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PAULO RUAS Revisão científica PROF. DOUTOR RICARDO SANTOS (Univ. Évora) Revisão pedagógica HELENA LEBRE Filosofia 10. º ANO DE FILOSOFIA VOL. 1 Os juízos de valor podem ser verdadeiros ou falsos? O que é a filosofia? Existe livre-arbítrio? Em que consiste uma sociedade justa? A felicidade é o fim último da moral?

Dialogos 10

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PAULO RUAS

Revisão científicaPROF. DOUTOR RICARDO SANTOS (Univ. Évora)

Revisão pedagógicaHELENA LEBRE

Filosofia 10.º ANO

DE FILOSOFIA VOL. 1

Os juízos de valor podem ser verdadeiros

ou falsos?

O que é a filosofia? Existe livre-arbítrio?

Em que consisteuma sociedade justa?

A felicidadeé o fim último

da moral?

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44 84

UNIDADE 1

UNIDADE 2 UNIDADE 3

1. O que é a filosofia? Disciplinas e problemas da filosofia 1. Onde tudo começou e como evoluiu 7 2. Alguns problemas e disciplinas da filosofia 10 3. O que distingue a filosofia das ciências 18Textos de apoio 21Ficha de avaliação formativa 24Esquema global-síntese 26Ideias a reter 27

2. A dimensão discursiva do trabalho filosófico 281. O trabalho filosófico 28 2. O que são os argumentos 29 3. Argumentos válidos e inválidos 304. Como se discutem os argumentos 335. Indicadores de premissas e de conclusão 37Texto de apoio 38 Ficha de avaliação formativa 40Esquema global-síntese 42Ideias a reter 43

1. A rede conceptual da ação1. O que são as ações 452. Objetivos, deliberação e utilidade esperada 473. Como podemos explicar as ações? 494. Ações voluntárias e involuntárias 515. O problema da acrasia 52Textos de apoio 53Ficha de avaliação formativa 56Esquema global-síntese 58Ideias a reter 59

2. O problema do livre-arbítrio 1. Introdução 602. Explorando o problema 613. Que significa ser livre? 634. Liberdade e determinismo 645. O problema do livre-arbítrio 666. Uma justificação do incompatibilismo 697. Determinismo radical e libertismo 718. A crítica determinista moderada 739. Uma crítica libertista ao determinismo moderado 75Textos de apoio 76Ficha de avaliação formativa 80Esquema global-síntese 82Ideias a reter 83

1. A questão dos critérios valorativos 1. O que são os valores 852. Juízos de facto e juízos de valor 863. Emotivismo 884. Subjetivismo 905. Objetivismo ético 94Textos de apoio 97

Ficha de avaliação formativa 102Esquema global-síntese 104Ideias a reter 105

2. Valores e cultura – a diversidade e o diálogo de culturas1. Cultura e diversidade 1062. Relativismo cultural 1083. Dois argumentos a favor do relativismo

cultural 1104. Dois argumentos contra o relativismo moral 113Textos de apoio 116

Ficha de avaliação formativa 120Esquema global-síntese 122Ideias a reter 123

ÍNDICE

Iniciação à atividade filosófica

A ação humana: análise e compreensão do agir

Análise e compreensão da experiência valorativa

1. O que é a filosofia? Disciplinas e problemas da filosofiaUNIDADE 4

1. Intenção ética e norma moral 1. Intenções e moralidade 1252. O egoísmo psicológico 1273. O egoísmo ético 1304. Uma defesa do egoísmo ético 132Textos de apoio 135Ficha de avaliação formativa 138Esquema global-síntese 140Ideias a reter 141

2. A dimensão pessoal e social da ética 1. Princípios e normas morais 1422. O contrato social 145Texto de apoio 152Ficha de avaliação formativa 154Esquema global-síntese 156Ideias a reter 157

3. A necessidade de fundamentação da moral (Immanuel Kant) 1. O papel das intenções 1582. Obrigações absolutas e não absolutas 1603. O imperativo categórico 1624. Objeções à ética kantiana 164Textos de apoio 166Ficha de avaliação formativa 170Esquema global-síntese 172Ideias a reter 173

4. A necessidade de fundamentação moral (John Stuart Mill) 1. O princípio utilitarista 1742. A teoria do valor 1763. Duas objeções 1784. A teoria da obrigação 1805. Duas objeções 182Textos de apoio 186Ficha de avaliação formativa 190Esquema global-síntese 192Ideias a reter 192

5. Ética, direito e política 1. A posição contratualista 1942. Os princípios da justiça 1973. A desigualdade dos talentos naturais 200

4. O contrato social 2025. Duas objeções 205Textos de apoio 208Ficha de avaliação formativa 212Esquema global-síntese 214Ideias a reter 215

No volume 2 poderá estudar:Unidade 5. A dimensão estética: análise e compreensão da experiência estética

Unidade 6. A dimensão religiosa: análise e compreensão da experiência religiosa

Unidade 7. Temas/problemas do mundo contemporâneo:

1. Os animais têm direitos?

2. Eutanásia

3. Ética ambiental

124 Dimensões da ação humana e dos valores: análise e compreensão da experiência convivencial

UNIDADE 1

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a, 19

53

Conceitos e conteúdos a dominar nesta unidade:

• O significado etimológico da palavra «filosofia»

• A origem da filosofia e algumas das questões que

ocuparam os primeiros filósofos

• A filosofia da religião e os seus problemas (exem-

plos)

• A ética e os seus problemas (exemplos)

• A filosofia política e os seus problemas (exemplos)

• A estética e os seus problemas (exemplos)

• A metafísica e os seus problemas (exemplos)

• A diferença entre filosofia e ciência

• A distinção entre problemas empíricos e a priori

• A noção de argumento

• O conceito de validade

• Bons e maus argumentos

• A importância da argumentação em filosofia

Iniciação à atividade filosófica

O que é a filosofia? Disciplinas e problemas da filosofia

A filosofia, tal como ainda hoje é praticada

no Ocidente, nasceu nas antigas colónias gre-

gas da Ásia Menor por volta do século VI a. C.,

em especial Mileto, a cidade onde viveu Tales,

um dos primeiros filósofos conhecidos. Ainda

assim, é difícil saber a data exata em que a pa-

lavra filosofia começou a ser utilizada num sentido próximo do atual. O matemático

Pitágoras terá sido um dos primeiros a fazê-lo, ao designar por filosofia a atividade a

que se dedicavam todos aqueles que procuravam o conhecimento. Filosofia é uma

palavra composta que resulta das palavras gregas philia (que significa amizade ou

amor) e sophia (que significa conhecimento ou sabedoria). No seu sentido origi-

nal, a filosofia é a atividade a que se dedicam os que amam ou procuram o saber.

Os primeiros filósofos começaram por se interessar pelo estudo da natureza,

tendo ainda contribuído para o desenvolvimento da matemática e da geometria.

A curiosidade levou-os a interrogarem-se sobre temas de astronomia, como a

predição de eclipses, o cálculo das dimensões do Sol e da Lua, a forma da Terra

ou o movimento dos planetas. Desenvolveram também diferentes teorias a res-

peito da natureza e origem do universo. Tales de Mileto, por exemplo, pensava

que tudo era constituído por água, sendo este o elemento primordial a partir do

qual o universo fora originado. Para justificar as suas teorias, Tales de Mileto, tal

como os outros filósofos, baseou-se na observação atenta dos fenómenos natu-

rais, de maneira a tentar compreender as causas que lhes dão origem.

Apesar de as suas teorias terem sido há muito ultrapassadas, o mérito destes

filósofos foi grande. As suas teorias representaram um enorme avanço em rela-

ção às explicações do seu tempo, baseadas na ação de seres ou forças sobre-

naturais, como deuses, espíritos, etc. Para os primeiros filósofos, como Tales, pelo

contrário, os acontecimentos naturais – o universo no seu conjunto – deviam ser

explicados com base em causas naturais. A tarefa do filósofo consistia em descobrir

essas causas através da observação cuidada da natureza e da utilização correta da

razão. Aos poucos, a explicação tradicional para a origem e ordem do mundo foi

abandonada e substituída pelo lento desabrochar de uma nova visão científica da

natureza, das suas leis e dos seus padrões de funcionamento.

No entanto, a filosofia incluía a procura de conhecimento em todos os domínios,

e não apenas acerca da natureza. Um exemplo de curiosidade filosófica e sentido

crítico foi Xenófanes, que viveu no século V a. C. Xenófanes estava interessado em

compreender os fenómenos físicos, mas, sobretudo, em refletir sobre a religião e

1. Onde tudo começou e como evoluiu

7

1.

Tales de Mileto (século VI a. C.)

PowerPointO que é a filosofia?

8

UNIDADE 1 – Iniciação à atividade filosófica

a natureza de Deus. Ao contrário da grande maioria dos gregos da sua época, que

eram politeístas, Xenófanes acreditava num deus único. A maneira como os gregos

retratavam as suas divindades, atribuindo-lhes características, vícios e virtudes se-

melhantes às humanas, parecia-lhe especialmente duvidosa.

O facto de os deuses gregos serem tão parecidos connosco levou Xenófanes

a suspeitar se não seriam uma invenção humana. Esta ideia fê-lo escrever que

se as vacas e os cavalos se preocupassem com religião, também atribuiriam aos

seus deuses a forma de vacas e de cavalos. A religião dos seus contemporâneos

parecia-lhe uma simples criação humana.

Assim, ao contrário do que pensava a maioria dos seus concidadãos, Xenó-

fanes admitiu a existência de um só deus, um deus infinito e eterno. Mas fazia-o

porque pensava ser essa a maneira mais racional de entender a natureza de

Deus, e não por ser essa a maneira de pensar habitual no seu tempo. No século

XIX, o filósofo alemão Ludwig Feuerbach teve uma ideia semelhante, aplicando-a

ao monoteísmo: argumentou que não foi Deus quem criou os homens, mas sim

os homens quem criaram Deus. As reflexões de Xenófanes e de Feuerbach são

ainda hoje um exemplo de liberdade de pensamento e de sentido crítico.

Outro exemplo de filósofo que fazia questão de pensar por si próprio foi Sócra-

tes, que viveu na Grécia entre os anos de 469 a. C. e 399 a. C. A sua vida ainda hoje

é considerada um modelo de coragem e coerência. Embora não tenha escrito qual-

quer livro, a influência de Sócrates na história da Filosofia foi enorme.

Ao contrário de Tales e de Xenófanes, Sócrates estava sobretudo interessado

em questões de filosofia moral. Saber em que consiste a justiça, a virtude ou o

bem eram algumas das suas principais preocupações. Acreditava que só a igno-

rância podia levar as pessoas a praticarem o mal e considerava a obtenção de

conhecimento o objetivo mais importante da vida. Parte da sua fama deveu-se à

forma como usava a sua inteligência e o seu sentido crítico para desmascarar o

que não passavam de opiniões sem razão de ser.

Platão, um filósofo grego contemporâneo de Sócrates (e que lhe seguiu as pi-

sadas), escreveu uma vasta obra que abrange uma grande variedade de questões

filosóficas. No seu livro República, em forma de diálogo, Platão discutiu questões

de filosofia política, como saber qual a melhor forma de organização social (a

sociedade ideal), e de metafísica, uma tentativa para perceber em que consiste

a realidade última das coisas. Platão pensava que aquilo a que se pode chamar

o mundo sensível – o mundo que os nossos sentidos captam – não passa de uma

aparência.

O espaço e o tempo, o movimento e a mudança não são, de acordo com Platão,

reais. Os nossos sentidos dizem-nos que vivemos num mundo em mudança, cons-

tituído por objetos materiais situados no espaço e no tempo; mas, de acordo com

Platão, este mundo não passa de uma aparência. Para conhecer a verdadeira reali-

dade e ir além das aparências, teríamos de pôr de lado os sentidos e as ilusões que

os sentidos originam. Por detrás das aparências, esconde-se uma realidade eterna e

UNIDADE 1 – Iniciação à atividade filosófica

Estátua de Platão (428/427-348/347 a. C.) em Atenas, Grécia

Estátua de Sócrates em Atenas, Grécia

1. O que é a filosofia? Disciplinas e problemas da filosofia

9

imaterial, um mundo ideal que só a razão pode captar. É esta realidade ideal, situada

além do espaço e do tempo, que constitui o objeto do conhecimento – e o único

digno de ser contemplado. De facto, caso Platão tivesse razão, porque havíamos de

nos interessar por simples aparências?

