Guarantees – In Honour of Stuart Hall, Londres, Verso. A reflexão deHall está disponível em inúmeras coletâneas, trabalhos coletivos e artigosindividuais publicados nos mais variados periódicos, o que muitas vezes difi-culta a elaboração de uma noção de conjunto de sua obra. É interessantenotar que até o momento Hall não desenvolveu um único projeto editorialexclusivamente de sua autoria.

8 Numa linha semelhante de argumentação, ver Wright (1998), Frow e Morris(1993), Ang e Stratton (1996), entre outros.

9 A configuração disciplinar ou antidisciplinar dos estudos culturais compõe aagenda contemporânea de debates de seus praticantes. Ver, por exemplo,Wright (1998) e McNeil (1998).

10 O exemplo mais antigo é o do próprio CCCS da Universidade de Birmin-gham, que se transformou, em 1988, em Departamento de Estudos Culturaisda Faculdade de Comércio e Ciências Sociais e, em 1997, foi renomeadoEstudos Culturais e Sociologia. Contudo, isto não quer dizer que tenhamperdido seu caráter “inter ou transdisciplinar”. Ver Cultural Studies fromBirmingham, 1, 1991.

11 Quer dizer, amplia-se a noção de texto para abarcar a “experiência vivida”,dando atenção aos sentidos instituídos na vida cotidiana de culturas particu-lares ou subculturas. Ver, também, Green (1996a).

12 Seu primeiro número apareceu em 1972.

Page 217: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

216

13 Ver, por exemplo, Clarke, Hall et al. (1975); Hall et al. (1978); McRobbie(1989), Hebdige (1988) e Willis (1977).

14 Esse texto tem diversas versões. A primeira delas aparece no CCCS StencilledPaper, 7, 1973.

15 Produzido, ainda, dentro do CCCS, o trabalho de Dorothy Hobson (1978)A Study of Working Class Women at Home: Femininity, Domesticity and Mater-nity, MA Thesis, University of Birmingham, publicado apenas parcialmenteem Hall et al. (1980), é um exemplo desse deslocamento.

16 Em entrevista à autora, Michael Green (setembro/1998) manifestou umacerta discordância desta versão de Stuart Hall, enfatizando a dificuldade dedeterminar as relações iniciais entre feminismo e estudos culturais.

17 Seguindo a reflexão de Brunsdon, uma outra fase estaria caracterizada nostrabalhos individuais de Hobson, Coward, Carby, McRobbie, Mort, Winship,Weedon e dela própria, produzidos a partir de 1981.

18 Checando a coleção dos Working Papers até 1978, data de publicação deWomen Take Issue, encontram-se apenas quatro artigos publicados na temáti-ca “Estudos da mulher”: “Performance and meaning: women in sport”, PaulWillis, 1974; “The family in a ‘permissive society’”, Andrew Tolson, 1975;“Images of women in the media”, Helen Butcher, Rosalind Coward, J. Gar-ber, R. Harrison, M. Evaristi e Janice Winship, 1974; “Jackie: An ideology ofadolescent femininity”, Angela McRobbie, 1978. Encontra-se, ainda, natemática “Trabalho”: “Women and work bibliography”, Janice Winship,1978; e na temática “História”: “Women domestic servants 1919-1939”,Pam Taylor, 1976. Todos esses foram publicados nos Stencilled Papers doCCCS. Além desses, uma sessão do Working Papers in Cultural Studies 7-8,Resistance Through Rituals, 1975, é dedicada ao mesmo tema – “Girls andsubcultures: an exploration” de Angela McRobbie e J. Garber. Estas sãotodas as referências encontradas neste periódico sobre temas relacionados deforma genérica à mulher.

19 Entre os primeios trabalhos, publicados pelo CCCS que problematizam essasquestões: Hebdige, D. (1974) Reggae, Rastas and Ruddies: Style and thesubversion of form (Stencilled Papers, 24); CCCS (1982) The Empire StrikesBack: Race and Racism in 70s Britain. London: Hutchinson. Entretanto, éconsiderado texto de referência maior o de Paul Gilroy (1987) Their Ain’t NoBlack in the Union Jack: The Cultural Politics of Race and Nation. London:Hutchinson.

20 Entre os usualmente mais citados no contexto anglo-americano estão: Mor-ley, David (1980) The Nationwide Audience, London: British Film Institute;do mesmo autor, (1986) Family Television: Cultural Power and Domestic Lei-sure, London: Comedia; Hobson, Dorothy (1982) Crossroads: The Drama ofa Soap Opera, London: Methuen; Ang, Ien (1985) Watching Dallas: SoapOpera and the Melodramatic Imagination, London: Methuen (originalmen-te, publicado em Amsterdã,1982); Hodge, Bob e Tripp, David (1986) Chil-dren and Television: A Semiotic Approach, Cambridge: Polity Press; Tulloch,John e Moran, Albert (1986) A Country Practice: ‘Quality Soap’, Sydney:

Page 218: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

217

Currency Press; Buckingham, David (1987) Public Secrets: EastEnders andits Audience, London: British Film Institute; Radway, Janice (1984) Readingthe Romance: Women, Patriarchy and Popular Literature, Chapel Hill/London:University of North Carolina Press; Bobo, Jacqueline (1988) “The ColorPurple: Black women as cultural readers” in Pibram, Deidre(ed), Female Spec-tators – Looking at Film and Television, London: Verso, 90-109; e Seiter et al.(1989) “Don’t treat us like we’re so stupid and naive: towards an ethnographyof soap opera” in Remote Control, London/New York: Routledge.

21 Ver, por exemplo, Bobo, Jacqueline (1994) Black Women as Cultural Readers,New York: Columbia University Press; Gillespie, Marie (1995) Television,Ethnicity and Cultural Change, London: Routledge; Gray, Ann (1992)Video Playtime: The Gendering of a Leisure Technology, London: Routledge;Spigel, Lynn (1997) “The suburban home companion: Television and theneighbourhood ideal in Post-War America” in Brunsdon, Charlotte, D’Acci,Julie e Spigel, Lynn (eds), Feminist Television Criticism – A Reader, Oxford:Oxford University Press; Lee, Minu e Cho, Chong Heup (1990) “Womenwatching together: an ethonographic study of Korean soap opera fans in theUS”, Cultural Studies 4 (1), 30-44; Lull, James (1990) Inside Family Viewing,London: Routledge; Lull, James (1991) China Turned On: Television, Re-form, and Resistance, London: Routledge; Hermes, Joke (1996) ReadingWomen’s Magazines, London: Polity Press; Thomas, Lyn (1997) “In lovewith Inspector Morse – Feminist subculture and quality television” in Bruns-don, Charlotte, D’Acci, Julie e Spigel, Lynn (eds), Feminist Television Criti-cism – A Reader, Oxford: Oxford University Press; Mankekar, Purnima (1993)“National texts and gendered lives: an ethnography of television viewers ina North Indian city”, American Ethonologist, 20 (3), 543-63.

22 São indicativos desta expansão as coletâneas organizadas nesses continentes.Exemplos da Europa e da América são desnecessários na medida em que esta éa bibliografia que sustenta a presente pesquisa. Entre exemplos da Ásia: Frow eMorris (1996), Frow e Morris (1993), Chen (1998). Indicações sobre os estudosculturais na África podem ser encontradas em Davies (1995) e Wright (1998).

23 Através da observação do desenvolvimento da pesquisa em comunicação noterritório latino-americano, elaborei uma narrativa possível sobre a emer-gência e formação de uma perspectiva teórico-metodológica que tem a co-municação massiva como eixo central dentro do amplo espectro propostopelos estudos culturais. Outras narrativas poderiam ser construídas se fosseoutro o posicionamento deste autor. Por exemplo, ao seguir a trilha dosestudos da sociologia da cultura ou da antropologia cultural ou mesmo daliteratura, certamente, o resultado seria diferente.De outro lado, para mostrar as afinidades entre uma produção teórica latino-americana e o campo dos estudos culturais, podia ter adotado a estratégia deseguir a influência e a difusão de idéias, por exemplo, da Inglaterra para aAmérica Latina. Assim, poder-se-ia mostrar como as idéias de RaymondWilliams e Richard Hoggart são incorporadas por Jesús Martín-Barbero emDe los medios a las mediaciones (1987). No entanto, prefiri identificar caracte-rísticas da perspectiva latino-americana dos estudos culturais relativas à sua

Page 219: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

218

formação disciplinar, ao contexto social onde surgem e à constituição de seuobjeto de estudo.

24 Ver, por exemplo, Murphy (1997); O’Connor (1991); García Canclini (1991a);Fox (1997); Larsen (1995a, 1995b, 1996); Lull (1998).

25 No caso especificamente brasileiro, as décadas de 60 e 70 indicam a consoli-dação de um mercado de bens simbólicos. No entanto, segundo Ortiz (1988),nos anos 70 ainda é fraca a tematização da indústria cultural pelos pesquisa-dores brasileiros.

26 Ver, por exemplo, Streeter (1995) e Sholle (1995).27 A inspiração inicial da vertente britânica, visível, sobretudo, nas pesquisas do

CCCS, revelava também esta íntima vinculação com condições sociais existen-tes, estruturação da sociedade e a problemática das classes sociais. Porém,mostrava ainda uma forte vinculação com a área da crítica literária, backgroundde vários de seus principais praticantes – entre eles, Raymond Williams eStuart Hall.

28 Todavia, é importante mencionar a tentativa de Ted Striphas (1998) deidentificar programas, departamentos, instituições etc., que se associam dealguma forma aos estudos culturais. Nessa listagem, encontra-se apenas amenção do Programa Avançado de Cultura Contemporânea (UFRJ), emtodo o território latino-americano, embora o autor admita que seu levanta-mento não é exaustivo.

29 Em relação à tradição britânica, ver seção anterior. Sobre o desenvolvimentodos estudos culturais norte-americanos, é consenso que sua trajetória nãotem vinculação política direta e está localizada exclusivamente no meioacadêmico. Ver Long (1997).

30 Ao rastrear o itinerário de Gramsci na América Latina, José Aricó (1998)identifica que o pensamento deste autor progrediu de forma constante e signi-ficativa a partir da década de 70 e, fundamentalmente, nos anos 80, entreintelectuais e cientistas sociais de língua espanhola e portuguesa. As razões detal expansão, embora esta retenha diferenças temáticas e formas distintas deassimilação em contextos nacionais, estão ligadas a um contexto político eintelectual amplo. “A difusão de suas idéias ocorre na América Latina no bojode dois momentos históricos diferentes, divididos, como estiveram, pela der-rota de ilusões revolucionárias que o ‘outubro cubano’ despertou no continen-te. No início da década de setenta, a onda expansiva da Revolução Cubana jáse havia consumado e uma torrente de golpes militares modificou a face de umcontinente erodido pela violência armada e pela contra-revolução. Nesta situ-ação – e de modo que não podia ser senão contraditório –, as idéias de Gramscicontribuíram, primeiro para alimentar projetos radicais de transformação,para depois possibilitar, e rapidamente, reflexões mais críticas e realistas sobreas razões de uma trágica desventura”(Aricó, 1998, p. 4). Inflexões distintasocorreram em um e outro momento. Para o interesse específico deste trabalho,é importante destacar que o Gramsci que se incorpora a partir da decomposi-ção dos regimes autoritários é aquele que “girou fundamentalmente em tornoda validade teórica e política do conceito gramsciano de hegemonia para analisar

Page 220: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

219

os problemas decorrentes das transformações na América Latina”(Aricó,1998,p. 5, grifo meu).Através de uma estratégia semelhante a de Aricó, Carlos Nelson Coutinho(1990a,1990b) apresenta o percurso da recepção de Gramsci no Brasil. Emsíntese, pode-se dizer que no nosso contexto, a presença desse pensador se dáem dois momentos distintos. No primeiro ciclo, início dos 60 até metade dos70, a dimensão estritamente política não é divulgada, sobressaindo-se suascontribuições no terreno da filosofia, sociologia da cultura e da estética.Entre os primeiros textos publicados estão: Os intelectuais e a organização dacultura (1968) e Literatura e vida nacional (1968). Entretanto, esta primeiratentativa de divulgação do pensamento gramsciano não tem repercussãoentre os intelectuais brasileiros. Somente a partir de 1975 é que os escritosde cunho político desse autor começam a ser mais estudados, sendo que nosanos 80 começam a surgir importantes pesquisas universitárias, com temáti-cas das mais variadas, sob influência gramsciana. Entre os estudos pioneirosde “corte cultural” que remetem-se a Gramsci estão: Miriam Goldfeder(1981) Por trás das ondas da Rádio Nacional, Rio de Janeiro, Paz e Terra; eRenato Ortiz (1980) A consciência fragmentada, Rio de Janeiro, Paz e Terra.

31 Hoje, abundam levantamentos e sistematizações sobre a pesquisa em comu-nicação na América Latina, por isso, as referências citadas estão restritas aum leque de autores e textos selecionados segundo meu foco de atenção. Ver,por exemplo, Beltrán (1981), Lopes (1990), Martín-Barbero (1984, 1989b,1996a), White (1989), Schlesinger (1989), Fox (1997), Orozco (1997).Em especial sobre a formação da temática do popular na pesquisa emcomunicação, ver seção da minha dissertação de mestrado – Escosteguy(1993). Aí, também, recupero em mais detalhe a história e constituição dapesquisa em comunicação na América Latina.

32 De uma forma geral, nas duas primeiras tendências, a pauta é dada pela teoriada dependência que influenciou fortemente a pesquisa em comunicação naAmérica Latina.

33 Refiro-me aos movimentos, recém citados, que reivindicavam a democrati-zação integral da sociedade e as mobilizações dos setores populares quelutavam pela apropriação de bens e serviços e pressionavam o sistema políti-co a atender suas demandas.

34 Numa análise comparativa entre as perspectivas latino-americana e norte-americana de estudos culturais, Yúdice (1993b) avalia que esse tipo de aná-lise cultural na América Latina tem mais relação com o estudo da sociedadecivil e política do que nos Estados Unidos. Em outro lugar, referindo-se aosestudos culturais em geral, esse autor afirma: “Os estudos culturais devemlidar com esse desafio para (re)construir a sociedade civil, em particular ascompetitivas esferas públicas em que as práticas culturais são canalizadas eavaliadas” (YÚDICE, 1996, p. 50). Nesse sentido, sua preocupação se dá noplano das proposições, ou seja, como, de fato, os estudos culturais podemcontribuir na (re)constituição de espaços públicos que levem em conta oprocesso de transnacionalização vigente. Contudo, este é um posicionamen-

Page 221: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

220

to particular do autor, pois não tem se notado como “marca” da perspectivados estudos culturais, aqui, em destaque.

35 Embora os estudos culturais latino-americanos assumam, em um primeiromomento, um forte tom político devido à sua atenção sobre as relações depoder, é problemático afirmar que os mesmos tenham uma privilegiada sus-tentação na ciência política. O conceito de hegemonia que tem suas origensligadas a esse campo de conhecimentos, aparece “culturalizado” na perspec-tiva em questão. Este seria outro ponto específico a ser explorado na consti-tuição dos estudos culturais na América Latina.

36 Alguns analistas consideram que o enfoque que questionou a teoria da depen-dência e da dominação, assim como o olhar mecanicista da cultura sãomenos políticos e críticos que as tendências desenvolvidas, principalmente,na década de 70. Estas últimas questionavam, sobretudo, quem detém ocontrole dos meios e a relação entre o Estado e os meios de comunicação.Por exemplo, O’Connor (1991, p. 68) afirma: “A natureza monolítica dadominação ideológica é claramente questionada no trabalho de González,Martín-Barbero, e García Canclini. Mas o paradoxo é que alguns de seustrabalhos são notavelmente menos ‘políticos’ que os trabalhos de Mattelart eda escola ILET. [...] Essa diferença entre a escola ILET e a formação emer-gente dos estudos culturais na América Latina pode representar outra versãodo debate global que existe entre as abordagens da economia política e dosestudos culturais.”Num veio de reflexão semelhante ao anterior, Fox (1997) identifica que aredemocratização da sociedade latino-americana coincide com o desenvolvi-mento de uma pesquisa mais pragmática em comunicação. A crescente auto-nomia dos meios de comunicação em relação ao Estado (o que não significaque tenham assumido uma posição antagônica aos interesses estatais), con-jugada com a marginalização do papel do intelectual crítico, com o retornoa uma pesquisa em comunicação mais aplicada a áreas específicas (comunica-ção e educação, comunicação e saúde etc) e a emergência dos estudos cultu-rais, propiciou um clima de menos confronto com o Estado e maisfamiliarização com o renascimento da democracia e construção de institui-ções democráticas.Entre a diversidade de projetos que caracterizam, hoje, a pesquisa em comu-nicação na América Latina, o estudo das telenovelas e sua audiência é citado,por Fox, como exemplo de investigação que, embora não ignore o contextosocial e político dentro do qual estão inseridas, indaga menos sobre o impactoe influências dos meios de comunicação e mais sobre a comunicação propri-amente dita. Assim, Fox (1997, p. 197) avalia que “em vez de projetos eteorias grandiosas a respeito do Estado e dos meios de comunicação, apesquisa e a linha de ação acerca dos meios e da cultura na América Latinavêm focalizando aqueles espaços em que os meios e a cultura têm um impac-to social, econômico e político distintos, seja em educação, campanhas elei-torais, no mercado, ou em novos esforços desenvolvimentistas. Esses espaçosestão predominantemente na esfera das democracias eleitas e das utopias delivre-mercado; a pesquisa é mais administrativa e menos crítica”(grifo meu).

Page 222: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

221

37 Nesta generalização, considero contemplados os estudos de recepção reali-zados, fundamentalmente, à luz das propostas de Martín-Barbero e, também,de Orozco; das investigações do grupo Programa Cultura da Universidadede Colima e seu desdobramento em outras pesquisas; e daquelas que sepautam, principalmente, nas formulações de García Canclini. Reitero que atentativa de sumarizar qual é o espaço preferencial dos estudos culturais naAmérica Latina não implica desconhecer as heterogeneidades teóricas exis-tentes em cada um destes enfoques empírico-teóricos. Neste sentido, ver asanálises de Lopes (1993), Sousa (1997), Orozco (1997) e Jacks (1993,1996).Numa sintética aproximação a esses espaços de pesquisa, poderia dizer que aproposta de Martín-Barbero, chamada perspectiva das “mediações” ou “usossociais dos meios massivos”, redireciona a problemática da comunicaçãopara a cultura, modificando a compreensão da primeira. A comunicaçãoassume o sentido de práticas sociais, nas quais o receptor é considerado umprodutor de sentidos e o cotidiano o espaço primordial de investigação.Guillermo Orozco parte de uma crítica ao “modelo dos efeitos”, consideran-do que a recepção não se reduz ao momento da exposição aos meios, mastranscorre ao longo de um processo em que interferem inúmeras mediações.Daí seu interesse em propor uma estratégia metodológica para investigartais mediações. É necessário, contudo, salientar que sua proposta centraatenção no papel da escola, da família e da televisão, apontando para ocomprometimento do autor com a investigação da recepção dos meios e aeducação dos receptores, por isso, essa abordagem pode ser identificadacomo “educação para a televisão”. Já o modelo de análise concebido, princi-palmente, por Jorge González, do Programa Cultura – Colima, “considera acultura como arena para confrontação das mais diversas ‘frentes culturais’cada qual disputando o consentimento/aprovação e reconhecimento de suaidentidade cultural por outras frentes” (Jacks, 1996, p. 46). E, por fim, paraGarcía Canclini, o consumo cultural é visto enquanto espaço fundamentalonde se dá a constituição das identidades. A particularidade do consumocultural, diz García Canclini, se identifica nos processos de apropriação eusos de produtos em que o valor simbólico se sobrepõe ao valor de uso etroca ou, pelo menos, em que estes últimos estão subordinados à dimensãosimbólica. Essas duas últimas abordagens poderiam ser incluídas mais apro-priadamente numa perspectiva da sociologia da cultura.

38 Refiro-me, principalmente, ao uso indiscriminado desta denominação –etnografia – para estudos que apenas têm um corte qualitativo, realizandomuitas vezes entrevistas em profundidade ou outra técnica qualitativa decoleta de dados. Este procedimento é explícito tanto na pesquisa anglo-americana quanto na latino-americana.

39 Do ponto de vista latino-americano, Lopes (1993, 1995), Orozco (1997),Guedes (1998); De Paula (1998). Ver, também, Ang (1996); Morley (1992);e edições do Journal of Communication Inquiry 13 (2), 1989; e CulturalStudies 4 (1), 1990.

40 Stuart Hall endossa essa perspectiva em diferentes momentos (1994,1996c,1996d).

Page 223: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

222

41 Em recente pesquisa sobre a citação bibliográfica de De los medios a las media-ciones (1987), de Martín-Barbero, em artigos publicados em revistas latino-americanas de comunicação do período de 1988-1997, Fuentes (1998) identificaque o “tema-objeto” que concentra o maior número de citações desta obra éo denominado “reflexões meta-comunicacionais”. Estão enquadrados aí osartigos que tratam de refletir sobre propostas teórico-metodológicas e sobre aconstituição do próprio campo de estudos.

42 Um relato que enfatiza as relações entre feminismo e estudos culturais, doponto de vista metodológico, é o proposto por Gray (1997).

43 Entre outras pesquisas, ver Segura, Nora (1992) Usos sociales de la televisióny de la telenovela. La familia frente a la televisión: Hábitos y rutinas deconsumo en Cali, in Martín-Barbero e Muñoz (eds) Televisión y melodrama;Uribe, Ana (1993) La telenovela en la vida familiar cotidiana, Estudios sobre lasculturas contemporaneas, 15; Renero, Martha (1995) Audiencias selectivas enel entorno de la oferta multiplicada: el discurso materno acerca de los usosde la televisión y otros medios, Comunicación y Sociedad, 24; Bem, ArimSoares (1988) Televisão e doméstica: da catarse ao distanciamento, Dissertaçãode Mestrado, ECA/USP; Jacks, Nilda e Mayora, Veneza (1995) Mediaçõesna recepção: estudo comparativo entre receptor urbano e rural, in Braga,Porto e Fausto Neto (orgs), A encenação dos sentidos: mídia, cultura epolítica, Rio de Janeiro, Compós/Diadorim; Ronsini, Veneza (1993) Coti-diano rural e recepção da televisão: O caso de Três Barras, Dissertação de Mestra-do, ECA/USP. Esta listagem foi composta com o intuito apenas de mostrarestudos onde a mulher é a informante principal.

44 Considero que esta questão – a ausência de uma discussão sobre a mulher nocontexto dos estudos de recepção na América Latina – merece investigaçãocuidadosa e acurada. Isso exigiria extrapolar o campo da comunicação eentrosar-se nos estudos da mulher, de gênero e do desenvolvimento da dis-cussão feminista na América Latina. Não é o caso destas observações, masprefiro comentá-la mesmo que de forma esquemática, para colocar em pautao problema. Meus comentários são fruto apenas da leitura de pesquisas quetem na mulher a informante primordial, mas se eximem de tratá-la no con-texto citado, isto é, analisando o gênero como um mecanismo que estruturao mundo material e simbólico e as nossas experiências deles. Isso não signi-fica dizer que esse enfoque resultará no pensar o gênero como o fator deter-minante nas relações humanas na sociedade.

CAPÍTULO 2 – De ideologia para hegemonia1 Esse debate se inicia nos anos 70, no território britânico, embora ainda tenha

repercussões na atualidade. Entre os principais textos em que tal problemáti-ca é tratada, ver Hall (1980b [1973]; 1977; 1980a; 1982; 1996b [1983];1985; 1996h [1986]; 1989).

2 A discussão sobre a configuração do paradigma dominante e de um paradigmacrítico é de suma importância na formação dos estudos de comunicação e no

Page 224: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

223

debate sobre a autonomia ou não desta disciplina ou “teoria regional” emrelação a outros campos de estudos. No entanto, essa face do problema não seráabordada, tendo em vista que o objetivo é analisar a constituição de um olharparticular sobre os meios massivos. Ver HALL (1980; 1982; 1989; 1977).

3 Apesar desse artigo ter sido publicado em 1973, utilizo, aqui, uma versão de1980.

4 “[…] a posição hegemônica dominante. Quando o observador apropria-se dosentido conotado, digo, de um programa noticioso ou de acontecimentos daatualidade, de forma direta e integral, e decodifica a mensagem nos termos docódigo de referência na qual foi codificada, nós podemos dizer que o observa-dor está operando dentro do código dominante. Este é o caso típico-ideal da‘comunicação perfeitamente transparente’” (HALL, 1980b, p. 136).

5 “Decodificar dentro da versão negociada contém uma mistura de elementosadaptativos e oposicionais: reconhece-se a legitimidade das definições hege-mônicas para construir as principais significações (abstratas) enquanto, numnível mais restrito, situacional (situado), formula-se suas próprias regras doterreno – opera-se com as exceções à regra” (HALL, 1980b, p. 137).

6 “[…] é possível para um observador entender perfeitamente ambas inflexões,a literal e a conotativa, dadas por um discurso, entretanto, [o observador/receptor] decodifica a mensagem numa forma globalmente contrária” (HALL,1980b, p. 138).

