4
87 TEORIA DA PROVA 14.6. Convenções sobre ônus da prova O parágrafo único do art. 333 do CPC permite que as próprias partes distribuam o ônus da prova mediante convenção 252 , que pode ser rmada antes ou mesmo no curso do processo. Tem-se aí típico negócio jurídico processual, assim compreendido todo negócio cujos efeitos repercutam em um procedimento atual ou futuro. Não há razão alguma para impedir que essa convenção seja celebrada durante o processo. A convenção pode recair sobre o ônus da prova de qualquer fato. Pode tratar-se de fato simples ou de fato jurídico; fato relativo a negócio jurídico ou a vínculo extracon- tratual; fato lícito ou ilícito etc. Não há razão para restringir essa convenção a fatos do próprio negócio em que a convenção porventura esteja inserida. A convenção sobre o ônus da prova pode ser, aliás, um negócio jurídico autônomo, sem qualquer relação com um negócio anterior – e a possibilidade de essa convenção realizar-se na pendência de um processo reforça essa conclusão. É passível de invalidação, entretanto, a convenção sobre ônus da prova quando: a) recair sobre direito indisponível da parte (art. 333, p. único, inciso I); b) tornar excessi- vamente difícil a uma parte o exercício do direito (art. 333, p. único, inciso II). Bem analisadas essas situações, parece-nos que bastaria ao legislador tratar da segunda hipótese: é vedada a convenção sobre ônus da prova que torne excessivamente difícil o exercício de um direito – o que vale para os direitos disponíveis ou indisponíveis. Sim, porque se a convenção rmada recai sobre fatos ligados a direito indisponível tornando mais fácil para a parte a comprovação desses fatos, obviamente que ela não poderia ser invalidada. O que o inciso I pretende é evitar que um direito indisponível deixe de ser exercido por diculdades quanto à prova dos fatos que lhe são subjacentes – caso em que a convenção sobre o ônus da prova poderia representar, por via oblíqua, a própria disponibilidade do direito. Exemplo de convenção que recai sobre fato ligado a direito indisponível e é, nada obstante, válida: em termo de ajustamento de conduta, determinada empresa se com- promete a adequar o seu processo produtivo às diretrizes de proteção ao meio ambiente, assumindo o ônus de, na hipótese de ser demandada, provar que as providências adotadas e materiais utilizados não agridem o equilíbrio do meio ambiente. Percebe-se que, no con- texto, discute-se direito indisponível (direito fundamental ao meio ambiente equilibrado) e a convenção recai sobre fato a ele vinculado (atos de degradação do meio ambiente), mas não compromete o seu exercício – antes o facilita. O art. 51, VI, do CDC cuida da nulidade de convenção quando imponha ao consumi- dor o ônus da prova das suas alegações. Trata-se de norma que complementa o disposto NETTO, Fernando Gama de. Ônus da Prova: No Direito Processual Público. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009, p. 207-208). 252. Sobre o tema, conferir o excelente trabalho de Robson Renault Godinho: GODINHO, Robson Renault. Convenções sobre o ônus da prova - estudo sobre a divisão de trabalho entre as partes e os juízes no processo civil brasileiro. Tese de doutoramento. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2013.

Curso de Direito Processual Civil - v.2 (2014) - 9a edição: Revista, ampliada e atualizada

