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P A R T E I Currículo O domínio teórico

Curriculo e imaginação

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p A r t e I

CurrículoO domínio teórico

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O currículo e suas concepções ideológicas

Definições da palavra currículo não resolvem problemas curriculares; mas realmente sugerem perspectivas a partir das quais podemos visualizá-los.

Lawrence Stenhouse (1975, p. 1)

O problema do currículo, e principalmente da elaboração de currículo, não é a especificação de objetivos como alvos a serem atingidos pelos alunos, e a construção de um plano de estudos para alcançar esses objetivos. Um currículo, para ser verdadeiramente educacional, levará o aluno a resultados inesperados, em vez de previsíveis. O problema do currículo é antes uma questão de experienciar um curso de ação humana criado por meio de ima-gens e compreensão relacionadas às coisas que realmente importam na vida. Muito do que os alunos experienciam com o currículo escolar não têm impor-tância em suas vidas. Essencialmente, é o desenvolvimento dos poderes de compreensão em relação às coisas que, no final, realmente contam na vida, o que é uma preocupação real para os educadores e o currículo. Um currículo abrange o planejamento e a implementação de experiências educacionais por meio de procedimentos cuidadosamente orquestrados feitos a partir de uma seleção criteriosa da cultura. Falando de forma simples, a educação não tem a ver tanto com chegar e como alcançar as metas, ela é mais sinônimo de viajar com paixão e estar interessado em experiências válidas disponíveis.

Os problemas da vida não são preocupações técnicas de tomar uma medida com uma finalidade. Eles são grandemente morais, culturais e car-regados de valor. Deve-se escolher sabiamente caminhos que estejam em harmonia e sejam consistentes com uma visão unificada de viver que tenha propósito. Aprender a escolher e a valorizar o “momento da ação” é de im-portância central para estudantes e professores, os quais devem desenvol-ver uma compreensão situacional para serem homens e mulheres de razão prática (McKernan, 2006). O currículo deve, se bem-sucedido, despertar a imaginação humana. Essa ideia de um currículo como uma missão singular e manifesta foi habilmente colocada por Macdonald (1982, p. 56):

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A teoria curricular é a que fala a nós “por meio dela”, e o que nós faze-mos é informado pela teoria; mas nem as palavras específicas da teoria, nem os atos pedagógicos específicos de educadores são a realidade da educação. O que define cada uma é o espírito e a visão que brilham por meio das manifestações superficiais.

Este é um livro sobre a elaboração do currículo na ausência de objetivos. A ideia sustentadora é desenvolver um currículo baseado numa teoria da ex-periência educacional, em vez de na mudança comportamental. O ingredien-te central é a experiência, e não o comportamento. O objetivo principal de um currículo é capacitar os alunos a pensarem e a fazerem escolhas criticamente informadas. William Schubert (1986, p. 423) sustenta que o papel do traba-lho curricular é um imperativo moral. Ele o colocou desta forma:

A um educador é confiado o trabalho mais sério que a humanidade con-fronta: o desenvolvimento de currículos que capacitem novas gerações a contribuírem para o crescimento dos seres humanos e da sociedade. Isso significa que aqueles que escolheram se devotar ao currículo devem abordar as questões mais básicas que existem. O que significa viver uma boa vida e como pode ser criada uma sociedade justa?

O currículo se preocupa com o que é planejado, implementado, ensina-do, aprendido, avaliado e pesquisado nas escolas em todos os níveis da edu-cação. A palavra currículo vem do latim currere, o que significa “um caminho a ser feito ou o percurso de uma jornada”, e geralmente é definido como o percurso de estudo numa instituição educacional. William Pinar (1975) ar-gumenta que currere, como o infinitivo latino sugere, envolve a investigação da natureza da experiência individual do público: de artefatos, de atores, de operações, da jornada ou peregrinação educacionais.

O filósofo Richard S. Peters declarou que a educação envolve a inicia-ção de outros em atividades que valem a pena de uma maneira moralmente aceitável (Peters, 1966). Um currículo é a proposta de política educacional em oferta feita por uma escola ou faculdade e se compõe de conhecimento, valores, habilidades e outras capacidades que foram intencionalmente plane-jadas. O currículo pode proporcionar tanto o treinamento quanto a educação. Essa é uma distinção crucial, e o currículo tem um lugar para ambos. As ha-bilidades em basquetebol, as técnicas de gestão em sala de aula ou o proces-samento de computadores não envolvem desenvolvimento do intelecto ou da mente em nenhum grau de profundidade e podem ser organizados dentro de um “modelo de objetivos” do currículo, pois eles estão relacionados com o de-senvolvimento de habilidades e se encaixam em uma esfera de “treinamento”.

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Porém, áreas que invocam conhecimento e compreensão, ou seja, a indução para formas de conhecimento e o desenvolvimento da mente, são a esfera da educação, distintas do treinamento. O modelo de objetivos do planejamento é satisfatório para a instrução e o treinamento, mas ele não funciona em “edu-cação”, onde um modelo de “investigação baseado no processo” é mais apro-priado. O que quero destacar é que nós estamos preocupados apenas com um modelo de desenvolvimento cognitivo da mente ao falar sobre currículo. Ao falarmos sobre educação, é melhor apoiarmos uma teoria de processo em vez de uma teoria do produto, que é um modelo de objetivos do projeto curricu-lar. O currículo pode incluir matemática, história e arte, assim como constru-ção de prédios e basquetebol; mas não coisas como pornografia, métodos de arrombamento ou tiddlywinks.*

Nos últimos anos, uma visão um tanto monopolista da elaboração de currículos emergiu após o trabalho de planejadores comportamentais e de-senvolvedores de currículos racionais, os quais baseavam seu enfoque ampla-mente na visão da teoria comportamental e, mais especificamente, no plane-jamento por resultados mensuráveis. Franklin Bobbit introduziu pela primei-ra vez esse conceito de objetivos no planejamento curricular (Bobbitt, 1918, 1924), e Ralph Tyler (1949) popularizou essa ideia de objetivos comporta-mentais com seu plano de ensino simples para um curso na Universidade de Chicago intitulado Basic Principles for Curriculum and Instruction (Princípios básicos para o currículo e a instrução). É importante observar, para fazer jus-tiça, que Tyler não descreve meramente como um currículo realmente ocorre, mas como ele deve ser desenvolvido.

Essa perspectiva técnica não é apenas um problema curricular, mas tam-bém um problema para a educação de professores. Giroux e McLaren (1986, p. 286) corajosamente alegam que:

Um dos grandes fracassos na educação norte-americana tem sido sua incapacidade de ameaçar ou até mesmo substituir com seriedade o pa-radigma prevalecente do professor como gestor formal na sala de aula pelo modelo mais emancipável do professor como teórico crítico.

Também existem razões políticas e culturais para a maneira como o cur-rículo é proposto e implementado atualmente. Os neoconservadores vende-ram aos criadores de políticas a noção de que o que conta como “currículo

* N. de T. Tiddlywinks é um jogo em que se faz pular pequenas fichas dentro de um recipiente.

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oficial” é uma estratégia política exercida para auxiliar causas como ideologia de mercado, escolha pessoal de educação escolar, padrões de alfabetização, crime e violência na escola: tudo marcadamente distante da preocupação significativa por igualdade de oportunidades educativas, o que foi a marca registrada do cenário político, pelo menos nos Estados Unidos, em educação, desde o caso Brown versus Conselho de Educação na Suprema Corte, em Topeka, Kansas. Na verdade, há evidências de que nova segregação esteja ocorrendo atualmente a uma taxa crescente.

Desde os anos de 1980, existe o chamado da Nova Direita tanto nos Estados Unidos quanto no Reino Unido para uma teoria de responsabilização e de “volta aos princípios básicos”, ou essencialista; uma ideia de ensino e tes-tagem de alunos, juntamente com a avaliação dos desempenhos e das compe-tências dos professores por disciplina. Um tema aliado tem sido o de patrio-tismo cultural e restauração da herança. Isso tudo foi alcançado tirando-se o poder dos professores e dos professores universitários e dando-o a grupos de interesses especiais e ao governo.

Nos Estados Unidos, a política para os currículos e a provisão educa-cional são deveres do estado local. Não há menção de educação na Consti-tuição norte-americana. Todos os assuntos não-mencionados são devolvidos aos estados individualmente. Mesmo assim, os estados ainda estão sujeitos a leis federais, como é o caso do Título X da Lei de Educação para os ensinos fundamental e médio No Children Left Behind. No Reino Unido, apesar de haver autoridades educacionais locais descentralizadas, há um Currículo Na-cional administrado pelo Departamento de Educação e Ciência. Mais controle sobre os professores, responsabilização aumentada e dados baseados em de-sempenho foi uma política tanto nos Estados Unidos quanto no Reino Unido durante os últimos 25 anos.

A concepção de elaboração de currículo desenvolvida neste livro vai contra a visão dos racionalistas técnicos. O modelo de investigação basea-da no processo abandona a ideia de educação como a busca de objetivos instrucionais específicos e a concomitante bagagem de produção fins-meios, em favor da educação como um processo e a afirmação de que currículo real-mente significa ser fiel a certos princípios-chave de procedimento na conduta da educação. O problema do currículo atualmente é que ele é planejado pelo governo de uma maneira antieducacional e não-democrática, com maior fre-quência do que o contrário, e não deixa expressão no nível de desenvolvi-mento e melhoria para aqueles que trabalham no nível essencial. Em resumo, nós precisamos de uma decisão política para que a reforma e a melhoria do currículo baseado na escola ocorra novamente.

Em minha opinião, o currículo precisa ser visto como uma experiência educacional contínua: um processo, em vez de um produto. Ou seja, uma experiência educativa, em vez de um comportamento ou resultado dessa ex-

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periência. Até hoje, o trabalho de Lawrence Stenhouse, esboçado em seu An introduction to curriculum research and development (Uma introdução à pes-quisa e ao desenvolvimento curricular), permanece o relato mais claro de um Modelo de Processo apresentado como uma valiosa alternativa ao modelo de objetivos para a elaboração do currículo.

Uma consequência do crescimento no estudo do currículo foi uma cres-cente retórica do desenvolvimento profissional do professor. Muitos dos prin-cipais tomadores de decisão demandam o reconhecimento de que o professor, como profissional, em qualquer que seja o nível do sistema educacional, tenha um papel a cumprir nas decisões, na investigação e na melhoria do currículo. Esse fato é frequentemente desconsiderado nos Estados Unidos e no Reino Unido, onde o professor não figura no planejamento e no desenvolvimento do novo currículo, mas apenas na etapa de implementação. Na verdade, o currículo em si foi grandemente separado da instrução e da avaliação. Essa separação conta como uma divisão prejudicial e não-profissional do traba-lho. O desenvolvimento profissional do professor, ou o empoderamento, é um objetivo recente para a educação do professor: “Nenhum desenvolvimento curricular sem o desenvolvimento profissional do professor” era um antigo ditado. Porém, Michael Apple (1995) argumenta que os professores perde-ram muito de seu poder e levanta uma interessante questão: “Existe uma voz curricular a reivindicar?”. Na verdade, Apple (1995, p. 38) argumenta que os acadêmicos não têm quase nenhum impacto no campo do currículo público atualmente, nem tiveram nenhuma influência nas últimas décadas nos Esta-dos Unidos.

Stenhouse via o trabalho curricular como uma entidade criativa:

Um currículo é mais como um caderno de um músico do que um projeto de um engenheiro.

Ele requer um elemento de qualidade estética, assim como imaginação. Stenhouse (1975, p. 4) continua:

Um currículo, como uma receita de um prato, é primeiramente imaginado como uma possibilidade e, depois, como o tema de um experimento.

Ele é, essencialmente, uma proposta educacional, que convida à experi-mentação em sala de aula. Essa também é a ligação que torna clara a relação entre o ensino e a pesquisa. Para testar sua prática curricular, o professor precisa adotar um ponto de vista de pesquisa.