Mas o desprezo de Platão pelos sentidos não era partilhado por todos os filóso-

fos do seu tempo. Aristóteles argumentou que o mundo físico não é uma simples

aparência mas o objeto adequado da ciência e da arte. A estética e a filosofia da

arte foram assuntos que estimularam a sua curiosidade, tendo escrito sobre ele um

tratado chamado Poética, que só em parte chegou até nós. Neste tratado, Aristóte-

les refletiu sobre algumas das formas da literatura grega, especialmente a tragédia,

a comédia e a poesia épica.

Para Platão e Aristóteles a arte é imitação. (Uma estátua imita a pessoa ou o ob-

jeto que lhe serve de modelo.)

A opinião de Platão sobre a arte não era, contudo, muito favorável. Como a arte

é imitação, ela tende a reforçar a nossa ligação ao mundo dos sentidos e leva-nos a

dar uma atenção desproporcionada às aparências. Platão pensava que a arte aca-

ba por afastar a alma da contemplação da verdade, tornando-se um obstáculo ao

conhecimento. Aristóteles, pelo contrário, que não acreditava no mundo ideal de

Platão, defendeu que a arte era essencial para a vida em sociedade. A tragédia e

a música, por exemplo, podiam desempenhar um papel fundamental na educação

dos cidadãos, em especial ao contribuírem para dominarmos os nossos sentimentos

mais profundos e intensos.

Seja qual for a opinião que possamos ter acerca das ideias dos autores que referi-

mos, o facto é que foram muito influentes. Os exemplos de Tales, Xenófanes, Sócrates,

Platão, Aristóteles e outros mostram-nos a variedade de interesses que marcaram as

reflexões dos primeiros filósofos. Os problemas que discutiram iam dos fenómenos

naturais até questões variadas de ordem religiosa, moral, política, estética e metafísica.

Mas, entre a Antiguidade Grega e os nossos dias decorreram

mais de dois mil anos. Durante este tempo muitas coisas mudaram,

incluindo na filosofia.

Hoje, filosofia e ciência tornaram-se áreas distintas, ao contrá-

rio do que sucedia no início, quando os primeiros filósofos foram

também os primeiros cientistas. O estudo da natureza passou a

ser feito por diferentes disciplinas, que se especializaram na inves-

tigação de certos setores específicos do mundo natural. Ciências

como a astronomia, a física, a química, a biologia, a psicologia, a

sociologia, etc., ganharam autonomia, desenvolvendo-se de forma

cada vez mais independente da filosofia. O mesmo sucedeu com

a matemática e a geometria. Com o decorrer do tempo, a filosofia

tornar-se-ia uma disciplina particular, com temas próprios, distin-

tos daqueles de que se ocupam as várias ciências.

Aristóteles (384-322 a. C.)

1. Como se poderá caracterizar,

numa primeira análise, a filosofia?

2. Será que a distinção entre filosofia

e ciência foi clara desde o início?

Porquê?

3. Indique os problemas referidos no

texto que pertencem hoje às ciên-

cias.

4. Identifique alguns dos problemas

filosóficos referidos no texto.

Atividades

10

UNIDADE 1 – Iniciação à atividade filosófica

Muitas das perguntas a que os fi-

lósofos procuram dar resposta des-

pertam a nossa atenção desde muito

cedo, ainda antes de termos ouvido

falar de filosofia. São perguntas di-

fíceis e surpreendentes, para as quais não há respostas óbvias ou seguras. E isto

pode ser uma fonte de embaraço e frustração. No entanto, como veremos ao longo

do estudo que estamos a iniciar, existem boas razões para confiar nas nossas capa-

cidades de análise, raciocínio e sentido crítico quando enfrentamos tais perguntas.

O primeiro passo consiste em tornar mais precisa a

importância humana destes problemas, e a importân-

cia que lhes tem sido atribuída no decurso da história.

Iremos agrupá-los em função das disciplinas filosóficas

a que pertencem. Indicaremos apenas cinco: a filosofia

da religião, a ética (ou filosofia moral), a filosofia políti-

ca, a estética e a metafísica.

2. Alguns problemas e disciplinas da filosofia

Um dos problemas mais antigos e significa-

tivos da filosofia diz respeito à existência de

Deus. Foi este o problema que interessou Xenófanes e

consiste em saber se Deus existe, ou que razões haverá

para pensar que sim (ou que não). Este é um problema

sobre o qual quase todas as pessoas têm opinião, embo-

ra nem sempre estejam de acordo entre si.

Muitos de nós fomos educados para acreditar em

Deus. Este é um facto que podemos observar não ape-

nas na nossa cultura mas em muitas outras culturas e so-

ciedades. A prova disso está na existência de religiões

como o cristianismo, o judaísmo e o islamismo. Estas re-

ligiões têm em comum a crença num Deus único, todo-

-poderoso e criador de tudo o que existe.

Mas nem todas as pessoas que professam uma reli-

gião acreditam em Deus. O budismo, uma religião fun-

dada por Siddhartha Gautama, um indiano que viveu no

século VI a. C. e é considerado o primeiro Buda, não acredita que o

mundo tenha sido criado por um Deus único e todo-poderoso. Mas,

se os budistas estiverem enganados, será que poderemos prová-lo?

Existirão boas razões para pensar que estão errados?

Esta é uma pergunta tipicamente filosófica: queremos descobrir a

resposta pelo uso da razão, tal como Xenófanes e os outros filósofos

fizeram séculos atrás. Mas não será a existência de Deus somente

uma questão de fé?

2.1 Filosofia da religião

A palavra Buda significa o Ilumina-

do, ou seja, alguém que atingiu o

conhecimento supremo. O estado

de iluminação (ou de Buda) atinge-

-se com a libertação definitiva do

mundo das aparências.

Templo Lótus em Nova Deli, Índia, aberto a todas as confissões religiosas

Disciplinas

da filosofia

Filosofia da religião

Filosofia política

Estética

Metafísica

Ética

11

1. O que é a filosofia? Disciplinas e problemas da filosofia

Talvez a fé seja importante, e até mesmo essencial, quando se tra-

ta de opiniões religiosas. A dificuldade é que os budistas também

possuem a sua própria fé, e essa fé está em contradição com aquilo

em que os cristãos, os judeus e os muçulmanos acreditam. Não é pos-

sível Deus existir, como pensam cristãos, judeus e muçulmanos, e, ao

mesmo tempo, não existir, como pensam os budistas: alguém tem de

estar enganado. Mas, seja qual for a resposta correta, a dificuldade

consistirá sempre em explicar porquê.

O que torna o debate de ideias inevitável é a procura de razões

capazes de justificar qualquer destas posições, o que é ótimo para exercitar a

nossa capacidade argumentativa e para desenvolver o nosso sentido crítico. Seja

qual for a hipótese que mais nos agrade, ela simplesmente pode estar errada. Não

basta acreditar numa destas hipóteses: é preciso ter boas razões para o fazer.

O problema da existência de Deus teve a atenção de pensadores como Epicuro,

São Tomás de Aquino, Santo Anselmo, Blaise Pascal e muitos outros. Estes pensa-

dores tentaram justificar a sua posição (a favor ou contra a existência de Deus) de

forma puramente racional. Para o fazerem, tiveram de tornar explícitos os raciocí-

nios que os conduziram à solução que julgaram correta. Mas saber se as razões que

propuseram são realmente boas é algo que temos de ser nós a descobrir.

Algumas das outras questões que têm sido debatidas em filosofia da religião são

as seguintes: Existe vida depois da morte física? Qual a natureza de Deus? Como

conciliar a crença num Deus todo-poderoso e bom com o mal existente no mundo?

Duas afirmações são contraditó-

rias quando não podem ser am-

bas verdadeiras nem ambas falsas.

Por exemplo, «João é português»

e «João não é português». Estas

afirmações são a negação uma da

outra: a verdade de uma implica a

falsidade da outra.

Esta é a área da filosofia que, como vimos,

interessou Sócrates particularmente.

A ética trata de problemas relacionados

com o bem e o mal, o certo e o errado. Ora, tal como no caso da existência de

Deus, nem sempre as pessoas estão de acordo a respeito do que é o bem e do que

é o mal. Perguntar como se deve viver pode dar origem a respostas inconciliáveis.

O conhecimento das diferentes sociedades humanas mostra que pode haver

diversas opiniões sobre o que são ações boas e más, ações certas e erradas. Uma

ação pode ser considerada moralmente certa numa sociedade e moralmente er-

rada noutra sociedade: o infanticídio, o adultério, o aborto ou até o sexo antes

2.2 Ética (ou filosofia moral)

Filosofia

da religião(algumas questões)

Qual a relação entre fé e razão?

Haverá vida para além da morte?

Deus existe?

Será possível conciliar liberdade humana e presciência divina?

PowerPointFilosofia da religião

12

UNIDADE 1 – Iniciação à atividade filosófica

do casamento são ações que podem ser avaliadas de maneira muito diferente

consoante se viva em Portugal, no Irão ou na Roma Antiga. Quer isto dizer que

o bem e o mal, o certo e o errado, dependem unicamente do ponto de vista de

cada sociedade?

Esta é seguramente uma importante questão filosófi-

ca. Mas há ainda outras possibilidades. Afinal, como notá-

mos no início, dentro da mesma sociedade encontramos

pessoas com diferentes conceções morais: algumas pes-

soas acreditam que abortar é sempre moralmente erra-

do e outras não; algumas pessoas acreditam que temos

obrigações morais para com os outros animais (incluindo

a de os excluir da nossa alimentação) e outras não; etc.

Quererá isto dizer que o bem e o mal, o certo e o errado,

dependem unicamente da perspetiva ou dos gostos de

cada pessoa?

Alguns filósofos rejeitaram completamente qualquer

destas hipóteses, preferindo uma terceira. Agir moral-

mente, defenderam, não consiste em fazer aquilo que

está de acordo com o que pensa a maioria das pessoas

na nossa sociedade, nem pode consistir em fazer o que

está de acordo com a sensibilidade ou os gostos de cada

pessoa. Agir moralmente é um assunto demasiado sério

para que seja a opinião de cada um ou as decisões da

maioria a ditar as suas leis. Agir moralmente, defenderam,

é proceder de acordo com a vontade de Deus. Uma ação é boa quando é desejada

por Deus. E é má quando contraria a vontade de Deus.

Esta terceira hipótese só poderá ser verdadeira se for verdade que Deus exis-

te. Se não existirem razões que tornem a existência de Deus pelo menos mais

provável do que a sua não existência, a ideia de que agir moralmente consiste em

obedecer à vontade de Deus deixa de fazer sentido.

Contudo, esta hipótese tem a vantagem de fazer com que o bem e o mal, o

certo e o errado, possam ser justificadamente considerados os mesmos para todas

as pessoas – ou seja, universais –, em vez de dependerem das características par-

ticulares de cada sociedade ou pessoa, algo que teria como consequência tornar

o entendimento entre elas difícil ou até impossível. Se agir moralmente for obede-

cer à vontade de Deus, há uma só verdade acerca do bem e do mal – uma verdade

que é a mesma para todos.

Mas se cada sociedade ou pessoa tiver a sua opinião, como havemos de nos en-

tender? (Imagine-se a tentar convencer um talibã de que é errado punir o adulté-

rio ou a homossexualidade com a morte por apedrejamento e percebe a questão.)

Será que o bem e o mal, o certo e o errado, poderão ser universais sem necessida-

de de recorrer a um Deus único?

Fotografia de Alexey Menschikov (Rússia), 2008

13

1. O que é a filosofia? Disciplinas e problemas da filosofia

Vários filósofos admitiram esta hipótese. Kant, que viveu no século XVIII, foi

um dos que pensaram que é possível justificar a existência de regras de com-

portamento universais apelando à sua origem racional. Se quisermos defender

a universalidade das regras de conduta, precisamos de as basear em algo que

todos os seres humanos tenham em comum. Esse algo, pensava Kant, é a razão.

Estamos a falar de regras de conduta moralmente significativas. As maneiras de

estar à mesa, por exemplo, obedecem a regras que podem variar de sociedade

para sociedade, mas não são moralmente significativas. Comer com as mãos não

é imoral, embora possa ser deselegante em algumas sociedades. A proibição de

tirar a vida a uma pessoa inocente é moralmente significativa e não pode ser ig-

norada. É neste campo – quando se trata de saber onde traçar a fronteira entre o

que é moralmente permissível e o que é moralmente não permissível – que a razão

pode intervir.