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Compre agora! http://www.editorajuspodivm.com.br/produtos/paula-sarno-braga-/curso-de-direito-processual-civil----v2-2014---9a-edicao-revista-ampliada-e-atualizada/1128 Revista e atualizada de acordo com a EC/45, o Código Civil, as súmulas do STF e STJ, as Leis Federais n. 12.322/2010, 12.529/2011 e 12.844/2013 e as Resoluções do STF n. 381 e 388 de 2008 (súmula vinculante). A nona edição desse segundo volume do Curso de Direito Processual Civil vem com algumas alterações. Fizemos aperfeiçoamentos importantes em alguns itens do livro. Destacamos os aprimoramentos (com revisões de ideias, inclusive) nos itens sobre os poderes instrutórios do juiz (tentando equacionar as teses favoráveis e contrárias aos poderes instrutórios a um sistema que deve proteger a autonomia da vontade dos litigantes), prova e verdade (aceitando a tese de que há um aspecto ético na busca da verdade), eficácia dos precedentes (ampliando o rol dos tipos de efeito que um precedente possui no direito brasileiro) e coisa julgada e relações jurídicas de trato continuado (neste item, incorporou-se a sistematização das espécies de relações jurídicas sugerida por Teori Zavascki). Sem rever ideias anteriores, mas avançando em alguns aspectos, reescrevemos os itens sobre convenção sobre o ônus da prova (a tese de Robson Godinho foi utilíssima), relatório como elemento da sentença (o trabalho de Eraldo Tavares foi fundamental para essa revisão) e interpretação da sentença (com a incorporação do pensamento de Clóvis Kemmerich e Pierluigi Chiassoni). O item sobre os sistemas de valoração da prova pelo juiz foi, também, refinado. Resolvemos tirar a referência a “livre convencimento motivado”, mantendo apenas “convencimento motivado”. A mudança é simbólica: o convencimento do órgão jurisdicional não é livre, em hipótese alguma; é-lhe imposta uma série de deveres que devem ser observados. Com tantos deveres, designar o convencimento judicial como “livre” parece, realmente, um erro e, em certo sentido, uma temeridade. Seguimos, assim, a proposta que Lênio Streck vem defendendo há alguns anos – e que, diga-se, foi encampada na última versão do projeto de novo CPC, divulgada em 26.11.2013 pela Câmara dos Deputados. Atualizamos o livro de acordo com a Lei n. 12.844/2013, que reforçou as nossas conclusões quanto À existência de um sistema de precedentes com força normativa no Brasil. Houve uma revisão da jurisprudência citada ao longo de todo o livro. Para esta empresa, contamos com a ajuda de Ravi Peixoto e Felipe Batista, a quem agradecemos penhoradamente. Um agradecimento especial a Miro Ataíde, que nos deu boa sugestão para o capítulo sobre os precedentes judiciais. Queremos agradecer, também, a Rafael Ferreira, que nos ajuda o ano todo nesta empresa de manter o livro atualizado.

Citation preview

Page 1: Curso de Direito Processual Civil - v.2 (2014) - 9a edição: Revista, ampliada e atualizada

87

TEORIA DA PROVA

14.6. Convenções sobre ônus da prova

O parágrafo único do art. 333 do CPC permite que as próprias partes distribuam o ônus da prova mediante convenção252, que pode ser fi rmada antes ou mesmo no curso do processo. Tem-se aí típico negócio jurídico processual, assim compreendido todo negócio cujos efeitos repercutam em um procedimento atual ou futuro. Não há razão alguma para impedir que essa convenção seja celebrada durante o processo.

A convenção pode recair sobre o ônus da prova de qualquer fato. Pode tratar-se de fato simples ou de fato jurídico; fato relativo a negócio jurídico ou a vínculo extracon-tratual; fato lícito ou ilícito etc. Não há razão para restringir essa convenção a fatos do próprio negócio em que a convenção porventura esteja inserida. A convenção sobre o ônus da prova pode ser, aliás, um negócio jurídico autônomo, sem qualquer relação com um negócio anterior – e a possibilidade de essa convenção realizar-se na pendência de um processo reforça essa conclusão.

É passível de invalidação, entretanto, a convenção sobre ônus da prova quando: a) recair sobre direito indisponível da parte (art. 333, p. único, inciso I); b) tornar excessi-vamente difícil a uma parte o exercício do direito (art. 333, p. único, inciso II).

Bem analisadas essas situações, parece-nos que bastaria ao legislador tratar da segunda hipótese: é vedada a convenção sobre ônus da prova que torne excessivamente difícil o exercício de um direito – o que vale para os direitos disponíveis ou indisponíveis. Sim, porque se a convenção fi rmada recai sobre fatos ligados a direito indisponível tornando mais fácil para a parte a comprovação desses fatos, obviamente que ela não poderia ser invalidada. O que o inciso I pretende é evitar que um direito indisponível deixe de ser exercido por difi culdades quanto à prova dos fatos que lhe são subjacentes – caso em que a convenção sobre o ônus da prova poderia representar, por via oblíqua, a própria disponibilidade do direito.

