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REVISTA DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSICOPEDAGOGIA • Nº 84 • 2010 • ISSN 0103-8486 EDITORIAL / EDITORIAL............................................................................................................323 ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES • Conhecimento de letras, sílabas e palavras por escolares de 1º e 2º anos do ensino fundamental......................................................................................................................................325 • Transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH): o que os educadores sabem?...........334 • Parceria no contexto escolar: uma experiência de ensino colaborativo para educação inclusiva...........................................................................................................................................344 ARTIGOS DE PESQUISA / RESEARCH ARTICLES • A vivência de professores sobre o processo de inclusão: um estudo da perspectiva da Psicologia Histórico-Cultural.............................................................................................................352 • Produção textual: quando a linguagem escrita se torna objeto escolar .........................................363 ARTIGO ESPECIAL / SPECIAL ARTICLE • Psicopedagogia no cotidiano escolar: impasses e descobertas com o ensino de nove anos......372 ARTIGOS DE REVISÃO / REVIEW ARTICLES • O falante inocente: linguagem pragmática e habilidades sociais no autismo de alto desempenho........................................................................................................................385 • Mind map como instrumento psicopedagógico de mediação para o desenvolvimento das funções psicológicas superiores ....................................................................................................395 • Formação de professores e inclusão escolar de pessoas com deficiência: análise de resumos de artigos na base SciELO.................................................................................................405 Atuação psicopedagógica no contexto escolar: manipulação, não; contribuição, sim..........................417 RESENHAS / REVIEWS • Educação à distância ......................................................................................................................428 • Intervenções clínicas: ação integrada com a Fonoaudiologia, a Psicopedagogia, a Arteterapia,a Psicanálise e outros saberes....................................................................................430 30 ANOS

Edicao84 revista cientifica

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Revista Psicopedagogia

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Page 1: Edicao84 revista cientifica

REVISTA DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSICOPEDAGOGIA • Nº 84 • 2010 • ISSN 0103-8486

EDITORIAL / EDITORIAL............................................................................................................323

ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES

• Conhecimento de letras, sílabas e palavras por escolares de 1º e 2º anos do ensino

fundamental......................................................................................................................................325

• Transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH): o que os educadores sabem?...........334

• Parceria no contexto escolar: uma experiência de ensino colaborativo para educação

inclusiva...........................................................................................................................................344

ARTIGOS DE PESQUISA / RESEARCH ARTICLES

• A vivência de professores sobre o processo de inclusão: um estudo da perspectiva da

Psicologia Histórico-Cultural.............................................................................................................352

• Produção textual: quando a linguagem escrita se torna objeto escolar.........................................363

ARTIGO ESPECIAL / SPECIAL ARTICLE

• Psicopedagogia no cotidiano escolar: impasses e descobertas com o ensino de nove anos......372

ARTIGOS DE REVISÃO / REVIEW ARTICLES

• O falante inocente: linguagem pragmática e habilidades sociais no autismo

de alto desempenho........................................................................................................................385

• Mind map como instrumento psicopedagógico de mediação para o desenvolvimento das

funções psicológicas superiores ....................................................................................................395

• Formação de professores e inclusão escolar de pessoas com deficiência: análise de

resumos de artigos na base SciELO.................................................................................................405

• Atuação psicopedagógica no contexto escolar: manipulação, não; contribuição, sim..........................417

RESENHAS / REVIEWS

• Educação à distância ......................................................................................................................428

• Intervenções clínicas: ação integrada com a Fonoaudiologia, a Psicopedagogia,

a Arteterapia,a Psicanálise e outros saberes....................................................................................430

30ANOS

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Núcleo Espírito SantoCoordenadora: Maria da Graça Von Kruger Pimentel

R. Elesbão Linhares, 420/601 – Canto da PraiaVitória – ES – CEP 29057-220(027) 3225-9978 [email protected]

Núcleo Sul MineiroCoordenadora: Júlia Eugênia Gonçalves

R. Deputado Ribeiro de Rezende, 494 - CentroVarginha – MG – CEP 37002-100(035) [email protected]

Seção BahiaDiretora Geral: Débora Silva de Castro Pereira

Av. Tancredo Neves, 3343 – Ed. Cempre – Sala 1103 –Torre B – Caminho das ÁrvoresSalvador – BA – CEP 41820-021(071) [email protected]

Seção BrasíliaDiretora Geral: Marli Lourdes da Silva Campos

SCLN Quadra 102 – Bloco D – sala 110Brasília – DF – CEP 70722-540(061) [email protected]

Seção CearáDiretora Geral: Galeára Matos de França Silva

R. Assis Chateaubriand, 362 A – Dionízio TorresFortaleza – CE – CEP 60135-200(085) 3261-0064 – [email protected]

Seção GoiásDiretora Geral: Luciana Barros de Almeida

Av. 85, 684 sala 207 – Ed. Eldorado Center – Setor OesteGoiânia – GO – CEP 74120-090(062) [email protected]

Seção Minas GeraisDiretora Geral: Regina Rosa dos Santos Leal

R. Grão Mogol, 502 / 305 – Carmo SionBelo Horizonte – MG – CEP 30310-010(031) [email protected]

Seção ParáDiretora Geral: Maria Nazaré do Vale Soares

Trav. 3 de Maio, 1218/ sl 105 – São BrazBelém – PA – CEP 66060-600(094) [email protected]

Seção Paraná NorteDiretora Geral: Geiva Carolina Calsa

R. Montevidéu, 206Maringá - PR - CEP 87030-470(044) [email protected]

Seção Paraná SulDiretora Geral: Sonia Maria Gomes de Sá Kuster

R. Fernando Amaro, 431 – Alto da XVCuritiba – PR – CEP 80050-020(041) [email protected]

Seção PernambucoDiretora Geral: Maria das Graças Sobral Griz

R. das Pernambucanas, 277 – GraçasRecife – PE – CEP 52011-010(081) 3222-4375 – [email protected]

Seção PiauíDiretora Geral: Amélia Cunha Rio Lima Costa

R. Eletricista Guilherme, 815 – IningaTeresina – PI – CEP 64049-530(086) 3233-2878 [email protected]

Seção Rio de JaneiroDiretora Geral: Ana Paula Loureiro e Costa

Av. N. Sra. de Copacabana, 861 sala 302Rio de Janeiro – RJ – CEP 22060-000(021) 2236-2012 / Fax: (021) 2521-6902abpp-rj@abpp_rj.com.br

Seção Rio Grande do NorteDiretora Geral: Ednalva de Azevedo Silva

R. São João, 1392 – Lagoa SêcaNatal – RN – CEP 59022-390(084) [email protected]

Seção Rio Grande do SulDiretora Geral: Fabiani Ortiz Portella

Av. Venâncio Aires, 1119/ sala 9Porto Alegre – RS – CEP 90520-000(051) [email protected]

Seção Santa CatarinaDiretora Geral: Albertina Celina de Mattos Chraim

R. Eurico Gaspar Dutra, 445, sl 101- EstreitoFlorianópolis – SC – CEP 88075-100(048) [email protected]

Seção São PauloDiretora Geral: Sônia Maria Colli

R. Carlos Sampaio, 304 – cj. 51- sl 03São Paulo – SP – CEP 01333-020(011) [email protected]

Seção SergipeDiretora Geral: Auredite Cardoso Costa

Av. Ivo Prado, 312 – CentroAracaju – SE – CEP 49010-050(079) 3211-8668/ [email protected]

Sede: Rua Teodoro Sampaio, 417 - Conj. 11 - Cep: 05405-000 - São Paulo - SPPabx: (11) 3085-2716 - 3085-7567 - www.abpp.com.br - [email protected]

Associação Brasileirade Psicopedagogia

NúClEoS E SEçõES da aBPp

(dezembro de 2010)

Page 3: Edicao84 revista cientifica

Rua Teodoro Sampaio, 417 - Conj. 11 - Cep: 05405-000 São Paulo - SP - Pabx: (11) 3085-2716 - 3085-7567

www.abpp.com.br - [email protected]

A Associação Brasileira de Psicopedagogia (ABPp) éuma entidade de caráter científico-cultural, sem finslucrativos, que congrega profissionais militantes na área da Psicopedagogia.

Em 12 de novembro de 1980, um grupo de profissionais jáenvolvidas e atuantes nas questões relativas aos problemas da aprendizagem fundou a Associação Estadual dePsicopedagogos do Estado de São Paulo, a AEP.Devido ao grande interesse em torno dessa Associação, a sua expansão a nível Nacional surgiu como necessidade imperiosa.Em 1986, a AEP transformou-se na ABPp e gradativamente foram sendo criados os seus escritórios de representação por todo o Brasil, denominados de Núcleos e Seções.

Durante estes anos, a ABPp vem cuidando de questões referentes à formação, ao perfil, à difusão e ao reconhecimento da Psicopedagogia no Brasil, já tendo alcançado muitas vitórias na luta pela sua regulamentação. Atualmente, conta com 16 Seções e 2 Núcleos, espalhados pelo Brasil, para melhor divulgar a Psicopedagogia e aproximar os profissionais em torno de seus objetivos comuns.

A ABPp promove conferências, cursos, palestras, jornadas,congressos, bem como a divulgação de trabalhos sobre suaárea de atuação, por meio da revista científicaPsicopedagogia, da Revista do Psicopedagogo, do informa-tivo Diálogo Psicopedagógico e do site www.abpp.com.br. Oferece, ainda, descontos tanto nos eventos queorganiza quanto em eventos de terceiros, que são parceiros einteressados nos assuntos desta área.

Preocupada com as questões sociais, a atual diretoria da ABPp Nacional organizou um novo trabalho de cunhosociocientífico, que visa não só ao atendimento da população carente, promovendo a inserção social e a divulgação da importância da prática psicopedagógica, como também à implantação de um novo modelo de estudo e pesquisa nesse campo. Dele poderão participar todos osassociados interessados em prestar um trabalho social.

Podem associar-se à ABPp todas as pessoas interessadas nessa área de atuação, tendo ou não concluído a sua especialização em Psicopedagogia.

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ANOS

Page 4: Edicao84 revista cientifica
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Conselho editorial internaCional

Alicia Fernández - ArgentinaCarmen Pastorino - UruguaiCésar Coll - EspanhaIsabel Solé - EspanhaMaria Cristina Rojas - ArgentinaNeva Milicic - ChileVitor da Fonseca - Portugal

Conselho editorial naCional

Ana Lisete Rodrigues SPAnete Busin Fernandes SPBeatriz Scoz SPDébora Silva de Castro Pereira BADenise da Cruz Gouveia SPEdith Rubinstein SPElcie Salzano Masini SPEloísa Quadros Fagali SPEvelise Maria L. Portilho PRGláucia Maria de Menezes Ferreira CEHeloisa Beatriz Alice Rubman RJLeda M. Codeço Barone SPMargarida Azevedo Dupas SPMaria Auxiliadora de Azevedo Rabello BAMaria Cecília Castro Gasparian SP

Conselho exeCutivoMaria Irene Maluf SPQuézia Bombonatto SPCristina Valdoros Quilici SP

editora

Maria Irene Maluf SP

Maria Célia Malta Campos SPMaria Cristina Natel SPMaria Lúcia de Almeida Melo SPMaria Silvia Bacila Winkeler PRMarisa Irene Siqueira Castanho SPMônica H. Mendes SPNádia Bossa SPNeide de Aquino Noffs SPNívea M.de Carvalho Fabrício SPRegina Rosa dos Santos Leal MGRosa M. Junqueira Scicchitano PRSônia Maria Colli de Souza SPVânia Carvalho Bueno de Souza SP

Consultores ad hoc

Ana Maria Maaz Acosta AlvarezJaime ZorziLino de MacedoLívia Elkis Luiza Helena Ribeiro do VallePedro Primo BombonatoSaul CypelSylvia Maria Ciasca

Page 6: Edicao84 revista cientifica

PSICOPEDAGOGIA – Órgão oficial de divulgação da Associação Brasileira de Psicopedagogia – ABPp é indexada nos seguintes órgãos:

1) LILACS - Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde - BIREME

2) Clase - Citas Latinoamericanas en Cien-cias Sociales y Humanidades. Universidad Nacional Autónoma de Mexico

3) Edubase - Faculdade de Educação, UNI-CAMP

4) Bibliografia Brasileira de Educação - BBE CIBEC / INEP / MEC

5) Latindex - Sistema Regional de Informa-ción en Línea para Revistas Científicas de América Latina, El Caribe, España y Portugal

6) Catálogo Coletivo Nacional – Instituto Brasileiro em Ciência e Tecnologia – IBICT

Psicopedagogia: Revista da Associação Brasileira de Psicopedagogia /Associação Brasileira de Psicopedagogia. - Vol. 10, nº 21 (1991). SãoPaulo: ABPp, 1991-

Quadrimestral

ISSN 0103-8486

C o n t i n u a ç ã o , a p a r t i r d e 1 9 9 1 , v o l . 1 0 , n º 2 1 d e B o l e t i m d aAssociação Brasileira de Psicopedagogia.

1. Psicopedagogia. I. Associação Brasileira de Psicopedagogia.

CDD 370.15

7) INDEX PSI – Periódicos – Conselho Federal de Psicologia

8) DBFCC – Descrição Bibliográfica Fundação Carlos Chagas

Editora Responsável: Maria Irene Maluf

Jornalista Responsável: Rose Batista – 28.268

Revisão e Assessoria Editorial:Rosângela Monteiro

Editoração Eletrônica: Sollo Comunicação

Impressão: Sollo Press

O conteúdo dos artigos aqui publicados é de inteira responsabilidade de seus autores, não expressando, necessariamente, o pensamento do corpo editorial.É expressamente proibida qualquer modali-dade de reprodução desta revista, seja total ou parcial, sob penas da lei.

Associação Brasileirade Psicopedagogia

[email protected]

Rua Teodoro Sampaio, 417 - Conj. 11 - Cep: 05405-000 São Paulo - SP - Pabx: (11) 3085-2716 - 3085-7567

Page 7: Edicao84 revista cientifica

diretoria da assoCiaçãoBrasileira de PsiCoPedagogia2008/2010

Conselheiras eleitas (2008/2010)Carla Labaki SPCleomar Landim de Oliveira SPCristina Vandoros Quilici SPEdnalva de Azevedo Silva RNEloisa Quadros Fagali SPEvelise Maria Labatut Portilho PRGaleára Matos de França Silva CEHeloisa Beatriz Alice Rubman RJJanaina Carla R. dos Santos GOJozelia de Abreu Testagrossa BALuciana Barros de Almeida Silva GOMaria Auxiliadora de A. Rabello BAMaria Cristina Natel SP

Maria Helena Bartholo RJMaria José Weyne M. de Castro CEMarisa Irene Siqueira Castanho SPMarli Lourdes da Silva Campos DFMiriam do P.S.F. Vidigal Fonseca MGNadia Aparecida Bossa SPNeusa Kern Hickel RSQuézia Bombonatto SPRosa Maria J. Scicchitano PRSilvia Amaral de Mello Pinto SPSonia Maria Colli de Souza SPYara Prates SP

diretoria exeCutivaPresidenteQuézia [email protected] Valdoros [email protected] Cecília Castro [email protected]ária AdministrativaMaria Teresa Messeder [email protected] CientíficaNádia Aparecida [email protected]

Diretora Científica AdjuntaMárcia Simõ[email protected] CulturalYara Marlene [email protected]ções PúblicasTelma [email protected]ções Públicas AdjuntaEdimara de [email protected]

Conselheiras vitalíCiasBeatriz Judith Lima Scoz SPEdith Rubinstein SPLeda Maria Codeço Barone SPMaria Cecília Castro Gasparian SPMaria Célia Malta Campos SP

Maria Irene Maluf SPMônica H. Mendes SPNeide de Aquino Noffs SPNívea Maria de Carvalho Fabrício SP

assessorias regionaisAssessora Regional Bahia Maria Angélica Moreira [email protected] Regional Ceará Maria José Weyne Melo de [email protected]

Assessora Regional Paraná Rosa Maria [email protected]

assessoriasAssessora de Divulgações CientíficasMaria Irene [email protected]

Assessora de Reconhecimento e Cursos Neide Aquino [email protected]

Page 8: Edicao84 revista cientifica

Associação Brasileirade Psicopedagogia

Page 9: Edicao84 revista cientifica

EDITORIAL / EDITORIAL

• MariaIreneMaluf.........................................................................................................................323

ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES

• . Conhecimento de letras, sílabas e palavras por escolares de 1º e 2º anos do ensino fundamental

Knowledge of letters, syllables and words by students 1st and 2nd grades of basic education

MayaraPessoadeMoraes;SimoneAparecidaCapellini...........................................................325

• Transtornododéficitdeatençãoehiperatividade(TDAH):oqueoseducadoressabem?

Attention-deficit hyperactivity disorder (ADHD): what teachers know?

MaríliaPiazziSeno......................................................................................................................334

• Parcerianocontextoescolar:umaexperiênciadeensinocolaborativoparaeducaçãoinclusiva

Partnership in the school environment: a collaborative teaching experience for inclusive education

AndréaCarlaMachado;MariaAméliaAlmeida........................................................................344

ARTIGOS DE PESQUISA / RESEARCH ARTICLES

• Avivênciadeprofessoressobreoprocessodeinclusão:umestudodaperspectivadaPsicologia Histórico-Cultural

The experience of teacher about the process of inclusion: a study of perspective of Historical-Cultural Psychology

EvelineTonelottoBarbosa;VeraLuciaTrevisandeSouza.........................................................352

• Produçãotextual:quandoalinguagemescritasetornaobjetoescolar

Literal production: when the written language becomes school object

DeniseMiyabedaSilva................................................................................................................363

ARTIGO ESPECIAL / SPECIAL ARTICLE

• Psicopedagogianocotidianoescolar:impassesedescobertascomoensinodenoveanos

Psychoeducation in everyday school dilemmas and discoveries: with teaching nine years

FabianiOrtizPortella;NeusaKernHickel..................................................................................372

ARTIGOS DE REVISÃO / REVIEW ARTICLES

• Ofalanteinocente:linguagempragmáticaehabilidadessociaisnoautismodealtodesempenho

The innocent speaker: pragmatic language in high functioning autism

RenataMousinho..........................................................................................................................385

sumário

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• Mind map como instrumento psicopedagógico de mediação para o desenvolvimento das funções psicológicas superiores

Mind map as mediation strategy for the development of higher psychological functions

LucyDuróMatos...........................................................................................................................395

• Formaçãodeprofessoreseinclusãoescolardepessoascomdeficiência:análisederesumosdeartigos na base SciELO

Teacher education and school inclusion of deficient people: analysis of SciELO articles’ abstracts

Marcos Vinícius de Araújo; Robson Jesus Rusche; Rinaldo Molina; Luiz Renato Rodrigues Carreiro..........................................................................................................................................405

• Atuaçãopsicopedagógicanocontextoescolar:manipulação,não;contribuição,sim

Educational psychology practice in the school framework: not to manipulation, yes to contribution

IdalinaAméliaMotaPontes..........................................................................................................417

RESENHAS / REVIEWS

• Educaçãoàdistância

Distance education

GeraldinaPortoWitter...................................................................................................................428

• Intervençõesclínicas:açãointegradacomaFonoaudiologia,aPsicopedagogia,a Arteterapia, a Psicanálise e outros saberes.

Clinical interventions: integrated action with Phonoaudiology, Psychopedagogy, Art Therapy, Psychoanalysis, and other knowledge

MarisaIreneSiqueiraCastanho...................................................................................................430

Page 11: Edicao84 revista cientifica

Rev. Psicopedagogia 2010; 27(84): 323-4

323

8

Como editora da revista Psicopedagogia desde janeiro de 2003, tenho a honra de encerrar este volume, em dezembro de 2010, relembrando aos associados da ABPp e aos nossos leitores que esta publicação,

agora inteiramente online, integra o portal de Periódicos Eletrônicos de Psicologia (PePSIC). A PePSIC é uma fonte da Biblioteca Virtual em Saúde - Psicologia da União Latino-Americana de Entidades de Psicologia (BVS-Psi ULAPSI), fruto da parceria entre Fórum de Entidades Nacionais da Psicologia Brasileira (FENPB), Biblioteca Dante Moreira Leite do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IP/USP) e do Centro Latino Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (BIREME). Pode ser livremente acessada em todas as partes do mundo pelo endereço: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_serial&pid=0103-8486&lng=pt&nrm=iso

É possível, também, ler nossas revistas na íntegra, a partir do site da ABPp (www.abpp.com.br), onde também estão disponíveis as Normas de Publicação para que novos artigos nos sejam encaminhados.

Dois artigos originais abrem este número. O primeiro, encaminhado por Mayara Pessoa de Moraes e Simone Aparecida Capellini, “Conhecimento de letras, sílabas e palavras por escolares de 1º e 2º anos do ensino fundamental”, é uma contribuição valiosa no momento em que tantas discussões se dão em torno das questões da alfabetização em nossas escolas.

Outra questão muito debatida e importante, pelo impacto que acarreta na vida das crianças, é tratada no artigo de Marília Piazzi Seno, “Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH): o que os educadores sabem?”.

É de Andréa Carla Machado e Maria Amélia Almeida, o artigo que se apresenta a seguir, “Parceria no contexto escolar: uma experiência de ensino colaborativo para educação inclusiva”, cujo objetivo foi avaliar os efeitos de uma prática de leitura pautada no ensino colaborativo em alunos de uma sala regular, onde um dentre eles apresentava necessidades educacionais especiais.

“A vivência de professores sobre o processo de inclusão: um estudo da perspectiva da psicologia histórico-cultural” é um interessante artigo, no qual Eveline Tonelotto Barbosa e Vera Lucia Trevisan de Souza analisam a percepção, os sentimentos e as vivências de professores sobre seu papel na inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais.

A avaliação da aprendizagem da linguagem escrita na escola e a reflexão sobre o papel do professor mediador nesse processo são os objetos de pesquisa em “Produção textual: quando a linguagem escrita se torna objeto escolar”, de Denise Miyabe da Silva, que antecede o artigo “Psicopedagogia no cotidiano escolar: impasses e descobertas com o ensino de nove anos”, de Fabiani Ortiz Portella e Neusa Kern Hickel, que tão bem discorre sobre essa questão que tanto refletiu sobre o trabalho dos psicopedagogos nos dias atuais.

Logo após temos o artigo de Renata Mousinho, “O falante inocente: linguagem pragmática e habilidades sociais no autismo de alto desempenho”,

EDITORIAL

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Rev. Psicopedagogia 2010; 27(84): 323-4

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Maria Irene Maluf Editora

no qual a autora articula a relação entre as habilidades sociais e a linguagem pragmática apresentada por indivíduos com autismo de alto desempenho.

“Mind Map como instrumento psicopedagógico de mediação para o desen-volvimento das funções psicológicas superiores”, de Lucy Duró Matos, redire-ciona nosso olhar para o uso desse recurso capaz de desenvolver a atenção, a capacidade de organização, a lógica, a classificação, entre outras operações mentais de importância para a aprendizagem.

Um artigo que poderá orientar muitos estudos foi enviado por Marcos Vinícius de Araújo, Robson Jesus Rusche, Rinaldo Molina e Luiz Renato Rodrigues Carreiro, “Formação de professores e inclusão escolar de pessoas com deficiência: análise de resumos de artigos na base SciELO”. Consiste em uma revisão bibliográfica de artigos que tratam da formação de professores para a inclusão escolar da pessoa com deficiência, tendo como base os resumos de artigos publicados na SciELO até o primeiro semestre de 2010.

“Atuação psicopedagógica no contexto escolar: manipulação, não; contri-buição, sim”, de Idalina Amélia Mota Pontes, aponta para a importância da atuação preventiva do psicopedagogo no contexto escolar, onde muitas infor-mações e vários aspectos têm que ser observados e analisados.

“Educação à distância e ensino superior: introdução didática a um tema polêmico” é o livro de Reginaldo C. Moraes, resenhado por Geraldina Porto Witter, que nos conduz ao centro de uma reflexão importantíssima de nossos dias: o uso da tecnologia na Educação. Esta edição, conta, também, com a resenha do livro de autoria de Márcia Simões, intitulado “Intervenções clínicas: ação integrada com a Fonoaudiologia, a Psicopedagogia, a Arteterapia, a Psicanálise e outros saberes”, realizada por Maria Irene Siqueira Castanho. Nesta resenha são discutidas as interfaces entre as várias ciências, que devem trabalhar de maneira integrada na busca da melhor compreensão e abordagem dos problemas da aprendizagem.

Todos esses trabalhos, frutos de estudos e pesquisas cientificamente abali-zadas, nos foram generosamente enviados por seus autores aos quais agrade-cemos em nome da ABPp, do Conselho Editorial da revista Psicopedagogia e de nossos leitores, a quem desejamos uma boa e proveitosa leitura!

EDITORIAL

Page 13: Edicao84 revista cientifica

ConheCimento de letras, sílabas e palavras por esColares de 1º e 2º anos do ensino fundamental

Rev. Psicopedagogia 2010; 27(84): 325-33

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ARTIGO ORIGINAL

RESUMO – Objetivo: Verificar e comparar o desempenho de escolares de 1º e 2º anos do ensino fundamental sobre conhecimento de letras, sílabas e palavras em três momentos de avaliação. Método: Participaram deste estudo 19 escolares de ensino público municipal do 1º e 2º ano do ensino fundamental do município de Marília-SP, de ambos os gêneros, na faixa etária de 6 a 7 anos e 11 meses de idade. Os escolares foram distribuídos em GI: composto por 9 escolares do 1º ano do ensino fundamental e GII: composto por 10 escolares do 2º ano do ensino fundamental. Os dois grupos foram submetidos à aplicação da adaptação brasileira do Protocolo de identificação e detecção precoce de dislexia. Este protocolo foi composto por duas partes denominadas nível de leitura e identificação de erros específicos. Os resultados foram analisados estatisticamente, visando à comparação de desempenho dos grupos nos três momentos de avaliação. Resultados: Os resultados revelaram diferenças estatisticamente significantes, evidenciando que o desempenho dos dois grupos foi superior quando comparado o primeiro com o terceiro momento de avaliação. Conclusão: Os resultados deste estudo permitiram concluir que, ao longo do ano escolar, os escolares do GI e os escolares do GII adquiriram a capacidade de conhecimento e reconhecimento de letras, sílabas e palavras, além da capacidade de identificar e reconhecer erros de inversão, demonstrando que os escolares sem dificuldades de aprendizagem se apropriam do princípio alfabético do sistema de escrita do português brasileiro sendo expostos a tarefas de leitura e escrita em contexto de sala de aula.

UNITERMOS: Leitura. Avaliação. Aprendizagem. Ensino.

ConheCimento de letras, sílabas e palavras por esColares de 1º e 2º anos do ensino

fundamental

Mayara Pessoa de Moraes – Discente do Curso de Fonoaudiologia da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista - FFC/UNESP-Marília-SP. Bolsista de Extensão Universitária – PROEX – UNESP. Simone Aparecida Capellini – Fonoaudióloga. Doutora e Pós-Doutora em Ciências Médicas pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas, FCM/UNICAMP-Campinas – SP. Docente do Departamento de Fonoaudiologia e Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista - FFC/UNESP-Marília-SP.

CorrespondênciaSimone Aparecida Capellini Rua Hygino Muzzy Filho, 737 – Campus Universitário – Marília, SP, Brasil – CEP: 17525-900. E-mail: [email protected]

Mayara Pessoa de Moraes; Simone Aparecida Capellini

Page 14: Edicao84 revista cientifica

moraes mp & Capellini sa

Rev. Psicopedagogia 2010; 27(84): 325-33

326

INTRODUÇÃOSegundo a literatura1,2, o conhecimento das

letras é um dos melhores antecipadores da aprendizagem da leitura, sendo assim, crianças com dificuldades de leitura apresentaram a tendência de demonstrar menor conhecimento de letras do que as crianças sem dificuldades de leitura3. O reconhecimento das letras implica em um processamento cognitivo semelhante ao da leitura, uma vez que ambos os processos estão associados às mesmas habilidades de proces-samento fonológico: a consciência fonológica, a memória de trabalho fonológica e a velocidade de acesso às informações fonológicas4,5.

O conhecimento do nome das letras induz a criança a aprender a ler por meio do pro-cessamento parcial das relações letra-som nas palavras, concluindo, assim, que crianças que conhecem os nomes das letras aprendem a ler as grafias fonéticas mais facilmente do que as grafias visuais6. Outros autores7 afirmaram que a base fônica pode ser útil para as crianças não so-mente pela aprendizagem da relação letra-som, mas por fazer uma aproximação ortográfica, dando à criança a oportunidade para descobrir além do princípio alfabético, o conhecimento da ortografia da língua escrita.

Para que haja compreensão do princípio alfabético da correspondência grafo-fonêmica, a criança necessita entender que as letras cor-respondem a segmentos sonoros sem signifi-cados8,9. A compreensão de que existe relação entre letras e sons da fala é, segundo vários pesquisadores, o modelo ideal do sistema al-fabético10-12. Entretanto, na língua portuguesa existem várias situações nas quais nem sem-pre existe correspondência única, acarretando confusões quanto à escolha do grafema a ser decodificado ou simbolizado no ato da leitu-ra1,13, por isto a necessidade do conhecimento das letras do alfabeto e todas as suas formas de representação sonora.

Além do fato do conhecimento de letras favorecer o conhecimento da estrutura das palavras, a partir da composição das mesmas para formação de sílabas. Não podemos es-

quecer que a ausência deste conhecimento por parte dos escolares é considerada na literatura nacional

4-14 e internacional

15,16 um dos sinais da

dislexia, por isso é importante que os profissio-nais que atuam na Educação estejam atentos para a verificação deste conhecimento em fase inicial de alfabetização.

Com base no exposto acima este estudo tem por objetivo verificar e comparar o desempenho de escolares de 1º e 2º anos do ensino funda-mental no conhecimento de letras, sílabas e palavras em três momentos de avaliação.

MÉTODOEste estudo foi aprovado pelo Comitê de

Ética em Pesquisa da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista – CEP/FFC/UNESP, sob o nº 1134/2009.

Participaram deste estudo 19 escolares de ensino público municipal do 1º e 2º ano do en-sino fundamental do município de Marília-SP, de ambos os gêneros, na faixa etária de 6 a 7 anos e 11 meses de idade. Os escolares foram distribuídos em dois grupos:

• GrupoI(GI): composto por 9 escolares do 1º ano do ensino fundamental de escola pública municipal, sendo 6 do gê-nero feminino e 3 do gênero masculino;

• GrupoII(GII): composto por 10 escolares do 2º ano do ensino fundamental de esco-la pública municipal, sendo 6 do gênero masculino e 4 do gênero feminino.

Os escolares que participaram deste es-tudo não apresentaram anotações referentes à deficiência sensorial, motora ou cognitiva, alterações de fala, linguagem e queixas audi-tivas ou visuais em prontuário escolar e foram considerados como indivíduos sem dificuldades de aprendizagem pelos professores. O critério utilizado pelos professores para a indicação dos escolares sem dificuldades de aprendizagem incluiu o desempenho satisfatório em Língua Portuguesa e Matemática em dois bimestres consecutivos.

Os dois grupos foram submetidos aos seguin-tes procedimentos:

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• TermodeconsentimentoPós-Informa-do: conforme resolução do Conselho Nacional de Saúde CNS 196/96, an-teriormente ao início das avaliações, os pais ou responsáveis dos pacientes selecionados assinaram o termo de Consentimento Pós-Informado para autorização da realização do estudo;

• Protocolodeidentificaçãoedetecçãoprecoce da dislexia: foi aplicado o Protocolo de identificação e detecção precoce da dislexia17, com revisão dos itens linguísticos realizada pelas au-toras deste estudo. Este protocolo foi composto por duas partes, denomina-dos nível de leitura e identificação de erros específicos.

A primeira parte do Protocolo, denominada Nível de Leitura, foi subdividida em 3 subprovas:

Primeiro nível de leitura: composto por pro-vas de identificação de nome das letras, de som da letra, de sílaba simples;

Segundo nível de leitura: composto por pro-vas de leitura de sílabas diretas com consoantes de duplo sentido no som, sílabas diretas com dígrafos, sílabas diretas com consoantes segui-das de “u”, sílabas diretas com consoantes de duplo som conforme a posição na palavra, síla-bas indiretas de nível simples, sílabas indiretas de nível complexo, sílabas complexas, sílabas com ditongos;

Terceiro nível de leitura: composto por provas de leitura de sílabas com ditongo de nível com-plexo, sílabas com grupos consonantais de nível simples, sílabas com grupos consonantais de nível complexo, sílabas com grupos consonantais e ditongos de nível simples, sílabas com grupos consonantais e ditongos de nível complexo.

A segunda parte do Protocolo, denominada de Identificação de Erros Específicos é composta por provas de identificação de erros por inver-sões de letras, inversões de palavras completas, inversões de letras dentro da palavra, inversões de ordem da sílaba na palavra, além de uma prova com letras possíveis de serem confundi-das pelo som no início da palavra.

O material linguístico utilizado para a adaptação do procedimento para a realidade brasileira foi extraído de um banco de pala-vras de livros didáticos de 1ª série utilizados na rede municipal de ensino da cidade de Marília-SP. A partir deste banco de dados, as palavras utilizadas para adaptação das provas seguiram as regras de decodificação do português brasileiro descrito por Scliar-Cabral18.

O protocolo foi aplicado de forma individu-al, em sala apropriada indicada pela direção da escola, em três momentos de avaliação, em junho, em setembro e em dezembro do ano de 2009, com tempo médio de duração de 45 minutos, para verificação da evolução dos escolares no domínio do conhecimento das letras, sílabas e palavras.

Os resultados foram analisados estatistica-mente utilizando o Teste de Mann-Whitney, com o objetivo de verificar possíveis diferenças entre os grupos. O Teste de Friedman foi apli-cado com o intuito de comparar o desempenho dos grupos nos três momentos de avaliação. Foi utilizado o Teste dos Postos Sinalizados de Wilcoxon, ajustado pela Correção de Bonferro-ni, para identificar qual ou quais os momentos de avaliação em que os grupos apresentaram melhor desempenho.

RESULTADOSA Tabela 1 apresenta a distribuição da

média, desvio padrão e valor de p referente ao desempenho dos escolares do GI e GII, res-pectivamente, quanto a identificação de nomes das letras, de som da letra e de sílaba simples, nos três momentos de avaliação. Com a aplica-ção do Teste de Mann-Whitney, é possível que os escolares do GI apresentaram na prova C, composta por sílabas simples, diferenças esta-tisticamente significantes, que indicam que nos três momentos de avaliação os escolares deste grupo apresentaram desempenho inferior ao GII, sugerindo que a capacidade para a leitura de sílabas simples é adquirida no final do pri-meiro ano escolar.

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A Tabela 2 apresenta a distribuição da mé-dia, desvio padrão e valor de p referente ao desempenho dos escolares do GI e GII, respec-tivamente, quanto ao desempenho no segundo nível de leitura. Aplicando o Teste de Mann-Whitney, foi possível verificar que, durante o 1º momento de avaliação, os escolares do GII apresentam desempenho superior aos escolares do GI na maioria das provas deste nível, com exceção à prova de leitura de sílabas diretas com consoantes de sons seguidas de “u”.

Além disso, nesta tabela podemos verificar qu, no terceiro momento de avaliação, tanto os escolares do GI como do GII apresentaram desempenho similar para a leitura de sílabas diretas com consoantes de duplo sentido no som, de sílabas diretas com consoantes de duplo som conforme a posição na palavra, de sílabas indiretas de nível complexo, de sílabas complexas e de sílabas com ditongos, indicando que a capacidade para o reconhecimento das sílabas com tais complexidades é adquirida ao longo do primeiro ano escolar. A diferença es-

Tabela 1 – Distribuição da média, desvio padrão e valor de p referente ao desempenho dos escolares no 1º nível de

leitura, em três momentos de avaliação.Provas Grupo Média Desvio-padrão Valor de p

A1 I 19,22 3,27 0,429II 19,70 3,97

A2 I 21,11 2,21 0,439II 21,50 2,95

A3 I 21,11 2,67 0,181II 22,60 0,97

B1 I 9,67 5,50 0,562II 8,30 5,77

B2 I 11,44 6,23 0,107II 16,10 6,77

B3 I 17,78 5,47 0,066II 21,70 0,68

C1 I 3,78 6,20 0,048*II 13,20 9,47

C2 I 8,00 7,42 0,017*II 16,40 8,17

C3 I 13,56 8,26 0,046*II 19,80 3,62

Tabela 2 - Distribuição da média, desvio padrão e valor de p referente ao desempenho dos escolares no 2º nível de leitura,

em três momentos de avaliação.Provas Grupo Média Desvio-padrão Valor de p

A1 I 1,22 1,92 0,013*II 5,30 3,40

A2 I 4,44 3,17 0,242II 5,70 3,16

A3 I 5,67 2,78 0,074II 7,40 0,97

B1 I 0,22 0,67 0,009*II 3,20 2,82

B2 I 0,78 1,09 0,008*II 4,10 2,42

B3 I 2,78 2,17 0,046*II 4,90 1,91

C1 I 0,44 1,01 0,156II 1,50 1,72

C2 I 0,33 0,71 0,009*II 2,20 1,69

C3 I 0,89 1,17 0,003*II 3,10 1,20

D1 I 0,22 0,67 0,046*II 1,90 2,03

D2 I 0,78 1,39 0,150II 2,10 2,03

D3 I 1,89 2,03 0.066II 3,70 1,49

E1 I 0,33 1,00 0,030*II 2,40 2,55

E2 I 1,44 1,81 0,080II 3,40 2,80

E3 I 2,00 2,60 0,044*II 4,50 2,17

F1 I 0,44 1,33 0,016*II 2,60 2,46

F2 I 1,22 1,64 0,108II 3,30 2,91

F3 I 1,78 2,68 0,138II 3,60 2,68

G1 I 0,00 0,00 0,017*II 2,90 3,07

G2 I 0,00 0,00 0,007*II 3,10 3,07

G3 I 2,33 2,45 0,063II 4,40 2,01

H1 I 0,33 1,00 0,047*II 4,20 4,54

H2 I 2,11 2,98 0,048*II 6,00 4,30

H3 I 4,78 4,79 0,147II 7,80 3,26

Legenda: A: nome da letra; B: som da letra; C: sílabas diretas com consoantes de sons simples; 1: primeira avaliação; 2: segunda avaliação; 3: terceira avaliação.

Legenda: A: sílabas diretas com consoantes de duplo sentido no som; B: sílabas diretas com dígrafos; C: sílabas diretas com consoantes seguidas de “u”; D: sílabas diretas com consoantes de duplo som conforme a posição na palavra, E: sílabas indiretas de nível simples; F: sílabas indiretas de nível complexo; G: sílabas complexas, H: sílabas com ditongos; 1: primeira avaliação; 2: segunda avaliação; 3: terceira avaliação.

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tatisticamente significante foi verificada entre os grupos no terceiro momento de avaliação, para a leitura de sílabas diretas com dígrafos, de sílabas diretas com consoantes seguidas de “u” e sílabas indiretas de nível simples, indi-cando que a capacidade de leitura para estas complexidades silábicas é superior no GII, sugerindo que tal capacidade é adquirida no segundo ano escolar.

A Tabela 3 apresenta a distribuição da média, desvio padrão e valor de p referente ao desempenho dos escolares do GI e GII, respectivamente, no terceiro nível de leitura. Analisando-a também de acordo com o Teste de Teste de Mann-Whitney, notamos que, no 1º momento de avaliação, os escolares do GII apresentaram desempenho superior em todas as provas se comparado ao 2º momento de avaliação em todas as categorias de palavras para leitura, no entanto, ao observarmos o 3º momento de avaliação, esta diferença estatisticamente significante não ocorreu, sugerindo que a capacidade de ler palavras com sílaba com ditongo de nível complexo, sílaba com grupos consonantais de nível sim-ples, sílaba com grupos consonantais de nível complexo, sílabas com grupos consonantais e ditongos de nível simples, sílaba com grupos consonantais e ditongos de nível complexo se estabelece ao final do 1º ano escolar.

As Tabelas 4 e 5 apresentam a distribuição da média, desvio padrão e valor de p referen-te ao desempenho dos escolares do GI e GII, respectivamente, quanto a identificação dos erros de reversão na leitura nos três momen-tos de avaliação. Com a aplicação do Teste de Friedman é possível verificar que tanto os escolares do GI como do GII não apresen-taram na prova A (letras passíveis de serem confundíveis pelo som no início da palavra) diferença estatisticamente significante entre os três momentos de avaliação, indicando que os escolares deste estudo adquirem esta habilidade no primeiro ano.

Tabela 3 - Distribuição da média, desvio padrão e valor de p referente ao desempenho dos escolares no 3º nível de

leitura, em três momentos de avaliação.Provas Grupo Média Desvio-padrão Valor de p

A1I 0,22 0,67

0,047*II 2,50 2,68

A2I 1,11 1,83

0,144II 2,80 2,66

A3I 2,44 2,83

0,157II 4,40 2,27

B1I 0,00 0,00

0,017*II 2,60 2,88

B2I 0,44 1,33

0,046*II 2,90 3,07

B3I 2,44 2,51

0,139II 4,00 2,54

C1I 0,11 0,33

0,047*II 2,70 2,91

C2I 0,33 1,00

0,022*II 3,20 3,01

C3I 2,22 2,77

0,143II 4,00 2,54

D1I 0,00 0,00

0,018*II 2,00 2,63

D2I 0,33 1,00

0,023*II 3,00 2,87

D3I 2,67 2,69

0,186II 4,20 2,44

E1I 0,00 0,00

0,017*II 2,90 3,38

E2I 0,22 0,67

0,023*II 3,40 3,41

E3I 2,44 3,43

0,177II 4,60 2,95

Legenda: A: sílabas com ditongos de nível complexo; B: sílabas com grupos consonantais de nível simples; C: sílabas com grupos consonantais de nível complexo; D: sílabas com grupos consonantais e ditongos de nível simples; E: sílabas com grupos consonantais e ditongos de nível complexo; 1: primeira avaliação; 2: segunda avaliação: 3: terceira avaliação.

Quanto à identificação de letras con-fundíveis por grafia semelhante, inversões de palavras completas, inversões de letras, inversões de letras dentro da palavra e

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inversões de ordem da sílaba dentro da

palavra, observamos que tanto os escolares

do GI como do GII apresentaram diferença

estatisticamente significante entre os três

momentos de avaliação revelando que o

número de acertos foi aumentando ao longo

do ano letivo, demonstrando que o conhe-

cimento e reconhecimento das letras e de

seu posicionamento na palavra melhoram

com o aumento do uso de tarefas de leitura

e escrita no contexto de sala de aula.

Como foi observada diferença estatistica-mente significante entre os três momentos de avaliação, utilizamos o Teste dos Postos Sinalizados de Wilcoxon, ajustado pela Cor-reção de Bonferroni, para identificarmos qual ou quais os momentos de avaliação em que os grupos apresentaram melhor identificação quanto aos erros de reversão (Tabela 6). Os resultados revelaram que os escolares do GII apresentaram desempenho superior na tercei-ra avaliação nas provas B, D e E, referentes à leitura de palavras com letras confundíveis por grafia semelhante, inversões de letras e inversões de letras dentro da palavra, em relação ao primeiro momento de avaliação.

Tabela 4 - Distribuição da média, desvio padrão e valor de p referente ao desempenho dos escolares do

GI quanto à identificação dos erros de reversão, nos três momentos de avaliação.

Bloco de Variá-veis

Média Desvio-padrão Valor de p

A1 7,11 2,09

0,261A2 7,44 1,24

A3 8,11 2,09

B1 0,89 2,67

0,002*B2 4,22 5,22

B3 7,33 5,27

C1 0,33 1,00

0,002*C2 3,44 4,72

C3 6,78 5,63

D1 0,33 1,00

0,004*D2 2,89 4,26

D3 4,89 5,01

E1 0,11 0,33

0,029*E2 2,56 4,33

E3 5,44 5,43

F1 0,33 1,00

0,005*F2 2,78 4,41

F3 6,22 5,74

Tabela 5 - Distribuição da média, desvio padrão e valor de p referente ao desempenho dos escolares do GII

quanto à identificação dos erros de reversão.Provas Média Desvio-padrão Valor de p

A1 8,80 1,030,972A2 8,60 2,27

A3 8,80 1,48B1 5,10 5,30

< 0,001*B2 8,10 4,77B3 10,70 2,16C1 6,00 6,13

0,007*C2 8,60 4,90C3 10,30 3,43D1 4,70 5,12

0,002*D2 7,50 5,30D3 9,30 3,92E1 5,00 5,38

0,001*E2 7,70 4,57E3 9,50 3,84F1 4,60 5,36

0,004*F2 7,60 4,79F3 9,80 3,71

Legenda: A: sílabas com ditongos de nível complexo; B: sílabas com grupos consonantais de nível simples; C: sílabas com grupos consonantais de nível complexo; D: sílabas com grupos consonantais e ditongos de nível simples; E: sílabas com grupos consonantais e ditongos de nível complexo; 1: primeira avaliação; 2: segunda avaliação: 3: terceira avaliação.

