1. PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DO RIO DE JANEIRO =FILOSOFIA
DA CULTURA= Artigo acadmico de final de curso TEMA CRIANDO
ESPECTADORES EMANCIPADOS Arlindo Nascimento Rocha1 .
[email protected] H dentro deste processo que a
representao teatral, dentro desse acontecimento de mltiplos
personagens, um personagem chave mesmo que no aparea em cena e
parea nada produzir: O espectador. Ele o destinatrio do discurso
verbal e cnico, o receptor dentro do processo de comunicao, o rei
da festa; mas ele tambm o sujeito de um fazer, o arteso de uma
prtica que se articula perpetuamente com as prticas cnicas.
(UBERSFELD,1981, pg. 303) 1 Licenciado em Filosofia Pela (UNICV)
Universidade Pblica de Cabo Verde, 2006/2011. Aluno extraordinrio
do Curso de Ps Graduao em Filosofia, na PUC Pontifcia Universidade
Catlica do Rio de Janeiro.
2. PUC-RIO FILOSOFIA DA CULTURA 2 RESUMO Historicamente o
espectador sempre foi visto como uma figura passiva dentro da
teoria teatral. Atualmente, continua sendo visto como um receptor
passivo, fascinado pela aparncia e conquistado pela empatia que o
faz identificar-se com as personagens de um espetculo. Porm, outras
teorias demonstram que a capacidade perceptiva no puramente recepo
passiva, mas tambm atividade. Assim apoiando nas ideias de Antonin
Artaud (1896 /1948), Friedrich Brecht (1898 /1956) defensores das
iniciativas modernas da reforma do teatro e de Jacques Rancire
(1940), que atravs das suas obras, O Espectador Emancipado2 , e o
Mestre Ignorante3 , pretendemos refletir sobre ideias ultrapassadas
sobre o teatro, o espectador e a educao. Meu objetivo ltimo, no
coletar ou forjar receitas e solues, mas sim dar continuidade ao
debate contemporneo sobre a importncia de emancipao do espectador,
como processo de libertao do fascnio que aniquila e aliena sua
capacidade crtica e reflexiva diante dum espetculo. Palavra chave:
Teatro, espectador, espetculo, emancipao, crtica reflexiva.
ABSTRACT Historically the spectator has always been viewed as a
passive figure in theatrical theory. Currently it is still viewed
as a passive receptor, fascinated by appearance and conquered by
the empathy that makes him relate to the characters in the story.
Other theories, however, demonstrate that perceptive capacity is
not only passive reception, but also a form of activity. So as
supported by the ideas of Artaud Antonin, Friedrich Brecht
defenders of modern attempts at theatrical reform, and also of
Jacques de Rancire who, through his pieces "The Emancipated
Spectator" and the "Ignorant Master", has made us reflect on
old-fashioned ideas about the relationship between the theater, the
spectator and the education. My ultimate objective is not to
collect or steal any instruction or solution, but to continue the
contemporary debate about the importance of the emancipation of the
spectator as a form of liberating the fascination that obstructs
and alienates his or her critical and reflective capacities when
dealing with pieces of entertainment or theatre. Key-words:
theater, spectator, emancipation, critical reflective 2 Reflete
sobre a recepo da arte e a importncia tica e poltica da posio do
espectador; 3 Faz importantes reflexes sobre a emancipao
intelectual dos indivduos
3. PUC-RIO FILOSOFIA DA CULTURA 3 INTRODUO Dentro da teia de
indivduos que compe o teatro pode-se encontrar uma figura que
demorou a ser reconhecida e estudada: O espectador. Como um dos
elementos fundamentais da relao teatral merece ser compreendido em
toda a sua dimenso. Por isso, achei pertinente a escolha do tema.
Iniciei a minha investigao com a leitura da obra O Espectador
Emancipado e do Mestre Ignorante de Jacques Rancire4, o que me
levou a refletir um pouco mais sobre a questo do espectador, tendo
em conta, que sou educador e paralelamente tenho uma carreira
teatral como ator desde 1996, no teatro Cabo-verdiano, que nas
ltimas duas dcadas evoluiu de forma significativa, tanto na formao
de atores e atrizes, mas tambm na educao do pblico, ou seja, do
espectador Cabo-verdiano, que se tem mostrado cada vez mais
interventivo, pelas sugestes e crticas pontuais relativamente aos
eventos culturais, nomeadamente o teatro. Utilizei como suporte
inicial para a investigao, duas obras de Rancire e posteriormente
outras obras e artigos disponveis na internet, que versam sobre a
mesma temtica, que serviram de referncias para a elaborao do
artigo, alm da minha contribuio pessoal, atravs da minha
experincia, adquirido ao longo de uma carreira de educador e ator.
Rancire sempre esteve ao lado de posies da esquerda radical na
Europa, ainda que crtico de muitos erros que se foram cometendo ao
longo da segunda metade do sc. XX. uma figura respeitada no mundo
da cultura, as suas teses servem de pilar para muitos que tentam
reinventar um programa de polticas pblicas para as artes. Ele
representa algum a quem devemos um olhar atento para repensar
algumas temticas atuais como: emancipao, para que serve a arte, o
que isto do consenso e arte politizada. Porm, nesse artigo,
ocuparei especificamente da questo da emancipao como fator
transformador do espectador. Para trabalhar esta ideia, Rancire
analisa o papel do teatro hoje e o que ele pode significar nessa
transformao e usa como exemplo a igualdade das inteligncias,
difundida na obra O Mestre Ignorante onde nos revela de forma clara
que a vontade de aprender o que leva o homem a aprender. Advm da a
ideia de uma sociedade de emancipados, onde 4 Jacques Rancire (JR)
filsofo e professor emrito na Universidade de Paris VIII, autor de
vrias obras como o Mestre Ignorante, O Destino das Imagens e O
Espectador Emancipado.
4. PUC-RIO FILOSOFIA DA CULTURA 4 todos saberiam que no existe
desigualdade de inteligncias. O que existe a busca e a ambio por
sempre querer saber mais e mais. Rancire parte da anlise do
paradoxo do espectador, a saber, que no h teatro sem espectador.