Como o conceito de educação, o currículo é criativo, imprevisível em seu itinerário e caminho de crescimento: moral, intelectual, espiritual e construti-vo. Ele é elaborado por meio das virtudes estéticas requintadas de professores

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agindo sobre sua própria compreensão artística e situacional intuitiva sobre o que é certo e bom. Ele opera melhor quando a razão prática é altamente aper-feiçoada. Dunne (1997), um acadêmico educacional aristotélico, defende um raciocínio e uma sabedoria prática, observando que precisamos retornar a esse “terreno irregular”. Na verdade, esse modo prático autorreflexivo de con-duta profissional, apesar de bem identificado por Aristóteles e São Tomás de Aquino, foi pouco explorado na formulação de currículos do século XX.

Apesar das muitas reformas, dos relatórios da força de trabalho e do debate geral relacionado à educação nos últimos anos, o modelo teórico que governa a elaboração e a natureza do currículo e da avaliação permaneceu virtualmente sem ser desafiado e sem modificações, dominado como é por um modo impiedoso de behaviorismo teórico e racionalidade técnica que se introduz profundamente na psique e na cultura nacional. Ainda assim, as possibilidades de modelos racionais alternativos foram levantadas. Este livro traça um contexto existencialista crítico para o pensamento do currículo.

CulturA e CurríCulO

Cada sociedade instala escolas a fim de introduzir os alunos na cultura, ou seja, no modo de ser da sociedade. O filósofo inglês, John Locke, susten-tava que a mente da criança é vazia, ou tabula rasa, no nascimento e deve começar a adquirir o conhecimento, os hábitos e os valores do grupo. Assim, a experiência, particularmente envolvendo os sentidos, fornece a base para o empiricismo de Locke. A tradição oral, especialmente o folclore, as histórias, as músicas, entre outros, são mais evidentes do que a palavra escrita nesse processo. O currículo se torna então uma reflexão do que as pessoas acham que é valioso, do que elas fazem e no que acreditam. O currículo é necessa-riamente uma seleção da cultura e é amplamente composto de conhecimento. Agora, há muito a selecionar da cultura, e essa é a tarefa traiçoeira dos desen-volvedores de currículo e dos construtores de políticas. Conforme comentou um de meus alunos de pós-graduação: “O currículo é como uma biblioteca à qual disciplinas são constantemente adicionadas, mas poucas são realmente retiradas”.

Também há dificuldades em aplicar o conceito de cultura à educação e ao currículo porque vivemos numa sociedade multicultural com valores plu-ralistas. Ou seja, a sociedade norte-americana, assim como a sociedade bri-tânica ou a francesa, contém muitos costumes, tradições e valores, frequen-temente incompatíveis, que são transmitidos, aprendidos e compartilhados. Na prática real, muitas escolas enfatizam grandes quantidades formais de conhecimento, artes, habilidades, idiomas e valores morais na educação. Isso é costumeiro e convencional e, por uma boa razão, esses assuntos ou discipli-

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nas formais de conhecimento chegaram até nós ao longo dos tempos: em sua maior parte de grandes universidades medievais. Esse currículo é conhecido como o Trivium e o Quadrivium, ou “As sete artes liberais”, que estavam pre-sentes de formas incipientes nas escolas gregas, romanas e do mundo árabe. O Trivium compreendia gramática, retórica e dialética (lógica); e o Quadri-vium era composto de aritmética, geometria, astronomia e música. A filosofia ficava relegada ao estudo avançado – daí a tradição do grau de doutorado em filosofia.

O que nós precisamos considerar a respeito dessas sete “matérias” é que elas não se aproximam muito daquilo que leva os mesmos nomes no mun-do moderno. A gramática, por exemplo, era mais do que o simples conteúdo encontrado em cursos de gramática, mas também incluía uma considerável quantidade de literatura, formas de expressão e assim por diante. Nos tempos modernos, o Trivium adicionou ainda história e literatura (Smith et al., 1957).

O currículo de nossas escolas também é um produto da política e de gru-pos de interesse (Giroux, 1994). A base teórica deste livro está fundamentada numa crença de que os educadores são mais do que meros funcionários da burocracia – eles são agentes construtivos de uma renovação cultural. Umber-to Eco, crítico de arte e teórico social italiano, e outros teóricos críticos, como Jürgen Habermas, insistem que adotemos uma teoria da resistência em re-lação à intromissão da comunicação tecnológica (Habermas, 1976). Maxine Greene argumenta que o enfoque técnico congelou nossa imaginação (1995, p. 379). Esta é uma era de conservadorismo e frugalidade teórica.

Observamos o movimento “de volta ao básico” e as chamadas para uma responsabilização econômica com um olhar hostil. William James (1992, p. 514), em seu celebrado trabalho The will to believe (A vontade de acreditar) advertiu:

Há muito tempo os filósofos observaram o fato notável de que a mera familiaridade com as coisas é capaz de produzir um sentimento de sua racionalidade. A escola empiricista foi tão tocada por essa circunstância de modo a ter estabelecido que o sentimento de racionalidade e o senti-mento de familiaridade são a mesma coisa e que nenhum outro tipo de racionalidade existe além desse.

Assim, meio século depois de Tyler escrever seu clássico Basic principles of curriculum and instruction (Princípios básicos do currículo e da instrução), o modelo dos objetivos e o uso de objetivos instrucionais, tanto na testagem referenciada pela norma quanto na testagem referenciada por critérios, as-sumiu um ar de infalibilidade, pelo menos nos Estados Unidos. É um grande argumento deste que essa conjetura é problemática e necessita de um novo exame crítico. Esse autor se alia ao professor Kliebard (1975, p. 80):

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Nós nos perguntamos se a longa insistência dos teoristas curriculares de que o primeiro passo para confeccionar um currículo é a especifi-cação de objetivos tem qualquer mérito. É até mesmo questionável se estabelecer objetivos é uma maneira vantajosa de conceber o processo de planejamento curricular.

Kliebard continua e defende a noção de James do “sentimento de racio-nalidade” na conclusão de sua reavaliação:

Uma razão para o sucesso da fundamentação de Tyler é sua própria racionalidade. Ela é uma estrutura eminentemente racional para o de-senvolvimento de um currículo... A versão de Tyler do modelo evita o absurdo da patente de, digamos, Mager, delineando esse projeto num contorno amplo em vez de em detalhes precisos.

Na América do Norte, na Europa, na Australásia e em muitas outras par-tes do mundo, o sistema de educação está definitivamente em perigo a partir do modelo de currículo e avaliação linear de fins-meios seguido de forma cega. O perigo vem de um inimigo que faz parte dos seus próprios quadros; esse inimigo é uma aspiração dogmática para conservar como relíquia a con-fecção de programas e a avaliação ao redor de um modelo limitado de objeti-vos e sua tecnologia de avaliação concomitante. O valor e a qualidade de um sistema educacional pode ser julgado por um exame de três fatores críticos: primeiro, seu sistema de ensino e a educação dos professores; segundo, seu sistema de avaliação; e finalmente, o seu currículo.

Este livro é oferecido no livre espírito de investigação que pretende abrir a longa discussão que já deveria ter ocorrido há muito tempo sobre o tópi-co de como substituir o paradigma moribundo do modelo de objetivos no currículo. Não podemos oferecer toda a herança cultural para o currículo e, portanto, é necessária uma seleção criteriosa. Quando pensamos sobre isso, o currículo é, na primeira instância, uma seleção da cultura de um povo e é principalmente implementado por meio de discurso e de conversa.

Interpretações do currículo e da imaginação educacional são sempre a ideia de um pensador individual. A ideia surge na mente e então é dissemina-da por crentes que veem o processo de confecção de currículos sob uma nova luz. Essas ideias são quase sempre processadas por profissionais – educadores preocupados com o ensino e a aprendizagem no currículo. Elas são teorias práticas.

Este é um livro sobre elaboração e teoria curricular. Ele é apresentado como uma alternativa ao dominante modelo de objetivos na elaboração de currículos. Como tal, o modelo de investigação do processo apresentado aqui contribui para a teoria curricular. A teoria curricular tem evoluído durante

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este século. Após várias décadas de mudança e inovação curriculares sem precedentes, nos voltamos para uma situação mais estática caracterizada não por uma mudança drástica, mas por um funcionalismo burocrático no qual o modelo dos objetivos técnicos foi imposto nas escolas e também nas univer-sidades. O currículo é a pedra fundamental de qualquer sistema educativo. Uma das características distintas da mudança curricular nos últimos anos tem sido a crescente incidência de planejamento e preparação nas atividades de desenvolvimento curricular envolvendo tanto a formação dos futuros pro-fessores e gestores quanto daqueles que já atuam profissionalmente. Mesmo assim, a maior parte desse planejamento aprovou uma visão monolítica única de racionalidade fins-meios e limitou em vez de expandir a imaginação e o potencial para a experimentação com o currículo. O trabalho curricular é ar-tístico, quando feito da melhor forma.

Bertrand Russel (1950, p. 159) assinala:

O professor, como o artista, o filósofo e o homem de letras, so-mente pode realizar seu trabalho adequadamente se se sentir como um indivíduo dirigido por um impulso criativo interior, e não dominado e restringido por uma autoridade externa.

O movimento pela educação baseada em resultados (EBR) dirigida à racionalidade técnica subjugou o pensamento autônomo próprio dando preferência a resultados, padrões e especificações predeterminados. Isso aconteceu em total oposição ao conceito da mente educada, principalmente porque está em oposição aos direitos dos alunos e professores de exercerem o julgamento intelectual e moral. Eu também acredito que a virtude do in-divíduo e, na verdade, da humanidade, é diminuída quando o julgamento é dominado pela garantia de autoridade. Numa civilização democrática, a educação permite que o aluno e o professor sejam encarregados da res-ponsabilidade de julgamento reflexivo e de um compromisso firme com a emancipação e a liberdade, não com a promoção de uma concepção carac-terizada por metas e resultados predeterminados impondo os limites do conhecimento e da conjectura humana.

Um currículo é um pouco de gosto e julgamento, testando o poder da criatividade, da pesquisa e da avaliação, evocando nossos melhores poderes de imaginação. No passado, pelo menos antes do século XX, os currículos eram vistos como sendo de dois tipos. O primeiro era o currículo oferecido nas escolas comuns, e o segundo era um currículo diferente oferecido nas es-colas elitistas acadêmicas/particulares que cobravam taxas. Uma concepção prevalecente era a de que o currículo era o que quer que fosse ensinado e real-mente experienciado nas aulas. Esse tipo de currículo “verdadeiro” baseado na realidade foi estabelecido como o “currículo programado”. Um segundo

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sentido que surgiu foi que o currículo envolvia toda a aprendizagem que era planejada e orientada pela escola. Assim nós temos de um lado uma noção li-mitada e, de outro, uma mais expansiva do que deve contar como currículo.

O currículo é, acima de tudo, a proposta para um processo educacio-nal. Eu detesto estabelecer definições estritas, mas para satisfazer os críticos apresentarei uma tentativa aqui e várias definições padrão encontradas na literatura:

AlgumAS defInIçõeS de CurríCulO

É toda a aprendizagem que é planejada e orientada pela escola, seja ela realizada em grupos ou individualmente, dentro ou fora da escola.

(Kerr, 1968, p. 16)

O currículo é uma série estruturada de resultados pretendidos de apren-dizagem. O currículo determina (ou pelo menos antecipa) os resultados da instrução.

(Johnson, 1967, p. 130)

Nós vemos o currículo como um objetivo desejado ou uma série de valores que podem ser ativados por meio de um processo de desenvolvimento que culmina em experiências para os alunos.

(Wiles e Bondi, 2007, p. 5)

As experiências totais planejadas por uma escola ou por alunos.

(Wiles e Bondi, 2007, p. 347)

O termo currículo parece se aplicar mais apropriadamente ao programa de atividades, ao curso conduzido por alunos ao serem educados.

(Hirst, 1976, p. 183)

O currículo de uma escola – ou de um curso ou de uma sala de aula – pode ser concebido como uma série de eventos planejados que pretendem ter consequências educacionais para um ou mais alunos.

(Eisner, 2002, p. 31)

Frequentemente, acha-se que currículo significa um programa de estu-dos. Quando libertamos nossa imaginação da noção limitada de que um programa de estudos é uma série de livros-texto ou um resumo específico de tópicos a serem cobertos e de objetivos a serem atingidos, noções mais amplas e significativas emergem. Um currículo pode se tornar o programa de ação de uma vida. Ele pode significar os caminhos que nós seguimos

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e os caminhos que pretendemos seguir. Nesse sentido amplo, o currículo pode ser visto como a experiência de vida de uma pessoa.