Legenda: A: letras passíveis de serem confundidas pelo som no início da palavra, B: letras confundíveis por grafia semelhante, C: inversões de palavras completas, D: inversões de letras, E: inversões de letras dentro da palavra, F: inversões de ordem da sílaba dentro da palavra, 1: primeiro momento de avaliação, 2: segundo momento de avaliação, 3: terceiro momento de avaliação.

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DISCUSSÃOOs resultados deste estudo demonstraram

que, ao longo do ano letivo, tanto os escolares do 1º ano como os escolares do 2º ano foram capazes de desenvolver as habilidades do processamento fonológico como a consciência fonológica, a memória de trabalho fonológica e a velocidade de acesso às informações fono-lógicas, conforme descrito na literatura4-5,10,15,17. O desenvolvimento desta habilidade favorece maior conhecimento e reconhecimento ortográ-fico, favorecendo o acionamento do mecanis-mo de conversão letra-som necessário para a aquisição do princípio alfabético do sistema de escrita do português brasileiro, como também a percepção da posição da letra na palavra19,20.

Os achados deste estudo corroboram a li-teratura1-4,12, que concluiu que a habilidade de reconhecimento das letras envolve processa-mento cognitivo semelhante ao da leitura, o que facilita o desenvolvimento da leitura em séries iniciais de alfabetização.

Neste estudo ficou evidente que, ao longo do ano letivo, escolares que não apresentam dificul-dades de aprendizagem se apropriam do princípio alfabético do sistema de escrita do português brasi-leiro. Princípio este que é responsável pelo uso do mecanismo de conversão fonema-grafema1,13,21,22, que favorece tanto o reconhecimento e decodifica-ção de sílabas simples, como o de sílabas comple-xas10,11 e no sistema da língua portuguesa, restando somente as situações que não consistem em única correspondência grafo-fonêmica.

Apesar do protocolo adaptado para este es-tudo ser para identificação precoce dos sinais da dislexia, o mesmo foi sensível para indicar que, ao longo dos dois primeiros anos escolares, o co-nhecimento acerca da identificação e domínio das letras, sílabas simples e complexas e identificação de erros específicos na sílaba e palavras foram facilitados e favorecidos pelas experiências com tarefas de leitura e escrita em contexto de sala de aula. Concluindo, assim, que o processo de aquisição e desenvolvimento da leitura até o final do 2º ano escolar deve oferecer ao escolar sem dificuldades de aprendizagem o conhecimento pleno da relação fonema-grafema e da comple-xidade silábica para formação de palavras, e que, caso esta aquisição não ocorra, os educadores e profissionais que atuam com escolares em fase inicial de alfabetização podem suspeitar da pre-sença de um dos sinais da dislexia4,15,16, necessi-tando investigação psicoeducacional detalhada e aprofundada.

Desta forma, estudos futuros deverão ser conduzidos com uma amostra maior de esco-lares com o perfil deste estudo para amplia-ção do conhecimento acerca do processo de apropriação do princípio alfabético da Língua Portuguesa, criando assim parâmetros para o reconhecimento de escolares de risco para a dislexia de forma preventiva.

Tabela 6 - Distribuição do valor de p referente à compara-ção entre os momentos de aplicação do Protocolo de identi-ficação e detecção precoce da dislexia quanto à identificação

dos erros de reversão.

ProvasValor de p

Grupo I Grupo IIA2 - A1 0,453 0,888A3 - A1 0,156 1,000A3 - A2 0,304 0,756B2 - B1 0,068 0,018B3 - B1 0,018 0,005*B3 - B2 0,028 0,027C2 - C1 0,068 0,068C3 - C1 0,017 0,027C3 - C2 0,028 0,066D2 - D1 0,068 0,027D3 - D1 0,027 0,012*D3 - D2 0,026 0,071E2 - E1 0,109 0,018E3 - E1 0,043 0,012*E3 - E2 0,078 0,026F2 - F1 0,068 0,034F3 - F1 0,027 0,017F3 - F2 0,043 0,027

Legenda: A: letras passíveis de serem confundidas pelo som no início da palavra, B: letras confundíveis por grafia semelhante, C: inversões de palavras completas, D: inversões de letras, E: inversões de letras dentro da palavra, F: inversões de ordem da sílaba dentro da palavra, 1: primeiro momento de avaliação, 2: segundo momento de avaliação, 3: terceiro momento de avaliação.

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CONCLUSÃOOs resultados deste estudo nos possibilita-

ram concluir que, ao longo do ano escolar, tanto os escolares do GI como os escolares do GII adquiriram a capacidade de conhecimento e re-conhecimento de letras, sílabas e palavras, além da capacidade de identificar e reconhecer erros de inversão, demonstrando que os escolares sem dificuldades de aprendizagem se apropriam do princípio alfabético do sistema de escrita do

português brasileiro sendo expostos a tarefas de leitura e escrita em contexto de sala de aula.

Desta forma, o protocolo utilizado para este estudo pode ser um instrumento auxiliar ao pro-fessor para identificar ao final do 2º ano escolar os escolares que apresentam sinal da dislexia, uma vez que é esperado, conforme dados deste estudo, que ao final do 2º ano escolar os escola-res dominem o conhecimento e reconhecimento de letras, sílabas simples e complexas.

SUMMARYKnowledge of letters, syllables and words by students 1st and 2nd gra-

des of basic education

Purpose: Verify and compare the performance of students from 1st and 2nd grades of basic education in knowledge of letters, syllables and words in three assessment periods. Methods: The participants were 19 students from a local public school attending the 1st and 2nd years of elementary school in Marília-SP, from both genders, aged 6-7 years and 11 months old. The students were divided into GI: composed of 9 students from 1st grade, and GII: composed of 10 students from 2nd grade of elementary school. The two groups were subjected to the application of the Brazilian adaptation of the Protocol for the identification and early detection of dyslexia. This protocol was composed of two parts, called reading level and identification of specific errors. The results were statistically analyzed in order to compare the performance of the groups in the three assessment periods. Results: The results revealed statistically significant differences, indicating that the performance of both groups was higher when the first and third assessments were compared. Conclusions: The results of this study lead to the conclusion that, throughout the school year, both GI and GII students became capable of understanding and recognizing letters, syllables and words, and also of identifying and recognizing errors of inversion, showing that the students without learning difficulties acquired the alphabetic principle of the Brazilian Portuguese writing system by being exposed to the tasks of reading and writing in the context of the classroom.

KEY WORDS: Reading. Evaluation. Learning. Teaching.

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Trabalho realizado na Faculdade de Filosofia e

Ciências da Universidade Estadual Paulista - FFC/

UNESP, Marília, SP, Brasil.

Fonte de auxílio: Pró-Reitoria de Extensão Uni-

versitária – PROEX – Universidade Estadual Paulista

– UNESP.

Artigo recebido: 2/10/2010

Aprovado: 11/12/2010

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ARTIGO ORIGINAL

RESUMO – Introdução: O Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) é considerado pelos educadores um fator preocupante, principalmente na fase escolar. Caracterizado pelos sintomas de desatenção, impulsividade e hiperatividade, afeta de 3 a 5% das crianças. É um transtorno neurobiológico, de causas genéticas, que aparece na infância e frequentemente acompanha o indivíduo por toda a sua vida. Apesar de não existir cura, sua manifestação tende a diminuir com a idade e com o uso de medicação. Quando a criança inicia seu contato com a leitura e escrita, é necessário que mantenha sua atenção e concentração sustentados, a fim de que os objetivos pedagógicos possam ser alcançados. Objetivo: Este trabalho teve como principal objetivo pesquisar o conhecimento de 52 educadores da Rede Municipal de Ensino de um município do interior de São Paulo/SP sobre o TDAH. Método: Foi aplicado um questionário, cujas perguntas foram elaboradas considerando-se a importância desse conhecimento para atuação profissional dos educadores. Conclusão: Concluímos que, apesar do professor não ter conhecimento teórico suficiente para discorrer com propriedade sobre o TDAH, sua prática escolar lhe permite observar, analisar, levantar hipóteses e adaptar sua metodologia independente do que o sistema lhe oferece; possibilitando que esse aluno tenha suas diferenças respeitadas e seja realmente incluído na sala de aula regular.

UNITERMOS: Transtorno do déficit de atenção com hiperatividade. Atenção. Transtornos mentais diagnosticados na infância.

TranSTorno do déficiT de aTenção e HiPeraTividade (TdaH): o que oS

educadoreS SabeM?

Marília Piazzi Seno – Fonoaudióloga e Psicopedagoga,

Coordenadora do Centro de Atendimento

Multidisciplinar - CAM da Secretaria Municipal da

Educação de Marília, Marília, SP

Correspondência

Marília Piazzi Seno

Rua José Freire Sobrinho, 610 – Jd. Europa – Marília,

SP, Brasil – CEP 17514-014

E-mail: [email protected]

Marília Piazzi Seno

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INTRODUÇÃOSegundo a Classificação Estatística Interna-

cional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde1, o Transtorno do Déficit de Aten-ção e Hiperatividade (TDAH) está classificado na categoria de transtornos hipercinéticos, descrito como “grupo de transtornos carac-terizados por início precoce – habitualmente durante os cinco primeiros anos de vida –, falta de perseverança nas atividades que exigem envolvimento cognitivo e tendência a passar de uma atividade a outra sem acabar nenhuma, associadas a uma atividade global desorgani-zada, incoordenada e excessiva. Os transtornos podem se acompanhar de outras anomalias. As crianças hipercinéticas são frequentemente imprudentes e impulsivas, sujeitas a acidentes e incorrem em problemas disciplinares mais por infrações não premeditadas de regras do que por desafio deliberado. Suas relações com os adultos são frequentemente marcadas por uma ausência de inibição social, com falta de cautela e reserva normais. São impopulares com as outras crianças e podem se tornar isoladas socialmente. Estes transtornos se acompanham frequentemente de um déficit cognitivo e de um retardo específico do desenvolvimento da motricidade e da linguagem. As complicações secundárias incluem um comportamento disso-cial e uma perda de autoestima”.

O TDAH é uma síndrome heterogênica, de etiologia multifatorial, dependente de fatores genéticos-familiares, adversidades biológicas e psicossociais, caracterizada pela presença de um desempenho inapropriado nos mecanis-mos que regulam a atenção, a reflexibilidade e a atividade motora. Seu início é precoce, sua evolução tende a ser crônica, sem repercussões significativas no funcionamento do sujeito em diversos contextos de sua vida2.

Caracterizado pelos sintomas de déficit de atenção, hiperatividade e impulsividade, esse transtorno pode ser classificado em quatro tipos3:

• tipodesatento–nãoenxergadetalhes,faz erros por falta de cuidado, apresen-ta dificuldade em manter a atenção,

parece não ouvir, tem dificuldade em seguir instruções, desorganização, evita/não gosta de tarefas que exigem um esforço mental prolongado, distrai-se com facilidade, esquece atividades diárias;

• tipohiperativo/impulsivo:inquietação,mexer as mãos e os pés, remexer-se na cadeira, dificuldade em permane-cer sentada, corre sem destino, sobe nos móveis ou muros, dificuldade em engajar-se numa atividade silenciosa-mente, fala excessivamente, responde perguntas antes delas serem formula-das, interrompem assuntos que estão sendo discutidos e se intrometem nas conversas;

• tipo combinado: quando o indivíduoapresenta os dois conjuntos de critérios desatento e hiperativo/impulsivo;

• tiponãoespecífico,quandoascaracte-rísticas apresentadas são insuficientes para se chegar a um diagnóstico com-pleto, apesar dos sintomas desequili-brarem a rotina diária.

É o transtorno neuropsiquiátrico mais diag-nosticado na infância, persistindo até a idade adulta em torno de 60 a 70% dos casos4. Aco-mete aproximadamente de 3 a 5% das crianças, sendo mais usualmente encontrado em meninos do que meninas, numa proporção de 3:15.

O uso de medicamentos em indivíduos com diagnóstico de TDAH provoca tranquilidade, aumento no período de atenção e, por vezes, sonolência. Essa resposta positiva não é obser-vada em todos os pacientes, sendo que alguns deles tornam-se mais excitados e agressivos e as doses empregadas deverão ser tituladas individualmente e, após ter sido encontrada a dose ideal, esta deverá ser mantida6.

O TDAH vem sendo considerado pelos educadores como um fator preocupante, prin-cipalmente na fase escolar. Num período onde a criança inicia seu contato com a leitura e es-crita, é necessário que mantenha sua atenção e concentração sustentados, a fim de que os

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objetivos pedagógicos propostos possam ser alcançados. Na idade escolar, crianças com TDAH apresentam maior probabilidade de re-petência, evasão, baixo rendimento acadêmico e dificuldade emocionais e de relacionamento social, e pessoas que apresentam sintomas de TDHA na infância têm uma maior probabilidade de desenvolver problemas relacionados com comportamento7.

Com relação às comorbidades associadas ao transtorno, foi descrita a seguinte prevalência de problemas psiquiátricos em pacientes com TDAH comparado com grupo controle: 18 vs. 4% de depressão; 6 vs. 1% transtornos da in-fância, 6 vs. 2% de transtorno de ajustamento, 6 vs. 1% de TOD; 5 vs. 0% de psicose, 4 vs. 1% de TC, 2 vs. 1% de abuso de substância e 1 vs. 1% de ansiedade. O mesmo estudo estendeu-se aos pais de pacientes com TDAH e pais controles: 9 vs. 4% de depressão, 1 vs. 0% de transtorno da infância; 4 vs. 2% de outros transtornos mentais; 2 vs. 1% de transtorno de ajustamento; 0 vs. 0% de TOD; 1 vs. 1% de psicose; 0 vs. 0% de TC; 2 vs. 1% de abuso de substância e 1 vs. 1% de ansiedade8.

Uma vez diagnosticado o TDAH, esse aluno deve ser considerado como uma criança com necessidades educacionais especiais, pois para que tenha garantidas as mesma oportunidade de aprender que os demais colegas de sala de aula, serão necessárias algumas adaptações visando diminuir a ocorrência dos comporta-mentos indesejáveis que possam prejudicar seu progresso pedagógico: sentar o aluno na primeira carteira e distante da porta ou janela; reduzir o número de alunos em sala de aula; procurar manter uma rotina diária; propor ativi-dades pouco extensas; intercalar momentos de explicação com os exercícios práticos; utilizar estratégias atrativas; explicar detalhadamente a proposta; tentar manter o máximo de silêncio possível; orientar a família sobre o transtorno; evitar situações que provoquem a distração. tais como ventiladores, cortinas balançando, carta-zes pendurados pela sala; aproveitar situações que exijam movimentação para escolhê-lo como

auxiliar (por exemplo, pedir que entregue os cadernos, que vá à diretoria ou que responda ao exercício na lousa); manter os alunos em lugares fixos na sala, para que seja justificado o motivo pelo qual a criança com TDAH senta sempre naquela carteira; solicitar que os pais procurem por atendimentos especializados que possam complementar o trabalho pedagógico realizado em sala de aula; encaminhá-lo para as aulas de reforço escolar, se necessário.

Pensando na importância do papel do pro-fessor frente a um aluno que apresenta com-portamento indicativo de TDAH, este trabalho teve como principal objetivo verificar o conhe-cimento dos educadores da Rede Municipal de Ensino de um município do interior de São Paulo/SP sobre esse transtorno.

MÉTODOParticiparam desse estudo 52 educadores

da Rede Municipal de Ensino, sendo que 28 estavam inseridos em Escolas Municipais de Ensino Fundamental (EMEF) e 24 em Escolas Municipais de Educação Infantil (EMEI).

Para coleta dos dados foi aplicado um ques-tionário contendo 17 questões (Anexo 1): 9 dissertativas, 7 com as opções “sim” e “não” e 1 de múltipla escolha com 2 opções de res-posta. O tempo para seu preenchimento foi de 15 minutos e a avaliadora permaneceu na sala para que fosse garantida a individualidade das respostas.

As questões foram elaboradas levando em consideração a importância desse conhecimento para atuação profissional dos educadores, uma vez que, num momento no qual a inclusão é am-plamente defendida por estudiosos, espera-se que o professor esteja preparado para receber alunos com qualquer necessidade educacional especial e tenha condições de integrá-lo aos demais colegas de sala no ensino regular.

RESULTADOS E DISCUSSÃOQuanto ao perfil dos participantes, 27 eram

professores, 18 coordenadores, 3 diretores e 4 auxi-liares de direção. O tempo de atuação na educação

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Escola: ( ) EMEI ( ) EMEF Data: ____/____/____ Tempo de formação? _______________ Lecionou(a) para alunos com TDAH? ( ) Sim ( ) Não Função atual: ___________________________________

1. O que significa a nomenclatura TDAH?

2. Quais são as causas do TDAH?

3. A partir de que idade é possível perceber o TDAH?

4. Quais são os comportamentos observados numa criança com TDAH?

5. Em qual sexo você acha que o TDAH ocorre com maior frequência?

6. Quais exames são necessários para diagnosticar o TDAH?

7. Qual especialista está apto a diagnosticar o TDAH?

8. TDAH tem cura? ( ) Sim ( ) Não

9. Como é o tratamento para o TDAH?

10. Uma criança com TDAH consegue concentrar-se por bastante tempo em uma única atividade? ( ) Sim ( ) Não

11. É possível ter TDAH sem apresentar dificuldades de aprendizagem? ( ) Sim ( ) Não

12. Quem tem TDAH apresenta maior chance de desenvolver outra alteração de saúde mental? ( ) Sim ( ) Não

13. Os sintomas do TDAH mudam conforme a idade da pessoa? ( ) Sim ( ) Não

14. Todas as crianças com TDAH necessitam usar medicação?( ) Sim ( ) Não

15. Você acha que o TDAH realmente existe ou a hiperatividade da criança é consequência da falta de limites? ( ) Realmente existe ( ) É falta de limites

16. Na sua opinião, a criança com TDAH percebe que é diferente? ( ) Sim ( ) Não

17. Como o professor pode ajudar um aluno com TDAH?

ANEXO 1 - Questionário empregado na pesquisa.

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variou de 4 a 40 anos, sendo que 17 referiram já terem lecionado para alunos com TDAH e 36, não.

Para verificar a familiaridade dos entrevista-dos com a nomenclatura que caracteriza o trans-torno, foram questionados sobre o significado da sigla TDAH: 51 participantes a identificaram e 1 não soube responder.

A Tabela 1 apresenta as respostas dos educa-dores relacionadas aos assuntos: causa, idade em que podem ser observados os sintomas do TDAH, prevalência sexual do transtorno, exames e espe-cialistas relacionados ao diagnóstico, cura, tipo de tratamento mais indicado, possibilidade de concentração numa única atividade, dificuldade de aprendizagem, comorbidades, modificação dos sintomas com o avanço da idade, necessida-de de medicação, confusão entre TDAH e falta de limites e autopercepção do transtorno.

Na literatura, encontramos várias possíveis causas para o TDAH, tais como hereditariedade, substâncias ingeridas na gestação, sofrimento fetal, exposição ao chumbo, problemas fami-liares, entre outros. Porém, a probabilidade de que a criança tenha um diagnóstico de TDAH aumenta até 8 vezes se os pais também tiverem o transtorno9. A predisposição genética foi de-monstrada em estudos usando famílias, casos de gêmeos e adoção10. A Tabela 1 demonstra que 19 participantes desconhecem as causas do TDAH.

Quanto à idade em que é possível perceber o TDAH, 16 educadores (sendo 14 de escolas do Ensino Fundamental) achavam que os sintomas aparecessem na fase de alfabetização. Nor-malmente, as crianças com TDAH apresentam uma história de vida desde a idade pré-escolar com a presença de sintomas11. Na maior parte

Tabela 1 – Respostas dos educadores ao questionário investigativo.Assunto Respostas Nº Participantes

Causa do TDAH

Desconhecem 19

Neurológica 15

Genética 6

Outras 6

Hereditariedade 5

Idade na qual iniciam os sintomas

Na alfabetização 16

Não sabem 14

Antes dos 2 anos 12

Na pré-escola 9

Outros 1

Prevalência sexualNo sexo masculino 41

Não sabem 8

Mesma proporção em ambos os sexos 3

Diagnóstico

Exames

Eletrofisiológicos 19

Não sabem 19

Clínico 14

Especialistas

Outros 18

Neurologista 17

Neurologista ou Psiquiatra 10

Não sabem 7

Psiquiatra 6

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das vezes, se manifesta muito cedo na vida do portador, mas apenas mais tarde, com o início da vida escolar, é que os sintomas revelam-se de forma mais perceptível12.

Sobre os comportamentos que podem ser observados numa criança com TDAH foram citados: inquietação, dificuldade de aprendi-zagem, distração, desatenção, dificuldade de concentração, fala excessiva, não para sentado, repete a mesma coisa, agitação, mudança de humor, impulsividade, hiperatividade, disper-são, indisciplina, desajeitado, desmotivação, dificuldade de interação, dificuldade de memo-rização, irritabilidade, ansiedade, desinteresse, dificuldade em respeitar regras.

Geralmente o TDAH está relacionado a sin-tomas de desatenção, hiperatividade e impulsi-vidade13, sendo estes manifestados nas crianças como segue: falta de persistência nas atividades cognitivas, falta de atenção, falta de concentra-ção, estar no “mundo da lua”, tendência de ficar mudando de atividades sem acabá-las, agitação excessiva, desorganização, dispersão, impru-dência, ficar remexendo as mãos e pés quando sentado, não parar quieto, responder perguntas antes de terem sido finalizadas, intromissão descabida, perder as coisas com facilidade11,12.

Com relação à prevalência sexual, a maioria dos participantes assinalou o sexo masculino. O transtorno é mais comum nos meninos que nas

Continuação da Tabela 1

Cura

Não existe 32

Existe 14

Em branco 6

Tratamento

Medicamentoso e terapêutico 24

Medicamentoso 10

Terapêutico 10

Não sabem 8

ConcentraçãoNão é possível 50

É possível 1

Dificuldades de aprendizagemPode não apresentar 36

Sempre apresentará 16

Relação com o desenvolvimento de doenças mentais?

Não 31

Sim 17

Não sabem 4

Modificam dos sintomas com o avan-çar da idade?

Sim 26

Não 21

Não sabem 5

Medicação

Nem sempre 34

Sempre 14

Em branco 4

TDAH existe ou é falta de limites?Existe 51

Não existe 1

Autopercepção sobre o transtorno?Sim 32

Não 20

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meninas14,15, sendo que essa proporção pode variar de 3:1 a 5:116.

Sobre os exames necessários para diagnos-ticar o TDAH, a maior parte dos participantes se referiu aos exames eletrofisiológicos, como eletroencefalograma, mapeamento cerebral, tomografia computadorizada e ressonância magnética; porém nenhum desses exames é capaz de fornecer um diagnóstico17. Os edu-cadores lembraram ainda da importância de uma equipe multidisciplinar para a avaliação, que é fundamentalmente clínica, baseada em critérios operacionais claros e bem definidos, provenientes de sistemas classificatórios como o DSM-IV (vide quadro clínico) ou a CID-10.

Sobre qual especialista está apto a diagnos-ticar o TDAH, as respostas dos participantes citaram os médicos neurologistas e psiquiatras; mas muitos não sabiam e alguns se referiram a outros profissionais da saúde, tais como psi-cólogos, fonoaudiólogos e psicopedagogos. Apesar desses profissionais poderem levantar a hipótese diagnóstica, o CID somente poderá ser estabelecido por um médico. A maioria das fa-mílias acaba optando por procurar neurologistas e evitam levar seus filhos em um psiquiatra, por preconceito. Tendo conhecimento das caracte-rísticas do transtorno, o próprio professor pode orientar o responsável a procurar pelo médico em busca do diagnóstico, que se confirmado possibilitará o tratamento adequado ao aluno.

Com relação à cura do TDAH, alguns autores acreditam que o transtorno persiste na idade adulta em aproximadamente 50 a 70% dos casos; embora o quadro clínico sofra algumas modificações com o passar do tempo18. Como demonstra a Tabela 1, a maioria dos entrevista-dos assinalou que o TDAH não tem cura.

Quanto ao tratamento, grande parte dos edu-cadores indicou o uso da medicação e muitos o associaram ao tratamento terapêutico. Foi relata-da a importância da participação familiar no pro-cesso. O tratamento do TDAH é primordialmente medicamentoso, havendo evidências robustas de superioridade da farmacoterapia sobre o trata-mento psicoterápico isolado19. Mais de 70% dos

pacientes com TDAH que procuram ambulató-rios especializados apresentam comorbidades; portanto, o psiquiatra clínico provavelmente terá que escolher a intervenção psicofarmacológica para o seu paciente levando em consideração a presença de alguma comorbidade20.

Sobre a possibilidade de uma criança com TDAH concentrar-se em uma única atividade por um longo período de tempo, 51 assinalaram que não é possível e apenas 1 referiu que sim. O indivíduo com TDAH apresenta uma dificulda-de real na concentração; porém é possível que isso ocorra diante de atividades estimulantes, como, por exemplo, um jogo de videogame. Esses raros momentos de quietude levam os pais e professores a atribuírem a dificuldade de concentração para realização das tarefas escolares à falta de vontade da criança.

Sobre a dificuldade de aprendizagem asso-ciada aos casos de TDAH, cerca de 20 a 30% das crianças com TDAH apresentam dificuldades específicas, que interferem na sua capacidade de aprender21. Em geral, o professor observa uma discrepância entre o potencial intelectual da criança e o desempenho acadêmico da mes-ma, o que pode ocorrer mesmo entre as crianças com inteligência superior à média22. Na Tabela 1, observamos que a maioria dos educadores acredita que uma criança com TDAH pode não apresentar dificuldades de aprendizagem.

Dentre os participantes, 31 acham que não há relação entre o TDAH e as doenças mentais. Existe baixa concordância entre informantes sobre a saúde mental de crianças. Os profes-sores tendem a superestimar os sintomas de TDAH, principalmente quando há presença concomitante de outro transtorno disruptivo do comportamento23.

Quanto à variação dos sintomas de acordo com a idade, a maioria dos participantes res-pondeu que se alteram. A apresentação clínica pode variar de acordo com o estágio do desen-volvimento. Sintomas relacionados à hiperati-vidade/impulsividade são mais frequentes em pré-escolares com TDAH do que sintomas de desatenção. A literatura indica que os sintomas

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de hiperatividade diminuem na adolescência, restando, de forma mais acentuada, os sintomas de desatenção e de impulsividade24.

Com relação ao tratamento do TDAH, este envolve uma abordagem múltipla, englobando intervenções psicossociais e psicofarmacológi-cas25. No âmbito das intervenções psicossociais, o primeiro passo deve ser educacional, por meio de informações claras e precisas à família a res-peito do transtorno. Muitas vezes, é necessário um programa de treinamento para os pais, a fim de que aprendam a manejar os sintomas dos filhos. É importante que eles conheçam as me-lhores estratégias para o auxílio de seus filhos na organização e no planejamento das atividades. Por exemplo, essas crianças precisam de um ambiente silencioso, consistente e sem maiores estímulos visuais para estudarem13. A maioria dos participantes assinalou que o melhor trata-mento nem sempre requer o uso da medicação.

Apesar de suas manifestações serem con-fundidas com indisciplina26, o TDAH não é causado por falta de disciplina ou controle pa-rental, assim como não é um sinal de maldade da criança27. De acordo com a Tabela 1, apenas um educador assinalou que o TDAH não existe, sendo o comportamento da criança justificado pela falta de limites.

Questionados sobre a própria percepção da criança com relação ao seu transtorno, 32 pessoas pensam que o indivíduo percebe ser diferente e 20 acham que ele não tem essa percepção. Algumas crianças são capazes de perceberem sua inquie-tude a tal ponto que isso chega a incomodá-las. Tentam modificar seu próprio comportamento, mas não conseguem. As crianças hiperativas podem provocar a falência emocional de uma família. Algumas vezes, os pais ficam sem saber como agir, porém, outras vezes, adaptam-se bem ao estilo da criança. O que se observa comumente é que se instalam entre os membros da família tensões, tornando conflituosas todas as atividades da vida cotidiana28.

As atitudes citadas pelos participantes como auxiliadoras para uma criança com TDAH fo-ram: incentivo, reforço dos comportamentos

adequados, trabalho com a família, busca de conhecimento sobre o assunto, planejamento de atividades interessantes, encaminhamento para especialistas, integração aos demais colegas de turma, favorecimento do ambiente promoven-do tranquilidade e silêncio, apresentação de atividades curtas, oferecimento de orientação individual, utilização de recursos diferenciados, não demonstração de ansiedade, brevidade nas explicações, sentar a criança próxima à profes-sora e distante da janela, seguir uma rotina, proporcionar momentos de locomoção na sala de aula, respeitar seus limites.

Um bom desempenho escolar depende, cada vez mais, da criança permanecer sentada e quieta, de longos períodos de concentração e de fazer as lições escolares22. Para atender às exigências desse ambiente, a criança necessita ter controle e ajustar seu comportamento para responder satisfatoriamente a essas demandas. Crianças com TDAH têm esse ajuste prejudi-cado pela falta de controle da impulsividade e, frequentemente, apresentam em seu histórico escolar registros de suspensão, de expulsão e de reprovação29.

CONCLUSÃOO TDAH ainda é um assunto desconhecido

pela maioria dos professores. As informações que necessitam de embasamento teórico, como causas, idade de manifestação, médico especialista, cura, tratamento e comorbidades, estão distantes dos docentes que, muitas vezes, lecionam exatamente para esse público. Já as questões que envolviam a prática de sala de aula, cujas respostas podiam ser resgatadas por acontecimentos do dia-a-dia, como prevalência sexual, capacidade de concentração e manifes-tações comportamentais, foram corretamente assinaladas, demonstrando a sensibilidade do educador mesmo quando não houve a busca pelo assunto em específico.

As estratégias sugeridas pelos próprios par-ticipantes visando ao progresso do aluno com TDAH são totalmente pertinentes; apesar de nem sempre serem aplicadas. Todas as adapta-

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ções citadas não dependem de um sistema e sim do próprio educador, que lançando mão dos seus recursos reúne condições para que, analisando sua classe, adeque sua metodologia de maneira mais produtiva possível. Houve uma variação de respostas dependendo do local de atuação do educador – EMEI ou EMEF. Isso ocorreu porque suas constatações foram formuladas a partir da faixa etária da população com que eles lidam.

Concluímos que apesar do educador não ter conhecimento teórico suficiente para discorrer com propriedade sobre o TDAH, sua prática escolar lhe permite observar, analisar, levantar hipóteses e adaptar sua metodologia indepen-dente do que o sistema lhe oferece; possibi-litando que esse aluno tenha suas diferenças respeitadas e seja realmente incluído na sala de aula regular.

SUMMARYAttention-deficit hyperactivity disorder (ADHD): what teachers know?

Introduction: The Attention Deficit Hyperactivity Disorder (ADHD) is considered a worry by educators, especially during school time. Characterized by inattention, hyperactivity and impulsivity, it affects 3-5% of children. It is a neurobiological disorder of genetic cause which appears in childhood and often accompanies the individual throughout his life. Although there is no cure, its symptoms tend to decrease with age and the use of medication. When children start reading and writing it is necessary to maintain sustained attention and concentration in order to achieve the pedagogical objectives. Objective: This study aimed to assess the knowledge of 52 teachers of municipal schools of a city in the country of Sao Paulo state on Attention Deficit Hyperactivity Disorder. Methods: A questionnaire was administered taking into account the importance of such knowledge for their professional practice. Conclusions: We conclude that although teachers may not have enough theoretical knowledge about ADHD, their school practice allows them to observe, analyze, hypothesize and adapt their methodology regardless of what the system offers, therefore enabling students to have their differences respected and be actually included in a regular classroom.

KEY WORDS: Attention deficit disorder with hyperactivity. Attention. Mental disorders diagnosed in childhood.

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Trabalho realizado no Centro de Atendimento Multidisciplinar, Secretaria Municipal da Educação de Marília, Marília, SP, Brasil.

Artigo recebido: 15/7/2010Aprovado: 18/11/2010

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ARTIGO ORIGINAL

RESUMO – Objetivo: Avaliar os efeitos de uma prática de leitura pautada no ensino colaborativo em alunos de uma sala regular. Método: Participaram do estudo 22 alunos do 4º ano do ensino regular, dos quais um deles apresentava necessidades educacionais especiais. Por meio da abordagem descritiva observacional, os resultados obtidos neste estudo foram coletados durante o processo na sala de aula. Resultados: Verificou-se que a estratégia escolhida para a intervenção da professora – roda da leitura – foi relevante, por possibilitar exposições linguísticas e o desenvolvimento da esfera cognitiva, tanto do aluno com necessidade especial, bem como para todos os demais alunos.

UNITERMOS: Ensino. Inclusão escolar. Pessoas com deficiência.

Parceria no contexto escolar: uMa exPeriência de ensino colaborativo

Para educação inclusiva

Andréa Carla Machado – Profa. Ms., Pedagoga,

Psicopedagoga e Doutoranda do Programa de Pós-

Graduação em Educação Especial da Universidade

Federal de São Carlos (USFCar) – São Carlos, SP.

Professora do Centro Universitário de Rio Preto

(UNIRP), SP.

Maria Amélia Almeida – Profa. Dra., Professora

Titular do Programa de Pós-Graduação em Educação

Especial da Universidade Federal de São Carlos –

USFCar – São Carlos, SP.

Correspondência

Maria Amélia Almeida

Universidade Federal de São Carlos

Centro de Educação e Ciências Humanas,

Departamento de Psicologia

Rodovia Washington Luiz, km 235 – Cx. Postal 676

Monjolinho – São Carlos, SP, Brasil – CEP 13565-905

E-mail: [email protected]

Andréa Carla Machado; Maria Amélia Almeida

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INTRODUÇÃOEnsinar constitui a atividade principal na

profissão do docente e essa deve ser compreen-dida como uma ‘arte’ que envolve aprendizagem contínua e envolvimento pessoal no processo de construção permanente de novos conhecimentos e experiências educacionais, as quais preparam o docente para resolver novas situações ou proble-mas emergentes no dia-a-dia da escola e da sala de aula. Segundo o Ministério da Educação1, as reformas educacionais e a resposta à diversidade das necessidades educacionais dos alunos exigem novas aptidões em termos de formação docente2.

Sob essa perspectiva, com o advento da filosofia de inclusão escolar, intensificou-se a argumentação de que todos os estudantes devem ser escolarizados numa mesma sala de aula. Entretanto, a prática inclusiva implica desafios consideráveis para o professor de classe comum. Cada vez mais se tem trabalhado o princípio de que os professores não devem trabalhar sozinhos, mas em equipes que apresentem propostas, cujas funções tenham objetivos comuns para melhorar a escolarização de todos os alunos3.

Assim, o poder das equipes colaborativas4 encontra-se na capacidade para fundir habi-lidades únicas de educadores, para promover sentimentos de interdependência positiva, desenvolver habilidades criativas sobre reso-lução de problemas, promover apoio mútuo e compartilhar responsabilidades.

Dessa forma, o trabalho colaborativo pode diminuir distinções de papéis existentes entre os profissionais envolvidos, a fim de que cada um possa fazer o melhor uso possível de seus saberes. Onde o desafio reside somente definir um bom funcionamento da equipe, e melhor utilizar todos os conhecimentos existentes5.

Um dos modelos de trabalho colaborativo que vem sendo investigado tem sido a colaboração entre o professor da educação regular e o do ensi-no especial3. O Ensino colaborativo (Co-teaching – termo utilizado na Língua Inglesa) proposto por autores norte-americanos6 considera importante a atuação de dois ou mais profissionais dando instruções em um mesmo espaço físico.

O ensino colaborativo tem sido utilizado para favorecer a inclusão escolar, envolvendo a parceria direta entre os professores da Educação comum e especial. Tal forma de trabalho está em crescente ascensão na literatura como uma estratégia inclusiva7-9.

Professores de educação especial e regular devem se responsabilizar pelo planejamento e avaliação do ensino para um grupo com ou sem necessidades educacionais especiais. Na sala de aula, os dois professores trabalham juntos e desenvolvem um currículo diferenciado visando à melhoria do ambiente de aprendizagem10.

De modo geral, o objetivo do ensino cola-borativo é criar opções para aprender e prover apoio a todos os estudantes na sala de aula de ensino regular, combinando as habilidades do professor comum e do professor especialista11.

Dois estudos no Brasil tiveram o objetivo de explorar em contextos inclusivos as possibilida-des do ensino colaborativo e merecem aqui ser mencionados. O primeiro deles defende que se deve tentar buscar uma melhoria na qualifica-ção docente no sentido de tornar as práticas pe-dagógicas do professor do ensino comum, mais efetivas às necessidades de alunos surdos12. O estudo apresentou como objetivo implementar e avaliar um programa de formação continuada baseado no co-planejamento. O trabalho foi realizado em 20 semanas, o qual envolveu: o pesquisador e três diferentes professores regu-lares, que realizaram encontros com intuito de planejar estratégias que seriam realizadas ao longo do ano. Os dados coletados envolveram o protocolo de planejamento educacional, o protocolo de cada unidade até de avaliação. Após a intervenção, foram coletadas as opiniões dos professores sobre as atividades de plane-jamento. Entretanto, não houve envolvimento direto da atuação colaborativa em sala de aula, uma vez que a intervenção esteve restrita à situação de planejamento com os professores. Os resultados apontaram que os professores avaliaram que as estratégias implementadas beneficiaram não apenas seus alunos surdos, mas todos os demais alunos da turma. Mas,

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os resultados evidenciaram também que a in-tervenção colaborativa não foi suficiente para solucionar as dificuldades de comunicação de uma das professoras com um dos alunos surdos.

Outro estudo nacional envolvendo o ensino colaborativo7 refere-se à pesquisa realizada em duas escolas comuns de ensino fundamental, em quatro turmas de 1ª a 4ª séries (respectivos 2º e 5º ano), onde estavam inseridos alunos com deficiência intelectual. A intervenção compre-endeu o apoio do professor do ensino especial dentro da classe comum, a qual durou em cada turma um ano e o estudo teve duração total de dois anos. Após a etapa de intervenção, foram reavaliadas as medidas de desempenho e cole-tadas medidas de validade social baseadas nas opiniões das professoras e das famílias sobre o ensino colaborativo. Observou-se que todos os seis alunos com deficiência intelectual tiveram evolução no desempenho tanto acadêmico como de socialização, ainda que tenha permanecido uma discrepância em comparação ao rendi-mento médio da turma. O ensino colaborativo foi avaliado como efetivo enquanto estratégia de desenvolvimento pessoal e profissional dos professores envolvidos em práticas que visaram à inclusão escolar.

Assim, pesquisas realizadas no Brasil e, prin-cipalmente, em outros países, sugerem que o tra-balho colaborativo entre professores traz várias vantagens para escolas, professores e alunos. As escolas tornam-se inclusivas, os professores aprendem a refletir sobre as suas práticas, apren-dem novas formas de enfrentar as dificuldades e tornam-se mais autoconfiantes3,7,13-15.

O ensino colaborativo13 está relacionado com a maneira de tratar novas ideias, de im-plementar mudanças, com os sentimentos de integração, de solidariedade e posturas de autoavaliação, autocrítica e de competências reflexivas coletivas. Pesquisadores nacionais14 apresentam evidências de que esse tipo de en-sino (colaborativo) traz uma série de benefícios para as escolas em que se efetiva, entre eles: o papel de recuperar nos professores as suas capacidades de produzir conhecimentos sobre

seu trabalho, promovendo aperfeiçoamento contínuo e aprendizagem.

No entanto, é mister salientar que ainda são poucos os trabalhos relacionados com esse tema no Brasil – ensino colaborativo –, o que implica o desenvolvimento de mais pesquisas, bem como justifica o relato da presente experiência profissional para uma futura replicação.

Partindo do pressuposto de que a leitura se constitui como uma prática social e complexa, e ratificando a importância do professor no processo de construção das significações atri-buídas à leitura no universo escolar, o presente trabalho focalizou a leitura como processo de socialização. O motivo de considerar o proces-so de socialização com a leitura está baseado na concepção de homem com construtor de significados e de sociedade entendida como construção histórico-social.

Considerando que a escola integra o conjun-to das instituições sociais onde são difundidas as redes de significação, tendo a leitura por objeto e por projeto e, ainda que seu papel é oferecer os mecanismos de acesso ao mundo da escrita e aos registros da cultura letrada, esse trabalho teve como objetivo avaliar o efeito de uma práti-ca relacionada à leitura em alunos participantes de um processo de educação inclusiva, por meio de livros de histórias infantis, implementadas no cotidiano da sala de aula tomando como referência o ensino colaborativo.

MÉTODOO processo de observação teve como pre-

missa a colaboração-intervenção. Salienta-se que o presente trabalho refere-se a um relato de experiência profissional.

Local e participantesO campo de observação configurou-se numa

sala de aula da 3ª série do Ensino Fundamen-tal (4º ano) de uma escola da rede pública de ensino, de um município de pequeno porte do interior paulista.

A aluna participante-alvo apresentava nove anos de idade e necessidades educacionais

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especiais, tendo como diagnóstico hemipare-sia espástica. Na hemiparesia espástica, são observadas alterações do movimento em meio corpo, como por exemplo, perna e braço direitos, sendo, na maioria dos casos, o membro superior o mais afetado.

A professora regular tinha 55 anos de idade, quinze anos de magistério e experiência de dez anos com alunos com necessidades especiais.

A classe era constituída, ainda, por 21 alunos sem necessidades especiais, pertencentes a mesma série, com média de idade de nove anos.

Procedimentos e etapas do estudoPrimeiramente, todos os cuidados relacio-

nados aos aspectos éticos foram seguidos. Os dados foram colhidos após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pelos responsáveis pelas crianças e convênio estabelecido com a escola.

Foi utilizada a metodologia qualitativa com abordagem observacional descritiva. Os dados da presente experiência foram coletados por meio do diário de campo e diários reflexivos. No diário de campo, as observações a priori eram anotadas, em um caderno, pela professora/especialista, em tópicos (na sala de aula – durante a observação), e depois registradas, por datas, em um arquivo no computador denominado de “Registro da prática de leitura”. O diário reflexivo da professora/par-ticipante era registrado por ela, em um caderno salientando sua prática pedagógica de leitura, e descrevendo também suas reflexões sobre a mesma. O delineamento envolveu uma etapa pre-liminar para a condução dos procedimentos éticos.

A pesquisa constituiu-se em duas etapas pre-viamente elaboradas. Na primeira, a professora/especialista entrou em contato com a professora/participante explicitando o teor da proposta do trabalho, o qual foi aceito sem obstáculos e com muito entusiasmo pela mesma. Também nesta etapa elaborou-se um roteiro para pontuar e auxiliar nas observações em sala, corroborando, assim, para efetuação dos registros. Na segunda etapa, iniciaram-se os encontros e o ensino cola-borativo propriamente dito, onde o planejamento

e as orientações deram-se em forma de diálogos, pré-leituras seguidas de discussões sobre temas escolhidos. Para a efetuação deste, os encontros foram realizados extra-aula, uma vez por sema-na. A prática construída em questão foi realizada em dezoito aulas, as quais duraram, em média, uma hora e meia (sempre antes do intervalo). Os livros utilizados foram da coleção “Estrelinha” da autora Sônia Junqueira - editora Ática. Ressalta-se que a coleção é formada por uma série de dezoito livrinhos, os quais são divididos em três séries com níveis de dificuldades progressivas de texto e ortografia, e suas histórias são estru-turadas com começo, meio e fim.

Salienta-se que a prática de leitura descrita neste texto como trabalho colaborativo surgiu das reflexões, dos diálogos e do planejamento das professoras envolvidas.

A fim de esclarecer o entendimento da cons-trução do trabalho colaborativo, a seguir será exposto de forma sucinta o procedimento ado-tado em relação ao desenvolvimento da prática da leitura, chamada de “roda de leitura”.