Interessa-nos ento, compreender o lugar do espectador na trama
dramtica e situ-lo na dinmica do espetculo que lhe oferecido. Os
acusadores apresentam-no como um mal, assumindo que olhar o
contrrio de conhecer e de agir, sendo o olhar do espectador tomado
como circunscrito ao domnio da aparncia e reduzido passividade.
Ento, podem-se tirar duas concluses: que o teatro algo mau, o lugar
onde gente ignorante v homens que sofrem, como defende Plato, ou
ento no espectador que reside o mal. Como reao a esta concepo de
espectador em busca de um teatro novo que favorea o surgimento de
um novo espectador, ou seja, o espectador emancipado surge no sc.
XX, duas propostas diferentes: o teatro pico de Brecht e o teatro
da crueldade de Artaud. Acredita-se que, essas duas propostas no
resolvem o problema da emancipao do espectador, uma vez que, apesar
de terem tentado transformar o teatro, o espectador continua sendo
algum que precisa ser arrancado da passividade e ignorncia e da sua
condio de observador passivo. A reflexo de Rancire muito
pertinente, pois, permite-nos questionar o lugar do espectador e o
que significa o olhar para o espetculo. Essa reflexo nos convida a
oscilar entre as duas propostas reformadoras do teatro e
questionar: devemos defender como Artaud que, o espectador nunca
perde a condio de observador, arrastado para o espao mgico do
teatro, perdendo toda a distncia ou devemos fazer com que o
espectador seja arrancado da situao de passividade e for-lo a
avaliar o espetculo de maneira crtica, com defende Brecht? Estou
ciente de que, preciso por um fim ao que Jacotot, denomina de
embrutecimento, de reduo do espectador a um ser passivo e
deslumbrado, para que possamos superar esta tenso que caracteriza a
relao do teatro com o espectador. Uma comunidade de espectadores
emancipados uma comunidade em que todos so indivduos so ativos na
sua construo do significado artstico e esttico do espetculo.
Acredito que, mediante a emancipao intelectual, o espectador se
retira da posio de observador passivo que examina calmamente o
espetculo que lhe oferecido, e passa a ter uma postura crtica e
reflexiva, trocando o privilgio de ser um observador passivo e
racional, para um espectador ativo, crtico... essa linha de
pensamento que nortear minha reflexo, sobre a postura do espectador
nos dias de hoje.
5. PUC-RIO FILOSOFIA DA CULTURA 5 O CONCEITO DE ESPETDOR Uma
vez determinado o tema para a elaborao do artigo, Criando
Espectadores Emancipados iniciei a investigao clarificando a noo do
conceito de espectador ao longo dos tempos, para melhor situar
minha pesquisa e refletir sobre essa figura de tamanha importncia,
porm, muitas vezes colocado em segundo plano no domnio teatral,
quando sabemos que a mxima No h teatro sem espectadores uma verdade
incontestvel, e por isso, o espectador uma figura to importante
quanto o ator. Com efeito, o espectador significa objetivamente,
aquele que assiste, presencia ou observa um espetculo, ou seja, uma
testemunha, um observador que aprecia voluntariamente um
acontecimento. Usualmente utiliza-se o termo para denominar aqueles
que apreciam as artes cnicas, a msica, o desporto, a televiso, o
cinema e os espaos arquitetnicos. Tradicionalmente o conceito de
"espectador" determina um ato ou um sujeito passivo, uma vez que,
no interage com o que est assistindo. Entretanto, como afirmou
Peter Greenaway a inveno do controle remoto fez com que a
passividade de quem assiste a um espetculo diminusse, o espectador
de televiso passou a ter a possibilidade de interagir, selecionando
o que deseja assistir. A chegada e a popularizao da internet, tambm
eliminou em certa medida o conceito de passividade do espectador,
tornando possvel novas formas de interao. O espectador passou a
poder selecionar o que quer assistir, quando e onde. A
interatividade da internet foi responsvel por uma busca em novas
formas de linguagem para as chamadas "mdias passivas", que comearam
a perder audincia. Com a necessidade de interao, os produtores de
televiso e de outras mdias comearam a adicionar elementos
interativos para evitar perder espectadores. Atualmente existe uma
mescla das mdias mais antigas com internet, telefone, celular e
outros aparelhos de comunicao mvel, integrando essas diversas
mdias, procurando aumentar ainda mais a interatividade. Contudo, a
nossa investigao extravasa em certa medida as definies simplistas
de espectador, uma vez que, alm da mera interatividade,
possibilitada pelas novas tecnologias de informao e comunicao,
quero trazer tona a contribuio de vrios pensadores, que exerceram e
continuam exercendo muitas influncias na nossa forma de pensar e
analisar as coisas e os acontecimentos culturais, e sintetizar suas
ideias como contribuio para a formao de novas opinies sobre e relao
do espectador/espetculo e da contribuio para a
6. PUC-RIO FILOSOFIA DA CULTURA 6 formao de novos espectadores
ativos, crticos e reflexveis, com um poder cada vez mais aprimorado
nas escolhas. Minha pesquisa centrar em primeiro lugar na anlise de
algumas posies filosficas sobre o espectador, onde enfatizarei as
contribuies de Pitgoras, Plato, Lucrcio e Scrates, depois farei uma
anlise sinttica sobre a viso moderna do teatro e do espectador; a
encenao e o espectador na cena contempornea; o espectador e o
teatro contemporneo e antes da concluso analisarei o ponto fulcral
do artigo, que : criando espectadores emancipados, apoiando nas
ideias difundidas por Rancire nas obras O Espectador Emancipado e o
Mestre Ignorante. Creio que analisando esses aspetos acima
referidos terei conseguido alcanar meus objetivos e trazido a minha
contribuio para a desmistificao e o enaltecimento da importncia da
figura do espectador como sujeito ativo, reflexivo, crtico e
participativo dentro da cena teatral.