(Connelly e Claninin, 1988)

O currículo são disciplinas permanentes como gramática, leitura, lógi-ca, retórica, matemática e os melhores livros do mundo ocidental que melhor reúnem o conhecimento essencial. Um exemplo é o do Currículo Nacional encontrado no Reino Unido, com três disciplinas essenciais e sete fundamentais, incluindo conteúdo e objetivos específicos para realizações dos alunos em cada disciplina.

(Marsh e Willis, 2007, p. 9)

Um currículo é uma tentativa de comunicar os princípios essenciais e as características de uma proposta educacional de forma que seja aberta ao escrutínio crítico e capaz de ser traduzido numa prática.

(Stenhouse, 1975, p. 4)

A ideia de Stenhouse de currículo é uma hipótese que convida ao es-crutínio e à experimentação. Isso lança o professor e os alunos no papel de investigadores ou de pesquisadores com uma visão para melhorar a prática social ou o currículo. Também é muito fiel à noção de investigação-ação, que procura resolver problemas na interação social. Minha definição é semelhan-te ao adotar um processo em vez de especificar os resultados de ensino e aprendizagem. Um currículo é uma proposta que estabelece um plano educa-cional, oferecendo aos alunos conhecimento, atitudes, valores, habilidades e capacidades valorizados socialmente, disponibilizado aos alunos por meio de várias experiências educacionais, em todos os níveis do sistema educacional. Como uma proposta, o currículo é uma hipótese que convida a uma resposta de pesquisa.

A resposta acima não separa o currículo da avaliação nem da instrução, como com tanta frequência é o caso no pensamento contemporâneo. Não há divisão do trabalho aqui. Apenas como o currículo inclui avaliação e investi-gação pelo professor de seu trabalho, não há divisão entre teoria e prática. O aspecto teórico é incorporado na proposta que nasce da prática e é validado por evidências concretas de prática. Também é substanciado por trinta anos de minha própria prática e ensino. Estou afirmando que uma posição de valo-res procedurais é melhor do que um estilo de ensino dirigido aos objetivos. É realmente uma questão de libertar os alunos. O que quero dizer é não ter os alunos dependentes de minha autoridade, aceitar a necessidade de justificar seu próprio raciocínio e evidências para seus julgamentos. Foi Pedro Abelar-do, o filósofo parisiense especulativo do século XI, quem disse que devemos nos basear na crença de usar a razão especulativa que opera a dúvida humana como o meio de avançar a causa da verdade.

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Com estudiosos críticos da educação como Paulo Freire (1970, 1972), a teoria do processo permite uma política educacional que se preocupa em libertar a razão humana e conceder a liberdade; usando a linguagem de Freire, é uma “pedagogia do oprimido”; e com Antonio Gramsci (1971, p. 32), correlaciona a noção de que:

A última fase da escola comum deve ser concebida e estruturada como a fase decisiva, cujo objetivo é criar os valores fundamentais do “huma-nismo”, a autodisciplina e a independência moral.

Um currículo é, acima de tudo, imaginado como um ideal. Devería mos acoplar o currículo a um projeto que inclua conceitos-chave e portfó lios eletrô-nicos dos alunos? De forma alternativa, ele deveria estar baseado numa peda-gogia de descoberta da investigação? Dessa forma, ele é um grande experimen-to. Como uma receita de cozinha, ele pode ter um gosto bom ou ruim. Porém, podemos modificar um currículo como uma receita, adicio nando virtudes como os conceitos de coragem ou de nacionalismo cultural. Ainda assim, ele é, ao mesmo tempo, uma tarefa atrativa da imaginação humana. Ele é, em sua base, simplesmente uma hipótese que convida a ser exposto ao teste da ação. Ele nunca é uma entidade terminada, mas aberta à modificação.

O currículo não deve ser visto como uma prescrição final ou um projeto; ele não é nada mais do que uma ideia, um ideal na forma de uma proposta representa algum plano valioso para nos tirar da ignorância e, dessa forma, resulta em maior crescimento pela educação. Como um ideal, ele brota da imaginação. Ele é concebido como uma imagem, seu propósito é facilitar a aprendizagem e a educação.

John Dewey (1916) defendeu que o propósito da educação é simples-mente o crescimento contínuo da pessoa. Essa perspectiva é apoiada por pro-fessores que entendem que o objetivo da educação é fazer com que os alunos se tornem participantes desse processo – em oposição a serem meros espec-tadores – e que confiem no uso de um processo de investigação para resolver dificuldades, dessa forma permitindo tirá-los da ignorância por meio da au-toexpressão, do pensamento crítico e da motivação de curiosidade (Dewey, 1910, 1938). Aristóteles sustentava que o objetivo da educação é permitir que os alunos gostem e desgostem do que quiserem. Tal perspectiva concede au-tonomia ao aluno. Não é uma em que o aluno é passivo e a única autoridade é o professor.

O CurríCulO COmO umA prátICA SOCIAl

A educação é uma prática social. Os professores e os alunos se encon-tram em interação social dentro da instituição da escola. O currículo não é

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exclusivamente uma questão teórica, mas principalmente uma questão prá-tica envolvendo as ações de seres humanos que farão uma diferença. Como tal, ele constitui um desafio para a práxis – um comprometimento de usar princípios em ação. Uma teoria da ação prática parece ser uma concepção adequada para o currículo. Esse elemento “prático” e a “condição da ação” (Reason, 2006) têm uma forte conexão tanto com o Pragmatismo quanto com o Realismo Crítico. Foi Charles Sanders Pierce quem usou pela primeira vez a palavra “pragmatismo”, que vem da palavra grega pragma, que significa “ação”, num artigo em Popular Mechanics, que apareceu em 1897. A ideia de Pierce é que, a menos que alguma ação faça uma verdadeira diferença, ela é insignificante e deveríamos ser capazes de retraçar as consequências das ações, à medida que elas causam impacto, para determinar essa diferença numa condição empírica.

Quem, quando, por quê e como se tornam questões-chave precisam ser respondidas ao se negociar e implementar um currículo. A educação é um tema prático, social e uma questão altamente moral, muito mais do que faz crer a discussão atual que a trata como uma questão “técnica”. É um grande engano rejeitar a teoria educacional e, na verdade, um currículo, porque eles não podem ser provados. Depois de Aristóteles, devemos nos exigir mais rigor do que a disciplina requer. O currículo é criado, testado e julgado. Como tal, é uma ideia acima de tudo, válida de ser testada – uma hipótese que o educador racional pode oferecer. Como o conceito de cultura, um currículo é criado, compartilhado e transmitido aos outros incorporando valores, conhecimento, habilidades e inúmeras aptidões. Ele se encontra no domínio normativo das crenças e rituais e nos artefatos físicos de textos e de materiais.

O currículo, como termo, é um conceito um tanto recente se aceitarmos o Oxford English Dictionary (OED) como fonte confiável. O termo foi usado origi-nalmente para descrever programas de estudo em universidades e em escolas. Podemos nos referir ao currículo do Direito ou da Engenharia na universidade, ou à aula de história ou de leitura em uma escola de nível médio.

Em termos da experiência americana, Lawrence Cremin sustentou que um precursor da reforma curricular nos Estados Unidos foi William Torrey Harris que, como Superintendente das escolas públicas de St. Louis, come-çou um movimento rigoroso para mudança curricular por volta de 1870 em diante. Enquanto apoiava valores distintivamente racionalistas, ele argumen-tava que o propósito da educação era um processo “pelo qual o indivíduo é elevado à espécie”, ou pelo qual um ser humano autoativo é capacitado a se inteirar da sabedoria acumulada da raça (Cremin, 1974, p. 28). Harris (1898a, 1898b) aprovou uma visão que conferia importância a um processo de alargamento de círculos concêntricos envolvendo a educação familiar, a educação escolar, a indução vocacional e educação cívica e política, assim como a educação religiosa do aluno. Ele defendia o uso do livro-texto como o veículo, por excelência, para a educação pública. Nisso, Harris pagou um

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tributo ao surgimento da psicologia e à ciência em educação na preparação de professores e do currículo escolar. A era do pensamento e da construção do currículo tinha chegado na virada do século XX.

O currículo se preocupa com o que é planejado, implementado, ensi-nado, aprendido, avaliado e pesquisado nas escolas em todos os níveis de educação. Experienciar um currículo não é chegar a um determinado destino, mas ter viajado com uma visão diferente. É na jornada e em suas experiências que um currículo é realizado, não no ato de descer do trem.

Qualquer pessoa que estude teoria e história curricular com certeza logo será confrontada com a pergunta de se a lógica da literatura coincide com as experiências de professores e alunos nas escolas. Há uma vasta diferença entre as duas. Existe o currículo “oficial” e o currículo “verdadeiro” neste debate: o que deve acontecer e o que realmente está acontecendo, para ser objetivo. Além disso, existe o “currículo oculto” que descreve os valores la-tentes que não são planejados, mas que exercem um poderoso efeito sobre os alunos e os professores.

Elliot Eisner declarou que “a qualidade dos currículos escolares e a qua-lidade do ensino são os dois fatores mais importantes de qualquer empreen-dimento educacional” (Eisner, 1983, p. 1). Porém, não há um consenso geral quanto ao que constitui qualidade no ensino e no currículo. Aqui eu desejo sugerir que duas práticas separadas, mas complementares, foram regenera-das a partir do movimento de reforma curricular na Europa, principalmente sob a égide dos programas inovadores de primeira geração: primeiro, o proje-to do currículo sem objetivos comportamentais e, segundo, a revitalização do movimento da pesquisa-ação. Ambos os movimentos surgiram devido a um ataque em grande escala ao modelo técnico da elaboração de currículo, que tinha se tornado distanciado das salas de aula democráticas e das práticas dos professores que buscavam excelência na avaliação.

O IdeAl demOCrátICO perdIdO dO deSenVOlVImentO CurrICulAr bASeAdO nA eSCOlA

Uma das perguntas mais importantes é “Quem deveria melhorar o cur-rículo?”. Durante o início do século XX, houve um interesse difundido em círculos educacionais para um desenvolvimento curricular baseado na escola ligado ao conceito de democracia, particularmente nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha (Dewey, 1916; Whitehead, 1929; Skilbeck, 1984). Na verdade, John Dewey estabeleceu uma “escola-laboratório” na Universidade de Chica-go para seus experimentos com democracia e educação.

Esse é um ideal democrático um tanto profundo, o qual concedeu au-tonomia a escolas locais e a professores para criarem e recriarem seus currí-culos. No Reino Unido, a política do Governo Trabalhista tinha dado poder

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a sindicatos de professores e a escolas locais para exercerem um direito de reformar seus próprios programas escolares e desenvolverem modos experi-mentais de currículo e avaliação sob trabalho comissionado pelo Conselho das Escolas nos anos de 1960 e 1970. Infelizmente, o novo essencialismo e o conservadorismo gradualmente conseguiram de volta o poder das escolas e dos professores e o deram ao governo.

É bastante claro que as escolas nos Estados Unidos não têm a liberdade de decidir o currículo ao nível local da escola. Eu consegui, durante os anos de 1970, aproveitar o trabalho em escolas comprometidas com o desenvolvi-mento curricular baseado na escola na Irlanda do Norte. O conceito foi am-plamente adotado por várias escolas de nível médio, àquela época, por todo o Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, com exceção das escolas de ensino médio (grammar schools) seletivas que estavam fortemente ligadas aos exames GCE-O e A-Level, os quais permitiam pouca experimentação.

Wolfgang Klafki (1975) escreveu um artigo para o Conselho da Europa sobre o tópico do desenvolvimento curricular baseado na escola localizado como pesquisa-ação, o qual Klafki via como uma alternativa à pesquisa empí-rica. Um exemplo precoce de investigação em ação relacionada ao desenvol-vimento curricular na Europa.