Exemplo de convenção que recai sobre fato ligado a direito indisponível e é, nada obstante, válida: em termo de ajustamento de conduta, determinada empresa se com-promete a adequar o seu processo produtivo às diretrizes de proteção ao meio ambiente, assumindo o ônus de, na hipótese de ser demandada, provar que as providências adotadas e materiais utilizados não agridem o equilíbrio do meio ambiente. Percebe-se que, no con-texto, discute-se direito indisponível (direito fundamental ao meio ambiente equilibrado) e a convenção recai sobre fato a ele vinculado (atos de degradação do meio ambiente), mas não compromete o seu exercício – antes o facilita.

O art. 51, VI, do CDC cuida da nulidade de convenção quando imponha ao consumi-dor o ônus da prova das suas alegações. Trata-se de norma que complementa o disposto

NETTO, Fernando Gama de. Ônus da Prova: No Direito Processual Público. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009, p. 207-208).

252. Sobre o tema, conferir o excelente trabalho de Robson Renault Godinho: GODINHO, Robson Renault. Convenç õ es sobre o ô nus da prova - estudo sobre a divisã o de trabalho entre as partes e os juí zes no processo civil brasileiro. Tese de doutoramento. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2013.

Page 2: Curso de Direito Processual Civil - v.2 (2014) - 9a edição: Revista, ampliada e atualizada

88

FREDIE DIDIER JR., PAULA SARNO BRAGA E RAFAEL ALEXANDRIA DE OLIVEIRA

no CPC. É como se houvesse um terceiro inciso no parágrafo único do art. 333 do CPC. Esse dispositivo “não proíbe a convenção sobre o ônus da prova, mas, sim, tacha de nula a convenção, se trouxer prejuízo ao consumidor” 253.

Uma vez fi rmada a convenção, e desde que satisfeitos os requisitos de validade, ela é imediatamente efi caz254. Aplica-se aqui o disposto no art. 158 do CPC: é desnecessária a homologação pelo juiz para que o negócio seja imediata e plenamente efi caz.

14.7. Ônus da prova de fato negativo

Atualmente, a ideia de que os fatos negativos não precisam ser provados – decorrente do brocardo negativa non sunt probanda – vem perdendo o seu valor255. É meia verdade. Todo fato negativo corresponde a um fato positivo (afi rmativo) e vice-versa. Se não é possível provar a negativa, nada impede que se prove a afi rmativa correspondente.

Impende distinguir, entretanto, as negativas absolutas das relativas.

A negativa absoluta é a afi rmação pura de um não-fato, indefi nida no tempo e/ou no espaço (ex.: jamais usou um “biquíni de lacinho”).

Já a negativa relativa é afi rmação de um não-fato, defi nida no tempo e/ou no espaço, justifi cada pela ocorrência de um fato positivo – fácil de perceber quando lembramos dos “álibis” (ex.: na noite do reveillon, não cometeu adultério no apartamento 501, do Hotel Copacabana, pois estava hospedada com amigas no Eco Resort, na Praia do Forte, Bahia).

Por isso, diz-se, atualmente, que somente os fatos absolutamente negativos (negativas absolutas/indefi nidas) são insusceptíveis de prova – e não pela sua negatividade, mas, sim, pela sua indefi nição256. Ora, ao tratarmos das características do fato probando, já foi dito que é indispensável que seja ele determinado, isto é, identifi cado no tempo e no espaço. É dessa regra que resulta não ser o fato indeterminado ou indefi nido passível de prova. Não é possível, por exemplo, provar que a parte nunca esteve no Município de Candeias. Nesses casos, o ônus probatório é de quem alegou o fato positivo de que ela (a parte) esteve lá – já se aplicando, aqui, a teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, doravante examinada257.

253. NERY JR., Nelson. Código de Defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 5 ed. São Paulo: Forense Universitária, 1998, p. 416.

254. Cf. GODINHO, Robson Renault. Convenç õ es sobre o ô nus da prova, ob. cit., p. 178.255. Em repúdio à máxima da negativa non sunt probanda, CHIOVENDA argui que: “Em primeiro lugar, em muitíssimos

casos, não se saberia como aplicá-lo. Qual é o fato positivo, qual é o fato negativo? Qual é a afi rmativa, qual é a negativa? Via de regra, toda afi rmação é, ao mesmo tempo, uma negação: quando se atribui a uma coisa um predi-cado, negam-se todos os predicados contrários ou diversos dessa coisa”. (CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 1969, v. 2, p. 377). Sobre o tema, vide ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil. 8 ed. São Paulo: RT, 2003, v. 2, p. 495; GÓES, Gisele. Teoria geral da prova. Salvador: Editora Jus Podivm, 2005, p. 70.