7. PUC-RIO FILOSOFIA DA CULTURA 7 ALGUMAS POSIES FILOSFICAS
SOBRE O ESPETADOR: Pitgoras, Plato, Lucrcio e Scrates. Para iniciar
a nossa investigao partimos da figura do homem/espectador como
espectador desinteressado presente na filosofia tradicional. Essa
viso tradicional ocupa uma posio importante, pois, nos ajuda a
clarificar a viso moderna sobre a questo do espectador emancipado
presente na obra de Jacques Rancire, que objeto da nossa investigao
para a elaborao do nosso artigo. Achei interessante investigar
algumas dessas posies filosficas antigas em torno desse tema para
fundamentar melhor a viso ranceriana do espectador emancipado. A
vida ... como um festival, assim como alguns vm ao festival para
competir, e alguns para exercer os seus negcios, mas os melhores vm
como espectadores, assim tambm na vida os homens servis saem caa da
fama ou do lucro, e os filsofos caa da verdade ARENDET. A vida do
esprito, o pensar, o querer, o julgar, pg. 72. Neste fragmento de
parbola atribuda a Pitgoras5 , tem-se a definio bsica do
espectador, com sua localizao e funo. O espectador pitagrico,
aquele que se posiciona fora da competio e observa o espetculo que
apresentado, podendo, assim, captar todo o jogo e compreender seu
significado, o que no possibilitado ao ator. Esse afastamento a
condio necessria para o juzo, visto que o espectador pitagrico no
se interessa pela fama ou pelo lucro. Nesse sentido, h um prazer
desinteressado e imparcial, mas que depende dos outros
espectadores, que tambm comparecem ao festival. O espectador
pitagrico aprecia o espetculo e permanece ligado ao mundo das
aparncias. Na parbola pitagrica, se os atores buscam fama ou lucro,
os espectadores buscam a verdade. A distino entre verdade e
significado indica que, se os filsofos se posicionam como
espectadores, conforme analogia efetuada pela parbola, no deveriam
esperar, como decorrncia disso, a aquisio da verdade, do Bem, mas a
apreenso do significado, do todo. O juzo do espectador pitagrico
movido por um prazer desinteressado, no so mais aceitos pela tradio
filosfica. A opinio associada multido. O que prevalece, para a
tradio, so as verdades dita imutvel, que orientam a conduta humana.
5 Pitgoras de Samos foi um filsofo e matemtico grego que nasceu em
Samos entre 571 a.C. e 570 a.C. e morreu em Metaponto entre cerca
de 497 a.C. ou 496 a.C. A sua biografia est envolta em lendas.
8. PUC-RIO FILOSOFIA DA CULTURA 8 H alguma dificuldade em
definir o espectador platnico semelhana do espectador pitagrico,
apesar de espantar-se e olhar para, tenham a mesma raiz da palavra
espectador. Baseado nos textos de Plato6 , o espectador , por
definio, um estrangeiro. Isso est expresso no final do mito da
caverna. O posicionamento do espectador platnico como um
estrangeiro, privilegia a vida contemplativa, em detrimento da vida
ativa, uma vez que, a contemplao empreendida pelo espectador
platnico permite-lhe afastar-se do mundo das aparncias, onde tudo
contingente, e dedicar-se quilo que possui eternidade, em que a
verdade apresenta carter imperioso, coercivo e necessrio. J
Lucrcio7 descreve a posio do espectador/filsofo da seguinte forma:
que prazer, quando, sobre o mar aberto, os ventos revolvem as guas,
contemplar da costa o penoso trabalho de outrem! No porque as
aflies de algum sejam em si mesmas fontes de prazer; mas considerar
que ests livre de tais males sem dvida um prazer. Nesse contexto,
desaparece a posio privilegiada do espectador grego, como aquele
que tem acesso s verdades imutveis. O espectador descrito por
Lucrcio se apresenta como algum que observa por curiosidade, a
partir de um porto seguro. No precisaria nem ter visto o naufrgio,
pois o mais importante a segurana advinda desse isolamento em relao
ao mundo. Em vez do (espanto platnico), o espectador/filsofo adotar
a atitude contrria, o de no surpreender-se com nada e nada admirar.
A filosofia romana desfere, pois, o ltimo golpe no conceito de
espectador (originariamente pitagrico). De acordo com Arendt, o que
se perdeu no foi apenas o privilgio que o espectador tinha de
julgar o contraste entre pensar e fazer, mas a percepo ainda mais
fundamental de que tudo aquilo que aparece est l para ser visto....
O objetivo do espectador/filsofo colocar-se em segurana, e acaba
por promover uma suspenso da realidade. Se no espectador platnico
no h mais a concepo de juzo, devido ao isolamento e busca de
verdades imutveis, no espectador romano no h mais a necessidade de
preocupar-se em olhar para, colocando-se como espectador, porque o
esprito carregou para dentro de si as aparncias. Mas esse
afastamento adotado pelo filsofo romano sofreu alteraes, com o
decorrer do tempo. Refugiar-se em si mesmo, porto seguro, contra os
males, transformou-se, na 6 Plato foi filsofo e matemtico do perodo
clssico da Grcia Antiga, autor de diversos dilogos filosficos e
fundador da Academia em Atenas, a primeira instituio de educao
superior do mundo ocidental. 7 Tito Lucrcio Caro foi poeta e
filsofo latino que viveu no sculo I a.C.. Nasceu ca. 99 a.C. e
viveu 44 anos.
9. PUC-RIO FILOSOFIA DA CULTURA 9 modernidade, em desconfiana
em relao ao mundo: o homem evita os outros, evita o espao pblico.
Mais do que isso, a desconfiana do homem volta-se para ele prprio,
para os seus sentidos que no seriam aptos a captar a realidade.
Scrates considerado como exemplo de pensador no profissional, por
ter conseguido ficar vontade nas duas esferas [do pensar e do
agir], do mesmo modo como ns avanamos e recuamos entre o mundo das
aparncias e a necessidade de refletir sobre ele. Isso implica que,
ao contrrio do que a tradio filosfica quer reafirmar, a apreenso da
verdade no se faz no mundo em repouso. necessrio compreender o
mundo em que se vive, marcado pelo movimento, ao mesmo tempo em que
o eu torna-se vigilante quanto aos prprios pensamentos. Concluindo,
percebe-se que a figura do espectador presente na filosofia
tradicional em geral, implica o afastamento do espetculo para poder
contemplar todos os detalhes, implica numa retirada do agir, mas no
implica uma quietude prpria atividade do pensamento. Em Pitgoras o
espectador observa o espetculo que apresentado, h um prazer
desinteressado e imparcial; em Plato a nfase no espectador/filsofo
que se retira para o mundo das ideias, e se afasta da multido; em
Lucrcio as qualidades do espectador nem so mencionadas, porque o
que est em questo a segurana do filsofo. a partir da constatao de
uma pluralidade socrtica, interna, que se recupera o conceito e a
funo do espectador, dentro da filosofia poltica.