7 “Então, a verdade é que leituras negociadas são provavelmente o que a maio-ria de nós na sua maior parte faz. Somente quando você se torna um sujeitorevolucionário completamente autoconsciente e esquematicamente organi-zado, você alcançará uma leitura integralmente de oposição. A maioria de nósnunca está completamente dentro de uma leitura preferencial ou integral-mente à contrapelo do texto” (HALL, 1994, p. 265).

8 Essa investigação foi realizada durante o período de 1973-1977 e publicadaem 1978.

9 Os trabalhos do final dos anos 80 já não apresentam mais esse caráter deintervenção, devido a uma nova conjuntura, e partem para uma perspectivamais teórica em alguns casos ou, então, para microlocalizações, tendendopara a descrição de um objeto empírico.

10 Embora inovadora a inclusão desse aspecto, essa faceta não será exploradamais aprofundadamente na seqüência da reflexão de Martín-Barbero.

11 Estas conferências foram proferidas em 1984. Entretanto, as versões utiliza-das aqui foram reunidas e publicadas em 1995.

12 Daqui em diante, esta obra será citada no corpo do trabalho como DMM.13 Lembro novamente que, em Comunicación masiva – Discurso y poder (1978),

o autor lança essa idéia e durante toda sua exposição reitera que sua propostaé repensar a relação comunicação-prática. Esta última, naquele texto, éentendida como prática discursiva.

Page 225: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

224

14 O autor refere-se àquela literatura que, na Espanha, tem sido chamada deliteratura de cordel e, na França, de colportage.

CAPÍTULO 3 – O popular como opção política1 Em trabalho anterior, Hall e Paddy Whanel (1964) – The Popular Arts, Lon-

don: Hutchinson – já mostravam sua preocupação com a cultura popular.Entretanto, nesse momento, eles tratam das qualidades textuais da mesma ede problemas em torno da valoração das formas culturais populares. A argu-mentação central é de que as formas culturais que podem ser nomeadas de“arte popular” tem valor e qualidade. Assim, eles rejeitam tanto as generali-zações depreciativas sobre a cultura massiva quanto as que se referem àcultura popular.

2 O texto citado é publicado em 1996i, mas sua primeira versão é de 1992.3 Ao recuperar esse posicionamento particular do marxismo, Martín-Barbero

(1987a, p. 29) afirma que a explicação da opressão e a estratégia de luta nessaperspectiva se situa num único plano: o econômico, o plano da produção.Todos os demais níveis e dimensões do social se organizam e adquirem senti-do a partir das relações de produção. Dessa forma, a intenção de explicar adiferença cultural pela diferença de classe impedirá de pensar a especificidadedos conflitos, que a cultura articula, e dos modos de luta que se originam naarena cultural. Martín-Barbero critica essa perspectiva, o que não significa,no seu entendimento, que a luta de classes não atravesse e, em determinadoscasos, articule os outros conflitos.

4 Existem autores que criticam a postura de Hall por entenderem que ele,realmente aponta para uma origem primária dos estudos culturais que estariano Centre for Contemporary Cultural Studies. Ver, por exemplo, Ang eStraton (1996).

5 Essa idéia pauta-se na considerações que José Aricó faz sobre a “tradução” eincorporação de categorias gramscianas para análise da América Latina. As-sim, Aricó diz que Gramsci “podia ser traduzido em chave latino-americanase fosse possível estabelecer algum tipo de similitude ou sintonia histórico-cultural entre seu mundo e o nosso”(ARICÓ, 1998, p. 6). Embora no textoem questão estejam em foco, principalmente, categorias de caráter político,o autor evidencia o reconhecimento de Gramsci sobre a importância decisivada cultura na dinâmica da sociedade.

6 Outra faceta do aspecto da produção de teorias dentro do espectro dosestudos culturais diz respeito à conexão, explícita já nas formulações deWilliams, entre produção intelectual e experiência pessoal/biografia ou entrevida e obra. E mais, entre as trajetórias individuais e os espaços vividos,contribuindo para talhar uma reflexão singular. Embora a primeira idéia deaproximar biografias pessoais a itinerários intelectuais seja muito sugestiva,somente a segunda relação será tratada neste capítulo.

7 Anotações da autora durante seminário de Martín-Barbero na Escola deComunicações e Artes (Universidade de São Paulo), em agosto de 1997.

Page 226: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

225

CAPÍTULO 4 – Identidades culturais: uma discussão em andamento1 Não cabe aqui discutir, mesmo que de forma genérica, as definições propria-

mente ditas de modernidade/pós-modernidade, pois muitos teóricos trata-ram do assunto do ponto de vista da filosofia, sociologia, artes plásticas, literatura,arquitetura, etc. Diante da extensa bibliografia existente a respeito que revelaa polêmica instalada em torno aos rumos da modernidade e caracterização dapós-modernidade, qualquer definição que for apresentada neste momento,poderá parecer contraditória com as narrativas apresentadas a seguir.

2 Como, também, não há uma unanimidade teórica a respeito do uso do termoglobalização, prefiro apenas indicar que a reflexão de Anthony Guiddens(1994) talvez seja uma das que mais se adeque às propostas dos autoresestudados neste trabalho. Em linhas gerais, o autor atribui especial impor-tância ao surgimento de meios de comunicação global e instantânea noprocesso de globalização, e identifica o curso de uma vida social ativa nacontemporaneidade.

3 Hall quase sempre utiliza “migration” e “migrant”, por essa razão, a traduçãoequivale a migração e migrante. Entretanto, em alguns momentos usa “im-migrant”, logo a tradução será imigrante.

4 Na realidade, este artigo de Hall (1993b) é originalmente uma conferência,realizada no País de Gales, que trata do nacionalismo desta comunidade,abordado extensivamente por Raymond Williams, dado que esta é sua ori-gem. Após sua publicação, acaba sendo o princípio gerador de uma polêmi-ca com Saba Mahmood – Cultural Studies 10 (1) 1996, p. 1-11; réplica deHall, publicada na mesma edição e, finalmente, tréplica de Mahmood emCultural Studies 10 (3) 1996, p. 506-507. Essa autora tenta mostrar comoargumentos construídos a partir de uma agenda política progressista, porexemplo, os de Stuart Hall, convergem com aqueles da direita conservado-ra. Mahmood acusa Hall de permanecer no âmbito de posições essencialis-tas no que diz respeito a movimentos religiosos, étnicos e de afiliaçãonacional, fracassando na tentativa de ‘descentrar’ posições enraizadas naexperiência ocidental. Outro ponto de polêmica relaciona-se com a noçãode hibridação. Para ela, Hall ignora como os deslocamentos e mobilidadesão características do poder político moderno que têm resultado com maisfreqüência em assimilação forçada, cooptação política e destruição da he-rança cultural e lingüística de diversas comunidades.

5 Para Hall, eventos, relações e estruturas têm condições de existência eefeitos reais fora da esfera do discursivo, mas é somente dentro do discursivoternas, salientando a ambigüidade de ambas. Porém, isso não impediu que aadesão a esse tipo de proposta desembocasse num certo reducionismo: a desco-berta da resistência popular.

6 Anotações desta autora de seminário apresentado por Martín-Barbero naEscola de Comunicações e Artes (Universidade de São Paulo), em agosto de1997.

7 Embora não considere relevante no conjunto da obra de Martín-Barbero,existem algumas tênues sinalizações em alguns de seus textos de um senti-

Page 227: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

226

mento de valorização do ser latino-americano. Um exemplo dessas marcas é ocitado, nesta seção, sobre a “poderosa” identidade latino-americana. Ao utili-zar as definições apresentadas por Larrain, poderiam existir sinais de uma “con-cepção oposicional”, mas pautada pela existência de uma essência nos comentáriosde Martín-Barbero. Aquela concepção define-se “contra alguns valores, modosde vida e idéias que se apresentam como alheios à comunidade nacional. Daí aidéia do ‘nós’ em oposição a ‘eles’, aos ‘outros’ que possuem identidades essen-cialmente diferentes. Assim, as diferenças culturais não somente se exageramsenão também se fixam para sempre.” (Larrain, 1996, p. 217)Por essa razão,acredito que a observação de Protzel (1998, p. 44) de que um certo essencialis-mo identitário “perfumou” a produção de Martín-Barbero pode não merecerdestaque, mas uma menção é obrigatória.

8 Ver, por exemplo, Martín-Barbero (1988; 1992; 1998b).9 São dois textos que fundamentam minhas observações a partir deste mo-

mento: “Globalización comunicacional y descentramiento cultural” (1997)e “De la comunicación a la filosofía y viceversa: Nuevos mapas, nuevosretos” (1998a). Ambos os textos revelam uma trama densa de conceitosprovenientes de diversos autores e, especialmente no trabalho apresentado naFELAFACS (1997), a tessitura teórica e sua estruturação mostram, sob umaaparente organização, inúmeras possibilidades de combinação entre os temastratados. Dessa forma, a armação que se apresenta a seguir é apenas uma daspossíveis, e, com certeza, outras pistas sugestivas foram eliminadas. Ver tb.Martín-Barbero (1998b).

10 No Rio Grande do Sul essa palavra designa o ato de rebuscar-se, de arranjar-se.11 Segundo Larrain (1996, p. 216), a concepção essencialista “pensa a identida-

de cultural como um fato acabado, como um conjunto já estabelecido deexperiências comuns e de valores fundamentais compartilhados que se cons-titui no passado, como uma essência, de uma vez para sempre”.

12 Herlinghaus utiliza o termo “hibridización”.13 Em entrevista, realizada em 1994, mas somente publicada em 1997, García

Canclini reitera seus posicionamentos expressos em Culturas Híbridas (1989).Ver Murphy (1997). E, mais uma vez, em Consumidores e Cidadãos (1995)confirma seu entendimento: “Concebo a pós-modernidade não como umaetapa totalmente distinta, não como substitutiva da modernidade, mas comoum desenvolvimento de tendências modernas que se reelaboram nos conflitosmulticulturais da globalização” (1995b, p. 46).

14 Ver, por exemplo, o caso citado dos moradores de Tijuana, fronteira do Méxicocom os Estados Unidos. Os moradores dessa cidade negociam diariamente,econômica e culturalmente, com a cultura norte-americana. Ao mesmo tem-po, que afirmam em espaços particulares sua identidade originária, assimilamsaberes e costumes que lhes permitem assumir outras relacões socioculturais,políticas e de trabalho. “Sem dúvida, continuam sendo mexicanos (e o racismoamericano faz com que se lembrem disso a cada momento), mas sua identidadeé poliglota, cosmopolita, com uma flexível capacidade para processar as novas

Page 228: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

227

A TÍTULO DE CONCLUSÃO

1 Estas idéias tomam como ponto de partida o estudo de Ricupero (2000)sobre Caio Prado Júnior e a nacionalização do marxismo no Brasil e, especi-ficamente, seu questionamento sobre a existência ou não de um pensamentomarxista latino-americano.

2 Inserção que tanto pode assumir uma forma direta de engajamento explícitoem determinados movimentos ou organizações políticas ou, também, indi-reta, isto é, de convicção no poder de réplica desses mesmos movimentos.

3 É claro que certas proposições – por exemplo, o próprio trabalho de GarcíaCanclini e Martín-Barbero – tentaram escapar de novos maniqueísmos, isto é,a polarização entre práticas hegemônicas e subalternas, salientando a ambigüi-dade de ambas. Porém, isso não impediu que a adesão a esse tipo de propostadesembocasse num certo reducionismo: a descoberta da resistência popular.

4 Análises das mudanças que vêm ocorrendo no campo dos estudos culturais,principalmente, na Europa e Estados Unidos são correntes. Por exemplo, verMcRobbie (1992, 1994); McGuigan (1992, 1996); Golding e Ferguson(1997); Kellner (1995b, 1997a), entre tantos outros. Dessa forma, as obser-vações esboçadas neste trabalho seguem indicações de bibliografia consulta-da a respeito. No que diz respeito à América Latina, os comentários delineadosestão pautados na análise aqui proposta de Jesús Martín-Barbero e NéstorGarcía Canclini, considerados como dois expoentes e formuladores teóricosdos estudos culturais latino-americanos.

5 Essa observação não quer dizer que se atribua a García Canclini a introduçãodesses problemas no campo dos estudos culturais como um todo. Porém, nocontexto deste trabalho foram fundamentalmente suas formulações que sus-citaram tal abordagem.

6 Na avaliação de Tony Bennett (1992, 1993), um dos intelectuais que lidera essatendência denominada por alguns de estudos de política cultural, os estudosculturais necessitam uma revisão geral, principalmente, devido à sobreposiçãoda análise dos processos de significação sobre a dinâmica institucional do poder.Na sua proposta, os estudos culturais devem encarar seu papel no treinamentode técnicos culturais que menos comprometidos com a crítica cultural, modi-fiquem, de fato, o funcionamento da cultura por meio de intervenções técnicasno plano do desenho de políticas culturais (cf. BENNET, 1993, p. 83).No entanto, Tony Bennett (1993: 67) repudia o entendimento de que suaproposta simplesmente opõe o debate sobre políticas culturais e um direcio-namento a uma pesquisa mais pragmática à “tríade sagrada e incontaminadade teoria, conhecimento especializado e análise textual”. Contudo, no final

informações e entender hábitos distintos das suas matrizes simbólicas de ori-gem” (GARCÍA CANCLINI, 1995b, p. 234).

15 Reforço que na avaliação de Lull (1998, p. 412), García Canclini estariaimaginando um tipo de “utopia comunicativa” em que o mercado poderiacontribuir para “reinventar” o espaço público. Neste último, um vasto e diver-so universo de mercadorias e mensagens estariam acessíveis à grande maioria.

Page 229: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

228

desse mesmo texto, o autor acaba trabalhando exatamente com esse confron-to binário entre o trabalho da crítica e o de intervenção. E conclui que aatuação de crítico cultural não pode ser vista como o único estilo possível,embora este tenha sido de suma importância na história dos estudos culturais,sobretudo, profundamente inscrito na tradição britânica.

7 Raymond Williams preocupava-se com a problemática de formular políticas paraa atividade cultural, sendo que algumas propostas estão registradas em, porexemplo, Communications (1962) e Television: Technology and Cultural Form (1975);Richard Hoggart deixou a direção do CCCS justamente para atuar na UNESCOnessa mesma área e, finalmente, Stuart Hall elaborou um conjunto de textossobre a televisão, no início dos anos 70, a partir desse tipo de preocupação.

8 Interessante notar que embora García Canclini (1995b) cite exatamente aproposta destes autores como produtiva para o entendimento de sociedadecivil, acaba concluindo numa outra direção.

Page 230: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

229

ALVES, Luiz Roberto. “Uma relação ainda incômoda: os estudos culturais ea cultura brasileira”. In: LOPES, Maria Immacolata V. de (org.), Temas con-temporâneos da comunicação, São Paulo: Intercom/Edicon, 1996, p. 235-241.ANG, Ien. “Wanted: audiences. On the politics of empirical audience studi-es”. In: SEITER, Ellen, BORCHERS, Hans, KREUTZNER, Gabriele eWARTH, Eva-Maria (orgs.), Remote Control – Television, Audiences and Cul-tural Power, London/New York: Routledge, 1989, p. 96-115.ANG, Ien e MORLEY, David. “Mayonnaise culture and other Europeanfollies”. Cultural Studies, 3 (2), 1989b, p. 133-144.ANG, Ien. “On not speaking Chinese – Postmodern ethnicity and the politicsof diaspora”. New Formations, 24, 1994, p. 1-18.ANG, Ien. “Culture and communication: Towards an ethnographic critic ofmedia consumption in the Transnational Media System”. In: STOREY, John(org.), What is Cultural Studies? A Reader, London: Arnold, 1996, p. 237-254.ANG, Ien e STRATON, Jon. “On the impossibility of a global cultural studi-es: ‘British’ cultural studies in an ‘international’ frame”. In: MORLEY, Davide CHEN, Kuan-Hsing (orgs), Stuart Hall – Critical Dialogues in CulturalStudies, London/New York: Routledge, 1996, p. 361-391.ANG, Ien. “Doing cultural studies at the crossroads: local/global negotiati-ons”. European Journal of Cultural Studies, 1, 1998, p. 13-31.AGGER, Ben. Cultural Studies as Critical Theory. London/Washington DC:The Falmer Press, 1992.ARICÓ, José. “Geografia de Gramsci na América Latina”. In: COUTINHO,Carlos Nelson e NOGUEIRA, Marco Aurélio (orgs.), Gramsci e a AméricaLatina, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.ARICÓ, José. “O itinerário de Gramsci na América Latina”. Estudos de Soci-ologia, 5, 1998, p. 3-34.BARKER, Martin e BEEZER, Anne (orgs.). Introducción a los estudios cultu-rales. Barcelona: Bosch Casa Editorial, 1994.BELTRÁN, Luis Ramiro. “Estado y perspectivas de la investigación en Co-municación Social en America Latina”. Memórias de la Semana Internacionalde la Comunicación. Bogotá, Pontificia Universidad Javeriana de la Facultadde Comunicación Social, 1981.BENNET, Tony. “Marxist cultural politics: In search of ‘the popular’”. Austra-lian Journal of Cultural Studies, 1 (2), 1983.

BIBLIOGRAFIA

Page 231: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

230

BENNET, Tony. “Introduction: Popular culture and ‘the turn to Gramsci’”.In: BENNET, Tony, MERCER, Colin e WOOLLACOTT, Jane (orgs.), Popu-lar Culture and Social Relations, Milton Keynes: Open University Press, 1986a,p. XI-XIX.BENNET, Tony. “The politics of the ‘popular’ and popular culture”. In: BEN-NET, Tony, MERCER, Colin e WOOLLACOTT, Janet (orgs.), Popular Cultureand Social Relations, Milton Keynes: Open University Press, 1986b, p. 6-21.BENNET, Tony, MARTIN, Graham, MERCER, Colin e WOOLLACOTT,Janet (orgs.). Culture, Ideology and Social Process – A Reader. London: Bats-ford/Open University, 1989.BENNET, Tony. “Putting policy into cultural studies”. In: GROSSBERG,Lawrence, NELSON, Cary e TREICHLER,Paula (orgs.), Cultural Studies,New York/London: Routledge, 1992, p. 23-35.BENNET, Tony. “Useful culture”. In: BLUNDELL, Valda, SHEPHERD,John e TAYLOR, Ian (orgs.), Relocating Cultural Studies – Developments inTheory and Research, London: Routledge, 1993, p. 67-85.BENNET, Tony. “Towards a pragmatics for cultural studies”. In: McGUI-GAN, Jim (org.), Cultural Methodologies, London: Sage, 1997, p. 42-61.BLUNDELL, Valda, SHEPHERD, John e TAYLOR, Ian. “Editor’s intro-duction”. In: Relocating Cultural Studies – Developments in Theory and Resear-ch, London: Routledge, 1993, p. 1-17.BOBBIO, Norberto. O conceito de sociedade civil. Rio de Janeiro: Graal, 1987.BRUNSDON, Charlotte. “Text and audience”. In: SEITER, Ellen, BOR-CHERS, Hans, KREUTZNER, Gabriele e WARTH, Eva-Maria (orgs.),Remote Control – Television, Audiences and Cultural Power, London/New York:Routledge, 1989.BRUNSDON, Charlotte. “A thief in the night: Stories of feminism in the1970’s at CCCS”. In MORLEY, David e CHEN, Kuan-Hsing (orgs.), StuartHall – Critical Dialogues in Cultural Studies, London/New York: Routledge,1996, p. 276-286.BRUNSDON, Charlotte, D’ACCI, Julie e SPIGEL, Lynn (orgs.) 1997: Fe-minist Television Criticism – A Reader. Oxford: Oxford University Press.BUSTAMANTE, Enrique. “El pensamiento sobre comunicación en AméricaLatina”. Revista Telos, 1996.CARDOSO, Ruth. Sociedade civil e meios de comunicação no Brasil. InMelo, José Marques de (org.), Comunicação e transição democrática, PortoAlegre: Mercado Aberto, 1985, p. 118-128.CLARKE, John, HALL, Stuart, JEFFERSON, Tony e ROBERTS, Brian.Subcultures, cultures and class. In: HALL, Stuart e JEFFERSON, Tony(orgs.), Resistance through Rituals – Youth Subcultures in Post-war Britain,London: Hutchinson/CCCS, 1975, p. 9-74.COHEN, Jean L. e ARATO, Andrew. “Introduction” e “Gramsci and theidea of socialist civil society”. In: Civil Society and Political Theory, Cambridge:MIT Press, 1-26, 1997 [1992], p. 142-174.

Page 232: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

231

COHEN, Jean L e ARATO, Andrew. Esfera pública y sociedade civil. RevistaMetapolítica, 3 (9), 1999, p. 37-55.COLÓN, Eliseo. “De los medios a las mediaciones o el devenir de la estéticay la historia: diálogo entre Walter Benjamin y Jesús Martín-Barbero”. In:REGUILLO, Rossana e TOSCANO, María Cristina L.(orgs.), Mapas noctur-nos – Diálogos con la obra de Jesús Martín-Barbero, Santafé de Bogotá: Siglo delHombre Editores e Fundación Universidad Central, 1998, p. 29-36.COSTA, Sérgio. “La esfera pública y las mediaciones entre cultura y política:El caso de Brasil”. Revista Metapolítica, 3 (9), 1999, p. 95-107.COUTINHO, Carlos Nelson. “Cidadão brasileiro”. Teoria e Debate, 9, 1990a,p. 58-63.COUTINHO, Carlos Nelson. A recepção de Gramsci no Brasil. In Cultura esociedade no Brasil. Ensaios sobre idéias e formas, Belo Horizonte: Oficina deLivros, 1990b.CHEN, Kuan-Hsing (org.). Trajectories – Inter-Asia Cultural Studies. Lon-don: Routledge, 1998.CORNER, John. Studying culture: reflections and assessments. An intervi-ew with Richard Hoggart. Media, Culture and Society, 13, 1990, p. 35-51.CORNER, John. Meaning, genre and context: The problematics of ‘publicknowledge’ in the new audience studies. In: CURRAN, J. e GUREVITCH,M. (orgs.), Mass Media and Society, London/New York: Edward Arnold, 1991,p. 267-284.CRUZ, Jon e LEWIS, Justin (orgs.). Viewing, Reading, Listening – Audiencesand Cultural Reception. Boulder/San Francisco/Oxford:Wetview Press, 1994.CUNNINGHAM, Stuart. “Cultural studies from the point of view of poli-cy”. In: TURNER, Graeme (org.), Nation, Culture, Text – Australian Cultu-ral and Media Studies. New York/London: Routledge, 1993, p. 126-139.CURRAN, J. “New reviosionism in mass communication research: A reap-praisal”. In: CURRAN, J., MORLEY, D. e WALKERDINE, V. (orgs.), Cul-tural Studies and Communications, London: Edward Arnold, 1996.CVETKOVICH, Ann e KELLNER, Douglas. Introduction: “Thinking glo-bal and local”. In: Articulating the Global and the Local – Globalization andCultural Studies, USA/UK: Westview Press, 1997, p. 1-29.DAVIES, Ioan. “Edward Palmer Thompson 1924/1993 – In memoriam”. In:Border Lines, 31, 1993/94, p. 28-31.DAVIES, Ioan. Cultural Studies and Beyond – Fragments of Empire. London/New York: Routledge, 1995.DE PAULA, Silas. “Estudos culturais e receptor ativo”. In: RUBIM, A.,BENTZ, I. e PINTO, M. (orgs.), Produção e recepção dos sentidos midiáticos,Petrópolis: Vozes/Compós, 1998.DIAS, Fernando Correia. “Estudos culturais no Brasil: A tradição sociológi-ca”. Sociedade e Estado, vol. VIII, 1994, p. 9-28.

Page 233: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

232

DYER, Gillian . “Women and television: An overview”. In BAEHR, Helen eDYER, Gillian, Boxed-In: Women and Television, London/New York:Pandora,1987, p. 6-16.Editorial Group. “Women’s Studies Group: Trying to do feminist intellectualwork”. In Women’s Studies Group, CCCS, Women Take Issue ,London:Hutchison, 1978, p. 7-17.ESCOSTEGUY, Ana Carolina D. . A pesquisa do popular na comunicação:Uma análise metodológica. Dissertação de Mestrado, ECA/USP, 1993.ESCOSTEGUY, Ana Carolina D.. Néstor García Canclini: Notas sobre umautor latino-americano. Comunicação e Sociedade 27, 1997, p. 103-121.ESCOSTEGUY, Ana Carolina D. . Itinerário de um deslocamento: Dos mei-os ‘as mediações. In Fausto, A. e Pinto, M. (orgs.), Mídia e cultura, Rio deJaneiro: Diadorim/Compós, 1997, 83-88.FRANKLIN, Sarah et al.. “Feminism and cultural studies: pasts, presents,futures”. In STOREY, John (org.), What is Cultural Studies? A Reader,London:Arnold, 1996 [1991], 255-272.FOX, Elizabeth. “Media and culture in Latin America”. In CORNER, J.,SCHLESINGER, P. e SILVERSTONE, R. (orgs.), International Media Re-search – A Critical Survey, London: Routledge, 1997, 184-205.FROW, John e MORRIS, Meghan. “Australian cultural studies”. In STO-REY, John (org.), What is Cultural Studies? A Reader, London: Arnold, 1996[1993].FROW, John e MORRIS, Meghan (orgs.). Australian Cultural Studies: AReader. Urbana/Chicago: University of Illinois Press, 1993.FUENTES, Raúl Navarro. “Hacia una investigación posdisciplinaria de lacomunicación”. Revista Telos, 47, 1996, p. 9-11.FUENTES, Raúl Navarro. “El estudio de la comunicación desde una pers-pectiva sociocultural en América Latina”. Revista Dia-logos de la Comunica-ción, 32, 1992, p. 16-27.FUENTES, Raúl Navarro. “Un texto cargado de futuro: apropriaciones yproyecciones de De los medios a las mediaciones en América Latina”. In RE-GUILLO, Rossana e TOSCANO, María Cristina L. (orgs.), Mapas nocturnos– Diálogos con la obra de Jesús Martín-Barbero, Santafé de Bogotá: Siglo delHombre Editores e Fundación Universidad Central, 1998, p. 181-197.GARCÍA CANCLINI, Néstor. As culturas populares no capitalismo. São Pau-lo, Brasiliense, 1983.GARCÍA CANCLINI, Néstor. “Gramsci con Bourdieu”. Nueva Sociedad,Costa Rica, 71, 1984, p. 69-78.GARCÍA CANCLINI, Néstor. “Cultura transnacional y culturas populares –Bases teórico-metodológicas para la investigación”. Seminário Latinoameri-cano sobre cultura transnacional, culturas populares y políticas culturales. Co-lômbia, xerox, 1985.