Outras influências recentes vieram da filosofia crítica de Jürgen Haber-mas desafiando a primazia do positivismo técnico e analítico em favor de uma teoria social mais crítica dos modelos hermenêutico e interpretativo. Em educação, essa teoria crítica foi introduzida por Wilfred Carr e Stephen Kemmis em 1986, com seu livro Becoming critical: education, knowledge and action research (Tornando-se crítico: educação, conhecimento e pesquisa-ação). O papel aqui seria avançar na emancipação humana e na justiça para livrar as instituições da desigualdade por meio da pesquisa em ação.

Os avanços na avaliação de programas educacionais que contribuíram significativamente para o pensamento curricular como enfoques qualitativos foram adicionados aos estilos quantitativos padrão. A avaliação como “ilumi-nação” (Parlett e Hamilton, 1972), ou como “crítica literária” e “perícia” (Eisner, 2002) ou como “avaliação democrática” (MacDonald, 1971). Michael Scriven (1973) apresentou uma “avaliação sem objetivos”, reconhecendo que os pro-gramas frequentemente atingem efeitos não-previstos, e Robert Stake produ-ziu a “avaliação responsiva” (1967). Todos esses avaliadores criativos permi-tiram que os profissionais entendessem melhor suas ações e seu envolvimento por meio de uma “descrição densa” em vez de uma contagem informal e uma computação de muitos números do estilo comportamental de avaliação.

Enquanto participava de uma reunião profissional na Escócia, fui infor-mado por um professor americano que a maioria dos estudiosos da educação americanos não sabia nada sobre como o currículo ou, na verdade, como a educação era estudada e praticada na Grã-Bretanha ou na Irlanda, ou, de fato, em qualquer lugar na Europa Ocidental. Isso pode ter sido um exagero,

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mas certamente é verdade que, em relação à educação de nível superior par-ticularmente, e à maneira e aos meios pelos quais o currículo e as bases da educação são adotados, pode-se prontamente concluir que, de cada lado do Atlântico, dois campos ou disciplinas completamente diferentes estão sendo estudados.

Stenhouse elaborou seu Modelo do Processo em oposição ao modelo de objetivos do projeto de currículo e, com sua versão reconstruída de professo-res como pesquisadores, manifesta pelo Projeto Curricular de Humanidades (PCH). Stenhouse agiu como examinador externo da minha própria tese de doutorado, que tratava de questões curriculares controvertidas. John Elliott, um membro da equipe do PCH de Stenhouse, quem primeiro avançou no “pa-pel de pesquisador de professores” no Reino Unido, foi um líder e um defen-sor da pesquisa-ação educacional numa escala internacional, e Jean Rudduck, um membro do PCH e, mais tarde, parceiro vitalício de Lawrence Stenhouse, escreveu sobre pesquisa de professores e prática reflexiva na educação de professores (Rudduck, 1989).

Quando cheguei à Irlanda do Norte em 1973, o professor Malcolm Skil-beck era Diretor do Centro de Educação da New University de Ulster e, como orientador de meu doutorado, me aconselhou a imergir no que ele chamou de “cerca de cinquenta ótimos livros”. Skilbeck era um erudito de Dewey e da teoria reconstrucionista social da educação. Os reconstrucionistas acredita-vam que as escolas podem reconstruir uma cultura em crise e são os genuínos precursores da teoria crítica. Skilbeck primeiramente mencionou o trabalho de Kurt Lewin para a resolução de conflitos e sua noção de pesquisa em ação, e nós discutimos o possível papel da pesquisa em ação em nosso Projeto de Estudos Culturais nas Escolas, o qual objetivava uma educação de paz nas escolas de nível médio da Irlanda do Norte. Isso foi durante 1974, e o segun-do ciclo do movimento da pesquisa em ação educacional ainda não havia começado de fato nessa época. O primeiro ciclo começou durante os anos de 1950 nos Estados Unidos (Corey, 1953). A pesquisa-ação decaiu à medida que a pesquisa educacional se tornou dominada pelo método científico, e os estilos de trabalho de Pesquisa, Desenvolvimento e Disseminação (P, D e D) se tornaram a norma (Hodgkinson, 1957). Nós realmente tínhamos a expe-riência já documentada dos projetos curriculares do Conselho das Escolas, e o Projeto Curricular de Humanidades fez incursões para promover a noção do “professor-pesquisador”.

Como estudante de pesquisa de pós-graduação ligado ao Projeto Cur-ricular de Estudos Culturais das Escolas na Irlanda do Norte em meados de 1970, eu estava preocupado com o desenvolvimento curricular em estudos sociais/culturais dentro das escolas de ensino médio que objetivavam promo-ver a paz, a tolerância e o entendimento mútuo. O objetivo atual em todo o Reino Unido para a promoção da “educação para o entendimento mútuo” era um objetivo de política que foi forjado pela primeira vez por nosso projeto na

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Universidade de Ulster. Dessa forma, a “resolução do conflito” era um inte-resse central. Skilbeck organizou um Seminário do Centro de Educação para os alunos da faculdade e de pesquisa em pós-graduação na Universidade de Ulster em torno do tema “Educação e conflito na Irlanda do Norte”. Foi dentro deste seminário que comecei a forjar algumas ideias sobre como o professor e o currículo poderiam ser usados como um auxílio significativo para um en-tendimento entre as comunidades. Uma das primeiras sugestões de Skilbeck foi para eu ler o livro de Kurt Lewis (1948) Resolving social conflicts, no qual ele primeiramente defendia a pesquisa em ação como uma forma aplicada de investigação que resolveria os problemas sociais.

Nas sessões de pesquisa de meu doutorado com o Professor Skilbeck e, mais tarde, com o Professor Hugh Sockett, recebi vários livros de uma vez e me disseram para ir embora e ler, voltando meses mais tarde para discuti-los e me preparar para apresentar uma proposta de doutorado. Não houve aulas a assistir, pois se presumia que minha instrução básica no conhecimento e nas habilidades de educação e metodologia de pesquisa teriam sido adequa-damente concluídas com um bom curso de graduação e um curso de mestra-do como preparação. Eu faria trabalho de campo, escreveria um capítulo e marcaria um horário para conversar com meu orientador, Professor Sockett (no momento certo), que havia estudado sob a supervisão de Richard Stanley Peters em Londres e era um filósofo analítico de educação com um interesse permanente em projeto curricular. Ele movia céus e terras, rascunhando lon-gas páginas de críticas datilografadas para mim referentes a meus capítulos em rascunho para levar junto depois de ter discutido minha escrita. Esse pro-cesso continuou durante vários anos. Atualmente, essa educação de pós-gra-duação difere notadamente daquela nos Estados Unidos. Nos Estados Unidos, os alunos assistem a aulas e talvez a seminários na graduação. Raramente há trabalho individual do tipo tutorial, o que, em minha opinião, é uma gran-de pena e demérito no sistema americano. Ben Bloom (1995) concluiu com pesquisas sobre a aprendizagem dos alunos que o tutorial é o método mais eficaz de aprendizagem. Se aceitarmos esse fato como verdadeiro, então isso afetará drasticamente a maneira como o currículo será organizado e imple-mentado. Os tutoriais estão notavelmente ausentes como um modo de ensino nos Estados Unidos.

Dar aos professores o papel do desenvolvimento e da pesquisa curricu-lar é um ato supremo de educação democrática, pois admite à autoridade e ao poder uma mudança no nível local e solicita que os educadores operem dentro de uma pesquisa reflexiva e de uma síntese de desenvolvimento profis-sional. Os professores logicamente devem ser pesquisadores em tal cenário de mudança. A mais surpreendente hipocrisia é que, por um lado, as Faculdades de Educação defendam o desenvolvimento de “profissionais comprometidos com a prática reflexiva” e, por outro lado, os professores e os administradores sejam privados de sua autonomia profissional.

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O modelo baseado na escola proposto por Skilbeck (1984) admite cin-co etapas no processo de desenvolvimento curricular: análise situacional, especificação de objetivos, organização do conteúdo e construção de progra-mas, criação de experiências de aprendizagem, feedback e avaliação. Skilbeck sustentou que, logicamente, os professores, quando confrontados com uma mudança curricular, não começam a fazer a tarefa abordando as metas e os objetivos primeiro – mas eles se inteiram da situação em que se encontram (“Análise situacional”). Descobri que os professores, na verdade, ponderam sobre as restrições que enfrentam – como, por exemplo, um sistema de exa-mes públicos – e discutem os recursos disponíveis e outras preocupações ime-diatas antes de delinear qualquer meta que esperam atingir. Essa etapa está de acordo com a consciência artística de restrições e recursos, ou com um entendimento situacional. Essa não é uma questão teórica, nem na verdade uma preocupação técnica, mas uma escolha prática e ao mesmo tempo pro-fissional.

A falha de projetos curriculares nacionais grandes liderados por peritos para criar pacotes de recursos e materiais à prova de professores levou, no fi-nal das contas, a uma estratégia de levar os professores aos desenvolvimentos curriculares baseados na escola. Essa concepção de planejamento curricular deriva das necessidades dos alunos na primeira instância, e a necessidade de liberdade de aprender pelos alunos e professores é uma condição necessária de seu trabalho. Ela também sugere que as escolas são responsáveis, como co-munidades humanas, por reagir a seu próprio ambiente. Ao abordar esse am-biente, é vital que os professores sejam pesquisadores e desenvolvedores de currículo ao adaptar a aprendizagem à sua própria ecologia idiossincrática.

Devido a essa experiência e à aclamação de larga escala aos grupos de apoio baseados na escola, essa permanece atualmente uma estratégia margi-nal frente aos pacotes do tipo de grande produção de inovações curriculares da escola. Eu defendo que não pode haver desenvolvimento de currículo efe-tivo sem desenvolvimento dos professores.

O mOdelO dOS ObjetIVOS e A rACIOnAlIdAde téCnICA

Nosso atual paradigma de construção de currículos é o resultado direto das crenças e suposições de engenheiros e psicólogos como Bobbitt, Thorn-dike e Charters, e de tecnologistas que têm dominado o pensamento sobre o currículo durante os últimos 100 anos. Essas crenças estão profundamente enraizadas numa tecnologia e numa prática educacional com base científica. As contribuições de Thorndike e Dewey refletiram essa orientação científica. Em 1910, a primeira edição do The journal of educational psychology continha um artigo de Thorndike intitulado A contribuição da psicologia para a educa-ção. Ele usava uma medição do intelecto e do caráter e terminava por prever

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comportamento, uma noção de fins-meios baseada num regime estrito de tes-tagem de comportamento que veio a ter uma grande importância e conexão política nas nações ocidentais.

Podemos localizar a origem de objetivos educacionais particularmente no trabalho de Franklin Bobbitt, que era engenheiro, e em seus dois princi-pais trabalhos, The curriculum (1918) e How to make a curriculum (1924). O advento da ortodoxia na gestão e no planejamento científico nos anos que se seguiram à Primeira Guerra Mundial consolidaram essa perspectiva. Bobbitt ocupou a cátedra de Educação na Universidade de Chicago, como o fez Ralph Tyler e, mais tarde, Benjamin Bloom, que aplicou princípios de behaviorismo à elaboração da instrução.

Recentemente, uma visão um tanto monopolista do currículo surgiu após o trabalho de planejadores behavioristas e projetistas curriculares ra-cionais que basearam seu enfoque amplamente na noção de pensamento comportamentalista e, mais especificamente, de acordo com o planejamento por “objetivos”. Ralph Tyler (1949) popularizou essa ideia com seu plano de ensino simples para um curso na Universidade de Chicago intitulado Basic principles for curriculum and instruction. Infelizmente, o modelo dos objetivos foi defendido dogmática e agressivamente não apenas na América do Norte, mas também internacionalmente.