10. PUC-RIO FILOSOFIA DA CULTURA 10 UMA VISO MODERNA DO TEATRO
E DO ESPETADOR Uma das caractersticas do teatro moderno e mais
concretamente do espectador a pretensa inverso da concepo entre
espectador tradicional como sujeito passivo para espectador como
sujeito ativo, crtico e reflexivo, ou seja, a inverso entre a
contemplao passiva e a ao, que mudou de forma definitiva a viso do
universo em geral e das suas particularidades, principalmente no
que tange s artes cnicas em geral, o teatro, performance, a dana a
msica... Existem vrios eventos que caracterizam o surgimento da
modernidade, como por exemplo, a expanso martima, a reforma, a
inveno do telescpio entre outros descobrimentos que fizeram com que
os segredos do universo fossem revelados cognio humana. Nessa
inverso entre contemplao e ao, a primeira perde sua superioridade
em relao segunda. importante destacar que a verdade buscada atravs
da contemplao efetuada pelo espectador tradicional, no aceita pela
modernidade. De certa forma, a figura do espectador, est
intrinsecamente associada do filsofo que herdamos da tradio
filosfica, porm, a decadncia dessa figura, na tradio filosfica, est
relacionada com a ascenso da figura do ator, na modernidade, ento,
a contemplao, tpica da antiguidade, substituda pela ao na
modernidade. Para melhor representar a vida e as experincias
propostas para o espectador, o teatro moderno, que surgiu na virada
do sculo XIX para o XX, sofreu vrias mudanas a fim de manter um
dilogo com a sociedade. A vida social contempornea marcada por
vrias transformaes. A expanso dos meios de comunicao em massa,
multiplicao de eventos culturais, a criao de diferentes canais de
aproximao, provocam no indivduo contemporneo estmulos diversos.
Estimulam raciocnios, estabelecem alteraes nos valores ticos e
estticos requisitando assim novas maneiras de perceber e
compreender as manifestaes culturais, para que se estabelea um
dilogo profcuo com os espectadores. A arte moderna em geral imbuda
no esprito de participao em todas as instncias culturais pretende
provocar o espectador, propondo-lhe que com senso crtico e
reflexivo organize interpretaes autnomas sobre ela. Por isso, a
arte contempornea vai levar ao extremo a posio do espectador, sendo
que este no deve apenas dar sua interpretao obra, como tambm,
participar da mesma. A obra aberta para que o espectador elabore
outras montagens possveis como no teatro pico brechtiano, em que a
interdependncia dos elementos e a desconstruo da cena se tornam um
bom exemplo da participao do
11. PUC-RIO FILOSOFIA DA CULTURA 11 espectador num mundo
passvel de transformao, em que este pode construir a obra teatral
de outras maneiras para alm da proposta. A ideia de abertura da
obra vai alm, onde a realidade no se mostra mais desconstruda e
transformvel, mas sim uma realidade a ser concebida. No existe mais
uma obra, mas possveis obras a serem construdas pelo espectador. A
arte teatral na contempornea prope uma atitude analtica ao
espectador, no busca construir um consenso acerca da leitura do
espetculo, mas sim que o espectador contemple e analise a obra a
partir de seu ponto de vista como um processo inconcluso que
suscita uma ao artstica na formulao de elementos de significao
inexistentes e anlises pessoais a cerca do discurso cnico, e
juntar-se aos artistas na construo da obra e sua leitura. a posio
dialgica com participao do espectador enquanto co-autor da obra que
determina o carter esttico, reflexivo e educacional da experincia
artstica. Sendo assim, umas das caractersticas do teatro moderno o
fato de incentivar o espectador a uma participao no espetculo
atravs das questes apresentadas pelo autor, com isso, pretende-se
ir alm, quando se faz com que o espectador formule uma concepo
prpria para o evento artstico, participando ao acrescentando novas
interpretaes. O teatro que procura uma reflexo por parte do
espectador tem que estar em consonncia com as alteraes no modo de
vida contemporneo, a fim de estabelecer um dilogo profcuo com este
indivduo contemporneo, estando imerso numa overdose de informao se
encontra sedado; o teatro serviria para despertar, tendo que
provocar este indivduo a elaborar leituras prprias e estimulando a
capacidade inventiva propiciaria a imaginao. Aps uma reflexo sobre
teatro e do espectador na contemporaneidade, posso concluir que o
teatro tem um importante papel na proposio de que o sujeito dos
dias atuais saia da sua passividade, ou seja, de mero observador
passivo do mundo que contempla para tornar-se um ser ativo, crtico
e reflexivo na realizao da obra artstica e na sociedade.
12. PUC-RIO FILOSOFIA DA CULTURA 12 A encenao e o espectador na
cena contempornea Na contemporaneidade, existe claramente uma relao
estreita entre a encenao e o espectador, tendo em conta que, muitos
espetculos buscam atingir o espectador no apenas pelo discurso, mas
pelo carter sensorial, se aproximando fisicamente do espectador
para atingi-lo em suas sensaes e proporciona-lo momentos de
participao efetiva no espetculo. O teatro e a encenao contempornea
rejeitam no somente as caractersticas do teatro tradicional, mas
tambm, de modo geral, a racionalidade da sociedade ocidental,
propondo as bases para um novo teatro e para uma nova maneira de
apreenso do mundo. Algumas propostas do Teatro da Crueldade surgem
nos escritos de Artaud j na dcada de 1920. O termo "crueldade" se
refere aos meios pelos quais o teatro pode abalar as certezas sobre
as quais est assentado o mundo ocidental. Artaud props um novo
conceito de espao cnico, em que ator e espectador se aproximariam
fisicamente, sem qualquer tipo de barreiras que pudesse impedir os
dilogos concretos, reais entre ambos. Essa aproximao visa ativar as
percepes no espectador que, por sua vez, se torna testemunha viva
da ao, e no mero espectador alheio ao drama, assim, a construo
cnica se d atravs de um dilogo constante entre a encenao e o pblico
objetivando concretizar a participao do espectador como um
colaborador do processo de criao, centrado na experincia corprea
dos atores e, por conseguinte, tambm do espectador; o fim da diviso
entre palco e plateia, com a encenao ocupando todo o espao; um
espao teatral no tradicional (espaos adaptados, galpes, igrejas,
hospitais ou quaisquer outros lugares que a encenao demande); e,
sobretudo, o teatro visto como experincia ritualstica, destinada
cura das angstias e reintegrao do homem sua totalidade fsica e
espiritual. Artaud props ainda o estreitamento no encontro entre
encenao e pblico, objetivando novas estruturas, como descreve: A
ideia de uma pea feita inteiramente da cena impe a descoberta de
uma linguagem ativa, ativa e anrquica, em que sejam abandonadas as
delimitaes habituais entre sentimentos e palavras (ARTAUD, 1999,
40). Desta forma, o teatro estabelece a linguagem ativa, de crtica
e descoberta, libertando-se das convenes tradicionalistas vigentes,
que reduzem a importncia do pblico, pois o transforma apenas em
observador, excluso da ao, no refletindo sobre a obra apresentada.