Inicialmente, a professora organizava a tur-ma em uma roda e fazia a leitura em voz alta de diferentes tipos de textos (poemas, notícias, re-ceitas, cartas) e, por final, do livro. A professora familiarizava os alunos com vários tipos de tex-tos. O livro de história infantil, no entanto, tinha lugar de destaque na roda de leitura proposta. Dessa forma, ao propor a formação da roda, a professora sinalizava à turma, que a atividade tinha uma dinâmica diferente, que pressupunha interação e diálogo. Antes de iniciar a leitura do livro a professora sempre mostrava a ilustração da capa e perguntava quem sabia dizer qual era a temática. Alguns se arriscavam baseados na ilustração. Depois que todos já sabiam o nome da obra, ela pedia que todos falassem de que imaginavam tratar o enredo. A professora en-fatizava a entonação – principalmente na fala dos personagens – para criar dramaticidade e dar ritmo à leitura. A cada trecho importante, ela mostrava a ilustração da página para toda a roda, onde a trama ganhava comentários dos alunos. Mesmo quando havia palavras difíceis,

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a professora não simplificava, pois é dessa ma-neira que o vocabulário das crianças se amplia.

A atividade terminava com a abertura de espaço para que todos os alunos se manifes-tassem sobre o que tinha sido lido, como, por exemplo, quais eram os trechos preferidos, que parte(s) cada um achou mais engraçada. Enfim, a professora fazia um levantamento de possíveis dúvidas sobre o texto e sugeria uma (re)apre-sentação de cada um para os colegas. Assim, apareciam diferentes impressões sobre a trama.

Processamento e Análise dos dadosO diário de campo da professora/especialista

descrevia as atitudes, dúvidas e dificuldades na construção, em parceria com a professora/participante, do processo formativo e, particular-mente, do processo interativo (prática da leitura). Registraram-se neste diário as impressões da mesma sobre o modelo colaborativo e o papel de colaboração e parceria, bem como os limites e possibilidades de sua ação mediadora no pro-cesso de aprendizagem de todos os alunos. Os registros que foram desenvolvidos no diário de campo mesclaram informações descritivas com reflexões pessoais. Durante as observações, a professora/especialista fazia anotações rápidas num bloco de notas, a fim de não perder os as-pectos mais importantes dos encontros. Depois que saía do campo, a mesma elaborava registros ampliados, procurando reproduzir em detalhes o que havia observado. Foram realizadas leituras pormenorizadas dos registros – diários de campo. Em seguida, os conteúdos dos diários foram des-membrados em unidades de conteúdo, ou seja, passagens dotadas de informações completas a respeito de episódios vivenciados na sala de aula.

No diário reflexivo da professora/participan-te, foi descrita a trajetória das aulas, envolvendo a prática escolhida, nele também a professo-ra apresentou uma interpretação pessoal do elemento trabalhado, ou seja, enriqueceu a descrição com comentários que expressavam sua maneira de compreender o elemento em questão, a prática de leitura.

Assim, os diários reflexivos produzidos pela professora/especialista foram também anali-sados em categorias de conteúdo, sendo neles registradas observações da sua prática docente e da prática de leitura em questão.

Para ambos os instrumentos foram realiza-das a classificação das unidades delimitadas e identificadas, assim, duas categorias para cada manuscrito.

Diários de campo: • relatossobreoqueoprofessorfezou

disse; • informações de qualquer natureza

sobre a aluna-alvo. Diários reflexivos:

• descrições sobre o desempenho dosalunos nas atividades de leitura;

• sobresi–havendoreferênciasaprópriaprática, impressões, sentimentos e ex-pectativas sobre o ensino colaborativo.

RESULTADOS No primeiro momento de interação entre

a professora/especialista e professora/partici-pante, foi aportado o conhecimento científico acerca da leitura e suas práticas diferenciadas, buscando compreender o processo de sua aqui-sição, estudando e discutindo também as suas diferentes concepções e caracterizações. Isso deu margem para o desenvolvimento de pos-síveis estratégias práticas de intervenção com os alunos. As reflexões realizadas durante os planejamentos estavam sempre sustentadas na experiência da prática cotidiana e no referencial teórico utilizado pela professora regular:

“O primeiro encontro de ensino colabo-rativo me permitiu refletir sobre o meu compromisso com segurança e tranqui-lidade no processo de ensino. Assim, as minhas observações diante das ativida-des dos alunos foram intensificadas e detectei que o alfabeto foi reconhecido pela aluna-alvo.”

Então, em um segundo momento, buscou-se aprofundar a análise do material estudado. Foi a

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partir dessa etapa que a professora mostrou-se completamente imersa na proposta de ensino. Ela destacou que, durante o processo, a maior transformação em sua prática havia sido a construção do diário reflexivo, pois quando uma pessoa relata os fatos vividos por ela mesma, percebe-se que reconstrói a trajetória percorrida dando-lhe novos significados:

“O trabalho enfatizou a oralidade, es-timulando a reflexão dos alunos, a difi-culdade de Beatriz (nome fictício) está evidente, o que exige meu auxílio, bem como dos colegas de sala.”“A reflexão girou em torno da neces-sidade de realizar atividades claras e concretas relacionadas ao cotidiano de Beatriz, por isso a cada dia a minha responsabilidade está em fiscalizar o alcance de cada um para atingir suas habilidades e potenciais. Observa-se que o avanço é gradativo.”

Assim, a reflexão perante a própria prática provoca mudanças na forma como as pessoas compreendem a si mesmas e aos outros12. O estabelecimento de uma relação amigável tam-bém contribuiu para o processo colaborativo.

O trabalho em colaboração proporcionou à professora um olhar mais crítico em relação a sua prática e possibilitou o aprofundamento sobre a prática desenvolvida. Como demonstra o relato no diário de campo da pesquisadora:

“Relatou os acontecimentos e reflexões particulares no diário reflexivo com maior frequência.” “A professora estava mais flexível às sugestões e criou estratégias voltadas à leitura e escrita, além do que foi sugerido nas reuniões semanais.”“Dialogou com maior segurança, relatou suas atitudes em sala e refletiu sobre suas atitudes.”

A atuação da pesquisadora nesse processo se revelou, algumas vezes, difícil, porém lhe permitiu olhar para a realidade profissional com maior segurança e autonomia.

No entanto, o modelo colaborativo realizado neste trabalho não se trata apenas de um conhe-cimento implícito na atividade prática. Trata-se de um diálogo entre a prática vivida e as cons-truções teóricas formuladas em parceria reflexiva por ambas – professora regular e professora de educação especial. Essa ação mostrou o impacto positivo do ensino colaborativo quando trabalha-do de forma efetiva e comprometido.

A estratégia escolhida para a intervenção da professora – roda da leitura – mostrou-se positiva tanto para o aluno com necessidade especial, bem como para todos os demais, ou seja, toda a classe foi beneficiada.

Foi possível pontuar uma avaliação e caráter prático sobre o ensino colaborativo do ponto de vista dos envolvidos, pois além desse trabalho possibilitar a reflexão da prática pedagógica, pela professora/participante, torna-se importan-te considerar a implementação de estratégias colaborativas em futuras pesquisas, as quais po-derão, por sua vez, subsidiar Políticas Públicas.

A partir das práticas de leitura pôde-se ob-servar a satisfação dos alunos em construir nar-rativas, e em perceber suas reais capacidades, bem como a contribuição efetiva para sociali-zação da ideias emergidas durante as leituras, como demonstrado na reflexão da professora em seu diário:

“Considerei a atividade produtiva, pois ao longo do processo os alunos falaram de forma espontânea sobre o tema para o grupo.”

Esse processo (experiência) mostrou que, com a motivação dos alunos e comprometimento da professora e da escola, muitos problemas podem ser amenizados, ou mesmo sanados.

DISCUSSÃOÉ amplamente sabido que as aprendizagens

da leitura e da escrita são eventos importantes na vida de uma criança. Contudo, há dados ne-gativos em relação ao seu desenvolvimento. Da-dos do 5º Indicador de analfabetismo funcional (Inaf), realizado pelo Instituto Paulo Monteiro,

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em 2005, demonstraram que 74% dos brasilei-ros adultos não conseguem ler textos longos, relacionar informações e comparar diferentes materiais escritos15.

Atividades realizadas por meio da leitura tornam-se um rico meio de promover o aper-feiçoamento da mesma, bem como fortalecer a socialização, ainda mais se essas práticas forem construídas por meio de colaboração entre pro-fessor e professor de educação especial.

Essa afirmação corrobora os achados da lite-ratura, como é o exemplo da pesquisa13, na qual foi observado que todos os seis alunos benefi-ciados nas atividades desenvolvidas durante o ensino colaborativo tiveram evolução no desem-penho tanto acadêmico como de socialização.

No entanto, também é preciso ressaltar que nem todos os trabalhos envolvendo colabora-ção (modelo aqui já descrito) são passíveis de sucesso, muitos ainda encontram dificuldades, foi o caso encontrado no estudo12 onde a inter-venção esteve restrita ao planejamento. Essa dificuldade pode dar-se pelo fato de que o ensino colaborativo é um processo e, portanto, depende muito da relação entre os envolvidos, o que demanda verdadeiramente um relacio-namento colaborativo4.

Por outro lado, o ensino colaborativo entre a professora/participante e a professora/espe-cialista, descrito neste relato de experiência, vem ao encontro dos elementos pontuados nos Indicadores de Qualidade na Educação proposto pelo Ministério da Educação e nas pesquisas realizadas na área de Educação e Educação Especial.

Os resultados indicaram que a mediação exercida pela professora/especialista no pro-cesso colaborativo, na prática explicitada nesse texto, é fundamental para auxiliar nas reflexões das práticas pedagógicas de professores. Nesse processo de colaboração e construção, a profes-sora/especialista criou novas condições para que o professor/participante realizasse as suas atividades de forma mais lúdica.

Diante disso, há a necessidade de produzir

mais pesquisas sobre as possibilidades de cola-boração entre educação regular e especial nas escolas, bem como trabalhar a importância da formação de professores para atuarem no ensino colaborativo.

CONSIDERAÇÕES FINAISO desenvolvimento do professor com pla-

nejamento, (re)planejamento aplicando e ava-liando estratégias, parece auxiliá-lo a pensar na possibilidade de utilização de um espaço realmente colaborativo e reflexivo, criando assim um lugar diferenciado dentro da escola8.

A apresentação do presente relato envolven-do o ensino colaborativo indicou que a estraté-gia desenvolvida conjuntamente tem potencial para melhorar a qualidade do ensino regular.

Assim, a proposta baseada no ensino cola-borativo parece também ter promovido o de-senvolvimento de habilidades na professora, pois, de forma geral, por meio das análises dos diários de campo e diários reflexivos, notou-se que o ensino colaborativo pode gerar efeitos convenientes, principalmente com relação às práticas do educador de sala regular que contém alunos com necessidades especiais.

Quanto às perspectivas de atuação em sala de aula, os resultados apontaram que é preciso difundir nos contextos escolares a real contri-buição do ensino colaborativo, garantindo que os momentos vivenciados entre a professora/participante do ensino comum auxiliada pela professora/especialista possam ser refletidos em práticas futuras.

Portanto, a contribuição do ensino colabora-tivo caminha rumo ao pensamento pedagógico da inclusão escolar, pois permeia questões do cotidiano, do desempenho do professor regu-lar e resgata atitudes que permitem a parce-ria e a colaboração conjunta. Dessa forma, a proposta de tal ensino é um caminho viável e gratificante, tornando todos os envolvidos construtores do seu próprio processo de ensino e aprendizagem.

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SUMMARYPartnership in the school environment: a collaborative teaching expe-

rience for inclusive education

Objective: The aim of this work was to evaluate the effects of reading practice relative in collaborative teaching in the students in a regular classroom. Methods: Twenty-two students from the 4th grade of regular school participated in this study, one of which was a student with special educational needs. Through observational-descriptive approach, the results of this study were collected during classroom process. Results: It was found that the strategy chosen by the teacher for the intervention – the reading wheel – was positive for both the student with special needs and the others.

KEY WORDS: Teaching. Inclusion in school. Disabled persons.

Trabalho realizado no Programa de Pós-Graduação

em Educação Especial da Universidade Federal de

São Carlos (USFCar), São Carlos, SP, Brasil.

Artigo recebido: 30/6/2010Aprovado: 3/9/2010

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BarBosa ET & souza VLT

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ARTIGO DE PESQUISA

RESUMO – Objetivos: Analisar a percepção e as vivências de professores sobre seu papel na inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais. Outro aspecto que se pretendeu investigar diz respeito aos sentimentos vividos por professores e alunos com necessidades educacionais especiais que, muitas vezes, resultam em insucesso: identidades em crise; sofrimento gerado pela vergonha e/ou culpa, pelo sentimento de incompetência; etc. Para isso, recorremos à Psicologia Histórico-Cultural, utilizando os pressupostos de seu principal representante, Vygotsky, além de autores como Rey, Souza, entre outros, que partem dessa mesma base. Método: Nossa investigação tem se dado com professores de uma escola pública do município de Campinas-SP, em que foram realizadas entrevistas semi-estruturadas e observações em vários espaços da escola. Resultados e Conclusão: Os resultados indicaram que os professores possuem percepções que se contrapõem aos pressupostos da educação inclusiva, como uma visão do aluno com necessidades especiais como incapaz, que necessita de tratamento médico por meio de remédios, colocando no aluno a origem e a solução dos problemas que vivem em sala de aula. Além disso, percebemos que os professores também são afetados com essa questão, pois o fato de não saberem como trabalhar com o aluno provoca mal-estares que os levam a buscar fora de sua sala de aula e de sua prática docente as causas para o insucesso que vivenciam.

UNITERMOS: Educação especial. Educação. Psicologia educacional. Inclusão escolar.

a ViVência dE profEssorEs soBrE o procEsso dE incLusão: um EsTudo da pErspEcTiVa da

psicoLogia HisTórico-cuLTuraL

Eveline Tonelotto Barbosa – Graduanda em Psicologia

pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas.

Pesquisa realizada com bolsa de Iniciação Científica

pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de

São Paulo – FAPESP.

Vera Lucia Trevisan de Souza – Professora do

Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em

Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de

Campinas – PUC-Campinas.

Correspondência

Vera Lucia Trevisan de Souza

Pontifícia Universidade Católica de Campinas –

PUCCAMP

Av. John Boyd Dunlop, s/n° – Jd. Ipaussurama –

Campinas, SP, Brasil – CEP: 13060-904

E-mail: [email protected]

Eveline Tonelotto Barbosa; Vera Lucia Trevisan de Souza

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INTRODUÇÃOO presente artigo tem como objetivo apre-

sentar os resultados de uma pesquisa em que se discutiu e analisou as percepções e as vivências dos professores sobre o processo de inclusão e suas implicações para o desenvolvimento do professor e dos alunos envolvidos com a inclu-são de pessoas com necessidades educacionais especiais em classes regulares. Para alcançar esses objetivos, adotou-se a perspectiva teórico-metodológica da Psicologia Histórico-Cultural, que toma como objeto de estudo o sujeito histó-rico, que se constitui na relação com a cultura.

Reconhecemos que, para a inclusão se concretizar, é necessária uma mobilização em vários âmbitos, como o político, o social e o institucional, no entanto, como nossa proposta era discutir o papel do professor nesse processo, priorizamos a análise da importância de seu pa-pel nesse contexto, ressaltando, contudo, que a questão da inclusão não pode ser tomada como responsabilidade unicamente do professor.

Para Camisão2, o empenho do professor na busca por resolver os problemas que se colocam em sua prática interfere, de forma decisiva, no desenvolvimento do aluno com necessidades especiais. Desta forma, o sucesso ou não da inclusão depende, em grande medida, das ati-tudes e crenças do professor.

As crenças exprimem percepções e pensa-mentos que funcionam como filtros na inter-pretação da realidade, podendo influenciar o comportamento do professor em relação a esse aluno2. Assim, as crenças que o professor tem sobre os alunos com necessidades especiais influenciam o seu modo de ensiná-los.

Essas crenças são resultantes das representa-ções que foram construídas ao longo da história sobre a criança com necessidades especiais que, muitas vezes, têm em sua base rótulos e estig-mas. Assim, ao entrar na escola tanto esse sujeito como os professores terão que se defrontar com essas representações e enfrentar o desafio de superá-las. Em razão disto, as representações que o professor tem acerca deste aluno definirá a forma de relação entre eles e, em consequência, as possibilidades de desenvolvimento do aluno.

Rey11 entende representação social como o conhecimento mobilizado pelas pessoas

“comuns”, na comunicação da vida cotidiana, sobre o conhecimento de questões do universo reificado, ou seja, sobre saúde e doença, de-sigualdade social, educação, entre outros. As representações sociais são verdadeiras teorias do senso comum, que se objetivam como sentido para as pessoas na medida em que geram um contexto de inteligibilidade.

Essa inteligibilidade reflete o conhecimento como “verdades” absolutas e são responsáveis pela organização do tecido social de um deter-minado contexto histórico. As representações sociais são um tipo de conhecimento, mas não conhecimento cognitivo e sim social11.

Nesse sentido, as representações dos pro-fessores sobre seus alunos com necessidades especiais são baseadas no senso comum e também na imagem passada pelos professores anteriores, interferindo na concepção inicial do professor. Essas crenças e representações são devidas à desinformação a respeito do tema, bem como das “deficiências”5.

Para ir um pouco além, podemos recorrer à teoria da identidade de Ciampa3, que diz que, antes mesmo de nascer, o indivíduo já está inse-rido em um mundo, em um grupo social, que lhe atribui uma série de expectativas, determinações e representações prévias, ou seja, o indivíduo já tem uma identidade pressuposta. Quando essas expectativas são mantidas pelo grupo, há uma reposição de algo que já está dado. Para o indivíduo, superar a identidade pressuposta não é algo fácil. A superação implica o rompimento com aquilo que se configura como hábito padro-nizado, sobretudo as representações.

Nesse sentido, há que se pensar que os alunos com necessidades educacionais especiais têm uma identidade pressuposta, a qual é carregada de preconceitos e limitações, e o aluno precisa “nadar contra a corrente” para superar essa identidade que foi objetivada pela sociedade.

Além das marcas que a “exclusão” causa no aluno, há que se pensar nos sentimentos vividos pelos professores que estão envolvidos em pro-cessos de inclusão, resultantes do insucesso, como sofrimento gerado pela vergonha e/ou culpa pelo sentimento de incompetência, por exemplo.

Segundo Souza13, o professor tem consigo a conscientização de que ensinar faz parte do seu

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papel de educador. Não obstante, há também o juízo alheio que o cobra pelo seu papel, ou seja, a sociedade pressiona o professor para que cum-pra seu papel de educador. Essa pressão ocorre porque os professores estão inseridos em um con-texto social, tendo uma identidade pressuposta que conforma as expectativas, as determinações e as representações prévias de seu papel.

A partir disso, o professor constrói sua identi-dade profissional constituída pela representação que tem de si e do que os demais atores sociais atribuem a ele, no que se refere ao seu trabalho, ou seja, é a constante reposição que o professor faz da identidade de educador pressuposta.

Segundo Luna e Baptista8, em cada momento manisfesta-se apenas uma parte da totalidade do indivíduo. Entretanto, como o indivíduo é uma totalidade, cada identidade se reflete em outra identidade, que o indivíduo também pos-sui. Nesse sentido, quando a identidade profis-sional está em crise, a totalidade também sofre.

A partir dessas considerações, pode-se pen-sar que o professor também precisa ser olhado como sujeito que necessita de subsídios, de con-dições especiais, para desenvolver o trabalho de inclusão. Nesse sentido, compreender sua vivência sobre a inclusão permite identificar suas necessidades e investir em sua formação.

Logo, o entendimento da percepção e da vivência dos professores sobre os alunos com necessidades educacionais especiais, a análise dos preconceitos existentes e a conscientização dos professores sobre seu papel na inclusão são fatores importantes e determinantes para o processo de desenvolvimento educacional pleno desses alunos.

MÉTODOA presente pesquisa foi realizada em uma

escola municipal no interior do estado de São Paulo e participaram do presente estudo qua-tro professoras, sendo duas de sala regular que possuem alunos em processo de inclusão, e duas professoras da Educação Especial. Como forma para coletar os dados utilizou-se de observações na sala de aula das professoras e também em outros espaços da escola, como refeitório, pátio, etc. Além das observações, também se realizaram entrevistas semi-estruturas com as quatro pro-

fessoras, para um maior aprofundamento sobre suas percepções e vivências. As entrevistas foram gravadas e transcritas logo em seguida e as ob-servações foram registradas em diário de campo.

RESULTADOS

O papel do professor na inclusão: formaçãopreparoApesar de o presente estudo ter como objeti-

vo o conhecimento e a discussão da percepção e da vivência dos professores sobre seu papel na inclusão, é de extrema importância considerar o processo de formação desses professores, pois, segundo alguns estudos2,5,6, as crenças e representações que os professores possuem sobre o aluno com necessidades especiais estão, muitas vezes, vinculadas ao conhecimento que possuem acerca da temática, adquiridos por ocasião de sua formação.

Esse aspecto apareceu nas falas das profes-soras entrevistadas (nomes apresentados são fictícios), que relatam a “falta de formação para trabalhar com a inclusão escolar”:

É interessante essa posição do professor de chegar e ter um aluno com necessidade especial. Ele olha para o aluno e pensa: o que vou fazer? Porque nós não temos nenhuma formação, nem nós que somos mais antigas, nem os novos. Então não sabemos como essa inclusão vai aconte-cer. Então, entregam para você o diário de classe e você vai para a classe e se vira (Maria). Eu me sinto assim, meio que sem condi-ções, não tenho preparação para traba-lhar com a inclusão (Ilana).

Conforme se pode observar, as duas pro-fessoras entrevistadas, que atuam em classes regulares em que se encontram alunos com ne-cessidades especiais, expressam a percepção de que para trabalhar com a inclusão é necessária uma formação específica e que, sem a qual, o professor passa a ser uma vítima no processo, tão excluído quanto o aluno, visto não acreditar que tenha condições de levar adiante sua tarefa.

Contudo, as professoras de Educação Especial, cuja função é atender esses alunos ditos incluídos em alguns horários ao longo da rotina escolar,

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individualmente e pontualmente, se contrapõem à posição de vítima das professoras Maria e Ilana, por entenderem que elas não se interessam ou não se comprometem com o processo de inclusão, deixando essa tarefa para os especialistas:

Então eu acho que o professor tem que estudar mais, é uma classe que, além de desunida, não vai estudar, só vai quando vai perder alguma coisa. Além de que, eu não acredito nesse governo paterna-lista que dá tudo para o professor, que é obrigado a te dar um curso de formação para o trabalho e em horário de trabalho, porque se você oferecer fora do horário de trabalho, a pessoa não vai! (Luciana).Colocam um outro profissional especiali-zado para tentar suprir essa defasagem do professor, porque se todos professores recebessem capacitação em Educação Especial não precisaria da gente aqui (das professoras da Educação Especial). Então eles não te dão o curso, mas co-locam profissionais na escola. Eu não aceito essa fala do professor, de que não é capacitado para atender o aluno, não aceito. E ainda quando a gente quer dar uma ajuda, eles não aceitam (Luciana).

Letícia, a outra professora de classe especial, relatou em vários encontros que tem muita di-ficuldade em propor alguma atividade para as professoras que têm alunos de inclusão, pois muitas vezes elas não aceitam. Relatou, tam-bém, que muitos dos professores preferem que ela tire o aluno da sala, do que trabalhar eles próprios com o aluno, a partir das orientações que Letícia pode oferecer (observações regis-tradas em Diário de Campo).

Nas falas e relato acima, evidenciam-se as contradições que costumam envolver os pro-cessos de inclusão nas escolas: as professoras das salas regulares dizem não ter preparo e nem condições adequadas para trabalhar com os alunos especiais, enquanto as professoras da Educação Especial entendem que, na verdade, o que falta às professoras de classes regulares é interesse e compromisso com o processo. Diante disso, podemos perguntar o que significam es-sas contradições? Será de fato falta de interesse?

Como apontam vários estudos4,15,12, parece

que a formação de professores, oferecida em cursos de graduação ou formação continuada necessita ser melhorada no que concerne aos seus conteúdos e métodos, principalmente em relação ao atendimento à diversidade. Também não se pode negar a falta de condições adequa-das para o exercício do trabalho dos docentes, resultado, muitas vezes, da queda do investi-mento público e da deterioração das condições de trabalho desses profissionais, conforme apontado por alguns professores.

Diante dessas questões, Freitas4 aponta a im-portância de melhor formação dos professores, relatando a necessidade de políticas públicas que valorizem o trabalho docente, por meio de formação continuada e melhores condições de trabalho, salário e plano de carreira.

Contudo, no caso de nossa pesquisa, ainda que considerando esses aspectos relativos à pro-fissão como essenciais à promoção de uma ação pedagógica de qualidade, nos perguntamos, muitas vezes, sobre o real interesse das profes-soras em promover a mudança de suas práticas.

Freitas4 relata que uma materialização de polí-ticas públicas que ofereça melhores condições de trabalho aos professores não é tarefa fácil e que necessita, principalmente, da participação dos próprios professores. Portanto, é necessário um maior envolvimento dos docentes na construção de políticas públicas, pois são eles que enfrentam as barreiras e dificuldades do dia-a-dia da sala de aula. Apesar dessa importante consideração, parece que os professores não estão muito en-volvidos com essas questões, conforme observa a pesquisadora em seu relato no diário de campo:

Professora Maria relata que Márcio dá muito trabalho, pois não quer ficar dentro da sala de aula, além de falar muito alto e querer tirar a roupa dentro da sala, e isso está atrapalhando o desempenho dos outros alunos. Maria, no decorrer da aula, me perguntou se existia alguma lei que regulamentava a frequência de Márcio na sala de aula, e que também deveria ter alguma lei para defender os outros alunos, pois estavam sendo prejudicados pelo contato com Márcio (Observações registradas em Diário de Campo – 30/7/2009).

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A fala da professora apresenta aspectos rele-vantes, no que concerne à sua percepção sobre inclusão: um deles é o fato de não conhecer as políticas públicas de inclusão. Nesse sentido, fazemos o seguinte questionamento: Como uma professora poderá participar do processo de construção de políticas públicas, a fim de melhorar suas condições de trabalho, se ela mesma não tem conhecimento dessas políticas?

Não queremos com isso dizer que todas as professoras não têm esse conhecimento, mas essa ocasião chamou-nos muito a atenção, por-que essa professora é tida como referência em processo de inclusão na escola, pelos inúmeros alunos que já atendeu, mesmo não tendo ne-nhuma especialização.

Além disso, essa fala revela uma outra per-cepção de aluno com necessidades especiais: de que sua presença prejudica o desempenho dos outros alunos.

Diante da complexidade revelada no proces-so de inclusão, fica clara a urgência de medidas a serem tomadas, sobretudo no que se refere ao professor. Apesar da grande quantidade de pesquisas que têm como foco o professor, e dos inúmeros cursos de capacitação ofereci-dos pelas redes de ensino, parece que pouco tem se revertido em mudanças efetivas das práticas educativas. Há necessidade, portanto, de estudos mais aprofundados que desvelem os aspectos que sustentam representações e percepções que interferem negativamente nas práticas de inclusão.

As vivências e as percepções de inclusão ede aluno com necessidades especiaisApós uma breve contextualização sobre

a formação e preparo dos professores para a inclusão escolar, segundo suas vivências e percepções, cabe questionar em que medida as representações sobre a formação e as con-dições materiais de sua realização influenciam sua vivência e percepção sobre os alunos com necessidades educacionais especiais.

Antes de responder a esses questionamen-tos, é importante uma discussão prévia sobre os resultados. A primeira ideia trazida pelas professoras foi de que o processo de inclusão é válido por questões políticas e sociais.

Então... eu acho que o processo de inclu-são é válido [...], mas é claro que tudo é em cima de interesses. O Brasil não en-trou nesse processo de inclusão porque ele percebeu que o deficiente precisava sair da estagnação, da segregação que ele estava, mas ele entrou porque o go-verno recebe verba do exterior. Então a inclusão favorece o país (Luciana).É aí que entra no legal da inclusão […] porque, pelos professores, eles estariam na sala com os alunos ditos “normais” e os “anormais” estariam em instituições, trancados, e ninguém queria saber o que estava acontecendo lá... ainda bem que os mandaram para as escolas, para o pes-soal bater com essa realidade (Letícia).Olha, eu acho que a inclusão é válida. Não exatamente para a criança, ela é válida para os outros aprenderem a con-viver com aquela criança e acabar com o preconceito, as diferenças [...] Então eu acho mais importante para isso, para eles serem respeitados nessa parte, ago-ra, quanto à aprendizagem, na escola normal não vai... é muito difícil! (Ilana).

Observa-se como as professoras de Educação Especial, Luciana e Letícia, assumem uma postu-ra mais crítica em relação à inclusão: uma ques-tiona os reais motivos das políticas públicas em promovê-la, enquanto a outra critica a postura dos professores e aprova as políticas na medida em que “obrigam” a escola a se envolver com a questão da Educação Especial. De outro lado, a professora Ilana, de classe regular, entende que a inclusão é válida por promover a socialização não só do aluno, mas dos demais atores da escola e revela que a inclusão não inclui, pois entende que a aprendizagem do aluno não ocorre e não tem como ocorrer. Esse fato conduz a outro ques-tionamento: será possível incluir apenas promo-vendo a socialização do aluno? Acreditamos que não, pois incluir equivale a propiciar ao sujeito incluído o acesso a todos os bens de cultura ofe-recidos aos demais alunos. Logo, se é possível às demais crianças aprenderem, para que a inclusão se efetive, o aluno com necessidades especiais também deve acessar esses conhecimentos, apropriando-se deles e cabe à escola encontrar formas de promover essa apropriação.

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Esses resultados corroboram as ideias de Go-mes e Rey6 sobre o processo de inclusão, quando dizem que os professores limitam a questão da inclusão escolar de alunos com necessidades edu-cacionais especiais apenas a uma possibilidade de socialização e a interesses alheios, que frisam a delimitação, massificação e padronização do desenvolvimento humano. Portanto, com base nas falas das professoras, fica evidente a tendência de se considerar a inclusão escolar como uma possibilidade de socialização e que tem em sua base alguns interesses políticos, apresentando-se, portanto, muito mais relacionada ao objetivo de aproximação e convivência de tais alunos com o restante da sala e com o professor do que um real desenvolvimento cognitivo e social do sujeito.

É claro que essa possibilidade de interação social dos alunos com necessidades educacionais especiais visando ao seu bem-estar social e dos demais atores da escola é um fator importante, mas não pode se limitar a isso, sem investir no desenvolvimento cognitivo/social, como se estes se estruturassem como processos dicotômicos6.

Podemos observar essa questão da dicotomia entre cognitivo/social claramente nas seguintes falas das professoras: Ele é uma criança de difícil adaptação, tanto social como pedagógica (Maria); Então eu acho que a inclusão é válida sim, mas para a parte do social, do cognitivo não (Ilana).

Vygostsky14 também nos ajuda a compreen-der essa questão, quando traz a ideia de que o aluno com necessidades educacionais especiais é beneficiado sim com o processo de inclusão em seu aspecto cognitivo e social, pois ele não é menos desenvolvido do que aqueles que não possuem necessidades educacionais especiais, mas um sujeito que se desenvolve de outro modo. Portanto, o autor considera o aspecto in-dividual do desenvolvimento do sujeito, em que cada um, dependendo de sua condição física, psicológica e social, desenvolve-se de forma singular, própria, mas sempre se desenvolve.

Assim, os alunos com necessidades educa-cionais especiais atingem o desenvolvimento da mesma forma que os demais alunos; contudo, de um modo diferente, por outra via, com outros meios que ele denomina de compensação e cabe à escola acessar esses meios e modos singulares para poder promovê-lo.

Vygostsky14 discute a ideia de que a inclu-são do aluno com necessidades especiais é importante, mas que é preciso que o professor tenha conhecimento sobre as especificidades do desenvolvimento desses alunos, para que estes possam se beneficiar do processo de inclusão, atingindo níveis mais elevados de desenvolvi-mento. O problema que vemos nesta ideia do autor é a forma como ela aparece na escola: os professores querem conhecer o diagnóstico do aluno, ou seja, sua deficiência e não seu poten-cial de desenvolvimento.

Além dessa visão limitada e dicotômica do processo de inclusão, aparece uma concepção de inclusão como “impossível”, sustentada somente nas “faltas” dos alunos, no que os professores chamam de “problemas”, cuja ação possível é a medicalização, logo, não depende da escola:

Ele não sabe ler, não sabe escrever, ele não quer aprender, os outros fazem para ele, ele não tem interesse, ele é muito agressivo, muito provocativo e, além de tudo, é uma criança chata […]. Quando a criança não aprende, alguma coisa tem [...] e é complicado você chegar no pai e falar que seu filho tem problema, é complicado. E hoje em dia parece que têm muitas crianças assim, porque, às vezes, é alguma coisa biológica, que precisa de algum remédio. O médico disse que ele tem déficit de atenção, deu hiperatividade, deu um negócio assim, aí passou remédio, Ritalina, e a mãe não deu, porque ela falou que ela deu, só que deu 3 dias e ele virou um bicho [...] então se ele teve uma reação assim tão grande, é porque ele tem alguma coisa (Ilana).

Fica evidente que a professora se exime de sua responsabilidade de educadora, colocando a culpa da não aprendizagem apenas no aluno. É como se a escola se resumisse a ela e ao aluno e, se ela não dá conta, o problema está no aluno. Em nenhum momento menciona o orientador, as professoras de Educação Especial, o diretor, os órgãos de saúde que têm parceria com a escola ou mesmo a família como parceira no encaminha-mento das dificuldades que observa e vive com o aluno. Esse fato nos chamou muito a atenção: parece que o professor tem tomado para si a tarefa de promover a inclusão de forma solitária, o que

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se revela um paradoxo, pois de outro lado, ele se queixa de falta de condições, mas não as deman-dam, as cobram dos demais atores, tomando-as como justificativa para eximir-se de sua parcela de responsabilidade. A questão que fica é a mais relevante de todas: como fica esse aluno? Quais sentidos de escola, educação, ensino e aprendiza-gem ele configura nessa relação em que é taxado com tantos adjetivos depreciativos? O que fazer para evitar que, em nome da inclusão, se pratique uma exclusão perversa?

Se de um lado se observa a exacerbação das diferenças nas concepções sobre o aluno de in-clusão, de outro há concepções de que o aluno com necessidades especiais é igual aos demais, ignorando-se suas singularidades:

Então a gente trata como uma criança nor-mal, uma criança que tem dificuldade de aprendizagem, mas a gente sabe que não é bem por aí (Ilana).Hoje são normais, para mim são nor-mais... (Maria).A inclusão é difícil em uma escola comum, porque aqui ele não é diferente, ele não pode ficar no refeitório o tempo dele, porque os outros não têm o tempo dele... é porque as crianças têm 15 minutos para comer e 15 para brincar (Letícia).

Além de ficar evidente a concepção de in-clusão como “tratar os alunos de modo igual, ignorando suas especificidades”, também é possível observar que as professoras não co-nhecem as políticas que orientam as práticas inclusivas. Segundo a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva1, a proposta de inclusão tem como ob-jetivo: “Assegurar a inclusão escolar de alunos com deficiência, transtornos globais do desen-volvimento e altas habilidades/superdotação, orientando os sistemas de ensino para garantir: acesso ao ensino regular, com participação, aprendizagem e continuidade nos níveis mais elevados do ensino; transversalidade da moda-lidade de Educação Especial desde a educação infantil até a educação superior; oferta do aten-dimento educacional especializado; formação de professores para o atendimento educacional especializado e demais profissionais da educa-ção para a inclusão; participação da família e da

comunidade; acessibilidade arquitetônica, nos transportes, nos mobiliários, nas comunicações e informação; e articulação intersetorial na im-plementação das políticas públicas (grifo nosso).

Observa-se que o documento aponta a neces-sidade de considerar a especificidade e a necessi-dade de cada aluno, e não colocar todos os alunos como iguais, como foi apontado pelas professoras.

Diante dessa discussão, pode-se pensar que essas percepções dos professores sobre alunos com necessidades educacionais especiais se sustentam em fortes representações sociais, que têm em sua base, sobretudo, o preconceito decorrente do desconhecimento sobre os alunos e o próprio processo de inclusão. Ou, ainda, que mesmo tendo conhecimentos efetivos sobre as deficiências e os processos de inclusão, as re-presentações são tão fortes que se sobrepõem aos conhecimentos científicos.

As vivências e as implicações dessas percep-ções nos próprios professores e nos alunosAs análises apresentadas até aqui suscitam a

seguinte questão: qual é o impacto das percepções dos professores no desenvolvimento dos sujeitos envolvidos no processo de inclusão (alunos)? Ainda, como o professor vivencia esse processo?

Como já dissemos, Ciampa3 aponta que, antes mesmo de nascer, o indivíduo já é tribu-tário de uma identidade pressuposta. Se essa identidade é reposta pela manutenção das expectativas em relação ao indivíduo, torna-se muito difícil superá-la, o que só seria possível com o rompimento do hábito padronizado.

Conforme discutido no tópico anterior, os alunos com necessidades educacionais espe-ciais têm uma identidade pressuposta, atribuída pela sociedade e pelos professores, a qual é carregada de preconceitos e limitações, decor-rentes, muitas vezes, da falta de conhecimento sobre o tema, inserindo grande dificuldade para o aluno se constituir como capaz de aprender e conviver na escola.

Assim, pode-se questionar de que maneira o aluno com necessidades educacionais especiais se percebe e se constrói nessas relações com todos os outros de seu entorno, o que confere à questão da concepção ou percepção grande relevância no processo de inclusão.

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Segundo Papalia10, essas percepções depre-ciativas, que o professor tem do aluno, podem provocar grandes marcas em sua autoestima. Ou seja, esse julgamento depreciativo pode promo-ver no aluno uma percepção de si como incapaz, cujas dificuldades nunca poderão ser superadas, e essa ideia de que o problema está nele pode persistir por todo o ciclo vital do sujeito. Portanto, o professor, quando não focaliza o potencial da criança, pode desmotivá-la não somente em seu processo de aprendizagem acadêmica, mas tam-bém em outros aspectos de seu desenvolvimento.

Contudo, é necessário considerar também a vivência do professor nesse processo. Muitas vezes, ele manifesta sofrimento, desgaste, des-controle e outras emoções decorrentes de um sentimento de incompetência por não conseguir êxito com os alunos.

É desgastante! Nossa, nem fala, frus-trante! Você não vê o retorno que tanto espera [...] A gente se sente muitas vezes abandonada, principalmente na área da saúde. A gente se sente abandonada porque não tem para onde correr ou a quem recorrer (Letícia).Eu acho que eu não fiz um bom trabalho. Eu não sei, eu me sinto assim, meio que sem condições, não tenho preparação (Ilana).Deve ter órgãos em Campinas que dão assistência para o professor, nem se for para eu ir lá, no nono andar e encostar lá e dizer: eu estou aqui, estou precisando de auxílio, o que eu faço com essa criança que eu não consigo fazer inclusão! (Maria).

Evidencia-se, nessas falas, o sofrimento das professoras manifestado pela frustração, pelo sentimento de abandono. Foi isso que vimos, também, nos momentos que passamos na es-cola: a professora fica sozinha com o aluno, no meio de todos os outros e tem de dar conta dele e de todos os outros.

Vale aqui ressaltar o caso da professora Maria, que parece ter se apropriado de uma identidade de professora que sabe trabalhar com a inclusão:

Ano retrasado eu tive 5 alunos especiais na sala, desde visão subnormal, alunos com outras síndromes que eu não sei o nome, a característica eu não me lembro,

mas tive alunos com grandes dificuldades e eu consegui alfabetizá-los […]. Então, em minha experiência com 5 especiais em uma sala normal, eu consegui fazer com que a classe aprendesse os concei-tos necessários. Como os outros alunos, os especiais também se desenvolveram, então hoje eu digo que eu consegui ven-cer essa batalha [...], mas no caso que eu vivencio hoje, é um outro desafio que eu estou enfrentando, porque é uma criança de difícil adaptação, mas com os outros alunos eu venci essa etapa (Maria).

Interessante a contradição revelada na fala da professora: de um lado ela acredita no su-cesso da inclusão, ainda que a conceba como uma batalha, e a situação vivida por ela – 5 alunos especiais em uma classe regular com uma única professora – teria tudo para levar ao fracasso. Logo, aparece uma concepção um tanto idealizada do processo, que esconde as dificuldades que as diferenças produzem em qualquer prática educativa. De outro lado, em uma situação que teoricamente seria mais adequada (só um aluno com necessidades especiais), a professora declara que não está conseguindo promover sua inclusão e alega como motivo a dificuldade de adaptação da criança. Será que inclusão para ela é a criança adaptar-se às condições oferecidas por ela em sala de aula? Atualmente, essa professora tem uma turma de 4º ano, com 32 alunos e um aluno de 14 anos que possui Síndrome de Down. De acordo com ela, e pelo que observamos, não consegue fazer com que ele aprenda os conhe-cimentos que julga importantes, além de não conseguir fazer com que esse aluno fique em sala de aula. Desde o começo do ano letivo, notamos que a professora Maria manteve-se bastante abalada com o caso desse aluno, uma vez que, como abordado anteriormente, ela era até então considerada a melhor professora para realizar o processo de inclusão.

Assumindo a perspectiva de constituição da identidade proposta por Ciampa3, acreditamos poder dizer que a identidade docente se cons-trói na relação com o social, pelo exercício de sua atividade de ensinar. Logo, o insucesso da atividade do professor põe em xeque sua iden-tidade, provocando sofrimento.

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Sendo assim, a questão que se apresenta em relação à professora Maria é em que medida o fato de sentir-se fracassada na inclusão desse aluno, interferirá em suas ações pedagógicas em sala de aula, não só com ele, mas com todos os outros? Com base nas observações realizadas, notamos que, assim como os alunos sofrem com a inadequação do processo, os professores também se ressentem do que vivem, visto que a professora Maria, que não tivera nem uma licença médica nos últimos anos, já se afastou várias vezes neste ano. Isso sem falar em certa amargura que expressa em suas falas nas reuni-ões de Trabalho Pedagógico Coletivo que temos acompanhado.

CONSIDERAÇÕES FINAISO acesso às percepções dos professores sobre

os alunos com necessidades educacionais espe-ciais nos permite afirmar que as percepções dos docentes investigados não se coadunam com os pressupostos da educação inclusiva. Conforme se demonstrou na análise, essas percepções se sustentam em crenças que têm em sua base a incapacidade dos sujeitos para frequentar o en-sino regular, visto necessitarem de atendimento de especialistas ou mesmo de medicação. Essa constatação nos leva a concluir que o processo de inclusão nessa escola está ocorrendo de for-ma perversa, causando sofrimento aos alunos com necessidades educacionais especiais e aos professores, não se constituindo, portanto, como ações promotoras de desenvolvimento.

Os dados acessados na pesquisa revelam os conflitos desencadeados pela inclusão de alunos com necessidades especiais: o fato de não saber como trabalhar com o aluno leva o professor a buscar fora de sua sala de aula as causas para o insucesso que vivencia. Assim, muitas vezes, trava-se uma luta entre os professores, e neste caso, as professoras da Educação Especial e as de classes regulares, que, ao invés de se unirem, aproveitando uma política pública que visa pro-mover a inclusão (independentemente de ser ou não a mais adequada), optam por competir entre si, em um jogo de culpabilização e desresponsa-bilização que em nada contribui para o processo de inclusão, mas, ao contrário, cria um clima pre-judicial a todos os alunos e professores da escola.

Também constatamos que na escola não se exercita a escuta, visto que os professores têm uma visão cristalizada sobre o que e quem são o aluno, a escola e a família, o que inviabiliza o diálogo e a reflexão. Resultam desse fato as dificuldades de comunicação, compreensão e sensibilidade em todas as instâncias de relações.

No momento em que concluímos o presente artigo, tomamos contato com uma matéria do jornal Folha de São Paulo7 (23/5/2010) intitu-lada: “A cada dia, um professor se licencia por dois anos”, em que são retratados problemas de saúde enfrentados por professores da rede pú-blica estadual de São Paulo: perda da voz, dis-túrbios psicológicos como depressão, ansiedade, síndrome do pânico, entre outros. Diz a matéria que instâncias governamentais reconhecem a necessidade de melhorar as condições de saúde dos professores da rede. Para tanto, planejam tomar a seguinte medida:

Segundo o governo antecipou à Folha, o novo programa, chamado SP Educação com Saúde, formará equipes com mé-dicos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, psicólogos, nutricionistas e enfermeiros, que circularão pelas escolas estaduais.Algumas equipes ficarão fixas nas di-retorias de ensino. As especialidades escolhidas coincidem com as áreas em que os docentes mais têm problemas – como lesões nas cordas vocais, dores na coluna e distúrbios psicológicos – e são as maiores causas de absenteísmo.Os profissionais das equipes serão da entidade filantrópica Santa Marcelina. O servidor que tiver algum problema de saúde diagnosticado será encaminhado ao Hospital do Servidor Público para tratamento (2010, Maio, 23 - grifo nosso).