É interessante que Tyler parece muito mais direto e liberal do que o grande número de psicólogos que colocaram a sua marca no currículo desde a metade do século, incluindo Popham, Gagne, Bereiter, Carroll, Bloom, An-derson, Block, Guskey e outros que vieram oferecer projetos educacionais de natureza técnica. Tal visão de um currículo restringe a imaginação humana simplesmente porque ela cria limites ou fronteiras em relação ao que é apren-dido e testado. O currículo se iguala ao conhecimento testado. O conteúdo ou o material coberto num curso se torna o meio para os objetivos declarados. Dessa forma, a maior parte dos cursos reduz o conteúdo a um papel instru-mental. Esse é um problema sério. Aceitemos que a educação possa, em cer-tos sentidos, ser vista como uma introdução a formas disciplinadas de conhe-cimento como matemática ou filosofia. Se aceitarmos isso, pode-se justificar a ação da educação por ela ser fiel às formas ou princípios de procedimento, equiparados a essas disciplinas. Trabalhar como um matemático ou um filó-sofo é trabalhar de acordo com e fiel a esses princípios de procedimento, em vez de de acordo com algum objetivo pré-especificado externo e extrínseco à própria atividade. Dessa forma, o modelo delineado aqui é que, se definirmos o conteúdo, ou seja, a base do conhecimento, os conceitos-chave, os métodos de fazer filosofia, seus testes de prova e então estabelecermos um procedi-mento e padrões de ensino aceitáveis para julgar o trabalho dos alunos, então estaremos planejando sem utilizar objetivos. Acredito que esse seja o modelo

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elogiado para trabalhar nas disciplinas do conhecimento porque os princípios de procedimento então se tornam nossos objetivos, e essa é a melhor maneira de contribuir para comunicar a essência desses esforços. As disciplinas nos permitem determinar a absorção para dentro do processo educacional em vez dos resultados. Eisner (1981) defende que houve pelo menos seis con-sequências de currículo comportamental alimentado pelo positivismo e pelo controle científico:

1. O total domínio de uma epistemologia científica na educação que excluiu todas as outras noções de investigação. (De fato, a recente lei federal que foi promulgada com o Título X autorrecomendável, Nenhuma criança deixada para trás (No Child Left Behind, 2001) eliminou tudo, a não ser os métodos mais científicos e quantitativos de pesquisa educacional.)

2. A pesquisa educacional tem se preocupado com o controle. 3. Tem havido uma preocupação com resultados padronizados – tais

práticas enfraquecem as idiossincrasias criativas dos alunos. 4. Um pequeno papel é concedido aos alunos para participação na criação

de seus próprios programas de aprendizagem. 5. A consequência de se ter interesse em questões de controle e medi-

ção levou os criadores de currículos a dividi-los em microunidades de comportamento e, ao fazer isso, a tornar boa parte do currículo insignificante e irrelevante para os alunos.

6. Uma parte demasiada do currículo é caracterizada por escrita sem humor e de qualidade devastadoramente sóbria tanto na pesquisa quanto na prática educacional. Eisner (1981) conclui:

A tendência em direção àquilo em que se acredita ser linguagem cientí-fica resultou numa forma emocionalmente desentranhada de expressão. Qualquer percepção do poético ou do passional deve ser extirpada.

Essa concepção de escrita está em oposição à visão de R.S. Peters (1966), que insiste que seus alunos trabalhem com paixão em tarefas educa cionais disponíveis. A paixão é um bem precioso para o aluno e para o professor.

delIberAçãO e CurríCulO

A deliberação é um conceito significativo associado a todo o campo da “prática” nos estudos curriculares. O currículo é uma atividade prática plane-jada deliberadamente. Vários autores (Reid, 1978; Sanders e McCutcheon,

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1986; McCutcheon, 1995b) desenterraram esse conceito a partir de alguma profundidade. Os autores questionam como a sabedoria prática pode ser faci-litada e desenvolvida. A posição é que os profissionais realmente desenvolvam teorias práticas a partir de sua própria experiência duramente conquistada. McCutcheon (1995a, p. 5) declara que há pelo menos nove características de deliberação. Uma atividade deliberativa é aquela que incorpora a tomada de decisões em seu cerne. A deliberação:

1. considera as possíveis soluções alternativas; 2. prevê as consequências e os resultados de cada alternativa; 3. considera os fatos e os valores, os meios e os fins simultaneamente; 4. age dentro de restrições temporais; 5. é uma atividade moral; 6. é um empreendimento social que consiste em responsabilidade, in-

terações sociais, previsão de eventos e tendências; 7. é simultânea – ou seja, como pensamos e falamos muitas coisas dispu-

tando a atenção de alguém. A deliberação é equivocadamente pensada como uma atividade racional linear clara, quando é frequentemente confusa;

8. envolve a presença de interesses; 9. envolve a presença de conflitos.

Além disso, McCutcheon discute sobre o uso pelos professores de “teo-rias práticas”, ou seja, suas explicações sobre seu pensamento, e ela reuniu uma literatura importante que lidava com o “conhecimento profissional dos professores” (Elbaz, 1983), ou “conhecimento pessoal” de seu trabalho (Con-nelly e Clandinin, 1988). Essa veia de pesquisa é crucialmente importante se quisermos compreender o “entendimento situacional” tido pelo profissional. Uma nova e completa literatura sobre o conhecimento do professor quanto ao ensino surgiu dessa área de “teoria prática”.

Chega-se a parte desse conhecimento teórico por meio de pensamento independente e autônomo, o qual McCutcheon (1995a, p. 147) rotula como “deliberação solitária”. Chega-se a outras teorias por meio de um conhecimen-to socialmente construído em interação com outros em nossa cultura. Dessa forma, o desenvolvimento do currículo é uma atividade planejada deliberada-mente por meio da qual programas de estudo ou outros padrões educacionais de atividade e experiência são projetados e oferecidos como propostas válidas de implementação e avaliação na prática. Essas maneiras de desenvolver e deliberar variam de um sistema nacional para outro. Na Irlanda, costumamos ter uma boa quantidade de desenvolvimento curricular baseado na escola. Nos Estados Unidos, o Estado está, cada vez mais, excluindo a quantidade de controle que os professores e as escolas têm para realizar mudanças.

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ImAgInAçãO e CurríCulO

Mary Warnock (1973, p. 121), uma filósofa inglesa da educação, comen-tou que:

A qualidade na educação é medida pelo grau no qual a imagina-ção é exercitada. Exercitar a imaginação é mantê-la em prática, concedendo a ela atenção, em detalhes, a objetos nos quais vale a pena prestar atenção. E todos os objetos merecem mais atenção nos detalhes do que na superficialidade.

A imaginação, na visão de Warnock, é semelhante ao “pensamento livre” e, portanto, se negligenciarmos a imaginação, então estaremos negligencian-do fortemente a liberdade de um aluno. Dessa forma, um currículo deve for-necer oportunidades para os alunos pensarem crítica e livremente por si mes-mos. Já que os currículos surgem de imagens de práticas desejadas e ideais, nós precisamos introduzir um outro conceito poderoso, frequentemente ne-gligenciado na educação, que é o conceito de imaginação. A imaginação é um ponto central para a mente educada. Ela permite a possibilidade da criação.

O trabalho de Elliott Eisner (2002) e de Kieran Egan (1990, 1992, 2005) se destaca como singular ao lidar com o conceito de imaginação, particular-mente com relação ao bom currículo e à avaliação na educação. Eisner defen-de uma nova forma de avaliação de currículos, posicionando os educadores como peritos na prática que revelam suas qualidades por meio da crítica li-terária. Egan lançou um Grupo de Pesquisa Educacional em Imaginação em sua base na Universidade Simon Fraser para promover o desenvolvimento da imaginação dos alunos por meio da reforma do currículo. Eisner trabalha encorajando novas formas de avaliação, como crítica literária e degustações particulares de qualidade, por meio da perícia educacional.

O cultivo da imaginação é um dos objetivos mais importantes da educa-ção, ainda que ele seja raramente discutido de uma forma significativa. Por imaginação quero dizer duas coisas: primeiro, que o aluno se torna intrigado e seduzido por uma disciplina, tanto que faz dela seu território. Além disso, o aluno se sente compelido pela necessidade de “continuar” com suas inves-tigações individuais. Em segundo lugar, os alunos adquirem ferramentas que lhes possibilitam a habilidade de desenvolver seu conhecimento e habilidades depois de terem deixado a orientação do professor. Isso é particularmente verdade na educação superior. Os alunos na universidade precisam aprender habilidades de pesquisa de modo que possam seguir uma linha de investi-gação que tenha sido seguida por outros, mas com suas próprias questões. Acima e além disso, eles precisam saber que isso é realmente o que eles estão fazendo. Se eles conseguem fornecer uma contribuição genuína e concre-

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ta ao conhecimento, eles precisam compreender que esse é o caso. Essa é uma razão por que, em vez de um exame formal, peço que meus alunos de pós-graduação concluam um artigo sobre pesquisa em ação edu cacional conforme se aplica à sua vida profissional e ao seu trabalho no dia a dia. Meus alunos compreendem assim, ainda que gradualmente, que eles estão fazendo pesquisa que melhorará sua prática e, portanto, fará uma diferença. Eu acho que certa pesquisa em educação realmente faz isso, mas sinto que essa é, geralmente, a exceção à regra. O propósito da educação e da imagi-nação é procurar a liberdade de “continuar” no estudo da disciplina. Uma boa educação, ou aquilo a que podemos nos referir como “qualidade”, então pode ser avaliada na extensão na qual a imaginação do aluno é trabalhada. É semelhante ao pensamento livre, que é crítico. Portanto, se negligenciamos a imaginação, então poderemos estar colocando restrições em nossa liber-dade. Ao permitir aos alunos a oportunidade de pensar livremente por si mesmos, irradiamos nosso ser em autoridade e damos isso como um direito ao aluno. É isso que é emancipatório em relação à Educação. Isso liberta o aluno do patria potestas, a jurisdição parental. Isso é central no conceito de educação, o que meu CREA (Oxford English Dictionary) me informa vir do latim educere, “conduzir para fora da ignorância”, liberando-nos assim da garantia da au toridade. A educação é implementada por meio do currículo nas escolas e é a grande emancipadora em nos liberar de mais do que a jurisdição parental.

Neste capítulo, tenho abordado objetivos da educação, o que levanta ques-tões de filosofia. Os filósofos pelos quais fui influenciado são aqueles do tipo que fazem perguntas como “O que você quer dizer?” e “Como você sabe?”.

O poeta Shelley pensou que era a imaginação, no final, que tornava o amor e a empatia possíveis. A poesia, para Shelley, era influente porque ele pensava que ela interessava diretamente à imaginação.

(Warnock, 1973, p. 112)

Parte do problema do currículo é que nosso conceito ou imagem de edu-cação tem sido a de consumidores e produtos, sem dúvida estabelecidos na obsessão por motivos capitalistas e produção de mercado; ou uma imagem da escola como uma corporação ou fábrica que utiliza mecanismos de controle de qualidade e trata a educação como uma cadeia de produção para o consu-midor. Esse raciocínio nos conduziu diretamente à atual “ideologia de merca-do” que move o currículo e a avaliação nas escolas americanas. A fabricação dos produtos é técnica, mas eu alegaria que a educação tem mais a ver com cuidado afetivo e com uma pedagogia atenciosa. Na verdade, investigações de professores mostram claramente que a principal motivação para ingressar na carreira de professor é cuidar das crianças e ajudá-las a crescer e a apren-der (Ornstein e Levine, 2006).

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A pedagogia, ou a arte de ensinar, é uma palavra que não está muito em voga nos Estados Unidos. Mesmo assim, o conceito de pedagogia ainda tem uso geral na Europa. A etimologia da palavra grega pedagogia vem do radical “ped” ou pé, e significa literalmente “guiar as crianças”. O pedagogo foi ori-ginalmente um acompanhante do aluno entre a casa e o Ludus, ou a escola romana. Alguns desses pedagogos eram, na verdade, escravos com alguma educação que agiam como tutores, diminuindo assim o lugar do pai e suple-mentando o papel do professor na educação (Gutek, 1995, p. 63).

Os professores “educam” se a liderança está baseada em cuidado e amor. Essa é base para um relacionamento educacional entre professor e aluno. Aristóteles comentou que o relacionamento entre professor e aluno era carac-terizado por esse cuidado especial e era um relacionamento afetuoso.

A ideia de currículo colocada neste livro vai contra a noção instrumenta-lista, pois abandona a ideia de educação como a busca por objetivos instrucio-nais específicos, e essa bagagem de produção fins-meios em favor da educação como uma experiência educacional elaborada pela aderência a certos proces-sos, e que o currículo é realmente sobre ser fiel a certos princípios-chave de procedimento na condução da educação. O currículo é o mecanismo que permi-te a educação dos alunos. A educação é um processo englobando princípios e valores-chave – é no dar-se conta desses valores inculcados que somos educa-dos: não por meio da obtenção de resultados triviais vistos como produtos.