Page 234: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

233

GARCÍA CANCLINI, Néstor. “Ni folklórico ni masivo: que es lo popular?”Revista Dia-logos de la Comunicación, 17, 1987, p. 4-11.GARCÍA CANCLINI, Néstor. “Gramsci e as culturas populares na AméricaLatina.” In: COUTINHO, Carlos N. e NOGUEIRA, Marco. A. (orgs.),Gramsci e a América Latina. São Paulo: Paz e Terra, 1988a.GARCÍA CANCLINI, Néstor. “Narciso sin espejos – La cultura visual des-pués de la muerte del arte culto y el popular”. In: CALDERÓN, F. (org.),Imágenes desconocidas – La modernidad en la encrucijada postmoderna, Méxi-co: CLACSO, 1988b, p. 49-57.GARCÍA CANCLINI, Néstor. Culturas híbridas – Estrategias para entrar ysalir de la modernidad. Mexico: Ed. Grijalbo, 1989a.GARCÍA CANCLINI, Néstor. “Culturas híbridas – El espacio comunicacio-nal como problema interdisciplinario”. Revista Telos, 19, set\nov. 1989b, p.13-20.GARCÍA CANCLINI, Néstor. “Escenas sin territorio – Cultura de los mi-grantes e identidades en transición”. Cuadernos de Comunicación y PracticasSociales, 1, 1990, p. 40-58.GARCÍA CANCLINI, Néstor. “Los estudios culturales de los 80 a los 90:perspectivas antropológicas y sociológicas en América Latina”. Iztapalapa,24, 1991a, p. 9-24.GARCÍA CANCLINI, Néstor. “El consumo sirve para pensar”. Revista Dia-logos de la Comunicación, 30, 1991b, p. 6-9.GARCÍA CANCLINI, Néstor. “Los estudios sobre comunicación y consu-mo: El trabajo interdisciplinario en tiempos neoconservadores”. Revista Dia-logos de la Comunicación, 32, 1992a, p. 8-15.GARCÍA CANCLINI, Néstor. “Cultural reconversion”. In YÚDICE, G.,FRANCO, J. e FLORES, J. (orgs.), On Edge – The Crisis of ContemporaryLatin American Culture, Minneapolis/London: University of Minnesota Press,1992b, p. 29-43.GARCÍA CANCLINI, Néstor. “El consumo cultural y su estudio en México:una propuesta teórica. In: El consumo cultural en Mexico, Mexico: ConsejoNacional para la Cultura y las Artes, 1993a, p. 15-42.GARCÍA CANCLINI, N. e PICCINI, Mabel. “Culturas de la ciudad deMéxico: símbolos colectivos y usos del espacio urbano”. In: GARCÍACANCLINI(coord.), El consumo cultural en Mexico, Mexico: Consejo Nacio-nal para la Cultura y las Artes, 1993b, p. 43-85.GARCÍA CANCLINI, N. “Identidad cultural frente a los procesos de globa-lización y regionalización: México y el Tratado de Libre Comercio de Améri-ca del Norte”. In: MONETA, Carlos e QUENAN, Carlos (orgs.), Las reglasdel juego – América Latina, globalización y regionalismo, Buenos Aires: Edici-ones Corregidor, 1994, p. 167-185.GARCÍA CANCLINI, Néstor. Ideología, cultura y poder – Cursos y conferenci-as. Buenos Aires: Universidad de Buenos Aires, 1995a.

Page 235: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

234

GARCÍA CANCLINI, Néstor. Consumidores e cidadãos – Conflitos multicul-turais da globalização. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1995b.GARNHAM, Nicholas. “Raymond Williams – 1921/1988: A cultural analyst,a distinctive tradition”. Journal of Communication 38 (4), 1988, p. 123-131.GARNHAM, Nicholas. “Political economy and the practice of cultural stu-dies”. In: GOLDING, Peter e FERGUSON, Marjorie (orgs.), Cultural Stu-dies in Question, London: Sage, 1997, p. 56-73.GOLDING, Peter e FERGUSON, Marjorie (orgs.). Cultural Studies in Ques-tion. London: Sage, 1997.GOODWIN, Andrew e WOLFF, Janet. “Conserving cultural studies”. In:LONG, Elizabeth (org.), From Sociology to Cultural Studies – New Perspectives,Malden: Blackwell, 1997, p. 123-149.GRAY, Ann. “Behind close doors: video recorders in the home”. In: BAHER,H. e DYER, G. (orgs.), Boxed-In – Women and Television, London/New York:Pandora, 1987, p. 38-50.GRAY, Ann e McGUIGAN (orgs.). Studying Culture – An Introductory Rea-der. London/New York: Arnold, 1993.GRAY, Ann. “Learning from experience: Cultural studies and feminism”.In: McGUIGAN, Jim (org.), Cultural Methodologies, London: Sage, 1997,p. 87-105.GRAY, Ann. “Audience and reception research in retrospect: The troublewith audiences”. In: ALASUUTARI, Pertti (org.), Rethinking the MediaStudies, London: Sage, 1999.GREEN, Michael. “Raymond Williams and cultural studies”. Cultural Stu-dies, 6, 1974, p. 31-48.GREEN, Michael. “Introduction: Points of departure – ‘New’ subjects and‘old’”. In: GREEN, M. (org.), Broadening the Context, London: John Murrat,1987, p. 1-19.GREEN, Michael. “Cultural studies questionnaire”. Journal of Latin Ameri-can Cultural Studies, v.4, 2, 1995, p. 225-229.GREEN, Michael. “The Center for Contemporary Cultural Studies”. In:STOREY, John (org.), What is Cultural Studies? A Reader, London:Arnold,1996a [1982], p. 49-60.GREEN, Michael “(verbete) – cultural studies”. In: PAYNE, M. (org.), ADictionary of Cultural and Critical Theory, London: Blackwell, 1996b.GREEN, Michael (verbete) – “Centre for Contemporary Cultural Studies”.In: PAYNE, M. (org.), A Dictionary of Cultural and Critical Theory, London:Blackwell, 1996c.GREEN, Michael. “Making space for cultural studies”. In: DAHBI, Moha-med, EZROURA, Mohamed e HADDAD, Lahcen (orgs.), Cultural Studies,Interdisciplinarity, and the University, Marocco: Publications of the Faculty ofLetters and Human Sciences – Rabat, 1996d.

Page 236: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

235

GRIPSRUD,Jostein. “Cultural studies and intervention in television poli-cy”. European Journal of Cultural Studies, 1 (1), jan.1998, p. 83-95.GROSSBERG, Lawrence, NELSON, Cary e TREICHLER,Paula (orgs.)Cultural Studies. New York/London: Routledge, 1992.GROSSBERG, Lawrence, NELSON, Cary e TREICHLER, Paula. “Cultu-ral studies: An introduction”. In: Cultural Studies, New York/London: Rou-tledge, 1992, p. 1-22. (Trad. bras.: Estudos Culturais: uma introdução inSILVA, Tomaz Tadeu (org.) Alienígenas na sala de aula. Petrópolis: Vozes,1995, p. 7-38.)GROSSBERG, Lawrence. “The formations of cultural studies – An Ameri-can in Birmingham”. In: BLUNDELL, Valda, SHEPHERD, John e TAYLOR,Ian (orgs.), Relocating Cultural Studies – Developments in Theory and Research,London: Routledge, 1993 [1989], p. 21-65.GROSSBERG, Lawrence. “Can cultural studies find true hapiness in com-munication?” In: LEVY, Mark R. e GUREVITCH, Michael (orgs.), DefiningMedia Studies – Reflections on the Future of the Field. New York/Oxford: OxfordUniversity Press, 1994.GROSSBERG, Lawrence. “Identity and cultural studies: Is that all there is?”In: HALL, Stuart e du GAY, Paul (orgs.), Questions of Cultural Identity,London: Sage, 1996a, p. 87-107.GROSSBERG, Lawrence. “Cultural studies, modern logics and theories ofglobalization”. In: McROBBIE, Angela, Back to Reality? Social Experience andCultural Studies, Manchester/New York: Manchester University Press, 1997.GROSSBERG, Lawrence. “The cultural studies’ crossroads blues”. EuropeanJournal of Cultural Studies, 1, 1998, p. 65-82.GUADARRAMA, Luis Alfonso Rico. “Apuntes para un estado del arte sobretelevisión y familia”. Convergencia – Revista de Ciencias Sociales, 4 (14), 1997,p. 199-242.GUEDES, Olga. “Os estudos de recepção, etnografia e globalização”. In:RUBIM, A., BENTZ, I. e PINTO, M. (orgs.), Produção e recepção dos sentidosmidiáticos, Petrópolis: Vozes/Compós, 1998.GUIDDENS, Anthony. “Introduction” e “The social revolutions of our time”.In: Beyond Left and Right, Stanford/California: Stanford University Press, 1-21, 1994, p. 78-103.HALL, Stuart . “ The ‘structures communication’ of events. Unesco”, 1973.(Trad. bras.: “O papel dos programas culturais na televisão britânica” inMorin et. al. Comunicação e cultura de massa, Rio de Janeiro, FGV, 1972, p.55-73).HALL, Stuart e JEFFERSON, Tony. “Introduction”. In: Resistance throughRituals – Youth Subcultures in Post-war Britain, London: Hutchinson/CCCS,1975, p. 5-7.HALL, Stuart. “Culture, the media and the ‘ideological effect’”. In: CUR-RAN, J. et al. (orgs.), Mass Communication and Society, London: EdwardArnold, 1977, p. 315-48.

Page 237: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

236

HALL, Stuart et al. On Ideology, Londres: Hutchinson/CCCS, 1977. (Tradu-ção brasileira: Da ideologia, Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1980).HALL, Stuart, CRITCHER, Chas, JEFFERSON, Tony, CLARKE, John eROBERTS, Brian. Policing the Crisis – Mugging, the State, and Law andOrder. London: Macmillan Press, 1978, p. 218-323.HALL, Stuart, HOBSON, Doroty, LOWE, D. e WILLIS, Paul (orgs.). Cul-ture, Media, Language. London/New York: Routledge/CCCS, 1980.HALL, Stuart. “Cultural studies and the Centre: some problematics andproblems”. In: HALL, Stuart, HOBSON, Doroty, LOWE, D. e WILLIS,Paul (orgs.), Culture, Media, Language, London/New York: Routledge/CCCS,1980a, p. 15-47.HALL, Stuart. “Encoding/decoding”. In: HALL, Stuart, HOBSON, Doro-ty, LOWE, D. e WILLIS, Paul (orgs.), Culture, Media, Language, London/New York: Routledge/CCCS, 1980b [1973], p. 128-138.HALL, Stuart. “Notes on deconstructing ‘the popular’”. In: SAMUEL,Raphael (org.), People’s History and Socialist Theory, London: Routledge/Ke-gan Paul, 1981, p. 227-240.HALL, Stuart. “The rediscovery of ‘ideology’ : return of the repressed inmedia studies”. In: GUREVITCH, M., BENNET, T., CURRAN, J. e WOO-LLACOTT, J. (orgs.), Culture, Society, and the Media, London: Methuen,1982, p. 56-90.HALL, Stuart e JACQUES, Martin Introduction. In The Politics of Thatche-rism, London:Lawrence and Wishart, 1983, p. 9-16.HALL, Stuart. The great moving right show. In HALL, Stuart e JACQUES,Martin (orgs.), The Politics of Thatcherism, London:Lawrence and Wishart,1983, p. 19-39.HALL, Stuart. “Signification, representation, ideology: Althusser and thePost-structuralist debates”. Critical Studies in Mass Communication 2, 1985,p. 91-114.HALL, Stuart. “Popular culture and the state”. In: BENNET, Tony, MER-CER, Colin e WOOLLACOTT, Janet (orgs.), Popular Culture and SocialRelations, Milton Keynes: Open University Press, 1986, p. 22-49.HALL, Stuart. “Ideology and communication theory”. In: DERVIN, B. etal. (orgs.), Rethinking Communication, vol. I: Paradigms Issues, NewburyPark: Sage, 1989, p. 40-52.HALL, Stuart. “Cultural identity and diaspora”. In: Rutherford, Jonathan(org.), Identity – Community, Culture, Difference, London: Lawrence eWishart,1990, p. 222-237. (Trad. bras.: Identidade cultural e diáspora in Revista doPatrimônio Histórico e Artístico Nacional, 24, 1996, p. 68-76.)HALL, Stuart. “Old and new identities, old and new ethnicities”. In: KING,Anthony D. (org.), Culture, Globalization and the World-System, London:Macmillan, 1991a, p. 41-68.

Page 238: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

237

HALL, Stuart. “The local and the global: Globalization and ethnicity”. In:KING, Anthony D. (org.), Culture, Globalization and the World-System, Lon-don: Macmillan, 1991b, p. 19-39.HALL, Stuart. “Cultural studies and its theoretical legacies”. In: GROSS-BERG, Lawrence, NELSON, Cary e TREICHLER,Paula (orgs.), CulturalStudies, New York/London: Routledge, 1992.HALL, Stuart, HELD, D. e McGREW, T. Modernity and its futures, Cam-bridge: Polity Press. (A identidade cultural na pós-modernidade [Porto Alegre,DP e A, 1999] reproduz a colaboração de Stuart Hall), 1992.HALL, Stuart. “Minimal selves”. In: GRAY, Ann e McGUIGAN (orgs.),Studying Culture – An Introductory Reader, London/New York:Arnold, 1993a[1987], p. 134-138.HALL, Stuart. “Culture, community, nation”. Cultural Studies, 7, 1993b,p. 349-363.HALL, Stuart. “The Williams interviews”. In: Alvarado, M, Buscomb, E eCollins, R (orgs.), The Screen Education Reader, London, 1993c, p. 304-318.HALL, Stuart. “Reflections upon the Encoding/Decoding model: An inter-view with Stuart Hall”. In: CRUZ, Jon e LEWIS, Justin (orgs.), Viewing,Reading, Listening – Audiences and Cultural Reception, Boulder/San Francis-co/Oxford:Wetview Press, 1994, p. 253-274.HALL, Stuart. “Cultural studies and its theoretical legacies”. In: MORLEY,David e CHEN, Kuan-Hsing (orgs.), Stuart Hall – Critical Dialogues inCultural Studies, London/New York: Routledge, 1996a [1992], p. 262-275.HALL, Stuart. “Cultural studies : Two paradigms”. In: STOREY, John(org.), What is Cultural Studies? A Reader, London: Arnold, 1996b [1980],p. 31-48.HALL, Stuart. “Gramsci’s relevance for the study of race and ethnicity”. In:MORLEY, David e CHEN, Kuan-Hsing (orgs.), Stuart Hall – Critical Dia-logues in Cultural Studies, London/New York: Routledge, 1996c [1986], p.411-440.HALL, Stuart. “The formation of a diasporic intellectual: an interview withStuart Hall by Kuan-Hsing Chen”. In: MORLEY, David e CHEN, Kuan-Hsing (orgs.), Stuart Hall – Critical Dialogues in Cultural Studies, London/New York: Routledge, 1996d, p. 484-503.HALL, Stuart. “Introduction: Who needs ‘Identity’?” In: HALL, Stuart e duGAY, Paul (orgs.), Questions of Cultural Identity, London: Sage, 1996e , p. 1-17. (Em português traduziu-se do volume a colaboração de Hall: “Quemprecisa de identidade?” In: TADEU, Tomaz da Silva (org.) Identidade e dife-rença – A perspectiva dos Estudos Culturais, organizado por Tomaz Tadeu daSilva, Vozes, Petrópolis, 2000).HALL, Stuart. “Cultural studies and the politics of internationalization: aninterview with Stuart Hall by Kuan-Hsing Chen”. In: MORLEY, David e

Page 239: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

238

CHEN, Kuan-Hsing (orgs.), Stuart Hall – Critical Dialogues in CulturalStudies, London/New York: Routledge, 1996f , p. 392-408.HALL, Stuart. “The meaning of New Times”. In: MORLEY, David e CHEN,Kuan-Hsing (orgs.), Stuart Hall – Critical Dialogues in Cultural Studies,London/New York: Routledge, 1996g, p. 223-237.HALL, Stuart. “The problem of ideology: marxism without guarantees”. In:MORLEY, David e CHEN, Kuan-Hsing (orgs.), Stuart Hall – Critical Dialoguesin Cultural Studies, London/New York: Routledge, 1996h [1986], p. 25-46.HALL, Stuart. “What is this ‘black’ in black popular culture?” In: MORLEY,David e CHEN, Kuan-Hsing (orgs.), Stuart Hall – Critical Dialogues inCultural Studies, London/New York: Routledge, 1996i [1992], p. 465-475.HALL, Stuart . “New ethnicities”. In: MORLEY, David e CHEN, Kuan-Hsing (orgs.), Stuart Hall – Critical Dialogues in Cultural Studies, London/New York: Routledge, 1996j [1989], p. 441-449.HALL, Stuart. “ The centrality of culture: Notes on the cultural revolutionsof our time”. In: THOMPSON, Kenneth (org.), Media and Cultural Regula-tion, London: Sage, 1997, p. 207-238. (Tradução brasileira: “A centralidadeda cultural: notas sobre as revoluções culturais do nosso tempo”, RevistaEducação e Realidade, jul/dez 1997, 22 (2), p. 15-46.)HALL, Stuart e SAKAI, Naoki. “A Tokyo dialogue on Marxism, identityformation and cultural studies”. In: CHEN, Kuan-Hsing (org.), Trajectories –Inter-Asia Cultural Studies, London: Routledge, 1998, p. 360-378.HARRIS, David. From class Struggle to the Politics of Pleasure. London/NewYork: Routledge, 1992.HEBDIGE, Dick. Subculture – The Meaning of Style. London/New York:Routledge, 1988 [1979].HERLINGHAUS, Hermann. “Entre posmodernidad latinoamericana y pos-colonialismo angloamericano – Un debate necesario en torno a una nueva‘ecología’ de identidades”. Revista Dia-Logos de la Comunicación, 49, out.1997, p. 44-51.HERLINGHAUS, Hermann. “La modernidad ha comenzado a hablarnosdesde donde jamás lo esperábamos. Una nueva epistemología política delacultura en De los medios a las mediaciones de Jesús Martín-Barbero”. In: RE-GUILLO, Rossana e TOSCANO, María Cristina L. (orgs.), Mapas nocturnos– Diálogos con la obra de Jesús Martín-Barbero, Santafé de Bogotá: Siglo delHombre Editores e Fundación Universidad Central, 1998, p. 11-27.HERMES, Joke. “Media, meaning and everyday life”. Cultural Studies, 7,1993, p. 493-505.HOBSON, Dorothy. “Housewives and the mass media”. In: HALL, Stuart,HOBSON, Doroty, LOWE, D. e WILLIS, Paul (orgs.), Culture, Media,Language, London/New York: Routledge/CCCS, 1980, p. 105-114.HOGGART, Richard. As utilizações da cultura – Aspectos da vida cultural daclasse trabalhadora. Vol. I e II. Lisboa: Editora Presença, 1973 [1957].

Page 240: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

239

JACKS, Nilda. “Pesquisa de recepção: investigadores, paradigmas, contri-buições latino-americanas. Entrevista com Guillermo Orozco”. Intercom –Revista Brasileira de Comunicação, XVI, 1, 1993, p. 22-32.JACKS, Nilda. “Tendências latino-americanas nos estudos de recepção”. Re-vista FAMECOS, 5, 1996, p. 44-49.JACKS, Nilda et al. “El receptor de los nuevos medios – Levantamientobibliográfico”. Comunicación y Sociedad, 29, 1997, p. 179-191.JAMESON, Frederic. “Sobre os ‘Estudos de Cultura’”. Novos Estudos Cebrap,39, 1994, p. 11-48.JOHNSON, Richard. “Three problematics: Elements of a theory of working-class culture”. In: CLARKE, John et al., Working Class Culture: Studies inHistory and Theory, London: Hutchinson, 1979, p. 201-237.JOHNSON, Richard. “What is cultural studies anyway?” In: STOREY, John(org.), What is Cultural Studies? A Reader, London:Arnold, 1996 [1986-87],p. 75-114. (Tradução bras.:O que é, afinal, estudos culturais? In SILVA,Tomas Tadeu da (org.) 1999: O que é, afinal, estudos culturais? Belo Horizon-te: Autêntica.)JONES, Paul. “The Myth of ‘Raymond Hoggart’: On founding fathers andcultural policy”. Cultural Studies 8(3), 1994, p. 394-416.JONES, Paul. “Williams and quality: a response to John Corner”. Media,Culture e Society, 17, 1995, p. 317-322.KELLNER, Douglas. “Media communications vs cultural studies: Overco-ming the divide”. Communication Theory, 5 (2), 1995a, p. 162-172.KELLNER, Douglas. Media Culture – Cultural Studies, Identity and Politicsbetween the Modern and the Postmodern. London/New York: Routledge, 1995b.KELLNER, Douglas. “Critical theory and cultural studies: The missed arti-culation”. In: McGUIGAN, Jim (org.), Cultural Methodologies, London: Sage,1997a, p. 12-41.KELLNER, Douglas. “Overcoming the divide: Cultural studies and politicaleconomy”. In: GOLDING, Peter e FERGUSON, Marjorie (orgs.), CulturalStudies in Question, London: Sage, 1997b, p. 102-120.KELLNER, Douglas e BEST, Steven. The Postmodern Turn. New York/Lon-don: TheGuilford Press, 1997.LARSEN, Neil. “The cultural studies movement and Latin America – An over-view.” In: Reading North by South – On Latin American Literature, Culture andPolitics, Minneapolis: University of Minnesota Press, 1995a [1991], p. 189-196.LARSEN, Neil. “Transcultural/subpolitical – Pitfalls of ‘hibridity’”. In: Rea-ding North by South – On Latin American Literature, Culture and Politics,Minneapolis: University of Minnesota Press, 1995 b[1992], p. 197-204.LARSEN, Neil. “Brazilian critical theory and the question of ‘cultural studi-es’” In: SCHWARZ, Henry e DIENST, Richard (orgs.), Reading the Shapeof the World: Toward an International Cultural Studies, USA/UK: WetviewPress, 1996, p. 135-43.

Page 241: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

240

LARRAIN, Jorge. Modernidad, razón e identidad en America Latina. Santi-ago de Chile: Editorial Andres Bello, 1996.LEWIS, Justin. “What counts in cultural studies”. Media, Culture e Society,19, 1997, p. 83-97.LONG, Elizabeth. “Feminism and cultural studies”. In STOREY, John (org.),What is Cultural Studies? A reader, London:Arnold, 1996, p. 197-207.LONG, Elizabeth. “Introduction: Engaging sociology and cultural studies:Disciplinarity and social change”. In: LONG, Elizabeth (org.), From Sociologyto Cultural Studies – New Perspectives, Malden: Blackwell, 1997, p. 1-32.LOPES, Maria Immacolata V. de. Pesquisa em comunicação – Formulação deum modelo metodológico. São Paulo: Loyola, 1990.LOPES, Maria Immacolata V. de. “Estratégias metodológicas de recepção”.Intercom – Revista Brasileira de Comunicação, XVI, 2, 1993, p. 78-86.LOPES, Maria Immacolata V. de. “Recepção dos meios, classes, poder eestrutura”. Comunicação e Sociedade, 23, 1995, p. 99-110.LOPES, Maria Immacolata V. de . “Exploraciones metodológicas en un estudiode recepción de telenovela”. Comunicación y Sociedad, 29, 1997, p. 161-177.LOPES, Maria Immacolata V. de. “Uma metodologia para a pesquisa dasmediações”. Trabalho apresentado no I Colóquio Brasil-Grã-Bretanha deComunicação e Estudos Culturais, Rio de Janeiro, 1999.LOPES, Maria Immacolata V. de (org.). Vinte anos de ciências da comunicaçãono Brasil – Avaliações e Perspectivas. Santos: Intercom/Unisanta, 1999.LÓPEZ de la ROCHE, Fabio. “Historia, modernidades, medios y ciudada-nía”. In: LÓPEZ de la ROCHE, Fabio e MARTÍN-BARBERO, Jesús (orgs.),Cultura, medios y sociedad, Colômbia: Universidad Nacional de Colombia,1998, p. 114-151.LULL, James. “La ‘veracidad’ política de los estudios culturales”. Comunica-ción y Sociedad, 29, 1997a, p. 55-71.LULL, James. “Help! Cultura e identidad en el Siglo XXI”. Revista Dia-Logosde la Comunicación, 48, 1997b, p. 58-67.LULL, James. “Hybrids, fronts, borders – The challenge of cultural analysisin Mexico”. European Journal of Cultural Studies, 1 (3), 1998, p. 403-418.MARTÍN-BARBERO, Jesús. Comunicación masiva: Discurso y poder. Quito:Editora Epoca, 1978.MARTÍN-BARBERO, Jesús. “Comunicación, pueblo y cultura en el tiempode las transnacionales”. II Seminário de CLACSO. Buenos Aires, xerox, 1983.MARTÍN-BARBERO, Jesús. “Desafios à pesquisa em comunicação naAmérica Latina”. Intercom – Revista Brasileira de Comunicação, 1984[1981], p. 49/50.MARTÍN-BARBERO, Jesús. “La comunicación desde la cultura: Crisis delo nacional y emergencia de lo popular”. Universidad de Cali: Colômbia,xerox, 1985.