Interessante notar como as instâncias go-vernamentais querem ajudar na saúde do pro-fessor – oferecem profissionais especializados para ajudar o professor, como se o problema estivesse neles e não nas condições materiais em que exercem suas atividades. Guardadas as devidas proporções, essa concepção em muito se assemelha às dos professores de que o pro-blema da inclusão é do aluno ou das famílias. Assim, considera-se o problema de saúde desses

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profEssorEs E a incLusão

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profissionais no âmbito individual, ou seja, no professor, e não em suas relações e condições de trabalho.

O que constatamos nesse estudo é que a ex-posição permanente dos professores ao fracasso no processo de inclusão/exclusão gera grande sofrimento, o que, a nosso ver, está na base do adoecimento que relata a matéria e que presen-ciamos na escola. Logo, adoecimento gerado não pelo aluno com necessidades especiais ou por suas famílias, mas pelas condições em que realizam ou tentam realizar suas ações docentes, as quais envolvem aspectos organizacionais, ins-titucionais, sociais, políticos, identitários, dentre outros. Acreditamos ser possível considerar que o processo de medicalização ao qual se refere Moyses e Collares9 não ocorre somente com os alunos ditos “problemáticos”, que precisam ser medicados e tratados de forma individual. Parece que os professores também estão correndo esse

risco, visto que, como se lê na referida repor-tagem, as instâncias governamentais querem “tratar” o professor. Haverá medicação para os gestores e as famílias e deste modo os problemas serão solucionados? O problema da Educação deve ser curado pela Medicina? E o papel da Psicologia, da Sociologia, da própria Educação e suas teorias, sobretudo relativas à inclusão, em nada contribui para o enfrentamento dos problemas observados na escola?

Enfim, esses questionamentos são sem dúvida de extrema importância para o avanço do processo de inclusão e entendemos que tanto a Psicologia como a Educação têm um grande papel nesse processo, ao passo que poderão oferecer contribui-ções para a compreensão das relações complexas e conflitantes envolvendo o processo de inclusão e tentar promover melhores condições de trabalho e desenvolvimento aos sujeitos envolvidos, como professores, alunos, gestão, entre outros.

SUMMARYThe experience of teacher about the process of inclusion: a study of

perspective of Historical-Cultural Psychology

Objectives: Examine the perceptions and experiences of teachers about their role in the inclusion of student with special educational needs. Another aspect that was intended to investigate regards to the feelings experienced by teachers and student with special educational needs, which often result in failure: identities in crisis, suffering caused by shame and /or guilt, the feeling of incompetence, etc. For this, we used the Historical-Cultural Psychology, using the assumptions of its main representative, Vygotsky, and authors such as Rey, Souza, among others from the same basis. Methods: Our investigation has been given to teachers at a public school in Campinas-SP, which were realized semi-structured interviews and observations in several areas of the school. Results and Conclusion: Results indicate that teachers have perceptions that are opposed to the assumptions of inclusive education, as a vision of students with disabilities as incapable, in need of medical treatment through medication, placing in students the origin and solution of problems lived at the classroom. Thus, we realized that teachers are also affected with this issue, because the fact of not knowing how to work with the student causes malaise that leads them to search outside their classroom and teaching practice for causes for the failure they experience.

KEY WORDS: Education, special. Education. Psychology, educational. Inclusion in school.

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BarBosa ET & souza VLT

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cial na Perspectiva da Educação Inclusiva. 2008. Ministério da Educação. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/politica.pdf Acesso em: 3/3/2009.

2. Camisão IFF. Percepção dos professores do ensino básico acerca da inclusão edu-cativa de alunos com necessidades educa-tivas especiais [Dissertação de mestrado]. Braga,Portugal: Universidade do Minho, Ins-tituto de Educação e Psicologia;2004. 159p.

3. Ciampa AC. A estória do Severino e a histó-ria da Severina: um ensaio de Psicologia So-cial. 4ª ed. São Paulo:Brasiliense;1994. p.248.

4. Freitas HCL. A (nova) política de formação de professores: a prioridade postergada. Educ Soc. 2007;28(100):1203-30.

5. Freitas SN, Castro SF. Representação social e educação especial: a representação dos pro-fessores de alunos com necessidades educa-tivas especiais incluídos na classe comum do ensino regular; 2004. Disponível em: http://educacaoonline.pro.br. Acesso em 29/8/2010

6. Gomes C, Rey FLG. Inclusão escolar: repre-sentações compartilhadas de profissionais da educação acerca da inclusão escolar. Psi-col Ciênc Prof. 2007;27(3):406-17.

7. Jornal Folha de São Paulo. A cada dia, um professor se licencia por dois anos. 2010. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.

Trabalho realizado na Pontifícia Universidade Católica

de Campinas – PUCCAMP, Campinas, SP, Brasil.

Artigo recebido: 2/9/2010

Aprovado: 18/11/2010

br/saber/739498-a-cada-dia-um-professor-se-licencia-por-dois-anos.shtml.

8. Luna IN, Baptista LC. Identidade profissio-nal: prazer e sofrimento no mundo do traba-lho. Psicol Rev. 2001;12(1):39-51.

9. Moysés MA, Collares CAL. O lado escuro da dislexia e do TDAH. In: Meira MEM, Tleski S; Facci M, org. Exclusão e inclusão: falsas dicotomias. São Paulo:Casa do Psicó-logo;2009. p.42.

10. Papalia DE. Desenvolvimento humano. Por-to Alegre:Artmed;2000. p.684.

11. Rey FG. Sujeito e subjetividade. São Paulo:Thomson;2003. p.290.

12. Saviani D. Formação de professores: as-pectos históricos e teóricos do proble-ma no contexto brasileiro. Rev Bras Educ. 2009;14(40):143-55.

13. Souza VLT. As interações na escola e seus significados e sentidos na formação de valo-res [Tese de Doutorado]. São Paulo:Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Facul-dade de Educação;2004. 284p.

14. Vygotsky LS. Obras completas. Tomo Cinco. Cuba: Editorial Pueblo y Educación;1995. p.304.

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ARTIGO DE PESQUISA

RESUMO – Introdução: O presente trabalho analisa, por meio de pesquisa longitudinal, a produção textual de crianças da 4ª série do ensino fundamental de uma escola pública do município de Rolândia/PR. Objetivo: O objetivo do trabalho foi avaliar a aprendizagem da linguagem escrita na escola e refletir sobre o papel do professor mediador nesse processo. Método: Para tanto, foram analisados os primeiros textos do ano letivo que faziam parte de uma avaliação solicitada aos professores pela Secretaria Municipal de Educação com a finalidade de verificar o nível de escrita dos alunos. A análise dos textos prosseguiu durante os meses de abril, maio e junho, a fim de verificar se houve mudanças na escrita das crianças através da mediação do professor. Conclusão: A pesquisa permitiu concluir que quase não há mediação do professor no trabalho de escrita dos textos em sala de aula. Para que haja melhora qualitativa na produção textual, é necessária uma mudança na concepção de ensino da linguagem escrita.

UNITERMOS: Redação. Estudos de linguagem. Aprendizagem.

Produção textual: quando a linguagem escrita se torna objeto escolar

Denise Miyabe da Silva

Denise Miyabe da Silva – Pós-graduação em

Psicopedagogia pela Universidade Estadual de

Londrina-UEL, Psicopedagoga da Universidade

Norte do Paraná, no NAPp (Núcleo de Ação

Psicopedagógica), prestando atendimento aos

discentes com dificuldades de aprendizagem.

Correspondência

Denise Miyabe da Silva

Rua Voluntários da Pátria, 633 – Jardim Andrade –

Londrina, PR, Brasil – CEP 86061-120

E-mail: [email protected]

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INTROdUçãOO ensino da linguagem escrita na escola tem

permanecido “enjaulado” a práticas tradicio-nais, a mais conhecida de todas é o ensino da língua portuguesa em etapas.

A preocupação central dessa metodologia, tão utilizada na escola, tem sido colocada na ortografia e na gramática, deixando em segundo plano a construção e compreensão textual, prin-cipalmente quanto ao aspecto discursivo, um enfoque que tem gerado consequências sérias, como a transformação da escrita de objeto social em objeto escolar, tendo como reflexo produções textuais sem significado, apenas um amontoado de palavras no papel. Segundo Gonçalves1, “No dizer de Pécora, o que ocorre é que a escola, na sua trajetória histórica, falseia as condições de escrita e não fornece ao estudante as ferramen-tas de uma prática interativa da língua. [...] com esse falseamento, a escrita torna-se um exercí-cio penoso que cristaliza o discurso. Exemplos disso são as frases-feitas, argumentos de senso comum que, frequentemente, aparecem em textos dos educandos.”

Outra consequência foi evidenciada pela a última Pesquisa Nacional por Amostra de Do-micílios (PNAD2) 2009, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que revelou que o índice de analfabetos funcionais corresponde a 20,3% da população com mais de 15 anos.

Weisz3 ressalta a necessidade de “admitir que nossa incapacidade para ensinar a ler e escrever tem sido responsável por um verdadeiro genocí-dio intelectual”. A autora alerta que nem sempre o professor sabe a diferença entre copiar e escre-ver e assim acaba promovendo o “bom copista” e retendo os que lêem e escrevem precariamente, o que explica porque tantos alunos chegam à 4ª série sem compreensão leitora de um texto simples e até mesmo sem saber escrever.

Os exames nacionais e internacionais que avaliam a Educação no Brasil (PISA4, Prova Brasil5) evidenciam a dificuldade que os alu-nos têm em produzir textos de qualidade e de compreender o que lêem. Uma das causas apontadas para esse fenômeno crescente é, para

muitos, a redação escolar ou produção de texto da maneira como vem sendo ensinada.

Diante desse contexto, a construção desta pesquisa foi motivada, em particular, por minhas experiências como educadora, principalmente pelos momentos de produção de texto junto aos alunos. Momentos em que, como mediadora, percebia que a maior dificuldade nem sempre era a forma do dizer, mas o próprio dizer.

Dessa forma, este estudo se propõe a refletir sobre a língua escrita para além da sua forma, debruçou-se sobre seu conteúdo, pois conside-ramos que os “erros” quanto a forma, conteúdo e contexto, cometidos por crianças que ainda estão na condição de aprendizes, são na verdade, “preciosos indícios de um processo em curso de aquisição da representação escrita da lingua-gem, registros de momentos em que a criança torna evidente a manipulação que faz da própria linguagem, história da relação com que ela (re)constrói ao começar a escrever/ler” (Abaurre al.6).

Assim, foram analisadas as produções textu-ais de crianças da 4ª série do Ensino Fundamen-tal, com o objetivo de avaliar a aprendizagem da linguagem escrita na escola e refletir sobre o papel mediador do professor no trabalho pe-dagógico com a escrita em sala de aula.

METOdOLOGIA dE PESQUISAEste estudo se constitui como uma pesquisa

sobre a produção escrita de crianças da 4ª série do ensino fundamental e do papel mediador do professor no trabalho pedagógico com a escrita em sala de aula.

As produções textuais analisadas são de crian-ças de 4ª série do Ensino Fundamental de uma escola da Rede Pública Municipal de Ensino de Rolândia, cidade localizada no norte do Paraná.

Para análise foram usados textos de 11 dos 20 alunos da 4ª série. A escolha dos textos foi aleatória. A análise então foi dividida em duas etapas, a primeira denominada “A escrita: Momentos Iniciais” e a Segunda, “A Escrita no Primeiro Semestre”. Inicialmente, foram analisados os textos que faziam parte de uma avaliação solicitada aos professores pela Secre-

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taria Municipal de Educação com a finalidade de verificar o nível de escrita dos alunos no início do ano escolar.

Em seguida, foi realizado um estudo lon-gitudinal das produções escritas pelos alunos ao longo do primeiro semestre de 2009. Na segunda etapa, das 11 crianças ficaram apenas 10, pois uma delas se mudou.

As propostas de produção de texto feitas pela professora incluem, reescrita, biografia, leitura de imagens, texto coletivo, texto informativo, reprodução, narração e dissertação.

No total, foram coletados e analisados 97 textos de 11 alunos. Todos os textos foram pro-duzidos em sala de aula durante o período de abril, maio e junho.

Neste trabalho, a abordagem de pesquisa escolhida foi a qualitativa interpretativa, dado o interesse de compreender como a escrita das crianças se manifesta na produção textual por meio de suas escolhas, conhecimento e no próprio dizer.

Esta pesquisa analisa as produções textuais através da perspectiva enunciativo-discursivo, que considera a linguagem escrita em sua re-lação com a história (conhecimento) e com a sociedade, com seus diversos usos e apropria-ções, o que permitiu compreender os sentidos produzidos pelo ensino escolar na interação com as condições socioculturais das crianças.

Assim, neste estudo, observaram-se dois momentos diferentes, o primeiro que evidencia o que a criança pode e sabe fazer com a escrita sem a interferência do professor e, o segundo, em que o professor faz a mediação através da “correção” das produções textuais.

ANÁLISE dO CORPUSA análise das produções textuais no início do

ano letivo permite verificar o que cada criança sabe sobre a linguagem escrita, além de revelar pontos que precisam ser trabalhados em sala de aula.

Os textos analisados neste estudo são “pre-ciosos indícios” que dão pistas da relação sujeito e linguagem escrita ao longo do processo de aprendizagem e permitem observar não só o

que as crianças são capazes de produzir sem a interferência do professor, mas também as esco-lhas por determinados gêneros discursivos, suas hipóteses, dúvidas e idéias a respeito da escrita.

Transcrição e análise dos textosPor se tratar de uma pesquisa de análise qua-

litativa extensa, aqui serão apresentados apenas os textos produzidos por 2 das 11 crianças, es-pecificamente, parte do conjunto de textos de Gisele e Breno (os nomes das crianças foram mudados para proteger suas identidades).

Transcrição e análise dos textos de Gisele Texto 1Para a produção deste texto, a professora

deu aos alunos apenas o título: “O Deserto da Arábia”. A escolha quanto ao melhor tipo de texto, sua finalidade e tudo o mais ficou a cri-tério da criança.

O Deserto da ArábiaNum belo dia Arábia a rainha do deserto

resolveu cassar o seu ouro que a anos enterrou.Então muntou no seu camelo e foi cassar o

seu ouro.Arábia tentou achar seu ouro mas eta não

achou. Arábia ficou dia e noite cassando seu ouro.Passaram 3 dias Arábia voltou para casa pois

ela estava esausta.Quando chegou na sua casa foi descansar.A quele dia estava muito quente.Arabia não sabia o que fazer então foi pasear

La fora ficou um bom tempo paseando até que ela Arábia encontrou um X marcado no chão e começou a cavar então lá estava o ouro e contou para seus amigos e ela virou a rainha do dezerto mais popular.

Texto produzido em fevereiro de 2009

O gênero textual escolhido por Gisele foi narração, provavelmente por ser esse gênero discursivo algo que domine razoavelmente e esteja dentro de sua zona de conforto, prin-cipalmente por se tratar de uma proposta de produção com pouca orientação. Contudo,

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logo a criança se complica, demonstra o po-bre conhecimento que tem a respeito do tema solicitado. O deserto da Arábia se transforma em Arábia, a rainha do deserto.

Desde o início, percebemos que não há co-erência na conduta da personagem principal que se mostra “burrinha”, afinal, dificilmente alguém, ainda que fictício, é capaz de esquecer o local onde enterrou ouro, ainda mais se esse lugar for seu próprio quintal, que para com-pletar estava sinalizado com um “X”. Segundo Costa7, “as ações, na prosa narrativa de ficção, têm que parecer verdadeiras, mesmo que elas não ocorram na realidade”.

Notamos, também, que a criança não tem um bom domínio do gênero, pois já no primeiro parágrafo, o qual usualmente serve para apre-sentação dos personagens e cenário, introduz o enredo e o desenvolve nos parágrafos seguintes emendando-o no desfecho.

Dentre os vários problemas apresentados, somam-se a repetição, erros ou alterações or-tográficas de diferentes tipos (muntou, cassar, pasear, etc.), pontuação, etc.

Texto 2Nesta atividade, a proposta era produzir um

texto a partir da leitura de imagens compostas por quatro quadros (Figura 1), que retratavam atividades próprias dos índios, sendo que a or-ganização da sequência dos quadros e a escolha do título ficavam a critério dos alunos. O tema “índios” foi escolhido pela proximidade da data comemorativa.

Canguri e seu animais Lum belo dia ensolarado bem quente sem

luvens no céu, Canguri um índio que estava com seus animais da floresta.

Então canguri foi até á floresta mais longe e buscou alguns maracujá.

Foi até sua cas de palha e começou fazer um suco porque na quele dia estava muito quente.

Canguri foi voltar para a outra floresta com seus amigos animais, mais pisou numa pedra que cigurava uma madera e a casa caiu mais ele não

desanimou e voutou abrincar com seus animais.Texto produzido em abril de 2009

No primeiro parágrafo, as orações não têm ligação, assim como algumas ações. Há mo-mentos em que a leitura que faz da imagem demonstra a falta de domínio do código visual, como no segundo parágrafo, as frutas que o ín-dio colheu eram maçãs e não maracujás. Apesar de Gisele não perder o fio condutor da história, sua leitura, às vezes, se mostra fragmentada, provavelmente devido à tênue ligação que faz entre os quadros.

Apresenta, ainda, problemas com pro-gressão, aspectos gramaticais, erros e al-terações ortográficas de diferentes tipos, pontuação, etc.

Texto 3Nesta atividade, a professora dá o título:

“Saúde pública confirma caso de transmissão do vírus” e as seguintes palavras: gripe suína, gripe A, vírus, hospital, mortos, contaminação, comércio, exterior, comercialização. A proposta era que as crianças, a partir das palavras dadas, produzissem um texto sobre a gripe A (H1N1), também conhecida como gripe suína.

Saúde Confirma casa de transmissão do vírusA gripe suína pode causar uma grande causa

gravel como pasar a gripe para o outro etc.Quando pegamos a gripe suína temos que

correr ao hospital se não estaremos no risco da morte.

Texto produzido em maio de 2009Figura 1 – Quadros apresentados aos alunos para produção do texto.

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Gisele desenvolveu o texto informativo em apenas dois parágrafos, o primeiro é redundante e óbvio, não traz nenhum dado novo a respeito da gripe A (H1N1). Na verdade, ao usar o etc., a trata como uma gripe comum, como se o leitor soubesse do que ela está falando. No segundo parágrafo, ao tentar usar a expressão “risco de morte”, ver-são midiática alternativa a “risco de vida”, acaba criando uma nova expressão “no risco da morte”, que é claro tem uma conotação diferente.

De modo geral, notamos que os textos de Gisele têm certa fluência, tem um fio condutor, uma ideia central, mas também apresentam limitações quanto a coerência, recursos lin-guísticos, conjunções, tempo verbal, pontuação e, principalmente, no próprio dizer, sempre transparecendo um conteúdo empobrecido e de senso comum.

Transcrição e análise dos textos de Breno

Texto 1O deserto da ArábiaNum dia musinto quente estavo pasando

no deserto encontrei un canelo eu tentei pega o canelo mais não consegui andei mais upouco encontrei outro camelo tentei pegar masnão concegui eu estva com nuita sede, elonge eu vi um riu, fuicorrendo peresebi uma miragem.

Texto produzido em fevereiro de 2009

Breno produziu um texto narrativo, desenvol-veu sua história em apenas um parágrafo, o qual iniciou com letra minúscula. Seu texto apresenta uma estrutura típica de uma narração, introduz os personagens e o contexto, estabelece os fatos numa sucessão com começo, meio e fim, porém, talvez por não compreender o significado de parágrafo, não o vemos demarcado, provavel-mente por causa da maneira errônea com que a noção de parágrafo vem sendo ensinada na escola. Não é incomum professores lembrarem seus alunos do parágrafo explicando-o como sendo “deixar espaço depois da margem”. Breno ainda não compreende o parágrafo como sendo uma unidade de discurso formada por

uma sequência de frases, sendo que um novo parágrafo deve ser iniciado quando se muda de assunto, no caso da narração, quando mudam os acontecimentos, as ações, etc.

O texto tem coerência, contudo algumas ideias não foram bem exploradas. Por exemplo, “num dia musinto quente estavo pasando no deserto encontrei un canelo eu tentei pegar o canelo”. O leitor pode se perguntar “por que ele estava passando pelo deserto? De onde ele vinha? E ainda em outro momento do texto aparece, “eu estavo com muita sede, e longe eu vi um riu, fuicorrendo peresebi uma miragem”. Outra ideia pouco explorada e novamente os questionamentos, o que acontece com o perso-nagem? Morre de sede? É resgatado?

Nesse texto faltam elementos de coesão, conectivos de discurso que estabeleceriam ligação de uma frase a outra, produzindo o en-cadeamento semântico, como em “fuicorrendo peresebi una miragem”.

Resumindo, seu texto tem coerência, faz sen-tido, mas também apresenta limitações quanto a pontuação, ortografia, vocabulário e gramática, além de demonstrar que sua escrita tem forte influência da oralidade.

Texto 2Nessa atividade, a professora propôs a repro-

dução da história “E era onça mesmo” de Mon-teiro Lobato, após ter trabalhado com o texto.

E era onça mesmoO rabico estava andando pela floresta e viu

umas pegadas garndes.Depois foi corendo para avisar para o Pedrinho.Então o Pedrinho tefé um palno de ir casar

a omça es comdida do duas velinhas.Entan ele foi calanando.

Texto produzido em maio de 2009

A reprodução, segundo Condemarín e Cha-dwick8, requer que se escreva o substancial do conteúdo, mobiliza e desenvolve a memória, a habilidade de sintetizar, de verbalizar para si mes-mo, de reformular e de se expressar pela escrita.

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Breno selecionou algumas ideias principais, porém deixou de fora outras importantes, como o que aconteceu com Pedrinho? Não soube relacionar as ideias do autor com suas próprias palavras, perdendo por vezes a essência de algumas ideias, além de não se prender a ne-nhum detalhe.

Texto 3A professora solicitou esta produção após as

atividades realizadas no Dia do Desafio.

O dia do desafilFonos para Pasa carlo BrancoCheganos la e BincanosE depois fena para Escola

Texto produzido em junho de 2009

Breno desenvolveu o texto em apenas três linhas. Percebe-se que ele não compreendeu o significado do Dia do Desafio, de forma que contou, em poucas palavras, o que fez nesse dia e não o que o mesmo representa.

Analisando o conjunto de textos de Breno compreendemos a difícil relação que tem com a linguagem escrita. Para ele escrever parece ser algo penoso, até mesmo as situações de cópia. Em suas produções textuais, não apresenta a es-trutura própria de cada gênero, não sabe utilizar os tempos verbais, faz uso excessivo de pronomes pessoais e sujeitos explícitos, sua escrita continua apresentando forte influência da oralidade, além de um repertório de conectivos bastante limitado.

Do primeiro texto produzido no começo do ano até esse momento não se nota mudança na maneira com que Breno manipula a escrita, pois continua a desenvolver suas produções em poucas linhas, sem explorar suas ideias. É bem provável que chegue ao final do ano letivo produzindo textos em apenas algumas linhas.

O que revelam os textosEstes textos apresentam dificuldades

próprias de escritores iniciantes que não se vêem como autores, não percebem a produ-ção textual como um processo que deve ser

monitorado por eles, e não somente pela pro-fessora, mas se dão por satisfeitos com uma única versão de seus textos, o qual entendem como produto final.

De modo geral, todas as crianças demons-traram, nas atividades de leitura de imagens, predominância da leitura pontual e descritiva, quadro a quadro, quando na verdade as ilustra-ções, para as crianças desta série, já deveriam ser vistas como “janelas”, inspirando-as a dar vida às cenas, tendo em mente o conjunto da narrativa.

Apresentam uma sequência de ideias e acon-tecimentos bastante confusa; não produzem ligação entre um assunto e outro; misturam os tipos e gêneros textuais; fazem uso excessivo de conjunções e sujeitos explícitos; têm um reper-tório bastante limitado; controlam a produção no nível da frase, apresentando grande dificuldade em pensar no todo, na macroestrutura, além da total ausência de planejamento e pobreza de recursos linguísticos.

Percebe-se que não aconteceu nenhuma grande e significativa mudança nos textos dos alunos, do começo do ano letivo até este mo-mento, mesmo após a ação intermediativa do professor. Provavelmente, por não ser também a sua ação significativa e direcionada a auxi-liar as crianças a superarem suas dificuldades objetivando uma melhora qualitativa de suas produções.

A quase ausência da tarefa de reescrita, com exceção a um dos textos de Gisele, e a falta de revisão pelo próprio aluno, demonstra que essa não é uma solicitação comum por parte do professor, de modo que as situações de revisão se limitam a correções ortográficas decorrentes das intervenções diretas da professora nos mo-mentos de correção. Segundo Souza e Osório9, “a natureza da intervenção que o professor realiza, na produção textual do aluno, tem re-lação direta com a maior ou menor qualidade desse produto. Portanto, essa ação do professor não tem um fim em si mesma, mas só adquire significação se conduz o aluno à reescrita de seu texto com o objetivo de buscar uma escrita qualitativamente melhor”.

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A ausência da prática da revisão orientada e reescrita dos textos que analisamos, como uma das etapas da produção textual, faz com que uma pergunta ecoe em nossas mentes. Rees-crevendo, o que mudaria?

CONSIdERAçÕES FINAISOs problemas encontrados nas produções

de textos analisadas neste estudo vão além dos aspectos notacionais e discursivos. Estão tam-bém no próprio dizer, ou seja, no conteúdo, no conhecimento de mundo empobrecido, o que demonstra a ausência de bens culturais para além da mídia.

Assim, compreendemos que a escrita, en-quanto objeto escolar, aprisiona a mente das crianças. O despreparo e, consequentemente, a incapacidade dos professores de ensinar “tem sido responsável por um verdadeiro genocídio intelectual”3. Dessa forma, no trabalho pedagó-gico com a escrita, a escola não tem assegurado aos alunos o domínio eficiente da linguagem escrita, o que nos levou a refletir e repensar o papel da escola e do professor mediador no ensino da linguagem escrita.

O papel da escola no ensino da escrita envolve grandes responsabilidades, sendo a maior e mais importante delas dar às crianças as ferramentas necessárias para utilizar a lingua-gem escrita em sua completude e concretude. Espera-se que durante o processo de ensino-aprendizagem da escrita na escola a criança saia da posição de “bom copista” e reprodutor de frases feitas, para se transformar em autor, por meio de uma metodologia que explore a lin-guagem escrita em sua totalidade e em seu uso real, numa concepção dialógica e interacionista.

Nesta perspectiva, o professor mediador é aquele que está preparado para trazer a re-flexão e a compreensão dos diversos gêneros textuais e sua construção, a fim de formar es-critores capazes de expressar pela escrita suas intenções, sentimentos, necessidades e tudo o mais, com autonomia, pois “ao instituir uma prática intersubjetiva, através de uma prática pedagógica que leve em conta a reflexão, será

possível resgatar um discurso mais pessoal, mais autêntico de nossos sujeitos”1. Para tanto, deve ter bem claro o propósito de que e para que são solicitadas as produções textuais, assim como as formas de correção, pois a prática pedagógica de tal professor implica utilizar de uma estratégia de correção que vá além da indicação de erros ou resolução dos mesmos para o aluno, deixando-o apenas com a tarefa de copista. Pressupõe uma estratégia que indica a causa do erro, eviden-ciando assim o processo e não o produto.

Sendo assim, a avaliação contínua do conhe-cimento dos alunos e do trabalho do professor são indispensáveis para nortear o plano de ação docente. A experiência e história de vida, o ní-vel socioeconômico cultural e os conhecimentos trazidos pelos alunos são bases importantes para o trabalho pedagógico. O trabalho pedagógico deve agir a partir de e sobre esta “bagagem” das crianças, de maneira que venha preencher as “lacunas conceituais” e fornecer elementos, conhecimentos intelectuais, científicos e cultu-rais, a fim de ajudá-las a reelaborarem o seu co-nhecimento e elaborar um novo repertório, mais amplo e mais intelectualizado, que sirva a elas não só para uso eficaz da escrita enquanto objeto social, mas também como instrumento de acesso autônomo na participação no mundo letrado.

Na atual conjuntura, nem todos os professores estão preparados para tal trabalho com a escrita em sala de aula. É possível recorrer a uma diversi-dade de fatores para explicar a falta de preparo do professor para atuar como mediador no trabalho pedagógico com a escrita em sala de aula. Por isso, é importante destacar o papel do psicopedagogo na escola, o de assessor psicopedagógigo, que desempenha sua ação junto aos professores, no sentido de auxiliá-los e orientá-los no trabalho com a escrita em sala de aula, desde a análise interpretativa e qualitativa das produções das crianças, a fim de promover práticas metodológi-cas significativas, de acordo com as dificuldades que as turmas apresentam, até a construção de um espaço que permita a reflexão sobre a linguagem escrita, oferecendo, assim, condições adequadas para uma aprendizagem significativa.

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Esses objetivos, no entanto, não serão al-cançados do dia para noite, exigem do psico-pedagogo e do professor muita persistência, já que a criança acostumou-se a esperar que seus textos sejam corrigidos e monitorados pelo professor, até porque as situações de escrita na escola não têm sido para fins sociais e sim para serem corrigidas.

Desenvolver um trabalho real e significativo

com a escrita tem se mostrado um desafio, já que a escola tem produzido analfabetos funcionais em massa. Isso denuncia que os problemas de “ensi-nagem” têm alcançado os altos níveis da Educa-ção e nos leva a compreender que o trabalho com a linguagem escrita não pode mais se restringir à forma de dizer, mas deve provocar mudanças no próprio dizer, e isto exige uma mudança na concepção de ensino da linguagem escrita.

SUMMARYLiteral production: when the written language becomes school object

Introduction: The present work analyzes, through longitudinal research, the literal production of 4th grade children of elementary school of a public school in Rolandia city. Objective: The objective to evaluate the learning skill of written language in the school and to reflect on the role of the mediating teacher in this process. Methods: It was analyzed the first texts of the school year with the purpose to verify the level on the writing skill of the students. It was part of a request from the City Board of education to the teachers at the public school. The analysis of the texts continued during April, May until June, to verify if it had changes in the writing skill of the children through the mediation of the teacher. Conclusion: The research allowed to conclude that almost haven’t mediation of teacher in the work of writing of texts in the classroom. To obtain a qualitative improvement in the literal production, it is necessary to make changes in the conception of teaching in the written language.

KEY WORdS: Writing. Language arts. Learning.

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Produção textual: quando a linguagem escrita se torna objeto escolar

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perspectiva dialógica. PLURAL: Revista da Academia Araçatubense de Letras, Araça-tuba 2000.

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9. Souza TB, Osório AMN. A mediação peda-gógica na produção de texto: um diálogo possível e necessário. In: ANPED, 26, Po-ços de Caldas, 2003. Disponível em:<http://www.anped.org.br/reunioes/26/inicio.htm>. Acesso em: 1/8/2009.

Trabalho realizado na Universidade Estadual de Londrina – UEL, Londrina, PR, Brasil, derivado de monografia da autora apresentada ao Programa de Pós-graduação em Psicopedagogia, realizado sob orientação de Rosa Maria Junqueira Scicchitano.

Artigo recebido: 5/9/2010Aprovado: 21/10/2010

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ARTIGO esPecIAl

RESUMO – A Ampliação do Ensino Fundamental para nove anos vem provocando discussões e impasses, apesar de ser uma prática corrente em uma parcela das escolas privadas do país. A recomendação atual é a não antecipação de conteúdos e sim uma readequação das condições estruturais e pedagógicas, para que, efetivamente, possa ocorrer qualificação no ensino fundamental. No ensejo de contribuir para a reflexão sobre o tema, articulamos três movimentos: buscar depoimentos de profissionais inseridos no cotidiano escolar privado e público; organizar interlocuções teóricas situando o pensamento e a ação da Psicopedagogia em suas interfaces com Educação, Pedagogia e História Social, para assim problematizar o lugar da infância em nossa sociedade atual e, desse modo, compreender, psicopedagogicamente, as relações de aprendizagem que se apresentam nesta nova configuração escolar. O terceiro movimento articula os depoimentos e as interlocuções, objetivando compreender como se trama no cotidiano escolar a temática abordada.

UNITERMOS: Psicopedagogia. Família. Criança. Aprendizagem.

PsicoPedagogia No cotidiaNo escolar: imPasses e descobertas com o eNsiNo

de Nove aNos

Fabiani Ortiz Portella – Pedagoga, Orientadora

Educacional; Especialista em Psicopedagogia

Clínica; Mestre em Educação; Docente Universitária;

Organizadora de livros na área da Psicopedagogia;

Presidente da Associação Brasileira de Psicopedagogia

(2ª gestão); Membro Titular da ABPp Nacional.

Neusa Kern Hickel – Psicóloga e Psicopedagoga, MS.

Psicologia Social e Institucional, participante do Grupo

de Pesquisa Aprendizagem e Subjetividade, UFRGS.

Docente do Uniritter. Conselheira Nacional da ABPp

pelo RS, integrante do Conselho Científico da ABPp/RS

Correspondência

Fabiani Ortiz Portella

Rua Luiz Afonso, 269 – Cidade Baixa – Porto Alegre,

RS, Brasil – CEP 90050-310

E-mail: [email protected]

Fabiani Ortiz Portella; Neusa Kern Hickel

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INTRODUÇÃOO Plano Nacional de Educação formulado

pelo MEC para o período 2001-2010 articulou uma das mais ousadas políticas educacionais previstas na LDB: a Ampliação do Ensino Funda-mental para nove anos. Posteriormente, a Secre-taria de Educação Básica – SEB/MEC elaborou orientações pedagógicas baseada em amplas discussões com estados e municípios brasileiros, visando a sua implementação com qualidade. No entanto, como adverte a SEB, tal meta não seria de simples execução: devemos estar atentos para o fato de que a inclusão de crianças de seis anos de idade não deverá significar a antecipação dos conteúdos e atividades que tradicionalmente fo-ram compreendidos como adequados à primeira série. Destacamos, portanto, a necessidade de se construir uma nova estrutura e organização dos conteúdos em um ensino fundamental, agora de nove anos (MEC, 2006) *.

O desafio que assumimos é aproximar nosso olhar e nossa escuta de alguns espaços escola-res, buscando a contribuição de outros olhares e escutas de profissionais e de referenciais té-oricos da Psicopedagogia e outros que com ela fazem interlocução. Assim, o presente trabalho pretende pensar e escrever a cerca de um tema relativamente novo na área da Educação.

Nas últimas décadas, a alfabetização tem sido tema central de debates, pesquisas e produções teórico-metodológicas e didáticas,

grandemente motivados pela necessidade de melhoria de nossos precários índices de aproveitamento. Embora tenha havido um significativo aumento desses índices (20% do alunado não obtêm promoção), atualmente, se deve considerar que cresce entre os “apro-vados” o número de analfabetos funcionais. Como vemos, também os dilemas e os debates polêmicos fazem parte da questão. Dentre os pensadores voltados à temática, referimos as produções de Emília Ferreiro e Ana Teberosky (1985), Telma Weisz (1988) e Esther Grossi (1991)**. Desse modo, compreendemos que os questionamentos sobre a escolaridade em nove anos fomentam tanto novas questões sobre a alfabetização, como as polêmicas atuais sobre a Educação nessa área.

No ensejo de contribuir para a reflexão sobre o tema escolaridade em nove anos, articulamos três movimentos: o primeiro foi buscar depoimentos de cinco psicopedagogas inseridas em espaços escolares privados e públicos, em funções pe-dagógicas diversas, com diferentes experiências educacionais e cujas escolas pertencem a distintas condições sociais; o segundo se fez com interlocu-ções teóricas da Psicopedagogia com outras áreas de conhecimento, favorecidas por seu caráter inter e transdisciplinar; e, no terceiro movimento, tratamos de articular os depoimentos e as interlo-cuções, objetivando compreender como se trama no cotidiano escolar a temática abordada.

* em 6/2/2006, foi sancionada a lei nº 11.274 que regulamenta o ensino fundamental de 9 anos. essa modalidade visa assegurar a todas as crianças um tempo maior de convívio escolar, maiores oportunidades de aprender e, com isso, uma aprendizagem com mais qualidade. As legislações pertinentes ao tema são: lei Nº 11274/2006, Pl 144/2005, lei 11.114/2005, Parecer cNe/ceB Nº 6/2005, Resolução cNe/ceB Nº 3/2005, Parecer cNe/ceB Nº 18/2005. O cONselHO NAcIONAl De eDUcAÇÃO- cÂMARA De eDUcAÇÃO BÁsIcA, através da ResOlUÇÃO Nº 3, De 3 De AGOsTO De 2005, define normas nacionais para a ampliação do ensino Fundamental para nove anos. No seu artigo 2º explicita: Art.2º A organização do ensino Fundamental de 9 (nove) anos e da educação Infantil adotará a seguinte nomenclatura: etapa de ensino - educação Infantil - creche: Faixa etária - até 3 anos de idade - Pré-escola: Faixa etária - 4 e 5 anos de idade. etapa de ensino - ensino Fundamental de nove anos - até 14 anos de idade. Anos iniciais - Faixa etária de 6 a 10 anos de idade - duração 5 anos. Anos finais - Faixa etária de 11 a 14 anos de idade - duração 4 anos. A lei 11.274, de 6 de fevereiro de 2006, altera a redação dos arts. 29, 30, 32 e 87 da lei Nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, dispondo sobre a duração de 9 (nove) anos para o ensino funda-mental, com matrícula obrigatória a partir dos 6 (seis) anos de idade. (Mec, 2006).

** Pode–se consultar de e. Ferreiro e A. Teberotsky: Psicogênese da Língua Escrita, Porto Alegre: Arte Médicas. 1985; de T. Weisz: Diálogo entre Ensino e Aprendizagem, são Paulo: Ática, 1996; de e. Grossi: Didática dos Níveis (Pré-silábico, silábico, Alfabético), Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.

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Assim, o segmento que corresponde às inter-locuções teóricas está subdivivido em três seções:

• ObjetosdepensamentoedeaçãodaPsicopedagogia, no qual situamos nos-sa compreensão sobre a Psicopedago-gia Clínica e suas práticas em relação à escola;

• Interlocuções entre Psicopedagogia,Educação e Pedagogia, se subdivide na apresentação de relaçõessociaisede aprendizagem no espaço escolar, no qual diferenciamos compreensões sobre o aprender na perspectiva peda-gógica e psicopedagógica e, família e escola – no qual discorremos sobre essa delicada relação cujo eixo é a aprendi-zagem;

• InterlocuçõesentrePsicopedagogiaeHistória Social: as conexões entre asinvenções da escola, da família e dainfância, onde contamos com a contri-buição da análise sociohistórica para problematizar o lugar da infância em nossa sociedade atual e, desse modo, compreender, psicopedagogicamente, as relações de aprendizagem que se apresentam nesta nova configuração es-colar proposta pela ampliação do ensino.

O segmento correspondente ao primeiro movimento se apresenta em Diálogos com psi-copedagogas: o ensino de nove anos, no qual situamos nossas convidadas e seus espaços de trabalho e relatamos seus depoimentos.

Por fim, no terceiro movimento, elaboramos considerações sobre os aportes teóricos em consonância com os depoimentos, registrando singelos pensamentos sobre esta experiência.

OBJETOS DE PENSAMENTO E DE AÇÃO DA PSICOPEDAGOGIA Para entender o que é Psicopedagogia, deve-

se ir além da simples junção de conhecimentos oriundos da Psicologia e da Pedagogia, conforme definição reducionista do senso comum. Psico-pedagogia é um campo do conhecimento que se propõe a integrar conhecimentos e princípios de

diferentes Ciências, com a meta de construir a melhor e mais aprimorada compreensão sobre as muitas variáveis implicadas no processo de aprendizagem. Hoje, a Psicopedagogia Clínica está voltada a toda e qualquer situação que en-volva o acontecimento da aprendizagem e suas vicissitudes, pois se originou como resposta a uma demanda, cada vez maior, em relação ao fra-casso escolar e aos problemas de aprendizagem.

O aprender está presente incondicionalmente, desde que nascemos e se desenvolve ao longo da vida. Segundo Pozo1, “podemos dizer que em nos-sa cultura a necessidade de aprender se estendeu aquasetodososrincõesdaatividadesocial.Éaaprendizagem que não cessa”. Portanto, a apren-dizagem permeia a vida e está em permanente acontecimento através de múltiplas e significati-vas interações, das quais transforma informações em conhecimentos e, a partir desses, promove a integração de saberes. A aprendizagem muda o sujeito e o mundo em concomitância.

Se a aprendizagem é de fato inerente à vida, por que muitas vezes ela passa a ser um proble-ma para muitos de nós? Afirmamos a aprendi-zagem em sua possibilidade, porém seu fluxo não é linear: os fatores que participam de sua construção são múltiplos. A compreensão dos problemas de aprendizagem demanda a mesma complexidade, assim como a busca transdis-ciplinar é exigência no entendimento de seus processos. Na aprendizagem, tanto a sua fluidez como sua interrupção põem em jogo a constitui-ção da autoria, incidindo nesse vértice o objeto de pensamento e de ação da Psicopedagogia.

As práticas da Psicopedagogia em relação à escola ocorrem no sentido de prevenir dificul-dades, de promover os aspectos facilitadores da aprendizagem, buscando construir estratégias de intervenção junto à equipe pedagógica, para o atendimento das necessidades educativas dos alunos. Inerente às práticas está a postura clínica que envolve a escuta e o olhar atento às modalidades e aos esquemas de ação e significação dos sujeitos implicados na relação de aprendizagem. Em se tratando de espaço escolar considera-se, ainda, os elementos que

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conformam social e culturalmente sua institui-ção, o que complexifica o campo de ação do psicopedagogo, pois no contexto escolar é im-portante considerar a singularidade da estrutura educativa e, sobretudo, sua função social.

A Psicopedagogia Clínica no âmbito escolar tem como objetivo assegurar e/ou ampliar as possibilidades de aprendizagem em todas as relações escolares. Como assessor ou membro da equipe, o psicopedagogo, sobretudo, consti-tui uma escuta. Tendo a escuta como estratégia principal, participa das discussões sobre aspec-tos concernentes à aprendizagem, promovendo situações em que os diversos segmentos possam refletir sobre suas práticas e seus dilemas. Desse modo, contribui para mediações entre os dife-rentes grupos envolvidos na relação do ensino e da aprendizagem, colaborando na formação continuada dos professores. A ampliação de conhecimentos sobre o aluno enquanto apren-dente e sobre os processos de aprendizagem em sua complexidade pode ser conjugada com as ações didático-pedagógicas que facilitam a aprendizagem e que, da perspectiva psico-pedagógica, valorizam a autoria de alunos e professores enquanto ensinantes e aprendentes.

INTERLOCUÇÕES ENTRE PSICOPEDA-GOGIA, EDUCAÇÃO E PEDAGOGIA

Relações sociais e de aprendizagem no espaço escolarO dia-a-dia da vida escolar estabelece as pri-

meiras relações sociais, afetivas e cognitivas fora do ambiente familiar. Visto assim, é um cotidiano a ser explorado, permeado de inúmeros desafios, que pode se constituir como um ambiente favorá-vel para criar interações em prol de várias formas de aprendizagem. No entanto, o ingresso na vida

escolar é acompanhado das mais variadas tramas vivenciais, desde situações que ensejam a socia-lização e a aprendizagem em primeira instância, como aquelas geradas pela necessidade de afastar precocemente as crianças pequenas dos cuidados familiares. A insersão no ambiente educativo infantil, segundo cenário das relações sociais da criança, é o momento em que, geralmente, ocor-rem as primeiras interações com outras pessoas, quando o sujeito, ao expor-se a outros desafios, diversifica seu processo de socialização com a possibilidade de desenvolver novas habilidades.

Embora uma considerável parcela das pro-postas escolares privilegie o desenvolvimento cognitivo, na perspectiva da Psicopedagogia Clínica compreende-se aprendizagem como uma articulação entre o conhecimento e o saber, de forma singular, realizada através da relação estabelecida entre ensinante e aprendente* em suas histórias de vida, pressupondo-se aí a diversidade de objetos de conhecimento.

