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1 Ceticismo, Schiller, Phillip K. Dick e Lovecraft: Sobre A Liberdade Do Juízo Lucas Nascimento Machado [email protected] 1. Introdução A princípio, talvez nada pareça mais distante do que os autores que pretendemos relacionar aqui: Sexto Empírico (em seu Hipotiposes Pirrônicas), Schiller (em seu Sobre o Sublime), Phillip K. Dick (em seu Lembramos para você a preço de atacado) e H. P. Lovecraft (em seu O chamado de Cthulhu). Afinal, não apenas eles são de épocas muito distintas, as questões com que se ocupam e o estilo em que escrevem parecem ser muito distintos; da epistemologia e ética de uma filosofia antiga à discussão estética de um escritor alemão, da ficção científica de Dick aos weird tales de Lovecraft, que fio condutor poderíamos encontrar capaz de unir autores tão díspares com problemáticas e preocupações aparentemente tão distintas? A resposta a essa pergunta, confessamos, tem um caráter um tanto pessoal. Não se trata de oferecer alguma chave de leitura que se queira “indispensável” ou “necessária” para que se possa bem ler e compreender esses autores, o que quer que isso possa significar. Trata- se, antes, de expor algo como uma questão filosófica com que nos ocupamos e que acabou por nos levar a ler esses diferentes autores sob a perspectiva dessa mesma questão, de modo a considerarmos ela importante para pensar alguns, segundo a nossa perspectiva, problemas filosóficos e experiências estéticas importantes tocados e trabalhados por esses autores. A questão filosófica de que falamos é, precisamente, a da liberdade do juízo. É preciso confessar que não temos nenhuma nítida definição e delineamento dessa questão, que esperamos, na verdade, poder explicitar mais claramente ao longo da própria apresentação. Contudo, em linhas gerais, podemos dizer que, por liberdade do juízo, entendemos a liberdade para decidir, de acordo com o seu próprio discernimento (ou “juízo”), como determinar alguma coisa, ou mesmo se algo deve ser determinado ou não. A liberdade do juízo, portanto, seria a liberdade de determinação, a liberdade para determinar aquilo que algo é para nós segundo os critérios de nosso próprio juízo, e não por nenhum critério externo. Em oposição a essa liberdade estaria o “constrangimento” do juízo, aquilo que ocorre quando nosso ato de julgar ou de determinar algo não se guia por critérios internos a si, mas sim por critérios externos que se impõem em lugar deles, tais como intimidações, pressões sociais, medos, desejos, etc.

Ceticismo, Schiller, Phillip K. Dick e Lovecraft: Sobre A Liberdade Do Juízo (Apresentação no VI Colóquio de Filosofia e Ficção)

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Ceticismo, Schiller, Phillip K. Dick e Lovecraft: Sobre A Liberdade Do Juízo

Lucas Nascimento Machado

[email protected]

1. Introdução

A princípio, talvez nada pareça mais distante do que os autores que pretendemos

relacionar aqui: Sexto Empírico (em seu Hipotiposes Pirrônicas), Schiller (em seu Sobre o

Sublime), Phillip K. Dick (em seu Lembramos para você a preço de atacado) e H. P. Lovecraft

(em seu O chamado de Cthulhu). Afinal, não apenas eles são de épocas muito distintas, as

questões com que se ocupam e o estilo em que escrevem parecem ser muito distintos; da

epistemologia e ética de uma filosofia antiga à discussão estética de um escritor alemão, da

ficção científica de Dick aos weird tales de Lovecraft, que fio condutor poderíamos encontrar

capaz de unir autores tão díspares com problemáticas e preocupações aparentemente tão

distintas?

A resposta a essa pergunta, confessamos, tem um caráter um tanto pessoal. Não se

trata de oferecer alguma chave de leitura que se queira “indispensável” ou “necessária” para

que se possa bem ler e compreender esses autores, o que quer que isso possa significar. Trata-

se, antes, de expor algo como uma questão filosófica com que nos ocupamos e que acabou por

nos levar a ler esses diferentes autores sob a perspectiva dessa mesma questão, de modo a

considerarmos ela importante para pensar alguns, segundo a nossa perspectiva, problemas

filosóficos e experiências estéticas importantes tocados e trabalhados por esses autores.

A questão filosófica de que falamos é, precisamente, a da liberdade do juízo. É preciso

confessar que não temos nenhuma nítida definição e delineamento dessa questão, que

esperamos, na verdade, poder explicitar mais claramente ao longo da própria apresentação.

Contudo, em linhas gerais, podemos dizer que, por liberdade do juízo, entendemos a liberdade

para decidir, de acordo com o seu próprio discernimento (ou “juízo”), como determinar alguma

coisa, ou mesmo se algo deve ser determinado ou não. A liberdade do juízo, portanto, seria a

liberdade de determinação, a liberdade para determinar aquilo que algo é para nós segundo os

critérios de nosso próprio juízo, e não por nenhum critério externo. Em oposição a essa

liberdade estaria o “constrangimento” do juízo, aquilo que ocorre quando nosso ato de julgar

ou de determinar algo não se guia por critérios internos a si, mas sim por critérios externos

que se impõem em lugar deles, tais como intimidações, pressões sociais, medos, desejos, etc.