Claro que o facto de os seres humanos serem racionais e de a moral depender

da razão não significa que não possamos discordar sobre o que é uma boa ou uma

má ação, o certo e o errado. A questão é que não somos apenas seres racionais:

também estamos sujeitos a preconceitos ou ideias para os quais não existe justifi-

cação racional e que nos retiram lucidez. É por isso que o uso cuidadoso da razão

é tão importante. Ele dá-nos um excelente instrumento para decidir onde está

a verdade e o preconceito sempre que há desacordo sobre questões de ordem

moral.

Em síntese, a ética procura refletir sobre questões relacionadas com as ideias

de bem e de mal. Alguns exemplos de questões éticas são os seguintes: O que é

o bem? Será o aborto permissível? Devemos permitir a eutanásia? Os animais têm

direitos? Os valores morais serão universais?

Sejam quais forem as respostas para estes (e outros) problemas, teremos de

aprender a discuti-las racionalmente, recorrendo a todo o sentido crítico de que

formos capazes. Estudar filosofia oferece-nos essa oportunidade.

Immanuel Kant (1724-1804)

Ética

O que é o bem?

O aborto é permissível? Em que circunstâncias?

Serão os valores morais universais?

Os animais têm direitos?

Que princípios devem orientar a nossa vida?

Em que consiste agir moralmente?

Deve a eutanásia ser permitida?

(algumas

questões)

PowerPointÉtica (ou filosofia

moral)

14

UNIDADE 1 – Iniciação à atividade filosófica

A filosofia política é a disciplina filosófica que

trata de questões relacionadas com a forma como

as sociedades humanas devem estar organizadas. Na origem desta preocupação está

a ideia de que, apesar de na prática as sociedades poderem estar organizadas segun-

do regras ou princípios muito diferentes, nem todas as formas de organização social

são igualmente justas.

Será justo, por exemplo, que uma pessoa não beneficie de cuidados médicos

quando necessita, apenas porque não ganha dinheiro suficiente para os pagar?

Que papel devem ter o Estado e os governos nesta matéria? Se eu não tiver meios

para pagar as despesas com uma operação que necessito de fazer, essa operação

não deixa de ter custos. E, se não for eu, alguém terá de os pagar. Onde deve o

Estado ir buscar o dinheiro para pagar os tratamentos de que necessito? Deverá

obrigar os que mais rendimentos têm a pagar mais impostos para que todos (em

particular os de menores rendimentos) beneficiem de cuidados de saúde gratui-

tos? E em que poderá basear-se o direito do Estado a agir deste modo, impondo a

sua vontade mesmo aos que discordarem de tais medidas?

Esta é uma questão mais ampla do que parece, e que nos obriga a refletir sobre

se os mais ricos têm, ou não, obrigações morais para com os mais pobres – por

exemplo, a obrigação de garantir que todas as pessoas tenham acesso a bens so-

ciais básicos como a educação, a saúde e outros.

De facto, as desigualdades entre ricos e pobres têm aumentado nos últimos

anos, não apenas entre os países mais desenvolvidos e os menos desenvolvidos,

como entre a população dos países com as economias mais avançadas. Segundo

as Nações Unidas, no final do século XX, as duzentas pessoas mais ricas do mundo

usufruíam de um rendimento equivalente ao de 41% da população mundial, isto é,

mais de 2 mil milhões de pessoas. Em Portugal, admite-se a existência de perto

de 2 milhões de pobres, isto é, cerca de um quinto da população. Será que uma

distribuição da riqueza tão desigual pode ser socialmente justa?

Mas não só o problema das desigualdades económicas e da distribuição da ri-

queza tem ocupado a filosofia política. Liberdade e justiça social parecem também

inseparáveis. Uma sociedade que não inclua o direito de escolher os seus dirigen-

tes políticos, ou que proíba a expressão de opiniões contrárias às de quem gover-

na, priva as pessoas da sua liberdade. Será justo que o Estado não reconheça aos

cidadãos o direito às liberdades políticas (de expressão, reunião, etc.)? Terá um

governo o direito de impor as suas decisões sem o consentimento dos cidadãos?

Algumas outras questões tradicionais da filosofia política são as seguintes: uma

sociedade igualitária é mais ou menos justa do que uma sociedade desigual? Terão

os cidadãos o direito de desobedecer ao Estado por razões morais – por exemplo,

quando o Estado aprova leis que discriminam os cidadãos em função da raça, sexo

ou situação económica? Será que o direito à propriedade deve ser respeitado sem

qualquer exceção?

2.3 Filosofia política

15

1. O que é a filosofia? Disciplinas e problemas da filosofia

Filosofia

política

Em que consiste uma sociedade justa?

Em que se baseia o direito do Estado a exercer o poder?

Existirá o direito à desobediência civil?

Como deve ser distribuída a riqueza?

Uma sociedade igualitária é mais justa do que uma sociedade desigual?

Para muitos de nós, a beleza pode ter muita

importância. As coisas belas oferecem-nos uma

das mais agradáveis experiências que podemos ter. Uma paisagem, uma canção

ou um quadro, por exemplo, podem ser uma fonte de emoções aprazíveis, que nos

proporcionam satisfação e bem-estar. Habitualmente, os objetos que nos ofere-

cem este tipo de experiência adquirem um valor especial. Isto explica – em parte,

pelo menos – a importância atribuída às obras de arte pelas sociedades humanas.

O objetivo da arte foi durante séculos o de produzir bele-

za. No entanto, existem hoje muitas obras de arte nas quais a

beleza parece irremediavelmente ausente. E quando ouvimos

os seus autores, a beleza não foi sequer um aspeto que os te-

nha preocupado. Apesar disso, estas obras proporcionam-nos

aquilo a que se pode chamar experiências estéticas. Vemo-las

expostas em galerias e em museus, dão origem a diferentes

juízos e convidam ao debate. Mas o género de experiência

que a arte parece ter o poder de causar (tal como uma paisa-

gem) não é fácil de definir.

Kant propôs que a característica principal da experiência

estética é o prazer desinteressado. Kant queria dizer com isto

que a experiência estética não está ligada a um interesse prá-

tico nem tem em vista algo mais além dela própria. É o género

de experiência que procuramos por ser tal como é. A contem-

plação estética desinteressada é um fim em si mesma.

Mas uma experiência estética pode dar origem a opiniões

muito diversas. Se a arte é geralmente muito apreciada, tam-

bém é frequente encontrarmos pessoas que estão em desacordo sobre o valor

estético de certas obras. Uma canção, uma escultura ou um poema podem suscitar

apreciações favoráveis por parte de algumas pessoas e deixar outras indiferentes

ou até desgostosas. Como se explicam estas diferenças de opinião? Os mesmos

quadros, filmes ou peças de teatro podem dar origem a diferentes juízos de gosto.

Será que a beleza está presente nas próprias coisas ou apenas existe nos olhos

2.4 Estética

David Hockney, A bigger splash, 1967

(algumas

questões)

PowerPointFilosofia política

16

UNIDADE 1 – Iniciação à atividade filosófica

do observador? Dito de outro modo: será a beleza objetiva (algo que existe nos

próprios objetos) ou subjetiva (que depende do sujeito, do observador, variando

de pessoa para pessoa)?

Se a beleza não estiver nas próprias coisas mas apenas no olhar de cada um, um

objeto ser belo ou não ser depende unicamente do ponto de vista do observador

e não das características próprias do objeto. Neste caso, parece não fazer muito

sentido tentar discutir os gostos de cada pessoa: não existiriam critérios univer-

sais a que recorrer para arbitrar a discussão.

Mas a ideia de que os gostos não se discutem está longe de ser evidente. Em

geral, somos capazes de justificar os nossos juízos de gosto e de oferecer razões

em favor das preferências que estes juízos refletem. Significa isto que, afinal, sem-

pre existe um padrão de gosto universal? Esta ideia não é tão estranha como pode

parecer. Nós, seres humanos, partilhamos um mesmo sistema nervoso e somos

afetados pelos estímulos do meio de maneira mais ou menos semelhante. Com

o treino apropriado, é natural que sejamos capazes de reagir às obras de arte de

modo semelhante, preferindo certos estímulos e rejeitando outros. Afinal, os nos-

sos gostos evoluem com o treino e a educação que recebemos.

Além das questões associadas à ideia de beleza e ao gosto, podemos ainda

perguntar: o que é a arte? Será que um objeto tem de ter características especiais

para ser considerado uma obra de arte ou qualquer objeto pode ser arte? Terá um

objeto (uma escultura ou um quadro, etc.) de nos proporcionar uma experiência

estética para ser arte?

Estética(algumas questões)

O que é a beleza?

Em que consiste a experiência estética?

Existirá um padrão de gosto universal?

O que é a arte?

Qual o valor da arte?

Em geral, olhamos para o que nos rodeia (árvores, ca-

sas, automóveis, céu, estrelas, mar, etc.) sem nos aper-

cebermos do quanto há de surpreendente no facto de todas estas coisas, e muitas

mais, existirem. Mas, por vezes, não conseguimos evitar a ideia de que o universo,

no seu conjunto, poderia não existir. Ora, se isto for verdade, porque existe algu-

ma coisa em vez de nada? Não será afinal a existência algo muitíssimo surpreen-

dente? Que significado atribuir a tudo isto?

2.5 Metafísica

PowerPointEstética

1. O que é a filosofia? Disciplinas e problemas da filosofia

Estes são alguns exemplos de questões metafísicas. Uma outra questão, espe-

cialmente importante, é a seguinte: Será que a nossa existência tem uma razão de

ser, um propósito que a justifique, que dê sentido à nossa vida?

Muitos de nós, antes até de termos ouvido falar de Filosofia, já nos interrogá-

mos sobre aquilo a que ficará a dever-se a nossa presença no mundo. Seremos um

produto acidental da natureza ou a nossa existência possui um desígnio, um objeti-

vo que decorre de um plano pré-estabelecido por Deus? Os adeptos de qualquer

das religiões hoje existentes não sentiriam dúvidas em escolher a segunda hipó-

tese. Pelo contrário, filósofos como Jean-Paul Sartre ou Thomas Nagel, nascidos

no século XX, tenderão a ser mais prudentes ou mesmo desfavoráveis a esta ideia.

Sartre pensava que nada justifica o facto de existirmos. A ideia de a vida hu-

mana não ser o produto de um desígnio de Deus também não incomodou Nagel.

No entanto, pessoas como Tolstoi, um escritor russo do século XIX, ou William

Lane Craig, um filósofo americano contemporâneo, defenderam que, sem Deus, a

vida humana seria um absurdo e indigna de ser vivida. Saber onde está a verdade

poderá não ser fácil.

Metafísica

1. Elabore uma pequena composição livre sobre o tema da existência de Deus. Indique

a sua posição sobre o problema e exponha as razões em que se baseia, bem como as

razões que o levam a pensar ser falsa a posição contrária.

2. Na secção de ética encontramos quatro hipóteses sobre o que é o bem:

• O bem é aquilo que cada sociedade aprova.

• O bem é aquilo que agrada a cada pessoa.

• O bem é aquilo que Deus aprova.

• O bem é aquilo que a razão estabelece.

Escreva uma pequena composição sobre qual destas hipóteses lhe parece mais cor-

reta e procure explicar porquê.

3. Exponha o seu ponto de vista sobre como deve estar organizada a sociedade para

que mereça ser considerada justa. Justifique a sua posição.

4. Para haver arte tem de haver beleza? Justifique a sua posição.

5. Será que a vida não pode ter valor caso Deus não exista? Porquê?

Atividades

Porque existe alguma coisa em vez de nada?

Qual o valor da vida?

Como conciliar a liberdade humana com a causalidade da natureza?

Terá a vida um objetivo?

17

(algumas questões)

PowerPointMetafísica

UNIDADE 1 – Iniciação à atividade filosófica

A filosofia e as diferentes ciências têm uma

origem comum: o amor pelo conhecimento,

isto é, o desejo de compreender o mundo e

de nos compreendermos a nós próprios e às

nossas ideias em todos os aspetos. Mas, ao

longo do tempo, as ciências acabaram por se

separar da filosofia e seguir um rumo próprio.