256. LOPES, João Baptista de. A prova no direito processual civil. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 32 e 33; GÓES, Gisele. Teoria geral da prova. Salvador: Editora Jus Podivm, 2005, p. 70.

257. ARRUDA ALVIM. Manual de Direito Processual Civil. 8 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, v. 2, p. 495.

Page 3: Curso de Direito Processual Civil - v.2 (2014) - 9a edição: Revista, ampliada e atualizada

89

TEORIA DA PROVA

Em alguns casos, a negativa absoluta e indefi nida pode ser provada – ou, ao menos, presumida –, a partir do uso de mecanismos específi cos, razão porque não é cabível a inversão do ônus da prova.

É possível provar, por exemplo, a inexistência de contas bancárias em nome de determinada pessoa, com uma declaração do Banco Central. Um meio de prova de que “não há débitos fi scais pendentes” é a chamada “certidão negativa”, expedida pelas autoridades fi scais. Cabe presumir, outrossim, que um indivíduo não é inadimplente, no âmbito mercantil/consumerista, com uma certidão negativa do SPC e da SERASA.

A viabilidade de demonstração de negativas indefi nidas deve-se, sobretudo, ao fato de existirem certos órgãos centralizadores de dados, informações e registros, aptos a atestar fatos deste viés – muitos deles estatais (ex.: Receita Federal, DETRAN, Cartórios de Imóveis etc.).

No mais, inegável é a possibilidade de prova de negativa absoluta por confi ssão extraída em depoimento pessoal.

Já os fatos relativamente negativos (negativas defi nidas/relativas) são aptos a serem provados. Se alguém afi rma, por exemplo, que, em 09 de dezembro, não compareceu à academia pela manhã, porque foi ao médico, é possível provar indiretamente a não-ida à academia (não-fato), se houver comprovação de que esteve toda a manhã no consultório médico.

Nas Ordenações Filipinas, Livro III, Título LIII, §10, encontrava-se curiosa regra nesse sentido: “Posto que seja regra que a negativa não se pode provar, e por conseguinte se não pode articular, essa regra não é sempre verdadeira, porque bem se pode provar se é coarctada a certo tempo e certo lugar, e bem assim se pode provar se é negativa que se resolve em afi rmativa e pode-se ainda provar por confi ssão da parte feita em depoimento”.

Para Arruda Alvim, neste caso (das negativas relativas), o ônus da prova será bilateral (de ambas as partes)258, o que não parece adequado, pois esse tipo de ônus “compartilha-do” não funciona enquanto regra de julgamento. Ora, como deve o juiz julgar a causa se nenhuma das partes desincumbiu-se do seu ônus (imposto a ambas)? 259 Todo ônus de prova deve ser unilateral.

Assim, neste particular, é preciso distinguir duas diferentes hipóteses.

Quando a parte deduz uma negativa relativa como não-fato constitutivo do seu di-reito, cabe a ela o ônus de demonstrar indiretamente sua não-ocorrência, com a prova do fato positivo correlato. Por exemplo, se um indivíduo pretende afastar judicialmente uma multa de trânsito (direito potestativo), sob o argumento de que não conversava ao celular, na condução do seu veículo, no dia 12 de novembro de 2007, às 09h00, na Avenida Otávio Mangabeira (fato negativo), porque estava com seu veículo estacionado, neste mesmo momento, na Zona Azul, em frente à Casa do Comércio (fato positivo), cabe-lhe o encargo de provar, de forma indireta, o fato negativo, com a demonstração do fato positivo que a ele corresponde.

258. ARRUDA ALVIM. Manual de Direito Processual Civil, 8 ed., v. 2, cit., p. 495.259. Refl exão suscitada pelo advogado e professor Valton Pessoa.