Como os currículos são, basicamente, meras propostas, ou hipóteses, e não produtos acabados, sempre haverá questões não-resolvidas e ninguém poderá escrever a última palavra sobre o assunto. Nós todos, como educado-res, nos confrontamos com questões curriculares, algumas mais atormenta-doras do que outras. Ao enfrentar essas questões, nós temos que nos engajar em pensamentos sérios, o que pode ser bem ou malfeito. É tarefa da teoria curricular nos ajudar a pensar melhor sobre essas questões e assuntos. Uma questão central é a da racionalidade. Nós temos versões práticas e técnicas da racionalidade. Podemos perguntar: “Que racionalidade deverá prevalecer?”. Em todos os casos, um primeiro passo para responder perguntas sobre cur-rículo racionalmente é entender a pergunta. Entender é frequentemente o objetivo ou o propósito de ensinar e aprender é sempre visto como sendo um objetivo crucial do currículo. Mesmo assim, o entendimento em si é carregado de dificuldades, mesmo para os filósofos. Eu posso sustentar qualquer uma das seguintes posições convincentemente:

• “Euentendocomplementeoquevocêdiz”.• “Eunãoentendooquevocêdiz”.• “Eunãoentendocompletamenteoquevocêdisse”.• “Euachoqueentendioquevocêdisse”.• “Euentendooquevocêdiz,massuacompreensãoestáerrada”.• “Euentendimaloquevocêdisse”.

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Stenhouse (1975) afirmou que nós poderíamos decidir projetar o currí-culo de três maneiras:

1. planejamento, considerando questões epistemológicas do conhecimento. O “Modelo do conteúdo”;

2. planejamento, pela consideração das características do aluno. O “Mo-delo do processo ou desenvolvimento do aprendiz”, e

3. planejamento por objetivos. O “Modelo dos objetivos”.

Ou seja, nós podemos planejar com relação ao conhecimento, ao aluno ou ao resultado desejado.

Planejar um currículo é como projetar um edifício. Em primeiro lugar, qual será a finalidade do edifício? Assim, sua função é levada em conside-ração. Em segundo lugar, quanto dinheiro está disponível? Desse modo, as questões práticas são essenciais na elaboração.

Os construtores de políticas são notoriamente obcecados pelos conceitos de custo, efetividade e eficiência e não apenas por educação. A elaboração de currículos e a educação escolar devem ser gerenciadas cientificamente, ecoando conduta em corporações, fábricas e instituições financeiras. Diz-se que tal engenharia é “racional”, isto é, toma um meio para um determinado fim. Mas tanto Dewey (1910) quanto Oakeshott (1966, 1981) argumentaram que tal pensamento, colocado pela primeira vez por John Stuart Mill em On the logic of the moral sciences (1843), é realmente vago. A descrição de Mill sobre a ação racional é a base da análise racional científica para o planeja-mento, e é verdade que muitos educadores veem a si mesmos como cientistas comportamentais. Mill argumentava que a ação racional é a ação planejada. Devemos primeiramente considerar o objetivo a ser atingido e selecioná-lo cuidadosamente. Devemos então determinar, com o auxílio da ciência, o que o capacitará a atingir seu objetivo. Você então tem que agir com base nesse conhecimento. Mill argumentava ainda que as ações que se desviavam desse procedimento são muito menos racionais.

Michael Oakeshott (1966, 1981) é talvez o crítico mais duro da descrição de ação de Mill. Para Oakeshott, é inconcebível que possamos desligar-nos de nossos objetivos de forma bastante independente do contexto aos quais eles foram dirigidos. Nossas ações são parte de nossos modos de proceder, de permanecer numa situação, assim como há maneiras de continuar em um debate ou jogo. A tese central de Oakeshott é que as ações não podem ser se-paradas ou desligadas de seu contexto social. O que torna uma ação racional para Oakeshott é até onde ela se adapta ao “modo peculiar de expressão da atividade”, ou seja, o contexto no qual nós agimos. Os que apoiam as noções de Tyler de planejamento curricular racional devem se defender dessas crí-ticas. Discutivelmente, não houve muitos críticos de racionalidade técnica e

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os educadores frequentemente se encontram perseguidos pela racionalidade fins-meios incorporada em nosso sistema escolar e educacional. Os professo-res frequentemente são vistos e veem a si mesmos como funcionários numa burocracia. Isso se torna mais visível quando eles são envolvidos em padrões de responsabilização do Estado e, é claro, testam os resultados e coisas se-melhantes.

Muito da educação ocidental poderia ser avaliado teoricamente como sendo behaviorista e neo-essencialista em sua natureza. Existe uma crença recém-descoberta em matérias básicas, currículo essencial, testagem, contro-le e responsabilização por meio da obtenção de resultados especificados em termos comportamentais. Essa tendência se iniciou por volta de 1980 com po-líticas educacionais conservadoras, discutivelmente importadas da Grã-Breta-nha, onde Margaret Thatcher, ela mesma uma neoconservadora e professora no passado, que implementaram a perspectiva de mercado social, em todos os níveis da educação britânica. Foi uma mudança na política em oposição ao controle e à decisão local e em direção ao controle governamental das políti-cas educacionais – frequentemente com poucos e incoerentes recurso.

Nos Estados Unidos, isso pode ser chamado de “O Novo Federalismo” caracterizado por cinco tendências:

1. maior escolha para os pais; 2. desregulamentação de regras; 3. cortes e redimensionamento em todos os níveis e programas; 4. consolidação de agências e eliminação de programas; e 5. estabelecimento de padrões nacionais.

Essa última fica um pouco em desacordo com as preocupações mais des-centralizadas das outras tendências, esforçando-se para obter padrões nacio-nais e testagem em que os professores e os alunos são responsáveis por seus desempenhos. Assim, pode-se analisar uma mudança na política de educação federal americana que pode ter sido classificada como reconstrucionista ou, pelo menos, progressiva em vez de tradicional-essencialista.

O debate atual sobre necessidades curriculares precisa reconhecer que o uso de objetivos instrucionais como a base fundamental para o planejamento é seriamente falha, não apenas como um modelo de planejamento, mas como um modelo de avaliação da aprendizagem do aluno. Essa situação da apren-dizagem do aluno também é criticada por Dewey (1916) ao argumentar que nossos resultados – o que os alunos realmente alcançam – são diferentes de nossos objetivos previstos e pretendidos – que estamos almejando. Ao tentar atingir nossos objetivos previstos ocorre todo tipo de interação, mudando nossa trajetória, e nós não devemos, como ele disse, ficar sob uma “tirania de objetivos”. Para Dewey, a meta da educação não era alcançar algum padrão,

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ou objetivo, mas “atingir cada vez mais crescimento”. Sockett (1976) esbo-çou essas objeções em seu ataque à descrição de Mill, pois ela se relaciona ao projeto do currículo.

Na maioria das nações, os cidadãos estão exigindo cada vez mais de seu sistema educacional. Solicita-se que as escolas estabeleçam programas de educação quanto a drogas, ensinem pensamento crítico, educação do caráter, educação tecnológica, combatam as desigualdades, o racismo, o crime e até mesmo preparem os alunos para aceitar a morte, além de cumprir o papel tradicional de comunicar a cultura e a herança cultural.

COnCepçõeS de CurríCulO

Por noção de uma “concepção” de currículo, eu me refiro explicitamente a uma orientação definida, ou a valores, englobados numa perspectiva cur-ricular, que caracteriza as virtudes mais valorizadas ligadas a um estilo ou a uma prática curricular. Vários pesquisadores sobre currículo trabalharam essa ideia (Eisner e Vallance, 1974; Schubert, 1986; Eisner, 2002; Marsh e Willis, 2007). Acredito que seja muito difícil classificar pessoas e políticas dentro de um sistema que rotula; porém, ao pensar sobre isso, deve-se necessariamente ver que todos os currículos são baseados numa concepção ou visão de quali-dades ou valores desejáveis. Eisner (2002) apresenta uma discussão profunda sobre a noção de ideologias curriculares. Ele sugere concepções ou ideolo-gias que rivalizam: Ortodoxia religiosa, Humanismo racional, Progressivismo, Teo ria crítica, Reconceitualismo e Pluralismo cognitivo.

Dessa forma, as ideologias são mais do que modelos – elas têm uma es-sência política em seu núcleo. A base de valores a partir das quais as decisões são tomadas sobre o que e como ensinar. Essas ideologias frequentemente são interpretadas como orientações filosóficas, tais como as teorias perenialistas.

SeIS IdeOlOgIAS de CurríCulO

Identifiquei seis grandes concepções, ou ideologias, curriculares, que estão notavelmente em correlação e se coordenam de perto com as seis orien-tações de valores dos professores que eu independentemente obtive a partir do trabalho de pesquisa com os sistemas de valores dos professores em todo o mundo (ver Capítulo 11). Acredito que haja grande implicação entre as cons-truções teóricas colocadas na literatura e os dados reais encontrados a partir de pesquisa com professores em quatro nações a qual requer uma maior ex-ploração e explicação. As seis ideologias curriculares são:

1. intelectual-racionalista (grega/romana/medieval); 2. teo-religiosa (cristã-escolástica, islâmica, judaica);

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3. social-romântica (centrada nas crianças); 4. técnico-comportamental (eficiência na ciência); 5. pessoal - do cuidado (autocrescimento e autopercepção); 6. político-crítica (igualdade-meliorista).

A história da educação mostra muito bem padrões claros de preferência na mudança de uma tradição intelectual-racionalista, que se funde com o avanço da educação cristã, à tradição humanista do Iluminismo centrada nas crianças. No período moderno, a preocupação com uma ciência da educação levou a concepções técnicas e comportamentais. Paralelamente havia uma preocupação de alguns elaboradores de currículos em focalizar os valores e o crescimento pessoal do aluno como pessoa. Eu chamo essa tradição de “pes-soal-humanista”, e ela pode ser vista no trabalho de Jean-Jacques Rousseau, Friedrich Froebel, A.S. Neill, William Pinar, Carl Rogers, Sidney Simon e ou-tros. Desde 1945 tem havido uma tentativa consciente de empregar o currícu-lo para alcançar igualdade de oportunidade e, com o surgimento da pesquisa curricular sobre a desigualdade, surgiu uma nova ideologia “político-crítica” vibrante para o currículo.

De onde veio o conteúdo, geralmente chamado de “disciplinas”, ofereci-do nas escolas? O que deveria estar no currículo? Que conhecimento é o mais válido? O conhecimento de quem é mais vantajoso? Essas perguntas convi-dam nossa imaginação a trabalhar. Uma visão geral de vários concepções ou ideologias curriculares está a seguir.

Ideologia intelectual-racionalista

Essa concepção de currículo foi a primeira e é vista no desenvolvimento da educação nos estados gregos e romanos e com o currículo das primeiras universidades da Europa baseado nas sete artes liberais, ou o Trivium e o Quadrivium. O racionalismo intelectual tem a visão de que a função da educa-ção é cultivar o intelecto e promover o crescimento intelectual sujeitando os alunos às formas mais racionais de organização das disciplinas que têm sido constantemente passadas adiante. Esse é um empreendimento dirigido pelo conhecimento com o desenvolvimento da mente como uma virtude. Uma par-te integrante disso é o perenialismo, ou a ideia de que o caráter é permeado por uma busca pela verdade e contém o melhor da herança cultural, sendo, portanto, “perene” em sua natureza. Essa é a ideia de que a verdade será sempre a mesma e que esses estudos (matemática, música, etc.) passaram no teste do tempo e deveriam ser estudos permanentes no currículo. Essa é, sem dúvida, a forma mais antiga de organização curricular, datando pelo menos do Idealismo Platônico. A ideia é que o currículo requer uma seleção de elite do verdadeiro conhecimento. As escolas não existem para atender a todas as

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formas de necessidade social ou atividades extracurriculares especiais, pois essas, no final das contas, tomam o tempo necessário para atividades intelec-tuais e acadêmicas que valem a pena.