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Sabemos que nossa definição permanece um tanto problemática, e mesmo carregada

com termos cujos significados ou mesmo a validade podem ser facilmente colocados em

questão. Pedimos, contudo, paciência, para que possamos, ao longo de nosso texto,

desenvolver mais profundamente a ideia de liberdade de juízo e esclarecer de modo mais

consistente o que acreditamos estar em questão nela e por que ela seria uma questão

relevante, digna de ser explorada nos autores com que trabalharemos aqui e, possivelmente,

em outros.

Para começar, tratemos do ceticismo pirrônico, tal como exposto nas Hipotiposes

Pirrônicas, de Sexto Empírico.

2. Sexto Empírico: a liberdade de não julgar

Em seu Hipotiposes Pirrônicas, Sexto Empírico nos conta sobre quem seria o cético, esse

cuja posição trata de delinear em seu livro. Quem é o cético? O cético é aquele que, inquieto e

perturbado pela anomalia das coisas, sem saber a que deve assentir, começa a investigar

aquilo que é verdadeiro e falso nelas, acreditando que, ao se decidir sobre essas questões,

alcançará, finalmente, a tranquilidade e a imperturbabilidade que busca1.

Contudo, a investigação cética não produz o resultado esperado. Pois, em vez de se ver

capaz de decidir de uma vez por todas sobre a verdade ou a falsidade das coisas, o cético tem

a experiência de que, para cada argumento a favor da tese de que as coisas são de um

determinado modo, é possível opor um argumento de igual peso persuasivo a favor da tese

oposta. Mas, sendo esse o caso, o cético se vê em uma situação na qual lhe é impossível

decidir a favor de qualquer tese sobre a verdade ou falsidade das coisas, sobre aquilo que as

coisas são ou não são – e, por isso, é incapaz de obter a tranquilidade pelo meio que ele

pensava, inicialmente, que seria capaz de obtê-la. Diante da incapacidade de se decidir sobre a

verdade e a falsidade nas coisas, impossibilitado de emitir um juízo sobre aquilo que as coisas

são, o cético suspende o juízo, quer dizer, não emite nenhuma espécie de juízo sobre o que as

coisas são, sobre quais aparências são falsas e quais são verdadeiras2. Contudo, fortuitamente,

ao suspender o seu juízo, o cético obtém precisamente aquilo que buscava inicialmente, ao

lançar-se em sua investigação: a tranquilidade. “(...) os Céticos esperavam adquirir

tranquilidade ao decidir sobre as anomalias naquilo que aparece e de que se pensa, e sendo

1 Empírico 2000, livro I, seção vi

2 Idem ibid., livro I, seção xii

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incapazes disso, eles suspenderam o juízo. Mas quando eles suspenderam o juízo, a

tranquilidade se seguiu fortuitamente, como a sombra se segue ao corpo.” (Empírico 2000,

p.11).

Poderíamos nos perguntar: mas afinal, por que a suspensão de juízo levaria à

tranquilidade? A resposta de Sexto a essa pergunta é bastante explicativa:

Pois aqueles que mantêm a opinião de que as coisas são boas ou ruins por natureza estão

perpetuamente perturbados. Quando lhes falta aquilo que eles acreditam ser bom, eles se

consideram importunados por males naturais e buscam o que (assim eles pensam) é bom. E quando

eles adquirem essas coisas, eles experienciam mais problemas: pois eles se exultam para além da

razão e da medida e, temendo a mudança, fazem de tudo para não perder o que acreditam ser bom.

Mas aqueles que não fazem nenhuma determinação daquilo que é bom ou ruim por natureza não

evitam nem buscam qualquer coisa com intensidade; e, por isso, eles são tranquilos. (Empírico 2000,

p.10, grifos nossos)

Vemos, assim, aquilo que, para o cético, leva à perturbação e à intranquilidade: o

decidir sobre a natureza das coisas, que faz com que nos prendamos a elas e as tratemos como

boas ou más em si mesmas, e não apenas de acordo com o nosso julgamento. Se, ao contrário,

não decidimos sobre aquilo que as coisas são em si mesmas, se não supomos que é preciso

decidir se as coisas são más ou boas em si mesmas, adquirimos a tranquilidade da suspensão

do juízo, já que não nos constrangemos a ver as coisas como boas ou más em si mesmas e,

portanto, não nos deixamos perturbar por elas – ao menos na medida em que essa

perturbação depende de nossa opinião, de nosso julgamento sobre elas.