A Psicopedagogia, como campo de conheci-mento, estuda a aprendizagem, buscando en-tender os processos, as relações, as significações e as situações contextuais de sua ocorrência. A partir da compreensão desses processos, parti-cipa da elaboração de estratégias favorecedoras de seu desenvolvimento e de alternativas para superar fatores o que entravam. Desse modo, em relação ao cotidiano escolar, a Psicopedagogia busca o contato com as múltiplas relações de aprendizagem, procurando contribuir para o estabelecimento de situações saudáveis** nos vínculos entre os envolvidos na construção do conhecimento. Seus profissionais levam em conta os aspectos socioculturais da circunvi-zinhança escolar, a variedade dos espaços da escola, além daquele que mais lhe caracteriza – a sala de aula.

* Os conceitos de ensinante e aprendente são específicos da Psicopedagogia e foram introduzidos por A. Fernandez (1991) em A Inteligência Aprisionada. Referem a singularidade das relações para além dos papéis históricos de professor-aluno, dando conta de lugares flexíveis por onde circula a aprendizagem. Por outro lado, esse deslocamento indica a triangulação dos lugares e das significações em relação a um terceiro vértice apresentado como o objeto de conhecimento.

** situações saudáveis referem ações promotoras de efetiva aprendizagem.

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Assim, a Psicopedagogia considera todas as variáveis citadas como oportunas para comparti-lhar conceitos e valores básicos que se produzem na convivência, visando ao desenvolvimento de um currículo, cuja intervenção didático-peda-gógica privilegie, ao mesmo tempo, o reconhe-cimento através da autoria de pensamento* e a valorização da diversidade. Nessa perspectiva, também a relação escola-família e suas diferen-tes atribuições na constituição dos processos de aprendizagem deve ser referida como fator interveniente nos fluxos que lhe são favoráveis.

Família e escolaO papel da família foi e continua sendo

fundamental na educação de crianças e isso inclui o acompanhamento envolvido e interes-sado pela vida escolar de seus filhos e, melhor ainda, quando essa incumbência é feita amo-rosamente. As relações entre família e escola pressupõe exercício de autoridade e reconhe-cimento de seus mútuos papeis sociais para com a aprendizagem. No entanto, as mudanças sociais, culturais e econômicas, desde meados do século XX, têm alterado substancialmente os modos de vida, as configurações familiares e incidem diretamente nessa relação com a es-cola, requerendo um permanente diálogo para que os contratos entre ambas as partes possam atualizar-se e explicitar suas responsabilidades em benefício da educação das crianças.

Atualmente, faz-se necessário abrir espaços para o estabelecimento de conexões entre famí-lia e escola – às duas instituições – cabe a análise das mudanças provocadoras de não saber que nos tornam vulneráveis aos aspectos iatrogêni-cos da globalização. Escola e família, por meio de seus agentes, correm os riscos da omissão e da dissolução das referências enquanto adulto responsável, mas, têm o poder, com sua criati-vidade, de buscar novas formas de cuidado e de exercício de autoridade.

As relações do complexo universo que en-volve o aprender sustentam as relações entre a família e a escola, considerando as possibilidades e os entraves que podem ocorrer, na perpectiva das parcerias estabelecidas ou não. Turkenicz2 indica alguns fatores, tais como o aumento signi-ficativo da expectativa de vida, a diminuição da natalidade, o aumento dos índices de separações e divórcios, resultando em novas configurações familiares e parentais. Ainda salienta que, a família constitui um dos poucos valores seguros e desejados por homens, mulheres, crianças e adolescentes de todas as condições sociais.

Significações sociais, afetivas e cognitivas nas relações escolaresAs funções até aqui atribuídas ao espaço e ao

cotidiano escolar assinalam aspectos promotores da aprendizagem, contudo, em suas tramas habitam outras – as funções que dão conta de sua gênese social e dos mandatos culturais que se manifestam, sobretudo, no reprodutivismo e nas estratégias de exclusão, questões que dentre outras fazem parte da problemática educacional do Brasil. Esses pro-blemas mais amplos indicam antigos padecimentos sobre as desigualdades sociais, culturais e econô-micas da nação e interferem na distribuição de bens, não só econômicos, mas sobretudo, culturais e, nos índices de aproveitamento escolar. No con-texto dessa amplitude adere um novo desafio e os problemas dele decorrentes, com a implementação da escolaridade em nove anos.

A escola continua tendo potencial para ser espaço privilegiado de acesso aos bens culturais, mediante a interação de pessoas de diferentes segmentos, tais como os que com-põem a chamada comunidade escolar, sempre que os vínculos entre elas possam sustentar os mais fundamentais princípios de sua existência. Enquanto instituição, a escola pode continuar lutando para sustentar sua função social mais positiva: o acontecimento da aprendizagem.

* Autoria é considerado objeto prioritário, portanto básico e peculiar da Psicopedagogia. consulte especialmente A. Fernandez em O Saber em Jogo. Porto Alegre: Artmed, 2001.

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Nesse sentido, a escola mantém a oportuni-dade de criação constante de um cotidiano ar-ticulado com seu tempo, seja pela renovação de valores morais, seja pela consolidação de valores fundamentais que se implicam na construção conceitual das mais variadas áreas de conheci-mento. A alfabetização e o letramento são porta de entrada para aceder aos bens culturais e, nesse sentido, sua efetivação é uma questão de inclusão.

Este relevante papel social voltado para a pro-dução de aprendizagem envolve a constituição de espaços para ensinar a pensar e, tudo que daí possa decorrer. Refletir, pesquisar, avaliar e auto-avaliar-se são ações mais intensas quando vividas em formas cooperativas que exercitam a cidadania. É desse modo que os sujeitos apren-dentes – professores e alunos –, podem tornar-se conhecedores de si mesmos, autores de suas próprias metas e meios. Isso significa que os par-ticipantes desse processo aprendem e ensinam a conviver e a interagir ao mesmo tempo que constróem conhecimentos e integram saberes.

O ingresso nos ciclos de formação do ensino fundamental de crianças aos 6 anos faz com que nos deparemos com a concretude dos dilemas da atual proposta. Embora a idade, propriamente dita, não deva ser o critério principal, pois como refe-rência biológica é importante, mas não suficiente para encontrarmos a melhor alternativa pedagó-gica. Cabe ressaltar que a questão requer análise histórico-social junto ao componente biológico, pois a aprendizagem não se faz sem contexto.

O que está em jogo é exatamente o sentido de infância e o tratamento que queremos dar a ela. Como contexto nacional temos os argumentos de que o Brasil é o último país da América Latina a dar início ao processo escolar antes dos sete anos e, que a medida deixaria mais equilibrada a oportunidade de acesso à alfabetização entre alunos frequentadores de escolas privadas e pú-blicas. No entanto, os profissionais da educação têm consciência da diferença de tratamento na educação infantil e no ensino fundamental para uma criança de seis anos. Nós, profissionais da Psicopedagogia, defendemos o direito ao lúdico como equivalente ao direito de aprendizagem e

compatível com as necessidades simbólicas da criança. Também, os pesquisadores têm disponi-bilizado pertinentes avaliações, como Barbosa3, que destaca a necessidade de se ter em conta as diferentes culturas que marcam a educação infantil e o ensino fundamental: enquanto a edu-cação infantil oferece propostas diversificadas e abrangentes e olha a criança de um modo mais integral, o ensino fundamental oferece propostas mais homogêneas e olha a criança como aluno.

Seguindo uma abordagem interdisciplinar, Barbosa3 refere as sutilezas que diferenciam os conceitos de criança, infância e aluno. Criança corresponde ao ser humano de pouca idade; in-fância é o modo como esse ser pode ou não viver sua vida nesse período e, aluno é um sujeito pro-duzido por longo processo de disciplinarização e aculturação. Por este prisma, iniciar mais cedo não deve ser equivalente a ingressar em um esquema escolar cujo sistema de avaliação, em sua maioria, é competitivo. É preciso ter presente que a infância teve garantidos os seus direitos no país, através da Constituição, da ECA e da LDB. E, o Sistema Nacional de Educação estabelece as ações peda-gógicas para o que está convencionado como in-fância, determinando proposições que contemplem a multiplicidade e a diversidade de seus sujeitos, bem como o reconhecimento de suas capacidades cognitiva, criativa, estética, expressiva e emocional.

INTERLOCUÇÕES ENTRE PSICOPEDAGOGIA E HISTÓRIA SOCIAL

As conexões entre as invenções da escola, da família e da infância A emergência de um novo discurso sobre

a escola – o ensino em nove anos - enseja a reflexão sobre alguns aspectos que considerem a história social da atividade escolar e o signifi-cado sócio-cultural desse espaço. Nesse sentido, uma variedade de conceitos, tais como os de infância, de família e escola, se emaranham em suas genealogias, tornando inviável qualquer tentativa de análise que os dissocie. Com a Psicopedagogia e sua possibilidade transversa-lizar, podemos buscar para essa análise aqueles

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pontos de confluência teórica onde se imbrica a complexidade da aprendizagem.

Por um lado podemos indicar a articulação da escrita como criadora de uma necessidade ances-tral de transmissão, pois, como refere Huertas4, o surgimento das primeiras culturas urbanas, no delta do Tigre e Eufrates*, gerou formas de viver que requeriam seu registro organizado e detalha-do. O armazenamento de registros administrativos, contas e transações agrícolas não podia contar ape-nas com a memória, e assim, com a escrita nasce a necessidade de formar escribas e, para tanto, foram criadas as “casas de tabuinhas”, registro histórico de espaço para o ensino da escrita.

Tais espaços contribuem para a sistematiza-ção da transmissão e podem ser compreendidos em sua dimensão de aprendizagem, tendo em vista a utilização de métodos que incluíam a prática de cópia e recópia pelos aprendizes, até que fossem capazes de reproduzir o sistema da escrita. Apenas os socialmente privilegiados tinham acesso a essas práticas, dedicando-se muitos anos ao domínio deste código, sob severa disciplina. Em diversas culturas, a escrita consti-tui-se como memória de civilização, tornando-se objetivo primordial da aprendizagem formal.

Também entre os gregos, nos primórdios da civilização ocidental, os espaços de transmissão são referidos em seu limitado acesso, aos adul-tos, principalmente, para o ensino da filosofia. O estudo da iconografia contribui através das obras de Rafaelo Sanzio, com Aula em Atenas e de Rembrandt, com Aula de Anatomia**. Já Huertas4*** refere um significado bastante inusual para escola: tempo de ócio. Salienta-se,

contudo, que esses espaços nos quais os gregos adultos desfrutavam de tempo livre eram espaço abertos.

Da mesma forma, um grande espaço aberto é a obra de Bruegüel, que viveu entre 1525 e 1569, denominada Jogos, ela tanto simboliza os modos como ocorriam as aprendizagens – trocas totalmente espontâneas, entre as várias faixas etárias, como indica formas de viver – as resi-dências abertas, para um espaço que pode ser entendido como a rua. Mais curioso nessa obra medieval é a ausência de crianças, isto é, elas ali estão, não com as feições como nós as represen-tamos, mas no modo como eram compreendidas naquela época: adultos em miniatura, conforme nos aportam os importantes estudos de Ariès5.

Com as pesquisas sobre a história social de Ariès, aprendemos que infância e família são con-ceitos criados entre os séculos XIX e XX, ambos crivados de propósitos nada inocentes. As concep-ções então vigentes dão conta do tempo reduzido de infância e do ingresso precoce nas atividades dos adultos. Se nos primeiros anos havia certa atenção, às vezes, tratamentos equivalentes a um animalzinho de estimação, a predominância das ações estavam voltadas aos cuidados alimentares e, mesmo a transmissão educativa ocorria fora do controle familiar. Embora estejamos encontrando nossas próprias formas de desconstituir a infância, nos impactamos com o anonimato e com o infan-ticídio tolerado pela moralidade neutra, como o foi até o fim do século XVII.

Quando a civilização conquista um novo lu-gar para a criança - a infância, também suscita uma outra concepção de família, agora forjada

* Próximo ao atual Iraque.

** Os pintores Rafaelo sanzio, que viveu entre 1483 e 1530, em sua obra Aula em Atenas e, Rembrandt, que viveu entre 1606 e 1669, em sua obra Aula de Anatomia, nos legaram o registro da presença dos adultos nos seus espaços (www.br.geocities.com); já Velazquez produziu Las niñas, entre 1634-1635 http://www.museoprado.es

*** O autor indica o ensino das letras para crianças e destaca a etimologia da palavra escola: (...) as crianças gregas iniciavam suas aprendizagens de leitura e escrita e a SKHOLE, literalmente ócio e tempo livre, foi o nome atribuído aos primeiros grupos de filósofos reunidos em torno de um mestre de prestígio. Convém ressaltar a ironia etimológica da origem da palavra escola, com a aprendizagem da leitura e escrita para o grupo de adultos liberados de suas atividades produtivas, dedicando seu tempo livre para atividade filosófica. (...).

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pelas demandas pré-industriais. A emergência das concepções de infância e família atende à diminuição drástica da população européia que se fazia sentir nos campos e nos exércitos. Várias forças sociais se voltam para a necessidade de reconfiguração de papéis que vão incidir sobre a criança, a mulher e, finalmente, sobre a família.

Em parte, está formado o cenário para a inven-ção da escola. Enquanto à mulher é atribuído o papel de mãe – tornado sublime pela consolidação da imagem sagrada da mãe de Deus, a vida social no século XIX se polariza em torno da família e da profissão. A família, então, se organiza em torno da criança que passa a centralizar cuidados, o controle da natalidade e a exigência de espa-ços privados. Altera-se o índice de mortalidade infantil, a criança obtém direito ao batismo, ao nome próprio, aos cuidados do corpo morto. A obra de Ariès, rica em indicações iconográficas utilizadas em sua pesquisa, destaca a consagração da infância pela presença imagética da alma: a Madona* segura uma criança embrulhada em panos, deixando a nudez para os inominados.

Durante a Idade Média e até o século XVIII, aquilo que se configuraria como conhecimento era transmitido mediante convivência, nas quais ocorria a mistura de idades e a comunicação do saber-viver e do saber-fazer. Porém, a crescente industrialização e outras formas de trabalho nos meios em urbanização exigiam, novamente, que as crianças fossem tomadas aos cuidados não familiares. Desse modo, temos mais um elemen-to para a conformação da escola, que, segundo Varela e Uria6, nasceu no interior de sociedades estratificadas e hierarquizadas e perpetuou-se às sociedades atuais, pouco se adequando às demandas de justiça e igualdade.

Como vemos, não é de hoje que se faz dos movimentos da escola o vetor de muitos estudos. Segundo Varela e Uria6, é necessário remontar-se a história, buscando discursos e práticas. A escola pública, gratuita e obrigatória, instituiu-se na pas-

sagem entre os séculos XIX–XX, porém forjou-se desde o século XVI, e para conhecer como se mon-taram suas peças é preciso rastrear continuidades obscuras, certos encaixes, articulações de interes-ses e relações de poder. Sobretudo, é preciso com-preender como vem ocorrendo sua manutenção e sua mudança ao longo dos anos, como importante fator de entendimento da escola hoje.

As condições sociais de aparição da escola indicam cinco principais elementos: definição do estatuto da infância; criação de um espaço específico destinado à educação de crianças; um corpo de especialistas sobre a infância; destruição de outros modos de educação; institucionalização, propriamente dita, da escola, ou seja, a imposi-ção da obrigatoriedade escolar decretada pelos poderes públicos e sancionada pela legislação6.

Nos primórdios dessa história, a escola assume a educação integral e as crianças são separadas dos adultos. A predominância das escolas, mesmo as públicas, sob cuidados de congregações religiosas contribuiu para o ca-ráter de moralização e religiosidade vinculado à educação. Diferente, pois, das escolas gregas para adultos, nas quais a forma de acesso ao conhecimento era a partir de problemas práticos da vida: a academia de Platão recorria ao método socrático maiêutico que se baseava nos diálogos, dirigindo-se mais à persuasão do que à repeti-ção. Huertas4 relata que, nas escolas religiosas, o ênfase ficava centrado no ensino da leitura, da escrita e do cálculo. Mesmo assim, a escola ensinava a ler e escrever não como um meio de ter acesso a outros saberes, mas sim como um fim em si mesmo. Já Varela e Uria6 destacam que desde seu surgimento a escola foi segmentada conforme a hierarquia social, desde sempre de-terminada pelas condições econômicas.

Se pensadores como Montessori, Pestalozzi e Fröebel dentre outros, conforme indicados por Jean Piaget7, difundem perspectivas mais abonadoras para a escola, deslocando os valores

* são exemplares as Madonas de Botticelli, que viveu entre os anos de 1445 e 1510. (http://www.pitoresco.com.br/universal/botticelli/botic.htm).

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mesquinhos do mero controle social para os que engrandecem esse espaço e seus profissionais, na segunda metade do século XX as transformações da escola são mais evidentes. As escolas públicas foram reconhecidas pela qualidade de seu ensi-no, mas cabe salientar que recebiam as classes consideradas média e alta. Somente, quando ganha força o movimento pela educação como direito de todos e ocorre o ingresso massivo de classes socioeconômicas desfavorecidas é que se torna evidente a que população se destinava seu ensino. Desde então, se aprofunda a segmenta-ção entre escolas públicas e privadas em relação às classes sociais e a qualificação do ensino.

A Constituição de 1988 consolida o acesso, no entanto, abre a porta para outros dilemas, pois o direito de aprender ainda não é reco-nhecido. Nesse cenário se agrega a globaliza-ção, a hegemonia capitalista, a mudança na disposição das informações, o que dá à escola mais outro sentido: deixar de ser um espaço privilegiado em relação à informação e sua transmissão.

As análises formuladas sob a perspectiva só-cio-histórica* adquirem sua real dimensão dian-te de velhos e novos problemas da educação, à medida em que compreendemos a infância, a escola e a família como concepções construídas e, portanto, mutáveis em cada sociedade. Assim, frente aos desafios e dilemas advindos da atual proposição de ensino em nove anos cabe uma pergunta fundamental – trata-se de reiterar nosso saber sobre a criança em relação a cada época: quem são as crianças de hoje?

DIÁLOGO COM PSICOPEDAGOGAS: O ENSINO DE NOVE ANOSCom o intuito de vincular uma discussão

teórico-prática, utilizamos o recurso de entre-vistas com profissionais em Psicopedagogia atuantes no âmbito escolar público ou privado. Convidamos as colegas – membros associados da ABPp/RS: Denise Maia, Magali Lima Mo-

raes, Marcia Dimer, Susi Sá e Tania Franciosi, considerando suas vinculações ao tema, suas experiências profissionais, suas presenças no dia-a-dia da escola, seus lugares como refe-rências junto aos fundamentos teóricos e aos saberes da Psicopedagogia.

Para a realização deste ensaio encaminha-mos um convite justificando a escolha do tema e das colegas, acrescido de um roteiro, no qual explicitamos questões que poderiam ser atendi-das, conforme a entrevistada o desejasse.

Nosso objetivo foi utilizar um instrumento de entrevista semi-estruturada (Quadro 1). Para análise das perspectivas apresentadas pelas colegas procuramos agrupar suas considerações de acordo com a relevância despertada pelas questões.

Quadro 1 – Questões possíveis para compor um ROTEIRO

• como entendes essa providência legal quanto ao seu efeito em relação a crianças, pais e professores?

• A escola em que trabalhas já tinha uma prática voltada para o início da alfabetização aos seis anos?

• Como começou, como foi o processo?

• Pensas que as escolas que estão começando agora estão em desvantagem?

• Essa medida equivale ao trabalho desenvolvido na chamada “pré-escola”?

• Como estão reagindo os pais com as mudanças?

• Os professores de tua escola como têm feito para atender às demandas de formação, de planejamento e de práticas?

• Soubemos que os pais ainda estão em dúvida se o filho “pulou” um ano e com isso irá se prejudicar, ou se o currículo “desceu” e com isso o filho começa a aprendizagem escolar mais cedo. Observas esse tipo de consideração?

• Essa nova situação tem proporcionado oportu-nidades de discussão sobre potenciais diferentes experiências e ritmos dos alunos em relação à aprendizagem escolar?

• Qual é sua posição sobre o tema?

* essa análise sempre conduz a situações paradoxais: assinalam a mutabilidade conceitual e os deslocamentos em função das forças sociais e das demandas econômicas, ao mesmo tempo em que faz perdurar certos dispositivos que se reproduzem em formatos diferentes conforme a época.

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Diante da implementação legal e o desen-cadeamento das atividades escolares voltadas para o ensino em nove anos, sintetizamos os relatos das psicopedagogas em relação às temáticas que compunham as questões. As es-

colhas feitas pelas convidadas contempla com mais ou menos ênfase os temas, de modo que nossa análise se estabeleceu de acordo com essa tendência. A relevância dos aspectos mais abordados está exposta no Quadro 2.

Quadro 2 – Demonstrativo dos aspectos temáticos de maior prevalência nas entrevistas realizadas com cinco psicopedagogas sobre ensino fundamental em nove anos – Porto Alegre, 2009.

Principais efeitos da providência

legal

• Garantir dois anos de trabalho na alfabetização;

• Garante o acesso das crianças de 6 anos na escola;

• Nos coloca em patamares similares aos dos demais países sul-americanos e europeus;

• Amplia simultaneamente o acesso e reforça a obrigatoriedade da matrícula;

• Oferece vantagem para criança de escola particular que vem de uma educação infantil e já trabalhou as habilidades que contribuem para a leitura e escrita;

• Pode ser vantagem na escola pública se for oportunizado à criança o espaço de brincar e socializar-se ao ambiente escolar e assim, entrar para a primeira série com seis anos como acontecia há anos no ensino particular;

• As pessoas ainda estão muito confusas;

• Reflexão que estamos fazendo e os vários olhares que estamos nos dispondo a dar;

• Possibilidade de flexibilizar o tempo para a alfabetização, que estava engessado em 1 ano.

A lei e a alfabetização

• Já começava antes: para a criança que completava 6 anos até dezembro do ano anterior à primeira série;

• Currículo pelo Método Montessori propõe alfabetizar a partir do momento em que cada aluno demonstra interesse e motivação;

• No primeiro ano dos ciclos havia um trabalho de desenvolvimento de habilidades, porém, como as crianças já tinham entre 7 e 8 anos de idade, algumas professoras, no 2º se mestre, introduziam uma prática voltada para o início da alfabetização.

significações para as escolas

• Grande alteração nas escolas públicas;

• Pensar que a qualidade não se resolve simplesmente começando mais cedo;

• É uma proposta nova; necessita dedicação;

• É um trabalho diferenciado, que envolve um novo planejamento, novas metas, e, um aspecto muito importante, a obrigatoriedade.

• Na escola particular, a criança já teve educação infantil, desenvolveu as habilidades pre vistas, então, já poderia ir para a 1ª série e terminar antes o ensino fundamental, entrar no ensino médio e passar no vestibular, sem cursinho.

Primeiro ano e educação infantil

• Não pode confundir: a lei é bem clara nesse sentido – não se trata de estender a educação infantil, o trabalho de 1º ano deve ter foco na alfabetização, mas com mais tempo;

• Se há confusão a criança perde porque – nos casos em que, não teve educação infantil, foi pouco estimulada, chega numa escola que quer alfabetizar;

• É preciso garantir que as crianças brinquem;

• É importante descobrir as habilidades escolares, conhecer caderno com linhas, aprender a ficar sentado junto com aprender a ler;

• Que se possa repensar a educação infantil como um período de constituição de um sistema de representação e de simbolização que são básicos para a saúde mental do ser humano e para o qual o brincar é fundamental e precisa ser respeitado e não abreviado ou ignorado.

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Continuação do Quadro 2

significaçõespara os pais

• Alguns pensam que é só mais um ano para pagar de escola;

• Alguns acham que pode ajudar em termos de vestibular: talvez seu filho chegue ao ensino médio mais preparado e consiga passar no vestibular mais cedo;

• Os pais estão atentos às mudanças, acompanhando o desempenho e a postura de seus filhos(as); procuram esclarecer suas dúvidas e tomam consciência do processo;

• Os pais (educação infantil) cobram dos professores trabalhos de alfabetização que prepare a criança para fazer uma primeira série com menos dificuldades.

Posições sobre os professores

• Estudar: a escola organizou grupos de estudos semanais, os professores estão estudando e adequando o currículo;

• As formações são políticas ou para cumprir o calendário, os professores precisam lutar;

• Em escola particular se sentem pressionados, temem que aumente a perda do tempo de brincar para as crianças;

• Precisam pensar em estimular a riqueza da diversidade e da participação envolvendo o aluno; há mais tempo para trabalhar um vasto leque de conteúdos;

• Refletir sobre as vantagens para todos, pois as crianças têm mais tempo para se alfab tizar e para trabalhar conteúdos básicos;

lugar da criança e da infância

• Um tempo maior para respeitar os diferentes tempos das crianças, menos pressão em termos de resultados e com abertura para o lúdico;

• Pensar nas crianças: até então, tinham que esperar um ano mais para iniciar o ensino fundamental e, muitas vezes, estavam também privadas de um bom trabalho na ed cação infantil;

• Oferecer à criança um ambiente escolar que reflita seu próprio mundo, respeitando seu ritmo, suas diferenças e individualidades, suas possibilidades e limitações;

• Que haja respeito pelo ritmo próprio, pela singularidade e para a constituição do sujeito;

FINALIZANDOCompartilhar as contribuições de profissio-

nais cuja proximidade com os espaços escolares e a formação em Psicopedagogia, bem como as reflexões oriundas dessa escuta e da busca por elementos conceituais é o que corresponde, nesse ensaio, aos aspectos conclusivos, caso ressultasse de uma pesquisa. Simplesmente explicitamos e socializamos as nossas preocu-pações e as de várias outras profissionais no intuíto de contribuir para uma reflexão ampla e duradoura, tal como merece o tema.

Consideramos as posições e as experiências diferenciadas de cada uma como parte da di-versidade de olhares, das suas próprias escutas, dos espaços socioculturais de suas inserções. Contudo, nos abstemos de qualquer pauta com-

parativa entre as suas posições, entre as da cada uma e as nossas e todas as proposições teóricas.

Mais do que finalizar com indicações e recomendações conclusivas, salientamos a necessidade permanente do diálogo entre nós psicopedagogas/os; nossa com segmentos de professores e pais. Acreditamos na perspectiva de que todos estamos aprendendo com esse novo desafio educacional e que as trocas entre pares e díspares sustenta a qualidade das nossas ações e a coresposabilidade que tais aprendizagens promovem como efeito de autoria nos processos de subjetivação do qual fazemos parte.

Nos parece pois sensato continuar perguntan-do sobre quem são as crianças hoje e no que se sustenta essa pergunta – crianças são “atravessa-das” pelos efeitos de infância produzidos em pro-

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cessos sociais, culturais de cada época/sociedade. Os nossos discursos e as nossas práticas estão, neste exato momento, constituindo uma história.

Está sob nosso poder atender aos aspectos que se entrelaçam em diversas polêmicas sobre a infância: o que pode haver entre perder o lúdico com a entrada no sistema escolar fundamental e os acessos que as crianças dispõem hoje e que a tornam mais familiarizadas com a escrita e seus suportes? O que pode haver entre as discrepân-cias da distribuição de acessos, pois sabemos que as crianças de classes populares são as mais desprovidas de ambientes “alfabetizadores”?

Nesse sentido e, finalizando, seguimos o pensamento de Barbosa e Horn8, para as quais precisaríamos ultrapassar a dicotomia, ou seja: o novo suscita um lugar novo e outra posição de ação. Não podemos continuar pensando na separação – de um lado a educação infantil, de outro, o ensino fundamental. Estamos convoca-

dos a pensar em algo novo, que, da perspectiva pedagógica, se configure como inventivo e inte-grador entre alfabetização e letramento, no qual se afirma o direito ao lúdico, o uso de linguagens simbólicas, a efetivação de relacionamentos afetivos e de ocupação com o meio ambiente natural e social, cuja intencionalidade contri-bua para a organização do tempo e do espaço em projetos significativos. E, sob a perspectiva psicopedagogógica, é mais uma vez o olhar e a escuta sobre os processos, os entrecruzamentos, as vicissitudes entre as singularidades dos que deles participam que demarcam nosso território de ação. A defesa ao lúdico extrapola os aspec-tos cognitivos demandados pela escolaridade, ela se coloca em uma dimensão de maior radi-calidade na conjuntura da aprendizagem em espaços e tempos ao longo da vida. Trata-se do direito de aprender de acordo com a própria singularidade.

SUMMARYPsychoeducation in everyday school dilemmas and discoveries: with

teaching nine years

Magnification of elementary school for nine years has been provoking discussions and impasses, despite being a current practice in a parcel of private schools in the country. The current recommendation is to not anticipating content and yes a readjustment of structural and pedagogical conditions so that, effectively, there may be a qualification in elementary school. The opportunity to contribute to the reflection on the theme articulate three movements: seeking testimonials from professionals entered into everyday private and public school; organize conversation theoretical standing thought and action of Psychoeducation on its interfaces with Education, Pedagogy and Social History, so the place of childhood problematizing in our current society and thereby understand, learning relations that present themselves in this new school setting. The third movement articulates the testimonials and the conversations in order to understand how the plot in everyday school the theme addressed.

KEY WORDS: Psychoeducation. Family. Child. Learning.

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Trabalho realizado no consultório privado das auto-ras, Porto Alegre, RS, Brasil.

Artigo recebido: 15/6/2010Aprovado: 27/10/2010

REFERÊNCIAS1. Pozo JI. Aprendizes e mestres: uma nova

cultura da aprendizagem. Porto Alegre: Art-med;2002.

2. Turkenitz A. Famílias ocidentais no século XX. In: Franceschini I, Portella FO, org. Fa-mília e aprendizagem relações necessárias. 2ª ed. Rio de Janeiro: Wak; 2008.

3. Barbosa MCS. Culturas escolares, culturas de infância e culturas familiares. In: Educa-ção e sociedade. Campinas: 2007. Vol. 28.

4. Huertas J. A. Motivación querer aprender. Buenos Aires: Aique;2001.

5. Ariès P. História social da criança e da famí-lia. Rio de Janeiro: Zahar;1978.

6. Varela J, Uria F. Arqueologia de la escuela. Madrid: Piqueta;1991.

7. Piaget J. Psicologia e Pedagogia. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária;1998.

8. Barbosa MCS, Horn MGS. Projetos peda-gógicos na educação infantil. Porto Alegre: Artmed; 2008.

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ARTIGO DE REVISÃO

RESUMO – Introdução: Existe uma relação estreita entre as habilidades sociais e a linguagem pragmática. Objetivo: Tendo em vista que a “inocência” apresentada por indivíduos com Autismo de Alto Desempenho (AAD), que apresenta correlação direta com prejuízos nas habilidades sociais, este artigo tem como objetivo definir quais aspectos da linguagem contribuem para isso. Método: Para tal, lança mão da Teoria Cognitiva da linguagem, uma vez que preconiza uma ponte entre aspectos linguísticos, cognitivos e sociais. O paralelo entre o Falante Inocente de Fillmore (1979) e dados de pesquisas anteriores (Mousinho, 2003; 2010) e testemunhos extraídos de autobiografias de indivíduos com AAD (Grandin & Scariano, 1986; Williams, 1992) foi a articulação escolhida para o objetivo traçado.

UNITERMOS: Transtorno autístico. Linguagem. Comportamento social.

o faLante inocente: Linguagem pragmática e habiLidades sociais no

autismo de aLto desempenho

Renata Mousinho – Fonoaudióloga. Doutora e mestre

em Linguística pela Universidade Federal do Rio de

Janeiro. Professora da Graduação em Fonoaudiologia

da Faculdade de Medicina da Universidade Federal

do Rio de Janeiro. Coordenadora do projeto ELO:

escrita, leitura e oralidade UFRJ.

Correspondência

Renata Mousinho

Av. das Américas, 2678 – casa 11 – Barra da Tijuca –

Rio de Janeiro, RJ, Brasil – CEP: 22640-102

E-mail: [email protected]

Renata Mousinho

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INTRODUÇÃO Existe uma relação estreita entre as ha-

bilidades sociais e a linguagem pragmática, comumente conceituada como o uso social da língua. Falar de forma gramaticalmente correta é insuficiente para ser uma pessoa hábil social-mente. Linguagem usada em contexto social exige habilidades interacionais e cognitivas. Para advogar em favor deste ponto de vista, Fillmore1 propôs o termo “falante inocente” para retratar um indivíduo que reconhece estru-turas gramaticais, sem, no entanto, estabelecer inferências.

Dificuldades nas habilidades sociais e prag-máticas estão no cerne das dificuldades no autismo. Descrito desde 1943 por Leo Kanner, trata-se de um transtorno do desenvolvimento caracterizado por apresentar dificuldades, ba-sicamente, em três áreas: déficits nas habilida-des sociais, no uso comunicativo da linguagem verbal e não-verbal, e comportamentos restritos e repetitivos. As dificuldades pragmáticas em geral e as dificuldades na compreensão da linguagem figurada mais especificamente têm sido pesquisadas com mais frequência na última década, tanto no Brasil quanto no exterior2-5.

Tendo em vista que o “falante inocente” apresenta correlação direta com alguns pre-juízos nas habilidades sociais observados no Autismo de Alto Desempenho (AAD), este ar-tigo objetiva discutir os aspectos da linguagem pragmática que contribuem para isso. Para tal, vai lançar mão da Teoria Cognitiva da lingua-gem, que preconiza uma ponte entre aspectos linguísticos, cognitivos e sociais. O paralelo entre o Falante Inocente de Fillmore1 e dados de pesquisas anteriores6,7 e testemunhos extraídos de autobiografias de indivíduos com AAD8,9 foi a articulação escolhida para o objetivo traçado.

O AUTISMO DE ALTO DESEMPENHOOs dois pioneiros da descrição do autismo

são Leo Kanner (Estados Unidos), com publica-ção datada de 1943, e Hans Asperger (Áustria), cujo trabalho foi escrito no idioma alemão, em 1944. O trabalho deste segundo pesquisador

não foi amplamente divulgado neste período, dada à dificuldade de leitura deste idioma em diversos países. De qualquer forma, nos dois trabalhos, os autores chamaram atenção para crianças que apresentavam características co-muns notáveis, presentes provavelmente desde o nascimento. Eles enfatizaram aspectos rela-cionados à forma particular de comunicação, à dificuldade de adaptação ao meio social, às estereotipias motoras e ao caráter enigmático e irregular das capacidades intelectuais10.

A definição de autismo, ou psicopatia autís-tica, dada por Asperger, parece ser mais ampla do que a de Kanner, pois ele incluiu inicialmente tanto pacientes com lesões orgânicas graves, como pacientes próximos da “normalidade”. Asperger (in Wing11) descreveu crianças com uma alteração fundamental, manifestada por meio de seus comportamentos e modos de ex-pressão, que gera dificuldades consideráveis e bem típicas na integração social: a singularidade do olhar, a mímica facial pobre, a utilização da linguagem de forma pouco natural, falam mais como adultos do que como crianças, a falta de humor, o pedantismo, a invenção de palavras, a impulsividade de difícil controle, dificuldade em aprender o que os adultos ou professores ensi-nam, os centros de interesse bastante pontuais, e a capacidade frequentemente presente para a lógica abstrata. O autor citou, igualmente, al-gumas peculiaridades da linguagem não verbal, como a falta de contato olho a olho e alterações de gestos, postura e qualidade vocal.

Muitas pesquisas se desenvolveram desde então, permitindo verificar que tais compor-tamentos podem se mostrar mais ou menos intensos, abrangendo uma amplitude bastante grande de sujeitos, o que possibilita usar o termo Transtorno do Espectro Autístico12. A diferenciação entre a Síndrome de Asperger e o Autismo de Alto Desempenho também tem sido bastante discutida nos últimos tempos, e há variáveis que prejudicam tal distinção, dispondo as duas condições em um campo dimensional13. Este foi o posicionamento escolhido para o de-senvolvimento do presente artigo, que vai se

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focar em indivíduos autistas sem dificuldades gramaticais, a fim de que as habilidades prag-máticas e sociais possam ser melhor discutidas.

UMA REVISÃO SOBRE LINGUAGEM PRAGMÁTICA E HABILIDADES SOCIAIS NO AADEstudos realizados por Ozonoff et al.14 com-

pararam as funções executivas e a cognição social em autistas de alto funcionamento aos controles semelhantes no que se refere a QI verbal, QI de desempenho, idade, sexo e raça. Observou-se que o grupo de autistas de alto funcionamento, em comparação com o grupo controle, evidenciou prejuízo nas tarefas que envolviam funções executivas e de planejamen-to. Os resultados sugeriram 3 possibilidades: existência de dois déficits primários no autismo, um na Teoria da Mente e outro na função exe-cutiva, ou os déficits da função executiva são primários e os déficits da Teoria da Mente são secundários, ou ainda, os dois déficits derivam de alguma deficiência mais básica nas funções pré-frontais.

Ozonoff e Miller15 propuseram um estudo abordando as contribuições de estudos do he-misfério direito para a compreensão dos déficits de comunicação no autismo. Critérios sensíveis a lesões do hemisfério direito foram utilizados em adultos autistas sem retardo mental e em controles. A bateria experimental incluiu me-didas para humor, inferência e compreensão indireta. Se as piadas demandassem reinter-pretação e uma reanálise do material prévio, a dificuldade era bastante grande, o que, segundo os autores, apontava para um déficit na flexi-bilidade cognitiva. Os resultados do teste de inferência também foram compatíveis com a hi-pótese de dificuldade de flexibilidade cognitiva, uma vez que as respostas corretas suscitavam a capacidade de reinterpretar a informação em uma nova perspectiva. Os dados forneceram indícios empíricos para similaridades entre o grupo de autistas de alto desempenho e pessoas com lesões específicas do hemisfério direito, o que permite pensar que o hemisfério direito

pode estar envolvido nos déficits sociais e de comunicação do espectro autístico.

Mousinho7 analisou as habilidades semânti-co-pragmáticas de sujeitos AAD, considerando parâmetros da Linguística Sociointeracional e também da Linguística Cognitiva. No que diz respeito aos parâmetros interacionais, Gumperz16 resumiu o conceito de “pistas de contextualização” como sendo todos os traços linguísticos que contribuem para a sinalização de pressuposições contextuais, sejam elas ver-bais ou não-verbais. Goffman17 propôs o termo “footing” como uma mudança no enquadre de eventos, sendo a mudança de “footing” marcada pela linguagem de forma verbal ou por meio de marcadores paralinguísticos. Bate-son18 demonstrou que durante uma interação é necessário distinguir o enquadre que delimita o enunciado, como sendo, por exemplo, uma discussão ou uma piada.

No que diz respeito às habilidades semântico-pragmáticas associadas à compreensão da lin-guagem figurada, as noções abordadas foram:

• projeção – “mapping”19,20, que se refere à faculdade humana de produ-ção, transferência e processamento do significado; presente em estrutu-ras como metonímias;

• mesclagem–“blending”20, que é a conexão entre domínios conceptu-ais, que projetam parcialmente suas estruturas formando um terceiro espaço, o espaço mescla, com estru-tura emergente própria; presente em estruturas como metáforas;

• mudança de enquadre – “frame-shifting”21, que é um processo de operação de reanálise semântica que reorganiza a informação exis-tente em um novo modelo cognitivo (frame); presente em estruturas con-trafactuais e piadas.

Houve dificuldade em todos os parâmetros avaliados, o que impacta diretamente o desen-volvimento das habilidades sociais nos sujeitos avaliados.

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O CONCEITO DE FALANTE INOCENTE DE FILLMORENo intuito de contrapor a noção de falante/

ouvinte ideal em uma comunidade linguística homogênea, Fillmore1 sugeriu uma segunda idealização, que chamou de falante/ouvin-te inocente (innocent speaker/hearer). Para caracterizá-la, descreveu a capacidade que esse indivíduo teria para reconhecer estrutu-ras gramaticais e processos que envolvessem os morfemas e o significado de cada um, sem que fosse capaz de estabelecer inferências entre o que diz e o que o outro ouve. Seria ca-paz de dizer tudo o que é passível de ser dito. Entretanto, seu discurso seria lento, cansativo e pedante.

Dentre suas limitações, apresentaria o dis-curso baseado na composicionalidade. O falante inocente não seria capaz de atribuir significados à reunião de alguns morfemas, pois tenderia apenas a somar o significado de seus cons-tituintes. Um exemplo, facilmente traduzido para o português, é a diferença entre carce-reiro (jailer) e prisioneiro (prisoner). Cárcere e prisão apresentam significados similares, mas ao se acrescentar o sufixo eiro, e todas as suas possibilidades de uso, deixam de ter o mesmo significado, fato dificilmente assimilado pelo falante/ouvinte inocente.

O falante/ouvinte inocente também apresen-taria dificuldades com expressões idiomáticas (lexical idioms). Se ouvisse, por exemplo, a expressão “Your goose is cooked” (Seu ganso está cozinhando), que poderia corresponder em português a “Sua batata está assando”, ele poderia ficar: preocupado com o ganso (no caso em inglês) se ele tivesse um; feliz, caso tivesse trazido para o jantar um ganso ou uma batata; confuso, caso não tivesse nem um, nem outro.

O falante/ouvinte inocente não se utilizaria de colocações lexicais, que não estejam base-adas necessariamente em relações de sentido. Para ilustrar, o termo “blithering idiot at all” (blightering do termo bligth – má sorte, mal-dição; idiot – idiota; at all – absolutamente, de modo algum), aproximando-se do português

como um “idiota completo”, expõe a impos-sibilidade de se extrair o significado do todo, a partir do significado isolado das palavras. A adaptação de algumas expressões para deter-minados tipos de situações seria extremamente complicada para os falantes/ouvintes inocen-tes. Não haveria associações situacionais para expressões como “This hurts me more than it hurts you” (Isso me machuca mais do que a você). No entanto, poderiam ser utilizadas, eventualmente, locuções opacas como “speak of the devil” (fala do diabo), reconhecidas de forma automática.

O falante/ouvinte inocente seria inábil para construções metafóricas e não veria razão para a linguagem se construir metaforicamente. Ao se propor, hipoteticamente, a sentença metafórica “I’ll stand behind you” (Eu ficarei atrás de você), em português mais utilizado como “Eu estarei ao seu lado”, ao invés de ser interpretado como uma frase para confortar ou dar suporte, poderia desencadear a procura de uma pessoa atrás de si, no caso do inglês, ou ao seu lado, no caso do exemplo em português.

De um modo geral, o falante/ouvinte inocen-te não usaria mecanismos interpretativos para comunicação indireta, ou seja, significar uma coisa, dizendo outra, ou princípios de coerência de texto que levam a ler as entrelinhas. Se fosse possível supor que ele gosta de ser lisonjeado, ele se sentiria dessa forma ao ouvir “You have a very lovely left eye” (Você tem um belo olho esquerdo). Em português, teria o similar “O branco dos olhos é bonito”, fazendo referência ao resto do corpo que não deve ter essa carac-terística.

O falante/ouvinte inocente teria dificuldade para entender a estrutura de texto, ou seja, situar trechos de textos de acordo com os tipos propos-tos. Um exemplo é a estrutura de carta no Japão, em que o preâmbulo sempre contém comentários sobre a estação. Dificilmente, ele compreenderia que as folhas caídas pelo chão do jardim estariam relacionadas a essa convenção.

Essa descrição do falante/ouvinte inocente torna-se especialmente interessante, na medida

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Tabela 1 - Falante/ouvinte inocente X indivíduos com AAD.FALANTE/OUVINTE INOCENTE INDIVÍDUO AAD

1 Discurso lento, cansativo e pedante Discurso pedante, unilateral, prosódia monótona

2 Baseia-se na composicionalidade(morfemas e palavras)

Costuma responder pela soma de Partes, sem realizar a mescla

3 Dificuldades com expressões idiomáticas Tende a pensar nelas ainda na forma experenciada

4 Inadequação de expressões a Situações (apenas opacas)

Usa expressões colocadas, mesmo que não sejam opacas, o que fica inadequado

5 Inabilidade para construções metafóricas Poucos realizam o processo de Mesclagem neces-sária às metáforas

6 Não usa mecanismo interpretativos para comu-nicação indireta

Dificuldades com funções pragmáticas - projeção nem sempre realizada

7 Dificuldade para entender a Estrutura de texto Nem sempre a moldura comunicativa é clara, incluindo a de textos

em que se observa que várias características de pacientes com AAD são similares a caracterís-ticas desse indivíduo idealizado por Fillmore1, analogia que será realizada na próxima seção.