Isto aconteceu porque cada ciência se distingue das restantes num aspeto im-

portante: cada uma tem um objeto de estudo particular e os seus próprios méto-

dos de trabalho. Assim, a álgebra estuda os números, as funções, etc.; a geome-

tria estuda as figuras no espaço; a física as manifestações da matéria inanimada

(a gravidade, a eletricidade, etc.); a biologia estuda o mecanismo da evolução da

vida na Terra através das suas diferentes espécies; etc.

Mas, apesar de estas ciências serem diferentes umas das outras porque estu-

dam coisas diferentes, todas têm um aspeto comum. A física, a química e a biologia

procuram descobrir e explicar factos. Podemos saber que há planetas fora do

sistema solar porque temos hoje telescópios que nos permitem observá-los. Mas

não podemos usar um telescópio ou outro instrumento científico para descobrir

se Deus existe ou não. Neste caso, os métodos e instrumentos científicos parecem

não ser os mais adequados.

Ciências como a física, a geologia, a biologia, etc., estudam factos e usam a ex-

periência para saber se as explicações que para eles pro-

pomos são verdadeiras. Quando isto acontece, diz-se que

os seus problemas são empíricos.

Tal não significa, contudo, que nestes casos o raciocínio

é dispensável. Significa que além do raciocínio, é preciso

a experiência.

Eis alguns problemas empíricos:

• Quantos são os satélites naturais de Júpiter?

• Porque se movem os continentes?

• O que provocou a extinção dos dinossauros?

• Será que existiu vida em Marte?

• A que velocidades se propagam o som e a luz?

Todos estes problemas têm hoje respostas científicas

conhecidas. Mas, sem a experiência, não teria sido pos-

sível descobri-las. Na verdade, todas estas respostas pu-

deram ser obtidas através do uso de vários instrumentos

científicos sofisticados, como telescópios, sondas espa-

ciais, tubos de ensaio, submarinos, etc. Não poderíamos

3. O que distingue a filosofia das ciências

Kumi Yamashita (Japão), Question mark, 2003

19

ter obtido estas respostas sentados à lareira, usando ape-

nas as nossas capacidades para raciocinar.

• Os problemas das ciências (com a exceção da ma-

temática) são empíricos, isto é, exigem o recurso à

experiência para serem solucionados.

• Os problemas da filosofia, pelo contrário, são a priori,

isto é, a verdade ou a falsidade das teorias filosóficas

não se descobre por meio de experiências, mas prin-

cipalmente pelo raciocínio.

Para descobrir e explicar os factos, é necessária a ex-

periência. Mas a filosofia não pretende descobrir e ex-

plicar factos, pretende discutir ideias. A experiência tal

como é utilizada pelos cientistas não é o elemento crucial.

Neste aspeto particular, a filosofia está mais próxima da

matemática do que das outras ciências.

Ao contrário do que acontece nas ciências, a experiên-

cia não é essencial em filosofia. Saber se o aborto é moral-

mente aceitável não depende decisivamente de uma ex-

periência que possamos realizar num laboratório. Todos

os factos que há para conhecer acerca do aborto são hoje

conhecidos. Mas, ao discutir o problema do aborto, isso

não é suficiente. Todos os factos que há para conhecer

acerca do aborto são hoje conhecidos. Mas, ao discutir o

problema do aborto, isso não é suficiente.

Não são os factos que estão principalmente em causa. O que está em causa é

saber se o conceito de ação moralmente permissível autoriza pensar que o aborto

é uma ação moralmente permissível, em que situações e porquê (ou porque não).

O mesmo acontece quando se quer saber em que consiste uma sociedade justa.

Conhecemos a maioria dos factos sociais importantes para esta discussão: de que

modo a riqueza está distribuída, quantos são pobres e quantos são ricos, que direi-

tos legais são (ou não) reconhecidos, etc. Mas isto, por si só, não é suficiente para

estabelecer uma conclusão sobre se estes factos são compatíveis com o conceito

de justiça, e por que razão isso acontece.

Os problemas da filosofia não são empíricos, são problemas a priori. Temas

como a existência de Deus, a distribuição da riqueza ou o aborto estimulam o

raciocínio e desafiam o desejo de descobrir as melhores razões em que apoiar as

nossas crenças (ou convicções). Daí a importância do raciocínio e do espírito críti-

co quando se estuda filosofia.

René Magritte, A reprodução interdita, 1937

1. O que é a filosofia? Disciplinas e problemas da filosofia

20

UNIDADE 1 – Iniciação à atividade filosófica

Saberes

Filosofia

Problemas conceptuais

Análise e debate de ideias

1. Apesar da sua origem comum, com o tempo tornou-se claro que a filosofia e a

ciência são atividades diferentes. Esclareça em que se baseia esta distinção.

2. No início deste capítulo (parágrafo dois) são indicados alguns dos problemas que

ocuparam os primeiros filósofos (determinar a forma da Terra, etc.). Será que se

justificaria hoje considerá-los problemas filosóficos? Porquê?

3. Poderá um problema como o sentido da vida ter uma solução científica? Porquê?

4. Será a teoria do big bang (sobre a origem do universo) uma teoria filosófica? Jus-

tifique.

Atividades

Ciências

Matemática

Ciências empíricas

Problemas a priori

Método demonstrativo

Problema empíricos

Método experimental

21

Textos de apoio

Texto 1Pensar acerca de ideias, Simon Blackburn

Eis algumas perguntas que qualquer um de nós pode fazer sobre nós pró-

prios. O que sou eu? O que é a consciência? Será que poderia sobrevi-

ver à morte do meu corpo? Será que posso estar certo de que as minhas

experiências e sensações são como as das outras pessoas? Se não posso

partilhar as experiências das outras pessoas, será que posso comunicar com elas? Será

que agimos sempre apenas em função do interesse próprio? Será que sou apenas uma

espécie de fantoche programado para fazer as coisas que penso fazer devido a possuir

livre-arbítrio?

Eis algumas perguntas sobre o mundo. Por que razão existe algo em vez de nada?

Qual a diferença entre o passado e o futuro? Por que razão a causalidade acontece

sempre do passado para o futuro, ou será que faz sentido pensar que o futuro pode in-

fluenciar o passado? Por que razão é a natureza regular? Será que o mundo pressupõe

um Criador? E, se pressupõe, será que poderemos compreender por que razão o criou?

Por fim, eis algumas perguntas sobre nós e o mundo. Como poderemos ter a cer-

teza de que o mundo é realmente como pensamos que é? O que é o conhecimento e

que quantidade de conhecimento temos? O que faz de uma área de investigação uma

ciência? Como poderemos saber se as nossas opiniões são objetivas ou meramente

subjetivas?

O que há de singular nestas perguntas não é

serem à primeira vista desconcertantes, mas tam-

bém por desafiarem processos simples de solução.

Se alguém me perguntar quando é a maré cheia,

sei como fazer para obter uma resposta. Existem

tabelas fidedignas que poderei consultar. Posso ter

uma ideia de como se fazem essas tabelas. E, se tudo

o resto falhar, eu próprio posso ir medir as marés.

Uma pergunta deste género refere-se à experiência:

é uma pergunta empírica. Pode responder-se por

meio de processos comprovados, que incluem olhar

e ver, medir ou aplicar regras que, perante a expe-

riência, verificámos que funcionam. As perguntas

dos parágrafos anteriores não são assim. Parecem

exigir mais reflexão. Não sabemos imediatamente

para onde olhar. Talvez tenhamos a sensação de que

Kumi Yamashita, Conversação, 1999

22

UNIDADE 1 – Iniciação à atividade filosófica

não sabemos exatamente o que queremos dizer quando fazemos aquelas perguntas, ou

o que poderia ser considerado uma solução. O que será que me poderia mostrar que

sou, afinal, um fantoche programado para fazer as coisas que penso fazer livremen-

te? Deveremos pôr a questão aos cientistas especialistas do cérebro? Mas como iriam

eles saber o que procurar? E como saberiam que tinham encontrado algo? Imagine a

primeira página do jornal: «Neurocientistas descobrem que os humanos não são fan-

toches.» Como?

O que origina perguntas tão desconcertantes? Numa palavra: a autorreflexão.

Os seres humanos têm a capacidade de refletir constantemente sobre si próprios.

Podemos fazer algo por hábito, mas depois somos capazes de começar a refletir sobre

esse hábito. Podemos perguntar a nós mesmos se sabemos do que estamos a falar. Para

responder temos de refletir sobre as nossas próprias posições, a nossa compreensão do

que estamos a dizer. E ao fazê-lo, confrontamo-nos com categorias como conhecimen-

to, objetividade, verdade, e podemos querer pensar sobre elas. Neste ponto, começa-

mos a refletir sobre os conceitos, processos e convicções que geralmente nos limitamos

a usar. Estamos a olhar para os andaimes do nosso pensamento e a fazer engenharia

conceptual.

Resumindo: as nossas ideias e conceitos podem ser comparados com lentes através

dos quais vemos o mundo. Em Filosofia, são as próprias lentes que constituem o tema

de estudo. Seremos bem ou mal sucedidos não em função da quantidade de coisas que

sabemos no fim do estudo, mas em função do que podemos fazer quando as coisas se

tornam difíceis: quando a maré dos argumentos sobe e se gera a confusão. Ser bem

sucedido em Filosofia quer dizer levar a sério o que as ideias implicam.

Adaptado de:

Pense – Uma introdução à filosofia, Gradiva, pp. 12-15

1. Selecione quatro das questões apresentadas no texto de Simon Blackburn que

lhe pareçam especialmente intrigantes e explique porque as escolheu.

2. Blackburn defende que os problemas da Filosofia não podem ser resolvidos

através de métodos empíricos. Exponha as razões em que o autor se baseia.

3. A Filosofia tem origem na autorreflexão, diz Blackburn. Usamos conceitos para

nos referirmos às coisas, mas nem sempre refletimos sobre a natureza dos con-

ceitos que utilizamos. Explique a ideia de Blackburn.

Atividades

1. O que é a filosofia? Disciplinas e problemas da filosofia

23

1. Elliott Sober identifica três car-

acterísticas típicas da filosofia

e dos seus problemas. Indique

cada uma delas e explique por

palavras suas em que consis-

tem.

2. Em que sentido se justifica

dizer que a filosofia pode pôr

em causa o senso comum?

Atividades

Muitos problemas da filosofia envolvem questões fundamentais de justifi-

cação. Há muitas coisas em que acreditamos sem hesitação ou reflexão.

Estas crenças, que constituem uma segunda natureza, são por vezes cha-

madas de senso comum. O senso comum afirma que os nossos sentidos

(visão, audição, tato, paladar e olfato) fornecem a cada um de nós conhecimento acerca

do mundo em que habitamos. O senso comum diz ainda que as pessoas agem frequen-

temente com base no seu livre arbítrio. O senso comum sustenta que algumas ações

são corretas e outras erradas. A filosofia examina os nossos pressupostos fundamen-

tais acerca de nós próprios e do mundo em que vivemos e tenta determinar em que

medida esses pressupostos são racionalmente justificáveis.

Outra característica de muitas das questões filosóficas é serem bastante gerais; com

frequência, são mais gerais do que os problemas investigados pelas diferentes ciências.

Os biólogos interessaram-se por saber se os genes existem. Os físicos investigaram a

existência dos eletrões. E os geólogos tentaram descobrir se os continentes assentam

em placas móveis. No entanto, nenhuma destas ciências se preocupou com a ques-

tão de saber porque haveríamos de pensar que há objetos físicos. As várias ciências

limitam-se a pressupor que existem coisas fora da mente; depois, concentram-se em

questões mais específicas sobre como essas coisas são. Em contraste, uma questão tipi-

camente filosófica é saber porque havemos de acreditar que existe algo fora da mente.

A ideia de que a sua mente é a única coisa que existe chama-se solipsismo. Alguns

filósofos tentaram lidar com o problema de saber se o solipsismo é verdadeiro. Esta é

uma questão bastante mais geral do que a questão de sabermos se existem

eletrões, genes ou placas continentais.

Uma terceira perspetiva sobre o que é a filosofia afirma que a filosofia

é a atividade de clarificar conceitos. Repare em algumas das questões tipi-

camente filosóficas: O que é o conhecimento?; O que é a liberdade?; O que

é a justiça?; etc. Cada um destes conceitos aplica-se a certas coisas e não a

outras. O que terão em comum as coisas que recaem sob o conceito e o que

as distingue daquelas a que o conceito não se aplica?