Contrrio atitude passiva, Artaud buscou tirar o espectador do
repouso uma vez que uma das funes do teatro promover o encontro
entre o ator e o pblico.
13. PUC-RIO FILOSOFIA DA CULTURA 13 Estas caractersticas da
cena contempornea aproximam o espetculo teatral da performance,
pois, ela tida como ao real, se opondo ao domnio das aes ditas
fingidas, colocando a encenao a disposio para estabelecer relaes
diretas com o pblico. A modificao estrutural estimula o espectador
transformando-o em agente da ao, eliminando a barreira imposta pelo
jogo ilusionista, que separa a pea teatral dentro de uma caixa
cnica. Entre os elementos teatrais mais combatidos esto viso do
espectador como sujeito passivo e aptico, o teatro como
entretenimento; a caracterizao psicolgica dos personagens a
valorizao exagerada do enredo e o predomnio da dramaturgia em relao
encenao. E encenao contempornea privilegia a relao do espectador e
o espetculo, dando a devida importncia e relevncia ao papel que o
espectador ocupa na cena teatral e na construo de um espetculo. As
ideias de Artaud sustentam a mudana de atitude por parte do
espectador e procura levar para o teatro o carter das experincias
carregadas de fisicalidade pertencentes a culturas no atreladas
civilidade europeia.
14. PUC-RIO FILOSOFIA DA CULTURA 14 O espectador e o teatro
contemporneo Numa sociedade baseada na contemplao passiva em que o
indivduo encontra-se bombardeado por uma avalanche de recursos
tecnolgicos, sons, imagens e informaes, preciso refletir, sobre
como se efetiva a proposta do teatro contempornea para o
espectador. A relao entre o espectador e o teatro contemporneo est
ligada com a maneira de ver, sentir e pensar o mundo. Desta forma,
para refletir sobre o papel do espectador no teatro contemporneo,
importante refletir sobre alguns aspectos da sociedade atual e
diferentes modos de participao do espectador ao longo da histria do
teatro. No drama, o espectador era convidado a se identificar com o
protagonista e embarcar no fluxo de uma ao dramtica contnua, de
acontecimentos encadeados entre si, como se observasse aqueles
momentos atravs de um buraco de fechadura. A encenao contribua para
que estes efeitos se processassem, buscando manter ao mximo a iluso
de realidade daquele universo representado no palco. Estas opes se
relacionam a valorizao dos interesses privados e diante da
necessidade de tratar de questes sociais, coletivas, esta forma
dramtica fechada comea a entrar em crise. Os novos assuntos exigem
uma nova forma e, assim, surge a necessidade de extrapolar o dilogo
e interromper a ao dramtica, incluindo elementos picos nos textos e
na encenao. Tais recursos cnicos propem um movimento de aproximao
do espectador em relao ao dramtica, ao romper com o efeito
ilusionista do teatro. A inteno que o espectador no perca a
conscincia de si e da realidade social enquanto assiste cena e
realize constantemente a reflexo crtica sobre a atitude das
personagens. Sendo assim, o espectador no pergunta o que isto quer
dizer?, mas sim o que est acontecendo comigo?, o que lhe solicita
disponibilidade para participar de um jogo que se apresenta de modo
inesperado e sem uma sequencia estabelecida, porque se prope como
experincia, e, enquanto tal, s se efetiva plenamente se o prprio
espectador se dispuser a constitu-lo enquanto joga. Esta reflexo
sobre o espectador contemporneo parece fundamental para compreender
o lugar que o teatro ocupa na sociedade atual. Se a questo O teatro
necessrio?, Parece uma pergunta boba, mas o teatro uma maneira do
homem se expressar e revela muito de sua cultura. O teatro traz
vida a histria de todo um povo.
15. PUC-RIO FILOSOFIA DA CULTURA 15 Para tanto, Denis Gunoun
acompanha, ao longo da histria do teatro, a formao e as modificaes
do conceito de identificao com o personagem. Na Antiguidade, a
mimese no supunha a identificao. Essa identificao se esboa a partir
da releitura renascentista da Potica de Aristteles e encontra seu
pice no naturalismo do fim do sculo XIX. Diderot, Stanislvski e
Brecht so tomados como marcos na discusso sobre a iluso no teatro,
redirecionada com o surgimento do cinema que, ao se apoderar do
imaginrio do espectador, satisfazendo o seu desejo de identificao,
torna ainda mais evidente a vocao do teatro para o jogo, para o
fazer compartilhado entre atores e espectadores. As anlises mais
crticas sobre a relao entre a televiso, o cinema e a sociedade
colocam em evidncia a contemplao passiva e isolada a que conduzem
os meios eletrnicos. O espectador est sempre condenado a olhar o
que fazem os outros, sem ter nenhum poder sobre a prpria vida. O
que caracteriza a televiso e o cinema o olhar imvel, a contemplao
inerte: isto que caracteriza a televiso e faz dela a expresso de
uma sociedade na qual tudo espetculo, como disse Debord (...) Mas
esta contemplao no fruto de uma preguia ontolgica, mas o resultado
de uma ordem social que vive graas passividade.