FALANTES/OUVINTES INOCENTES DE FILLMORE E PESSOAS COM AAD: ESTÁ SE FALANDO DO MESMO SUJEITO? É incrível notar as semelhanças dos falantes/

ouvintes inocentes com a caracterização dos pacientes com AAD, sobretudo ao se pensar que a grande difusão do texto de Asperger, ao ser traduzido para o inglês, se deu nos anos oitenta, logo depois da publicação do texto de Fillmore1, em 1979, que nunca escreveu sobre autismo. Para se traçar um paralelo mais cuidadoso en-tre essas duas situações, serão comparadas, na Tabela 1, as características principais da pro-posta deste autor, associadas às características propostas por diversos estudiosos da área2-5,22.

Cada um dos itens selecionados na Tabela 1, numerados de 1 a 7, será discutido a partir de da-dos e resultados de pesquisas prévias baseadas na Linguística Cognitiva5,6, quando os sujeitos não estiverem identificados, bem como em des-crições contidas em autobiografias de sujeitos AAD, mais especificamente Temple Grandin8 e Donna Williams9.

1. Discurso lento, cansativo e pedante / discurso pedante, unilateral, prosódia mo-nótonaEstas são características descritas desde o

primeiro trabalho de Asperger, traduzido para o inglês em 199123. O pedantismo é também um dos itens a serem observados no diagnós-tico clínico pela Associação Americana de Psiquiatria24 e pela Organização Mundial de Saúde25. Ao falar sobre o incômodo que sente ao conversar, um dos pacientes explicita clara-mente esse comportamento linguístico típico: “...eu tenho mania de usar palavras difíceis fora de hora... porque eu vejo as pessoas fa:: ter uma conversa assim ampla’ fluente’ enten-deu” E eu quero me igualar a essas pessoas e eu não consigo. Fica me faltando palavras difíceis pra pra/ ... pra enfeitar’ ´pra enfeitar a conversa”.

Uma conversa com um paciente com AAD pode ser um tanto quanto cansativa, igualmen-te, pelo caráter unilateral, sem a reciprocidade típica dos diálogos, como no exemplo abaixo em que o interlocutor propõe um novo tópico, mas o paciente fala algo que não se relaciona nem ao que estava sendo dito antes, mantendo o enquadre, nem à nova proposta, mostrando não se alinhar ao discurso.

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(Falando sobre a cidade de Petrópolis, as-sunto que surgiu a partir da conversa sobre o boliche e a distância onde ele se localizava)

L.S.: é lá onde antigamente a repórter Maria Valente estava fazendo uma reportagem na Globo.

Interlocutor: é mesmo’’ Eu não sei. E lá onde fica o Museu Imperial’ você já ouviu falar da Rua Teresa que é uma rua de roupas’’.

L.S.: é.Interlocutor: então’ é lá. É muito’ muito longe

daqui’ aí acontece que eu não sei onde fica o tal do/

L.S.: sabe qual novela da Globo estreou no lugar de Esplendor?

Interlocutor: hã’’

2. Esse item uniu duas características pro-postas por Fillmore, que têm a mesma natu-reza, a do discurso baseado na composicio-nalidade, seja de morfemas ou de palavras.Como observado em Mousinho6, ques-

tionados sobre o significado das metáforas propostas por sintagmas nominais não-com-posicionais, pacientes AAD responderam pela soma de partes, sem realizar a mescla, como ilustrado a seguir: AMOR FERIDO como “... amor que ss está doente”, AMOR MODERNO, como amor “... que se moderniza”, AMOR LOUCO, “... que faz loucuras” ou ainda AMOR FORTE “... é o amor que faz força”. Às vezes, nem mesmo a soma das partes é realizada, e observa-se que a explicação é calcada em apenas uma das partes, como na resposta para AMOR SEGURO “É quando uma pessoa segura alguma coisa”. Fica claro que tais interpretações não são suficientes para abarcar todo o significado do discurso, colocando em xeque o pressuposto de que o significado está unicamente nas palavras.

3. Dificuldades com expressões idiomáti-cas/ tendem a pensar nelas ainda na forma experenciada Em Grandin e Scariano8, exemplifica-se

o provável comportamento de uma criança

com esse transtorno do desenvolvimento, mediante a expressão americana “hoje vai chover canivetes”, na qual ela provavelmen-te se protegeria sob uma mesa, baseando-se na forma experencial. Um outro exemplo é a explicação de AMOR PERIGOSO utilizada por alguns pacientes, que tomam como referência a forma experenciada, como em “...parece que tá com uma corda aqui (mostrando a figura) uma corda aqui no meio do coração”. Outro paciente, ao ser questionado sobre o que seria AMOR PERIGOSO respondeu que é “quando a pessoa tá machucada” e ao se perguntar como, a resposta foi “caindo no chão”; ou ainda em AMOR FERIDO com a explicação “é que está com a lágrima” ou em AMOR LOUCO com a explicação “parece que tá com a língua pra fora”. Outro exemplo é a forma como um adolescente reagiu diante da pergunta se já tinha comido O PÃO QUE O DIABO AMASSOU. Ele alegou nunca ter comido uma coisa horrível como aquela, que jamais iria comer e que, se comesse, vomita-ria. Também nesse exemplo a interpretação se volta para o campo experencial, com base na experiência corporal, sem que o espaço da mescla possa ser atingido.

4. Inadequação de expressões a situações (apenas opacas)/ usam expressões coladas, mesmo que não sejam opacas, o que fica inadequadoUma passagem em Grandin e Scariano8 es-

clarece o uso bizarro de algumas expressões, mostrando como Temple passa a se utilizar de termos cujo significado desconhecia, sim-plesmente por considerá-los sonoros, repe-tindo, sem parar, de forma obsessiva. Temple Grandin8 conta um trecho de sua vida em que, desconhecendo o significado, passou a repetir incessantemente um palavrão justamente pela força que as pessoas davam quando falavam, o que parecia bastante atraente. Demorou até perceber o constrangimento causado em al-guns profissionais de sua escola, até que eles lhe falaram abertamente. Essa situação ilustra

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claramente o impacto da linguagem pragmática nas habilidades sociais.

Em uma situação de interação espontânea em uma consulta, um paciente buscou a mudan-ça de tópico somente para utilizar uma expres-são muito repetida pela mídia na época “Cigarro faz mal à saúde”, que ficou inapropriada em seu discurso, mesmo na tentativa de encontrar um contexto para justificá-lo. A conversa girava em torno da apresentadora de televisão Angélica, quando repentinamente um paciente fala:

P.J.: você fuma ou não”Interlocutor: nãoP.J.: não fuma”Interlocutor: nãoP.J.: porque cigarro faz mal à saúdeInterlocutor: é eu não gosto de cigarroP.J.: cigarro cigarro faz mal à saúde”Interlocutor: fazP.J.: mas tem artista que fuma”Interlocutor: temP.J.: tem muitos ou poucos artistas que fumam”Interlocutor: eu acho que tem:: mais ou menosP.J.: hum:: mas se algum artista fumar eu vou

falar que faz mal à saúde

Logo após, mudou-se novamente de tópico, ficando esse trecho descontextualizado na tentativa de diálogo. Vale observar que a pos-tura é ingênua, pois o paciente não percebe que a moldura comunicativa típica de um en-contro de um fã com um artista não permitiria o alerta de que fumar faz mal à saúde. Além de tudo, em nossa sociedade quase todos co-nhecem os malefícios do tabaco, incluindo os artistas, e, se o paciente pudesse se colocar no ponto de vista dos artistas fumantes, mais uma vez perceberia o quão imprópria seria sua observação.

5. Inabilidade para construções metafóri-cas/ poucos realizam o processo de mescla-gem necessário às metáforasMais uma vez o exemplo de Temple8, descri-

to no capítulo III, poderá exemplificar a dificul-dade na compreensão de metáforas. Ela relatou

não compreender o que significava “uma janela para o paraíso”, frequentemente dito por pes-soas a sua volta. Certo dia entrou em contato diretamente relacionado à experiência, ao se deparar com a visão de uma linda paisagem, conseguindo, então, correlacioná-la à metáfora.

Em contexto de avaliação, em alguns mo-mentos, pacientes explicitaram essa dificuldade específica com a compreensão de metáforas, como nos dois trechos a seguir, o primeiro referente à metáfora “O amor naufragou” e a segunda, resposta de dois pacientes, mediante a expressão “... é uma gata”:

AMOR NAFRAUGOUInterlocutor: quando a gente fala assim: o

amor daqueles dois naufragou. O que que a gente quer dizer”

A.Y.: não sei não sei

... É UMA GATAInterlocutor: a Xuxa é uma gata’’C.L.: é (2.5)Interlocutor: porquê’’C.L.: não sei ...Interlocutor: Vem cá, diz pra mim, vc acha a

Ana Paula Arósio uma gata?L.S.: Ela é uma gataInterlocutor: Volta pra Ana Paula Arósio...

Não, tô lá na Ana Paula Arósio ainda. Eu acho ela um jaburú

L.S.: Não seiInterlocutor: Vc acha ela uma gata ou jabu-

ru? Fala pra mimL.S.: Sei lá ... Que, ué vamos ver se mudamos

o assunto

Os pacientes percebem que não compreen-dem o significado, que solicita o processamento de mesclagem, que eles não conseguem reali-zar espontaneamente. No caso do testemunho de Temple, ela pode fazer a mescla depois de escutar muitas vezes a metáfora e entrar em contato com sua base experencial.

6. Não usam mecanismos interpretativos para comunicação indireta/ dificuldades

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com funções pragmáticas – projeção nem sempre de fácil realizaçãoAo referir os testemunhos de pessoas adultas

com AAD, pode-se identificar essa dificuldade em Williams9, quando a mesma refere que seus amigos a convidam para “tomar um cafezinho” e ela recusa por não gostar de café, e não per-ceber a intenção do encontro social.

No exemplo de um adolescente, em que foi dado o estímulo, “O porteiro avisou a polícia: o edifício está reclamando do barulho do vizi-nho”, quando questionado sobre quem havia reclamado de fato, primeiro disse que aquilo não estava escrito “Ah eu eu não vi (++) não tem não tem escrito isso não” (mostrando que necessita dele estar explícito para que possa responder), e quando se insistiu sobre quem é que na verdade estava reclamando do barulho do vizinho, a resposta foi “deve ser o o o por-teiro”. Da mesma forma ocorre nos exemplos abaixo, em que um mesmo paciente responde a duas propostas sem utilizar recursos de inter-pretação indireta:

Na primeira página do jornal estava estam-pada a notícia: “O Maracanã comemorou o gol do Brasil” – Quem, na verdade, comemorou?

T: o MaracanãInterlocutor: o Maracanã comemora”T: maracá/ quem comemorou o gol do Brasil”Interlocutor: como é que o Maracanã come-

mora”T: (7 seg) Copa do mundo

O técnico de futebol fez o seguinte comen-tário: “O camisa dez fez um golaço” - Quem, na verdade, fez o gol?

Interlocutor: quem fez um golaço”T: (...)Interlocutor: foi a camisa que fez”T: o técnico de futebolInterlocutor: quem fez o gol”T: o técnico

7. Dificuldade para entender a estrutura de texto/ nem sempre a moldura comunicativa é clara, incluindo a de textos

O desabafo de um dos pacientes, tentando relativizar as dificuldades escolares apresenta-das ao longo de sua vida, ao falar da disciplina de filosofia, pode exprimir como ninguém suas limitações “... é meu ponto fraquíssimo... porque é uma matéria que que requer muita::: inter-pretação..... a matéria interpretativa é o x do problema.” Da mesma forma, ao ser perguntada porque era difícil a parte de interpretação, a res-posta de uma paciente com AAD foi “... porque tem que ler o texto..... tem que responder...”. A dificuldade acadêmica apresentada por todos eles, apesar de uma inteligência considerada normal através de testes clássicos de QI, pode ser em grande parte gerada com essa inabili-dade com textos, base da escolaridade formal, além de todas as outras dificuldades linguístico-cognitivas já apontadas.

CONSIDERAÇÕES FINAISA linguagem pragmática está direta e inti-

mamente relacionada às habilidades sociais. Em Autistas de Alto Desempenho estas são questões que se evidenciam.

Dentre as dificuldades pragmáticas de indi-víduos com AAD, ilustradas a partir das carac-terísticas do “Falante Inocente”, destacam-se o discurso lento, cansativo e pedante, baseado na composicionalidade, inadequação no uso e compreensão de expressões e metáforas, dificuldades com expressões idiomáticas, com mecanismos interpretativos para comunicação indireta e com interpretação de textos.

A semelhança entre a idealização do “falante inocente” de Fillmore1 (1979), e as dificuldades vividas por pacientes com AAD, é mais um fator que corrobora a escolha da Linguística Cognitiva, que une aspectos lin-guísticos, cognitivos e sociais. As dificuldades nas habilidades pragmáticas e sociais em pacientes com Autismo de Alto Desempenho não seriam passíveis de serem abordadas por linhas mais formalistas, cujas preocupações estivessem focadas na boa formação dos as-pectos gramaticais, ignorando informações do contexto social.

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SUMMARYThe innocent speaker: pragmatic language in high functioning autism

Introduction: There is a close relationship between social skills and pragmatic language. Objective: Considering that the “innocence” experienced by individuals with High Functioning Autism (HFA), that has a direct correlation with impairment in social skills, this paper aims at defining which aspects of language can to contribute to this behavior. Methods: This paper uses the cognitive approach of language, which links linguistic, cognitive and social domains. The parallel between the speaker Innocent of Fillmore (1979) and data from previous research (Mousinho, 2003; 2010) and cores extracted from autobiographies of individuals with High Functioning Autism (Grandin & Scariano, 1986; Williams, 1992) was chosen for the joint goal.

KEY WORDS: Autistic disorder. Language. Social behavior.

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Trabalho realizado na Universidade Federal do Rio

de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

Artigo recebido: 5/8/2010

Aprovado: 28/10/2010

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Mind Map como instrumento psicopedagógico de mediação para o desenvolvimento das funções psicológicas superiores

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ARTIGO DE REVISÃO

RESUMO – Introdução: A sociedade contemporânea passa por um momento sem precedentes na história da humanidade, principalmente, no que tange a produção de conhecimento, que se traduz numa dinâmica de múltiplas relações. Contudo, a educação, mais precisamente o processo ensino-aprendizagem quase não avançou. Dentre outros problemas, o abuso da medicalização e a falta de recursos didático-pedagógicos têm sido freqüentes no meio educacional. Diante desse cenário é necessário investigar novas possibilidades de intervenção à prática didático-pedagógica tendo como objetivo instrumentalizar os educadores com recursos capazes de dar suporte à formação integral do indivíduo, garantindo o desenvolvimento de sua autonomia. Objetivo: O objetivo do presente estudo foi investigar o “Mind Map” como atividade de mediação para auxiliar a prática psicopedagógica. Método: A metodologia adotada foi uma pesquisa descritiva com revisão bibliográfica baseada em autores que escreveram sobre a temática explorada. Resultados: Os resultados obtidos mostraram que o Mind Map pode ser usado como atividade mediadora voltada a desenvolver as funções psicológicas superiores já que possibilita ao indivíduo focar a sua atenção; organizar conceitos por categoria; desenvolver o raciocínio indutivo e dedutivo; desenvolver a memória voluntária; relacionar conceitos; ampliar a percepção e a capacidade de reflexão. Conclusão: Os resultados mostraram a eficiência da estratégia pesquisada no desenvolvimento das funções psicológicas superiores.

UNITERMOS: Atenção. Memória. Criatividade

Mind Map como instrumento psicopedagó-gico de mediação para o desenvolvimento

das funções psicológicas superiores

Lucy Duró Matos – licenciada em Pedagogia,

MBA em Gestão de Pessoas, e Pós-graduada em

Psicopedagogia e Medicina Comportamental pela

Universidade Federal de São Paulo. Possui formação

no Programa de Enriquecimento Instrumental (PEI)

pelo Centro Brasileiro de Modificabilidade Cognitiva e

Master-Practitioner em Programação Neurolinguística

(CBMPEI), PNL pela Actius Desenvolvimento e

Liderança.

Correspondência

Lucy Duró Matos

Av. Otacílio Tomanik, 343 ap.51b – Butantã – São

Paulo, SP, Brasil – CEP: 05363-000

E-mail: [email protected]

Lucy Duró Matos

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matos ld

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INTRODUÇÃOO mundo atravessa profundas mudanças so-

ciais, culturais, políticas, filosóficas, institucionais e educacionais e a transformação de uma socie-dade industrial para uma sociedade de serviço é comprovada a cada dia. Novos recursos tecnológi-cos estão surgindo e a quantidade de informações disponibilizadas a cada dia, em tempo real, em todo mundo é surpreendente. Surgem novas re-alidades científicas e outras vão sendo superadas.

Contudo, o avanço tecnológico e as infor-mações produzidas pouco contribuíram com o processo ensino e aprendizagem. Pelo contrário, segundo Cortella1, a sala de aula quase não so-freu alteração, há décadas a sua configuração é a mesma, com exceção de raríssimos casos.

Até pouco tempo, a responsabilidade sobre o fracasso no processo de aprendizagem era voltado ao alunado, haja vista a reprovação escolar, recurso seletivo, favorecendo uns em detrimento de outros. Atualmente, a atribuição da responsabilidade sobre o fracasso é dirigida a diversas fontes: alega-se que crianças e jovens da sociedade contemporânea estão submetidos a um cenário de superestimulação permanente, presente nos meios de comunicação de massa; que as salas de aula estão, cada vez mais, lota-das; que os salários dos professores continuam defasados; que há uma precariedade de recursos, sejam eles de ordem metodológica ou tecnológi-ca; que o número de famílias desestruturadas é maior; que os pais ou são permissivos e ausentes, ou autoritários e agressivos e que as políticas pú-blicas pouco fazem para a melhoria da educação.

Embora o paradigma atual implique a iden-tificação de “culpados”, até o momento, os resultados demonstram que a “culpabilidade” não trouxe avanço, pelo contrário, o número de crianças e jovens com dificuldade de apren-dizagem aumenta significativamente. Assim, entendemos que o objetivo para a solução do problema não está na “caça às bruxas”, como em uma visão maniqueísta de busca a culpados. É necessária uma atitude frente aos problemas relatados. Quem sabe começar pela assunção de responsabilidade e iniciativa, partindo daquele

que tem o conhecimento do assunto àquele que escolheu estar à frente do processo de ensino e aprendizagem: o(a) profissional da educação, como mediador, fazendo uso de instrumentos de mediação voltados à formação do conhecimento em uma ação educativa?

Nessa direção, o presente estudo apresenta uma revisão bibliográfica que buscou investigar e analisar por meio de uma pesquisa de nature-za teórico-conceitual, o “Mind Map”2 ou Mapa Mental como atividade mediadora para o desen-volvimento das funções psicológicas superiores3.O problema da pesquisa é: de que forma o “Mind Map”2 ou Mapa Mental como nova possibilida-de de registrar o conhecimento pode contribuir com o desenvolvimento das funções psicológi-cas superiores?

Seu objetivo foi identificar novos recursos para auxiliar a prática do profissional da educa-ção no processo ensino e aprendizagem, frente às demandas do mundo contemporâneo.

Ao registrar o conhecimento utilizando o “Mind Map”2, o indivíduo desenvolve as fun-ções psicológicas superiores, ou seja, foca a sua atenção ao buscar o conceito-chave para elaborar seu mapa; organiza os conceitos por categoria; desenvolve uma dinâmica de pensa-mento parte-todo e todo-parte, quando pratica o raciocínio indutivo e dedutivo; entende o sentido de classificar e comparar como base de planejamento; otimiza a memória voluntária já que faz uso de imagens e símbolos; relaciona conceitos; amplia a percepção e a possibilidade de reflexão ao desenvolver uma visão macro de um dado problema.

Em função dos limites que o artigo traz em si, o assunto será tratado de uma maneira mais ob-jetiva, serão destacados os conceitos relevantes para a pesquisa: aprendizagem e conhecimento, educação, mediação do conhecimento e “Mind Map”2 como objeto dessa mediação.

O método utilizado apoiou-se em uma revisão bibliográfica descritiva. Os dados da presente pesquisa foram coletados em auto-res que escreveram a respeito da temática explorada.

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REVISÃO DA LITERATURAA aprendizagem é o meio pelo qual o indi-

víduo apropria-se do conhecimento que, por sua vez, é construído histórico-culturalmente3.

O desenvolvimento humano acontece com base em estruturas geneticamente determina-das, Maturana e Varela4 conceituam que:

“... cada vez que, nos organismos de uma mesma espécie, se desenvolvem estruturas independentes das peculiari-dades de suas histórias de interação, diz que tais estruturas estão geneticamente determinadas e que os comportamentos que elas possibilitam são instintivos”.

Quando o bebê nasce, aprende a alimentar-se, manipulando e sugando o seio materno que, em contrapartida, lhe oferece estímulos suficientes para motivá-lo a continuar processando o movi-mento. Embora seja um comportamento instintivo, é na tentativa de obter o alimento que o recém-nascido aprende a mamar. Entretanto, todo seu de-senvolvimento cognitivo se dá ontogeneticamente.

Quando, pouco depois de nascer, o bebê pressiona o peito de sua mãe e suga o mamilo, ele o faz independente de ter nascido de parto natural ou cesariana, ou de se veio ao mundo num luxuoso hospital de Santiago ou no interior.Ao contrário, se as estruturas que tornam possíveis determinadas condutas nos membros de uma espécie se desenvol-vem somente se há uma história particu-lar de interações, diz que as estruturas são ontogenéticas e que as condutas são aprendidas4. (grifo do autor)

Um exemplo ilustrativo é o episódio das crianças resgatadas (ou arrancadas) em uma aldeia na Índia ao serem encontradas com uma família de lobos que as havia criado em total isolamento do contato de humanos. Quando foram encontradas, não tinham nenhum com-portamento humano, não sabiam caminhar so-bre os pés e moviam-se apoiadas nos cotovelos e joelhos simultaneamente, de quatro, assim como os lobos. Só queriam comer carne crua e tinham hábitos noturnos A mais nova morreu

pouco depois de ser encontrada e a maior viveu apenas 10 anos4.

O caso traz consigo o entendimento da cons-tituição do humano no homem a partir da sua relação com a cultura.

Feuerstein conceituou o que aconteceu no caso relatado como a ‘síndrome da privação cultural’, entendida como ausência ou insu-ficiência de interações sociais específicas que mobilizem o aparato cognitivo do indivíduo a se desenvolver. Inclusive, o que lhe permitiu elaborar este conceito foi o fato de ter vivido, durante a Segunda Guerra Mundial, em cam-pos de concentração nazistas com crianças, cujos pais morreram em câmaras de gás. Eram crianças de 8, 9 anos, completamente analfabe-tas. Feuerstein refere que elas não conseguiam organizar seu pensamento nem suas ações5.

Depois de desenvolver um trabalho com elas, durante 7 anos baseado em sua teoria “a experi-ência da aprendizagem mediada”, essas crianças tornaram-se adultos inteligentes. O relato baseado na experiência de Feuerstein demonstra o quanto a interferência humana e cultural é importante no desenvolvimento cognitivo do indivíduo5.

Conforme o autor, cultura “é um processo me-diante o qual aprendizagens, atitudes e valores são transmitidos de uma geração para outra”5.

Para Maturana e Varela4, o sistema nervoso está em constante mutação estrutural, ou seja, possui uma plasticidade que lhe permite de-senvolver-se na relação com o meio. O sistema nervoso transforma-se com as relações. Além disso, em geral, tem a mesma configuração nos indivíduos de uma mesma espécie.

Entre o zigoto fecundado e o adulto – no pro-cesso de desenvolvimento e diferenciação celu-lar – à medida que se multiplicam os neurônios vão se ramificando e se conectando, segundo uma arquitetura que é própria da espécie4.

Se o meio é a condição prévia de desenvol-vimento de todos os seres humanos, mesmo aos que apresentam necessidades especiais, todos têm condições de aprender. É evidente que a plenitude da condição de aprender está relacio-nada a um funcionamento biológico adequado.

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A dor provocada pelos tombos, muitas vezes, não impede a criança de aprender a andar. O ato de falar também é um processo de intera-ção. Portanto, é comum que os seres humanos passem pelo processo do aprender a mamar, a andar, a falar, a beber, a comer e, assim, suces-sivamente. Aprender é inerente ao humano4.

A vida é um processo de conhecimento, e é importante entender como os seres vivos conhe-cem o mundo. “Conhecer é uma ação efetiva, ou seja, uma efetividade operacional no domínio de existência do ser vivo”4.

Até o século passado, “o conhecimento era visto como uma representação fiel da realidade, independente da presença do conhecedor”, a teoria predominante privilegiava a objetividade em detrimento da subjetividade4.

Com a contribuição de muitos estudiosos, hoje, o mundo, e, consequentemente, tudo o que lhe é pertinente, começa a ser percebido e entendido como algo integrado.

De modo análogo, é exemplificado que ao dar um passeio pela praia, ao fim do percurso, o indivíduo estará diferente, por sua vez, a praia também com suas pegadas impressas na areia4.

Assim [...] se a vida é um processo de conhe-cimento, os seres vivos constroem esse conhe-cimento não a partir de uma atitude passiva e sim pela interação. Aprendem vivendo e vivem aprendendo. Pode-se dizer que modificam o mundo e são modificados por ele.

Desse modo, o indivíduo não está restrito a simples reflexos, estímulo-resposta e, muito menos, é modelado socialmente. Segundo Rego6, embora a questão da constituição humana ainda seja motivo de debates e discussões no campo da Psicologia, do ponto de vista teórico pode-se afirmar que as abordagens inatistas e ambienta-listas estão praticamente superadas. Atualmente, admite-se que a individualidade não é constitu-ída a priori nem é dada pela pressão social. A formação humana transcorre em um processo de mediação na relação do homem e meio cultural.

Logo, a concepção de educação bancária cunhada por Freire7, na qual sugere que o(a) professor(a) deposita conteúdos, de forma uni-

lateral, na cabeça de seus alunos, para depois sacá-los no dia da prova, está descredenciada.

O educador(a) e os recursos didáticos fun-cionam como mediadores entre o aluno e o conhecimento. É com a sua contribuição que o aluno como individualidade se constitui9.

A aprendizagem acontece a despeito de seu objetivo e como ela ocorre na inter-relação com o meio, ela acontece todo o tempo1. O educador tem uma grande responsabilidade no processo ensino e aprendizagem, além de ser considerado modelo, é por seu intermédio que os eventos ganham significado.

De acordo com a Psicopedagogia existe uma importância no posicionamento do ensinante e do aprendente, na relação entre ambos, na interface sujeito e objeto do conhecimento, portanto, no processo de mediação10.

A concepção de Fernandes10 refere que a Psi-copedagogia ainda não detém aportes significati-vos sob a ótica da aprendizagem para entender a relação mãe e filho, considerada a primeira pre-sença na vida de um indivíduo. Conduzindo esse processo para a sala de aula, o aluno transforma o conhecimento que incorpora, mas, por sua vez, transforma a situação educativa, o professor e seus companheiros. O aluno transforma-se e com sua transformação transforma o outro. Isso ocorre na mediação com o objeto do conhecimento10.

A respeito da apropriação do objeto do conhecimento pelo sujeito, a autora citada10 relata uma passagem que oferece condições de entendimento sobre o aprender. É um diálogo que presenciou entre duas irmãs:

- Vou aprender a nadar – disse Silvina com a alegria de seus seis anos recém refeitos.- Vai nadar? – intervém a irmã, três anos mais jovem.- Não, vou aprender a nadar.- Eu também vou brincar na piscina.- Não é o mesmo. Eu vou aprender (grifo da autora) a nadar – diz Silvina.- O que é aprender?- Aprender é...como quando o papai me ensinou a andar de bicicleta. Eu queria muito andar de bicicleta. Então...papai

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me deu uma bici...menor do que a dele. Me ajudou a subir. A bici sozinha cai, tem de segurar andando...- Eu fico com medo de andar sem ro-dinha. - Dá um pouco de medo, mas papai segurava a bici. Ele não subiu na sua bicicleta grande e disse: ‘Assim se anda de bici...’ Não, ele ficou correndo ao meu lado sempre segurando a bici...muitos dias e, de repente, sem que eu me desse conta disso, soltou a bici e seguiu correndo ao meu lado. Então eu disse: Ah...APRENDI!” Uma mulher que escutava a cena de lon-ge não pode deixar de ver a alegria do “aprender”(grifo da autora) pronunciado, que havia se trasladado até o corpo da menor e aparecia do brilho dos seus olhos. - Ah! Aprender é quase tão lindo quan-to brincar – respondeu.- Sabe, papai não fez como na escola. Não me disse ‘Hoje é dia de aprender a andar de bicicleta. Primeira aula: andar direito. Segunda aula: andar rápido. Terceira aula: dobrar. Não tinha um boletim onde anotar: muito bem, exce-lente, regular... porque, se tivesse sido assim, não sei, algo em meus pulmões não teria me deixado aprender.

O diálogo entre as duas irmãs traduz a im-portância da mediação contemplada, tanto pelo instrumento cultural, a bicicleta, como pelo pai, o mediador responsável pela apropriação do conhecimento pela menina em um processo educativo. E o andar de bicicleta é apenas uma entre as inúmeras faces dessa apropriação.

De acordo com a perspectiva histórico-cultural, esta apropriação acontece na relação do indivíduo com o meio social. Dessa forma, o homem produz o conhecimento sobre si mesmo e sobre o mundo que o rodeia.

Como bem ressalta Oliveira9, com base em Vigotsky, os significados são produzidos pelas interações dos indivíduos em um ambiente histórico-cultural, em uma relação mediada.

“Mediação, em termos genéricos, é o proces-so de intervenção de um elemento intermediário

numa relação: a relação, então deixa de ser di-reta e passa a ser mediada por esse elemento”9

(grifo da autora).No caso homem e meio, de um lado está o in-

divíduo e, do outro, o objeto do conhecimento. O mediador encontra-se na interface sujeito e objeto.

Para Vigotski11, o mediador está no fator cultural que pode ser representado por signos ou instrumentos. Estes fornecem significados à ação, conferindo um sentido ao homem, portanto, exercem um papel fundamental na constituição do sujeito.

É importante destacar que esta ação do sujeito não é indiferente, como na perspectiva pavloviana. Isso fica claro quando Vigotsky11, a partir da analogia da ligação telefônica de Pavlov, referindo-se ao reflexo condicionado e incondicionado, afirma que se alguém resolver amarrar um barbante no dedo para lembrar-se de algo, existirá nessa ação uma associação con-dicionada temporária, mas não há como negar que existe um autor, que de forma deliberada resolveu usar esse recurso para lembrar algo. “Este é o aspecto que distingue as formas su-periores das formas inferiores”.

A invenção e o uso de signos como meios auxiliares para solucionar um dado problema psicológico (lembrar, comparar coisas, relatar, escolher, etc.) é análoga a invenção e o uso de instru-mentos, só que agora no campo psicoló-gico. O signo age como um instrumento da atividade psicológica de maneira análoga ao papel de um instrumento no trabalho. Um sistema de regras pode ser um meio (signo) empregado para haver um controle de comportamento11.

“Os instrumentos psicológicos alteram o modo de o ser humano perceber, analisar, resol-ver problemas, etc., ou seja, modificam as fun-ções cognitivas humanas”9. Ainda considera que:

“...são inúmeras as formas de utilizar signos como instrumentos que auxiliam no desempenho de atividades psicoló-gicas. Fazer uma lista de compras por escrito, utilizar um mapa para encon-

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trar um determinado local, fazer um diagrama para orientar a construção de um objeto e dar um nó num lenço para não esquecer um compromisso são apenas alguns exemplos de com cons-tantemente recorremos a mediação de vários tipos de signos para melhorar as nossas possibilidades de informações e de controle da ação psicológica”9.

A cultura oferece ao ser humano uma linha de instrumentos, para que ele possa dar conta de agir sobre o mundo em um sentido definido: estes são os instrumentos culturais. Os instru-mentos culturais são divididos em dois grandes grupos: ferramentas culturais e instrumentos psicológicos ou meios simbólicos5.

As ferramentas culturais são todos os instru-mentos, meios materiais que transformam os ob-jetos do mundo, dando poder de ação ao homem, tais como: a roda, o trator, a guitarra elétrica, dentre outros. A ferramenta cultural é tida como um objeto social, sua função é intervir na ação humana, em sua relação com o mundo, de modo que facilite esse processo. Por exemplo, ao utilizar um martelo, o homem precisa empregar um meio simbólico que defina seu uso, da mesma forma ao tocar guitarra, é preciso aprender o sistema de no-tas musicais e suas respectivas posições no braço da guitarra. Ou seja, ao tentar dominar o objeto ou instrumento cultural o homem está pensando este objeto, enquanto pensa está se constituindo5.

Da mesma forma, o sistema de símbolos, cuja função é organizar os signos em estruturas com-plexas e articuladas, pode contribuir com o de-senvolvimento dos processos mentais superiores ou funções psicológicas superiores. Além de mo-dificar a forma como o homem relaciona-se com a realidade, alterando sua própria constituição.

Por intermédio da mediação feita a partir dos instrumentos psicológicos, símbolos e os signos de uma cultura que são alteradas as funções cognitivas humanas. Por meio dessas funções, o homem desenvolve suas capacidades e ha-bilidades e amplia seu campo de percepção5.

A presença humana é fundamental no pro-cesso de experiência da aprendizagem mediada e estabelece três critérios para que esta ocorra: intencionalidade por parte do mediador e re-

ciprocidade por parte do mediado, significado e sua construção, estimulada pelo mediador, e transcendência, ou seja, a possibilidade de apli-car o conceito aprendido de maneira contextuali-zada. Dessa forma, é configurada a mediação de intencionalidade e de reciprocidade, mediação de significado e mediação de transcendência5.

Feuerstein afirma que se pode entender o mediador tanto como elemento cultural como ação humana. Assim, o profissional da educação pode contar com o Mind Map ou Mapa Mental2, como recurso ou estratégia de mediação, capaz de contribuir com o desenvolvimento das fun-ções psíquicas superiores.

Até o momento, os conceitos apresentados foram: a aprendizagem, o conhecimento, a educação e a mediação do conhecimento, como processo de constituição humana.

Para investigar o Mind Map2 ou o Mapa Men-tal fomos à quem de direito desenvolveu o con-ceito: Buzan2. O referencial teórico do autor está apoiado sobre as bases da Neurociência. Sendo assim, é preciso conhecer, mesmo que de forma superficial, o funcionamento do cérebro humano, com base na perspectiva do autor, para aproximar e entender o processo pelo qual os Mind Maps2 ou Mapas Mentais podem se transformar recursos de mediação auxiliares à prática psicopedagógica.

A vida surgiu na Terra há 3.500,000 anos, porém a humanidade apenas conhece a localiza-ção do cérebro há 500 anos. Os antigos filósofos acreditavam que ele encontrava-se no coração e no estômago, mas só nos últimos 30 anos fizeram as grandes descobertas a respeito desse órgão2.

O peso do cérebro é de, aproximadamente, 350g no bebê e 1,4 kg no adulto, possui, por volta de, 100 bilhões de células, ou neurônios. Cada neurônio é capaz de fazer de 10 a 200 mil sinapses12 ou conexões.

Ao combinar apenas as dez primeiras tarefas realizadas por uma pessoa, em uma manhã, em cada sequência possível, o resultado seria 3.628.800 (três milhões seiscentos e vinte e oito mil e oitocentos) combinações diferentes. Transpondo esse resultado para as conexões entre os neurô-nios o número representaria a combinação de 100 bilhões de neurônios com 10 mil sinapses13. Com

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base nessa hipótese, seria possível afirmar que o cérebro é dotado de um enorme potencial? Para responder a esta pergunta é preciso estuda-lo2.

Entre as décadas de 1960 e 1980, em um laboratório da Califórnia, foi realizada uma pesquisa que mudou o paradigma vigente sobre o conhecimento do cérebro humano. Segundo Buzan2, em 1981, Roger Sperry, do Califórnia Institute of Technology, recebeu o prêmio Nobel de Medicina, e Robert Ornstein ganhou fama mundial, por terem descoberto que as duas me-tades do cérebro, “os dois hemisférios cerebrais, que estão ligados por um conjunto imensamente complexo de fibras nervosas, designado corpo caloso, são essencialmente responsáveis por diferentes tipos de atividade mental”.

“Na maioria das pessoas, o hemisfério esquerdo é responsável pelo funcionamento lógico, pelas palavras, raciocínio, operações numéricas, linearidades, funcionamento analí-tico, etc., as chamadas atividades ‘acadêmicas’2.

Enquanto o hemisfério direito é responsável pelo “ritmo, imagens mentais e imaginação, cores, sonho acordado, reconhecimento de fa-ces e reconhecimento de padrões ou mapas”2 (grifo nosso). As descobertas feitas até agora demonstraram que o cérebro humano tem muito mais potencial do que previamente se pensava2.

Para Buzan2 “o discurso verbal era entendido como um processo linear entre pessoas. Durante as últimas centenas de anos, o senso comum pensou que a mente humana funcionava de forma linear, em jeito de elaboração de listas”. A justificativa estava na observação da forma de comunicação verbal, na qual a palavra é proferida sequencialmente, uma após a outra e assim se traduz na palavra impressa, dando origem a uma linearidade verbal e escrita.

As pessoas aprenderam na escola a escrever apenas de forma linear por meio de frases ou listas verticais. A aceitação desta forma de re-gistrar as ideias é tão antiga que muito pouco foi questionado a esse respeito. Todavia, pes-quisas recentes demonstram o quanto o cérebro é multidimensional.

O pressuposto de que o homem é capaz de operar mentalmente sobre o mundo supõe um

processo de representação mental e com ele sua relação com o mundo em um processo mediado.

Ao se observar como as palavras viajam do locutor ao interlocutor e como este último processa internamente as informações, pode-se chegar à seguinte conclusão: as palavras recém-chegadas ao cérebro provocam toda uma dinâmica de relações em um processo contínuo intrincado e multifacetado.

Cada pessoa atribui um sentido às palavras. Vi-gotski3 chama esse processo de linguagem interior. “A linguagem interior é um movimento dinâmico, instável, fluido”, pessoal e intransferível. Uma única palavra pode despertar o entendimento de um universo semântico de tal expressividade que seria impossível traduzi-la em sentido oposto, ou seja, da linguagem interior para a palavra.

Palavra e pensamento não se separam, fun-cionam de uma maneira integrada, com base em conceitos chaves, portanto as anotações se organizadas e registradas de maneira análoga, ou seja, “fluida, instável e dinâmica”3, com uso de imagens sob forma de desenhos e fotos, símbolos, ilustrações, diagramas, etc., poderiam traduzir um desenvolvimento maior da expressão, contribuin-do para a organização do pensamento3.

“Mind Map”2 é um instrumento desenvolvido para registrar o conhecimento de maneira multidi-mensional, visual e lúdica. É uma ferramenta que possibilidade a reflexão sobre um determinado assunto já que permite articular ideias, partindo de uma visão global, a ter rapidez perceptiva, velocidade de raciocínio, relações figurativas, memória voluntária, relações semânticas, etc.

Existem algumas leis fundamentais na con-fecção de um mapa mental, conforme Buzan2 orienta: inicia-se no centro, com o conceito principal, sob forma de imagem, de preferência bastante apelativa, esta desenvolve a criativi-dade. As palavras devem ser escritas em letra bastão para facilitar a compreensão, além disso, devem ser colocadas sobre linhas, e cada linha deve estar ligada a outras linhas. Deve-se colocar apenas uma palavra por linha e estas represen-tam conceitos pertinentes ao tema principal. É importante que os conceitos sejam hierarquiza-dos. (Anexo 1).

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Cada linha e palavra devem ser feitas de uma cor, para desenvolver a criatividade, agradar a visão e estimular os processos do hemisfério direito. O objetivo é possibilitar a relação dos conceitos periféricos com o tema central. Assim, o processo de construção do Mapa feito com auxílio de signos; símbolos; imagens; sinais como setas, pontos de excla-mação, asteriscos; formas geométricas; três dimensões; imagens criativas e cores além de facilitar a memória voluntária, permite relações importantes para fim de reflexão. A utilização de símbolos facilita a compreensão, assim como imagens e cores têm um signifi-cado especial. Como já foi citado, o cérebro pensa de uma forma complexa2.

Segundo nosso entendimento, se for soli-citado a uma pessoa que pense em chocolate, imediatamente o cérebro buscará uma forma chocolate que envolverá uma série de fenô-menos e lembranças, ela poderá pensar em barras de chocolate - com ou sem papel - ou em um bolo de chocolate, ou brigadeiro, é provável que não pense nas letras ou na pa-lavra chocolate.

As investigações sobre o cérebro desenvol-vidas por Sperry, Ornstein e Zaidel confirmam estas afirmações. As técnicas de organização do pensamento e elaboração de apontamentos realizadas com o objetivo de atender às neces-sidades do cérebro, como um todo, deveriam

incluir não só palavras, mas também imagens, cores números, ordenação, sequência, linhas, dimensão, símbolos, etc2.

Dessa forma, o indivíduo poderia desen-volver melhor a sua percepção ao utilizar um conjunto de meios simbólicos para representar graficamente seu pensamento, já que conceitos expressos por meio de signos e símbolos enri-quecem o diálogo interno.

Assim, para favorecer o potencial do cé-rebro, em sua totalidade, deve-se levar em consideração a dinâmica expressa nas relações entre os elementos que constituem o todo, integrando-os de uma forma articulada.

Os “Mind Maps”2 ou Mapas Mentais auxiliam a tendência do cérebro humano de buscar resolu-ção a um contexto iniciado e permite uma sequ-ência infinita de tentativas com o uso de símbolos, desenhos e palavras. Flexibiliza o pensamento para mover-se em diversas direções, despertando a criatividade, favorecendo as relações.

Quando se finaliza um “Mind Map”2, todos as informações necessárias encontram-se à disposição da memória voluntária. O cérebro tem acesso a todo o conjunto, simultaneamen-te, possibilitando, além da visão global, uma melhor articulação entre ideias.

CONSIDERAÇÕES FINAISAo contrário dos sistemas tradicionais de

anotações, como textos e listas, o “Mind Map”2

não adota um esquema de registro linear (Anexo 2). Tendo a característica simbólica de um neu-rônio, ele reproduz de forma análoga, a essa célula, a conexão a outras no cérebro, formando uma rede natural de conexões que se irradiam em torno de um conceito principal.

Funciona co m uma combinação de pala-vras e imagens que permite registrar os dados com maior agilidade e eficiência, explorando o potencial do cérebro.

Desse modo, ao registrar o conhecimento utilizando o “Mind Map”2, o indivíduo d e s e n v o l v e a s f u n ç õ e s p s i c o l ó g i c a s superiores, ou seja, foca a sua atenção ao buscar o conceito-chave para elaborar seu

ANEXO 1Arroz

Feijão

Milho

Grãos

Alface

Escarola

Brócolis

Verduras

Carne

Frango

PeixeProteínas

Frutas

Banana

Maçã

Mexerica

Beterraba

Cenoura

Pimentão

Legumes

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ANEXO 2

AvaliaçãoProgressiva

ObjetivoReestruturação Feedback

GlobalizadoCapitalista

Pós-industrialMultinacionaisComplexidade

DesmatamentoAquecimento

ViolênciaDesigualdades

FormaçãoBanalização

Ambientais

SociaisCulturais

ProblemasContemporâneo

ProuneReuneCapes

CotasNegros

IndígenasPobres Políticas públicas

Formativa

InterdisciplinaridadeConsciência crítica

AutonomiaConstrução

Ser FocoCooperativa

Compartilhada

Visão fragmentadaEspeficifista

MemorizaçãoTer Foco

CompetitivaLinear

Cartesiana

Educação

Tradicional

Formação didático-pedagógica

Dimensão

Conceitual

Procedimental

Atitudinal

BásicaEducação - Níveis

AfetividadeConsciência ModeloCompromissoResponsabilidadeDesenvolvimento Humano

Educação infantilEnsino FundamentalEnsino MédioEnsino Técnico

Pós-graduação

Educação superior

Conhecimento técnico

Doatica EstratégiasRecursos

voluntária já que faz uso de imagens e símbolos; relaciona conceitos; amplia a percepção e a possibilidade de reflexão ao desenvolver uma visão macro de um dado problema. Os resultados mostraram a eficiência da estratégia pesquisada.

mapa; organiza os conceitos por categoria; desenvolve uma dinâmica de pensamento parte-todo e todo-parte, quando pratica o raciocínio indutivo e dedutivo; entende o sentido de classificar e comparar como base de planejamento; otimiza a memória

SUMMARYMind map as mediation strategy for the development of higher

psychological functions

Objective: The aim of this study was to identify a strategy to contribute to the mediation process focused on the development of higher psychological functions. Method: The methodology adopted was a descriptive literature review based on articles and writers on the theme explored. Results: The results showed that, by registering the knowledge using the Mind Map, the individual can: integrate both of the brain hemispheres, as he uses words, images and also colors; focus his attention when pursue the concept key for preparing his map; organize the concepts by category; develop the formal logic, when practices the inductive and deductive reasoning; understands the meaning of sort, compare and serialize as a basis for planning; and enhances perception to develop a macro view of a problem. Conclusion: The results given above show the efficiency of the researched strategy in developing the higher psychological functions.