Cada uma destas três formas de compreender a filosofia deve ser en-

tendida com um grão de sal (ou dois). É possível defender cada uma delas,

embora se tratem de simplificações que envolvem alguma distorção.

Adaptado de: Core Questions in Philosophy, Prentice Hall, pp. 4-5

Texto 2Três teorias sobre o que é a filosofiaElliott Sober

24

1. A Filosofia ocidental nasceu

[A] na Grécia atual.

[B] na Grécia Antiga.

[C] nos Estados Unidos da América.

[D] na Índia.

2. O sentido original da palavra «filosofia» é o de

[A] conhecimento da amizade.

[B] indiferença perante a sabedoria.

[C] amor pelo conhecimento.

[D] ódio pelo conhecimento.

3. Originalmente, os filósofos eram pessoas que

[A] procuravam acima de tudo a fama e o proveito ma-

terial.

[B] ignoravam a natureza e não praticavam a reflexão.

[C] procuravam compreender-se a si próprios.

[D] faziam perguntas acerca dos vários aspetos significa-

tivos da natureza e da realidade humana.

4. A Filosofia consistia na

[A] procura de respostas para a curiosidade humana,

com base na observação cuidada e na razão.

[B] tentativa de criar e impor novos mitos.

[C] procura de explicações sobrenaturais para os fenó-

menos da natureza.

[D] procura de explicações naturais para o modo de vida

humano.

5. Os primeiros filósofos

[A] acreditavam em tudo o que as antigas tradições diziam.

[B] tinham sentido crítico e pensavam por si mesmos, pro-

curando aos poucos corrigir os seus próprios erros.

[C] procuravam seguir as opiniões da maioria.

[D] tentavam impor aos outros as suas ideias sem senti-

rem necessidade de as justificar racionalmente.

6. A razão era para os primeiros filósofos e cientistas

[A] a última coisa em que pensavam quando se falava

em conhecimento.

[B] o principal instrumento (a par da observação) a que

se devia recorrer para descobrir a verdade.

[C] apenas uma maneira de fazerem valer a sua opinião.

[D] um sinal de atraso das sociedades.

7. Qual dos seguintes problemas é um problema filosófico?

[A] Já houve vida em Marte?

[B] Como se formou o planeta Terra?

[C] Será que a beleza é objetiva (está realmente presen-

te nas coisas – ou objetos) ou subjetiva (está apenas

no sujeito – ou observador)?

[D] Será que todos os números pares podem ser repre-

sentados como a soma de dois números primos?

8. Qual dos seguintes problemas não é um problema filosófico?

[A] A eutanásia e o aborto serão moralmente permissí-

veis?

[B] Como deve numa sociedade justa estar distribuída

a riqueza?

[C] Será que existe vida além da morte?

[D] Haverá matéria suficiente no universo para que este

deixe de se expandir daqui a milhões de anos?

9. Ao colocarem em questão muitas das nossas principais

convicções (a existência de Deus, por exemplo), os filó-

sofos pretendem

[A] saber se há alguma justificação racional a apoiar es-

sas convicções.

[B] criticar os outros apenas por criticar.

[C] desprezar as convicções alheias sem nada oferecer

em troca.

[D] ser considerados originais e atrair as atenções.

10. Será a filosofia uma ciência?

[A] Sim, porque a filosofia, tal como as ciências, consiste na

procura do conhecimento e da verdade.

[B] Não, porque os problemas e métodos da filosofia são

distintos dos problemas e métodos das ciências.

[C] Sim, porque a filosofia, tal como as restantes ciên-

cias, baseia-se na experiência e na razão.

[D] Não, porque as teorias dos filósofos não passam de

opiniões e cada pessoa pode ter a sua.

11. Um problema é empírico quando

[A] a experiência não é necessária para o resolver.

[B] não é possível descobrir a sua solução com o recur-

so à experiência.

[C] a experiência é tudo o que precisamos para desco-

brir a resposta.

[D] não se pode resolvê-lo sem utilizar a experiência.

Ficha de avaliação formativa1. O que é a filosofia? Disciplinas e problemas da filosofia

NOTA: As soluções, assinaladas com , são exclusivas do manual do professor.

25

12. Um dos seguintes problemas é empírico. Identifique-o.

[A] Será que o aquecimento atual do planeta está a

ameaçar a vida de algumas espécies animais?

[B] Quantos valores satisfazem a função x2 = 4?

[C] Será que Deus existe?

[D] Poderá qualquer objeto ser considerado arte?

13. Um dos seguintes problemas não é empírico. Identifique-o.

[A] Haverá verdades morais objetivas (aplicáveis a qual-

quer ser humano) ou os valores morais dependem

do ponto de vista de cada sociedade, de cada cultu-

ra ou de cada pessoa?

[B] Qual a origem do sistema solar?

[C] O desenvolvimento da personalidade é devido à he-

reditariedade ou ao papel do meio ambiente?

[D] Como se formou o universo?

14. Um problema é a priori quando

[A] basta a razão para descobrir a sua solução.

[B] a resposta tem de ser obrigatoriamente encontrada

apenas com base no raciocínio ou na razão.

[C] a razão é necessária para o resolver embora só isso

não chegue.

[D] não é necessário recorrer ao raciocínio para o resolver.

15. Um dos seguintes problemas é a priori. Identifique-o.

[A] Quantos satélites naturais tem Saturno?

[B] O calor propaga-se melhor num bocado de madeira

ou de metal?

[C] O que dá ao Estado o direito de exercer o seu poder

sobre a sociedade?

[D] Haverá um dia cura para a SIDA?

16. Um dos seguintes problemas não é a priori. Identifique-o.

[A] Os animais não humanos têm direitos?

[B] Será que a existência de um Deus perfeitamente

bom é compatível com todo o mal que existe no

mundo?

[C] O recurso a energias alternativas pode resolver a

atual crise do petróleo?

[D] Qual o valor de x na equação 2x – 1 = 0?

17. Saber se existem solteiros casados é um problema

[A] empírico, porque é preciso investigar os muitos sol-

teiros que há no mundo para ver se algum é, ou não,

casado.

[B] a priori, porque basta raciocinar sobre o que as pa-

lavras «solteiro» e «casado» querem dizer para se

perceber imediatamente que ninguém pode, em si-

multâneo, ser solteiro e casado.

[C] empírico, porque a experiência, só por si, basta para

o resolver.

[D] a priori, porque o raciocínio não é suficiente para en-

contrar uma solução para um tal absurdo.

18. Os problemas das ciências são empíricos (exceto a ma-

temática) porque

[A] dizem essencialmente respeito a factos que se que-

rem explicar, não a ideias.

[B] em ciência, não basta refletir demoradamente sobre

um problema; é preciso testar as soluções através

da experiência.

[C] Todas as respostas anteriores.

[D] Nenhuma das respostas anteriores.

19. Em filosofia

[A] debatemos conceitos: o conceito de justiça (em que

consiste uma sociedade justa?), o conceito de bem mo-

ral (será o bem algo de objetivo ou depende do ponto

de vista de cada sociedade ou pessoa?), etc.

[B] analisamos criticamente as várias respostas em bus-

ca da verdade e tentamos corrigir os erros cometi-

dos no passado.

[C] procuramos justificar as teorias com base nos me-

lhores argumentos disponíveis e sujeitamo-los a uma

avaliação crítica.

[D] Todas as respostas anteriores.

20. Em filosofia

[A] o debate de ideias é essencial, porque as teorias

filosóficas não podem ser avaliadas pelos métodos

das ciências.

[B] pensar de forma autónoma não é essencial porque

os melhores filósofos já o fizeram por nós.

[C] procurar os fundamentos em que se baseiam as nos-

sas crenças mais básicas não é importante.

[D] Nenhuma das respostas anteriores.

26

Esquema global–síntese

O que é a filosofia?

Componentes Disciplinas Exemplos de problemas da filosofia

Teorias

Argumentos

Problemas Filosofia da religião

Ética

(ou filosofia moral)

Metafísica

Filosofia política

Outras

Estética

Deus existe?

Haverá vida além da morte?

O que é o bem?

Em que consiste agir moralmente?

Em que consiste uma sociedade justa?

Como deve ser distribuída a riqueza?

Existirá um padrão de gosto universal?

O que é a arte?

Qual o valor da vida?

Terá a vida um objetivo?

Mapa de conceitosEsquema

global-síntese:

O que é a filosofia?

1. O que é a filosofia? Disciplinas e problemas da filosofia

27

Ideias a reter

filosofia surgiu pela primeira vez nas antigas co-

lónias gregas da Asia Menor por volta do século

VI a. C. Os Antigos Gregos foram os primeiros

a estudar de forma científica a natureza. Tentaram des-

cobrir com base na observação a origem do universo,

bem como muitos outros fenómenos naturais como os

eclipses e a forma da Terra. Além disso, interessaram-se

por questões como a existência de Deus, a organização

justa da sociedade, a natureza da arte e os princípios e

regras que deverão orientar o comportamento moral.

Interrogaram-se sobre a confiança que podemos atri-

buir aos sentidos para alcançar conhecimento e em que

consiste a verdadeira realidade depois de nos libertar-

mos de ilusões e de aparências.

A o longo dos últimos séculos, a filosofia sepa-

rou-se gradualmente das ciências. Muitas das

teorias que ocuparam a tradição filosófica en-

contraram confirmação experimental, e deram lugar a

disciplinas autónomas como a física, a química, a biolo-

gia, a psicologia e outras. Estas ciências pretendem ob-

ter conhecimentos acerca dos diferentes tipos de fac-

tos que constituem o mundo, baseados em observações

auxiliadas por diversos instrumentos como telescópios,

microscópios, etc. Além disso, os cientistas aprenderam

a pôr à prova as teorias, a corrigi-las e, quando necessá-

rio, a substituí-las por outras melhores.

À medida que as diferentes ciências foram ga-

nhando autonomia, a filosofia tornou-se uma

disciplina com objetivos e métodos de investi-

gação próprios. Deixou os problemas empíricos (a ex-

plicação dos factos) para os cientistas e tornou-se uma

reflexão sobre ideias: sobre a natureza e a existência

de Deus, sobre os conceitos de bem e de justiça, sobre

a beleza, o gosto e a arte, sobre o sentido da vida e

porque existe alguma coisa em vez de coisa nenhuma.

Agrupados em função do tema, estes problemas deram

origem às disciplinas que formam a filosofia: a filosofia

da religião, a ética (ou filosofia moral), a filosofia políti-

ca, a estética, a metafísica e outras que estudaremos no

próximo ano.

que as teorias filosóficas têm em comum é não

serem abordadas com base nos métodos expe-

rimentais da ciência. A filosofia é uma discipli-

na onde refletimos sobre conceitos e não sobre factos.

Por isso, os problemas e teorias da filosofia não são

empíricos. Para distinguir este aspeto da filosofia das

diversas ciências que dela se foram afastando gradual-

mente, diz-se que é uma disciplina a priori.

O facto de a filosofia não poder recorrer aos

métodos experimentais das ciências tem

uma grande importância. As teorias filosó-

ficas não podem ser justificadas empiricamente; a sua

verdade ou falsidade não tem uma base experimental.

Mas podem ser avaliadas e justificadas racionalmente.

É por isso que os argumentos são importantes em filo-

sofia. Os argumentos dão-nos as razões em que os filó-

sofos se basearam para concluir que as suas teorias são

verdadeiras. Para saber se uma teoria é verdadeira ou

falsa, é necessário conhecer os argumentos em que os

filósofos se apoiaram para defender uma coisa ou outra.

Fotografia: Simons Center for Geometry and Physics

28

A dimensão discursiva do trabalho filosófico

Como vimos no capítulo anterior, os proble-

mas da filosofia não são empíricos. Portanto,

não podem ser respondidos através do recur-

so aos métodos experimentais das ciências.

Em filosofia discutem-se ideias; por isso, fazer filosofia não obriga a aprender a

utilizar os instrumentos que habitualmente se encontram nos laboratórios de física

ou de química. Não precisamos de saber como manusear um microscópio ou um

bico de Bunsen, por exemplo. Mas, dado que o essencial do trabalho filosófico

consiste em discutir criticamente ideias, é muito importante aprender a argumentar

com eficácia.

São três, como vimos, os elementos da filosofia: os problemas filo-

sóficos, as teses ou teorias filosóficas e os argumentos em que estas

teorias se apoiam. Tal como as teorias da física ou da biologia depen-

dem dos resultados das experiências levadas a cabo pelos cientistas,

as teorias filosóficas, não podendo basear-se na experiência, têm de se

apoiar em argumentos.

