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Certos sábados - Danuza Leão

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Tem dias que a gente acorda querendo muito ter um homem em casa. Não um homem qualquer, mas um quase marido. É quando o sábado amanhece chuvoso, não se combinou nada para o fim de semana, o dia se anuncia triste e se intui que o telefone nem vai tocar.

Ah,

um homem em casa

nessa hora seria bem bom.

Não seria preciso que esse homem freqüentasse nenhuma academia de ginástica e nem que sua barriga fosse cheia de músculos, feito um tanque. O ideal é que ele tivesse cinco ou seis quilos a mais do que o ideal, os cabelos um pouquinho grisalhos, que não fosse muito animado, querendo combinar um programa com os amigos, e que falasse pouco.

Pouco, e só nas horas certas.

Logo de manhã esse homem abriria o jornal e leria atentamente todas as páginas, da primeira à última, passando pelo editorial, a seção internacional, o caderno de esportes (e calado). A cada vez que eu tentasse puxar um assunto, o máximo que ele faria seria passar a mão na minha cabeça carinhosamente, mas sem tirar os olhos do jornal e ...

... sem

dizer

uma

palavra.

Que delícia, um homem assim.

Quando, lá pelas 3h da tarde, eu perguntasse se ele estava com fome, ele diria que um pouquinho, mas não muita; levantaria e abriria a geladeira para ver se encontrava alguma coisa para comer. Beliscaria uma fatia de presunto e diria suavemente "vamos sair para almoçar mais tarde?".

E faria um cafuné no gato que estava em seu colo há um tempão - gatos gostam de gente

calma.

Lá pelas seis da tarde ele perguntaria "que tal irmos à churrascaria, que a essa hora deve estar vazia?"; eu diria que sim, feliz de ele já ter decidido e não me perguntar onde eu gostaria de comer, se num japonês, num italiano ou no que está mais na moda.

Nós sairíamos a pé, ele de bermuda, eu com um vestidinho leve, sem nem pintar o olho, e de mãos dadas. Tomaríamos uma caipirinha (eu), uma cerveja (ele), comeríamos uma lingüicinha, uma picanha com farofa, e na volta ele iria sugerir passar no videoclube e alugar uns filmes. Escolheríamos uns três, sendo que nenhum deles de violência, tráfico de drogas, nem sexo demais.

Quando chegássemos em casa, eu tiraria minha sandália, ele o seu tênis, nos espicharíamos no sofá com os pés em cima da mesinha para ver os filmes, e ele me perguntaria qual eu gostaria de ver primeiro. Eu me encostaria naquele começo de barriguinha dele e, no meio do filme, tiraria um cochilo, que ele fingiria não perceber.

Pelas 10h, 11h da noite, um de nós dois diria estar com sono, o outro diria "vai indo pro quarto que eu já vou" e chegaria alguns minutos depois. Ele ligaria a televisão, só pelo hábito, eu encostaria a cabeça no seu ombro, o telefone não tocaria uma só vez, e uma hora qualquer eu dormiria um sono tranqüilo, sem sonhos.

E, quando acordasse de manhã, teria do meu lado, ainda dormindo, aquele homem capaz de dar aquilo com que as mulheres no fundo sonham: uma certa paz.

Só que o dia seguinte seria domingo, e domingo é véspera da segunda, quando o mundo -e os homens e as mulheres- volta a funcionar com seus problemas, seus tumultos, suas angústias, e é difícil viver tranqüilamente todos os dias da semana.

E penso que ter um homem assim, só aos sábados.

Alguns sábados, e de preferência, chuvosos.

FORMATAÇÃO: Mima (Wilma) [email protected]ÚSICA: Never on Sunday

Interpretação: Helmut ZachariasIMAGENS: Diversos da Internet

(Repasse com os devidos créditos)