Como isso se relaciona com a questão da liberdade do juízo? Poder-se-ia, afinal objetar

que o cético, antes de falar de uma liberdade de julgar de uma ou outra forma as coisas, fala

da impossibilidade de se decidir sobre o que as coisas são. Contudo, ao que nos parece, essa

contradição é apenas aparente, pois a impossibilidade de decidir sobre as coisas, com base nos

argumentos a favor de uma tese e da tese oposta, implica que não precisamos decidir aquilo

que as coisas são, e não que não podemos; mas se o fizermos, estaremos nos precipitando em

nosso juízo. De fato, o cético é aquele que busca curar o dogmático de sua precipitação em seu

juízo, pois o dogmático julga saber aquilo que as coisas são, mesmo que sua argumentação

seja incapaz de sustentar tal afirmação. Nesse sentido, poderíamos dizer que o dogmático é

aquele que não apenas julga necessário decidir sobre a natureza das coisas, como também se

julga capaz de dizer a favor de que devemos decidir, como se nosso juízo devesse

necessariamente, com base em argumentos, decidir-se a favor de uma ou outra tese

específica. O cético, ao contrário, é aquele para o qual nosso juízo é livre, no sentido de não

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haver nenhuma razão ou argumento que imponha a ele a decisão sobre aquilo que as coisas

são. Não havendo argumentos que sejam tão fortes a ponto de constrangerem o nosso juízo a

decidir que algo é de determinado modo, e não que apenas julgamos que seja de determinado

modo, o cético suspende o juízo, quer dizer, não se constrange a julgar de qualquer forma

determinada. Nisso, e ao combater a precipitação dogmática de julgar aquilo que as coisas

são, mesmo quando não há argumentos que satisfaçam os critérios necessários para que um

julgamento a esse respeito possa ser omitido, o cético mostra que nosso juízo é livre mesmo

para não julgar, quando os argumentos e evidências não são capazes de satisfazer os critérios

necessários para que um juízo possa ser emitido com propriedade, quer dizer, de acordo com

os critérios de nosso próprio julgamento.

3. Schiller e o Sublime: a liberdade de julgar

‘Nenhum homem é obrigado a ser obrigado’ [“Kein Mensch muss müssen”], diz o judeu Nathan ao

dervixe, e essas palavras têm validade num âmbito mais abrangente do que tenderíamos a supor. A

vontade é o que caracteriza o ser humano, a própria razão não passa de sua regra eterna. (...) Todas

as outras coisas são obrigadas; o homem é o ser que quer. (Schiller, 2011, p.55)

É com essas palavras que Schiller começa o seu Sobre o Sublime, texto de que nos

ocuparemos aqui. Como vemos, para Schiller, o homem é o ser que quer; sua liberdade

consiste, precisamente, em não ser obrigado a nada, em ser aquilo que sua vontade dita que

ele seja, quer dizer, em ser o que quer, em não haver distância entre aquilo que ele é e aquilo

que ele quer.

Entretanto, como bem sabemos, embora esse possa ser o conceito do homem,

diversas imposições se colocam no caminho de que o homem exista no mundo de forma a

realizar o seu conceito. Pois a natureza impõe severas restrições ao homem, limitando-o em

suas capacidades e subjugando-o às suas forças. Para que o homem seja livre é necessário,

portanto, que ele se livre do jugo da natureza; e, de acordo com Schiller, há duas maneiras

pelas quais o homem pode fazê-lo. A primeira seria a maneira realista, segundo a qual o

homem vale-se de seu entendimento para subjugar a natureza ou para proteger-se dela. Essa

maneira de proceder, contudo, embora indubitavelmente tenha suas vantagens, possui

também os seus limites: o homem só pode subjugar a natureza até certo ponto e, onde não a

subjuga, é necessariamente subjugado por ela e, portanto, não é livre. Por conseguinte, a

única maneira de verdadeiramente superar o jugo da natureza e ser verdadeiramente livre é a

maneira idealista, quer dizer “aniquilar no conceito uma violência que é obrigado a sofrer na

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realidade”, posto que “aniquilar uma violência a partir do seu conceito não significa, porém,

nada mais do que se submeter a ela voluntariamente” (Schiller 2011, p.57).

Como, porém, aniquilar o conceito de uma violência que somos obrigados a sofrer na

realidade? De acordo com Schiller, de nenhum outro modo, senão pelo reconhecimento de

nossa autonomia moral frente à natureza, reconhecimento que pode ser trazido e cultivado

por meio da experiência estética do sublime.

Mas, em que consiste a experiência estética do sublime? Para Schiller, o homem possui

duas naturezas distintas: a sua natureza sensível, submetida ao curso do mundo e dependente

dele, e sua natureza racional, completamente autônoma em relação tanto à sua sensibilidade

quanto à Natureza ela mesma. Sendo completamente autônoma e independente em relação à

Natureza, ao mundo natural e sensível enquanto tal, nossa natureza racional não se encontra

sob o seu jugo, mesmo que esse fato possa escapar ao reconhecimento do homem. Tudo

aquilo que a Natureza pode subjugar, ferir e até mesmo destruir é a nossa natureza sensível.