Ideologia teo-religiosa

As escolas mais antigas conhecidas ficavam no Vale do Tigre, onde é hoje o Iraque, por volta de 6.000 a.C. Essas eram conhecidas como Edubba, ou “Escolas das tábuas”, cujo propósito era o treinamento religioso de jovens usando uma tábua de madeira cuneiforme para o texto (Webb et al., 2003). Escolas religiosas semelhantes também foram características da educação no Egito a partir de 3.000 a.C. para educar escribas religiosos ou dos templos. Na tradição ocidental, as Escolas Monásticas indiscutivelmente evitaram que as luzes da civilização fossem apagadas totalmente durante a Idade Média do ano 500 até 1.000 d.C. As “Escolas Catedrais” também demonstraram a primazia da religião na educação depois de Carlos Magno. Após o surgimento das universidades, por volta de 1.100 d.C., São Tomás de Aquino, um padre e professor universitário dominicano de Teologia em Paris, promoveu a lógica dedutiva como um modelo de raciocínio primário interligando o pensamento aristotélico com as doutrinas da Igreja Católica Romana. Porém, a supremacia do Escolasticismo foi devastada pelas ideias que sustentavam a Renascença, e a mudança dos valores religiosos para o ideal do cavalheiro cortesmente educado.

Na América do Norte, a religião foi o fator galvanizador central no surgimento tanto da educação particular quanto pública. O historiador E.P. Cubberley (1934) argumentou que três tipos de influência religiosa foram transplantadas da Europa para os Estados Unidos. Em primeiro lugar, o tipo igreja-estado fundado na Nova Inglaterra por congregacionalistas puritanos, por exemplo, o estabelecimento de Harvard como um “Divinity College” em 1636 e a aprovação da “Lei de satanás, o conhecido enganador” de 1647, a qual tornou as cidades responsáveis por construir escolas elementares cita-dinas e de gramática latina. Em segundo lugar, a tradição paroquial tanto dos protestantes quanto dos católicos na Pensilvânia e em Maryland e, em terceiro lugar, a tradição das Escolas de caridade e dominicais encontradas nos estados da Virgínia e das Carolinas. Para entender essa realidade, basta constatar que todas as faculdades da “Ivy League” (Liga da Hera) eram man-tidas por doações religiosas. Na verdade, não havia uma universidade pública até depois que a República foi estabelecida. A Universidade da Carolina do Norte, da qual a Universidade da Carolina do Leste, onde eu trabalho, é uma instituição constituinte, foi fundada em 1789. Até mesmo atualmente, cerca de 12% das crianças frequentam escolas particulares, em sua maioria religio-sas, nos Estados Unidos. Eisner (2002, p. 57) declara: “Nos Estados Unidos,

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cerca de 90% de todas as escolas de nível fundamental e médio particulares ou independentes pertencem à religião católica romana”.

Ideologia social-romântica

Essa ideologia se concentra nas necessidades e nos interesses da criança em vez de na disciplina ou conteúdo a ser ensinado. Parte da mensagem é que os alunos precisam estar prontos para estar com os outros em sociedade – pa-ra serem democráticos e sociáveis. Os expoentes vão de Comenius, com sua pai xão pela paz e justiça, ao naturalismo romântico de Rosseau e o trabalho de Johann Pestalozzi e o jardim de infância de Froebel. Os progressistas do sé-culo XX incluem, mas não estão limitados a A.S. Neill na Grã-Bretanha, John Dewey e William Kilpatrick nos Estados Unidos e Maria Montesorri na Itália.

Notavelmente, Dewey almejava ensinar aos alunos uma “lógica de inves-tigação” com a qual resolver problemas. Essa é a essência do Pragmatismo, a filosofia que conduz muito do experimentalismo de Dewey e de seus seguido-res. O Progressivismo de Dewey adota um método científico de pensamento e ação (Dewey, 1910). Para Dewey, o currículo não começa com o conhecimento como a fonte, mas com a criança e sua natureza. O professor A.V. Kelly (1989, p. 87) audaciosamente afirma: “os valores fundamentais da educação devem ser encontrados na natureza do desenvolvimento humano e em suas potenciali-dades”. Esses teóricos também apontaram as profundas mudanças no papel do professor usando um enfoque de desenvolvimento humano centrado na crian-ça. De perito em uma disciplina a facilitador; de juiz a conselheiro; do papel do professos como mestre em textos ao de alguém que foca na pesquisa.

Ideologia técnico-comportamental

Essa é uma série de valores que encorajam os alunos a serem consumi-dores no sistema capitalista: produção, consumo, mensuração e vocacionalis-mo. Os alunos são vistos como contribuidores para a economia de mercado e são preparados para participarem da globalização. A grande ênfase no currí-culo para o trabalho na carreira e o incentivador empurrão aplicado àqueles aspectos do currículo governados por cursos de tecnologia são a evidência desses valores. Na verdade, a maneira pela qual o currículo é avaliado tanto para os alunos quanto para os professores evidencia essa preocupação de res-ponsabilização emergente. Os alunos e os professores obtêm a mensagem de que eles serão responsabilizados pelos resultados de seu desempenho e que há uma visão ampla de que a educação está na preparação da base para o mundo do trabalho – ou seja, ela é instrumental na condução de alunos para essa transição.

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Ideologia pessoal - do cuidado

Talvez a ideologia mais amplamente aplicada pelos professores seja a orientação do cuidado (ver Capítulo 11). Ela é encontrada em currículos e nas pessoas que advogam o cuidado e o bem-estar da criança.

A Pesquisa Nacional, conduzida pelo Metropolitam Life, sobre as moti-vações dos professores para ingressar na profissão, mostrou que a primeira razão pela qual as pessoas se tornam professores é para ajudar as crianças a crescer e aprender (Ornstein e Levine, 2006). Essa ideologia encontrou am-paro intelectual de escritores como Jane Roland Martin com seus três Cs (em inglês) – atenção (care), preocupação (concern) e conexão (connection) – e nos escritos de Nell Noddings e William Pinar dentro dos Estados Unidos. Na Grã-Bretanha, a ênfase tradicional em programas de cuidado pastoral (Ham-blin, 1984) em escolas se tornou parte da estrutura curricular. O cuidado pastoral enfatiza o papel do professor como “pastor”, cuidando de todas as necessidades dos alunos a partir do aconselhamento até a educação para a vida (McKernan et al., 1985).

A ideologia pessoal se preocupa com o crescimento do aluno como pes-soa. Ela sinaliza uma ênfase na autorrealização, na harmonia interior, no au-torrespeito e na dignidade e no valor das pessoas. Nesse último sentido, ela pode ser vista como exercitando suas características curriculares humanis-tas. Ela responde às perguntas “Quem sou eu?”, “Quais são meus valores?”, “Como posso aprender a esclarecer meus valores e crenças?”. Educadores existen cialis tas e reconceptualistas veriam isso como uma prioridade para o currículo – uma forma espiritual de valores na construção da identidade edu-cacional e pessoal. Eisner (2002, p. 31) declarou que, na ideologia da autor-realização, conteúdo só é importante se ajuda o aluno como pessoa individual e quando é definido por peritos externos.

Uma característica proeminente da ideologia do currículo pessoal do cuidado é a crença de que os alunos precisam aprender como tomar decisões e fa zer escolhas morais – escolhas que, no final das contas, afetam seu bem-es tar pessoal, por exemplo, “Quem sou eu?”, “Devo ou não usar drogas?”. No projeto de estudos culturais nas escolas na Irlanda do Norte, os alunos ti veram oportunidades de exercitar a tomada de decisões sobre seus valores e de esco-lher entre alternativas concorrentes. O método do estabelecimento do valor de Dewey – um processo de escolha, apreciação e ação sobre escolhas – foi usado como um processo de esclarecimento de valores por outros (Raths et al., 1966). A educação moral e de valores é central na ideologia humanística.

Essa ideologia do cuidado e humanística também tem uma preocupa-ção com o desenvolvimento do aluno como um ser espiritual. Philip Phenix (1974) chama essa dimensão de transcendência – a ideia de o aluno ir além de qualquer estado ou compreensão ilimitados. É semelhante à infinitude – a

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exploração ilimitada. O aluno, nessa ideologia, está comprometido a investi-gar e ir além dos limites para crescer ainda mais, de acordo com o objetivo de Dewey de crescimento (Dewey, 1916).

A ideologia político-crítica

A ideologia político-crítica tenta revelar e expor os valores de suporte que sustentam o currículo – ela assumiu a causa previamente utilizada por um curto período por pensadores reconstrucionistas sociais que vê as escolas como agências de renovação política e cultural.

A ideologia crítica consideraria cuidadosamente questões que sustentam a desigualdade na escola, por exemplo, as relações de gênero, ou as análises de experiência de classe social que afetam o desempenho escolar.

Eisner (2002, p. 73) sugere:

A teoria crítica apresenta uma das mais visíveis e articuladas análises da educação encontradas nas páginas de revistas sobre educação e em livros dedicados ao estado das escolas. É por essa razão – sua proemi-nência na comunidade intelectual e seu potencial para reformar as atuais prioridades das escolas – que está incluída aqui como uma ideologia que afeta a educação em geral e o currículo em particular.

Essa perspectiva obteve aceitação atacando algumas das desigualdades sociais que servem como um tipo de “currículo social central de cabeça para baixo” depois da Segunda Guerra Mundial, tanto na Grã-Bretanha quanto nos Estados Unidos. Os problemas de conflito intergrupal, racismo, antissemitis-mo, meio ambiente, pobreza, questões de gênero levaram alguns a procurar papéis ativos para as escolas ajudarem a transformar a cultura por meio do ensino da igualdade e da resolução de conflitos. No nível escolar, o Projeto de Estudos Culturais nas Escolas antes mencionado promoveu o entendimento dos alunos sobre questões controversas e tentou avançar nos processos de resolução de conflitos e esclarecimento de valores. Um resultado direto foi a extensão da “educação para o entendimento mútuo” para todos os outros professores no Reino Unido. A ideologia crítica procurava empoderar todos que trabalham na escola – professores, administradores e alunos. Mesmo as-sim, conforme observa Eisner, elas tendem a enfatizar o negativo e não o positivo – e suas críticas penetrantes provavelmente não têm muito impacto sobre a política.

Concluindo, pode até ser que a melhor maneira de revelar e desenterrar os valores do currículo de uma escola seja por meio da exploração direta da priori-dade que o currículo dá a uma ou a todas as seis ideologias curriculares acima.

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deSenVOlVImentO dO CurríCulO

As mudanças políticas, econômicas, sociais, jurídicas e tecnológicas em culturas durante este século levaram o currículo a ser modificado, adaptado e radicalmente alterado em instituições educacionais. Essas mudanças afeta-ram o significado da educação. O desenvolvimento do currículo tem sido o meio pelo qual grupos responsáveis têm tentado lidar com a mudança das ex-periências educacionais que os alunos experimentam na escola. O desenvol-vimento do currículo é um processo sistemático e crítico de concretizar valo-res educacionais como ideais e imagens válidas, e de transformar esses em pro postas de ação na forma de programas de ensino e aprendizagem que, hi-po teticamente, serão concretizados na realidade. Tal visão prepara o trabalho de desenvolvimento curricular como uma iniciativa de pesquisa, convidando para uma investigação de nossa parte. Nossa imaginação é abastecida por nosso meio ambiente, por nossas experiências e por nossa linguagem. Se pre-ferimos falar de “resultados” em vez de metas, de feedback em vez de evidên-cias, de produtos em vez de aprendizagem, nós nos tornaremos escravos da racionalidade técnica. Johnson adotou uma visão técnica do desenvolvimento do currículo como os processos por meio dos quais uma série de objetivos, ou de resultados pretendidos na aprendizagem, devem ser concretizados na sala de aula. Eu afirmaria que o termo desenvolvimento do currículo é um conceito que denota deliberadamente atividades planejadas envolvendo o projeto de cursos: suas metas, conteúdo, métodos e modos de avaliação e estilos de orga-nizar os alunos em cursos de estudo e em padrões de experiência educacional como propostas válidas que pretendem educar os alunos. Para arriscar uma definição, eu diria que o desenvolvimento do currículo é o processo de planeja-mento, implementação e avaliação de cursos de estudo ou padrões de atividade educacional, os quais foram oferecidos como propostas para melhorias.

