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Reportagem 54 WWW.CARTACAPITAL.COM.BR/CARTA-NA-ESCOLA C arlos Drummond de An- drade sobe ao palco com Gilberto Gil. Já Jorge Amado divide as aten- ções do público com Tom Jobim e Ary Barroso. Em outras oportunidades, é Clarice Lispector que se apresenta com Milton Nascimento, e Manuel Bandei- ra expõe seu trabalho ao lado de Chico Buarque. Os inusitados encontros entre músicos e escritores nunca aconteceram na realidade, mas fazem parte da roti- na de criação de Jean Garfunkel, Joana Garfunkel e o instrumentista Pratinha, integrantes do Canto Livro. O grupo, criado em 2006, alia músi- ca e literatura para compor espetáculos inspirados nas obras de escritores con- sagrados. Assim, narram trechos de lei- turas obrigatórias para exames vestibu- lares de todo o País, como Grande Ser- tão: Veredas, de Guimarães Rosa, Capi- tães da Areia, de Jorge Amado, Senti- mento do Mundo, de Carlos Drummond de Andrade, e Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. E, com interpretações de canções da músi- ca popular brasileira, assumem a missão de incentivar o hábito da leitura. O projeto Canto Livro nasceu em fa- mília. Foi idealizado por Jean e Joana, pai e filha. Jean é poeta, cantor e com- positor consagrado da MPB. Há mais de 30 anos na carreira, já teve canções in- terpretadas por Elis Regina, Maria Rita e Zizi Possi. Joana, que nos palcos canta e conta histórias, é psicóloga. O nascimento do projeto deu-se com “o desafio de cantar Guimarães Rosa”, reve- la o pai, que participa de pesquisas e ex- cursões literárias às cidades de Morro da Garça, Cordisburgo e Andrequicé, inte- grantes do circuito cultural roseano, em Minas Gerais. A filha também nutre uma grande paixão pelo escritor mineiro. Em 2002, escreveu a tese “Sentido e significa- do em Grande Sertão: Veredas, pela Pon- tifícia Universidade Católica de São Paulo. Ao estender a ideia para outros au- tores, ambos perceberam que o casa- mento entre música e literatura pode- ria se tornar um grande incentivo à lei- tura. Hoje, após seis anos de estrada com apresentações em bibliotecas, cen- tros culturais, museus, festivais e esco- las, o Canto Livro possui 16 espetáculos que tratam das obras de Carlos Drum- mond de Andrade, Guimarães Rosa, Manuel Bandeira, Jorge Amado, Ma- chado de Assis, Clarice Lispector, Cora Coralina, Vinicius de Moraes, Fernando Da estante para o palco MÚSICA | Grupo une MPB com obras clássicas da literatura brasileira para encurtar distâncias entre o livro e o leitor POR ISABELA MORAIS ••CEReportagem3_72.indd 54 20/11/12 18:47

Da estante para o palco

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Carlos Drummond de An-drade sobe ao palco com Gilberto Gil. Já Jorge Amado divide as aten-ções do público com Tom Jobim e Ary Barroso. Em outras oportunidades, é

Clarice Lispector que se apresenta com Milton Nascimento, e Manuel Bandei-ra expõe seu trabalho ao lado de Chico Buarque. Os inusitados encontros entre músicos e escritores nunca aconteceram na realidade, mas fazem parte da roti-na de criação de Jean Garfunkel, Joa na Garfunkel e o instrumentista Pratinha, integrantes do Canto Livro.

O grupo, criado em 2006, alia músi-ca e literatura para compor espetáculos inspirados nas obras de escritores con-sagrados. Assim, narram trechos de lei-turas obrigatórias para exames vestibu-lares de todo o País, como Grande Ser-tão: Veredas, de Guimarães Rosa, Capi-tães da Areia, de Jorge Amado, Senti-mento do Mundo, de Carlos Drummond de Andrade, e Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. E, com interpretações de canções da músi-ca popular brasileira, assumem a missão de incentivar o hábito da leitura.

O projeto Canto Livro nasceu em fa-mília. Foi idealizado por Jean e Joana, pai e filha. Jean é poeta, cantor e com-positor consagrado da MPB. Há mais de 30 anos na carreira, já teve canções in-terpretadas por Elis Regina, Maria Rita e Zizi Possi. Joana, que nos palcos canta e conta histórias, é psicóloga.

O nascimento do projeto deu-se com “o desafio de cantar Guimarães Rosa”, reve-la o pai, que participa de pesquisas e ex-cursões literárias às cidades de Morro da Garça, Cordisburgo e Andrequicé, inte-grantes do circuito cultural roseano, em

Minas Gerais. A filha também nutre uma grande paixão pelo escritor mineiro. Em 2002, escreveu a tese “Sentido e significa-do em Grande Sertão: Veredas”, pela Pon-tifícia Universidade Católica de São Paulo.