Nossa natureza racional, ao contrário, em nada depende da atuação da Natureza sobre nossa

sensibilidade, podendo mesmo produzir em nós um sentimento inteiramente oposto àquele

que é produzido em nossa natureza sensível quando esta sofre por meio da atuação do mundo

sensível sobre si, sentimento de alegria que é produzido precisamente pelo reconhecimento

de nossa liberdade enquanto seres racionais frente à Natureza. Ora, mas é esse sentimento

misto de dor (por parte de nossa natureza sensível) e alegria (por parte de nossa natureza

racional) que consiste no sentimento do sublime. Sendo assim, os objetos estéticos sublimes

são aqueles que, ao infligirem violência sobre a nossa sensibilidade e fazer-nos sentir dor

enquanto seres sensíveis, nos tornam, por outro lado, conscientes da autonomia de nossa

vontade e de nossa razão frente à sensibilidade e, desse modo, produzem em nós a alegria do

reconhecimento de nossa própria liberdade enquanto seres racionais. Colocado de outra

forma, o sublime nos leva ao reconhecimento da liberdade de nossa vontade, já que

“podemos querer o que os impulsos repudiam e rejeitar o que a eles apetece” (Schiller 2011,

p.61). A liberdade de nossa vontade, nesse caso, consiste em que aquilo que nossa natureza

sensível não quer, podemos querer por nossa vontade racional, de forma que, muito antes de

sofrermos violentamente aquilo que a natureza impõe a nós, o aceitamos racional e

voluntariamente.

Quais são, contudo, os objetos sublimes? Para Schiller, eles são de dois tipos: o

sublime da quantidade, por meio do qual o homem tem a experiência de que mesmo aquilo

que ele não pode imaginar (por ser inconcebível para sua imaginação devido ao seu tamanho

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ou quantidade) ele ainda pode pensar, e o sublime da confusão, pelo qual o homem, diante do

caos, da irracionalidade e do horror do mundo e da História Universal reconhece a

independência da Razão frente a essa irracionalidade do mundo e à insignificância do homem

nele. Em ambos os casos, temos objetos que despertam no homem o sentimento do sublime

ao mostrarem, por vias diferentes, a independência da Razão e do homem, enquanto ser livre,

frente ao mundo sensível e à natureza sensível do homem, quer porque ele pode pensar

aquilo que não é capaz de conceber sensivelmente pela imaginação, quer porque aquilo que

ele determina racional e moralmente como desejável independe completamente de qual seja

o curso da natureza e da história, por mais irracional e horrível que seja esse curso.

Ora, mas, se é assim, podemos dizer, sem medo de forçarmos muito a interpretação,

que a liberdade do homem frente à natureza é indissociável da liberdade de seu juízo, já que

sua liberdade para querer mesmo aquilo que sua natureza sensível não quer é a liberdade para

julgar como desejável mesmo aquilo que não é desejável para sua sensibilidade. Como Schiller

afirma, ao falar do sublime da confusão, mesmo que o “reino orgânico” não se oriente “pelos

princípios regulativos do ajuizamento”, podemos abdicar de explica-lo, “fazendo de sua

própria inconceptibilidade um ponto de vista para o ajuizamento” (Schiller 2011, p.69, grifos

nossos). Isso faria com que reconhecêssemos, pela liberdade da natureza frente a nós,

também a nossa liberdade frente à natureza, que possibilita que, do ponto de vista de nosso

ajuizamento, ela seja desejável, mesmo quando afronta nossa natureza sensível. Querer algo

por nossa vontade racional, portanto, é julgar algo como desejável, o que quer dizer que esse

algo é desejável do ponto de vista da razão, de nosso discernimento racional. Cultivar a

liberdade do homem, portanto, é cultivar a liberdade do juízo, ao cultivar a experiência

estética do sublime, tal como em tragédias onde o homem, não sendo verdadeiramente

ameaçado pela Natureza, mas sim sendo exposto à aparência da ameaça da Natureza ou da

irracionalidade e injustiça da história, pode ser despertado à independência de sua vontade

frente a essa irracionalidade e caos do mundo sensível.

Sendo assim, poderíamos dizer que, para Schiller, diferentemente do cético pirrônico,

a liberdade do juízo não está tanto, como está para o cético pirrônico, em não julgar o que as

coisas são, mas sim em julgar as coisas como desejáveis ou não do ponto de vista racional,

independentemente daquilo que elas são do ponto de vista sensível. Se o cético diz que o

juízo é livre para não julgar o que as coisas são quando não há nada que o permita fazê-lo

segundo seus próprios critérios, Schiller parece afirmar, por outro lado, que o juízo é livre para

julgar aquilo que é desejável e indesejável segundo os seus próprios critérios (quer dizer,

segundo critérios racionais) e independentemente de critérios externos (quer dizer, sensíveis).

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É a liberdade do juízo do homem que permite que ele seja inteiramente livre, que seja capaz

de querer e em tudo agir voluntariamente, mesmo quando sua natureza sensível sofre

violência – e é a autonomia de sua natureza racional frente ao mundo sensível que faz com

que peças como tragédias, nas quais o horror da vida humana e da História Universal é

retratado em sua aparência, despertem nos homens o sentimento do sublime.