Estes três elementos esclarecem-nos sobre o que é a filosofia e como

estudá-la.

1. O trabalho filosófico

2.

Piet Mondrian, Composição com amarelo, vermelho e azul, 1937-1942

1. Quais são os elementos da filosofia? Ex-

plique a relação que existe entre eles.

2. Estudar os argumentos é tão importante

para um filósofo como saber usar material

de laboratório é importante para um cien-

tista. Explique porquê.

Atividades

• Em primeiro lugar, trata-se de identificar o problema filosófico

a discutir.

• Em segundo lugar, temos de identificar as teses ou teorias pro-

postas como solução para o problema.

• Em terceiro lugar, é preciso identificar os argumentos em que

estas teorias se baseiam.

Discutir Filosofia é a mesma coisa que avaliar se uma teoria é

verdadeira ou falsa. Para isso, é necessário conhecer as razões em

que os filósofos se apoiaram para a defender. Só en-

tão ficaremos em condições de saber se uma teoria

filosófica é uma boa resposta para o problema a que

se quer responder.

Só depois de identificados o problema, a teoria

e os argumentos que queremos estudar, podemos

exercer o nosso sentido crítico. Mas, para isso, é

conveniente saber o que são os argumentos e como

podem ser discutidos.

PowerPointA dimensão

discursiva do

trabalho filosófico

29

Usamos argumentos quando precisamos de

justificar as nossas afirmações. Por exemplo,

se uma pessoa for da opinião que abortar é

moralmente permissível em certos casos, não

pode esperar que a sua opinião seja aceite – ou considerada verdadeira – se não for

capaz de justificar como chegou a essa conclusão, isto é, se for incapaz de nos dar

razões nas quais é possível basear-nos para pensar que está a dizer a verdade. Mas

também podemos ter razões para pensar que uma afirmação é falsa. Podemos, por

exemplo, ter razões para pensar que abortar é sempre errado.

As afirmações «abortar é moralmente permissível em certos casos» e «abortar

é sempre errado» não podem ser ambas verdadeiras nem ambas falsas. Se uma

é verdadeira, a outra tem de ser falsa. Mas qual delas é verdadeira e qual delas é

falsa? Para saber isto precisamos dos argumentos. Precisamos de conhecer as ra-

zões a favor de cada uma delas e decidir com base na sua avaliação imparcial. Nem

todas as razões são boas e umas são melhores do que outras. Há argumentos bons,

outros maus.

Estes exemplos mostram que se pode caracterizar um argumento como uma

tentativa para justificar uma afirmação, apresentando as razões em que nos apoia-

mos para pensar que a afirmação é verdadeira ou falsa.

Esta primeira aproximação ao que são os argumentos diz-nos qual é o objetivo

da argumentação. Diz-nos onde queremos chegar quando argumentamos. Mas ain-

da não nos informa sobre o que são os argumentos.

Os argumentos são a expressão linguística dos raciocínios. Quando apresenta-

mos as razões em que nos baseámos para pensar que uma afirmação é verdadeira

ou falsa, estamos a expor o raciocínio que nos faz chegar à conclusão que a afirma-

ção é verdadeira ou falsa. Podemos concluir que abortar é sempre errado porque o

feto tem o direito à vida e violar um direito é sempre errado. Ou podemos concluir

que abortar é permissível em casos de violação, por exemplo, porque o direito de a

mulher decidir livremente quando quer ter filhos tem de ser respeitado. As razões

que justificam pensar que o aborto é errado ou que é permissível em certos casos

são aquilo em que nos baseámos para chegar à conclusão que abortar é, ou não,

errado.

Assim, os argumentos são formados por um determinado número de razões, as

premissas – não obrigatoriamente verdadeiras – e uma conclusão.

• As premissas de um argumento são as razões que o argumento apresenta; estas

razões dão-nos a justificação em que nos baseamos para afirmar a conclusão.

• A conclusão de um argumento é a afirmação cujo verdade temos como obje-

tivo justificar.

• Um argumento pode ter várias premissas (podemos ter várias razões para

fazer uma afirmação) e uma conclusão. Porém, cada argumento possui apenas

uma conclusão.

2. O que são os argumentos

30

UNIDADE 1 – Iniciação à atividade filosófica

Argumentos

Objetivo

Elementos

Justificar a verdade de uma afirmação.

Dar razões que fundamentem uma afirmação.

Premissas ▶ As razões que apoiam uma afirmação.

Conclusão ▶ A afirmação que se pretende justificar.

Em geral, raciocinamos corretamente.

Mas nem sempre. Por vezes, os nossos ra-

ciocínios levam-nos a conclusões erradas,

embora nos tenhamos baseado em pre-

missas verdadeiras. Quando chegamos a

um resultado matemático errado, pode ter acontecido que fizemos mal os cálculos

ou não raciocinámos corretamente de maneira a descobrir a solução certa.

O mesmo sucede com os argumentos. Nem todos os argumentos são válidos.

Quando um argumento não é válido – ou é inválido – isso significa que o raciocínio

que ele contém está incorreto. Mas o que é a validade?

Vejamos um exemplo:

3. Argumentos válidos e inválidos

(1) Todos os homens são mortais.

(2) Platão é homem.

Logo, Platão é mortal.

Platão

Homens

Mortais

• Um argumento é constituído por um conjunto de afirmações relacionadas en-

tre si de tal modo que as premissas servem de fundamento – de justificação

– para afirmar a conclusão.

Este é um exemplo bastante simples de argumento válido (ou de raciocínio

correto). Se as premissas forem verdadeiras, a conclusão não pode ser falsa.

A primeira premissa diz que o conjunto dos homens faz parte do conjunto dos

mortais; a segunda premissa diz que Platão pertence ao conjunto dos homens.

Isto implica que Platão faz parte do conjunto dos seres mortais.

Observe o esquema ao lado. O esquema parece mostrar um obje-

to dentro de uma área que, por sua vez, está incluído dentro de outra

maior. Se é verdade que Platão está em H e que H está incluido em M,

a consequência é que é impossível Platão não estar em M.

Entende-se por validade a característica que este argumento tão

bem exemplifica:

• Se as premissas forem todas verdadeiras, a conclusão tem de ser

verdadeira.

31

2. A dimensão discursiva do trabalho filosófico

A validade é uma propriedade decisiva dos argumentos porque nos dá a ga-

rantia de que a conclusão não pode ser falsa caso as razões apresentadas em sua

defesa sejam todas verdadeiras. Num argumento válido, a verdade da conclusão é

uma consequência lógica da verdade das premissas. Se a verdade das premissas

for conhecida, o argumento é uma prova de que a conclusão é verdadeira.

No entanto, nem todos os argumentos possuem esta importante característica:

(1) Alguns políticos são corruptos.

(2) Napoleão é político.

Logo, Napoleão é corrupto.

Este argumento é inválido. Embora as premissas sejam ambas verdadeiras, não

autorizam a concluir que Napoleão é corrupto.

Num argumento inválido, a verdade das premissas não garante, ou implica, que

a conclusão seja verdadeira. Podemos ter premissas verdadeiras e conclusão falsa.

Portanto, a conclusão não é uma consequência lógica das premissas.

Vejamos o exemplo anterior. A primeira premissa diz que alguns políticos são

corruptos, mas não todos. Assim, fica por esclarecer se Napoleão pertence ao

conjunto dos políticos corruptos (ver zona de sobreposição no esquema abaixo)

ou ao conjunto dos que o não são (zona rosa).

Na realidade, com base nas premissas indicadas não é possível concluir que Na-

poleão é corrupto. Pensar o contrário seria apenas um exemplo de mau raciocínio.

O esquema abaixo explica claramente por que razão.

As duas hipóteses que as premissas deixam em aberto são as seguintes, as do

esquema ao lado.

Dado que apenas se diz que alguns políticos são corruptos, não se pode concluir

que Napoleão é corrupto. Afinal, há políticos que tomam decisões honestamente.

O argumento é inválido. A conclusão não se segue (não é uma consequência

lógica) das premissas. Mas por que razão é a validade importante?

A validade dos argumentos é importante porque o objetivo da argumentação

consiste precisamente em justificar a verdade da conclusão.

Nos argumentos válidos, se as premissas fo-

rem todas verdadeiras, ficamos a saber que a

conclusão é verdadeira. O objetivo foi alcançado.

Mas se um argumento é inválido, essa garan-

tia não existe. Num argumento inválido, as pre-

missas, ainda que verdadeiras, não provam que

a conclusão seja verdadeira. O objetivo da argu-

mentação não foi alcançado.

Napoleão

CorruptosPolíticos

32

UNIDADE 1 – Iniciação à atividade filosófica

(1) Todos os portugueses são asiáticos.

(2) Barack Obama é português.

Logo, Barack Obama é asiático.

Como sabemos, o argumento tem uma premissa e a conclusão falsas. Apesar

disso, se as premissas fossem ambas verdadeiras, a conclusão também seria ver-

dadeira. De facto, se Barack Obama fosse português, como os portugueses são

europeus, Barack Obama teria de ser europeu.

Nem sempre podemos estar seguros de que as nossas razões são verdadeiras.

Mas, se o argumento for válido, podemos confiar que, se as premissas forem verda-

deiras, a conclusão também é verdadeira.

A verdade das premissas, em conjunto com a validade, garante a verdade da

conclusão. O argumento sobre Barack Obama, embora seja válido, não é um bom

argumento, dado que pelo menos uma (a segunda) das premissas é falsa.

O argumento sobre Napoleão, por ser inválido, não é um bom argumento. A

verdade das premissas não estabelece a verdade da conclusão.

São duas as condições que um argumento tem de respeitar para ser bom:

(1) ser válido; (2) ter todas as premissas verdadeiras.

Avaliar um argumento inclui uma dupla tarefa: verificar se cada uma destas condi-

ções é satisfeita. Sempre que uma condição falha, é o argumento que falha.

ValidadeBom argumento

Premissas

verdadeiras

Contudo, para um argumento ser válido, não é necessário ter as premissas ver-

dadeiras. A definição de validade limita-se a afirmar que, na hipótese de as pre-

missas serem verdadeiras, a consequência é a conclusão ser verdadeira. Mas um

argumento pode ser válido e ter premissas falsas:

1. Explique o que são os argumentos e qual o seu objetivo.

2. Um argumento válido pode ter premissas falsas? Justifique.

3. Por que razão um argumento inválido não pode ser bom?

4. Um argumento com premissas falsas pode ser bom? Porquê?

Atividades

Se as premissas forem verdadeiras, a conclusão tem também de ser verdadeira.

A verdade das premissas garante a verdade da conclusão.

Num bom argumento, as premissas têm de ser verdadeiras por-

que razões falsas são irrelevantes para estabelecer a conclusão.

33

2. A dimensão discursiva do trabalho filosófico

Edward Hopper, Conferências à noite, 1949

Por vezes, as pessoas discutem apenas pelo

prazer de ganhar a discussão. Em Filosofia, no

entanto, discute-se como forma de chegar à

verdade. Chegar à verdade e tentar ganhar

uma discussão são coisas muito diferentes.

A Filosofia é uma atividade em que muitas

pessoas cooperam usando o melhor da sua inteligência, com vista ao esclareci-

mento da verdade. Mas também encontramos a mesma atitude de cooperação no

quotidiano.

Eis um exemplo:

O diálogo contém um argumento cujo objetivo é justificar que abortar é errado

– hipótese que a Ana se sente inclinada a aceitar. Para o fazer, é-nos oferecido um

conjunto de razões ou premissas. Uma vez identificadas as premissas, o argumento

pode ser apresentado como se segue:

A conclusão é uma consequência lógica das premissas: se as

premissas forem aceites como verdadeiras, seria incoerente não

aceitar a conclusão (algo em que a Raquel, na sua última fala, repa-

rou). Logo, se as premissas forem todas verdadeiras, o mesmo tem

de acontecer com a conclusão.

Isto significa que uma das condições para o argumento ser bom foi satisfeita. No

entanto, a Ana está insegura. Ela está insegura porque o argumento só mostra que o

aborto é errado caso todas as premissas sejam verdadeiras. Ora, a Ana sabe que há

quem pense que o feto não tem o direito à vida. Se for assim, a premissa (2) é falsa.