Considerações filosóficas e o papel dos valores na ideologia educacional proposta são de crucial importância para nossa compreensão do currículo e da educação. A concepção de educação tomada em consideração por plane-jadores, professores e outros é instrumental em como esses cursos são de-senvolvidos. Qualquer que seja a filosofia ou a base ideológica, um currículo envolve muito de um planejamento rigoroso e sistemático. O desenvolvimen-to do currículo depende de vários pressupostos. Em primeiro lugar, que a me-lhoria da educação e da experiência é possível e verdadeiramente justificável. Aceitar isso significa que as práticas atuais não são completas ou perfeitas.

Um segundo pressuposto é que os indivíduos com uma responsabilida-de educacional terão acesso a recursos e a outras formas de apoio que lhes permitirá contribuir para esforços que valem a pena numa direção positiva. Em terceiro lugar, essa mudança contínua na tecnologia, na cultura e, na

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verdade, até mesmo no conhecimento, torna o desenvolvimento do currículo um impe rativo.

Os professores, os pais, os alunos e os administradores são os parceiros no desenvolvimento do currículo para uma educação de melhor qualidade. Esses parceiros precisam estabelecer bastante claramente que propósitos têm. Essa declaração não deve ser confundida com a especificidade técnica fomen-tada pelo enfoque do modelo de objetivos mas, em vez disso, deve envolver uma declaração de metas: direções para as quais vale proceder.

Esses atores do currículo requerem apoio significativo. Os estilos de apoio à mudança curricular variam amplamente de uma cultura para outra. Na Grã-Bretanha, o Conselho de Escolas para o Currículo e Exames (School Council for Curriculum and Examinations) foi estabelecido em 1964 depois de uma tentativa do então Ministro da Educação (agora Departamento de Educação e Ciência), uma agência notável para disponibilizar recursos para programas experimentais. O propósito do Conselho das Escolas era:

Realizar trabalho de pesquisa e desenvolvimento na Inglaterra e no País de Gales sobre currículos, métodos de ensino e exames nas escolas e sobre outras maneiras de ajudar os professores a decidir o que ensinar e como ensiná-lo. Em todo o seu trabalho, ele considera o princípio geral, expresso em sua constituição, de que cada escola deve ter a maior medida possível de responsabilidade por seu próprio currículo e métodos de en-sino baseados nas necessidades de seus próprios alunos e desenvolvidos por seu próprio quadro de pessoal.

(Conselho das Escolas para o Currículo e Exames, 1975, p. 7)

Tal declaração é curiosamente similar àquela feita por Alfred North Whi-tehead na introdução de seu livro The aims of education (As metas da educa-ção), publicado em 1929. É claro, hoje o Conselho não existe mais, e esse tipo de pensamento democrático foi substituído por um Currículo Nacional. O go-verno central aumentou seu poder e é certamente mais poderoso atualmente na Grã-Bretanha moderna do que nos anos de 1960 e 1970.

Nas escolas norte-americanas, o grau de autonomia tido pelos professo-res para elaborar o currículo varia consideravelmente de estado para estado. Ainda que não permita totalmente plenos poderes da maneira que os profes-sores britânicos historicamente tinham antes do advento do Grande Projeto de Lei para a Reforma Educacional (Great Educational Reform Bill – GERBIL) e do novo Currículo Nacional de 1988, o qual eliminou muito daquele julga-mento e tomada de decisão independentes de questões envolvendo o currícu-lo no nível escolar. Infelizmente, o Conselho das Escolas foi colocado contra a parede e o currículo agora é “telegrafado para as províncias”.

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O desenvolvimento curricular é um processo. Este geralmente envol-ve várias etapas ou estágios. Falando ideologicamente, acredito que ele seja mais bem experimentado pela escola individualmente por meio de equipes de participantes trabalhando no espírito da deliberação prática. Schwab (1969) não apenas forneceu um modelo ou um enfoque prático ao desenvolvimento do currículo, mas ele apresentou uma nova linguagem. Um dos principais problemas com o currículo é a atual natureza técnica antisséptica da teoria curricular. Talvez a melhor declaração sobre essa ideia seja apresentada por Whitehead em The aims of education, onde ele argumentava que cada escola precisava definir e planejar o seu próprio currículo. Isso não seria uma rea-lidade numa verdadeira democracia? Há vários pontos de partida para o de-senvolvimento curricular. Por exemplo:

1. O domínio do conhecimento. Aqui nós examinamos as questões epis-temológicas ligadas à disciplina ou ao assunto que estamos desenvol-vendo. O grupo de trabalho aproveita todo o julgamento informado e todas as fontes de conhecimento e, por meio de um exame cuidadoso, chega às metas ou objetivos do curso.

2. Identificação de métodos ou estratégias para o ensino. Nesse ponto, estamos preocupados com a arte de ensinar o currículo proposto. Essa é sua pedagogia.

3. A criação de materiais na forma de unidades. Essa é a ação de estru-turar o conhecimento e os componentes afetivos e de habilidades de modo que eles tenham uma lógica interna.

4. Julgamento ou avaliação do currículo na prática. Por exemplo, a avaliação do aluno por meio da escrita de um ensaio estruturado, de exames subjetivos e assim por diante.

5. Informações à equipe do projeto por meio de feedback e deliberação e reflexão adicionais no currículo em ação.

Os critérios acima não indicam indiretamente nenhum ponto de partida em particular, como é o caso da identificação de objetivos específicos. Minha experiência tem sido a de que os professores não pensam em objetivos em primeiro lugar e, quando solicitados a fazê-lo, eles encontram nisso grande dificuldade. Em vez disso, eles pensam no conteúdo na forma de unidades te-máticas, tópicos e material que eles incluiriam. O currículo, como a educação em geral, é uma atividade racional e com propósito. Porém, os propósitos, ou virtudes, do currículo variam conforme os filósofos e as ideologias. Para Aristóteles, a meta da educação é permitir que o aluno tanto goste quanto não goste do que deveria gostar.

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ImAgInAçãO

O conceito de imaginação é crucial aos propósitos da educação. Ele “é a faculdade por meio da qual somos capazes de examinar as coisas como elas não são” (Warnock, 1973, p. 113). O que isso sugere é que a experiência con-densa mais do que nós podemos ver ou prever. Lawrence Stenhouse uma vez observou que “a educação como indução ao conhecimento é bem-sucedida na medida em que torna os efeitos comportamentais do aluno imprevisíveis” (1975, p. 82). Stenhouse lidou com uma situação importante sobre a teoria curricular nesse ponto. O que ele argumentou foi que a mente educada sim-plesmente não chega a efeitos predeterminados, mas sim a efeitos imprevistos porque usa conhecimento para construir um significado singular. Esse é o de-safio da educação e da imaginação humana. É uma operação construtivista.

A aquisição de novas perspectivas requer uma imaginação e uma mente reflexivas. Maxine Greene assumiu a posição de que as artes são as áreas de conteúdo mais prováveis para liberar a imaginação e a capacidade e para dar livre desenvolvimento de suas aptidões. Deve haver um engajamento autên-tico e maravilhoso da experiência estética para a imaginação se desenvolver livremente. Maria Montessori reconheceu isso com sua teoria da educação baseada na contação de histórias, o que incita a curiosidade e a imaginação do aluno. A arte nos chama a atenção como sendo mais do que simplesmente objetos, conforme sugeriu Jean Paul Sartre (1949, p. 57):

O trabalho nunca é limitado ao objeto pintado, esculpido ou narrado. Assim como nós percebemos as coisas apenas em relação à experiência do mundo, assim os objetos representados pela arte aparecem em relação à experiência do universo. O ato criativo almeja uma total renovação do mundo. Cada pintura, cada livro é uma recuperação da totalidade do ser. Cada um deles representa essa totalidade à liberdade do espectador. Pois isso é exatamente o objetivo final da arte: recuperar esse mundo possibilitando que ele seja visto como é, mas como se ele tivesse sua fonte na liberdade humana.

Dessa forma, Sartre vê muitas maneiras pelas quais os alunos que expe-rienciam as artes através do currículo podem usar a imaginação para renovar e estender sua experiência e conhecimento. Porém, com bastante frequência, as artes e o currículo são concebidos como um repositório ou urna da noção bancária de currículo numa sociedade pós-industrial, servindo às necessida-des da tecnologia. A visão alternativa é permitir aos jovens alunos encontrar seus próprios valores e vozes. Alguns poucos teóricos desenvolveram essa ideia existencial de currículo. William Pinar (1975; Pinar et al., 1995) escre-ve sobre a natureza pessoal do currículo. Mesmo que o currículo possa ser

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experienciado como um encontro pessoal particular, Pinar não acredita que o currículo possa ser planejado para os outros. Esse não é um princípio útil, pois os currículos são, de fato, planejados para todos os alunos.

O que afirmamos aqui é que o estudo e o planejamento do currículo são tarefas tanto do professor quanto daqueles com responsabilidade de planejar num nível de autoridade educacional, distrital, estadual ou nacional. A cria-ção de unidades de ensino e aprendizagem divididas em lições diárias está na base do planejamento curricular sólido. Um currículo não é o equivalente a um plano de ensino, o qual é uma mera lista de tópicos, que talvez tenha levado à visão de currículo como “conteúdo” a ser cumprido. Há pelo menos três aspectos relacionados ao currículo:

1. As intenções – essas são as metas, os propósitos, os valores e a direção na qual se acredita que a educação deva progredir.

2. As transações ou as experiências que acontecem enquanto o currículo está sendo implementado. O currículo “vivido” ou real.

3. Os efeitos do currículo – os resultados do que acontece por causa do ensino e da aprendizagem.

tipos de currículo

1. Currículo formal. Os planos de estudo acadêmico oferecidos pela instituição. O conteúdo, os objetivos e as preparações formalizadas para a aprendizagem.

2. Currículo informal. As “atividades extracurriculares” que são organiza-das ao redor do currículo formal como sociedades, clubes esportivos, jogos.

3. Currículo nulo. Esse é o currículo que as escolas não ensinam, mas que talvez seja tão importante quanto o currículo formal. Eisner (2002, p. 97) argumenta que uma dimensão importante são os processos intelectuais que as escolas enfatizam e então negligenciam sua imple-mentação, e a outra é a disciplina que está ausente de um currículo formal.

4. Currículo real. Esse é o currículo que realmente é implementado e seguido e que pode não apresentar fidelidade no plano formal para o currículo.

5. Currículo oculto. O currículo que está latente ou escondido, mas presente na cultura escolar. As crianças aprendem muitas coisas que a escola não planeja, por exemplo, como colar. Ele também inclui valores-chave, por exemplo, em uma escola particular religiosa onde a regra não-escrita é que “silêncio vale ouro”. O currículo oculto é

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59 Currículo e imaginação

mediado por meio de envolvimento e não por ensino direto e está impregnado na cultura da escola. Chama a minha atenção como sendo interessante que algumas das coisas de que me lembro bem de meus primeiros anos na escola não tinham nada a ver com o currículo for-mal ou informal, mas com o currículo oculto. Por exemplo, “Onde os alunos se reúnem e por quê?”, “Quem tem as chaves?”, “Que acesso existe ao diretor e aos professores?”, “Quem controla as finanças?”.

COnCluSãO

Existem ideias concorrentes e conflitantes sobre planejamento do currí-culo juntamente com ideologias concorrentes. O propósito deste trabalho não é dizer qual deve ser o conteúdo essencial do currículo para todos os alunos – isso é uma tarefa para cada escola e comunidade decidir. O objetivo neste trabalho é propor um modelo de currículo que enfoque o processo educacio-nal e os seus intrínsecos princípios de procedimentos que podem melhorar a educação, ajudada por um professor cuidadoso na implementação de uma estratégia de ensino que tenha fidelidade a esses princípios de procedimento monitorados por uma causa de pesquisa-ação. O modelo de pesquisa-processo para o projeto do currículo pode ser usado em disciplinas como matemática, música e filosofia (formas de conhecimento) e com assuntos e módulos inter-disciplinares (campos do conhecimento, por exemplo, geografia, engenharia, estudos sociais).