4. Phillip K. Dick: Ficção Científica e Ceticismo

(...) A If, por sua vez, não se comprometia a vender uma ideia específica; era uma revista devotada a

novas e genuínas ideias, disposta a abrir espaço para todos os pontos de vista sobre determinado

assunto. Seus editores eram dignos de nota, uma vez que eles compreendiam o verdadeiro

propósito da ficção científica: olhar em todas as direções, sem restrições. (Dick 2012, p. 302)

Em Lembramos para você a preço de atacado (conto em que se baseou o filme O

Vingador do Futuro), Phillip K. Dick nos conta a história de Douglas Quail, um homem comum e

insignificante do futuro que tem o sonho de viajar para Marte e de ser um agente secreto. Não

possuindo, contudo, recursos financeiros suficientes para tal viagem, Douglas Quail busca uma

alternativa: a implantação de falsas memórias de uma viagem para Marte em sua mente. Para

tanto, envia uma carta e vai para uma empresa chamada Rekordar, especializada,

precisamente na implantação de memórias falsas, tão ou mais convincentes do que qualquer

memória verdadeira seria. Contudo, no momento de implantação de suas falsas memórias,

algo muito estranho ocorre; pois o processo de implantação de falsas memórias, que envolve o

uso de uma “droga da verdade” que traz à superfície as verdadeiras memórias da pessoa, faz

com que Quail se lembra de uma viagem à Marte como agente secreto que ele, de fato, havia

feito – viagem que tinha sido apagada de sua memória pela Interplan a fim de mantê-lo

disfarçado e manter sua missão confidencial. Frente a essa descoberta, os funcionários da

Rekordar tentam fazê-lo esquecer de sua memória original da melhor maneira possível,

tentando mesmo fazer com que Quail pensasse que as memórias que ele tinha de tal viagem

fossem falsas e produto de uma aplicação falha de falsas memórias por parte da Rekordar.

Contudo, seus esforços são em vão; Quail, em vez de convencer-se de que as memórias da

viagem de Marte são memórias falsas implantadas pela empresa, fica em dúvida de se ele

realmente viajou a Marte ou se essas memórias eram apenas falsas, recobrando cada vez mais

de sua memória, até ter uma prova incontestável da realidade de sua viagem, ao encontrar

uma caixinha de recordações em sua casa.

Depois dessa descoberta, Quail é abordado por um policial da Interpol; policial que

afirma ser capaz de ler os seus pensamentos, graças a um implante em seu cérebro, e que terá

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que mata-lo, posto que as informações de sua missão são confidenciais demais para que se

possa arriscar serem reveladas. Outro policial junta-se a ele. Quail, na medida em que

recupera suas memórias, lembra-se do que fez para cumprir sua missão, e lembra das suas

habilidades em combate, o que lhe permite subjugar e escapar dos policiais. Ele sabe, contudo,

que não tem escapatória, em última instância. Busca, por isso, negociar telepaticamente com a

Interplan, conseguindo um acordo: eles reformularão sua memória novamente, dessa vez,

tentando implantar uma memória que lhe satisfaça tanto que nunca sequer passe por sua

cabeça tentar implantar em si próprio uma memória de viagem a Marte – o que o faria se

lembrar novamente da missão. Para tanto, psicólogos da Interpol analisam seu perfil

psicológico, para descobrir qual é a sua fantasia mais íntima. Descobrem algo muito

interessante: sua maior fantasia, uma fantasia infantil, de quando ele tinha 9 anos, era a de ter

salvado o planeta, ao mostrar compaixão para alienígenas invasores, o que os comove e faz

com que eles entrem em um acordo com ele de que, enquanto ele permanecer vivo, a Terra

não será invadida. Certamente, uma fantasia infantil absurda, e mesmo megalomaníaca; mas

uma que poderia ser implantada de forma bem sucedida na mente de Quail e que

efetivamente o deixaria tão satisfeito que ele não sentiria nenhuma falta de memórias de uma

viagem para Marte.

Quail é levado novamente para Rekordar, e lá começam novamente os procedimentos

para implantar as falsas memórias. Contudo, mais uma vez, o inesperado acontece... Pois, mais

uma vez, ao tomar a droga da verdade, Quail se lembra de seu encontro com os alienígenas

invasores – e lembra-se, inclusive, de onde estão provas concretas do mesmo! O que leva

McClane, responsável pela Rekordar, a terminar o conto de Dick com a seguinte reflexão:

Acho que posso guardar aqueles pacotes de artefatos de prova, disse McClane a si mesmo, com

resignação. Voltou lentamente ao escritório. Inclusive a condecoração do Secretário Geral da ONU.

Afinal...

A original provavelmente não demoraria a chegar. (Dick 2012, p.41)

Como podemos ver por esse breve resumo do conto, nele, Phillip K. Dick nos coloca em

dúvida mesmo sobre aquilo que julgamos, em geral, possuir mais evidência e ser mais

indubitável, como nossas memórias não apenas do que vivenciamos, mas, sobretudo, de quem

nós somos. Ao explorar o terreno da ficção científica, Dick cria um universo em que não

podemos estar certos nem daquilo que nos é mais íntimo e que mais tomamos como certo,

pois nossas memórias podem ser fabricadas. No entanto, Dick vai além disso: ele mostra que

não apenas as memórias que pensamos ser verdadeiras podem ser fabricadas, como as

memórias que pensamos ser fabricadas podem ser verdadeiras. Sendo assim, somos colocados

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em uma situação em que é impossível decidir definitivamente sobre a verdade ou falsidade

das memórias: como sabemos que uma memória não é fabricada? E como sabemos que uma

memória fabricada não condiz, de fato, com a realidade?