16. PUC-RIO FILOSOFIA DA CULTURA 16 CRIANDO ESPETADORES
EMAMCIPADOS Para iniciar essa caminhada, torna-se necessrio
relembrar a metfora do Mito da Caverna de Plato que, pode ser
relacionado com o surgimento do Teatro. Esse surgimento foi devido
reunio de grupos de pessoas em uma pedreira, que se reuniram nas
proximidades de uma fogueira para se aquecer do frio. A fogueira
fazia refletir a imagem das pessoas na parede, o que levou um rapaz
a se levantar e fazer gestos engraados que se refletiam em sombras.
Um texto improvisado acompanhava as imagens, trazendo a ideia de
personagens fracos, fortes, oprimidos, opressores e at de Deus e do
diabo. Nesse tipo de teatro as pessoas eram atores e espectadores
com uma nica funo, fazer passar o tempo vendo a fazendo figuras
engraadas, mas sem nenhum interesse artstico. O pressuposto que
afirma que Quem v no sabe ver, uma mxima atemporal. Isso pode ser
verificada empiricamente ainda numa franja significativa da
sociedade e das suas vivncias no prprio cotidiano, movidos pela
ignorncia deixam ser levados pela aparncia, pela superficialidade,
por uma cultura hedonista baseada numa sociedade de consumo, onde
tudo passageiro e ns somos meros espectadores passivos e
satisfeitos com o que nos oferecido e aplaudimos. Com efeito, a
crise social, artstica, poltica e intelectual na sociedade
contempornea, faz com que as pessoas prefiram a imagem coisa, a
cpia ao original, a representao realidade, a aparncia ao ser. A
realidade no passa de iluso, pois a verdade est no ilusrio. Ou
seja, medida que decresce a verdade a iluso aumenta e as pessoas
cada vez mais ignorantes e embrutecidas. Segundo Rancire, a
emancipao do espectador comea quando se pe em causa a oposio entre
o olhar e o agir, quando se compreende que olhar j uma ao, a ao de
observar, selecionar, comparar, traduzir e interpretar, de criar
uma ideia original daquilo que se observa. Num excerto de uma
entrevista de Jacques Rancire, revista CULT8 , sobre sua obra O
Espectador Emancipado quando questionado porque no fala de TV, ele
afirma: Eu tentei reinterpretar a relao das pessoas com o espetculo
sem me interessar tanto pela questo das mdias. Mas me centrei mais
na ideia, to comum, de que agora no h nada mais alm da TV no h mais
arte, no h mais cultura, no h mais literatura, nada. H casos em que
o espectador est na frente da TV mudando de canal sem prestar ateno
ao 8
http://revistacult.uol.com.br/home/2010/03/entrevista-jacques-ranciere
17. PUC-RIO FILOSOFIA DA CULTURA 17 que est vendo. Eu me
preocupei mais com o cinema, as artes plsticas, nos quais uma relao
forte do olhar est pressuposta. A TV, de modo geral, no pressupe um
olhar forte, mas um olhar alienado ou distrado. No espetculo, o
espectador de teatro levado a trabalhar, porque aquilo que ele tem
sua frente o obriga a um trabalho de sntese. preciso sair de uma
pea, de uma exposio ou do cinema com certa ideia na cabea, o que no
necessariamente o caso da televiso, em que as coisas podem
simplesmente passar. J um lugar onde os espectadores se encontram,
para as artes performticas, por exemplo, implica um recorte fechado
no tempo. No uma questo de suporte, mas do tipo de atitude e de
ateno criadas. Podemos nos colocar na frente de um filme de TV com
a postura de quem est no cinema. Nesse momento, ns agimos como o
espectador de cinema. Analisando o conceito de espectador, Rancire
prope uma analogia com o professor e o aluno. Ento, esta concepo
pode ser comparada com o paradigma antigo do mestre sbio e da
desigualdade das inteligncias. A emancipao intelectual do aluno
consiste na assuno da igualdade das inteligncias e na supresso do
modelo em que o detentor do saber o transmite ao ignorante atravs
da lio. Ento o conceito de espectador emancipado acima de tudo, a
capacidade intelectual individual de cada um, em vencer a ignorncia
que resulta das transmisses apticas de informaes, e por outro lado,
a aquisio de uma capacidade seletiva no que tange ao que nos
oferecido de bom e de ruim, tanto nos meios de comunicao de massa e
nas manifestaes ditas culturais de forma crtica. Por isso, Rancire
tece uma anlise sobre o papel do Teatro e o que ele pode significar
nessa transformao intelectual e usa como exemplo da igualdade das
inteligncias. Ele v o espectador como um sujeito de conhecimento
que constri o sua prpria opinio a partir do que j traz consigo, o
que o conduzir a um saber distinto do que tinha antes. Assim, ele
progride comparando o que descobre com aquilo que j sabe e no
despojado da capacidade, que tem, de apreender aquilo que ignorava.
Rancire critica essa sociedade de espetculos e de espectadores
embrutecidos, essa sociedade que consiste em ingerir tudo o que
existe na atividade humana em estado fluido para depois vomit-lo em
estado coagulado, esse mundo da mercadoria dominando por tudo o que
vivido, diante de seu produto global, mostrando que possvel a
emancipao intelectual dos expectadores. Para ele, cada um deve
estar em seu lugar, e os revolucionrios devem arrancar os dominados
das iluses que os mantm cegos e presos s armadilhas da iluso.