Ao estender a ideia para outros au-tores, ambos perceberam que o casa-mento entre música e literatura pode-ria se tornar um grande incentivo à lei-

tura. Hoje, após seis anos de estrada com apresentações em bibliotecas, cen-tros culturais, museus, festivais e esco-las, o Canto Livro possui 16 espetáculos que tratam das obras de Carlos Drum-mond de Andrade, Guimarães Rosa, Manuel Bandeira, Jorge Amado, Ma-chado de Assis, Clarice Lispector, Cora Coralina, Vinicius de Moraes, Fernando

Da estante para o palco música | Grupo une MPB com obras clássicas da literatura brasileira para encurtar distâncias entre o livro e o leitorpor Isabela MoraIs

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Pessoa, Mia Couto, Isabel Allende e Ga-briel García Márquez, entre outros.

Os shows são compostos de temas reti-rados da obra de cada escritor. A partir des-se recorte, o grupo constrói um roteiro em que estabelece a ordem das canções e os trechos a ser contados. “É a construção de uma narrativa”, explica Joana. As músicas são retiradas do cancioneiro brasileiro: são obras de Chico Buarque, Vinicius de Mo-raes, Caetano Veloso etc., além de cantigas e parlendas populares. Há também com-posições próprias, como as cantadas no es-petáculo dedicado a Grande Sertão: Vere-

das. “É um trabalho de artesão, de ir encai-xando as peças de um quebra-cabeça.”

O resultado são apresentações origi-nais que levam ao palco o universo da li-teratura. Em Jorge Amado: Amor e mar, o grupo alia as histórias de amor e a re-presentação do mar na obra do escritor baiano com canções de Dorival Caym-mi, Tom Jobim, Márcio Proença, Paulo

César Pinheiro e Ary Barroso. Machado de Assis é tratado no show O Bruxo do Cosme e Velho, no qual a narrativa criada une os contos História Comum e Ideias de Canário com capítulos de Dom Cas-murro e com a fina ironia de Brás Cubas.

A literatura estrangeira está presente nos shows inspirados nos lusófonos Fer-nando Pessoa e Mia Couto e nos latinos

Gabriel García Márquez e Isabel Allende. Já os espetáculos O Som dos Meninos Quie-tos e Quintal da Infância são destinados ao público infantil. O primeiro traz imagens da infância sertaneja em Guimarães com canções do folclore brasileiro. Já o segun-do show faz uma introdução à poesia bra-sileira através de uma viagem ao mundo da imaginação presente nas obras de Ma-rio Quintana, Guimarães e Drummond.

Para Joana, o melhor show do Canto Livro é justamente aquele que deu origem ao projeto. Em O Sertão na Canção, atra-vés dos atalhos da oralidade, o roteiro guia o público pela saga do jagunço Riobaldo, de Grande Sertão: Veredas. As canções fo-ram especialmente compostas para o es-petáculo por Jean e seu irmão Paulo Gar-funkel. “As pessoas saem da apresentação com a forte sensação de terem vivenciado a história, é muito emocionante”, diz Joana.

Além de pai e filha, o Canto Livro conta com a colaboração de outros mú-sicos. Companheiro de trabalho de Elis Regina por oito anos, Natan Marques é o maior colaborador do grupo, respon-sável pelos arranjos das canções. Outro parceiro frequente nas apresentações do grupo é o pianista Pichu Borrelli. Nos últimos anos é o instrumentista Jayme Marques, mais conhecido como Prati-nha, que tem auxiliado o projeto.

Uma das preocupações do Canto Livro é levar a música e a literatura para den-tro da sala de aula, conquistando leitores desde cedo. Por isso, além das apresenta-ções em escolas, Jean e Joana realizam oficinas para estimular professores na criação de um roteiro literário. Divididos em grupos, os participantes selecionam fragmentos de obras e músicas da canção brasileira para criar uma narrativa den-tro das temáticas de cada autor. No final, os professores cantam e contam suas ex-periências. “Fazemos as oficinas para que os educadores possam replicar a vivência do Canto Livro em sala de aula”, diz Jean.

Pai e filha já se apresentaram para crianças de comunidades pobres, fre-quentadores de museus, amantes de li-teratura, adolescentes do Ensino Mé-dio e professores. Mesmo com públicos distintos, eles garantem que o compor-tamento da plateia é sempre de muita emoção e envolvimento com as histórias narradas. Reações espontâneas e espe-radas, pois, para Jean, “quando o livro é retirado da estante e é colocado no palco, tudo fica ainda mais fascinante”. •

Pai e filha deram origem ao Canto Livro, que há seis anos realiza shows que mesclam trechos de obras e canções

NARRATIVAS ESCOLARES. Além das apresentações, grupo faz oficinas para professores criarem roteiros literários

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