Obviamente, podemos pensar em muitos resultados diferentes para tal experiência

estética da dúvida mesmo sobre os fatos mais elementares da nossa realidade. Contudo, um

resultado que seria bastante razoável de se esperar seria, justamente, o da suspensão de juízo,

posto que o conto – assim como outros contos de Dick -, ao valer-se da ficção científica para

abalar nossa confiança na possibilidade de se decidir definitivamente mesmo sobre os

aspectos mais elementares de nossa realidade, nos liberta para considerar todas as

possibilidades existentes e não nos decidirmos definitivamente sobre nenhuma delas. Isso

parece não ser fortuito, afinal, parece estar no cerne mesmo daquilo que Dick compreende ser

o propósito da ficção científica: “olhar em todas as direções, sem restrições”. Assim, a ficção

científica de Dick poderia ser vista como uma forma de cultivar, por meio da experiência

estética por ela fornecida, a liberdade do juízo, ao possibilitar-nos considerar todas as

possibilidades sobre a realidade, inclusive sobre a realidade de quem nós somos, sem termos

que nos decidir por nenhuma delas em específico. Nesse sentido, seu propósito também

poderia ser visto como o de combater a precipitação dogmática sobre a realidade,

promovendo a liberdade do juízo.

5. Lovecraft, Horror cósmico: horror sublime?

Um dos meus desejos mais ardentes e perenes é criar, por alguns instantes, a ilusão de uma estranha

suspensão ou violação dos irritantes limites impostos pelo tempo, pelo espaço e pelas leis naturais

que eternamente nos aprisionam e frustram nossa curiosidade relativa aos espaços cósmicos

infinitos além do alcance de nossa visão e de nossa análise. Esses contos muitas vezes enfatizam o

elemento de horror porque o medo é a nossa emoção mais profunda e mais intensa, e também a que

mais se presta a ilusões que desafiem a Natureza. O horror e o desconhecido, ou o estranho, mantêm

sempre uma relação muito estreita, de modo que é difícil pintar um retrato convincente do

esfacelamento das leis naturais ou da estranheza ou singularidade cósmica sem destacar a emoção

do medo. (Lovecraft 2010, p. 155).

Em seu O Chamado de Cthulhu, Lovecraft nos oferece uma peça exemplar daquilo que

ele define como horror cósmico – o horror que o homem sente diante do reconhecimento de

sua insignificância frente a um universo vasto e desconhecido que é incapaz de conceber e

compreender em sua amplitude e caos. Pois, como Lovecraft observa em suas Notas sobre a

escritura de contos fantásticos, os personagens e acontecimentos de um conto fantástico

devem ser consistentes e naturais, a não ser no momento em que se deparam com o singular

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portento, o elemento sobrenatural e pavoroso da narrativa3. Trata-se, nesse sentido, de criar

uma atmosfera em que o elemento sobrenatural seja tão mais espantoso e horrível,

justamente por acontecer em um mundo cuja consistência e naturalidade parece

completamente incapaz de abrigar algo tão inconcebível e inexplicável para a compreensão

humana.

É isso, contudo, precisamente aquilo que O Chamado de Cthulhu faz, ao nos

apresentar uma narrativa em que, paulatinamente, correlaciona fatos que surgem em um

primeiro momento isoladamente e, por meio dessa correlação, faz com que aquilo que parecia

explicável e concebível isoladamente torne-se horrendo e enlouquecedor em sua relação com

o todo. Não por outro motivo, nosso narrador começa o conto com as seguintes palavras:

A coisa mais misericordiosa no mundo é, segundo penso, a incapacidade de correlacionar tudo o

que se sabe. Vivemos em uma plácida ilha de ignorância em meio a mares negros de infinitude, e

não fomos feitos para irmos longe. As ciências, cada uma empenhando-se em seus próprios

desígnios, até agora nos prejudicaram pouco; mas um dia a compreensão ampla de todo esse

conhecimento dissociado revelará terríveis panoramas da realidade e do pavoroso lugar que nela

ocupamos, de modo que ou enlouqueceremos com a revelação ou então fugiremos dessa luz fatal

em direção ao sossego de uma nova idade das trevas. (Lovecraft 2010, p.103).