KEY WORDS: Attention. Memory. Creativeness.

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404

REFERÊNCIAS 1. Cortella MS. A escola e o conhecimento. 7a

ed. São Paulo:Cortez;1998. 2. Buzan T. Saber pensar. 4a ed. Comemorati-

va 21 anos. Lisboa:Presença;1995.3. Vigotsky LS. A construção do pensamento

e da linguagem. Trad. Bezerra P. São Paulo: Martins Fontes; 2001.

4. Maturana HR, Varela F. A árvore do conhe-cimento: as bases biológicas da compreensão humana. 6a ed. São Paulo: Palas Athena; 007.

5. Gomes CM. Feuertein e a construção mediada do conhecimento. São Paulo: Artmed; 2002.

6. Rego TCR. A indisciplina e o processo educativo: uma análise na perspectiva vygotskiana. In: Aquino JG, org. Indiscipli-na na escola. 11ª ed. São Paulo:Summus; 1996. p. 101-27.

7. Freire P. Educação como prática da liberda-de. 17a ed. Rio de Janeiro:Paz e Terra; 1979.

8. Ferreira ABH. Miniaurélio século XXI: o minidicionário da língua portuguesa. Co-ordenação e edição Anjos M, Ferreira MB. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; 2000.

9. Oliveira MK. Vygotsky: aprendizado e de-senvolvimento: um processo sócio-históri-co. 2a ed. São Paulo: Scipione; 1997.

10. Fernandes A. Os idiomas do aprendente: análise das modalidades ensinantes com famílias, escolas e meios de comunicação. Porto Alegre: Artmed; 2001.

11. Vigotsky LS. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológi-cos superiores. São Paulo: Martins Fontes; 2003.

12. Lent R. Cem bilhões de neurônios: con-ceitos fundamentais de Neurociência. Rio Janeiro:Atheneu; 2005.

13. Dryden G, Vos J. Revolucionando o apren-dizado. São Paulo: Makron Books;1996.

Trabalho realizado na empresa Evoluir Educacional,

São Paulo, SP, Brasil.

Artigo recebido: 30/5/2010

Aprovado: 7/8/2010

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Formação de proFessores e inclusão escolar

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ARTIGO de RevIsãO

RESUMO – Objetivo: Apresentar uma revisão bibliográfica de artigos que tratam da formação de professores para a inclusão escolar da pessoa com deficiência, tendo como base os resumos de artigos publicados na SciELO até o primeiro semestre de 2010. Método: Foram utilizados descritores a partir da combinação de três palavras-chave e seus derivados: professores, inclusão escolar e formação e analisou-se: instituição dos autores, revistas que publicaram os artigos, ano de publicação, palavras-chave, temática ou problemática, objetivos, tipo de deficiência, referenciais teóricos, instrumentos, sujeitos, resultados e conclusões. Resultados: Com relação à formação dos profissionais da Educação, ainda parece prevalecer uma valorização da formação continuada, embora a preocupação com a formação inicial já esteja presente. A análise dos resumos aponta para a presença de ações formativas baseadas em processos de desenvolvimento e aprendizagem da docência, no entanto, a racionalidade técnica ainda se faz presente. Quanto ao processo de formação dos professores sobre a inserção dos deficientes no ambiente escolar, a discussão se mantém de forma generalista. Como continuidade dessa pesquisa os textos serão analisados na íntegra. Tal análise possibilitará compreender a relação entre a produção científica acadêmica e os documentos das diretrizes de políticas públicas de inclusão, além da relação entre o currículo e a organização dos espaços e tempos escolares.

UNITERMOS: Docentes. Inclusão escolar. Pessoas com deficiência.

Formação de proFessores e inclusão escolar de pessoas com deFiciência: análise

de resumos de artigos na base scielo

Marcos Vinícius de Araújo – Psicólogo pelo Mackenzie, Mestre e Doutorando em Distúrbios do Desenvolvimento, Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, Universidade Presbiteriana Mackenzie, Professor Assistente II do Curso de Psicologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Robson Jesus Rusche – Psicólogo pela PUC-SP, Mestre e Doutor em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano (USP). Professor Adjunto I do Curso de Psicologia, Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, Universidade Presbiteriana Mackenzie. Rinaldo Molina – Psicólogo pela UNESP, Mestre (UFSCAR) e Doutor (FE-USP) em Educação. Professor Adjunto I do Curso de Psicologia, Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, Universidade Presbiteriana Mackenzie. Luiz Renato Rodrigues Carreiro – Psicólogo pela UFF, Mestre e Doutor em Fisiologia Humana pelo ICB-USP. Professor Adjunto I do Programa de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento, Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, Universidade Presbiteriana Mackenzie.

CorrespondênciaProf. Dr. Luiz Renato Rodrigues CarreiroUniversidade Presbiteriana MackenzieCentro de Ciências Biológicas e da SaúdePrograma de Pós-Graduação em Distúrbios do DesenvolvimentoRua da Consolação, 896, Prédio 38 / Térreo – Centro – São Paulo, SP, Brasil –CEP 01302-907E-mail: [email protected]

Marcos vinícius de Araújo; Robson Jesus Rusche; Rinaldo Molina; Luiz Renato Rodrigues Carreiro

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araújo mV et al.

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INTRODUÇÃOO objetivo deste trabalho é apresentar uma

revisão bibliográfica de artigos que tratam da formação de professores para a inclusão escolar da pessoa com deficiência, tendo como referên-cia os artigos publicados na base de dados da SciELO até o primeiro semestre de 2010.

As pesquisas de caráter bibliográfico têm como finalidade mapear a produção acadêmica nos di-versos campos do conhecimento. Ferreira1 aponta que, nos últimos quinze anos, tem se produzido um conjunto significativo de pesquisas conhecidas pela denominação estado da arte ou estado do conhecimento2-8. Tais pesquisas contribuem para o aprimoramento das reflexões a respeito das prá-ticas educacionais no próprio campo de trabalho, além de auxiliarem os estudos e outras pesquisas na construção da práxis e do planejamento das políticas públicas em Educação.

A discussão teórica que permeia a análise dos resumos estudados neste trabalho está pau-tada nas concepções de formação permanente, desenvolvimento e aprendizagem profissional dos professores, inclusão e educação especial na perspectiva da educação inclusiva. Tais concepções foram extraídas principalmente da legislação vigente em Educação e de autores da área educacional.

Para a discussão dos resumos foram tomados os seguintes pontos: instituição dos autores, revistas que publicaram os artigos, ano de publicação, palavras-chave, temática ou pro-blemática, objetivos gerais, tipo de deficiência, referenciais teóricos, instrumentos, sujeitos, resultados e conclusões apresentados.

FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A INCLUSÃO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIAA constituição do paradigma da inclusão

ocorreu a partir de compromissos históricos as-sumidos de forma coletiva pelos movimentos de luta internacional por direitos sociais como, por exemplo, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), o Pacto Internacional dos Di-reitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966), a

Convenção sobre os Direitos da Criança (1989), a Conferência Mundial sobre Educação para Todos (1990) e o Relatório para a UNESCO da Comis-são Internacional sobre Educação para o Século XXI (1996). Inclusão, nesse sentido, significa compartilhar o processo de humanização, numa experiência de construção coletiva que coloca todos na condição de sujeitos. Nesse processo, descoisificam-se as pessoas, possibilitando que se tornem sujeitos de suas próprias vidas9.

Foi na Declaração de Salamanca (1994) que a educação de crianças e jovens com necessidades educativas especiais se aproximou da educação inclusiva, ao defender que as pessoas com neces-sidades educativas especiais devem ter acesso às escolas regulares, e estas devem se adequar por meio de uma pedagogia centrada na criança, capaz de ir ao encontro de suas necessidades.

Considerando-se os princípios inclusivistas contidos na Declaração de Salamanca (1994) e na Constituição da República Federativa do Brasil10, entende-se por educação inclusiva a construção de uma escola para todos com oportunidades iguais e respeito à diversidade. Esta proposta está inserida nos movimentos sociais que lutam por uma escola democrática, que se concretize como espaço de acesso aos conhecimentos historicamente acumulados pela sociedade e que é construção de todos.

A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (2006) foi realizada com a intenção de promover, proteger e assegurar o desfrute pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por parte de todas as pessoas com deficiência e promo-ver o respeito pela sua inerente dignidade. Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de natureza física, intelectual ou sensorial que, em interação com diversas bar-reiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade.

A Constituição da República Federativa do Brasil10 introduziu as ideias inclusivistas em nosso país, entretanto, foi em 1996 com a promul-gação de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB)11 que se efetivaram concre-tamente essas políticas sociais de inclusão na

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educação escolar. Nela o atendimento às pessoas com deficiência tratar-se-ia de uma modalidade de educação escolar que permeia todos os níveis, desde a educação básica até a educação superior, incluindo as demais modalidades: educação de jovens e adultos e educação profissional.

Todas essas mudanças trouxeram por consequ-ência a necessidade de transformação na qualidade do trabalho educacional. Nesse sentido, o professor como aquele que teria diretamente contato em sala de aula com o aluno foi considerado um elemento chave para o sucesso dos processos de mudança propostos. Essa constatação trouxe uma grande preocupação com a formação dos professores.

Na LDB11, tivemos a regulamentação da for-mação dos professores com indicações para a sua formação inicial (Art. 62) e continuada (Arts. 1, 67, 80, 87) e, especificamente ao atendimento às pessoas com deficiência, ao indicar para a necessidade de “professores com especialização adequada em nível médio ou superior, para aten-dimento especializado, bem como professores do ensino regular capacitados para a integração desses educandos nas classes comuns” (Art. 59).

Dois anos depois, foram apresentados os “Pa-râmetros Curriculares Nacionais: Adaptações Curriculares - Estratégias para a Educação de alunos com necessidades educacionais espe-ciais”12, que indicaram como meta principal, para se viabilizar um modelo de escola inclu-siva, a criação de programas se formação e ca-pacitação dos professores das classes regulares para transformar sua prática educativa.

No ano de 2001, foram instituídas as “Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica”13, que, juntamente com as “Diretrizes Cur-riculares Nacionais para a Formação de Docentes da Educação Infantil e dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, em nível médio, na modalidade Nor-mal”14, as “Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura de graduação plena”15 e as “Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia, licen-ciatura”16, orientaram as instituições formadoras dos professores em torno de uma preocupação de que essas prevejam e contemplem em sua organi-

zação curricular conteúdos sobre as especificidades dos alunos com deficiência.

No ano de 2008, se define uma “Política Na-cional de Educação Especial na perspectiva da educação inclusiva”17 que tem como pressuposto que a educação inclusiva seria uma ação política, cultural, social e pedagógica, desencadeada em defesa do direito de todos os alunos de estarem juntos, aprendendo e participando, sem nenhum tipo de discriminação. E, propôs-se uma série de ações escolares que objetivaram orientar as insti-tuições sobre as condições de acessibilidade dos alunos, necessárias à sua permanência na escola e prosseguimento acadêmico, tais como formação permanente dos educadores, rede de apoio para as pessoas com deficiência na escola e na comu-nidade, adequação curricular, entre outras ações.

Por fim, no ano de 2009, foram instituídas as “Diretrizes Operacionais para o Atendimento Educacional Especializado na Educação”18. Seu Art. 12 pontuou que, para atuar na educação especial, o professor deve ter formação inicial que o habilite para o exercício da docência e formação específica para a Educação Especial, discriminando, no Art. 13, as atribuições do pro-fessor no atendimento educacional às pessoas com deficiência. Apesar da importância de tais processos na inserção da pessoa com deficiência na escola, o direcionamento dado à formação dos professores empreendido pelas políticas públicas sofreu várias críticas.

Historicamente, o gerenciamento dos órgãos públicos sobre a Educação e, consequentemente sobre a formação docente, se deu a partir de uma tutela político-estatal que centralizou as decisões sobre a profissão docente, desconfigurando e afastando o poder decisório e a liberdade do professorado. Sempre à procura de mecanismos cada vez mais sutis de controle na regularização da profissão docente, prolongou-se a constituição de uma tutela científico-curricular19, que afirmou e expandiu a concepção de que o trabalho do-cente teria características meramente técnicas, e poderia ser substituído, por exemplo, pelo livro didático e pelas novas tecnologias.

Silva e Castro20 afirmaram que, no que se referiu às atuais tendências para a formação

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dos profissionais da educação, existiu um des-compromisso com a formação inicial e uma valorização da formação continuada em serviço que ocorreria, na maioria das vezes, à distância.

Para Brzezinski21, houve uma contraposição entre o projeto da sociedade política que colo-cou em prática os princípios da qualidade total e a sociedade civil organizada em entidades educacionais reunidas no movimento nacional de educadores, que lutam por princípios da qua-lidade social. Tal autora21 se refere ao sentido procedimental implícito nas políticas públicas voltadas à “reciclagem” e ao “treinamento em serviço”, termos tão usados nos anos de 1970. “Treinamento foi uma modalidade de formação continuada presencial de inspiração tecnicista que norteou a reciclagem de professores” (p. 1146), só que agora com foco na educação à distância (EaD). Além disso, indicou para o fato desses procedimentos serem utilizados “não para complementar os processos formativos pre-senciais dos professores, mas sim para substituir a formação inicial” (p. 1146).

Há consenso também que esses termos apóiam o processo de formação no modelo da racionalidade técnica, que, além de separar a formação inicial da continuada, vê a atividade do profissional como instrumental, dirigida apenas para a solução de problemas mediante a aplicação rígida de técnicas pedagógicas20,22-23.

Nóvoa19 definiu dois formatos para a forma-ção: os estruturantes, “organizados previamente a partir de uma lógica de racionalidade científi-ca e técnica”, que seguem a lógica apresentada acima, e os construtivistas, que caminham no fortalecimento do profissional professor, a par-tir da defesa de que a produção de processos formativos definidos como formação perma-nente9,27 e desenvolvimento e aprendizagem profissional da docência28 indicariam para a educação ao longo da vida e para os compromis-sos institucionais educacionais dos professores.

A partir dessa perspectiva, a formação inicial basear-se-ia em experiências de campo que pre-cedem o trabalho em cursos acadêmicos, as expe-riências precoces incluídas nos cursos acadêmicos e as práticas de ensino e os programas de inicia-

ção29. A formação continuada seria um processo de compreensão pelo professor das concepções implícitas às suas práticas docentes, bem como o comprometimento explícito com a mudança e com a construção contínua de sua formação, buscando dar significado ao seu trabalho24.

MÉTODOA pesquisa bibliográfica representa uma me-

todologia valiosa para estudar os retrocessos, as rupturas, os saltos e avanços dos fundamentos e concepções de um determinado campo do conhecimento. A partir deste tipo de estudo é possível detectar o debate de ideias, o conjunto de perspectivas do conhecimento e as tensões e conflitos no processo de produção dos saberes de uma determinada área.

A história do conhecimento apresenta con-tinuidades e descontinuidades que podem ser evidenciadas no decorrer de uma pesquisa bibliográfica. Esta implica em uma sistemati-zação dos saberes do campo em estudo, que permite apreender o movimento existente na elaboração dos paradigmas que norteiam as políticas nas diversas áreas do saber e campos de atuação.

A produção histórica dos saberes acumu-lados pela humanidade está em constante transformação, portanto a sistematização deste movimento necessita ser documentada, a fim de contribuir para o aprimoramento das teorias, métodos e práticas sociais, contribuindo assim para evitar a cristalização do conhecimento. Nos últimos quinze anos, no Brasil e em outros países, tem se produzido um conjunto signi-ficativo de pesquisas do tipo estado da arte ou estado do conhecimento1. Tais pesquisas representam formas de tratamento da pesquisa bibliográfica.

ProcedimentosForam feitas buscas sistemáticas na base

de dados SciELO (www.scielo.br), utilizando-se descritores a partir da combinação de três palavras-chave de acordo com a Tabela 1. Esse

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conjunto de palavras-chave foi selecionado visando encontrar artigos que versassem a res-peito da formação docente para a inclusão do deficiente. Não foi determinado o ano inicial para data de publicação dos artigos inseridos na pes-quisa, porque se buscou avaliar todos os artigos incluídos no banco de dados até junho de 2010.

Para cumprir as finalidades desta pesquisa, foram definidos três tipos de descritores, a fim de permitir a busca dos artigos na base de dados esco-lhida, denominados de Sujeito, Verbo e Predicado, aludindo-se a uma sintaxe dos sentidos e à relação entre tais descritores. Estes últimos são formados por palavras-chave extraídas do campo da inclusão e da formação de professores. Tais palavras foram organizadas por meio de uma perspectiva histórica de sua utilização nas políticas educacionais.

Por fim, decidiu-se separá-las em três grupos que se inter-relacionam para dar conta das pos-síveis qualidades da ação de formar. Foi nesse raciocínio que foram constituídas as categorias de Sujeito, como aquele que realiza a ação de formar; Verbo, como as várias modalidades desta ação e; Predicado, como a característica

ou qualidade de cada modalidade da ação, ou melhor, a quê se dirige a ação. A Tabela 1 de-monstra como se concretizou tal organização.

Todas as combinações das 3 colunas de palavras foram pesquisadas em todas as partes do texto. Assim, houve um total de 702 (6 x 13 x 9) combinações possíveis. Desse total, foram excluídos os artigos repetidos, restando 114, dos quais foram selecionados 24 em função do título e das palavras-chave que deveriam ter relação direta com os objetivos desta pesquisa.

Esses 24 artigos tiveram seu resumo detalha-damente avaliado de acordo com uma ficha para categorização temática que analisou: (1) Institui-ção dos autores; (2) Nome do Periódico e ano de publicação; (3) Palavras-chave; (4) Tema/proble-mática; (5) Objetivo geral; (6) Referencial teórico; (7) Método/ Amostra; (8) Resultados/conclusões.

A análise detalhada dos resumos acabou por excluir mais seis artigos por tratarem a questão da formação como conclusão do trabalho e não como objetivo central da pesquisa. Para a análise final desse trabalho foram selecionados então 18 resumos de artigos30-47.

Tabela 1 – Descritores utilizados para a pesquisa. Em cada busca foi utilizada uma combinação de três palavras, uma de cada coluna.

Sujeito Verbo (Ação) Predicado

1. docentes 1. Formação 1. Inclusão

2. docente 2. Capacitação 2. Necessidades especiais

3. Professor 3. Reciclagem 3. Integração

4. Professores 4. desenvolvimento profissional 4. diversidade

5. educador 5. educação continuada 5. diferença

6. educadores 6. Requalificação 6. educação especial

7. especialização 7. Classe especial

8. Aprimoramento 8. Aluno especial

9. Aperfeiçoamento 9. Necessidades educativas especiais

10. escola especial

11. deficiência

12. educador especial

13. educação inclusiva

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RESULTADOS E DISCUSSÃODo total de artigos analisados, verificou-

se que, com relação à instituição dos autores (Figura 1), a maior parte (n=15) foi produzida por autores de instituições públicas, da área da Educação (n=13) das regiões Sudeste (n=14) e Sul (n=4). Historicamente, há uma concentração de produção de conhecimento em instituições públicas, o que se retrata também na temática deste artigo. Além disso, é possível pensar que a preocupação com a formação de professores está centrada nos departamentos de Educação.

Não foram observados em nossa pesquisa autores ligados a departamentos de Psicologia, isso pode indicar que tais departamentos estão inseridos de forma incipiente em tal discussão. A base de dados estudada representa, dentro do contexto nacional de divulgação do conheci-mento científico, uma das mais relevantes, com revistas que apresentam expressiva aderência ao tema estudado e impacto dentro da comuni-dade científica nacional.

O fato das regiões sul e sudeste possuírem a maior concentração de programas de pós-gra-duação pode justificar a presença significativa de artigos oriundos dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina e Paraná.

Com relação às revistas que publicaram os artigos (Tabela 2), observa-se maior concentra-ção deles na Revista Brasileira de Educação Es-pecial, com 8 artigos, seguido pela Paidéia, com 2. Observou-se, também, que os artigos foram publicados entre 1998 e 2009, com uma concen-tração maior a partir de 2005 (Figura 2), sendo que antes de 2005 foram encontrados apenas 2 artigos. Historicamente, há uma distância entre a constituição dos princípios das declarações universais e a consolidação destes nas diretrizes das políticas públicas nacionais, o que pode ex-

Tabela 2 – Número de artigos publicados por Área e por Revista.

Revista Área da revista Numero de artigos

Revista Brasileira de educação especial educação 8

Paidéia Interdisciplinar 2

Revista Brasileira educação educação 1

Revista Brasileira ensino de Física educação 1

Interface Comunicação saúde edu-cação Interdisciplinar 1

Arquivos Brasileiros de Oftalmo-logia saúde 1

Revista CeFAC Interdisciplinar 1

Cadernos Cedes educação 1

educação em Revista educação 1

Psicologia: Teoria e Pesquisa Psicologia 1

Total 18

Figura 1 – Número de artigos analisados em função do tipo de instituição dos pesquisadores (Pública, Particular ou Internacional); Área (Psicologia, educação e saúde) e estado

(são Paulo, Rio de Janeiro, Paraná e santa Catarina).

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plicar a data de início das publicações em 1998 e a maior concentração dessas publicações a partir de 2005, o que aponta para uma ampliação das discussões nas práticas escolares.

As palavras-chave de cada artigo foram or-ganizadas de acordo com as categorias: Defici-ências (n=6), sendo que maior parte (n=5) delas se referia à deficiência visual; Inclusão Escolar de Pessoas com Deficiência (n=24), sendo que uma parte expressiva refere-se à educação especial ou necessidades especiais (n=13) e ao paradigma da inclusão (n=9). Houve um artigo que utilizou a palavra-chave baixo rendimento escolar, o que indica a presença ainda de termos ou expressões utilizadas que são anteriores ao paradigma da educação inclusiva.

Observa-se uma dispersão muito grande na categoria Formação de Professores (n=16), no entanto, a palavra formação aparece várias vezes (n=11), o que indicaria a consolidação do termo. Outros termos, tais como capacitação, consultoria e programa e aperfeiçoamento (n=4), ainda continuam a aparecer, apesar de toda dis-cussão teórica sobre o significado na prática dos mesmos. Pós-graduação e educação à distância, diferente do que apontam os documentos oficiais, aparecem apenas uma vez cada, indicando pou-ca preocupação com o estudo da temática desta pesquisa no campo da formação inicial.

A categoria Prática Docente (n=9) pode ser somada com Prática de Ensino do Professor (n=6), dois pontos são relativos à intervenção nessa prá-tica (Intervenção precoce e Intervenção reflexiva) e apenas um (Interação entre professor-aluno)

evidencia a relação professor-aluno. Isso aponta para a preeminência da racionalidade técnica nesta área, mesmo que a visão interacionista já esteja si-nalizada nessa discussão, mas ainda de forma sutil.

A Saúde (n=6) aparece como preocupação significativa, sendo que dois pontos tratam da saúde do escolar, dois são relativos a disciplinas específicas (educação física e fisioterapia) e dois relativos ao diagnóstico. Em Educação escolar (n=5), há dispersão entre os itens, todavia desta-camos a presença dos termos: gestão, organiza-ção escolar e currículo, que podem indicar uma preocupação com a transformação dos tempos e espaços escolares no paradigma da inclusão.

Frente à escolha dos temas e das proble-máticas de estudo, a visão da racionalidade técnica ainda permanece principalmente no que diz respeito às categorias Formação Téc-nica (n=2) e Instrumentalização do professor (n=3). As novas perspectivas de formação estão expressas nas preocupações a respeito da verificação do Conhecimento do Profes-sor (n=3) e da Reflexão prática/crítica (n=3). Outras temáticas, tais como Política Pública (n=3) e Discussão Curricular (n=3), aparecem indicando uma crescente relevância para esses temas e evidenciado o que pode denotar uma preocupação com a compreensão de como o fenômeno da formação de professores na área de inclusão vem se colocando na prática social, o que, por sua vez, indica uma visão reflexiva em contraponto à instrumental. Os artigos na categoria Discussão Curricular denotam o iní-cio dessa discussão na preparação dos cursos de Formação Inicial. É importante ressaltar que foi localizada apenas uma pesquisa de Revisão Bibliográfica (n=1), o que, como já dissemos, aponta para a juventude do tema.

Com relação aos objetivos gerais dos artigos estudados, centram-se na discussão do nível de formação, sendo 7 artigos referentes à forma-ção inicial, 3 referentes a cursos de Pedagogia, 1 de Licenciatura em Física, 2 relacionados à Licenciatura em Pedagogia e 1 do Centro de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério (CEFAM). Além desses, 11 artigos tinham seus objetivos relacionados à formação continuada, sendo apenas um deles relacionado a cursos de especialização.

Figura 2 – Número de artigos publicados por ano.

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Quanto ao nível de formação, há predomínio da Formação Continuada (n=11) sobre a For-mação Inicial (n=7). Tal característica também é descrita por Silva e Castro20, ao afirmarem que existe um descompromisso com a segunda e uma valorização da primeira. Tal discussão corrobora com a literatura da área de formação de profes-sores, que aponta para uma cisão entre teoria e prática e, talvez, para uma necessidade premen-te nas práticas escolares de instrumentação e reflexão crítica que está chegando aos poucos à formação inicial22. A proposta de inclusão parece ter surgido primeiramente nas leis e nas práticas da escola pública e, posteriormente, passou a ser preocupação dos espaços acadêmicos.

Com relação ao tipo de deficiência, observou-se apenas 1 artigo associado à deficiência física, 4 à deficiência visual, 1 à deficiência auditiva/surdez e 1 ao déficit de linguagem. Os outros 11 artigos não explicitaram o tipo de deficiência estudada. Muito provavelmente, em função da juventude da temática estudada, encontramos problemáticas expressas de forma genérica, talvez em decorrência da necessidade de se compreender o paradigma da inclusão a partir de temas mais gerais, tais como a diferença, o preconceito, antes de poder lidar com as espe-cificidades da deficiência no ambiente escolar.

Apenas 4 dos 18 artigos apresentam nos resumos seus referenciais teóricos, tais como menção a autores ou linhas teóricas. São eles: Psicologia sócio-histórica; Ayala Manolson; Hannah Arendt e Abordagem ecológica. Os outros 14 artigos não apresentam autores ou linhas teóricas na descrição do resumo.

A categorização dos métodos utilizados foi fei-ta com base na nomenclatura dada pelos autores dos artigos presentes nos respectivos resumos. Verificou-se a presença da preocupação com os princípios e documentos teóricos da inclusão, evidenciado pelo número de artigos na categoria Teórico (n=5). As demais categorias indicam a necessidade do registro da prática: Descritiva (n=1), Audiogravação (n=1), Filmagem (n=3). Entrevista (n=1), Questionário (n=3) apontam para a captura do ponto de vista dos sujeitos das pesquisas. O aspecto quantitativo e de medição aparece de forma modesta na categoria Escala (n=1). Uma maior aproximação e preocupação

com a intervenção sobre a prática expressou-se nas categorias Encontros Reflexivos (n=2) e Pla-nejamento e Execução de aula (n=1). O método não foi explicitado em seis estudos analisados.

Quanto à amostra de sujeitos de cada uma das pesquisas analisadas, foram encontrados profes-sores da educação básica regular (n=6), alunos com necessidades especiais (n=3), professores do ensino superior (n=1), alunos do ensino mé-dio CEFAM (n=1), professores itinerantes (n=1), pais de alunos (n=1), alunos de licenciatura em Física (n=1), documento (n=1) e não explicitado (n=6), demonstrando maior preocupação com a educação básica e depois com o aluno com de-ficiência. O restante expressa uma diversidade de sujeitos, o que denota um início do contato da temática com outros aspectos relevantes ou, talvez, o diálogo com outros sujeitos e outras preocupações não menos importantes, tais como a relação com os pais, a questão das licenciaturas, do ensino superior, entre outras.

Analisando a categoria resultados, estes foram organizados pelo nível de formação, ou seja, ini-cial e continuada. Em relação àqueles organizados em torno da formação inicial (n=7), encontramos 3 que não explicitaram os resultados e 1 que explicita de forma genérica. Nos demais artigos (n=3), encontramos 2 que abordaram o impacto da formação no aluno e 1 relativo à análise cur-ricular. Destes, o primeiro concluiu que houve mudança de atitude social do aluno com relação à inclusão, mas que ainda há necessidade de inserir atividades capazes de modificar atitudes sociais dos alunos no currículo escolar; o segundo apontou para dificuldades dos futuros professores em romper com o modelo pedagógico tradicional, embora demonstrem criatividade em superar a especificidade da deficiência apresentada pelos alunos; o terceiro partiu da análise do currículo de um curso de formação e concluiu que a compreen-são do fenômeno educacional relacionada ao aluno com diagnóstico de deficiência baseia-se no modelo médico-psicológico.

Na categoria formação continuada, foram en-contrados 11 estudos, sendo que 3 deles aponta-ram para a falta de conhecimento dos professores para a inclusão de alunos com deficiência. Destes três, apenas 1 estudo indicou a necessidade de capacitação dos professores como fator facilitador

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da inclusão e 2 deles apontaram para o interesse dos professores em participar de programas de formação. A efetividade do processo de formação continuada dos professores foi apresentada em 8 artigos. O primeiro se refere a fatores facilitado-res da inclusão, ao apoio do governo por meio de cursos de formação, de auxílio técnico pedagógico especializado, de adaptação do espaço físico e do material didático; formação reflexiva do professor (n=3); mudança na prática em sala de aula (n=1); demonstração da possibilidade do uso da infor-mática na educação especial (n=1); indicação de que a participação dos alunos com deficiência nas aulas auxilia na inclusão da comunidade escolar (n=1) e; a consultoria especializada contribui para a capacitação dos professores (n=1).

É importante ressaltar ainda que, dentre os resumos estudados, evidenciou-se a possibili-dade da organização de programas de formação pedagógica. Outro, ao avaliar monografias de especialização em deficiência mental e edu-cação especial, concluiu que a maior parte foi desenvolvida na escola, com alunos especiais e pesquisas de intervenção, cuja maior incidência de temas foi a de investigações relacionadas a procedimentos de ensino.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Não foram observados autores ligados a

departamentos de Psicologia, o que merece destaque, pois os profissionais desta área estão ligados, historicamente, à temática da inclusão e do desenvolvimento e da aprendizagem, o que seria de se esperar que estivessem pesquisando também a formação de professores para a inclusão de pessoas com deficiência nos espaços escolares.

A maior concentração de artigos a partir de 2005 pode indicar uma distância entre a realização dos compromissos internacionais, sua consolidação nas diretrizes das políticas públicas nacionais, as práticas escolares e, por fim, a pesquisa em torno dessas práticas. O que implicaria na necessidade de uma relação mais estreita da academia com as lutas dos movimen-tos sociais e a consequente promulgação dos princípios e diretrizes internacionais.

Ainda há presença de termos utilizados para se referir à formação de educadores que são anteriores à construção do paradigma da

educação inclusiva. Neste sentido, constata-se a dificuldade histórica de se consolidar princípios nas práticas escolares, sendo que a academia não poderia estar isolada desse processo.

Nos resumos estudados, a relevância para a educação básica é maior, mas já aparecem estu-dos a respeito da necessidade de se aprimorar os cursos de formação inicial. Há a necessidade de instrumentalização dos educadores, contudo a visão interacional já está sinalizada, mesmo que de forma sutil, apontando para uma visão mais re-flexiva e, portanto, para a construção progressiva de uma práxis escolar na formação de educadores.

Um terço dos resumos relaciona a formação com questões de saúde, mas poucos especificam o tipo de deficiência em foco. A maior parte (n=5) se refere à deficiência visual. Talvez o modelo médico-psicológico não seja tão evi-dente nestas pesquisas. É emergente que se compreenda o paradigma da inclusão a partir de temas mais gerais, tais como a diferença, o preconceito, antes de poder lidar com as espe-cificidades da deficiência, ou seja, da educação escolar da pessoa com deficiência na perspec-tiva da educação inclusiva.

Com relação aos resumos estudados, apenas 4 explicitam o referencial e 5 deles definem o método como teórico. Qual a razão dessa peque-na preocupação com aspectos tão importantes da pesquisa? O método não foi explicitado em seis estudos analisados. Por que os resumos não expressam elementos tão relevantes?

Quanto ao processo de formação dos pro-fessores sobre a inserção dos deficientes no ambiente escolar, a discussão ainda se mantém de forma generalista, preparando-os para as questões gerais relacionadas à inclusão, não aprofundando as diferenças específicas para inclusão das várias deficiências.

O conteúdo dos resumos não fornece ele-mentos suficientes para uma análise aprofun-dada, porém a continuidade natural dessa pes-quisa é a análise do texto na íntegra. Tal análise possibilitará compreender a relação entre a expressão da produção científica acadêmica e a produção de documentos que configuram as diretrizes das políticas públicas de inclusão e o problema da relação entre o currículo e a organização dos espaços e tempos escolares.

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8. Brzezinski I. Pesquisa sobre formação de profissionais da educação no GT 8/Anped:

SUMMARYTeacher education and school inclusion of deficient people: analysis of

SciELO articles’ abstracts

Objective: The objective of this paper is to present a bibliographic review of articles that deal with the theme of teacher education for the inclusion of deficient people in schools, using abstracts of articles published in SciELO website up to the first semester of 2010. Methods: We used the descriptors combining three keywords and their derivatives: teachers, inclusion in school and formation. Then it was analyzed the following: institution of the authors, periodicals that published the article, year of publishing, keywords, theme or problem the article deals with, objective, types of deficiency, theoretical references, instruments, subjects, results, and conclusions. Results: Concerning the formation of educational professionals it seems to prevail a valorization of continuous formation, although a preoccupation with initial formation stars to come about. The abstracts’ analyses indicate the presence of formative actions based in processes of development and learning of educators meantime the technical rationality could still be found. About the process of teacher formation concerning the insertion of deficient people in the school environment, the discussion remains generalist. As a follow-up of this research we intend to analyze the entirety of the articles. Such an analysis will enable us to understand the relation between the expression of the scientific academic production and the documents of public policies parameters for inclusion as well as the relation between the curriculum and the organization of space and time at school.

KEY WORDS: Faculty. Inclusion in school. Disabled persons.

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travessia histórica. Form Doc. 2009;1(1). Disponível em: http://formacaodocente.au-tenticaeditora.com.br/artigo/exibir/1/6/1 Acesso em: 10/9/2010

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ARTIGO DE REVISÃO

RESUMO – No complexo processo que envolve a aprendizagem, revela-se significante a atuação preventiva do psicopedagogo no contexto escolar, onde muitas informações e vários aspectos têm que ser observados e analisados. Ter conhecimento de como o aluno constrói o seu saber, compreender as dimensões das relações com a escola, com os professores, com o conteúdo e relacioná-los aos aspectos afetivos e cognitivos, permite um fazer mais fidedigno ao psicopedagogo. Deve-se considerar que o desenvolvimento do aprendente se dá de forma harmoniosa e equilibrada nas diferentes condições orgânica, emocional, cognitiva e social.

UNITERMOS: Instituições acadêmicas. Psicopedagogia. Família.

AtuAção psicopedAgógicA no contexto escolAr: mAnipulAção, não; contribuição, sim

Idalina Amélia Mota Pontes

Idalina Amélia Mota Pontes – Graduada em Pedagogia

com Habilitação em Administração Escolar pela

Universidade Estadual do Ceará; Especialista em

Psicopedagogia pela Faculdade Christus, Fortaleza, CE.

Correspondência

Idalina Amélia Mota Pontes

Fortaleza, CE, Brasil

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INTRODUÇÃOA modernização do sistema educativo,

atual, passa por uma descentralização e por um investimento das escolas como espaços de formação e não de frustração. Um dos primei-ros passos do psicopedagogo seria realizar um diagnóstico buscando a história da escola, para entender melhor sobre a rede de movimentos e a identidade dessa instituição. Estabelecendo a partir daí um trabalho de ação preventiva que amenize ou impeça as dificuldades de apren-dizagem, articulando uma postura de diálogos e contribuindo para que as mudanças possam acontecer na comunidade escolar.

DIAGNOSTICANDO NA INSTITUIÇÃO ESCOLARA atuação psicopedagógica na escola implica

num trabalho de caráter preventivo e de asses-soramento no contexto educacional.

Segundo Bossa1, “pensar a escola à luz da Psicopedagogia, significa analisar um processo que inclui questões metodológicas, relacionais e sócio-culturais, englobando o ponto de vista de quem ensina e de quem aprende, abrangendo a participação da família e da sociedade”.

No diagnóstico psicopedagógico, é essencial que se considere as relações entre produção es-colar e as oportunidades reais que a sociedade dá às diversas classes sociais. A escola e a socie-dade não podem ser vistas isoladamente, pois o sistema de ensino (público ou privado) reflete a sociedade na qual está inserido. Observa-se que alunos de baixa renda ainda são estigmatizados, na questão do aprendizado, como deficientes.

Ao chegar numa instituição escolar, muitos acreditam que o psicopedagogo vai solucionar todos os problemas existentes (dificuldade de aprendizagem, evasão, indisciplina, desestímu-lo docente, entre outros). No entanto, o psico-pedagogo não vem com as respostas prontas. O que vai acontecer será um trabalho de equipe, em parceria com todos que fazem a escola (gestores, equipe técnica, professores, alunos, pessoal de apoio, família). O psicopedagogo entra na escola para ver o “todo” da instituição.

Barbosa2 afirma que “a escola caracteriza-se como um espaço concebido para realização do processo de ensino/aprendizagem do conhe-cimento historicamente construído; lugar no qual, muitas vezes, os desequilíbrios não são compreendidos”.

A aprendizagem escolar, durante várias dé-cadas, foi vista como algo distante do prazer e entendida como um mal necessário.

Então, o grande desafio das escolas, nos dias de hoje, é despertar o desejo dos alunos para que possam sentir prazer no aprender.

A opinião de Barbosa2 é clara quando argu-menta que:

“Transformar a aprendizagem em pra-zer não significa realizar uma atividade prazerosa, e sim descobrir o prazer no ato de: construir ou de desconstruir o conhecimento; transformar ou ampliar o que se sabe; relacionar conhecimentos entre si e com vida; ser co-autor ou autor do conhecimento; permitir-se experi-mentar diante de hipóteses; partir de um contexto para a descontextualização e vice-versa; operar sobre o conhecimento já existente; buscar o saber a partir do não saber; compartilhar suas descober-tas; integrar ação, emoção e cognição; usar a reflexão sobre o conhecimento e a realidade; conhecer a história para criar novas possibilidades”.

Barbosa2 ressalta, ainda, que “a Psicopeda-gogia, como área que estuda o processo ensino/aprendizagem, pode contribuir com a escola na missão de resgate do prazer no ato de aprender e da aprendizagem nas situações prazerosas”.

O psicopedagogo sabe que para aprender são necessárias condições cognitivas (abordar o conhecimento), afetivas (estabelecer vínculos), criativas (colocar em prática) e associativas (para socializar).

Deve-se estar atento frente às grandes mu-danças que ocorreram nas propostas educacio-nais. Atualmente, o conhecimento científico só tem sentido se for ligado ao social, engajado ao cotidiano, onde através dele se possa encontrar

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soluções. A reforma educacional brasileira é extremamente exigente. Os paradigmas dessa reforma estão centrados na verdade aberta, no conhecimento múltiplo, transdisciplinar. As mudanças não acontecem na mesma proporção, nem na mesma velocidade. A apropriação leva um tempo até ser introspectada, compreendida e colocada em prática. As mudanças (a intro-dução no novo) num ambiente escolar têm que ser escalonadas e sucessivas, priorizando-se e hierarquizando-se as ações.

O velho paradigma de que muitos são oriundos apresenta uma escola cartesiana, fragmentada, de pensamento dominante, com verdades absolutas (fechadas), reprodução do conhecimento. O grande problema da escola é que ela dá um conteúdo e exige resposta “úni-ca”. Analogicamente falando, a escola procede da seguinte forma: um grupo de crianças vai andando pela calçada e, de repente, depara-se com um cavalete obstruindo a passagem. Daí, a escola adianta-se e retira o cavalete do meio ou manda que todos passem por baixo. Agindo assim, não permite que a criança descubra o que fazer para transpor o obstáculo. Ela poderia ter a ideia de passar por baixo, escalá-lo, passar do lado, retirá-lo ou outras. No entanto, a escola impede o aluno de levantar hipóteses, de trans-gredir. Existem várias formas de se responder a uma questão ou vários caminhos de se chegar a ela, pois não existem respostas “prontas”.

Como declara Barbosa2: “É tarefa difícil para o professor pro-vocar a inquietação num sistema tradi-cional, em que não é permitido ousar, ser artista ou cientista, e sim no qual a reprodução, apesar de todos os discur-sos modernos, continua sendo o objetivo principal de nossas escolas”.

Hoje, na escola, tem que haver partilha, co-operação, questionamento, reflexão, oportuni-dade do outro se colocar – o processo é coletivo.

Para que o psicopedagogo realize um diag-nóstico numa instituição escolar, sugere-se que se observem as características organizacionais, bem como a abordagem da cultura da escola3.

Quando o psicopedagogo entra numa escola, muitas coisas têm que ser levadas em conta, pois, por trás de uma fachada, pode-se encon-trar uma escola “desorganizada”. Diretor pouco envolvido com o trabalho, professores pouco motivados (dão aulas de acordo com o salário que recebem). Então, qual a cultura que está por trás dessa situação? Situações assim, não são fáceis de se perceber, porque não são visíveis. Ou seja, as bases conceptuais da escola estão inseridas numa zona de invisibilidade (não está explícito). Uma das bases é a “cultura”, que exprime valores, crenças e ideais de um grupo. Isso significa dizer, que as escolas produzem uma cultura que lhe é própria. A cultura não é um sistema de ligações, mas uma rede de movimentos, numa perspectiva interacionista.

Esse seria o primeiro passo a se tomar, ou seja, buscar a história dessa instituição para pro-curar entender como acontece o seu movimento. O psicopedagogo tem que tomar conhecimento do documento que dar o perfil que identifica a escola – o Projeto Político Pedagógico (PPP), que é uma obrigação de toda escola. O PPP é quem comanda a energia e a vida da escola. Os profes-sores, principalmente, têm que conhecê-lo, até para saber com o que eles estão compactuando.

Realizar o PPP de forma coletiva é trabalho-so: ouvir os outros, refletir com os outros. O que de fato acaba acontecendo em muitas escolas é a direção convocar apenas a equipe técnica para montar o PPP, sem a participação dos pro-fessores. Deve-se romper com essa postura do trabalho “solitário”. Tem-se que dar espaço para que todos possam discutir, interagir, modificar, construir. Muitas vezes, até o diretor resolve fazê-lo sozinho ou “copiar” de algum colega. Mas, se o PPP identifica a escola, não poderá ser copiado, pois cada escola tem suas caracte-rísticas próprias, até mesmo o meio onde está inserida – a realidade de cada escola é diferente, tem suas peculiaridades.

Quando o diretor da escola não sabe montar o PPP, poderá contratar um serviço de assesso-ria, para orientá-lo na elaboração, através de dados e informações (filosofia, meio em que

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está inserida, tipo de clientela que atende, aspectos pedagógicos) fornecidos de acordo com a realidade da escola. Sua estrutura física: prédio, dimensão e organização dos espaços, recursos materiais; estrutura administrativa: gestão (direção), equipe técnica, corpo discente e docente, pessoal auxiliar, tomadas de deci-sões, participação da comunidade, relação com as autoridades centrais e locais (Secretarias de Educação); estrutura social: relação entre alu-nos, professores e funcionários, responsabilida-de e participação dos pais, democracia interna, cultura organizacional da escola, clima social.

A modernização do sistema educativo passa pela descentralização e por um investimento das escolas como lugar de formação.

Como declara Bassedas4: “A escola, como instituição social, pode ser considerada de forma ampla e, de acordo com a teoria sistêmica, como um sistema aberto que compartilha funções e que se inter-relaciona com outros sistemas que integram todo o contexto social. Entre esses sistemas, o familiar é o que adquire o papel mais relevante à educação e assim, na atualidade, vemos a escola e a família em inter-relação contínua, mesmo que nem sempre sejam obtidas atuações adequadas, já que, muitas vezes, agem como sistemas contrapostos mais do que como sistemas complementares”.