Page 4: Curso de Direito Processual Civil - v.2 (2014) - 9a edição: Revista, ampliada e atualizada

90

FREDIE DIDIER JR., PAULA SARNO BRAGA E RAFAEL ALEXANDRIA DE OLIVEIRA

Mas é possível que a parte deduza negativa relativa, em sua defesa, para desmentir fato constitutivo do direito do seu adversário; nega o fato trazido pela contraparte, fazendo, simultaneamente, uma afi rmação de fato positivo que demonstra a sua não-ocorrência.

O ônus é unilateral e pode o juiz agir de duas diferentes formas: a) ou mantém a regra legal de ônus de prova, que impõe ao autor o encargo de provar o fato constitutivo do seu direito (art. 333, I, CPC) – sendo que, feita a prova pelo autor, só resta ao réu a possibili-dade de contraprova; b) ou, percebendo que o adversário (réu) tem melhores condições de atender ao encargo probatório, inverte o ônus da prova (na fase de saneamento ou instru-ção) – distribuindo dinamicamente o ônus da prova, como visto em item a seguir –, para que ele (réu) prove o contrário, ainda que de forma indireta, com a demonstração do fato positivo (e novo) por ele aduzido.

Imagine-se que o autor afi rmou que o réu conduzia seu veículo em alta velocidade na Avenida Anita Garibaldi, na manhã do dia 02 de junho de 2007, e o atropelou (fato positivo constitutivo do seu direito). O réu, em sua defesa, assevera que não estava na condução do seu carro no dia e na hora apontados (fato negativo), pois já o tinha transferido, nesta data, a terceiro (fato positivo correlato)260. Aplica-se, como dito, a regra geral (art. 333, I, CPC), cabendo ao autor provar o fato constitutivo do seu direito – o que não exclui a possibilidade de o juiz distribuir dinamicamente o ônus da prova, por considerar que a outra parte tem melhores condições de provar o contrário.

14.8. Prova diabólicaA prova diabólica261 é aquela que é impossível, senão muito difícil, de ser produzida.

Trata-se de “expressão que se encontra na doutrina para fazer referência àqueles casos em que a prova da veracidade da alegação a respeito de um fato é extremamente difícil, nenhum meio de prova sendo capaz de permitir tal demonstração” 262.

Um bom exemplo de prova diabólica é a do autor da ação de usucapião especial, que teria de fazer prova do fato de não ser proprietário de nenhum outro imóvel (pres-suposto para essa espécie de usucapião). É prova impossível de ser feita, pois o autor teria de juntar certidões negativas de todos os cartórios de registro de imóvel do mundo. Outro exemplo de prova diabólica são os “factos que ocorrem em ambiente fechado ou de acesso restrito” 263.

260. Para L R , a prova de não-fato não é tão difícil quanto se afi rma em nossa doutrina. Basta se comprovar a ocorrência ou não das circunstâncias que falam em favor do fato positivo correlato: “Pero se em algún caso la com-probación de la no existencia de um hecho resultara especialmente difícil, y, en cambio, muy fácil la comprobación de su existência, el tribunal podrá y deberá tomar la circunstancia de que el adversario no suministra la prueba de la inexistencia y ni siquiera trata de suministrarla, como motivo para declarar lê inexistência del hecho gracias a su libre apreciación de la prueba”. Mas em nenhum caso, conclui, a difi culdade de fornecer a prova pode levar a uma modifi cação das regras de ônus de prova, conclusão com a qual não se concorda, como se verá adiante. (La carga de la prueba. 2 ed. Buenos Aires: Julio César Faria Editor, 2002, p. 378).

261. Também chamada “prova difícil” (Cf. SILVA, Paula Costa e; REIS, Nuno Trigo dos. “A prova difícil: da probatio levior à inversão do ónus da prova”. Revista de Processo. São Paulo: RT, ano 38, v. 222, agosto/2013, p. 149-171).

262. CÂMARA, Alexandre Freitas. “Doenças Preexistentes e ônus da Prova: o Problema da Prova Diabólica e uma Possível Solução”. Revista Dialética de Direito Processual. São Paulo: Dialética, 2005, n. 31, p. 12.

263. SILVA, Paula Costa e; REIS, Nuno Trigo dos. “A prova difícil: da probatio levior à inversão do ónus da prova”. Revista de Processo, op. cit., p. 157.