Com efeito, o que leva o narrador ao fazer tal afirmação nos é revelado aos poucos

pela descrição dos fatos que ele relacionou sobre um culto a Cthulhu – uma espécie de

entidade cósmica sobrenatural, misto de dragão, polvo e homem - que, por diversas fontes

distintas, se revelou presente em todo mundo e vinculado a eventos de delírios e cultos nas

mais diversas partes do mundo que se iniciaram em março e terminaram subitamente no dia 2

de abril de 1925. Um desses fatos refere-se a uma estatueta retratando Cthulhu, retirada de

um culto durante esse período, estatueta que possuía hieróglifos que, segundo nosso

narrador, “pertenciam a alguma coisa terrivelmente remota e distinta da humanidade tal

como a conhecemos; algo que sugeria antigos ciclos profanos da vida, em que o nosso mundo

e os nossos conceitos não têm lugar” (Lovecraft 2010, p.114, grifos nossos). Na medida em que

o narrador desenvolve sua descrição dos fatos e de sua investigação deles, descobrimos que

tal estatueta é semelhante à estatueta que, por um acaso, nosso narrador fica sabendo ter

sido trazida por um marinheiro naufragado e delirante, quando foi encontrado, no dia 12 de

abril de 1925, vagando sem rumo no navio Alert. Instigado pela descoberta, o narrador

continua a sua investigação e consegue, por fim, o diário de bordo do navegador – o que o

leva, contudo, a uma revelação terrível e insuportável. Nesse diário, o que o narrador descobre

3 Lovecraft 2010, p.159

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é que o marinheiro, ele mesmo, havia estado na cidade de R’yleh, habitada por Cthulhu, que

cidade essa que havia sido trazida, por algum motivo, das profundezas do mar em que ela

antes repousava – e isso, justamente no período de março em que os cultos e os sonhos

delirantes por todo o mundo haviam se intensificado. Essa cidade, de acordo com o

marinheiro, tinha uma geometria anormal, não-euclidiana, que de algum modo parecia errada

e “sugeria esferas e dimensões muito além das que conhecemos” (Lovecraft 2010, p. 134).

Contudo, o pior ainda estava por vir. O marinheiro e seus companheiros abrem um

portal que, movendo-se “em um plano diagonal, violando todas as leis da física e da

perspectiva”, liberta Cthulhu, o grande ancião. Pelas palavras de nosso narrador, “a coisa era

indescritível – não há idioma em que se possa expressar tais abismos de angústia e loucura

imemorial, tais contradições preternaturais da matéria, da força e de toda ordem cósmica”

(Lovecraft, 2010, p. 136), e devasta a sanidade – e as vidas – dos marinheiros que a

presenciaram. Muitos deles morreram, mas o marinheiro que escreve no diário de bordo, por

uma felicidade do acaso, não apenas consegue escapar como, ao dirigir o navio em uma

colisão direta com a criatura, faz com que ela permaneça presa à cidade de R’yleh, que afunda

novamente e leva, junto com ela, Cthulhu, no dia 2 de abril, justamente o dia em que os

delírios e os cultos, subitamente, cessam.

No entanto, por mais que o mundo tenha sido, por ora, salvo do jugo de Cthulhu e dos

Grandes Anciões, o abalo provocado em nosso narrador pelo conhecimento da verdade,

obtido por ele por uma conexão fortuita de fatos aparentemente isolados, é insuperável, por

coloca-lo frente ao horror e ao inconcebível no universo e adormecido e à espera nas

profundezas de nosso próprio mundo. “Vi tudo que o universo abriga em termos de horror, e

desde então até mesmo os céus da primavera e as flores do verão são veneno para mim.”

(Lovecraft 2010, p. 138).

A princípio, talvez nada pareça-nos mais distante de nossa questão da liberdade do

juízo do que as narrativas, os weird tales de Lovecraft e sua concepção de horror cósmico. Pois,

antes de retratar a liberdade do homem, esses contos parecem retratar sua insignificância em

um mundo indiferente a ele e inconcebível para ele, que existia muitas eras antes dele existir e

que continuará a existir quando ele não mais existir, como vemos em O Chamado de Cthulhu.

No entanto, antes de observamos o que é retratado nesses contos, devemos observar a

finalidade estética deles, tal como afirmada por Lovecraft em suas Notas sobre a escritura de

contos fantásticos e citada no início desta sessão de nosso texto. Por meio desses contos,

vemos, Lovecraft busca fornecer a ilusão de nossa liberação dos limites do tempo, do espaço,

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das leis da física e da natureza, ao inserir, no próprio mundo, elementos sobrenaturais que

fogem ao nosso entendimento. Daí o recurso ao horror: para nos liberar daquilo que pode ser

conhecido pelos limites estreitos de “nossa visão e análise”, temos que nos pôr frente ao

desconhecido, e o colocar-se diante do desconhecido e o temor frente a ele estão intimamente

ligados na natureza humana de modo que, para evocar convincentemente o desconhecido,

torna-se necessário evocar o medo que acompanha o seu desconhecimento.