A Ana sabe que o valor do seu argumento não depende apenas de a conclusão

ser uma consequência lógica das premissas. Depende também de todas as pre-

missas serem verdadeiras. Logo, uma pessoa que discorde da Ana (como poderia

acontecer com a Raquel) teria de mostrar que pelo menos uma das premissas em

4. Como se discutem os argumentos

Ana: O problema do aborto deixa-me insegura. Mas acho que abortar é errado.

Raquel: Porque dizes isso?

Ana: Se o feto tem o direito à vida, abortar é errado. E eu penso que o feto tem

o direito à vida. Portanto, isto obriga-me a concluir que abortar é errado.

Raquel: Se as tuas razões forem verdadeiras, é claro que abortar tem de ser

errado.

Ana: Só que o direito à vida do feto não é consensual. Que te parece?

(1) Se o feto tem o direito à vida, abortar é errado.

(2) O feto tem o direito à vida.

Logo, abortar é errado.

34

UNIDADE 1 – Iniciação à atividade filosófica

que a Ana se baseou é falsa. E isto tem todo o sentido. A validade obriga-nos a

pensar que se as premissas forem todas verdadeiras, a conclusão é verdadeira. Daí

que a conclusão só pode ser falsa se pelo menos uma das premissas for falsa. É o

receio de que uma das premissas seja falsa que deixa a Ana insegura.

Vejamos a continuação do diálogo:

Raquel: É consensual que as pessoas têm o direito à vida. O problema é que o

feto não é uma pessoa. Portanto, resta saber se o feto tem o direito à vida.

Ana: Que achas disso? Por vezes, fico um pouco confusa e sem saber o que

pensar.

Raquel: É um problema difícil. Mas, apesar disso, julgo que o feto não possui o

direito à vida. Para se ter o direito à vida é necessário ser uma pessoa.

Ana: Se ser uma pessoa implicar ter consciência, ser racional, etc., é claro que

tens razão. Mas o facto de ser uma pessoa em potência não será suficiente?

Raquel: Até aos três meses o feto não é capaz de sentir. Mas virá a ser uma

pessoa, sim.

Neste diálogo, a Raquel defende que uma das premissas em

que a Ana se baseou é falsa (ou, pelo menos, discutível). Ela acha

que o feto não tem o direito à vida. Compete-lhe, portanto, justi-

ficar-se. Eis o seu argumento:

Lendo o diálogo com atenção, verificamos que o argumento da

Raquel é válido. Se as premissas forem verdadeiras, a conclusão

tem de ser verdadeira. Mas tratar-se-á de um bom argumento?

A Ana parece ter dúvidas. Ela pensa que a primeira premissa é

falsa, ou pelo menos, discutível.

Um feto não é racional, não tem consciência de si e, no primeiro

trimestre de gravidez, ainda não consegue sentir seja o que for.

Mas, se a gravidez não for interrompida, o feto acabará por se

tornar numa pessoa. Estas considerações parecem levar a Ana a

propor o seguinte argumento:

(1) Para possuir o direito à vida é necessário ser uma pessoa.

(2) O feto não é uma pessoa.

Logo, o feto não possui o direito à vida.

(1) As pessoas possuem o direito à vida.

(2) O feto é uma pessoa potencial.

Logo, o feto tem o direito à vida.

Costa Pinheiro, La fenêtre de ma tête, 1983-1984

35

2. A dimensão discursiva do trabalho filosófico

Raquel: Se percebi o que disseste, o teu argumento é o seguinte: o feto é uma

pessoa em potência e, como as pessoas possuem o direito à vida, podemos con-

cluir que o mesmo se passa com o feto. É isto que queres dizer?

Ana: Julgo que sim. Que achas?

Raquel: Julgo que as tuas premissas são verdadeiras, mas falta lógica ao argu-

mento. Não se pode concluir do que disseste que o feto tem o direito à vida.

Ana: Não? Porquê?

Raquel: Se fosse como dizes, poderíamos concluir que um candidato a Presi-

dente da República pode dissolver o Parlamento. Um candidato a Presidente

da República é um presidente em potência mas não tem esse direito. Só um

Presidente da República em funções tem esse direito.

Ana: Julgo que percebi. Ter potencialmente um direito não implica tê-lo de

facto.

Será este um bom argumento? Se examinarmos cuidadosamente as premissas,

teremos de concluir que ambas são verdadeiras. Quer isso dizer que a Ana tem ra-

zão e que não é necessário ser uma pessoa para possuir o direito à vida – bastando,

para isso, ser uma pessoa em potência?

Não basta um argumento ter premissas verdadeiras para ser um bom argumen-

to. Além de premissas verdadeiras, é necessário que seja válido. A conclusão do

argumento deve ser uma consequência lógica das premissas.

Vejamos a sequência do diálogo:

O argumento proposto pela Ana tem as premissas verdadeiras mas não é válido.

Como a Raquel compreendeu bem, falta lógica ao argumento: as premissas são

verdadeiras mas a conclusão pode ser falsa. Para provar que assim é, a Raquel

apresentou um argumento em tudo semelhante ao da Ana que não deixa dúvidas

sobre este aspeto. Se ter um direito em potência é igual a tê-lo de facto, então o

mesmo teria de acontecer com os candidatos à Presidência da República. Mas isto,

como se sabe, não é verdade.

Seguindo a lógica da Ana, diz a Raquel, seria possível concluir o seguinte:

(1) Um Presidente da República possui o direito de dissolver o Parlamento.

(2) Um candidato à Presidência da República é um Presidente da República potencial.

Logo, um candidato à Presidência da República possui o direito de dissolver o

Parlamento.

36

UNIDADE 1 – Iniciação à atividade filosófica

Mas esta lógica – como a Ana acaba por reconhecer – não está certa. As premissas

são verdadeiras mas a conclusão é falsa. O mesmo acontece com o argumento da

pessoa potencial. Ser uma pessoa em potência é diferente de ser uma pessoa; por

isso, não se pode concluir que uma pessoa em potência tem os mesmos direitos que

uma pessoa propriamente dita.

O diálogo entre a Ana e a Raquel não chegou ao fim. A ética do aborto está na

origem de um debate complexo que não se esgota nos argumentos discutidos até

aqui. Mas compreender a maneira como o assunto do aborto foi discutido pode ser

muito importante para nós, que estamos a começar a estudar Filosofia. Façamos um

breve resumo do que se passou.

1. Em primeiro lugar, há um argumento da Ana para justificar a afirmação de que

abortar é moralmente errado. O seu argumento é válido mas baseia-se numa

premissa discutível: a ideia de que o feto possui o direito à vida. Como o argu-

mento da Ana é válido, a Raquel, que não concorda com a conclusão, irá pôr

em dúvida que o feto tem o direito à vida.

2. Isto vai dar origem ao segundo argumento do debate. A Raquel, para justificar

que o feto não tem o direito à vida, irá dizer que apenas as pessoas têm esse

direito. Portanto, como o feto não é uma pessoa, não tem esse direito. O argu-

mento é válido mas uma premissa é falsa ou discutível.

3. O terceiro argumento tem como objetivo mostrar que, para ter o direito à

vida, não é necessário ser uma pessoa: basta ser uma pessoa em potência.

Como o feto é uma pessoa em potência, seguir-se-ia que tem o direito à vida.

4. Mas, tal como os anteriores, o terceiro argumento não é um bom argumento,

embora por razões diferentes. Enquanto os dois primeiros argumentos são vá-

lidos mas contêm premissas falsas ou, no mínimo, discutíveis, o terceiro argu-

mento tem premissas verdadeiras mas é inválido. Em qualquer caso, nenhum

dos argumentos justifica a conclusão.

As críticas apresentadas a cada um dos argumentos anteriores mostram o que

são, em geral, os pontos fracos dos argumentos. Um argumento não é bom porque

contém premissas falsas ou não é bom porque é inválido. Assim, quando discutimos

um argumento, a nossa preocupação consiste em perguntar:

(1) Será o argumento válido?

(2) Serão as suas premissas verdadeiras?

1. Apenas os bons argumentos merecem ser aceites. Justifique esta afirmação.

2. Que preocupação se deve ter ao discutir um argumento? Explique porquê.

Atividades

37

2. A dimensão discursiva do trabalho filosófico

Indicadores de conclusão

por conseguinte

logo

portanto

assim

segue-se que

infere-se que

daí que

então

consequentemente

implica que

por essa razão

tem-se que

do que foi dito extrai-se

Indicadores de premissas

porque

dado que

assumindo que

partindo do princípio que

como foi dito

visto que

devido a

a razão é que

se aceitarmos que

sabendo-se que

pois

em virtude de

uma vez que

A identificação das premissas

e da conclusão dos diferentes

argumentos analisados anterior-

mente pôde ser feita sem dema-

siadas dificuldades.

Em outros casos, esta identificação pode ser menos imediata. Para nos ajudar nes-

ta tarefa, apresentamos alguns termos que indicam as premissas ou a conclusão dos

argumentos. Em geral, estes termos e expressões constituem uma importante ajuda

e merecem ser tidos em consideração. A lista apresentada a seguir não é exaustiva.

5. Indicadores de premissas e de conclusão

Identifique as premissas e a conclusão dos seguintes

argumentos:

1. Não pode ter sido o mordomo a cometer o crime.

Se tivesse sido, ninguém o teria visto na cidade a

fazer compras. Mas há várias testemunhas que afir-

mam tê-lo visto.

2. Se Deus é perfeito, tudo o que criou é perfeito. Ora,

o mundo é muito imperfeito. Portanto, ou Deus não

é perfeito ou não criou o mundo.

3. Se os seres humanos são livres, são responsáveis

pelos seus atos. Portanto, se são livres, devemos

censurá-los se agirem mal. Porque, se são respon-

sáveis pelos seus atos, temos a obrigação de os

censurar ao agirem mal.

4. Os animais não têm direitos. Só pode ter direitos

quem souber o que é respeitar um dever. Mas os

animais não sabem o que é respeitar deveres.

5. Mentir é moralmente errado porque quem mente

está a violar uma obrigação moral básica. E violar

uma obrigação é sempre moralmente errado.

6. Se Deus é todo-poderoso e bom, o mal não existe.

Portanto, ou Deus não é todo-poderoso ou não é

bom. Isto porque o mal está por todo o lado.

Atividades

Para as questões 3. e 6., siga as pistas em itálico.

Testes

interativosUnidade 1 – versão

professor

Unidade 1 – versão

aluno

Texto de apoio

3838

A lgumas pessoas pensam que argumentar é apenas expor os seus pre-

conceitos de uma nova forma. É por isso que muitas pessoas pensam

que os argumentos são desagradáveis e inúteis. Argumentar pode

confundir-se com discutir. Dizemos por vezes que duas pessoas dis-

cutem, como numa espécie de luta verbal. Mas não é isso que os ar-

gumentos são.

«Apresentar um argumento» quer dizer oferecer um conjunto de razões a favor de

uma conclusão ou oferecer dados favoráveis para uma conclusão. Um argumento não

é apenas a afirmação de certos pontos de vista, não é só uma disputa. Os argumentos

são tentativas de apoiar certos pontos de vista com razões. Os argumentos não são inú-

teis; são essenciais.

Os argumentos são essenciais, em primeiro lugar, porque são uma forma de tentar

descobrir quais os melhores pontos de vista. Nem todos os pontos de vista são iguais. Al-

gumas conclusões podem estar apoiadas em boas razões; outras, em razões menos boas.

Mas muitas vezes não sabemos quais são as melhores conclusões. Precisamos de argu-

mentos para apoiar diferentes conclusões, e de os avaliar para ver se são realmente bons.

Neste sentido, um argumento é uma forma de investigação. Alguns filósofos e ati-

vistas argumentaram, por exemplo, que criar animais só para fornecer carne causa

um sofrimento imenso aos animais e que, portanto, isso é injustificado e imoral. Será

que eles têm razão? Não se pode decidir consultando os pre-

conceitos que têm. Estão envolvidas muitas questões. Temos

obrigações morais para com outras espécies, por exemplo, ou

é só o sofrimento humano que é realmente mau? Podem os

seres humanos viver realmente bem sem carne? Alguns ve-

getarianos viveram até idades muito avançadas. Será que isto

mostra que as dietas vegetarianas são mais saudáveis? Ou é

irrelevante, considerando que alguns não vegetarianos vive-

ram até idades também muito avançadas? Talvez as pessoas

mais saudáveis tenham tendência para se tornarem vegeta-

rianas, ao contrário das outras? Todas estas questões têm de

ser consideradas; as respostas não são, à partida, óbvias.