18. PUC-RIO FILOSOFIA DA CULTURA 18 Ao contrrio do pressuposto
expresso de forma alegrica do Mito da caverna, de que Quem v no
sabe ver, o que espelha em parte a sociedade contempornea, para
Rancire, a emancipao do espectador a afirmao de sua capacidade de
ver o que v e de saber o que pensar e fazer a respeito. Para isso,
torna-se evidente para Rancire que preciso refletir sobre a questo
da emancipao do espectador nos dias de hoje, colocando-o no cerne
das discusses entre arte e poltica. Nesse caso, seria preciso
delinear um modelo global de racionalidade, tendo como pano de
fundo o espetculo teatral, expresso que engloba a ao dramtica,
dana, performance, mmica e outros. Os debates e polmicas que tm
levantado a questo sobre o teatro ao longo da histria podem ter
suas origens em uma contradio muito simples, chamado de paradoxo do
espectador. Um paradoxo que pode se provar mais crucial do que o
paradoxo do ator e que pode ser formulado da seguinte forma: No h
teatro sem espectador, e eu acrescento que, no h espectador sem
expectativa, mesmo que seja espectador nico e oculto. Muitos podero
questionar o que venha a ser um espectador? A resposta o mais
simples possvel: Ser um espectador significa olhar para um
espetculo. Contudo, se limitarmos somente a olhar, o que nos
oferecido, sem antes questionarmos e refletirmos sobre esse ato,
esse olhar torna-se uma coisa ruim, por duas razes: primeiro, o
olhar significa estar diante de uma aparncia sem conhecer as
condies que produziram aquela aparncia ou a realidade que est por
trs dela, enquanto que o conhecer, implica uma ao consciente ou a
adaptao em relao a alguma coisa adquirida a partir de uma anlise
racional das percepes desta. Sendo assim o olhar o contrrio do
conhecer; segundo, o olhar considerado o oposto de agir, porque o
espectador que olha permanece imvel na sua cadeira, sem qualquer
poder de interveno. Ser um espectador significa ser passivo, tendo
em conta que, est separado da capacidade de conhecer, assim e da
possibilidade de agir, uma vez que a ao implica o conhecimento a
priori e de um julgamento a posteriori. Assim, analisando o
paradoxo do espectador no existe teatro sem espectadores verossmil
apontar duas concluses opostas: 1)a primeira aquele com que
deparamos quase sempre, ou seja, o teatro como um palco da iluso,
onde espectadores ficam abismados e iludidos com o que veem, ou
seja, um espectador impotente. Neste caso concordamos com Plato,
que afirmou que o teatro um lugar onde ignorantes so convidados a
ver sofredores; 2) em segundo lugar, o espectador seria oposto ao
atuar imvel na sua cadeira, um espectador que deve provocar e
questionar o tempo todo. Olhar de fora para dentro, a
19. PUC-RIO FILOSOFIA DA CULTURA 19 entender o dentro. Sair da
zona de conforto, provocar, escutar, compreender e duvidar de tudo
o que v. O espectador deve sair da posio de observador e examinador
passivo, deve ser desapossado do controle ilusrio do que v
representado. preciso neste caso arrancar o espectador do
embrutecimento, do fascnio pela aparncia, mostrando-o um espetculo
estranho e inabitual. Torna-se necessrio que o espectador saia da
sua zona de conforto e trocar de posio de espectador passivo, para
espectador ativo, inquiridor e experimentador que observa os
fenmenos e procura as causas. Essas duas concluses nos remete para
as duas iniciativas modernas de tentativas de reforma do teatro,
que oscilam entre dois plos opostos, no que tange a participao do
espectador. O teatro pico de Brecht, poeta e dramaturgo alemo
(1898-1956), e o teatro da crueldade de Antonin Artaud (1896 -
1948), ator, diretor, poeta e terico francs. Para o primeiro, o
espectador deve ganhar distncia enquanto para o segundo, o
espectador deve perder toda e qualquer distncia. Para Brecht, um
dos pressupostos o efeito didtico que procura um distanciamento do
espectador. Sua proposta se ope ao teatro clssico e tradicional um
teatro que em vez de suscitar emoes e sentimentos desperta uma
atitude crtica. Para Brecht, preciso arrancar o espectador do
fascinado pela aparncia, da sua situao passiva e for-lo a avaliar o
que lhe dado no espetculo, de maneira a que tome uma posio crtica.
O espectador deve abdicar da adeso emptica ao espetculo e ganhar
distncia. O povo deve tomar conscincia da sua situao e discutir os
seus interesses, o teatro pode conduzir o espectador a um
conhecimento crtico da sua situao, deve desencadear o desejo de
agir, de transformar, em vez de ficar impvido rendido aos
sentimentos que a forma dramtica lhe despertava. Para Artaud, o
teatro da crueldade tambm rejeita as caractersticas do teatro
tradicional, e a racionalidade da sociedade ocidental, propondo as
bases para um novo teatro e para uma nova forma de apreenso do
mundo. Ao contrrio de Brecht, ele defende que, o espectador nunca
perde a condio de observador e deve ser mesmo arrastado para dentro
do espao mgico teatral, abdicando da posio de mero sujeito do
olhar, deve misturar-se, deixar-se invadir pela energia vital do
teatro e, portanto, deve perder toda a sua distncia. Em vez de
estarem perante um espetculo, so envolvidos nele, levados para o
centro da performance, reforando a energia coletiva que s o teatro
pode avivar. O teatro surge ento como uma forma de ritual
purificador no qual uma coletividade posta na plena posse das
energias que lhe so prprias.
20. PUC-RIO FILOSOFIA DA CULTURA 20 Essas duas propostas, a
nosso ver, no resolveram o problema inicial, que embora tenham
tentado transformar o teatro, continuaram a ver o espectador como
algum que deve ser arrancado da sua passividade e ignorncia, em que
sua condio de observador passivo deve ser suprimida. A nosso ver, o
espectador tambm deve agir, tal como o aluno, que observa,
seleciona, compara, interpreta e relaciona o que v com muitas
outras coisas que viu em outras cenas, em outros lugares. Ento,
precisamos de um novo teatro, um teatro sem a condio do espectador
passivo e contemplador, uma vez que, quanto mais se contempla,
menos ele . Precisamos de um teatro onde os espectadores deixem
esta condio, onde vo aprender coisas em vez de ser capturados por
imagens ilusrias, onde tero a oportunidade de se tornarem
participantes ativos, participativos, reflexivos e crticos de uma
ao coletiva em vez de continuarem como mero observadores. Para que
isso acontea preciso que o espectador seja libertado da mera
observao e da fascinao do espetculo, ele deve ser impelido a
abandonar o papel de observador passivo e assumir o papel ativo e
crtico e reflexivo, por forma a realizar a experincia de possuir as
verdadeiras energias vitais do teatro. Por outro lado, o espectador
deve abster-se do papel de mero observador que permanece parado e
impassvel diante de um espetculo distante. Ele deve ser arrancado
de seu domnio delirante, trazido para o poder mgico da ao teatral,
onde trocar o privilgio de fazer s vezes de observador racional
pela experincia de possuir as verdadeiras energias vitais do
teatro. Os dramaturgos de hoje em dia no querem explicar sua
plateia a verdade a e os melhores meios para acabar com a dominao,
uma vez que a perda das iluses muitas vezes leva o dramaturgo e os
atores a aumentar a presso sobre o espectador: talvez ele venha, a
saber, o que deve ser feito, se o espectador destacar da sua
atitude passiva e se tornar um participante ativo no mundo pblico.