Page 242: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

241

MARTÍN-BARBERO, Jesús. De los medios a las mediaciones – Comunicación,cultura y hegemonia. México, Gustavo Gili. [Trad. Bras.] Dos meios às mediações– Comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro:Editora UFRJ.], 1987a.MARTÍN-BARBERO, Jesús. “La telenovela en Colombia: Televisión, melo-drama y vida cotidiana. Revista Dia-logos de la Comunicación, 17, 1987b, p.46-59.MARTÍN-BARBERO, Jesús. “Euforia tecnológica y mal estar en la teoría”.Revista Dia-Logos de la Comunicación, 20, 1988, p. 6-16.MARTÍN-BARBERO, Jesús. “Comunicación y cultura – Unas relacionescomplejas”. Revista Telos, 19, 1989a, p. 21-26.MARTÍN-BARBERO, Jesús. “Panorama bibliográfico de la investigaci-ón latinoamericana en comunicación: 1985-89”. Revista Telos, 19, 1989b,p. 140-146.MARTÍN-BARBERO, Jesús. “Comunicación, campo cultural y projecto me-diador”. Revista Dia-Logos de la Comunicación, 26, 1990a, p. 7-15.MARTÍN-BARBERO, Jesús “De los medios a las practicas”. Cuadernos deComunicación y Prácticas Sociales, 1, 1990b, p. 9-18.MARTÍN-BARBERO, Jesús. “Recepción: uso de medios y consumo cultu-ral”. Revista Dia-logos de la Comunicación, 30, 1991, p. 4-5.MARTÍN-BARBERO, Jesús. “Pensar la sociedad desde la comunicación. Unlugar estratégico para el debate de la modernidad”. Revista Dia-Logos de laComunicación, 32, 1992, p. 28-34.MARTÍN-BARBERO, J. e MUÑOZ, Sonia (coord.). Televisión y melodrama.Bogotá: Tercer Mundo Editores, 1992.MARTÍN-BARBERO, Jesús. Pre-textos – Conversaciones sobre la comunicacióny sus contextos. Cali: Centro Editorial Universidad del Valle, 1995a.MARTÍN-BARBERO, Jesús. “Comunicación y modernidad en América La-tina. In Pre-textos – Conversaciones sobre la comunicación y sus contextos. Cali:Centro Editorial Universidad del Valle, 1995b [1994], p. 165-175.MARTÍN-BARBERO, Jesús. “América Latina e os anos recentes: O estudoda recepção em comunicação social”. In: SOUSA, Mauro W. de. (org.),Sujeito, o lado oculto do receptor. São Paulo: Brasiliense, 1995c.MARTÍN-BARBERO, Jesús. “Secularizacion, desencanto y reencantamientomassmediatico”. Revista Dia-Logos de la Comunicación, 41, 1995d, p. 71-81.MARTÍN-BARBERO, Jesús. “Comunicación fin de siglo”. Revista Telos, 47,1996a, p. 58-64.MARTÍN-BARBERO, Jesús. “Heredando el futuro. Pensar la educación des-de la comunicación”. Nómadas, 5, 1996b, p. 10-22.MARTÍN-BARBERO, Jesús. “La ciudad virtual – Transformaciones de lasensibilidad y nuevos escenarios de comunicación. Revista de la Universidaddel Valle, 14, 1996c, p. 26-38.

Page 243: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

242

MARTÍN-BARBERO, Jesús. “Globalización comunicacional y descentrami-ento cultural”. Revista Dia-Logos de la Comunicación, 47, 1997a, p. 27-41.MARTIN-BARBERO, Jesús. “La televisión o el ‘mal de ojo’ de los intelectu-ales”. Comunicación y Sociedad, 29, 1997b, p. 11-22.MARTÍN-BARBERO, Jesús. “El miedo a los medios. Política, comunicacióny nuevos modos de representación”. In: MARTÍN-BARBERO, Jesús et al.,La nueva representación política en Colombia, Bogotá: IEPRI/FESCOL, 1997c,p. 13-32.MARTÍN-BARBERO, Jesús. “De la comunicación a la filosofía y viceversa:Nuevos mapas, nuevos retos”. In: TOSCANO, María Cristina Laverde e RE-GUILLO, Rossana (orgs.), Mapas nocturnos – Diálogos con la obra de JesúsMartín-Barbero, Santa Fé de Bogotá (Colômbia): Siglo del Hombre Edito-res/Fundación Universidad Central, 1998a.MARTÍN-BARBERO, Jesús. “Experiencia audiovisual y desorden cultural”.In: LÓPEZ de la ROCHE, Fabio e MARTÍN-BARBERO, Jesús (orgs.),Cultura, medios y sociedad, Colômbia: Universidad Nacional de Colombia,1998b, p. 27-64.MARTÍN-BARBERO, Jesús. “Lo que la investigación latinoamericana debeal Brasil: Relato personal de una experiencia intercultural”. In: LOPES,Maria Immacolata V. de (org.), Vinte anos de ciências da comunicação no Brasil– Avaliações e Perspectivas, Santos: Intercom/Unisanta, 1999.MATTELART, Armand e NEVEU, Erik. “La institucionalizacion de los estu-dios de la comunicacion – historias de los Cultural Studies”. Revista Telos, 49,1997, p. 113-148.McANANY, Emile e LA PASTINA, Antonio C. “Pesquisa sobre audiência detelenovelas na América Latina: Revisão teórica e metodológica”. IntercomRevista Brasileira de Comunicação, São Paulo, 2, 1994, p. 17-37.McGUIGAN, Jim. Cultural Populism. London/New York: Routledge, 1992.McGUIGAN, Jim. Culture and the Public Sphere. London/New York: Rou-tledge, 1996.McGUIGAN, Jim (org.). Cultural Methodologies. London: Sage, 1997a.McGUIGAN, Jim. “Cultural populism revisited”. In: GOLDING, Peter eFERGUSON, Marjorie (orgs.), Cultural Studies in Question, London: Sage,1997b, p. 138-154.McNEIL, Maureen. “De-centring or re-focusing cultural studies”. EuropeanJournal of Cultural Studies, 1 (1), 1998, p. 57-64.McROBBIE, Angela. “Settling accounts with subcultures: a feminist criti-que”. In: BENNET, Tony, MARTIN, Graham, MERCER, Colin e WOO-LLACOTT, Janet (orgs.), Culture, Ideology and Social Process – A Reader,London: The Open University, 1989 [1980], p. 111-123.McROBBIE, Angela. “A Post-Marxism cultural studies: A Post-Script”. In:GROSSBERG, Lawrence, NELSON, C e TREICHLER,Paula (orgs.),

Page 244: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

243

Cultural Studies, New York/London: Routledge, 1992, p. 719-730. (Trad.bras.: “Pós-marxismo e Estudos Culturais” In SILVA, Tomaz Tadeu (org.)Alienígenas na sala de aula. Petropólis:Vozes, 1995, 39-60.)McROBBIE, Angela. “New Times in cultural studies”. In: Postmodernism andPopular Culture, London/New York: Routledge, 1994, p. 24-43.McROBBIE, Angela. Back to Reality? Social Experience and Cultural Studies.Manchester/New York: Manchester University Press, 1997.MONTOYA, Marta Elena V. “Hibridez y modernidad – Conversaciones conNéstor García Canclini”. Umbral XXI, México, 8, 1992, p. 8-17.MORLEY, David e BRUNDSON, Charlotte. Everyday Television ‘Nationwi-de’. London: British Film Institute, 1978.MORLEY, David. “Texts, readers, subjects”. In: HALL, S., HOBSON, D.,LOWE, D. e WILLIS, P. (orgs.), Culture, Media, Language, London/NewYork: Routledge/CCCS, 1980a [1977-78].MORLEY, David. The Nationwide Audience. London: British Film Institute,1980b.MORLEY, David. Family Television: Cultural Power and Domestic Leisure.London: Comedia,1986.MORLEY, David. “Changing paradigms in audience studies”. In: SEITER,Ellen, BORCHERS, Hans, KREUTZNER, Gabriele e WARTH, Eva-Maria(orgs.), Remote Control – Television, Audiences and Cultural Power, London/New York: Routledge, 1989a.MORLEY, David e ROBINS, Kevin. “Spaces of identity: Communications tech-nologies and the reconfiguration of Europe”. Screen, 30, 4, 1989b, p. 10-34.MORLEY, David. Television Audiences and Cultural Studies. London/NewYork:Routledge, 1992.MORLEY, David e CHEN, Kuan-Hsing (orgs.). Stuart Hall – CriticalDialogues in Cultural Studies, London/New York: Routledge, 1996.MORRIS, Meghan. “On the beach”. In: GROSSBERG, Lawrence, NEL-SON, Cary e TREICHLER, Paula (orgs.), Cultural Studies, New York/Lon-don: Routledge, 1992.MORRIS, Meghan. “Banality in cultural studies. In: STOREY, John (org.),What is Cultural Studies? A Reader, London:Arnold, 1996, p. 147-167.MORRIS, Meghan. “A question of cultural studies”. In: McROBBIE, Ange-la, Back to Reality? Social Experience and Cultural Studies, Manchester/NewYork: Manchester University Press, 1997, p. 36-57.MOUFFE, Chantal. “Hegemony and ideology in Gramsci”. In: BENNET,Tony, MARTIN, Graham, MERCER, Colin e WOOLLACOTT, Janet (orgs.),Culture, Ideology and Social Process – A Reader, London: The Open University,1989, p. 219-234.MUNNS, Jessica e RAJAN, Gita (orgs.). “Gender studies – Introduction”.In: MUNNS, Jessica e RAJAN, Gita (orgs.), A cultural Studies Reader –History, Theory, Practice, London:Longman, 1995, p. 485-490.

Page 245: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

244

MUNNS, Jessica e RAJAN, Gita. “Raymond Williams (1921-1988)”. In: ACultural Studies Reader – History,Theory, Practice, London:Longman, 1995,p. 163-164.MUKERJI, Chandra e SCHUDSON, Michael. “Introduction – Rethinkingpopular culture”. In: MUKERJI, Chandra e SCHUDSON, Michael (orgs.),Rethinking Popular Culture – Contemporary Perspectives in Cultural Studies,Berkeley/Los Angeles/London: University of California Press, 1991.MURDOCK, Graham. “Cultural studies at the crossroads”. In: McROB-BIE, Angela (org.), Back to Reality? Social Experience and Cultural Studies,Manchester/New york: Manchester University Press, 1997a.MURDOCK, Graham. “Thin descriptions: Questions of method in culturalanalysis”. In: McGUIGAN, Jim (org.), Cultural Methodologies, London: Sage,1997b, p. 178-192.MURDOCK, Graham. “Base notes: The conditions of cultural practice”. InGOLDING, Peter e FERGUSON, Marjorie (orgs.), Cultural Studies in Ques-tion, London: Sage, 1997c, p. 86-101.MURPHY, Patrick D. “Contrasting perspectives: cultural studies in LatinAmerica and the United States: A conversation with Néstor García Cancli-ni”. Cultural Studies, 11 (1) 1997, p. 78-88.O’CONNOR, Alan. Raymond Williams: Writing, culture, politics. Oxford/New York: Basil Blackwell, 1989.O’CONNOR, Alan. “The emergence of cultural studies in Latin America”.Critical Studies in Mass Communication 8, 1991, p. 60-73.O’REGAN, Tom. “(Mis)Taking policy: Notes on the cultural policy debate”.In: FROW, John e MORRIS, Meghan (orgs.), Australian Cultural Studies:A Reader, Urbana/Chicago: University of Illinois Press, 1993, p. 192-206.OROZCO, Guillermo Gómez. La investigación de la comunicación dentro yfuera de América Latina. La Plata/Província de Buenos Aires: Ediciones dePeriodismo y Comunicación, Universidad de La Plata, 1997.ORTIZ, Renato. A moderna tradição brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1988.PROTZEL, Javier. “Ruptura y continuidad de las mediaciones”. In: REGUI-LLO, Rossana e TOSCANO, María Cristina L. (orgs.), Mapas nocturnos –Diálogos con la obra de Jesús Martín-Barbero. Santafé de Bogotá: Siglo delHombre Editores e Fundación Universidad Central, 1998, p. 37-46.REGUILLO, Rossana. “Martín-Barbero, Pre-textos. Conversaciones sobrela comunicación y sus contextos”. (resenha) Comunicación y Sociedad, 27,1996, p. 265-268.REGUILLO, Rossana. “Más allá de los medios – Diez años después”. Comu-nicación y Sociedad, 30, 1997, p. 127-147.REGUILLO, Rossana e TOSCANO, María Cristina L.(orgs.) Mapas noctur-nos – Diálogos con la obra de Jesús Martín-Barbero. Santafé de Bogotá: Siglo delHombre Editores e Fundación Universidad Central, 1998.

Page 246: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

245

REGUILLO, Rossana. “Rompecabezas de una escritura: Jesús Martín-Bar-bero y la cultura en América Latina”. In: REGUILLO, Rossana e TOSCA-NO, María Cristina L. (orgs.), Mapas nocturnos – Diálogos con la obra de JesúsMartín-Barbero. Santafé de Bogotá: Siglo del Hombre Editores e FundaciónUniversidad Central, 1998, p. 79-90.RICUPERO, Bernardo. Caio Prado Jr. e a nacionalização do marxismo noBrasil. São Paulo: Editora 34 e FAPESP, 2000.RAPHAEL, Samuel (org.). People’s History and Socialist Theory. London: Rou-tledge/Kegan Paul, 1981.SARLO, Beatriz. Escenas de la vida posmoderna – Intelectuales, arte y videocul-tura en la Argentina. Buenos Aires: Ariel, 1994.SAID, Edward. “Narrative, geography and interpretation – Williams Memo-rial – 1989”. New Left Review, 1990, p. 180.SCHLESINGER, Philip. “Aportaciones de la investigación latinoamericana– Una perspectiva britânica”. Revista Telos, 19, 1989, p. 55-60.SCHLESINGER, Philip e MORRIS, Nancy. “Comunicación y identidad enAmérica Latina”. Revista Telos 49, 1997, p. 54-76.SCHWARZ, Bill. “Where is cultural studies?” Cultural Studies, 8 (3), 1994,p. 377-393.SEIDMAN, Steven. “Relativizing Sociology: The challenge of cultural studi-es”. In: LONG, Elizabeth (org.), From Sociology to Cultural Studies – NewPerspectives, Malden: Blackwell, 1997, p. 37-61.SEITER, Ellen, BORCHERS, Hans, KREUTZNER, Gabriele e WARTH,Eva-Maria (orgs.). Remote Control – Television, Audiences and Cultural Power.London/New York: Routledge, 1989.SHOLLE, David. “Resisting disciplines: repositing media studies in the uni-versity”. Communication Theory 5 (2), 1995, p. 130-143.SOUSA, Mauro Wilton de. “Novos olhares sobre práticas de recepção emcomunicação”. In: LOPES, Maria Immacolata V. de (org.), Temas contempo-râneos da comunicação, São Paulo: Intercom/Edicon, 1997.SPARKS, Colin. “Stuart Hall, cultural studies and marxism”. In: MORLEY,David e CHEN, Kuan-Hsing (orgs.), Stuart Hall – Critical Dialogues inCultural Studies, London/New York: Routledge, 1996, p. 71-101.STOREY, John (org.). What is Cultural Studies? A Reader. London: Arnold,1996.STOREY, John (org.). An Introduction to Cultural Theoryand Popular Culture.London: Prentice Hall/Harvest Wheatsheaf, 1997.STREETER, Thomas. “Introduction: for the study of communication andagainst the discipline of communication”. Communication Theory 5(2), 1995,p. 117-129.STRIPHAS, Ted. “‘Cultural studies’ institutional presence: A resource andguide. Cultural Studies 12 (4), 1998, p. 571-94.

Page 247: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

TURNER, Graeme. British Cultural Studies – An Introduction. Boston: UnwinHyman, 1990.TURNER, Graeme (org.). Nation, Culture, Text – Australian Cultural andMedia Studies. New York/London: Routledge, 1993.TURNER, Graeme. “Moving the margins: theory, practice and Australiancultural studies”. In TURNER, Graeme (org.), Nation, Culture, Text –Australian Cultural and Media Studies. New York/London: Routledge,1993, p. 1-17.TURNER, Graeme. ‘It works for me’: British cultural studies, Australiancultural studies. In STOREY, John (org.), What is Cultural Studies? A Reader,London:Arnold, 1996, p. 322-335.WEST, Cornel. “The legacy of Raymond Williams”. Social Text, 30, 1992,p. 6-8.WHITE, Robert A.. “La teoría de la comunicación en América Latina – Unavisión europea de sus contribuciones”. Revista Telos, 19, 1989, p. 43-54.WHITE, Robert. “Communication, culture and hegemony: From the mediato mediations. Jesús Martín-Barbero”. (resenha) Critical Studies in Mass Com-munication, 12 (4), 1995, p. 483-84.WILLIAMS, Raymond. Communications. London: Chatto e Windus,1966[1962].WILLIAMS, Raymond 1973: Base and superstructure in Marxist culturaltheory. New Left Review 82, 3-16.WILLIAMS, Raymond 1979: Politics and Letters (Interviews with New LeftReview). London: New Left Books.WILLIAMS, Raymond 1983: Keywords. Lond: Fontana Paperbacks.WILLIAMS, Raymond 1989a [1961]: The analysis of culture. In BENNET,Tony, MARTIN, Graham, MERCER, Colin e WOOLLACOTT, Janet (orgs.),Culture, Ideology and Social Process – A Reader, London: The Open University,43-52.WILLIAMS, Raymond. “The uses of cultural theory”. In: PINKNEY, Tony(org.), The Politics of Modernism – Against the New Conformists – RaymondWilliams, London/New York: Verso, 1989b [1986], p. 163-176.WILLIAMS, Raymond. “Culture is ordinary”. In: GRAY, Ann e McGUI-GAN (orgs.), Studying Culture – An Introductory Reader, London/NewYork:Arnold, 1993 [1958], p. 5-14.WILLIAMS, Raymond. “Conclusion to Culture and Society 1780-1950”.In: MUNNS, Jessica e RAJAN, Gita (orgs.), A Cultural Studies Reader –History, Theory, Practice, London:Longman, 1995 [1958], p. 164-174.WILLIAMS, Raymond. “The future of cultural studies”. In: STOREY, John(org.), What is Cultural Studies? A Reader, London:Arnold, 1996 [1989 ],p. 168-177.WILLIS, Paul. Learning to Labour. London: Saxon House, 1977.

Page 248: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

WRIGHT, Handel K. “Dare we de-centre Birmingham? Troubling the ‘ori-gin’ and trajectories of cultural studies”. European Journal of Cultural Studies,1 (1), 1998, p. 33-56.Women’s Studies Group, CCCS. Women Take Issue. London:Hutchison, 1978.YUDICE, George. “O ‘Estado das Artes’ dos Estudos Culturais”. In: MES-SEDER, Carlos Alberto e FAUSTO, Antonio (orgs), Comunicação e culturacontemporâneas, Rio de Janeiro: Notrya, 1993a.YÚDICE, George. “Comparative cultural studies traditions: Latin Americaand the US”. City University of New York, 1993b.YÚDICE, George. “Cultural studies and civil society”. In: SCHWARZ, Henrye DIENST, Richard (orgs.), Reading the Shape of the World: Toward an Inter-national Cultural Studies, USA: Westview Press, 1996, p. 50-66.

Page 249: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

248

Page 250: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

249

David Morley é professor do Departamento de Comunicaçãoe Mídia do Goldsmiths College da Universidade de Londres. Égraduado em Sociologia pela London School of Economics (LSE)e pós-graduado no Centro de Estudos Culturais Contemporâneos(CCCS), vinculado à Universidade de Birmingham, no período desua efervescência, sob coordenação de Stuart Hall. Iniciou suaparticipação no Media Group daquele centro no final de 1972,tendo lançado seu primeiro livro, em co-autoria com CharlotteBrunsdon, Everyday Television: Nationwide, publicado pelo BritishFilm Institute, em 1978. Atualmente, suas áreas de interesse abran-gem desde as micro-práticas de consumo midiático em torno tan-to da TV quanto, por exemplo, do telefone celular, até questões deâmbito mais macro como os entrecruzamentos entre o aceleradodesenvolvimento tecnológico e as dinâmicas do contexto econômi-co, político e social onde essas tecnologias operam.

Tanto sua formação em Sociologia quando sua trajetória noCCCS marcam seu itinerário intelectual. Reside aí o ponto departida de seu embate com James Curran sobre as vantagens daperspectiva dos estudos culturais em relação à economia políticada comunicação, bem como em relação à tradição norte-ameri-cana de pesquisa sobre a mídia. Embora ambos compartilhem omesmo espaço institucional – o Departamento de Comunicaçãoe Mídia do Goldsmiths College - e tenham também trabalhadoem estreita colaboração na organização de coletâneas - entreelas, duas se destacam: Cultural Studies and Communications(1996) e Media and Cultural Theory (2006), a polêmica travadano início da década de 90 permanece como um divisor de fron-teiras entre suas respectivas áreas de atuação. A entrevista a se-guir retoma esse debate e serve como mais um indicador nessacontenda. Além disso, pretende abarcar uma visão particular do

DEPOIMENTO DE DAVID MORLEY

APÊNDICE

Page 251: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

250

estado atual dos estudos culturais, bem como seu futuro, atra-vés de uma reflexão sobre a própria trajetória percorrida e so-bre os objetos de estudo privilegiados ao longo de sua carreiraprofissional.

A VINCULAÇÃO AOS ESTUDOS CULTURAIS

AC: Nesta primeira parte, estou interessada no seu backgroundacadêmico e no seu engajamento com os estudos culturais. Comoparte disso você já contou no seu último livro, Media, Modernityand Technology (2007), gostaria de ir numa direção um poucodiferente e perguntar: quais os teóricos que desempenharam umpapel importante nos diferentes momentos de sua trajetória?

DM: Na primeira parte dos anos 70, um dos meios pelosquais me envolvi com a área foi através dos debates da educaçãoe da sócio-lingüística. A pesquisa sobre o programa televisivoNationwide e as diferentes decodificações de classe foi, na verda-de, baseada na sociologia da educação. No trabalho de pessoascomo Basil Bernstein, que se interessava na disparidade do su-cesso na escola entre crianças da classe trabalhadora e classe mé-dia, baseado nas suas distintas habilidades lingüísticas, originadasna socialização. Isto era o equivalente britânico à Bourdieu, em-bora somente tenha lido Bourdieu mais tarde. Então, em primei-ro lugar, foram teóricos como Bernstein e Howard Rosen e, naFrança, Baudelot e Establet, da sociologia da educação e, maistarde, cheguei até Bourdieu através dessa trajetória.

Ao mesmo tempo, havia também pessoas na Inglaterra queestavam interessadas em questões de linguagem e classe e, tam-bém, cultura e classe que faziam a conexão com a tentativa deHall no que diz respeito ao desenvolvimento do modelo de codi-ficação/decodificação que ele estava construindo em paralelo aesses estudos. Aí estavam principalmente Volosinov, em Marxismand the Philosophy of Language, e outros que se dirigiam às formasnas quais um signo - não um tipo de entidade estática, associadoa um modelo lingüístico sausseriano - é multiacentual e pode sercompreendido em diversas direções por diferentes cursos sociais.Esses eram os teóricos da linguagem que exerceram um papel

Page 252: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

251

fundamental na minha trajetória e, através deles, penso que tam-bém estava a antropologia cultural.

Quando escrevi os primeiros artigos sobre audiências1, re-direcionando os estudos de audiência para uma etnografia deaudiência que penso tenha sido a primeira vez que alguém usouesse conceito de etnografia em relação à mídia, minha fonte foiDell Hymes, portanto, era a antropologia cultural outro tipo deaporte. Eu estava lendo Hymes, Clifford Geertz e uma variedadede antropólogos culturais, então, eles foram os que forneceram osuporte teórico para esta parte do meu trabalho.