Os argumentos também são essenciais por outra razão.

Uma vez chegados a uma conclusão bem apoiada por ra-

zões, os argumentos são a maneira pela qual a explicamos

O que é a argumentação, Anthony Weston

Henri Matisse, O ateliê vermelho, 1911

1. O que é a filosofia? Disciplinas e problemas da filosofia

3939

e defendemos. Um bom argumento não se limita a repetir as conclusões. Em vez dis-

so, oferece razões e dados para que as outras pessoas possam formar a sua própria

opinião. Se o leitor ficar convencido que devemos realmente mudar a forma como

criamos e usamos os animais, por exemplo, terá de utilizar argumentos para explicar

como chegou a essa conclusão: é assim que convencerá as outras pessoas. Ofereça as

razões e os dados que o convenceram a si. Ter opiniões fortes não é um erro. O erro é

não ter mais nada.

As regras para argumentar não são, pois, arbitrárias: elas têm um objetivo especí-

fico. Mas os estudantes (como outros escritores) nem sempre compreendem qual é o

objetivo quando pela primeira vez lhes pedem para escrever um ensaio argumentati-

vo — e se não se compreende o objetivo do que é pedido, é improvável que o façamos

bem. Muitos estudantes, quando lhes pedem que argumentem a favor dos seus pontos

de vista acerca de um qualquer assunto, escrevem declarações intrincadas dos seus

pontos de vista, mas não oferecem verdadeiramente nenhumas razões para pensar

que os seus pontos de vista são corretos. Escrevem um ensaio, mas não escrevem um

ensaio argumentativo.

Para escrever um bom ensaio argumentativo, o estudante tem de usar argumentos

como um meio de investigação e como uma maneira de explicar e defender as suas

conclusões. Para se preparar para o ensaio, o estudante tem de explorar os argumentos

que existem para os pontos de vista opostos; é necessário depois escrever o próprio en-

saio como um argumento, defendendo as suas conclusões com argumentos e avaliando

criticamente alguns dos argumentos dos pontos de vista opostos.

É verdade que foi Vasco da Gama que descobriu o caminho marítimo para a Índia,

mas quais foram verdadeiramente as causas da política expansionista? Sim, é verdade

que Eça de Queirós escreveu Os Maias, mas qual é o significado do romance? Há ra-

zões favoráveis a diferentes respostas. Aos estudantes pede-se que aprendam a pensar

por si próprios, que formem as suas próprias opiniões de forma responsável. A habi-

lidade para defender as suas opiniões é um sinal dessa capacidade, e é por isso que os

ensaios argumentativos são tão importantes.

Adaptado de:

A arte de argumentar, Gradiva, pp. 13-16

1. Explique o que se entende por argumentação.

2. Anthony Weston defende a ideia de que os argumentos, longe de serem inúteis, são

essenciais. Exponha as razões em que o autor se baseia.

Atividades

40

1. O principal objetivo da argumentação é

[A] convencer os outros de que temos razão.

[B] justificar racionalmente a verdade ou falsidade de

uma afirmação.

[C] justificar que somos melhores do que o nosso oponente.

[D] convencer o nosso oponente de que ele está errado.

2. Justificar racionalmente uma afirmação significa

[A] dar a volta ao nosso oponente com um discurso bo-

nito e cheio de palavras difíceis.

[B] apresentar factos que provem o que dizemos.

[C] apresentar razões em que podemos basear-nos para

chegar à conclusão de que o que afirmamos é verdade.

[D] repetir o nosso ponto de vista as vezes necessárias

para o nosso opositor se cansar e desistir.

3. Os argumentos

[A] são raciocínios porque as razões apresentadas per-

mitem-nos chegar à conclusão que queremos justi-

ficar.

[B] não são raciocínios porque nem sempre as razões

que apresentamos são corretas ou verdadeiras.

[C] são raciocínios porque argumentar dá-nos a prova

de que o que afirmamos não pode ser falso.

[D] não são raciocínios porque a verdade vem dos fac-

tos e não do nosso modo de pensar.

4. Os elementos de um argumento são

[A] as premissas e as razões.

[B] as frases e as afirmações.

[C] a conclusão e as afirmações.

[D] as premissas e a conclusão.

5. As premissas dão-nos

[A] a conclusão do argumento.

[B] as razões que apoiam a conclusão do argumento.

[C] Todas as respostas anteriores.

[D] Nenhuma das respostas anteriores.

6. A conclusão é

[A] a razão em que o argumento se baseia.

[B] a afirmação que o argumento pretende justificar.

[C] Todas as respostas anteriores.

[D] Nenhuma das respostas anteriores.

7. Um argumento pode ter

[A] duas ou três premissas e uma conclusão.

[B] duas conclusões e uma premissa.

[C] várias premissas e várias conclusões.

[D] várias premissas e uma conclusão.

8. Um argumento

[A] pode ter várias premissas, porque podemos ter vá-

rias razões para afirmar a conclusão.

[B] não pode ter mais do que duas ou três premissas,

porque menos é melhor do que mais.

[C] pode ter várias conclusões, porque pessoas dife-

rentes podem tirar várias conclusões com base nas

mesmas premissas.

[D] não pode ter mais do que duas ou três premissas,

porque em Filosofia é assim.

9. Num bom argumento

[A] as premissas não conseguem justificar a conclusão

por não serem todas verdadeiras.

[B] as premissas deverão ser todas verdadeiras.

[C] há uma maioria de razões verdadeiras, embora nem

todas tenham de o ser.

[D] as premissas falsas também justificam a conclusão.

10. Num mau argumento

[A] pelo menos uma das premissas é falsa e, por isso,

não serve de justificação à conclusão.

[B] todas as premissas têm de ser falsas.

[C] a maioria das premissas tem de ser falsa.

[D] ter premissas falsas não é uma razão para rejeitar um

argumento.

Ficha de avaliação formativa2. A dimensão discursiva do trabalho filosófico

NOTA: As soluções, assinaladas com , são exclusivas do manual do professor.

41

11. Um argumento é válido quando

[A] as suas premissas são verdadeiras.

[B] as suas premissas são falsas.

[C] a conclusão não pode ser falsa se as premissas fo-

rem verdadeiras.

[D] a conclusão não pode ser falsa.

12. Um argumento válido

[A] não pode ter premissas falsas.

[B] tem de ter premissas maioritariamente verdadeiras.

[C] não pode ter premissas verdadeiras.

[D] pode ter premissas falsas.

13. Num argumento que se sabe ser válido, se discordarmos

da conclusão temos de

[A] esquecer o argumento e manter a nossa opinião.

[B] mostrar que pelo menos uma das razões propostas

em defesa da conclusão é falsa.

[C] mostrar que todas as premissas são falsas.

[D] pretender teimosamente que o argumento é inválido.

14. Um argumento inválido não é um bom argumento porque

[A] mesmo que todas as premissas sejam verdadeiras, a

conclusão continua a poder ser falsa.

[B] nem todas as premissas são verdadeiras.

[C] ainda que algumas das premissas sejam verdadeiras,

a conclusão pode ser falsa.

[D] nem todas as premissas são falsas.

15. A validade é uma característica importante num argu-

mento porque

[A] os argumentos inválidos não justificam a conclusão.

[B] apenas os argumentos válidos têm as premissas ver-

dadeiras.

[C] os argumentos inválidos têm todas as premissas falsas.

[D] apenas os argumentos válidos têm uma conclusão

verdadeira.

16. Um argumento ter premissas verdadeiras

[A] é importante, porque apenas neste caso um argu-

mento pode ser válido.

[B] não é importante, porque há argumentos válidos

com premissas falsas.

[C] é importante, porque só a verdade das premissas

pode justificar a conclusão.

[D] não é importante, porque a conclusão pode ser ver-

dadeira e as premissas falsas.

17. A verdade é uma característica

[A] da conclusão dos argumentos.

[B] das premissas dos argumentos.

[C] das proposições.

[D] Nenhuma das respostas anteriores.

18. Um argumento falha o seu objetivo quando

[A] as permissas não são verdadeiras.

[B] é inválido.

[C] contém pelo menos uma premissa falsa ou a conclu-

são não se segue das premissas.

[D] Nenhuma das respostas anteriores.

19. Avaliar um argumento

[A] supõe espírito crítico.

[B] exige que nos interroguemos sobre a verdade ou a

falsidade das premissas.

[C] requer assegurarmo-nos da sua validade.

[D] Todas as respostas anteriores.

20. A argumentação é importante em filosofia porque

[A] sem argumentos não há razões para aceitar uma so-

lução que os filósofos proponham para um problema

filosófico em vez de outra solução qualquer, por mui-

to diferente que seja da primeira.

[B] sem argumentos, as teorias dos filósofos não podem

ser consideradas verdadeiras ou falsas.

[C] Todas as respostas anteriores.

[D] Nenhuma das respostas anteriores.

4242

Esquema global–sínteseO

bje

to d

o t

rab

alh

o fi

losó

fico

Problemas

Teorias

Argumentos

Valor de verdade

Conjuntos de proposições

Verdadeiro

Falso

Objetivo

Elementos

Propriedades

Como se discutem os argumentos

Justificar o valor de verdade de uma proposição

Premissas

Conclusão

Será o argumento válido?

Serão as premissas todas verdadeiras?

Validade

Bom argumentoVálido

Premissas verdadeiras

Mapa de

conceitosEsquema

global-síntese:

Objeto do trabalho

filosófico

43

A s teorias filosóficas não podem ser justificadas

empiricamente; a sua eventual verdade ou fal-

sidade não tem uma base experimental. Mas

podem ser justificadas racionalmente, com base em ar-

gumentos.

Saber o que são os argumentos e quais são as suas

propriedades básicas é tão importante para estudar fi-

losofia como saber utilizar um telescópio é importante

para um astrónomo.

Os argumentos dão-nos as razões em que um filó-

sofo se baseou para concluir que as suas teorias são

verdadeiras. Conhecer os argumentos dos filósofos

permite-nos saber que raciocínios os levaram às con-

clusões que nos propõem.

Os argumentos são formados por premissas e con-

clusão.

• As premissas são as razões dadas em defesa da

conclusão.

• A conclusão é a proposição que essas razões jus-

tificam.

O objetivo de qualquer argumento é justificar

o valor de verdade da proposição que ocorre

na conclusão. E isto pode fazer-se com mais

ou menos eficácia. Há bons argumentos e maus argu-

mentos. Podemos justificar o que queremos justificar

e podemos não conseguir fazê-lo, embora tenhamos

tentado.

• Um argumento é bom quando nos permite atingir o

nosso objetivo, ou seja, quando nos oferece razões

que justificam a conclusão.

• Um argumento é mau quando não consegue justificar

a conclusão. Um argumento pode falhar o seu objeti-

vo por dois tipos de razões:

(1) é inválido;

(2) tem uma premissa falsa (pelo menos).

Um argumento é inválido quando não é válido; e

não é válido quando a verdade das premissas

não garante a verdade da conclusão. Quando

um argumento é inválido a conclusão não é uma con-

sequência lógica das premissas: daí as premissas pode-

rem ser verdadeiras e a conclusão falsa. Um argumento

inválido, embora possa ter premissas verdadeiras, não

prova que a conclusão seja verdadeira. Um argumento

inválido é apenas um exemplo de mau raciocínio.

Mas um argumento pode ser válido e ter premis-

sas falsas. Ser válido significa que na hipótese

de as premissas serem verdadeiras, a conse-

quência é a conclusão ser verdadeira.

Mas há argumentos válidos com conclusão

falsa e premissas falsas (pelo menos uma).

Neste caso, o argumento é mau porque as

razões apresentadas em defesa da conclusão são fal-

sas. O argumento falha o seu objetivo (não justifica a

conclusão) porque razões falsas não justificam coisa

alguma.

A validade refere-se à relação de consequência

lógica entre premissas e conclusão. A validade é

uma característica dos argumentos. No entanto,

os argumentos são formados por proposições, e as pro-

posições são verdadeiras ou falsas. Mas um argumento

ser válido ou inválido não é a mesma coisa do que uma

proposição ser verdadeira ou falsa.

Ideias a reter 2. A dimensão discursiva do trabalho filosófico

Giorgio de Chirico, Conversação entre as ruínas, 1927