Sintetizando estas duas atitudes paradigmticas, a do teatro pico de
Brecht e a do teatro da crueldade de Artaud, chegam-se as seguintes
concluses: O projeto de reformar o teatro oscilou incessantemente
entre estes dois polos de questionamento, por um lado, o espectador
deve ficar mais distante, por outro, deve perder toda distncia. Por
um lado, deve mudar o seu modo de ver para ver de um modo melhor;
por outro, deve abandonar a prpria posio de observador, para passar
a ser um sujeito ativo, crtico e reflexivo.
21. PUC-RIO FILOSOFIA DA CULTURA 21 CONCLUSO Como referi no
inicio do artigo, reitero novamente que, o objetivo ltimo da
investigao no era coletar e nem forjar receitas e/ou solues que
visavam resolver de forma definitiva a viso tradicionalista e
distorcida que se tem do espectador, como um sujeito passivo e
alienado, mas sim, refletir no sentido de poder comear a falar
hoje, e sem reservas que, ns todos devemos em certa medida ser mais
do que meros espectadores, que simplesmente consomem passivamente o
que lhes so oferecidos. preciso que cada um de ns espectador d um
salto qualitativo e ultrapasse essa passividade e alienao secular e
se transforme em um espectador mais interventivo, reflexivo e
crtico na construo de uma sociedade artstica plural, culturalmente
mais evoluda, mais justa, onde a contribuio de cada um indispensvel
para na formao intelectual e valorizao das capacidades e
competncias individuais de cada indivduo, na cena cultural de um
povo. Contrariamente a ideia de Sigmund Freud (1997) de que o poder
do teatro sobre o espectador o mesmo que o poder do brinquedo sobre
a criana, e que permite a identificao segura do ego em mltiplas
relaes, hoje, certamente, o espectador no se deixa contaminar por
essa viso ilusria de um espetculo alienante e embrutecedor. Todos
os agentes teatrais esto motivados em construir espetculos na
esperana que os espectadores sejam capazes de transcender aquilo
que assistem, e de formular suas prprias opinies e no se deixarem
contaminar pela iluso e pelo distanciamento entre o ator e o
espectador, uma vez que, ambos esto conscientes do papel de cada um
na construo do espetculo. Existe uma relao dialgica entre o ator e
o espectador, onde no se pode estabelecer uma relao hierrquica de
superioridade e inferioridade, uma vez que, a existncia de um no
implica a desvalorizao da outra, mas sim, uma parceria que
transcende, tanto os que representam, bem como, os que assistem, no
existindo barreiras objetivamente definidas, quando essa relao
fecunda, e a participao ativa do espectador um imperativo,
consciente e motivado pela abertura e pela possibilidade de poder
acrescentar algo mais ao espetculo. Acredito que no existem valores
absolutos na concepo esttica e poltica na recepo de uma pea
teatral. Contudo, se no se pode aceitar absurdos na recepo de uma
pea teatral, por outro lado, no se pode descrever os limites
racionais e sensoriais, at onde a percepo e a reflexo do homem pode
ir, uma vez que a subjetividade de cada um est relacionada com o
seu grau de emancipao intelectual.
22. PUC-RIO FILOSOFIA DA CULTURA 22 Assim, recusando a lgica do
embrutecimento, da reduo do espectador a um ser passivo e
embrutecido, supera-se a tenso que caracteriza a relao do teatro
com o seu pblico. Entenda-se que, uma comunidade artstica
emancipada uma comunidade em que todos so indivduos ativos na
construo do significado artstico e esttico do espetculo. Reitera-se
que, a reflexo de Rancire muito importante para o debate
contemporneo, pois permite questionar o lugar do espectador e o que
significa o olhar para o espetculo, estando ao mesmo tempo a
questionar a prpria essncia do teatro e a compreenso desse estatuto
singular no seio da arte. Esta pretenso de emancipao afirma, assim,
o poder detido pelo espectador, de traduzir sua maneira o que v e
percebe. o espectador-indivduo que est em causa, o homem concreto,
que faz a sua interpretao do espetculo e s retm o significado que
ele prprio lhe d de forma autnoma desprovido de qualquer tipo de
alienao.
23. PUC-RIO FILOSOFIA DA CULTURA 23 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
RANCIRE, Jacques O Espectador Emancipado. Lisboa: Orfeu Negro,
2010. RANCIRE, Jacques. O mestre ignorante. Cinco lies sobre a
emancipao intelectual. Trad. Llian do Valle. Belo Horizonte:
Autntica, 2002. MARINIS, Marco de. Em busca del aCtor y del
espectador: Comprender el teatro II. Buenos Aires: Editorial
Galerna, 2005. Web Grafia Artigos disponveis nos seguintes endereos
na internet, consultados em maio de 2013. O TEATRO E O ESPECTADOR
NA CONTEMPORANEIDADE: da fragmentao totalidade. Disponvel no
seguinte endereo na Internet:
http://ciadeteatrohedonicos.blogspot.com.br/2010/08/o-teatro-e-o-espectador-na.html
RECENSO CRTICA DE "O ESPECTADOR EMANCIPADO" Disponvel no seguinte
endereo na Internet:
http://acomuna.net/index.php/contra-corrente/4391-recensao-critica-de-
qo-espectador-emancipadoq O ESPECTADOR EMANCIPADO. Disponvel no
seguinte endereo na Internet:
http://antropofagia-interculturalismo.blogspot.com.br/2010/03/o-espectador-emancipado-
artigo-de_12.html ENTREVISTA JACQUES RANCIRE. Revista Cult. Tags:
Entrevista A associao entre arte e poltica segundo o filsofo
Jacques Rancire. Disponvel no seguinte endereo na Internet:
http://revistacult.uol.com.br/home/2010/03/entrevista-jacques-ranciere/