No que diz respeito à mídia, comecei originalmente que-rendo fazer um projeto sobre noticiários, tomado por aquela idéianada crítica de que um programa sério como o noticioso era oque havia de mais importante. Queria fazer um estudo para ob-servar se os programas noticiosos britânicos eram ou não ten-denciosos, de modo simplista. Na época, o meu orientador eraFrank Parkin, um marxista, que me supervisionou por apenasduas semanas mas, naqueles poucos dias, teve um efeito impor-tante na minha trajetória. Ele foi o primeiro a dizer que estudaro noticiário simplesmente como um tipo de artefato ideológiconão seria suficiente a menos que eu pudesse também demonstraralguma coisa sobre seus efeitos nas audiências. No primeiromomento, pensei que não era o tipo de PhD que deseja fazer. Dequalquer modo, ele disse também que não poderia orientar-meporque desconhecia o tema da mídia e sua única sugestão eraque eu procurasse um pesquisador em Birmingham, chamadoStuart Hall, que estava envolvido com isso. Embora eu fosse ofi-cialmente um estudante da University of Kent, telefonei para Stu-art Hall e contei meu problema. Ele falou da existência de umgrupo de estudos sobre mídia na Birmingham University e con-vidou para juntar-me aos demais integrantes, dizendo “vamosver se podemos trabalhar juntos”. Aquele era outro momento; avida acadêmica hoje não é mais como aquela; eram, em certosentido, mesmo que soe romântico, “os velhos bons tempos”,onde era possível ser flexível.

De todo modo, ao integrar-me ao Centro (CCCS), aí medeparei com todo um conjunto de teoria marxista que estava sendo

Page 253: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

252

lida. Primeiro, Althusser, depois, Poulantzas. E, mais tarde, Gra-msci. Eles foram, para mim, as principais figuras para articularuma perspectiva teórica sobre a mídia e as questões de poder.Naquela época, a aproximação dos estudos culturais à mídia es-tava fundada numa absoluta oposição à economia política da co-municação, representada por Peter Golding, James Curran, PhilipSchlesinger e outros. Como marxistas fundamentalistas, naquelemomento, defendiam que tudo o que se precisava saber era quemeram os proprietários dos meios. Uma vez conhecido isso, vocêpodia predizer a natureza da mensagem e, obviamente, da mensa-gem podia ser prognosticado o efeito porque basicamente não setinha uma teoria sobre a autonomia da mídia, seja do poder estatalou econômico. Também, não se tinha uma teoria das audiênciasporque todos aderiam ao modelo hipodérmico. Portanto, o traba-lho dos estudos culturais a respeito da mídia foi inteiramente esta-belecido como uma crítica a esse fundamentalismo marxista, posiçãomuitíssimo pré-gramsciana. E, hoje, se você lê esses autores, asso-ciados historicamente à tradição da economia política, todos es-crevem como se eles sempre tivessem trabalhado com Gramsci.Isso é uma piada! Porque eles nem sequer tinham ouvido falar deGramsci; eles não entenderam nada de Gramsci quando se depara-ram com ele; eles trabalhavam com um tipo de modelo de propa-ganda à la Chomsky onde a classe dirigente que controla a mídia,bombardeia ideologia para uma classe trabalhadora passiva e eradisso precisamente que estávamos tentando [nos estudos culturais]sair fora. Estávamos interessados em desenvolver um modelo maisdinâmico de hegemonia no qual estivesse articulado e fosse possí-vel analisar tanto as formas do poder da mídia quanto seus limites.Essa era a questão do modelo da codificação/decodificação. Emresumo, assim estávamos nos anos 70, construindo uma misturade socio-lingüística, filosofia da linguagem, antropologia culturale teorias marxistas do Estado.

AC: E, hoje, quais seriam os téoricos que exercem influên-cia no seu trabalho?

DM: Bem, eu só posso falar disso, contando uma história.Uma vez, numa grande sessão plenária, alguém da platéia mecolocou em apuros, perguntando sobre qual a diferença entre

Page 254: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

253

estudos culturais britânicos e norte-americanos. Era um seminá-rio importante, muita gente estava presente, mas a resposta quesaiu da minha boca, foi que a diferença estava entre Foucault lidoatravés de Gramsci e Gramsci lido através de Foucault. Isto fazuma profunda diferença! Foucault chegou bem mais tarde na tra-jetória britânica. Nós tínhamos estado trabalhando com Gramscie aí Foucault aparece com uma outra dimensão para a análise dopoder, através da qual muitas pessoas começaram a aderir. Noentanto, para mim, a dimensão antropológica tornou-se cada vezmais importante ao longo dos anos 80. Em primeiro lugar, por-que passei a estar mais e mais envolvido com o trabalho etnográ-fico; o problema com o projeto de Nationwide foi que eu mostravagravações do programa em locais artificiais, como em salas-de-aula ou algo parecido. Aliás, eu mostrava gravações a pessoasque não teriam necessariamente visto o programa e fiquei cadavez mais convencido de que era mais importante estudar o con-sumo televisivo no seu contexto natural, de uma maneira antro-pológica. Foi por essa razão que me desloquei para o tipo deinvestigação realizada em Family Television (1986), levando a sé-rio a aproximação etnográfica. Mas esse foi também o momentoem que Clifford e Marcus fizeram sua intervenção por um tipode antropologia pós-moderna. Essa foi outra fase importante nãoapenas porque através deles eu comecei a tomar contato com otrabalho de antropólogos como Arjun Appadurai e Daniel Millerque trouxeram muita delicadeza para a análise do consumo, es-pecialmente para formas mediadas de consumo, e meu trabalhocomeçou a estender-se do estudo da televisão para a pesquisa quefiz com Roger Silverstone e Eric Hirsch que foi sobre os usos noambiente doméstico de tecnologias de informação e comunica-ção; e, através disso, se estabeleceu um certo tipo de interesse einclinação antropológica que mantenho até hoje. Então, eu ima-gino que não me inseri muito na trajetória foucaultiana que mui-tos dos meus colegas com inclinação sociológica se dirigiram,mas num certo tipo de antropologia.

Depois disso, penso que outra mudança foi quando come-cei a sair dos estudos micro do consumo midiático para umtipo de macro-questões que tinham relação, por exemplo, com

Page 255: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

254

a reconstituição da Europa e o papel da mídia nesse tipo de tema.Nesse momento, através do meu trabalho com Kevin Robins,com quem sou co-autor de Spaces of Identity (1995), fiquei cadavez mais ciente do meu interesse com o trabalho que estava sen-do desenvolvido na geografia cultural. Em nível teórico, pessoascomo Ed Soja e David Harvey, mas mais importante do que eles,Dorey Massey, do Departamento de Geografia da Open Univer-sity. Para mim, esses têm sido importantes pontos de referênciano período recente: a antropologia e a geografia cultural.

E, também, de certo modo, os estudos das tecnologias. Osestudos das tecnologias, através de autores como Andrew Barry eBruno Latour, fazem parte, também, da minha trajetória. Mas,para mim, eles também estão articulados, de um outro modo,com o interesse antropológico. Se há algo que me fascina aí, nãoé tanto esse modelo que, neste momento, todos na minha voltaparecem estar atormentados, isto é, com esse modelo da novatecnologia e o aparecimento de novos tempos, de novos meios,mas a forma pela qual você tem que começar a perceber queaquelas periodizações históricas que indicam o moderno e a ra-zão Ocidental em contraposição ao tradicional, ao irracional doOriente e ao passado, não são críveis. O assim chamado mundomoderno está muito involucrado com o mágico e o ritual, devariadas formas, bem como o mundo tradicional. Por essa razão,meu livro mais recente Media, Modernity and Technology (2007)está focado precisamente numa tentativa de romper essas perio-dizações históricas binárias e artificiais entre passado e presente,tradicional e moderno, tecnológico e pré-tecnológico.

DA ECONOMIA PARA A CULTURA E VICE-VERSA

AC: Você disse numa entrevista2, publicada nesse último li-vro, que ainda existe na Grã-Bretanha uma economia política dacomunicação e que essa área tem uma significativa presença nocampo “e , de modo interessante, esses pesquisadores não se situ-am mais tão longe dos estudos culturais quanto costumavam”(2007,p. 59). Isso significa que, na Grã-Bretanha, não existe mais umdebate polarizado entre a economia política e os estudos culturais?

Page 256: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

255

DM: Não. Isso significa que o lugar onde esse debate ocor-ria, mudou bastante. Nos anos setenta, quando esse debate ini-ciou, ele era, com certeza, irritante. Basicamente, o que mudoué que a posição linha dura da área tornou-se insustentável e amaioria que a defendia, foi mudando cada vez mais em direçãoaos estudos culturais. Eles agora precisam operar num terrenoque teve sua validade negada por muito tempo. Então, se existeuma reaproximação, os termos estão colocados pelos estudosculturais, por isso, esses pesquisadores precisam mover-se numterreno definido pelos estudos culturais. Ao mesmo tempo, exis-te algo como um movimento, também, na direção inversa, o quetem sido muito interessante. É um tipo relativamente menor dedesenvolvimento, de toda forma, produtivo, onde os pesquisado-res dos estudos culturais tem repensado a economia. Existe umafrase que Roger Silverstone utilizou como título de uma confe-rência alguns anos atrás - “abaixo da linha de fundo” - e suaquestão era que nos debates sobre economia, falando de formasimplista, existe a pressuposição que existe algo como “a linha defundo” que é a margem de lucro e que tudo é ditado, em últimainstância, por ela. Então, se você olha para qualquer estudo an-tropológico sério da economia, por exemplo, considere o traba-lho de Marshall Sahlins, o que se vê é que a própria economia éuma forma cultural e o que se precisa fazer é repensar a econo-mia em termos culturais. Fundamentalmente, as figuras nessaárea tem sido Paul Du Gay que trabalhou com Stuart Hall naOpen University por muito tempo, fazendo estudos extremamenteimportantes sobre as novas formas da economia nos períodos deThatcher, Reagan, de economia-liberal e de espírito empreende-dor, um tipo de uso de Foucault para analisar as novas formas desubjetividade relacionadas à economia das quais o neoliberalis-mo depende. Se pode pensar essa fase como um período econô-mico, mas no conjunto a questão é que Thatcher evocou umarevolução cultural, o que ela mudou é a cultura, ela inventou umanova cultura do individualismo que fez as políticas econômicas,advogadas por ela, possíveis. Sem a transformação cultural , astransformações econômicas que ela alcançou, não teriam chega-do a lugar algum e, tardiamente, se passou a vislumbrar isso.Portanto, trabalhos de Paul du Gay, Keith Negus e, em certa

Page 257: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

256

medida, Larry Grossberg, embora não pense que ele nos EstadosUnidos tenha seguido esse caminho de modo mais substantivo, masele teve a perspicácia, há 5 ou 6 anos atrás, de iniciar essa discussão- reivindicavam que os estudos culturais precisavam tomar a econo-mia mais seriamente. Então, existiu um movimento de ambos oslados, aqueles associados à economia política começaram a ter quetomar por certo algumas coisas sobre a autonomia relativa da mídiaem relação aos seus proprietários e das audiências em relação àsmensagens que tinham sido negadas por muito tempo e vice-versa.E, certamente, nos estudos culturais a economia passou a ser levadaa sério, entretanto, numa direção diferente, em termos de uma aná-lise cultural da economia. Então, hoje, existe uma reproximação,um movimento nessa direção. E, se existe menos debate daqueletipo de ânimos exaltados entre estudos culturais e economia políti-ca, isto se deve, em grande parte, porque os estudos culturais ganha-ram e mudaram o terreno onde os economistas-políticos dacomunicação agora tem de vir e falar como se eles sempre tivessemconhecido Gramsci ou como se eles sempre tivessem percebido queas audiências não são diretamente afetadas pelas mensagens. Nicho-las Garnham fez isso num livro publicado cinco anos atrás3. E eulembro que Nicholas [Garnham] e Philip Schlesinger eram comoJames [Curran], há 20 anos, terminantemente, negavam isso emseminários e, hoje, eles mudaram muito.

AC: No que diz respeito aos estudos culturais na AméricaLatina, por exemplo, Néstor García Canclini, em trabalhos maisrecentes, também, tem reivindicado uma maior atenção para aeconomia da cultura. Também, estaria incluído nesse movimentosua revisão do imperialismo cultural em “Globalisation and cultu-ral imperialism reconsidered: old questions in new guises” (2006)?

DM: Não, trata-se de uma outra coisa. A questão sobre esseartigo que revisa o imperialismo cultural e a postura de HerbertSchiller é mais simples e direta. Schiller estava completamente equi-vocado sobre as audiências. Ele adere a uma teoria dos efeitos damídia sobre as audiências absolutamente abominável e simplista eeu estive muito tempo ocupado em criticá-lo nesse aspecto e criti-co-o implacavelmente e continuarei a fazê-lo. Contudo, isso nãosignifica dizer que está errado a respeito de todo o resto.

Page 258: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

257

Minha posição sempre foi a de que devemos problematizarseriamente questões como a da limitadora cadeia de propriedadeda mídia, assim como devemos encarar muito seriamente o fatode que grande parte das notícias está ainda sob controle de umpequeno número de organizações anglo-americanas, não obstante,exista a Al Jazeera. Essas questões são muito importantes, mas nãodevemos presumir que, por causa disso, tudo tenha efeitos diretossobre a audiência. O que aconteceu no conjunto do desenvolvi-mento das teorias sobre a atividade da audiência é o seguinte:tentando sair do modelo hipodérmico dos efeitos, o conjunto tododa teoria sobre o imperialismo cultural, a posição de conjunto deSchiller virou lixo – isto passou a ser visto nos estudos culturaiscomo diz o ditado inglês “o bebê foi jogado fora junto com a águado banho”. Meu questionamento é, sim, Schiller estava completa-mente equivocado a respeito dos efeitos hipodérmicos, mas estavaacertado sobre um monte de outras questões. O que nós precisa-mos fazer é produzir uma perspectiva que seja capaz de reter nareflexão, difícil como é, dois conjuntos diferentes de verdades so-bre a estrutura de propriedade e a estrutura do poder como tam-bém a indeterminação dos efeitos de tal poder. Só porque as pessoassão ativas, porque elas reinterpretam, isto não significa que a es-trutura do poder não é importante de ser analisada. Vem daí mi-nha insistência que, embora Schiller esteja errado a respeito dealgumas coisas, não deveríamos imaginar que esteja equivocadosobre tudo. Essa é a razão, para mim, como alguém que teve seutrabalho chamado por outros que queriam criticar Schiller até oponto de eliminá-lo da discussão, para recuperar essa parte de suateoria que acredito ser, ainda, importante.

AC: Sobre o legado marxista nos estudos culturais, quantoda teoria marxista é necessário que esteja disponível hoje aosestudantes de estudos culturais? Pergunto isso porque, na opi-nião de James Curran (Media and Cultural Theory,2006), Gra-msci não aparece mais nos estudos culturais e isto poderiarepresentar o desaparecimento dessa herança. Mas o sr. diz quepermanece engajado com um certo marxismo.

DM: Eu não vejo como dar sentido ao mundo sem o uso decertas categorias que são derivadas de Marx. Isto é, retornando

Page 259: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

258

às influências teóricas, claramente Marx e, especialmente, Gun-drisse foi um texto crucial para nós na década de setenta, e pensoque ainda permanece. Por exemplo, quando mencionei anterior-mente a diferença entre estudos culturais britânicos e norte-ame-ricanos, para mim, Foucault é um ótimo acréscimo a Gramsci,pode-se alcançar certos insights articulando Foucault a Gramsci eir longe. Se você inicia na direção inversa como grande parte datradição norte-americana fez, inicia em Foucault e então pegaum pouco de Gramsci, o marxismo se dilui até o ponto onde nãoexiste teoria séria. Permaneço comprometido com a noção queo marxismo, e aí Althusser e Poulantzas permanecem influentespara mim, são elementos-chave junto com Gramsci para desen-volver uma forma de análise conjuntural. Que tipo de marxistasou? Bem, não sei, o próprio Marx negou sempre ser um marxis-ta, então, não vou subscrever um tipo dado de marx-ismo, maspenso que qualquer forma de análise que tente operar sem certascategorias derivadas de Marx, tais como classe, estruturas de pro-priedade de um certo tipo e a forma de circulação do capitalpode não ser produtiva. Veja, por exemplo, não muito tempoatrás, quando Stuart Hall estava na Open University, ele e seuscolegas, Paul Du Gay e outros, produziram uma série de livrossobre mídia e identidade cultural nos quais eles têm um modelointegral que chamam o circuito da cultura4 através do qual elesanalisam a publicidade, o marketing, o consumo, a produção, aregulação. O modelo é inteiramente derivado do Gundrisse. E elefoi extraordinariamente influente. Não influenciou somente oensino na Open University, mas também foi integrado aos estu-dos de mídia e cultura em departamentos de toda a Grã-Breta-nha. Portanto, não vejo razão para mover-se para fora disso. Otrabalho de alguém como Armand e Michele Mattelart tem sidosempre bastante influente porque eles tomam conceitos marxis-tas e usam-nos para fazer algo, revelar certas coisas sobre as es-truturas do mundo contemporâneo. A idéia que as categoriasmarxistas, per se, simplesmente proporcionarão a verdade, que sepode sobrepor tais categorias e a resposta vem como um progra-ma de computador, isto é estúpido e inacreditável. E a idéia quese vai obter algum entendimento do que está acontecendo na

Page 260: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

259

análise contemporânea do poder sem, por exemplo, referir-se aGramsci, novamente, eu não sei como se faria isso. Se estariajogando fora uma das ferramentas mais úteis que já se teve. En-tão, para James Curran dizer que Gramsci não tem mais umlugar a ocupar aí, simplesmente não entendo.

AC: Como você falou em Foucault, a posição pós-estrutura-lista está em evidência em alguns desenvolvimentos dos estudosculturais. Algumas vezes os métodos estruturalistas e pós-estrutu-ralistas de análise podem facilmente sobrevalorizar o âmbito tex-tual, desvinculado-o de um contexto. Você mesmo falou em algunsdesses desenvolvimentos nos estudos culturais norte-americanos.O que fazer para evitar esse risco quando se incorpora tal aporte?

DM: Bem, o pós-estruturalismo é uma boa coisa, mas te-mos que saber o que o estruturalismo é para usá-lo porque istoconfigura um todo. Eu ensino a uma geração de estudantes que,de fato, inicia do pós-estruturalismo e estão prontos a acreditarque o pós-estruturalismo representa um tipo de conjunto absolu-to de verdades sobre o mundo, sem saber o que é, o que estácriticando, qual estruturalismo, o que significa esse pós. Em mui-tos casos, como tenho discutido em outros lugares, penso que opós-estruturalismo simplesmente nos direciona ao que, quandoeu era estudante de sociologia, nos sessenta, acostumava-se cha-mar de individualismo metodológico onde se pega um conjuntosem-fim de relatos sobre situações particulares sem nenhumahabilidade de ver mais amplamente padrões. Penso que essa éuma forma de análise profundamente debilitante, essa é certa-mente uma das limitações. E a outra, é claro, o que você compranessa noção de verdade teoricamente garantida ou superioridadeteórica que é frequentemente atribuída e acrescida ao pós-estru-turalismo, per se. Aí se começa a alcançar o tipo de análise pro-gramática, um tipo de “tamanho único” serve a toda verdadesobre tudo, em todas as situações, em todo lugar que, simples-mente, penso que não serve. É esse tipo de verdade teórica pós-estruturalista e abstrata que os editores adoram porque vende emtodo lugar, mas diz muito pouca coisa. Você mencionou anteri-ormente Canclini, penso que ele faz algo muito diferente, estáalerta a todas as vantagens do pós-estruturalismo que dá mais

Page 261: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

260

flexibilidade e insights dinâmicos para abordar a complexidadedas estruturas de poder e como elas se alteram, sem nunca perderde vista o cenário específico dessas análises, por isso, consideroque ele é um bom complemento latino-americano ao trabalho dealguém como Stuart Hall aqui, precisamente porque mantém umaconsciência da especifidade da análise contextual. Ao contrário,se você olha para um grande conjunto de trabalhos em estudosculturais norte-americanos, eles são ótimos, certamente, interes-santes num certo sentido, mas se você imagina eles produzindoverdades universais e confundindo o mundo como um tipo deafluente da sociedade norte-americana para o mundo, é horrivel-mente uma pressuposição egocêntrica e imperialista.

AS TECNOLOGIAS COMO PRÁTICAS CULTURAIS

AC: Você guinou para a assistência da televisão como umaprática em Family Television (1986), tentando tratá-la como inscritano cotidiano. A seguir, você se interessou pelo uso das tecnologiasde comunicação no contexto doméstico. Esse foi o momento desua conexão com a antropologia e sua preocupação com rituais.Também se diz que seu interesse na sala-de-estar é um ponto devirada, por um longo período, na sua trajetória. Estaria delineadaneste último livro (2007) outra alteração no seu percurso?

DM: O artigo ao qual você se refere , “Where the globalmeets the local: notes from the sitting room”, publicado em 1991,foi, com certeza, uma virada na minha trajetória. Naquele mo-mento, por um lado, eu terminava um trabalho centrado em as-pectos micro-contextuais que estava fazendo com RogerSilverstone, e iniciava outro, em nível macro, sobre os espaçosda identidade, com Kevin Robins. Assim, estava tentando vercomo articular questões micro e macro, o que permanece absolu-tamente central no meu trabalho. Não estou interessado em teo-rias sobre o que é uma nação a menos que possamos aterrizá-la,por exemplo, em práticas como a assistência noturna das notíciasnacionais na sala-de-estar da nação. Também, não estou interes-sado no que acontece nas salas-de-estar das pessoas se não puder-mos articulá-lo a temas culturais mais amplos. Eu sou muito

Page 262: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

261

influenciado por Hermann Bausinger e seu trabalho sobre con-sumo doméstico da mídia, mas mesmo Bausinger, em algunsmomentos, diz que a etnografia e a etnologia são ferramentasfantásticas se você as usa apropriadamente, mas se você seguecegamente a trilha etnográfica, você pode terminar com um amon-toado de lixo sobre detalhes inconsequentes que não lhe acres-centam nada. Então, para mim, trata-se de manter a tensão, difícilcomo é, entre análise concreta de micro-práticas e como elas searticulam com um tipo de macro-estruturas. Mais recentemente,eu comecei a ver como Bruno Latour poderia ser útil nesse tra-balho. Faço mais referências a ele no meu último livro do que jáfiz antes. Penso que cheguei a ele um pouco tardiamente. Cole-gas como Andrew Barry realizaram esse uso antes de mim, maso importante é que ele tem esse interesse em fundar no detalhe asmacro-análises. Por exemplo, vamos falar de globalização: o queé a globalização? Então, ele toma um elemento-chave do proces-so inteiro da globalização - deslocar-se de avião, de um ponto aooutro do globo, num período muito curto de tempo -, mas corre-tamente insiste que devemos analisar isso muito concretamente,ver quais micro-práticas andam juntas e constituem a viagem deavião. E são estas que se tornam o fundamento do que entende-mos como o processo de globalização. É essa conexão que, ain-da, me fascina.

AC: Apesar de ter apenas uma rápida visão do seu novolivro (2007), parece que existe uma atenção maior no que dizrespeito a materialidade das tecnologias, isto é, com os própriosmeios, embora também exista um esforço, explicitamente expres-so, em construir uma armação analítica não-midiacêntrica.

DM: Sim e não. É uma armação não-midiacêntrica, mastambém e, de modo crucial, um enquadramento não-tecnológi-camente determinista. Não estou interessado nas máquinas, es-tou interessado nos seus usos, no modo pelo qual sãointerpretadas, no modo pelo qual se tornam significativas e seusdiferenciados usos podem ser compreendidos. Minha questão éque, em anos recentes, tem havido um profundo e regressivoretorno a formas de determinismo tecnológico e, por isso, tal-vez Raymond Williams tenha ficado no esquecimento. Aqui, no

Page 263: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

262

Goldsmiths College, há muita gente em diferentes departamen-tos que parecem ter renascido “McLuhanianos”, reivindicandoque ele tinha razão em tudo. Dizem que ele estava tão avançadoà sua época que somente agora podemos ver os benefícios reaisda sua contribuição. A razão pela qual falo tanto em tecnologianesse novo livro é porque estou tentando produzir um modo di-ferente de falar sobre isso, que dê seu devido peso a presença dastecnologias nas nossas vidas. Penso que é crucial entender o pa-pel que as tecnologias, de vários tipos, desempenham nas nossasvidas, tanto na vida íntima como na pública. O que eu não queroé consentir com uma perspectiva simplista, tecnologicamentedeterminista sobre a nova mídia, e que me vejo cercado. Atual-mente, falo muito sobre tecnologia porque tento construir, assimespero estar fazendo, um modo mais útil de falar sobre ela, numcontexto de teorias midiacêntricas correntes defendidas pelos“McLuhanianos” recém-nascidos.

SOBRE O FUTURO DOS ESTUDOS CULTURAIS

AC: Na sua opinião, é possível imaginar o futuro dos estu-dos culturais? Em qual direção os estudos culturais deveriam se-guir? E quais seriam os grandes temas que os pesquisadoresdeveriam tomar em tempos de globalização?