Naturalmente, Lovecraft não concebia os seus weird tales da forma que estamos

prestes a sugerir, até porque sua visão de mundo materialista não o permitiria tanto. Contudo,

é notável a proximidade do sentimento que seus contos buscam despertar e da concepção que

Lovecraft tem deles com o sentimento do sublime e o objeto sublime, tais como concebidos

por Schiller. Afinal, os contos de Lovecraft expõem o homem em sua insignificância na

Natureza, e a indiferença absoluta desta em relação ao homem; contudo, mesmo essa

experiência de diminuição e mesmo aniquilação do homem segundo sua existência e sentido

no universo (que, para Lovecraft, é unicamente o universo materialista) possui um caráter

liberador que, muito antes de nos afastar desses contos, nos estimula à sua leitura. Por isso,

mesmo que, certamente, Lovecraft não concebesse o aspecto liberador de seus contos de

acordo inteiramente com o conceito de sublime de Schiller, já que esse conceito e o

sentimento a que ele se refere pressupõe uma distinção entre mundo sensível e mundo

racional ausente no materialismo de Lovecraft, parece-nos que ainda podemos falar, contudo,

de uma espécie de horror sublime (e não deixa de ser digno de nota que o próprio Schiller se

refira ao sublime usando palavras como “horripilante”). Horror sublime porque, por mais que

retrate o homem em usa insignificância cósmica, ao fazê-lo, nos liberta das amarras do mundo

tal como ele é e pode ser concebido por nós, o que o faz, nesse sentido, desejável.

Tendo isso em mente, podemos ver como Lovecraft também se relaciona com a nossa

questão da liberdade do juízo. Pois esse “horror sublime” elaborado em seus contos tem como

finalidade, precisamente, libertar nosso juízo para pensarmos o mundo para além das amarras

da ciência e das leis da natureza. Do horror de Lovecraft, portanto, poderíamos dizer que nos

leva ao reconhecimento de que, pela liberdade do juízo, podemos ser levados a querer mesmo

aquilo que produz em nós o maior sentimento de insignificância, justamente na medida em

que, dessa forma, libera nosso juízo para além de todo e qualquer limite concebível.

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6. Considerações Finais

Kein mensch muss müssen [Nenhum homem é obrigado a ser obrigado] – Nathan, Der Weise.

Em nosso trabalho, é possível distinguir dois momentos. Em um primeiro momento,

expomos dois autores que julgamos poderem oferecer a nós um aparato conceitual e filosófico

para pensar a liberdade do juízo, tanto como liberdade negativa (quer dizer, enquanto

liberdade de não julgar, quando não for possível julgar segundo os critérios do juízo), quanto

como liberdade positiva (enquanto liberdade de julgar de acordo com os critérios do juízo,

quando tal julgamento for possível). Nesse primeiro momento, o ceticismo pirrônico de Sexto

Empírico forneceu-nos o aparato conceitual para pensar a liberdade de juízo negativa,

enquanto Schiller nos forneceu o aparato para pensarmos a liberdade de juízo positiva.

Em seguida, buscamos aplicar esses aparatos conceituais à obra de dois autores de

ficção distintos, segundo a forma que julgamos apropriada. Vimos como, em Phillip K. Dick,

poderíamos encontrar um esforço estético, em sua ficção científica, de levar à consideração

sobre as mais diversas possibilidades sobre a realidade e aquilo que as coisas são, sem ter que

se decidir sobre nenhuma delas. Vimos também como, em Lovecraft, o horror cósmico de seus

escritos poderia ser compreendido como um esforço de liberação do juízo do homem, o qual

só poderia ser empreendido ao se querer aquilo que expõe o homem em sua insignificância

diante da Natureza por ser inconcebível diante dos limites que são impostos pela natureza e

pela ciência ao nosso juízo.

Seja como for, temos plena consciência da precariedade deste trabalho inicial. Tudo

que gostaríamos de sugerir inicialmente, contudo, é que essa passagem por autores tão

diferentes por meio de um fio condutor em comum pode nos levar a uma hipótese

interessante, a saber: a liberdade do homem é a liberdade do juízo. Ser livre, para o homem,

significa ser livre para julgar ou não julgar de acordo com os critérios de seu próprio

discernimento. Esperamos não tanto ter oferecido fortes evidências a favor dessa hipótese,

quanto ter explorado e exposto algumas das indicações e pistas que, por nossa leitura e

experiência pessoal com esses autores, nos levaram à formulação dessa hipótese e nos

estimularam a começar, por meio deste trabalho, a explorá-la.

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Referências Bibliográficas:

Dick, P. K. – Lembramos você a preço de atacado. In: Realidades Adaptadas. Tradução:

Ludimila Hashimoto. São Paulo, Editora Aleph, 2012.

Empírico, Sexto – Outlines of Scepticism. Editado por: Julia Annes e Jonathan Barnes.

Cambridge, Cambridge University Press, 2000.

Lovecraft, H. P. – O Chamado de Cthulhu. In: O Chamado de Cthulhu e outros contos.

Tradução: Guilherme da Silva Braga. São Paulo, Editora Hedra, 2010.

____________ - Notas sobre a escritura de contos fantásticos. In: O Chamado de

Cthulhu e outros contos. Tradução: Guilherme da Silva Braga. São Paulo, Editora Hedra, 2010.

Schiller, Friedrich – Sobre o sublime. In: Friedrich Schiller: Do sublime ao trágico.

Tradução: Pedro Süssekind. Belo Horizonte, Editora Autêntica, 2011.