DM: A questão mais importante é algo que já esteve na pau-ta por algum tempo. Trata-se da problemática do modo pelo qualos estudos culturais têm sido historicamente vistos como umproduto do mundo anglo-americano. Isso tem sido facilmentedito e as pessoas se referiram a isso por um bom tempo, mas éainda um problema-chave que temos de livrar-nos. Como al-guém treinado na Grã-Bretanha, é muito fácil ver que existiuum momento extraordinário nos oitenta, quando Tatcher assu-miu o poder e as universidades britânicas passaram a viver ummomento crítico, e uma geração inteira de pessoas, John Fiske,John Hartley, Tonny Bennet e muitos outros associados aos es-tudos culturais britânicos, deixou o país. Para onde eles foram?Foram para onde era o antigo Império Britânico - Austrália,Canadá e outros territórios de fala inglesa espalhados pelo mundo.

Page 264: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

263

Aí tivemos aquela fantástica exportação de estudos culturais bri-tânicos que se tornou “uma coisa”, uma “coisa” intelectual demoda, tomada também nos Estados Unidos, transformando-seem uma forma teórica terrivelmente abstrata. Apesar disso, obte-ve-se esse impacto extraordinário de algo que era, de fato, emprimeira instância, muito britânico. Acho que é apropriado dis-cutir e insistir que tal trabalho, desenvolvido dessa forma, deveser mais modesto sobre suas próprias origens. A contribuição deHoggart, Williams e os primeiros trabalhos de Stuart Hall de-vem ser entendidos em circunstâncias muito particulares, de de-clínio do poder imperial no hemisfério Norte, no períodopós-guerra quando o Estado de bem-estar social estava prestes aruir e muitas coisas estavam se alterando. Agora, não é essa asituação que é mundialmente importante. Então, ainda se devepensar sobre como os estudos culturais britânicos podem evitarde ser eles mesmos uma outra forma de imperialismo acadêmi-co. Penso que esse é um trabalho que permanece importante.Um trabalho exemplar nesse sentido está sendo feito na Ásia doLeste onde o Inter-Asia Cultural Studies Journal, dirigido porKuan-Hsing Chen e seus colegas inventaram formas de estudosculturais que não necessariamente iniciaram no Atlântico. Elescomeçaram a reconhecer que existem outras posições a partirdas quais se deve olhar o mundo e que não são as do Atlântico,historicamente assumidas pela maior parte dos estudos culturais.

Existe, também, um outro argumento delicado e complica-do. Este diz “não queremos nada de teoria ocidental aqui”, masisto não levará a lugar algum. Eu gosto muito do argumento deChakrabarty que sustenta que as coisas que tiveram origem noiluminismo europeu não são nem boas nem más, em virtude desua origem. Na verdade, alguns dos desenvolvimentos atuais maisprodutivos estão acontecendo na Índia e em outros lugares, elesnão estão acontecendo necessariamente no contexto britânico oueuropeu, mas também eles não estão obrigatoriamente rejeitandoum conjunto de posições simplesmente porque são ocidentais, comose a análise indiana ou latino-americana, per se, fosse necessaria-mente melhor. Isto leva a seguinte posição: são somente os latino-americanos que podem falar da América Latina? Esse, para mim,

Page 265: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

264

é o tipo de questão crucial para redirecionar os estudos culturaisporque é capaz de expressar uma variedade de circunstâncias. Esseé um aspecto que concordo com meu colega James Curran. Emoutros tantos, nós discordamos. Ele organizou há alguns anos atrásum livro que tinha um título ambicioso, De-westernizing MediaStudies (2000). Não acho que o livro seja particularmente satisfató-rio no seu conteúdo, mas a proposta é admirável e permaneceimportante na agenda: “deseuropeizar” os estudos culturais, per-mitir e ajudar que germine uma grande variedade de formas regi-onais de estudos culturais que são mais apropriadas à larga variedadede situações que estamos enfrentando.

AC: Eu particularmente concordo com seu argumento. Issosignifica entender as diferentes experiências de países que estãofora do eixo anglo-americano, mas o problema é a língua. Parafazer isso, nós, latino-americanos, por exemplo, que estamosfora desse eixo, precisamos falar inglês, se quisermos ser ouvi-dos. O que podemos fazer para trocar idéias numa situaçãomais equilibrada?

DM: Bem, uma possibilidade é simplesmente fazer com queas pessoas que moram no Ocidente e sempre tiveram vantagenssejam forçadas a aprender a língua de vocês. Lembro de umadramatização, realizada por Daniel Matto, num encontro Cross-roads in Cultural Studies, em Birmingham, onde ele, no seu tur-no, simplesmente iniciou sua apresentação com algumas palavrasem espanhol e todo mundo riu e pensou: “Espera aí, não estouentendendo qual é o ponto!” Embora ele falasse um excelenteinglês, ele iniciou assim e todos riram porque presumiram queera retórico, mas ele continou falando em espanhol. Esse foi umdos raros momentos em que todos gostariam de entender umpouco daquilo porque possivelmente estivesse sendo dito algoimportante e não era em nossa língua.

AC: Seria possível imaginar uma bibliografia em estudos cultu-rais hoje? Por exemplo, se você fosse ao Brasil dar um curso sobreestudos culturais, quais seriam os textos indicados para leitura?

DM: Não sei, dependeria do tipo de curso. Se estivesse fa-zendo algo que historicamente representasse o desenvolvimentodos estudos culturais, faria referência a muitos livros que falei

Page 266: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

265

nesta entrevista. Se estivesse fazendo algo mais contemporâneo,suponho que a ênfase bibliográfica seria um pouco diferenciada.Na verdade, é preciso folhear meus últimos dois livros, HomeTerritories (2000) e Media, Modernity and Technology (2007) e aíse têm muitas referências, sobretudo, aqueles que são centrais naminha reflexão, hoje.

AC: Quase todos esses livros estão em inglês.DM: É claro, como um bom produto do sistema educacio-

nal inglês, eu nunca aprendi a falar outras línguas. Além do in-glês, falo apenas um francês bastante pobre. Isso claramente éum problema. Esse era o sistema educacional quando estive naescola. Se eu pertencesse a uma classe mais alta da sociedadeinglesa, eu teria aprendido mais línguas estrangeiras. No geral,não são muitos os ingleses que aprendem outras línguas, sobretu-do, porque as pessoas não precisavam disso. Nós éramos umgrande império e todos tínhamos que falar em inglês. Essa é,infelizmente, uma consequência do império. Existe um momen-to emblemático num dos livros de Salman Rushdie onde um dosseus personagens diz algo como: o problema dos ingleses é queeles sabem muito pouco sobre sua história porque grande partedela aconteceu além-mar.

AC: Em 2006 quando li seu texto sobre “Globalization andcultural imperialism reconsidered: old questions in new guises”(2006) foi inevitável associá-lo com um outro artigo de RenatoOrtiz5, “Revisitando a noção de imperialismo cultural” tambémpublicado no mesmo ano, onde ambos, de alguma forma, defen-dem posições muito próximas. Entre elas, sobre a necessidade depensar historicamente e cuidadosamente, sobretudo, quando sedescarta facilmente certas noções que podem ainda ser úteis por-que as circunstâncias não se alteram tão rapidamente. Portanto,seria possível estabelecer conexões entre essas perspectivas, masno momento em que o texto de Ortiz não está disponível eminglês, a possibilidade de estabelecer essa troca deixa de existir.

DM: Exatamente, eu não tinha conhecimento dele até vocêfalar agora. O que é frustrante é que, por um período bastantelongo, não foi aparente que existissem conexões possíveis entreas perspectivas britânicas e as latino-americanas. Algumas delas

Page 267: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

266

tornaram-se mais aparentes. Por exemplo, quando Laclau estavaproduzindo um tipo de análise que ficou muito próxima do tra-balho realizado por Stuart Hall. Mais recentemente, Laclau eChantal Mouffe dirigiram-se a uma teoria política mais abstratamas existiu um momento onde pessoas como Laclau e, a partirde uma perspectiva bem diferente, Mattelart, estavam produzin-do análises que tinham ressonância com o que nós estávamosfazendo na Inglaterra. Penso que isso teve relação especificamen-te com a força da tradição marxista na América Latina e isto fezuma conexão com um certo tipo de estudos culturais britânicos,também, muito influenciados pelo marxismo.

AC: O tom dos estudos culturais dos anos 70 é radicalmentediferente do que ecoa nos 80 e 90. Isto mostra que os estudosculturais mudaram muito. Na sua avaliação, quais foram essasmudanças? E, resumidamente, como as vê?

DM: Uma das maiores transformações envolve uma histó-ria bastante banal e que tem relação com seu sucesso. Tudo issoiniciou sem nenhum suporte institucional. Quando olhamos paratrás e vemos uns poucos professores reunidos com cerca de trintaalunos de pós-graduação, em duas salas, sem nenhuma ajuda eco-nômica, fazendo tudo aquilo: decidimos disputar espaços nasinstituições, empregos na rede já constituída e lentamente criardepartamentos de estudos de mídia e espaços para que os estudosculturais fossem implementados. E, aqui, estou, por exemplo, noDepartamento de Comunicação e Mídia [do Goldsmiths Colle-ge]. Ao mesmo tempo, temos o problema da configuração daprópria ortodoxia dos estudos culturais, dado que eles se trans-formaram numa disciplina. Na verdade, sou contra o ensino dosestudos culturais como um curso de graduação. É muito difícilfazer estudos culturais de um modo interdisciplinar, se não sesabe completamente o que é uma disciplina. Os melhores pesqui-sadores em estudos culturais são aqueles que realizaram sua traje-tória através de uma disciplina e sairam num outro lado. Veja, euresisto a sua pergunta sobre uma bibliografia em estudos cultu-rais, no seu cerne, porque ela implica um tipo de cânone, umaortodoxia do que é estudos culturais e, para mim, isso é umanátema. Estudos culturais é um modo de analisar contextual e

Page 268: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

267

conjunturalmente a partir de uma perspectiva interdisciplinar e oque você precisa ler é tudo o que vai ajudar a fazer tal análise, nãoum conjunto preciso de determinados textos, tipo bíblias da área.É claro que existem textos mais clássicos que deixam a portaaberta para esse tipo de abordagem e, portanto, são úteis mas, aomesmo tempo, isso institucionaliza, delimita a pesquisa em ar-mações rígidas e existe uma pressão para trabalhar desse modo.Para mim, isso não leva a lugar algum. Eu não estou interessadoem contribuir para um cânone dos estudos culturais.

AC: De toda forma, não deveria existir um fundamento co-mum entre os praticantes de estudos culturais, como de certaforma Stuart Hall6 reivindicou em “Estudos culturais e seu lega-do teórico” (1992)?

DM: De nenhum modo esse “commom ground” deve ser subs-tantivo. Isso não significa que todos devemos ler os mesmos dozelivros. A base comum é um comprometimento com uma certa for-ma de abordagem interdisciplinar, contextual e conjuntural.

REFERÊNCIAS

MORLEY, D. “ Where the global meets the local: notes from the sittingroom”. Screen, 32 (1), 1991, p. 1-15.MORLEY, D. e ROBINS, Kevin. Spaces of Identity: global media, electroniclandscapes and cultural boudaries. Londres, Routledge, 1995.M ORLEY, David. Populismo, revisionismo y los ‘nuevos’ estudios de audi-encia in CURRAN, J., MORLEY, D. e WALKERDINE, V. (orgs.) Estudiosculturales y comunicación – Análises, producción y consumo cultural de laspolíticas de identidad y el posmodernismo. Barcelona, Paidós, 1998, p. 417-437. (Originalmente publicado em Poetics, 21 (4), 1992, p. 329-344.)MORLEY, D. Globalisation and cultural imperialism reconsidered: old ques-tions in new guises in in CURRAN, J. e MORLEY, D. (orgs) Media andcultural theory. Londres, Routledge, 2006, p. 30-43.MORLEY, D. Media, Modernity and Technology – The geography of the new.Londres, Routledge, 2007.

Page 269: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

268

NOTAS

1 Na tentativa de situar o leitor, indico a publicação dos primeiros textos doautor sobre o tema: Reconceptualizing the Audience, (CCCS StencilledPaper, n 9, s/d), e Texts, readers, subjects in HALL, S., HOBSON, D.,LOWE, A. e WILLIS, P. (orgs) Culture, Media, Language – Working Pa-pers in Cultural Studies, 1972-1979 (Londres, Routledge, 1980).

2 Ver Cultural studies and media studies – contexts, boundaries and politics,interview by Johannes von Moltke, p. 39-65

3 Emancipation, the Media and Modernity – Arguments about the Media andSocial Theory. Oxford, Oxford Press, 2000.

4 Para uma aproximação sobre essa proposição ver Escosteguy, Ana CarolinaQuando a recepção já não alcança: os sentidos circulam entre a produção ea recepção, e-compós, Brasília, v 12, n 1, jan/abr, 2009.

5 Ver Ortiz, Renato. Mundialização: saberes e crenças. São Paulo, Braziliense,2006.

6 A versão que circula no contexto nacional está publicada em Hall, S. Dadiáspora – Identidades e Mediações Culturais. Belo Horizonte, UFMG,2003.

Page 270: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

269

Os embates entre a economia política da comunicação e osestudos culturais no contexto anglo-saxão têm história1. A reper-cussão, entre nós, desses confrontos ecoou apenas em linhas ge-rais2. Entende-se que são duas sub-áreas que dão atenção adiferentes problemáticas teóricas, revelando divisões acadêmicase/ou disciplinares. De modo simplista, indica-se que a primeirase estrutura em torno do estudo da organização e institucionali-zação das mídias, inseridas em macroestruturas político-econô-micas. Pretende dar conta dos regimes de propriedade e controleque, por sua vez, repercutem nas formas culturais, produzidas edistribuídas por tais estruturas institucionais. E a segunda, paramuitos, refere-se apenas ao estudo da recepção, concentrando-seem âmbito micro-social. Desse modo, a dicotomia se estabeleceentre aqueles que analisam as estruturas sociais e os que privile-giam os agentes e suas práticas ou táticas de sobrevivência. Con-sequentemente, as acusações são mútuas. Se a economia políticadestaca o desaparecimento do socioeconômico nas análises cul-turais onde tudo se transforma em textual e são abolidas as rela-ções de propriedade e interesses econômicos sobre os quais sesustenta a circulação dos textos midiáticos, os estudos culturaisreclamam que, na primeira, a dimensão propriamente cultural,resumidamente identificada com o simbólico, nunca é alcançadaem tal tipo de investigação. Contudo, não é minha intenção re-constituir tal debate e seus desdobramentos. Meu foco é outro.

Hoje, no contexto internacional, os estudos de recepção al-cançaram visibilidade, constituindo uma trajetória em separadoda tradição dos efeitos e dos usos e gratificações, sendo que grandeparte da pesquisa de recepção está associada às contribuições dosestudos culturais. Já, no contexto nacional, toda e qualquer pes-quisa que trate das relações entre meios e públicos, com exceção

DEPOIMENTO DE JAMES CURRAN

Page 271: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

270

dos índices de audiência, é denominada de estudos de recepção.Isto pode ser atribuído a ausência, entre nós, de uma tradição depesquisa alinhada à perspectiva norte-americana3. Entretanto, ofato mais relevante, pelo menos no recorte proposto aqui, é que,no nosso meio, os estudos culturais são equiparados aos estudosde recepção o que, com certeza, é um equívoco, revelando umavisão reducionista dos mesmos. Na tentativa de dirimir esse enga-no e, ao mesmo tempo, dar circulação mais ampla a uma parte dacrítica anglo-saxônica aos estudos culturais que, de alguma forma,contribuiu também para essa associação, apresento uma visão bas-tante sintética de tal posicionamento, através daquele que foi inter-nacionalmente reconhecido como seu porta-voz, James Curran.

O marco inicial desse posicionamento é a publicação de “TheNew Revisionism in Mass Communication Research: A Reap-praisal”(1990)4. Segundo o autor, a partir dos 70 foi se constituin-do nos estudos de mídia uma polarização entre uma tradição radical,identificada originalmente com uma tradição marxista de estudosde comunicação e, mais tarde, com os estudos culturais que daísurgiram, e outra liberal, associada à vertente sociológica norte-americana, alcançando na década de 90 um “autêntico momentode efervescência disciplinar” (1998, p. 384). É nesse contexto quesurge a primeira linhagem dos estudos de recepção, exemplificadapelas pesquisas de David Morley, que se apresenta como inovadorae original, mas que, para Curran, não é nada mais do que um“processo de redescoberta” ou “revival”, dado que os ganhos apre-sentados por essa pesquisa e outras inseridas no mesmo quadranteteórico, de algum modo, já estavam delineados pela linhagem dosestudos dos efeitos, associada ao campo pluralista ou liberal.

Mesmo assim, o autor reconhece que ocorreram duas mu-danças no âmbito do debate sobre a produção de sentido e a recep-ção das mensagens pelas audiências, atribuídas à produçãorevisionista, isto é, à contribuição dos estudos culturais. A primei-ra mudança-chave diz respeito às “incoerências, contradições, la-cunas e inclusive oposições internas existentes dentro dos textos”(1998, p. 394) e a segunda trata de uma outra conceituação daaudiência que passa a ser vista como “produtora ativa de significa-dos” (1998, p. 395).

Page 272: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

271

Conforme Curran, a tradição dos efeitos prenuncia os argu-mentos revisionistas, embora reconheça que há avanços na pro-posição dos estudos de recepção no que diz respeito a uma maiorcentralidade no texto e a uma localização da audiência num con-texto sociológico mais adequado já que, sobretudo, nos usos egratificações, uma sub-vertente da tradição dos efeitos, as dife-rentes respostas dos membros das audiências são atribuídas adiferenças individuais de personalidade ou psicológicas. Entre osaspectos negativos, identificados pelo autor, destacam-se a reti-cência em adotar metodologias quantitativas, a ausência de expli-cação das diferenças individuais no interior de grupos sociais e aimprecisão do conceito de decodificação.

Apesar disso tudo, destaca que existem semelhanças entre asduas tradições, embora reconheça que existe um impedimentopara a “plena convergência” (1998, p. 394) devido à concepçãodiferenciada de poder político e econômico vigente entre taisvertentes. O grande lamento desse pesquisador britânico estáconcentrado no que ele considera como desconhecimento da his-tória da pesquisa sobre audiências. “Em poucas palavras, as in-vestigações dos novos revisionistas somente resultamsurpreendentes e inovadoras a partir de uma perspectiva reduci-onista dos estudos de comunicação onde a nossa era iniciariacom as análises textuais de filmes e programas de televisão, atri-buídos à revista Screen, e tudo o que é anterior se perde naescuridão da noite” (1998, p. 400).

Enfim, a posição de Curran endossa a ideia de que a tradi-ção radical se enfraqueceu diante dos argumentos sustentadospelos “revisionistas”, ao mesmo tempo, que a tradição liberal oupluralista se expandiu sem questionamentos e crítica. “Em suma,uma perspectiva radical reconstituída necessita ser defendida con-tra o avanço da maré revisionista que superestima a influênciapopular sobre a mídia e subestima a influência da mídia sobre opúblico” (2002, p. 165)

Apresenta-se a seguir a entrevista de James Curran, atual-mente, professor no Departamento de Comunicação e Mídia doGoldsmiths College da Universidade de Londres. Autor e orga-nizador de uma larga série de livros, concentra sua produção

Page 273: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

272

intelectual sobre a mídia nas áreas da economia política, da his-tória e da sua influência nas audiências. Embora seus textosestejam publicados em diversas línguas, em português, circula noambiente acadêmico nacional, apenas “Teoria midiática e cultu-ral na era do liberalismo de mercado”(2007)5. Nesta entrevista,realizada em fevereiro de 2007, o foco central concentra-se nodebate gerado, especialmente no contexto britânico, a partir dacirculação de seu artigo, originalmente publicado em 1990, ecomo a questão da globalização repõe em novos termos algumasdas balizas anteriormente discutidas.

O DESENCANTAMENTO COM OS ESTUDOS CULTURAIS

AC: Em primeiro lugar, gostaria de uma avaliação pessoalsobre seu engajamento não com os estudos culturais, mas talvezcontra eles.

JC: Eu começei como fã dos estudos culturais. Quando erachefe deste departamento6, dei o livro de Dick Hebdige, Subcul-ture (1979), para meu chefe que era Richard Hoggart e disse:este é um excelente livro e essa é a primeira pessoa que gostariade indicar para o departamento. Ele leu o livro e concordou co-migo, dizendo: contrate-o. E foi assim que fiz. Portanto, os estu-dos culturais dos anos 70 e 80 me pareciam o que havia de maisexcitante e dinâmico no que diz respeito aos estudos britânicossobre a mídia. Uma vez quando fui questionado pelo New Sta-tesman para nominar a maior influência na minha vida intelectu-al, disse: Stuart Hall. E, numa outra ocasião, o The Times HigherEducation Supplement pediu que indicasse aquilo que mais meentusiasmava em termos de produção intelectual e apontei: osWorking Papers in Cultural Studies. Assim, caracterizar-me comoum inimigo dos estudos culturais é simplificar o problema.

AC: Descupe-me, se a avaliação que faço de sua posição soademasiado forte!

JC: Em absoluto. O que os estudos culturais pareciam repre-sentar naqueles dias era um comprometimento radical com repen-sar posições de esquerda, de modo a ser libertário. Pareciam

Page 274: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

273

querer conectar-se ao meio popular, tornar-se relevantes. Emoutras palavras, eles pareciam ser incisivamente produtivos e umaparte dessa rica natureza residia no modo pelo qual conduziampontos de encontro entre distintas áreas do conhecimento – teo-ria literária, teoria psicanalítica, história -, olhando para todos oslados, para qualquer disciplina ou temática, mas atentos aos por-quês. Eles tinham segurança intelectual para dirigir-se a essasdiferentes áreas, fazendo algo novo, focando-se num estudo sérioda cultura popular, mas estavam conectados a um projeto paramudar a sociedade. Recuando aos anos 70 e 80, os estudos cultu-rais britânicos eram um movimento radical que pretendia encon-trar uma forma de olhar a cultura popular como o modo peloqual as pessoas expressam sua identidade e suas relações com osoutros, conectada a diferentes grupos. Pretendiam um entendi-mento da natureza essencial do cotidiano, para construir umafrente popular que transformaria a sociedade.Tal projeto, comoeu o entendi, estava articulado à política. O propósito de estudara cultura popular envolvia mudar muitas das instituições da soci-edade, portanto, o objetivo era mudar a sociedade. Isso envolveganhar eleições, estar envolvido na política convencional. Se vocêolha os escritos de Gramsci, ele sempre viu a cultura mobilizan-do apoio ao estado capitalista, isso foi visto em termos revoluci-onários, eu não vejo assim porque sou um social democrata. Aatração pelos estudos culturais gira em torno de uma mobiliza-ção liberadora da classe trabalhadora, das feministas, dos gays,dos ambientalistas e outros grupos numa campanha conjunta paramudar a sociedade. Esse é meu entendimento dos estudos cultu-rais. Sou um entusiasta dos estudos culturais e permaneço comotal, mas devido a esse mesmo entusiasmo, decidi parar porquealgumas pessoas dos estudos culturais resolveram ser apenas libe-rais e não, radicais. Muitas delas são anti-estatistas e isto podeparecer radical, mas o anti-estatismo não é necessariamente radi-cal. No contexto britânico, o anti-estatismo se inclina à direita.

AC: Já que estamos falando em política, você diz no artigo“Media and cultural theory in the age of market liberalism”(2006)que, na virada do século XX para o XXI, Gramsci não aparecemais em citações na produção intelectual dos estudos culturais o

Page 275: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

274

que pode indicar o desaparecimento da influência marxista nocampo. Isso significa dizer que os estudos culturais deixaram deser críticos ou de pertencer a uma tradição crítica?

JC: Não, porque os estudos culturais são uma “casa espaço-sa” que dá guarida a diferentes grupos. Atualmente, a parte maisreveladora dos estudos culturais britânicos é o feminismo. Osestudos culturais feministas representam uma continuidade com ocomprometimento de mudar a sociedade. Eles são nitidamenteradicais. A vertente marxista dentro dos estudos culturais britâni-cos são uma força em extinção. Os estudos culturais britânicosperderam o rumo. Isto não significa dizer que os estudos culturaisperderam o rumo, isto é, não se trata de que os estudos culturaisno Brasil ou na Koréia perderam o rumo, mas apenas a versãobritânica dos mesmos. É uma tradição que está em paz com omundo porque celebra a globalização, muitas vezes em termosnada críticos. O trabalho de John Tomlinson [Globalization andculture, 1999] ilustra isso num livro muito estimulante. Com umavisão sofisticada do mundo, defende que a globalização não pro-move uma cultura capitalista una porque o sentido simbólico dasmercadorias culturais, distribuídas globalmente, é produzido pelasapropriações culturais locais. Talvez no Brasil vocês pensem que aglobalização têm mais características negativas do que positivas,em termos de suas limitações. Portanto, estar em paz com o mun-do é ter um entendimento seletivo da globalização e uma visãoafirmativa e não-crítica da mídia. Pelo menos na Grã-Bretanha,existe também nos estudos culturais uma espécie de retrocesso emrelação à classe social como categoria e, ainda, um retrocesso napolítica, entendida em termos convencionais. Eles perderam o in-teresse pela política mainstream, entendendo a política em termosde uma distribuição simbólica e não em termos materiais. Apesarde ser um entusiasta dos estudos culturais, sinto-me um poucodesencantado. Espero que a promessa dos estudos culturais possaser realizada em outros países que não na Grã-Bretanha.

AC: Em “Globalization Theory: The Absent Debate” (2002),você diz que exitem duas visões fortemente contrastantes sobre aglobalização: os téoricos da cultura têm uma avaliação afirmativadas transformações globais e os economistas-políticos radicais

Page 276: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

275

que vêem as mesmas transformações como uma vitória capitalis-ta. Dentro do atual contexto, valeria a pena repetir o debate entreposições polarizadas como as da economia política e aproxima-ções mais culturais? O que seria ir além dessas posições?

JC: Não existe mais debate entre essas posições. Penso que,na realidade, as bases do programa dos estudos culturais e o daeconomia política deveriam estar juntas, ter um marco integrati-vo e a pergunta motivadora seria qual a relativa importância docultural e do material e como eles se inter-relacionam entre si. Aresposta não vai ser resolvida em teoria abstrata, é para ser resol-vida em termos de estudos culturais específicamente fundados,em contextos e tempos particulares. A questão é afastar-se daabstração da “alta teoria” e fundar as discussões teóricas em ter-mos de pesquisa empírica. Assim que a crítica fizer isso, é possí-vel entender quando na posição dos estudos culturais se estásempre olhando para a economia, como Angela McRobbie jádisse. Os praticantes de estudos culturais não fizeram economiae seu entendimento da economia é diferente daquele que funda-menta a economia política. Eles se engajam com seu entendimen-to de economia. No caso de Angela McRobbie, parece-me queela, algumas vezes, tem uma visão positiva do mercado. Estudan-do revistas femininas, especialmente a More!, discutindo a con-corrência entre diferentes títulos no mercado, ela analisa comodeterminados rótulos que circulam nas revistas respondem eman-cipando as sensibilidades da jovem mulher, destacando em seusargumentos que são estimulantes, o fundamento essencial domercado que é o mecanismo que conecta oferta e procura. Isso éclaramente olhar para a economia, mas de uma forma diferenteda economia política.

RETOMANDO A AVALIAÇÃO DO “NOVO REVISIONISMO”

AC: Concentrando-nos no seu artigo “The New Revisio-nism in Mass Communication Research: A Reappraisal”(1990),você sustenta a idéia de que existem similaridades entre a tradi-ção dos usos e gratificações e a tradição revisionista – entendidano seu artigo como aquela representada pelos estudos culturais.

Page 277: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

276

Ao mesmo tempo, do meu ponto de vista, parece que você subes-tima que elas são tradições com fundações muito distintas, porexemplo, em termos de princípios epistemológicos e metodoló-gicos. Uma outra fundação que você mesmo menciona que édiferente entre as abordagens citadas, reside na concepção depoder, político e econômico. Esse conceito já não seria um obs-táculo para pensar a tradição revisionista como um revival?

JC: Sim, eu acho que você está correta, a convergência éapenas parcial. Penso que os usos e gratificações e os estudos derecepção têm origens disciplinares distintas, a primeira numapsicologia social e a outra, nos estudos literários, então, elas uti-lizam diferentes métodos e têm distintos marcos de entendimen-to. Mas, também, ambas dizem algo similar, elas dizem que aaudiência tem poder criador. A questão que aparece na sequên-cia é como as audiências são internamente poderosas e comodeve ser entendido esse vigor. No geral, a audiência é vista comouma fonte de revigoramento social; a atividade da audiênciagarante o contrato oficial de que a cultura e as ideias dominantesvão ser sempre resistidas. Esse é o “momento Fiske” quando ovigor da audiência significa dizer que as pessoas têm o controleda situação. E isto não é muito diferente da tradição liberal dosefeitos. Elas têm origem intelectual e disciplinar diferente, masambas se encontram nesse pensamento reconfortante e, funda-mentalmente, na ideia de que a audiência é poderosa, só que istonão quer dizer que as pessoas são politicamente poderosas, real-mente no controle dos seus destinos. E mais, essas tradições nãopodem ´pular’ de uma noção a outra - quando as audiênciaspodem ativa e criticamente engajar-se com os sentidos derivadosda mídia, elas, então, estão no controle político e econômico deseus destinos na sociedade. Isto tem que ser visto em relação àmobilidade social e que as chances da vida são estruturadas pelaclasse e continuam estuturadas pela classe social.

AC: Na minha leitura dos seus trabalhos de 1990, 2002 emesmo este último de 2006, você indica tanto avanços comoretrocessos na tradição revisionista, isto é, nos estudos culturais.No entanto, a repercussão acadêmica, em especial do seu artigo“The New Revisionism in Mass Communication Research: A

Page 278: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

277

Reappraisal”(1990), destaca apenas os aspectos mais negativos aessa vertente. O que estava em andamento naquele debate? Comoisso pode ser explicado?

JC: Eu suponho que duas coisas devem ser levadas em con-ta. Uma delas é o registro da decepção. Os estudos culturaisradicais não preencheram sua promessa no modo como eu tinhaesperado. De um lado, eles não foram tão radicais e ousadoscomo eu tinha imaginado. De outro, talvez eu não tenha propria-mente entendido os estudos culturais. Como já disse, eu os viacomo realmente críticos, radicais, conectados com o desejo deestarem engajados em participar em práticas políticas. Ao mes-mo tempo, os estudos culturais parecem ser extraordinariamentevigorosos, do ponto de vista intelectual. Na introdução que es-crevi em Media and Cultural Theory (2006), na primeira parte,falei do quanto os estudos culturais são produtivos, eles mudaramos estudos em jornalismo, em história, na antropologia social, en-tre outros, portanto, são uma cultura corrente enormemente di-nâmica. No momento de escritura daquele texto, eu tentavaengajar-me, conectar-me com um entendimento do modo peloqual a mídia e a sociedade examinam, revisam e reafirmam asnormas públicas que fazem parte do processso informal da de-mocracia, do modo como elas regulam nossas vidas com regrastácitas, expectativas convencionais que é parte do modo pelo qualgerenciamos a nós mesmos. Agora7, estou escrevendo um textosobre Sex and the City como um meio de ilustrar que é no espaçodo entretenimento que se dá o debate. Argumento que Sex andthe City é o credo de que é, realmente, democrático como entre-tenimento. Trata de mudanças nas relações de gênero e isto têmcaracterísticas positivas porque fala a diversas gerações do mun-do. Paradoxalmente, com isso, estou tentando entender o meiopelo qual um determinado entendimento do “mundo democráti-co do entretenimento” pode estar conectado com um entendi-mento democrático e político do entretenimento. No limite, euestou tentando reengajar-me com os estudos culturais.

AC: No capítulo, escrito em 2002, “New Reviosionism inMedia and Cultural Studies”, você diz que “Morley está corretoem insistir que os estudos de recepção mudaram profundamente

Page 279: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

278

os estudos de mídia e os estudos culturais radicais na Grã-Breta-nha”. Qual o motivo para destacar na Grã-Bretanha? Digo issoporque, na América Latina, a vertente dos estudos de recepção e,sobretudo, o trabalho de Martín-Barbero, também, alteraram osrumos dos estudos de mídia a partir dos 90. E isso é reconhecidotanto pelos seus partidários quanto por seus críticos. Penso que aínão há mera coincidência e que essas alterações podem ser atribu-ídas a alguns aspectos teóricos da tradição dos estudos culturais.

JC: Penso que é por isso que os estudos culturais estão equi-vocados. Penso que se tivéssemos mais entendimentos internacio-nais sobre o nosso campo, nós veríamos as limitações de nossosargumentos. De fato, a teoria da recepção foi desenvolvida emresposta a uma tese sobre ideologia que se origina na esquerda.Ela estava lá para opor-se à uma noção de concentração de poderque não funciona. O mesmo tipo de análise e certos insights surgi-am da pesquisa norte-americana mainstream em oposição à teoriada sociedade de massa. Então, eles também estavam reagindo auma outra forma de dominação da sociedade e controle. Existemesses dois discernimentos realizando-se cronologicamente em tem-pos diferentes, em resposta a diferentes paradigmas, levados adi-ante por diferentes disciplinas, sustentados por diferentes concepçõesde sociedade, formados por diferentes metodologias, mas que nãosão fundamentalmente diferentes. E isso é uma consequência denosso paroquialismo. As pessoas na esquerda definem-se a si pró-prias dentro de um paradigma de esquerda, dentro de uma biblio-grafia de esquerda, por isso, não se observou que uma descobertasemelhante estava tendo lugar trinta ou quarenta anos antes numparadigma diferente. Sim, foi uma descoberta maravilhosa, masnão, não foi uma descoberta fundamentalmente nova.

AC: Como você falou em metodologia, é possível combinarduas estratégias radicalmente diferentes como o instrumentalquantitativo, por exemplo, das pesquisas de Elihu Katz, com acontribuição das etnografias de audiência?

JM: Sim. Pela primeira vez na minha vida, estou dedicando-me justamente neste momento a uma pesquisa de efeitos, estoufazendo pesquisa de efeito. É surpreendente, iniciei em 1961 esomente agora estou estudando efeitos. Estamos realizando um

Page 280: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

279

survey, com base quantitativa, em quatro países, coletando dadosquantitativos junto a pessoas, usando análise quantitativa de con-teúdo e penso que essas estratégias são produtivas, sim. Pensoque foi completamente equivocado não combiná-las com as es-tratégias qualitativas, com a análise textual e tudo o que está emtorno das etnografias de audiência porque isso parece apropria-do. Pragmaticamente, essas são ferramentas úteis que podem sercombinadas. Mas esse não é um pensamento novo.

AC: Qual é a sua formação acadêmica?JC: História.AC: Ao que atribuir sua ligação com as metodologias quan-

titativas? A um pensamento dominante, na academia britânica,no momento de sua formação? A sua relação com a história oucom a economia política?

JC: Em absoluto, eu nunca estive conectado com as meto-dologias quantitativas. Eu nunca tentei usar tais estratégias an-tes. Mas penso que são úteis, não são inimigas e que deveríamoscombiná-las, pois tanto as estratégias quantitativas quanto as qua-litativas têm vantagens e desvantagens.

O COMPROMISSO DOS ESTUDOS CULTURAIS HOJE

AC: Quanto da teoria marxista deveria estar à disposiçãodos estudantes de hoje para permitir um entendimento do con-texto histórico e intelectual da teoria cultural mais recente?

JC: O marxismo tem dois elementos decisivos a contribuirhoje. Ele não é simplesmente parte da história dos estudos cultu-rais, isto é, não pode ser visto somente como o avô/avó na evolu-ção da genialidade dos estudos culturais Não se trata de ver ateoria marxista simplesmente como parte da história dos estudosculturais. Ele tem duas importantes contribuições. Uma delas éque ele ensina que, em toda cultura, as pessoas podem agir contraseus interesses como consequência da forma como são encoraja-das a ver o mundo através dos olhos dos repressores. O marxismoensina que o ideológico é importante. Um insight central que con-tinua sendo enormemente relevante hoje. Em segundo lugar, sua

Page 281: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

280

contribuição sobre classe social é também importante, em ter-mos de estruturação do mundo e das chances da vida na socieda-de. Embora a concepção marxista de classe esteja em revisão, anoção de classe importa, é alguma coisa que deve ser retida. Omarxismo não é simplesmente parte dos aspectos históricos, ele,de fato, influencia o caráter dos estudos culturais.

AC: Em “Media and cultural theory in the age of marketliberalism” (2006) está dito que quatro aspectos influenciaram odesenvolvimento dos estudos culturais nos últimos 25 anos, naGrã-Bretanha: a ascensão política do liberalismo de mercado; adinâmica social caracterizada pelo incremento do individualis-mo, a ascensão das mulheres e a intensificação da globalização.Eu gostaria que você explicasse, sobretudo, como o individualis-mo e o papel das mulheres afetaram o desenvolvimento dos estu-dos culturais.

JC: O feminismo é a força mais dinâmica nos estudos cultu-rais contemporâneos e até mesmo nos estudos de mídia. Umarazão para tal é que temos uma maioria feminina entre seus estu-dantes. Outra é que temos uma enorme proliferação de publica-ções olhando, por exemplo, para as mudanças nas representaçõesdas mulheres no drama televisivo norte-americano. Recentemen-te dei uma olhada nisso e fiquei impactado com o número delas.Parece-me que o individualimo é uma força silenciada dentro dosestudos culturais. O individualismo se conecta com a perda deinteresse pelo coletivo, com o social. Uma das mais importanteslinhas da análise feminista olha para o modo pelo qual se encorajaa introjeção da idéia de negar a responsabilização da sociedade,internalizando a noção de que as responsabilidades recaem emcada um, nas situações próprias e pessoais. Nessa perspectiva,fica com você como indivíduo ter controle, em vez de mudar asociedade através de forças coletivas. A pessoa é que é responsa-bilizada, é sempre você em vez da sociedade. Esta é uma formaintelectualmente produtiva de ver o feminismo e o individualis-mo, juntos e em oposição.

AC: Nesse contexto, o que daria para falar sobre o papelpolítico e público daquele que se associa aos estudos culturais?

Page 282: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

281

JC: Os estudos culturais configuraram uma força muitoimportante nos comentários jornalísticos. Muitas análises circu-laram na mídia britânica fundadas nos estudos culturais. Os insi-ghts dos estudos culturais tiveram acolhida no jornalismo popular.Eos dois aspectos destacados nesse tipo de análise são o prazer e asrepresentações. No entanto, parece existir espaço para aqueletipo de análise dos estudos culturais dos anos 80 associada a umcomprometimento para mudar a sociedade. Talvez seja a vez deoutros países segurarem essa bandeira, talvez o potencial regis-trado no período formativo dos estudos culturais britânicos pos-sa ser melhor realizado em outros países como a Koréia ou oBrasil. A Grã-Bretanha foi uma liderança no desenvolvimentodos estudos culturais radicais, mas perdeu o rumo, com exceçãodo feminismo. Talvez outra parte do mundo deveria revigorar osestudos culturais e fazê-los diferentes dessa preocupação com oprazer e as representações da maior parte dos estudos culturaisbritânicos e norte-americanos. Agora a vez está com vocês!

REFERÊNCIAS

CURRAN, James. “El nuevo revisionismo en los estudios de comunicación:una revaluación”. In: CURRAN, J., MORLEY, D. e WALKERDINE, V. (orgs.)Estudios culturales y comunicación – Análises, producción y consumo cultural de laspolíticas de identidad y el posmodernismo. Barcelona: Paidós, 1998, p. 383-415.CURRAN, James. “New revisionism in media and cultural studies”. In: Me-dia and Power. Londres: Routledge, 2002, p. 107-126.CURRAN, James. “Cultural theory and market liberalism”. In: CURRAN,J. e MORLEY, D. (orgs) Media and cultural theory. Londres: Routledge,2006, p. 129-148.

NOTAS

1 Os artigos de Nicholas Garnham, Graham Murdock e Lawrence Grossberg,publicados em Critical Studies in Mass Communication, n. 12, 1995, sãoexemplares a respeito do embate entre economia política e estudos culturais.

2 O artigo “A ponte necessária: produção e audiência”, de Sergio Capparelli(in Fausto Neto, A. e Pinto, Milton J. (orgs) Mídia e Cultura. Rio deJaneiro, Diadorim, 1997, p. 131-138), é uma das exceções no contextoacadêmico nacional.

Page 283: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

282

3 Ver Jacks e Escosteguy, Comunicação e Recepção. São Paulo, Hacker, 2005;Jacks (coord.) Meios e Audiências. Porto Alegre, Sulina, 2008.

4 Originalmente o artigo foi publicado no European Journal of Communication(5, junho/1990, p.130-164). A versão em espanhol utilizada aqui está emCurran, J., Morley, D. e Walkerdine, V. (orgs) Estudios Culturales y Comuni-cación. Barcelona, Paidós, 1998. Circula atualmente nova publicação dessemesmo artigo em Anders Hansen (org.) Mass Communication ResearchMethods, Sage, 2009.

5 Ver Freire Fo., João e Herschmann, Micael (orgs.). Novos rumos da culturada mídia. Rio de Janeiro, Mauad, 2007.

6 Ele se refere ao Department of Media and Communications do GoldsmithsCollege, University of London.

7 Fevereiro de 2007, época de realização desta entrevista.

Page 284: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

283

Nick Couldry, atualmente professor no Departamento deComunicação e Mídia do Goldsmiths College da Universidadede Londres, é uma trajetória desviante dentro do campo dos es-tudos culturais. Utilizo o termo apenas no que sugere como for-ça de expressão, dado que seu ingresso nos estudos culturais sedeu após o período de acelerada expansão e internacionalização evinculado a um momento de impasse teórico-metodológico, ge-rado tanto pelos rumos desenvolvidos quanto pela forte críticaaos mesmos. Portanto, a partir dos 90, o clima no campo é pro-pício a mudanças, mesmo que estas ainda não estivéssem clara-mente delineadas e convivessem com práticas anteriores erelativamente consolidadas na área. É neste cenário que este pes-quisador inaugura sua entrada nos estudos culturais.

Seu interesse em ver a mídia no interior da tradição depesquisa baseada na teoria dos campos de Pierre Bourdieu, ava-liando que é necessário investigar a posição das instituições mi-diáticas na sociedade em geral, o que por si só não se consideranovidade, é um indicador da marca que sua trajetória vai impri-mir na formação de uma outra versão de estudos culturais. Coul-dry sustenta que é possível estabelecer pontos de contato entre asociologia bourdiana e a proposta dos estudos culturais, sobretu-do, fundados na ênfase que aquele sociólogo dá a dimensão sim-bólica do poder. Por essa razão, empenha-se em explorar essasconvergências. Além disso, observa que a reflexão de Bourdieu,embora hostil às contribuições dos estudos culturais, pode tam-bém colaborar no enfrentamento de uma questão crucial e queainda está em aberto no campo, isto é, a articulação entre umaconcepção de estrutura social e agência individual.

Na entrevista, concedida em fevereiro de 2007, Nick Coul-dry fala sobre seu envolvimento com os estudos culturais e como

DEPOIMENTO DE NICK COULDRY1

Page 285: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

284

sua trajetória intelectual está marcada por determinados desafiosteóricos e metodológicos que se impõem a partir de seu principalobjetivo: compreender determinados rituais da mídia como re-sultado de tendências mais gerais de uma sociedade midiatizada.

DO ENVOLVIMENTO COM OS ESTUDOS CULTURAIS

AC – Em Inside Culture (2000), você diz que, no início dos80, não conhecia nada de estudos culturais e mídia e que seuencontro com esse campo somente se deu no início dos 90. Então,gostaria de uma nota pessoal sobre seu envolvimento com osestudos culturais.

NC - Meu encontro com os Estudos Cultuais foi acidental.Entrei no campo quando ainda tinha uma outra carreira em an-damento, com a qual não estava feliz. Minha formação foi emLínguas Clássicas e Filosofia, há algum tempo atrás. Não tinhaabsolutamente nenhum conhecimento sobre mídia, estudos cul-turais e história. Descobri por acaso, no Goldsmiths College, umnovo mestrado em mídia que estava começando e decidi mematricular. No início, para mim, não foi uma escolha, aceitar ounão entrar neste caminho de pensar a mídia integrada aos estu-dos culturais, que é o ponto de vista que o Goldsmiths trabalha,através de um amplo entendimento cultural que toma como pon-to de partida o trabalho de Raymond Williams que não via sepa-ração entre o estudo da mídia e da comunicação.

Então, somente bem mais tarde me dei conta que aquelafusão entre mídia e estudos culturais não era natural, e podiaparecer até estranha para muitas pessoas. Diante disso, tem algoque acredito ser fundamentalmente importante, que não foi aci-dental, e representa o porquê de eu ter voltado minha carreirapara o Goldsmiths, depois de seis anos na London School ofEconomics (LSE) - um período muito feliz e produtivo, mas lá odepartamento de mídia opera mais com a noção de que a mídiaé um campo separado do estudo da cultura. Esse tipo de divisãoeu, pessoalmente, não reconheço. Portanto, voltar para o Golds-miths foi importante.

Page 286: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

285

Para mim, faz sentido pensar a mídia e os estudos culturaisno mesmo campo porque o que me interessa no estudo da mídiaé que existe um sentido institucional para a concentração de re-cursos simbólicos: a concentração de recursos simbólicos é utili-zada para contar a história do que está acontecendo com todosnós. Mesmo considerando a mídia uma seção separada, já que aconcentração de recursos simbólicos se dá em muitos camposdiferentes, por exemplo, instituições de educação e instituiçõesreligiosas e a mídia - a mais poderosa instituição nas sociedadescontemporâneas, não faz sentido ver a mídia separada de umamplo contexto de concentração de recursos simbólicos, separa-da de questões de poder, atuando por meio de símbolos, atuandopor meio daquilo que a gente define por cultura. Reconheço quemuitas pessoas não vêem deste modo que o centro da questãodos estudos culturais está emaranhado com a problemática dopoder e da cultura que é exatamente o mesmo núcleo que motivao meu interesse em mídia e que, logicamente, não separo isso.

AC – Quais os teóricos, além de Raymond Williams, queinfluenciaram seu trabalho?

NC - Para mim, algumas teorias pós-estruturalistas foramfundamentais. Michel Foucault foi importante pelo modo em queele vê a linguagem, um tipo fundamental de análise materialista.Seria impossível fazer certas análises sobre o terreno do simbóli-co, sem o pós-estruturalismo. As teorias de Pierre Bourdieu, nãoaquelas sobre o gosto nem sobre a mídia - esta última não temnovidade alguma -, sobre uma preocupação com os prejuízossimbólicos do poder, isto é, sobre os processos de exclusão. Bour-dieu fundamentalmente reflete como o poder trabalha naquelesníveis mais profundos das pessoas. Outro autor que me interessamuito é Richard Sennet, sua reflexão sobre os prejuízos simbóli-cos de classe. O que, de alguma forma, tem relação com algunsdesenvolvimentos do feminismo. Ou seja, são todos trabalhospreocupados com o funcionamento do poder e, de algum modo,tratam de aspectos que não são alcançados por surveys e por estu-dos “puros” sobre recursos econômicos e dizem respeito a essasdimensões simbólicas do poder que são fundamentais no meuentendimento. De um lado, textos dos estudos culturais levaram

Page 287: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

286

isso a sério, mas, por outro, essas coisas parecem não ter nada aver com os estudos culturais. Por exemplo, o trabalho de Bour-dieu pode questionar os estudos culturais. Para mim, isso nãotem problema porque os princípios que orientam o seu trabalhonão estão tão longe dos estudos culturais. Ele estava muito inte-ressado em certas disposições de trabalho que têm afinidadescom os estudos culturais. Neste sentido, tive uma lealdade inici-al, em parte acidental pela minha ligação com o Goldsmiths Co-llege, com os estudos culturais. Mas, por outro, muito do meutrabalho parece não ser estudos culturais, no sentido convencio-nal, pela minha afinidade com Bourdieu e porque grande parteda minha produção e, também, meu trabalho atual, tem sido emsociologia da mídia. Estou convencido de que o que venho escre-vendo sobre estudos culturais e mídia está relacionado com asdimensões simbólicas de poder. Nessa direção, não reconheçonos estudos culturais uma posição separada disso, mas tambémnão vejo alguns dos desenvolvimentos dos estudos culturais comosuficientemente interessados em trazer à tona o que realmenteestá acontecendo no mundo, particularmente com relação às di-mensões de poder. Voltarei a falar sobre isso depois porque pen-so que os estudos culturais precisam mudar bastante.

AC – Vamos, ainda, retroceder um pouco. Estou interessa-da no que estava acontecendo com os estudos culturais, na Ingla-terra, quando você se engaja neles, isto é, na década de 90.

NC – O que ocorria era uma sucessão de coisas. Uma delas éque estávamos começando a emergir de um longo período de pós-estruturalismo ortodoxo. Quando iniciei como estudante em estu-dos culturais, ainda, era visto como obrigatório fazer uma referênciaquase religiosa a certos autores como Althusser, Lacan, Foucault,Derrida e assim por diante. Ainda que estivesse começando a ficarclaro uma necessidade de se encontrar outra estrutura de pensamen-to, havia esta lealdade por boa parte das pessoas reconhecidas nocampo. Eu pessoalmente não compartilhava dessa posição e relacio-nava as teorias do modo em que elas próprias se aplicavam no meupensamento. Havia, também, o surgimento de um ceticismo e im-paciência em relação à bagagem teórica dos estudos culturais atémeados dos anos 90. Assim, aquele procedimento do início dos 90

Page 288: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

287

não era mais visto como necessário na segunda parte da década.Isso ficou bem claro no final dos anos 90 e início de 2000, quandoas pessoas não sentiam mais necessidade de fazer referência àquelaordem e estavam já olhando para outras tendências e enquadramen-tos. Ainda nos noventa não se sabia qual direção as coisas deveriamseguir, qual seria a direção correta, e isso infelizmente contribuiupara um retorno a já saturada disputa entre economia política ecultura. Eu não consegui entender aquele retrocesso. Acredito que aeconomia política seja algo correto, nós vivemos concentrados naeconomia, mas vejo também como algo equivocado porque, fre-quentemente, tende a ignorar as conseqüências simbólicas da eco-nomia. Posso interpretar perfeitamente o meu trabalho comointeressado nas consequências simbólicas da economia política,que imediatamente se movimenta para longe daquelas ideias entreeconomia política versus estudos culturais, mas que pareciam ain-da pertinentes no início dos anos 90, por causa do patriotismo eda impaciência de muitos que faziam economia política. Portanto,houve um lado correto e outro incorreto, e não estava claro, na-quele momento, qual direção seguir. Politicamente, aquele foi umperíodo de patriotismo tardio, ainda no governo Margaret Tha-tcher, mas que teve suas políticas profundamente continuadas porJohn Major. Os anos 90 não foram um período de esperança. Aocontrário, foi um tempo de desesperança. As coisas agora estãoum pouco mais claras.

SOBRE MÉTODO E TEORIA

AC – Em Inside Culture (2000), você diz que a procura deum consenso sobre o que realmente tratam os estudos culturaisse depara com um alto grau de incerteza. Mesmo assim, vocêtenta uma definição, entendendo por estudos culturais a discipli-na que estuda as relações entre cultura e poder, usando um méto-do de orientação amplamente sociológica mais do que literária.Então, seria possível definir o que são os estudos culturais? Suainsistência em autodefinir seu trabalho como sociologia da mí-dia tem alguma relação com sua proximidade com uma econo-mia política?

Page 289: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

288

NC - A razão de eu afirmar que o meu trabalho está maispara uma sociologia da mídia é porque é assim que vejo. Meusestudos são sobre rituais da mídia, mídia alternativa, reality TV, etudo isso é sociologia da mídia. Em termos de valores, aquiloque me orienta é uma preocupação com a inexplicável concentra-ção de recursos simbólicos nas instituições da mídia. Esse é umvalor que penso que seja comum na orientação de boa parte dosestudos culturais, desde o começo. Para mim, chamaria de soci-ologia da mídia aquilo que é formado e inspirado por esse valore que diria que é um valor dos estudos culturais. Aqui temos quefazer uma distinção porque, voltando a 2000 quando trabalhavaem Inside Culture, de modo um pouco impaciente, tentava rede-finir, na forma de um manifesto, o que pensava serem ou o que jáfossem os estudos culturais. Naquele momento, o que pensei éque os estudos culturais eram uma possibilidade de espaço me-lhor para situar análises materialistas da cultura. Isso foi o quesugeri: os estudos culturais poderiam ser uma disciplina associa-da as ciências sociais. Foi uma tentativa de fazer as pessoas en-frentarem com mais seriedade os problemas metodológicos quenos propomos, de focar melhor aquilo que já fazemos nos estu-dos culturais e isso diz respeito a uma relação com a sociologiada mídia. Desde então, fiquei mais despreocupado com o centroda disciplina Estudos Culturais, mesmo que isso implicasse queessa combinação de valores podem ser compartilhados com soci-ólogos da mídia, com antropólogos e mesmo com teorias literá-rias e filosóficas.Assim, não sinto mais os estudos culturais comouma disciplina separada. Penso que continua a significar umalealdade a determinados valores, que leva a sério as complexida-des da cultura, vista sempre interrelacionada com o poder. Isso,para mim, significa enfrentar seriamente um desafio metodoló-gico, significa fazer análises concretas, isto é, pesquisa empírica.Não se pode nunca pensar em ir em frente sem pesquisa empíri-ca, baseada em teoria. É por isso que coloquei as coisas daquelemodo em 2000. Agora [fevereiro de 2007], colocaria um pou-quinho diferente, mas a preocupação com a metodologia, a cen-tralidade da pesquisa empírica e aquela impaciência com certasversões de estudos culturais que operam sem o fortalecimento da

Page 290: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

289

pesquisa empírica, continua. Para que os estudos culturais pos-sam seguir em frente é, efetivamente, necessário valorizar a me-todologia e a pesquisa empírica, dando forte atenção ao que estáacontecendo no mundo e também no cenário acadêmico.

AC – Na sua visão, os estudos culturais devem ter umaorientação sociológica, compondo uma análise materialista dacultura. Para isso, você muitas vezes fala no trabalho de Ray-mond Williams, mas também de Pierre Bourdieu. Como vocêintegra as influências de Bourdieu aos princípios de Williams?

NC - Me inspiro em Bourdieu porque proporciona uma lin-guagem de médio-alcance para pensar um padrão de discurso ede ações através do qual sustentamos nossas instituições, umpadrão que não é diretamente acessível à nossa linguagem. Bour-dieu pode criar seus conceitos porque olhou para a realidadesocial de modo sistemático, mas há diferentes modos de aplicá-lo. Seu interesse é olhar para o nível social do poder, essa é acoisa fundamental que ele tenta fazer, e inspira a mim e ao meutrabalho. Em outras palavras, Bourdieu proporciona uma lingua-gem teórica empiricamente orientada, que é forte o bastante eque dá sentido ao fenômeno do poder.

Sobre o materialismo ou a aproximação sociológica da cultu-ra, não se trata apenas do mais óbvio, isto é, a atenção aos recur-sos com os quais a cultura opera, os próprios produtos, a produção,a distribuição, enfim, a economia da cultura. A aproximação ma-terialista pode ir além disso. Para desconstruir esse processo nósprecisamos entender como a linguagem das instituições culturaissutilmente funciona. Estas, geralmente, são planejadas para falarpor todos nós, para a sociedade, e a instituição midiática, em par-ticular, fala de modo imperativo a todos nós, dentro de dimensõeseconômicas. Isso requer uma aproximação materialista. Entendercomo o discurso é gerado significa olhar não somente para o pró-prio discurso o que é insuficiente, mas olhar para a distribuiçãoespacial desse discurso, qual sua origem, quem tem mais poderque os outros, olhar para a produção de alguns desses discursos.

Tanto Bourdieu como Williams estavam fundamentalmentepreocupados com isso. Eu acho que existe uma preocupação

Page 291: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

290

em comum entre Williams e Bourdieu mesmo a partir de todasas suas diferenças. Bourdieu estava muito interessado em Willia-ms quando encontrou seus escritos nos anos 70, e o comum en-tre eles é que tentam desenvolver uma linguagem para uma análisematerialista das dimensões simbólicas do poder.

AC –Na leitura que faço do seu trabalho, penso que sugereque deveria ser desenvolvido um modo de análise que fosse alémdo texto porque, nesse tipo de análise, se evita a experiênciavivida. As etnografias representam uma alternativa para aban-donar a ênfase no texto, nos produtos ou nas mensagens, vistoscomo unidades discretas. Contudo, esse tipo de etnografia quefoi implementada especialmente nos estudos de recepção foibastante questionada. Você tem alguma crítica a fazer aos estu-dos de recepção?

NC - Há vários fatores em questão. Um deles é o “totem daetnografia” nos estudos de mídia. E ainda hoje se continua utili-zando o termo frouxamente. Seria mais sábio utilizar um rigoro-so discurso metodológico porque nós temos que usar as palavrasde forma precisa, o que a maioria dos estudos de mídia não faz.É claro que há um novo trabalho em antropologia, nos últimosdez anos, que está olhando para a aceleração das mudanças pro-vocadas pelos fluxos culturais, um novo e complexo processo cul-tural que os estudos devem investigar. Este tipo de pesquisaargumenta que nós temos que seguir as pessoas nos cruzamentosde distintos contextos. É possível, então, repensar o que a etno-grafia deveria ser.

Outro fator é que existem muitos problemas a serem enfren-tados pelos estudos de audiência. E não são problemas que pode-mos facilmente resolver, seja utilizando a etnografia ou qualqueroutra metodologia. Por exemplo, se você quer estudar o que é oYou Tube, não há nada sobre esse fenômeno porque não existiahá pouco tempo atrás. Portanto, não é obvio “onde” estudaría-mos tal fenômeno! Trata-se de algo nada fácil de fazer, porqueenvolveria a casa das pessoas, o cotidiano, distintos lugares. As-sim, não é nada óbvio o “como” estudar este fenômeno e este éum dos vários exemplos no campo das mídias atuais. A mídiaatual está operando através e entre lugares, de modos específicos.

Page 292: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

291

Para levar estes contextos a sério, há de se considerar todas aspartes envolvidas e isso significa que nós temos que estar atentospara estes problemas. Penso que este seja um tempo incerto, nãoapenas pelas interconexões que estamos o tempo todo realizan-do, também, pelos formatos da mídia, pelo sistema de entregadesses produtos que está ficando mais complexo, pelas suas di-mensões de mercado, entre outras. Acho, então, que temos queser muito céticos diante das soluções fáceis para os problemas deonde e como estudar esses fluxos, assim como temos que evitarsoluções míticas, tais como a da etnografia.

Nesse capítulo que você faz referência2, estava tentanto ar-gumentar polemicamente contra o que era comum naquele tem-po e continua sendo, isto é, que parece ser suficiente analisarcertos padrões de texto para dizer algo sobre sua ressonânciasocial. É um absurdo argumentar isso! Essa é uma posição quedevemos permanecer resistindo a ela. No entanto, ela é convin-cente porque opera no campo intelectual das teorias da literaturaou de alguns tipos de estudos fílmicos. Lá naquele capítulo, esta-va tentando delinear novas maneiras de pensar os textos, as rela-ções entre textos e audiência e ainda a ideia de que estudar comoalguém interpreta esses textos, em determinada situação, não ésuficiente para entender como nós operamos neste ambiente sa-turado de mídias. Por exemplo, impressiona-me bastante que sa-bemos muito pouco sobre como as pessoas selecionam o textoneste tipo de ambiente, como escolhem um determinado texto equanta energia e investimento colocam para interpretá-lo. Naverdade, sabemos muito pouco sobre esse processo. Temos ain-da muito poucos trabalhos à disposição que pesquisem isso, sejaem relação ao cinema ou à TV. Contudo, a pesquisa de audiên-cia ainda está se expandindo, sendo repensada e tentando de-fender essa curiosidade. De toda forma, a complexidade desseprocesso nos faz retornar às questões metodológicas. Se não hápreocupação forte com isso, jamais enfrentaremos os proble-mas metodológicos desse tema.

AC – Na minha leitura dos estudos culturais, o contexto érelevante e essencial para qualquer análise cultural. O que fazerpara evitar análises que tomam como objeto o texto independente

Page 293: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

292

do seu contexto, posição algumas vezes identificada com viésespós-estruturalistas?

NC – Deixe-me iniciar mencionando Martín-Barbero. Euesqueci de mencioná-lo anteriormente porque você me fez per-guntas amplas sobre quem me inspirou no início da minha traje-tória. Um deles foi Martín-Barbero. “Dos meios às mediações”foi um livro muito inspirador. Quando realizava meu doutorado,percebi que havia uma certa insatisfação com as linguages quetratavam da mídia. Isso, em parte, se deve à compreensão de quealgumas linguagens pós-estruturalistas eram dominantes demais,mas foi, também, porque a minha preocupação com estudos demídia conectava-se mais com a antropologia, com teorias do es-paço e outras áreas afins. Na verdade, estava interessado em ob-servar o processo da mídia, o que podemos chamar de mediações.Para entender isso, é como estudar religião, de um modo amplo.Nesse caso, não estudamos apenas os textos religiosos, olhamospara as práticas religiosas, para as comunidades e os grupos reli-giosos, para a autoridade religiosa, para as instituições e suasrelações com outras instituições. Em outras palavras, quando sediscute religião se fala de um processo no qual a religião aconte-ce. É similar o que acontece com a mídia. Martín-Barbero pare-ce ter aberto a legitimação de espaços nos quais a mídia acontecee isso é muito mais amplo do que as noções mais convencionaisdefendem. Portanto, para mim, Martín-Barbero estava completa-mente correto ao tratar amplamente da mídia por meio das me-diações porque incluía pequeníssimos momentos como parte doprocesso de se estudar a mídia. Ele me parece absolutamentecorreto e isso me inspirou. Portanto, Martín-Barbero foi umagrande inspiração, sobretudo, naquilo que entendo por mídia.

Tendo colocado o problema num contexto bem amplo, issojá é o bastante para estudar a mídia. Penso, também, que issosignifica que não devemos nos sentir tão dependentes de umalinguagem mais filosófica, vinda particularmente do pós-estrutu-ralismo, mas não apenas deste, para fornecer uma base conceitualà investigação. As pesquisas de mídia e estudos culturais não têmtrabalhado suficientemente para distinguir estas especificidades,ou seja, coisas que os filósofos podem fazer e que é bastante

Page 294: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

293

diferente daquilo que os sociólogos ou os antropólogos podemfazer, mas que não são a mesma coisa. É muito comum pegaremprestado conceitos filosóficos e, de algum modo, magicamen-te transformá-los em explicação social. Esse é um movimentomuito perigoso que mina a identidade da pesquisa social e cultu-ral. De algum modo, precisamos mover-nos para além do pós-estruturalismo, não porque não seja importante, mas por causado modo em que é usado, como uma língua franca. Faz-se neces-sário inovações conceituais, nossa linguagem teórica precisa demudanças, precisamos nos abrir para novos modos de pensar aatual complexidade da mídia. A única maneira de olhar para fren-te é enfrentar os desafios empíricos; pensar mais cuidadosa e ur-gentemente quais são os conceitos que precisamos, quais asprioridades para compreender as transformações que estão acon-tecendo no mundo nesta época. Então, devemos reconhecer quea filosofia está tentando responder problemas radicalmente dife-rentes da pesquisa social e cultural; que há uma falácia em váriasadaptações pós-estruturalistas, não apenas nos estudos culturais,mas na sociologia e na antropologia, expressa no conflito entresoluções filosóficas que são tomadas como ferramentas que nãopodem ser utilizadas em questões especificamente sociais porquenão funcionam. É por isso que precisamos dar um passo paraatrás para poder ir em frente numa direção diferente. Para resol-ver isso, precisamos reivindicar mudanças.

AC – Gostaria de retornar à Martín-Barbero: na AméricaLatina, o livro recém mencionado, num primeiro momento, foilido como uma guinada para o espaço da recepção. Como vocêvê essa questão?

NC - É difícil comentar sobre os detalhes do debate latino-americano. Posso apenas identificar um momento no qual nãohavia ainda uma teoria da recepção suficiente, ou seja, as pessoasqueriam ver Martín-Barbero como alguém que estava oferecen-do uma teoria da recepção. Não era esse o caso, ele estava ofere-cendo algo bem mais amplo. Paradoxalmente, essa era a razãopela qual eu estava interessado em Martín-Barbero, pois ele eraalguém que estava oferecendo algo novo sobre à teoria da recep-ção. Eu conhecia bem o trabalho de David Morley. Para mim, ele

Page 295: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

294

já havia feito um movimento fundamental nesse sentido, masMartín-Barbero ofereceu algo além - uma ampla concepção do pro-cesso e não há outra palavra para isso, com exceção de “mediação”.Não podemos dizer “produzindo mídia”, porque não tem exclusiva-mente a ver com produção, mas talvez “viver com a mídia”. Eleofereceu uma ampla visão para a pesquisa em mídia, é claro que issoinclui estudos de audiência, mas também inclui a produção da mí-dia, a distribuição da mídia através de diferentes espaços e outrosaspectos. Isso, para mim, não significa negar os estudos de recep-ção, mas operar numa ampla definição de todo o campo, a qual arecepção pode encontrar seu espaço, mas isso é apenas uma possibi-lidade. Acho que a recepção continua a ser parte do processo.

AC – Quem você poderia mencionar que trabalhe nessaampla concepção de comunicação e mídia no Reino Unido?

NC – A pessoa mais importante foi um colega meu da LSE,Roger Silverstone, que faleceu recentemente. Paradoxalmente,ele não foi influenciado por Martín-Barbero. Sei disso pelas con-versas que tive com ele. Desenvolveu isso independentemente deMartín-Barbero, mas quase paralelamente. Sonia Livingstone,também da LSE, está constantemente trabalhando para ampliaros estudos de audiência; David Gauntlett, da Westminster, tam-bém, está estudando novos modos de experiências da audiência.De toda forma, embora existam trabalhos nessa linha, essa é umaposição de minoria.

O FUTURO DOS ESTUDOS CULTURAIS

AC – Ao ler Inside Culture (2000), você deixa claro que ofuturo dos estudos culturais é a pesquisa empírica. Ao mesmotempo, não podemos ignorar que os estudos culturais se torna-ram um campo disperso, que inclui uma vasta produção intelec-tual sobre teoria. Por exemplo, na América Latina, temosdiferentes tendências nos estudos culturais. O trabalho de Mar-tín-Barbero e outra perspectiva mais ligada à teoria pós-coloniale o aporte literário e psicanalítico. Temos ainda uma outra ten-dência que pode ser identificada no trabalho de Renato Ortiz erecentemente no último livro de Canclini, Diferentes, desiguais e

Page 296: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

295

desconectados (2005). Portanto, é possível pensar numa base me-todológica comum que possa ser compartilhada por praticantesde estudos culturais de diversas partes do mundo?

NC - Acho que seria equivocado para qualquer um reivindi-car uma habilidade de legislar sobre este espaço que muitas pesso-as chamam de estudos culturais. Se é verdade que, em algum nível,o que distingue o campo dos estudos culturais, no nível intelectual,é a ênfase no poder, visto em relação à cultura, o que é urgente deser estudado, ou seja, as prioridades em relação às ligações entrepoder e cultura variam de lugar para lugar. Assim, ao mesmo tem-po que os estudos culturais podem parecer perdidos em algunslugares, isto não quer dizer que suas questões não sejam urgentese importantes, em outros espaços. Portanto, acho que é erradotentar identificar que os estudos culturais tratam disso ou daquilopara todos e ao mesmo tempo. Por outro lado, se nós estamosutilizando o termo estudos culturais, se há algo em comum a sertratado, isto deve ser porque há uma lista possível de ser identifica-da com valores comuns que animam nossos questionamentos. Eestes valores operam em dois níveis: no mais geral, estão os valo-res éticos; depois, os valores metodológicos. Há uma lista de pos-sibilidades para se encontrar uma base comum. Como disse antes,é prioritariamente importante uma compreensão materialista dasintersecções entre cultura e poder, o envolvimento com o poder.Para mim, isso tem automoticamente implicações metodológicas,embora outras pessoas possam não ver dessa maneira.

AC - No cenário contemporâneo, diante de um crescenteceticismo com a esfera da política e o incremento do individua-lismo, qual sua opinião sobre o papel público e político dos pes-quisadores do campo dos estudos culturais? Você acha que é aindapossível sustentar a ideia “de que o fator distintivo dos estudosculturais é o modo de se envolver com o mundo político”, comovocê falou em Inside Culture (2000, p. 9)?

NC - Uma das minhas críticas sobre o estado atual e particu-lar dos estudos culturais, no contexto britânico, mas que talvez nãoseja somente deste, é estar desconectado demais das circunstânciaspolíticas. Este é particularmente um problema danoso porque ascircunstâncias políticas estão afetando não só os britânicos, de

Page 297: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

296

algum modo, também outros países. Destaco duas questões aí.Uma delas diz respeito as consequências de viver sob um discur-so neoliberal, com impacto na política, nas condições de traba-lho, na organização da economia, na própria transformação dapolítica e em outros quadrantes. Embora existam problemas emmuitos países, o Reino Unido possui uma versão particular dessa“doença neoliberal” mas, de todo modo, isto é uma questão co-mum e global. A segunda questão, também, global, trata das con-seqüências para todos nós de um conflito aparentemente vividoentre o Ocidente e algo mais, o que, às vezes, é chamado de Islãou de outra coisa, uma civilização em oposição à nossa. Isso dizrespeito ao modo como as pessoas vivem com essa construção,como elas entendem isso, como tentam resistir a essa construçãoe isso, também, parece ser um grande desafio global, em qual-quer lugar que estejamos. Esse é um importante e inevitável de-safio para os cidadãos no mundo atual que necessitam de umacompreensão mais global do momento que vivemos. Isso meparece um tópico crucial para os estudos culturais hoje, aondequer que estejamos a prioridade para estes problemas dependedo lugar a partir do qual essas questões são postas. Mas a ideiados estudos culturais hoje significarem qualquer coisa a partir devários pontos e valores de referência, excluindo as conseqüênciasde se viver sob o neoliberalismo e esse conflito global recémmencionado, parece absurda. E vou além: não percebo os estu-dos culturais dedicando esforços suficientes, indagando-se emque grau precisam ajustar suas prioridades e assumir essas gran-des questões. Acho que a situação do mundo atual é muito maisperigosa do que era nos anos 90, e as oportunidades estão aí paraos estudos culturais operarem num foco comum de trabalho crí-tico, mas não acho que as pessoas estejam dando bastante aten-ção a isso, ou seja, transformando essas questões no centro daspreocupações dos estudos culturais.

REFERÊNCIAS

COULDRY, Nick. Inside culture – Re-imagining the method of cultural studies.Londres, Sage, 2000.

Page 298: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

297

COULDRY, Nick. The place of media power – Pilgrims and witnesses of themedia age. Londres, Routledge, 2000.COULDRY, Nick. The individual point of view: Learning from Bourdieu´sThe Weight of the World. Cultural Studies – Critical Methodologies, vol. 5, n 3,2005, p. 354-372.COULDRY, Nick. Media meta-capital: extending the range of Bourdieu´sfield theory. Theory and Society, vol. 32, n 5/6, 2003, p. 653-677.

NOTAS

1 A primeira versão em português desta entrevista foi realizada por JamileDalpiaz, doutorando do PPGCOM da PUCRS, bolsista CAPES.

2 Ver “Questioning the text” in Couldry (2000, p. 67-90).

Page 299: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

298

Page 300: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

299

Page 301: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

300

QUALQUER LIVRO DO NOSSO CATÁLOGO NÃO ENCONTRADO NAS

LIVRARIAS PODE SER PEDIDO POR CARTA, FAX, TELEFONE OU PELA INTERNET.

a

Rua Aimorés, 981, 8º andar – Funcionários

Belo Horizonte-MG – CEP 30140-071

Tel: (31) 3222 6819

Fax: (31) 3224 6087

Televendas (gratuito): 0800 2831322

[email protected]

www.autenticaeditora.com.br@

r

Page 302: Cartografias dos estudos_culturais_-_uma_versão_latino-americana

Cartografias dos estudos culturaisuma versão latino-americana

Ana Carolina D. Escosteguy

O cenário contemporâneo,identificado como globalização,vem repor questões já clássicasnos estudos sociais, como a identi-dade cultural, ao mesmo tempoem que desafia os particularis-mos, a diversidade e a possibili-dade de convivência num mundocada vezmais entrelaçado e, para-doxalmente, mais desigual. A am-bivalência que emerge dessa reali-dade exige dos estudiosos e pes-quisadores tanto a crítica dos tra-dicionais procedimentos de análi-se como a criação de novos instru-mentos de compreensão. É dentrodesse pano de fundo que primei-ramente deve ser visto este livrode Ana Carolina D. Escosteguy.Dizendo de outro modo, ele é na-turalmente contemporâneo.

Produto de uma tese de dou-torado realizada sobre fontes ori-ginais, esta obra traz uma discus-são teórica densa e esclarecedorasobre o encontro de duas tradi-ções intelectuais – a dos estudosculturais britânicos e a dos estu-dos culturais latino-americanos. Aautora não só percorre a históriadessas duas perspectivas, o que afaz deter nas suas especificidadese identidades, bem como se detémem seus vasos comunicantes.Mas, creio que a sua grande con-tribuição está no verdadeiro tra-balho de garimpagem bibliográfi-ca que possibilita uma síntese ex-plicativa raramente oferecida an-tes ao público brasileiro e que vaida origem do projeto dos estudosculturais britânicos ao seu proces-so de internacionalização. Essa éa cartografia que dá título ao livro

www.autenticaeditora.com.br0800 2831322

EstudosCulturais

Este livro traça cartografias intelectu-ais significativas no desenvolvimento dosestudos culturais. Na Inglaterra, pólo deorigem dessa perspectiva, a trajetória deStuart Hall é explorada. Na América Lati-na, os itinerários de Jesús Martín-Barberoe Néstor García Canclini evidenciam aconfiguração dessa abordagem no espaçolatino-americano.

Esta leitura dos estudos culturais dizrespeito a nós, latino-americanos, e aeterna discussão de nossas particularida-des em relação aos Outros.

e por meio da qual são reveladostraços inéditos da contribuição la-tino-americana aos estudos cultu-rais e de comunicação. Esta é amaneira encontrada pela autorapara demonstrar que a atividadeda ciência não é imune ao trabalhoda história e, de forma original,nos traz o confronto entre o nós eo eles, o local e o internacional,marcas do cenário contemporâ-neo, para dentro dos atuais estu-dos da cultura e da comunicação.

Maria Immacolata Vassallo de Lopes

Ana Carolina D. Escosteguy édoutora em Ciências da Comunica-ção (USP, 2000), professora do Pro-grama de Pós-Graduação em Co-municação Social da Faculdade deComunicação Social (FAMECOS)da Pontifícia Universidade Católi-ca do Rio Grande do Sul (PUCRS),além de pesquisadora do CNPqnas áreas de Estudos Culturais &Comunicação, Estudos de recepçãoe relações de gênero e Teorias daComunicação.

Cartografiasdosestudosculturais–uma

versªo

latino-americana

-A

naC

arolinaD

.Escosteguy