Dentro do sistema escolar existem vários subsistemas que entre si interagem, numa rede de movimentos, onde a informação deve circular em todas as direções, contemplando o sistema como um todo.

O tipo de escola onde todas as decisões têm que passar por uma única pessoa torna o trabalho amarrado, preso. Tem que haver des-centralização do poder para que o sistema possa fluir e, para isso, todos os subsistemas têm que se interagir mutuamente.

O poder de decisão tem que estar mais pró-ximo dos centros de intervenção, responsabili-zando diretamente os atores educativos. Assim,

na ausência do diretor, não há necessidade de esperar que o mesmo chegue para que se to-mem certas decisões. Dentro da escola deverá ter uma pessoa que se responsabilize e tome as iniciativas inerentes a cada setor.

O papel dos estabelecimentos de ensino como organizações funciona numa tensão di-nâmica (a interrelação não é estática): entre a produção e a reprodução; entre a liberdade e a responsabilidade.

O psicopedagogo vai questionar o que mais está acontecendo na escola: produção ou re-produção do conhecimento? Sabe-se que existe a reprodução do conhecimento, mas a escola tem que garantir um espaço para a produção do mesmo.

Qual o espaço de construção, de produção que o professor tem na escola? Muitos profes-sores aproveitam para se acomodarem atrás do discurso de “não poder fugir do programa”. Esse professor não foi estimulado a criar conhe-cimento, ou seja, enquanto aluno não teve essa matriz. Quem passou por uma escola que deu espaço para a produção do pensamento?

Quanto à questão da liberdade em sala de aula, o professor pode ministrar o conteúdo da forma que achar conveniente. Só que essa liberdade está atrelada ao sentido de auto-nomia, que implica numa responsabilidade. Então, o professor tem que usar essa liberdade e autonomia, para poder propiciar muito mais a questão da produção ou criação. O professor resiste à mudança em sua forma de ministrar aula com medo de não dar certo – essa dúvida o impede de mudar. Quando o professor perceber que, além de ensinar, tem que aprender como é que se aprende, sua postura transformar-se-á.

De acordo com Nóvoa3, o olhar centrado nas organizações escolares deve contextualizar to-das as instâncias e dimensões presentes no ato educativo. Para haver a compreensão é necessá-rio que haja contextualização. O contexto ajuda a entender e a explicar o que está acontecendo.

Na perspectiva de Nóvoa3, a capacidade integradora pode conceder à análise das organi-zações escolares um papel crítico e estimulante,

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evitando uma assimilação tecnocrática ou um esvaziamento cultural e simbólico.

Isso quer dizer que, quanto mais desintegra-dos forem os subsistemas, menos entrosamento vai existir neles. Nesse clima de desintegração, vai acontecer esvaziamento cultural e simbó-lico (empobrecimento e perda da capacidade de simbolizar o conhecimento de outra forma, em outras situações), por exemplo, quando o professor fica amarrado ao planejamento, bem como, quando ocorre uma assimilação exces-sivamente tecnocrática (os diretores têm que tomar decisões autoritárias).

Para fazer um diagnóstico institucional, o psicopedagogo vai questionar como se realiza a gestão na escola. Se realmente existe demo-cracia. Como fluem as relações. São aspectos que o psicopedagogo terá que observar. E isso não é pouca coisa, é muita coisa!

A institucionalização dá-se de forma proces-sual, ou seja, não acontece de uma hora para outra. É toda uma história, todo um caminho, que vai obter um resultado bom ou ruim, mais ou menos aceitável. É esse processo de insti-tucionalização que vai viabilizar as mudanças organizacionais, podendo também ser de ma-neira negativa ou positiva.

A cultura é fruto de uma rede de movimen-tos, ou seja, daquelas interações entre os subsis-temas de um sistema. É esse funcionamento que vai possibilitar o processo de institucionalização. Caso a rede não funcione ou não seja realmente uma rede (apenas se faz mera aplicações entre os subsistemas), tornar-se-á truncada, deixando de gerar mudanças substanciais.

Não resta dúvidas de que há resistência às mudanças, pois é algo que dá trabalho, que “de-sequilibra” e têm algumas que ameaçam mais, exigem mais esforço, demandam mais tempo. O professor está acostumado com a sua prática cotidiana engessada, não quer mudar, pois do jeito que está sempre deu certo, porque mudar assusta, é trabalhoso (tem que estudar mais, buscar coisas para alterar o seu planejamento). Então, entra numa identidade que a Psicologia Social chama de “identidade da mesmice”.

Bassedas4 destaca que “é importante assi-nalar que em todos os sistemas abertos existem sempre tendências contrapostas à estabilidade e à mudança”.

Enfatiza, ainda, Bassedas4 que:“Geralmente, os sistemas tentam man-ter um equilíbrio entre as tendências que produzem uma transformação e aquelas que tendem à manutenção da estabilidade, com a finalidade de con-seguir uma homeostase, um equilíbrio que lhe permita “sobreviver”.

O psicopedagogo é chamado justamente para ver o que está acontecendo com aquela escola, porque a rede de movimento não está funcionando e por essa razão as mudanças não estão ocorrendo.

Uma das características de um sistema, seja ele qual for, é de manter a homeostase, isto é, o movimento de equilíbrio. Às vezes, o que é o equilíbrio? É uma situação de comodidade, parada. E se alguém propõe uma mudança, gera o desequilíbrio. Daí se perde esse aparente equilíbrio, o que manifesta uma inquietação.

Como é esse olhar da mudança na escola? Sabe-se que a maioria das escolas não é essa maravilha de rede de movimentos. O desafio do psicopedagogo é mobilizar para que haja esse movimento, para que a mudança consiga ocorrer.

Na instituição escolar algumas “manifesta-ções” são identificadas e acabam por retratarem o que se passa no ambiente escolar3. Essas ma-nifestações serão melhor explicadas a seguir.

As manifestações verbais e conceptuais compreendem os “heróis” (que pode ser bom ou ruim) e as “histórias”, ou seja, é a identificação de mitos (algo inatingível) e das narrativas, que marcam a vida da escola.

No diagnóstico, o psicopedagogo terá que indagar que narrativas são essas e como vai identificar heróis, mitos e crenças.

O que é o mito? O mito do incompetente ou do supercompetente. O mito do bicho pa-pão, que pode ser o bode expiatório da escola. Quando alguém chega para o psicopedagogo e diz que quando for falar com o diretor, por

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exemplo, deve ir bem preparado para essa oca-sião. Observa-se aí, o mito (diretor) e a narrativa (advertência). Então, são essas narrativas que têm que fluir para que o psicopedagogo entre em contato. Assim, poderá ajudar o grupo a desconstruir o mito e entrar em contato com o personagem. Quando se coloca alguém que pertence à relação numa posição de mito, a atuação inviabiliza-se.

As manifestações visuais e simbólicas são os elementos que têm uma forma material passível, portanto, de serem identificados através de uma observação ocular. São os murais, os painéis, os cartazes feitos pelos alunos.

Como a escola lida e dá vazão a essas mani-festações visuais? Por meio da semana esportiva e cultural, das olimpíadas, da semana da leitura, do uso do laboratório de ciências e informática, das oficinas. Essas atividades estão na zona da visibilidade. Então, o que o psicopedagogo vê, o que isso lhe conta.

As manifestações comportamentais são os elementos susceptíveis de influenciar o com-portamento dos atores da organização: as ati-vidades normais da escola e o modo como são desempenhadas, bem como, o conjunto de nor-mas e regulamentos que as orientam. Incluem-se aqui os rituais e cerimônias que fazem parte da vida organizacional da instituição.

São, por exemplo, a realização de acolhidas ou não; o uso de filas ou não; a prática da reza ou não. As reuniões são sistemáticas ou esporá-dicas? Os professores queixam-se das reuniões que são demais ou que são de menos? Tudo isso são manifestações comportamentais. O psicopedagogo vai ponderar essas possibilida-des na instituição, ou seja, se deseja fazer essa construção ou se naquele momento a escola externa que não tem condições, procrastinando por um momento mais adequado.

Os elementos da cultura organizacional têm de ser lidos na sua interioridade, mas também nas interrelações com a comunidade envolven-te. Se a cultura tem um papel de integração, é também um fator de diferenciação externa. Há de se identificar (ou construir) as modalidades

de integração com o meio social. Por exemplo, um projeto pedagógico onde os pais e a comuni-dade contribuam para ajudar pessoas carentes.

Como afirma Enguita (apud Goméz & Sa-cristan5, 1998:

“A escola é uma trama de relações sociais materiais que organizam a ex-periência cotidiana e pessoal do aluno/a com a mesma força ou mais que as re-lações de produção podem organizar as do operário na oficina ou as do pequeno produtor no mercado. Por que então continuar olhando o espaço escolar como se nele não houvesse outra coisa em que se fixar além das idéias que se transmitem?”

A escola não deixa de ser uma comunidade em si mesma, que estabeleceu ao longo de sua história relações de afeto entre professores e alunos, entre seus membros e a família. O ob-jetivo em comum que se observa na escola está voltado para a família, bem como, estabelecer condições favoráveis ao desenvolvimento inte-gral dos alunos (dos filhos).

O psicopedagogo vai fazer uma “leitura” nas entrelinhas, das narrativas, do currículo oculto, da dinâmica entre os atores da escola, das possibilidades de mudança, da necessidade de ajuda, dos trabalhos realizados, das dificul-dades detectadas, dos vínculos estabelecidos, dos comportamentos e atitudes.

Concorda Bassedas4 que a observação “é considerada um recurso muito peculiar do diag-nóstico psicopedagógico”.

Então, no diagnóstico, a observação é um instrumento que o psicopedagogo utiliza-se para atuar na instituição escolar. Porque, na escola, o psicopedagogo não vai fazer testes com os alunos, nem com ninguém. Além de conside-rar os aspectos de comunicação e interação es-senciais para o processo de aprendizagem. É por essa razão que a observação é fator primordial.

Na instituição escolar, observa-se que ora se é depositante, ora se é depositário. Esse mo-vimento de depósito começa na família, com o projeto inconsciente dos pais, que acabam por

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marcar um lugar para cada um de seus filhos, conforme as necessidades que, imaginariamen-te, o grupo primário (família) pretende preen-cher com aquele que chega6.

Segundo Pichon-Rivière (apud Grossi & Bor-din6), “a estrutura dos grupos se compõe pela dinâmica dos 3D. O depositado, o depositário e o depositante”.

Em termos diagnósticos na instituição, o psicopedagogo deve tentar detectar quais são esses elementos: depositados - expectativas, alegrias, medos, confiança, frustrações, triste-zas; depositários - aluno/família, filho/escola (professor), professor (escola)/pais; depositantes - escola (professor), família, aluno.

É a partir do diagnóstico realizado que o psicopedagogo poderá propor e executar a sua intervenção. E a meta da intervenção psico-pedagógica é a construção de uma identidade própria da escola.

Trabalhar em co-responsabilidade, vislum-brando uma proposta transdisciplinar requer, principalmente, predisposição às trocas e pre-paro para o diálogo.

INTERVENÇÃO NA ESCOLA: UM OLHAR PSICOPEDAGÓGICO O objeto de estudo da Psicopedagogia é

sempre o sujeito aprendente e esta aprendi-zagem está sempre relacionada com o próprio sujeito, com o sujeito e o objeto, com o sujeito e o meio, portanto sistematicamente. Isto quer dizer que o psicopedagogo está comprometido com qualquer modalidade de aprendizagem e de ensino e não só a exercida na escola.

Cabe ao psicopedagogo entender como se constitui o sujeito, como este se transforma em suas diversas etapas de vida, quais os recursos de conhecimento de que ele dispõe e a forma pela qual produz conhecimento e aprende em relação ao grupo e sua reação frente a este.

O impedimento para aprender não está atrelado aos fatores orgânicos, mas, também ao estado emocional, que determina e permeia todo tipo de relação, sendo esta uma proposta educacional ou não.

A atuação psicopedagógica tem como base o pensar, a forma como o aprendente pensa e não propriamente o que aprende. É buscar compre-ender como eles utilizam os elementos do seu sistema cognitivo e emocional para aprender.

Na escola, a tarefa do psicopedagogo visa fortalecer a identidade da instituição, bem como resgatar suas raízes, ao mesmo tempo em que pro-cura sintonizá-la com a realidade que está sendo vivenciada no momento histórico atual, buscando adequá-la às reais demandas da sociedade.

A intervenção psicopedagógica vem, no curso de sua história, acontecendo na assistên-cia às pessoas que apresentam dificuldades de aprendizagem, por meio do diagnóstico e da terapêutica. Frente ao desempenho acadêmico insatisfatório e com o objetivo de esclarecer a causa das dificuldades, os alunos são encami-nhados ao psicopedagogo, pelas escolas que frequentam. Desde o princípio, a questão é cen-trada no aprendente que não aprende. Agora, a atenção do psicopedagogo não está centrada apenas no aprendente, mas no contexto em que se realiza a aprendizagem.

A psicopedagogia institucional está atenta à compreensão dos mecanismos inconscientes de uma organização, identificando sua rigidez, bloqueios e possibilidades de aprender7.

Ressalta Barbosa2 que “na instituição escolar, convive-se com o ensinar e com o aprender de uma forma muito dinâmica, não sendo possível, na prática, haver uma intervenção que recaia somente sobre o aprender”.

Barbosa3, ainda, complementa:“Quando dizemos que a Psicopedago-gia se preocupa com o ser completo, que aprende, não podemos esquecer que faz parte da compleitude deste ser a capacidade de aprender em intera-ção com aquilo ou aquele que ensina; e que a ação de ensinar não é sempre exercida pelo professor, assim como a de aprender não é de responsabilidade somente do aluno”.

O trabalho do psicopedagogo na escola é de prevenção das dificuldades de aprendizagem.

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Ou seja, vai fazer um trabalho institucional: ave-riguar a formação dos professores; o currículo que está sendo dado e se está sendo adequado às necessidades dos alunos. E a partir dessas necessidades, se o professor está ou não prepa-rado para atender ao aluno. O psicopedagogo vai intervir na formação do professor, supervisor ou orientador pedagógico.

Há exemplos em que os professores são mais bem preparados que o supervisor. Então como pode o supervisor coordenar um trabalho peda-gógico junto aos professores, se nem ele sabe (ou tem conhecimento) para mediar essa prática?

O papel do psicopedagogo na escola é, além de realizar uma orientação educacional, propor a intervenção no currículo, no projeto político pedagógico, na metodologia de ensino do pro-fessor, nas formas de aprender do professor.

O psicopedagogo poderá contribuir para que haja uma boa comunicação entre escola e família, favorecendo a um clima de confiança e estabelecendo um elo construtivo. Pois esse dueto nem sempre é harmônico, podendo o psicopedagogo deparar-se com situações con-flitantes, tensas e pouco produtivas.

Para auxiliar na aprendizagem do aluno, faz-se necessário que os pais estejam integrados à escola, sendo importante que ambos falem a mesma linguagem e trabalhem em conjunto.

Barbosa2 afirma que: “A atuação psicopedagógica junto a um grupo ou instituição, para ser operante, precisa interpretar os papéis desempenhados, a forma como foram atribuídos e assumidos, assim como as expectativas que se encontram latentes neste movimento de atribuir e aceitar o papel. [...] A tarefa de cada um deve estar voltada para o aprender, desde a direção até a portaria ou o serviço de limpeza”.

Neste sentido, na instituição escolar, o trabalho do psicopedagogo terá como meta a integração da tarefa objetiva e subjetiva, promovendo uma mediação que possibilite a realização eficaz da tarefa.

Uma escola rígida aponta e delimita padrões de comportamento. No entanto, percebe-se que, mesmo assim, os alunos rebelam-se. Outra es-cola que não tem tanta rigidez, pelo contrário, é mais liberal, mais aberta, propõe-se a lidar com os questionamentos que os alunos colocam, de repente, fraqueja, porque está havendo muita indisciplina, começando-se a perder o controle da situação.

Na realidade, o sintoma está aparecendo nas duas instituições, tanto na que assume cla-ramente uma postura de rigidez, como naquela que se propõe a ser liberal, democrática.

Então, é essa a questão que tem que ser ana-lisada. Ou seja, qual o sentido que está fazendo para os alunos essas regras tão demarcadas, delimitadas, impostas com clareza? Como esses alunos estão entrando em contato com isso?

A escola até que pode ser liberal, democrática, desde que as pessoas que assumem a direção tenham pelo menos o mínimo de controle dos acontecimentos. A ação democrática significa está sempre dialogando, negociando, senão perde-se a rédea e não se consegue dar conta da situação.

Qual o sentido que esses alunos estão atri-buindo à concepção de democracia? E para a direção, coordenação, qual o sentido que está fazendo esta reação dos alunos que já é de insubordinação, de depredação da escola (quebra, destrói, rabisca)? Então, tem-se que ir buscar, “lá atrás”, essas reservas de sentido. O psicopedagogo pode ajudar os que fazem a escola a tomarem consciência desse acervo, dessas reservas de sentido.

No trabalho com a escola, após o diagnósti-co, o psicopedagogo vai realizar a intervenção apoiando-se na utilização de recursos que promovam a operatividade dos vários grupos e instâncias da instituição.

A intervenção psicopedagógica vai fazer com que o aprender na escola esteja sempre em movimento, sem esquecer de acompanhar o mo-mento histórico e prevenindo a cristalização de vínculos, que só dificultam o desenvolvimento.

O caráter preventivo vislumbra o sentido de reconstruir processos, definir papéis, valoriza

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novos conhecimentos, novas formas de apren-der / ensinar, novas formas de avaliar o conhe-cimento, bem como, pessoas, papéis, processos, produtos, objetivos7.

Com relação ao trabalho dos psicopedagogos na escola, Fernández8 ressalta que:

“[...] precisam utilizar os conhecimentos e a atitude clínica para situarem-se em outro lugar, diferente ao que têm no consultório. A experiência de consul-tório pode servi-lhes muitíssimo para situarem-se diante de professores, alunos e de si mesmos como alguém que propicia espaços de autoria de pensamento. [...] o psicopedagogo é alguém que convoca todos a refletirem sobre sua atividade, a reconhecerem-se como autores, a desfrutarem o que têm para dar. Alguém que ajuda o sujeito a descobrir que ele pensa, embora perma-neça muito sepultado, no fundo de cada aluno e de cada professor. Alguém que permita ao professor ou à professora recordar-se de quando era menino ou menina. Alguém que permita a cada habitante da escola sentir a alegria de aprender para além das exigências de currículos e notas”.

No entanto, o psicopedagogo nunca deve confundir “intervir” com “interferir”. No in-tervir a intenção é de ajudar a pensar para se alcançar a resposta. Já o interferir está centrado na manipulação da ação do outro.

A escola tem que aprender a trabalhar com as dificuldades, porque senão corre o risco de cair no vício da rotulação. Ou seja, o profes-sor detecta quinze alunos com dificuldade de aprendizagem e já encaminha todos para a clí-nica. Claro que não! Tem que primeiro verificar se há outras formas de trabalharem-se os con-teúdos. O aluno pode não está rendendo bem nos estudos, até por um problema na dinâmica familiar. Então, como a escola amenizaria isso?

Quando um aluno declara que não gosta de tal professor é uma maneira do psicopedagogo, através dessa fala, deflagrar um problema de

aprendizagem. Porque se o aluno não gosta do professor, provavelmente, não se apropriará da matéria. No caso de um professor cativante, sensível, acolhedor, motivador poderá levá-lo a entender a matéria. Mas, se o professor tem uma característica antipática ou de indiferença, o aluno não será motivado de forma alguma, devido a essa postura inadequada de quem se diz educador.

Uma atividade convencional, tradicional, quando trabalhada de forma lúdica, torna-se mais digestiva, mais leve.

O psicopedagogo tem que se preocupar com o que está sendo depositado e como vai fazer para “limpar” esses depósitos. Então, simbo-licamente, seria isso que o psicopedagogo vai ajudar a realizar, ou seja, mediar essa limpeza.

Outro cuidado que o psicopedagogo terá que ter é como vai agir para entender a linha de ra-ciocínio do outro. Todo ponto de vista tem uma origem, então o psicopedagogo terá que enten-der de onde foi retirado e tentar compreender a partir daí. Com essa postura não dá para taxar de “errado” a linha de raciocínio de alguém. Ao invés disso, deve-se sugerir que ele fale e comente sobre sua linha de raciocínio, para que se possa entender. Com isso o psicopedagogo poderá argumentar que o que ele está falando pertence a uma linha tal de raciocínio e que a do outro já leva para um caminho diferente. Isso nada mais é que uma abertura para a conver-sação, para a pergunta circular.

Para Fernández8:“Nossa escuta não se dirige aos conte-údos não-aprendidos, nem aos apren-didos, nem às operações cognitivas não-logradas ou logradas, nem aos condicionantes orgânicos, nem aos in-conscientes, mas às articulações entre essas diferentes instâncias. [...] Não se situa no aluno, nem no professor, nem na sociedade, nem nos meios de co-municação como ensinantes, mas nas múltiplas relações entre eles”.

Na realidade, a questão do fracasso escolar ou o problema de aprendizagem sempre vão estar pre-sentes nas instituições escolares, revelando-se com

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baixo ou alto índice, de forma amena ou alarmante, com um discurso camuflado ou tangencial, apon-tando “culpados” ou rotulado comportamentos.

O psicopedagogo deverá trabalhar todas as questões que obstaculizam o ensinar e o aprender no “entre”, interagindo, vinculando, articulando e cuidando.

CONCLUSÃOAlguns paradigmas existentes na escola

devem ser repensados. A escola deve ter: uma política de igualdade, que garanta oportunida-des; ética da identidade, para afirmar-se na sua individualidade e saber respeitar a diversidade do outro; estética da sensibilidade, proporcio-nando o interagir. E é nesse contexto que entra o trabalho do psicopedagogo como articulador e promotor de ações que gerem mudanças, mesmo que de início sejam acanhadas, mas que, dentre outras, principalmente, minimizem os problemas relativos à aprendizagem.

O psicopedagogo tem que se autorizar sair da acomodação e questionar os anseios e as expectativas em relação à própria formação, ao seu trabalho, a sua vida.

O olhar psicopedagógico tem que está diri-gido à individualidade do aluno, bem como sua atuação em grupo. Há a necessidade de tirar o professor de um lugar que o considera sim-plesmente como um transmissor de informação, fato este que é abraçado por vários docentes. Precisa-se preencher as lacunas da formação do professor, não por meio de receitas prontas, mas

de cursos de formação continuada, vislumbran-do uma visão de homem como sujeito pensante e desejante.

Não existem fórmulas mágicas, prontas para se vencer as dificuldades de aprendizagem dos alunos. Essas dificuldades muitas vezes são sintomas de que algo não vai bem, podendo ser identificado e até amenizado pelo educador, contando com o apoio do psicopedagogo.

Não existe atuação psicopedagógica na esco-la sem a postura do ouvir, do falar e do propor. A intervenção do psicopedagogo tem que está regada do seu saber, da sua criatividade, da sua perspicácia, para que tenha condições de adap-tar o trabalho a que se propõe, de acordo com as necessidades e possibilidades do contexto educacional em que está atuando.

O psicopedagogo vai trabalhar de forma preventiva para que sejam detectadas as dificul-dades de aprendizagem, antes que os processos se instalem, bem como, na elaboração do diag-nóstico e trabalho conjunto com a família frente às ocorrências provenientes das dificuldades no processo do aprender. No entanto, não se pode falar em aprendizagem desconsiderando-se os aspectos relevantes na vida desse aluno que se relaciona e troca, a partir do estabelecimento de vínculos.

A prática psicopedagógica que respeita a individualidade do sujeito na rotina escolar é fundamental. A tentativa de sanar o sintoma sem compreender suas causas não surte o efeito desejado.

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Trabalho realizado em Fortaleza, CE, Brasil. Artigo recebido: 9/9/2010Aprovado: 23/11/2010

REFERÊNCIAS1. Bossa NA. A Psicopedagogia no Brasil: con-

tribuições a partir da prática. Porto Alegre: Artes Médicas; 1994.

2. Barbosa LMS. A Psicopedagogia no âmbito da instituição escolar. Curitiba: Expoente; 2001.

3. Nóvoa A. As organizações escolares em análise. Lisboa:Dom Quixote;1995.

4. Bassedas E et al. Intervenção educativa e diag-nóstico psicopedagógico. Tradução: Neves BA. 3ª ed. Porto Alegre: Artes Médicas; 1996.

SUMMARYEducational psychology practice in the school framework: not to mani-

pulation, yes to contribution

The educational psychologist has a significant, preventive role in the complex learning process within the school framework, in which much information and many aspects must be taken into account and analyzed. Knowing how the student builds his/her knowledge, understand the dimensions of the relationships with the school, the teachers and the taught contents and linking them to the affective and cognitive aspects enable the educational psychologist to perform a more accurate work. It must be considered that the student’s development happens in a harmonious and balanced fashion in the different organic, emotional, cognitive and social fields.

KEY WORDS: Schools. Psychoeducation. Family.

5. Goméz AI, Sacristan JG. Compreender e transformar o conhecimento e a experi-ência. 4ª ed. Porto Alegre: Artes Médicas; 1998.

6. Grossi EP, Bordin J. Paixão de aprender. Pe-trópolis: Vozes;1993.

7. Fagali HQ. Múltiplas faces do aprender: no-vos paradigmas da pós-modernidade. 2ª ed. São Paulo: Unidas; 2001.

8. Fernández A. O idioma do aprendente: análise das modalidades ensinantes com famílias, escolas e meios de comunicação. Tradução Hickel NK. Porto Alegre: Artes Médicas; 2001.

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Witter GP

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RESENHA

Geraldina Porto Witter – Doutora em Ciências, Livre-

docente em Psicologia Escolar; Professora Emérita da

UFPa, do UNIPE e da UNICASTELO, Coordenadora

Geral da Pós-Graduação Stricto Sensu da UNICASTELO

e Membro da Academia Paulista de Psicologia.

Correspondência

Geraldina Porto Witter

Av. Pedroso de Moraes, 144, apto 302

Pinheiros – São Paulo, SP, Brasil – CEP 05420-000

E- mail: [email protected]

educação à distância

Resenha: Geraldina Porto Witter

Resenha do livro: Moraes RC. Educação à distância e ensino superior: introdução didática a um tema polêmico. São Paulo: Editora Senac; 2010. 120p

O surgimento dos microcomputadores e da Internet ampliaram as possibilidades de atendi-mento a segmentos maiores da população. Ao mesmo tempo, o que pode representar uma ação de democratização do ensino, vista por alguns como meio de redução de custos, conforme cres-ceu a Educação à Distância (EaD), também au-mentaram as polêmicas decorrentes de seu uso.

O livro aqui resenhado tem por foco o uso da EaD no Ensino Superior e as polêmicas que emergiram. Foi escrito por Reginaldo C. Moraes, docente da UNICAMP. Em nota da editora, há esclarecimento de que o livro está inserido no es-forço da mesma para, nos moldes de outros países, contribuir com o empenho do SENAC na EaD.

A obra compreende Introdução, cinco ca-pítulos e considerações a guisa de conclusão. Como apêndice, apresenta três modelos de EaD propostos em documentos da University of Ma-ryland: Sala de aula distribuída, Aprendizado Independente e Ensino aberto e sala de aula.

Na Introdução, o autor enfoca o que educa-ção, desenvolvimento e inovação apresentam em comum, que são conceitos subjacentes ao apresentado e discutido no livro. Contrasta o que em países carentes de desenvolvimento não se avançou ou seguiu caminho distinto dos países em que o ritmo do progresso foi mais avançado e, ao mesmo tempo, mais abrangente.

O primeiro capítulo é dedicado às definições de universidade, de ensino superior e de EaD. São feitas apresentações sucintas, mas claras, e ao mesmo tempo, subjacentes ficam as possibi-lidades de variação e flexibilidade.

No capítulo seguinte, o autor trata de alguns desenvolvimentos em EaD no exterior. É de inte-resse especial para justificar a necessidade desta forma de ensino-aprendizagem ao longo da vida, face ao curto prazo de validade do conhecimento na atualidade, decorrente do rápido evoluir das ciências e tecnologias. Entretanto, faz alerta so-bre pontos de estrangulamentos possíveis. Tem por referência as universidades abertas.

O tema tem continuidade no capítulo 3, em que faz uma apresentação de algumas experiên-cias internacionais de EaD, apresentando van-tagens e limitações de várias propostas, áreas abrangidas e inovações, apresentadas de forma objetiva. É o capítulo mais volumoso, apresen-tando um panorama de realizações pertinentes e indicando aspectos a requererem a atenção dos estudiosos e pesquisadores da área, bem como, aos que definem políticas para a área.

No penúltimo capítulo, o autor retoma a consideração geral de que a EaD tem segui-do quatro abordagens: histórico-descritiva, analítico-teórica, pragmático-normativa e apologético-promocional. Destaca-se a busca

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de elaboração de referenciais teóricos, o que implica em considerar uma concepção de aprendizagem, modelos de ensino e as caracte-rísticas institucionais compatíveis com o que se pretende concretizar. Há, ainda, a considerar perspectivas diversas, a equipe, associações, redes e pólos presenciais.

O último capítulo é voltado para aspectos mais técnicos, concernentes à organização de cursos em EaD, levando em consideração os recursos disponíveis no que diz respeito às tec-nologias e à gestão. Subjacente está a questão de custos com desenvolvimento, implantação, operação, manutenção e infraestrutura. Há na literatura várias sugestões para redução e/ou contenção de custos no que concerne ao corpo docente, tecnologia e tamanho da turma ou clas-se. De qualquer forma, a tendência é que o custo de um curso tenda a se manter estável, depois de algum tempo, a ficar progressivamente mais barato para o aluno. Quanto maior a turma, mais barato fica. Neste mesmo capítulo, o autor trata de problemas de organização.

O livro se fecha com o texto Algumas con-siderações a guisa de conclusão, apresentando a educação como uma cadeia de valor, sendo

relevante, em sua opinião, a intervenção do se-tor, como: formação de quadros (professores, tu-tores, especialistas em mídia), apoio e estímulo para a produção de material instrucional básico, programas de estímulo e regulação, certifica-ção, difusão dos cursos e avaliação. Fecha com algumas sugestões do que é possível fazer nas instituições convencionais dedicadas ao ensino superior, entre elas estão: criação de centros de EaD, estímulo aos docentes para uso de EaD, previsão de recursos e apoio técnico, integração de projetos, cuidado dos direitos autorais dos materiais produzidos, arquivamento eficiente do realizado, acesso a várias plataformas e criação de banco de cadastro do realizado e dos docentes envolvidos. São sugestões úteis para administração e preservação da história.

É um livro de leitura útil e agradável, que apresenta uma perspectiva geral, apontando pontos positivos e negativos. Viabiliza ao leitor tomar suas decisões com base em informações bem organizadas. Certamente, é um comple-mento apreciável para a introdução ou revisão da matéria que conta com farta bibliografia, conforme o leitor mais interessado poderá cons-tatar nas bases bibliográficas.

Resenha realizada na Universidade Camilo Castelo

Branco – UNICASTELO, São Paulo, SP, Brasil.

Artigo recebido: 19/11/2010

Aprovado: 28/11/2010

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RESENHA

Intervenções ClínICas: ação Integrada CoM a FonoaudIologIa, a PsICoPedagogIa, a

arteteraPIa, a PsICanálIse e outros saberes

Marisa Irene Siqueira Castanho – Psicóloga, psicopedagoga, doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pelo IPUSP. Docente do Programa de Pós-Graduação stricto sensu Mestrado em Psicologia Educacional do Centro Universitário FIEO – UNIFIEO. Conselheira eleita por São Paulo da Associação Brasileira de Psicopedagogia - ABPp, desde 1999. Pesquisadora do CNPq, autora de artigos científicos nas temáticas da aprendizagem, do desenvolvimento humano, da educação formal e não-formal.

CorrespondênciaMarisa Irene Siqueira Castanho Rua Loreto, 61, apto. 81 – V. Sto. Estéfano – São Paulo, SP, Brasil – CEP 04152-130E- mail: [email protected]

Resenha: Marisa Irene Siqueira Castanho

Resenha do livro: Simões M. Intervenções clínicas: ação integrada com o Fonoaudiologia, a Psicopedagogia, a Arteterapia, a Psicanálise e outros saberes. Rio de Janeiro: Wak Editora;2010.

A Psicopedagogia, área interdisciplinar de conhecimento, prática e pesquisa, tem se conso-lidado a partir da ação reflexiva de profissionais engajados no atendimento de uma demanda social e educacional cada vez mais emergente. A especificidade da ação psicopedagógica não se reduz a uma prática diagnóstica dos proble-mas de aprendizagem e à aplicação de técnicas para sanar deficiências de aprendizagem. Tal visão reducionista orientada à normatização e à adaptação dos indivíduos tem sido revista e ampliada por meio de uma práxis transforma-dora dos sujeitos envolvidos no processo.

Contra a fragmentação dos conhecimentos e na direção da construção de uma identidade profissional, na interface da Fonoaudiologia, da Psicanálise, da Psicopedagogia e de outros campos de saberes, Márcia Simões apresenta este texto como exemplo de diálogo interdisci-plinar. Orientada pela intuição, pela emoção e pela razão, pelo amor e pelo respeito ao outro, a autora expõe sua experiência sofrida e deste-

mida na busca de compreensão da manifestação dos sintomas de dificuldade de linguagem e de aprendizagem de um menino-adolescente.

Márcia Simões é fonoaudióloga pela Univer-sidade de Mogi das Cruzes (SP); especialista em Linguagem com enfoque psicanalítico pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP); psicopedagoga clínica pelo Centro Universitário FIEO (UNIFIEO); tem licenciatura plena em Biologia (UNIFIEO) e é mestre em Psicologia pela Universidade São Marcos (SP). Neste livro, Márcia apresenta o relato de um caso de difícil quadro nosográfico, para o qual os procedimentos adotados exigiam constante revisão, pesquisa e atualização. Expõe o longo percurso de estudos, reflexões e busca de par-cerias, movida pela coragem de trilhar caminhos desconhecidos na superação do próprio não-saber diante do sofrimento do outro.

A obra se organiza em Introdução e 10 ca-pítulos, além de Prefácio, Apêndice, Posfácio e dos testemunhos de cinco dos profissionais que

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atuaram no caso. O Prefácio é escrito por Quézia Bombonatto, presidente nacional da Associação Brasileira de Psicopedagogia, a qual ressalta a qualidade do texto e a maneira singular como Márcia expõe sua trajetória em direção à cons-trução de sua identidade profissional, encontran-do seu lugar de terapeuta e o lugar do sujeito aprendente, desmistificando “alguns dogmas consensuais (...) da relação terapêutica”.

No Apêndice, a autora traz uma síntese conceitual da Distrofia Muscular Miotônica, também conhecida como Distrofia Muscular de Steiner ou Miotonia Atrófica, doença genética, caracterizada pelas modificações progressivas degenerativas das fibras esqueléticas, afetan-do vários sistemas do organismo, entre eles, o digestório, com dificuldades na mastigação e deglutição, o respiratório, com predomínio na dificuldade de articulação das palavras, e outras manifestações de difícil diagnóstico, e cujo conjunto de sintomas afetava o paciente do caso relatado por Márcia.

O Posfácio é de Josias DeBenedetti, advoga-do, professor universitário e doutor em Direito Constitucional, antigo amigo de escola, teste-munha do esforço pessoal de Márcia na supe-ração das próprias dificuldades de expressão do pensamento em palavras, meta prioritária trabalhada por ela junto ao paciente. Por último, apresentam-se os depoimentos de Maria Teresa Andion, psicopedagoga e arteterapeuta, de Ma-ria Inês Tassinari, fonoaudióloga e psicanalista, de Rubens Wajnsztejn, neurologista, de Silvia Koury Jerez Ferrara, ortodondista e de Kaio Julio César Pezzutti, ator e diretor de teatro, a respeito da conduta ética e profissional de Már-cia na busca de um diagnóstico, bem como de suas participações na articulação das múltiplas leituras e acompanhamentos que o caso requeria.

Na Introdução, em narrativa marcada pela liberdade de estilo, a autora traça os fios da tessitura de sua história pessoal e a de Valen-thin, o caso clínico apresentado. Ela, menina do interior, em decorrência de um estrabismo tinha dificuldades de se situar no espaço, era tida como desatenta, preguiçosa e desastrada,

com sérias consequências em sua aprendiza-gem: não conseguia ler e escrever. Ele, 16 anos, filho mais velho de uma família de três irmãos, era considerado vagabundo e desatento, havia passado por diferentes avaliações fonoaudio-lógicas e tratamentos na área, sem resultados favoráveis ao quadro de distúrbios de lingua-gem e de comunicação que se agravava. Segue contando sua trajetória pessoal, como, ainda menina, descobriu os livros do pai e, sozinha, foi “lidando com o emaranhado das letras”. Narra seu percurso de formação profissional chegando ao campo da Educação e da Fonoaudiologia, áreas que, não por acaso, lhe possibilitam lidar com as dificuldades e patologias da leitura, da fala e da escrita e, posteriormente, por meio de cursos de especialização em Psicopedagogia e Psicanálise, amplia seus conhecimentos e capa-cidade de compreensão do humano.

Nos capítulos 1 e 2, Márcia apresenta as circunstâncias que engendraram o contexto no qual Valenthin lhe é designado como pacien-te. Na época atuava como fonoaudióloga na primeira Equipe Interdisciplinar da Secretaria de Educação do Município de Osasco, era assessora técnica dessa secretaria, com inter-locução com a Secretaria de Saúde. Valenthin veio encaminhado como um caso de inclusão pelo coordenador de uma escola particular, com base em relatório psicológico que indicava sua inserção em uma escola especial. O coordena-dor buscava orientação, face à complexidade do caso. Os primeiros contatos com a escola, com os pais e com as terapeutas anteriores confirmavam, a cada nova entrevista, a gra-vidade e recorrência de sintomas: distúrbios articulatórios, de disfluência e dificuldades de aprendizagem, de respiração oral e alterações na voz, agravados, segundo as especialistas, pela situação familiar, cujos pais lutavam há dez anos contra o câncer do filho mais novo, naquele momento, em estado terminal.

No capítulo 3, Márcia descreve as impressões do primeiro contato com Valenthin: voz trêmula e estrangulada, não direção do olhar, tensão postural, auto-referência negativa de alguém

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cansado de não ser entendido e ser considerado como um fracassado, vagabundo e preguiçoso. Nesse e nos encontros seguintes, ele expressa suas queixas, o peso de sua responsabilidade como filho mais velho, a dor da perda do irmão doente, a comparação por não ser tão inteligente como o outro, as dores físicas e psíquicas de seu quadro sintomático. Diante do turbilhão de tais demandas, a autora se vê desorientada frente a um não saber, e apresenta com humildade que a saída provável estaria na possibilidade de res-ponder às perguntas do próprio paciente: ‘Você acredita em milagre? Será que dá para você ser minha ‘psicopedafono’?”. Para ele, a saída seria, de um lado, a fé, de outro, a capacidade de Már-cia ser diferente das fonoaudiólogas anteriores que, segundo ele, só repetiam exercícios e mais exercícios dos quais estava cansado. Tem início, assim, o longo percurso na busca de subsídios e supervisões para encontrar resposta para as per-guntas feitas e, principalmente, localizar-se no lugar de uma demanda explicitada: ser “psico”, “peda”, “fono”.

A cada novo capítulo, do quarto ao oitavo, Márcia surpreende o leitor com seu trabalho incansável no caminhar gradativo, por meio de ensaios, acertos e erros, os quais estruturam o pensar e o agir terapêuticos. Seu relato clínico ultrapassa a formalidade teórica e se destaca pela sensibilidade para com o sofrimento da evolução do quadro, a despeito das inúmeras tentativas de compreensão dos sintomas e da busca incessante de recursos que pudessem ajudar Valenthin na superação de suas difi-culdades. Destacam-se a arte como recurso terapêutico, o trabalho com fotografias para elaboração de sua história pessoal e lugar ocu-pado na família, a reflexão a partir de histórias

bíblicas e o encontro com a arte cênica. Todos esses recursos se associavam aos duros exercí-cios fonoarticulatórios necessários pelo agrava-mento dos sintomas. Ressalta-se a coragem de Márcia de encontrar subsídios, em especial em Françoise Dolto, na obra “O evangelho à luz da Psicanálise”, cuja experiência com a utilização de textos bíblicos deu sustentação à continui-dade de seu trabalho com Valenthin.

Como fechamento da narrativa, nos capí-tulos 9 e 10, se concretiza a formalização do diagnóstico de Distrofia Muscular de Steiner, cuja descrição nosográfica trazia alívio para a angústia do paciente, até o momento sem res-postas para suas inúmeras perguntas. A aliança terapeuta-cliente resultou na força para querer e suportar o diagnóstico, por mais temerário que fosse, pela possibilidade de apropriação de um saber para o enfrentamento de uma realidade que, pela primeira vez, era denominada.

Se a ciência é o esforço de reunir, pelo pensa-mento sistemático, os fenômenos perceptíveis, e é a reconstrução posterior da existência pelo processo da conceituação, a religião é o esforço da humanidade para atingir uma clara e com-pleta consciência dos valores e das metas por aspirações suprapessoais. Einstein nos brinda com essa reflexão, no texto “Ciência e Religião”. A ciência lida com o real, não emite juízos de va-lor; no entanto, é da esfera da religião que brota a fé na possibilidade de regulações válidas para que a existência do homem seja compreensível à razão. No trabalho de Márcia, encontramos essa postura científica e humana pela abertura e exposição de suas próprias aprendizagens e crescimento como pessoa e terapeuta e por sua coragem de abrir-se às experiências e sofrimen-to do Outro.

Resenha realizada no Centro Universitário FIEO –

UNIFIEO, Osasco, SP, Brasil.

Artigo recebido: 19/12/2010

Aprovado: 21/12/2010

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ASSOCIADOS TITULARES PARA REVISTA Nº 84 – 2010

ALAGOAS

Maceió

ELIANE CALHEIROS CANSANÇÃ[email protected] (82) 3223-4258 – Farol

BAHIA

Feira de Santana

LOURDES MARIA DA SILVA [email protected](75) 3221-3456 – Mangabeira

Itabuna

GENIGLEIDE SANTOS DA [email protected](73) 3617-0372 – São Caetano

Salvador

ARLENE NASCIMENTO [email protected](71) 9983-0470 – Caminho das Árvores

DEBORA SILVA DE CASTRO [email protected] (71) 3341-2708 – Candeal

JACY CÉLIA DA FRANCA [email protected](71) 3347-8777 – Pituba

JOZELIA DE ABREU [email protected](71) 3341-2708 – Caminho das Árvores

KARENINA [email protected](71) 3345-3535 – Pituba

LEILA DA FRANCA [email protected](71) 3347-8777 – Pituba

MÁRCIA GONÇALVES [email protected](71) 3374-4505 – Federação

MARIA ANGELICA MOREIRA [email protected] (71) 3345-1111 – Pituba

SANDRA MARIA FURTADO [email protected](71) 3351-9973 – Itaigara

CEARÁ

Fortaleza

ANDRÉA AYRES COSTA DE OLI-VEIRA [email protected](85) 3261-0064 – Aldeota

ELIANE CÁSSIA ROCHA BLANES [email protected](85) 3244-2820 – Dionísio Torres

FRANCISCA FRANCINEIDE CÂ[email protected](85) 3272-3966 – Fátima

GALEÁRA MATOS DE FRANÇA SILVA [email protected](85) 3264-0322 – Aldeota

MARIA JOSÉ WEYNE MELO DE CASTRO [email protected](85) 3261-0064 – Parque

MARISA PASCARELLI [email protected](85) 3267-5714 – Varjota

OTILIA DAMARIS QUEIROZ [email protected](85) 3246-7000 – Dionísio Torres

Tianguá

GRAÇA MARIA DE MORAIS AGUIAR E [email protected](88) 9963-5854 – Centro

DISTRITO FEDERAL

Brasília

MARINA LIMA [email protected](61) 3326-9314 – Asa Norte

MARLI LOURDES DA SILVA [email protected](61) 3321-3666

Guará

ELINE LIMA M. DE [email protected](61) 3901-7583 – Vila Tecnológica

ESPÍRITO SANTO

Vitória

HIRAN [email protected](27) 3325-6765 – Jardim da Penha

IARA FELDMAN [email protected](27) 3225-9101 – Jardim da Penha

MARIA DA GRAÇA VON KRUGER [email protected](27) 3225-9978 – Praia do Canto

MARISTELA DO [email protected](27) 3215-5039 – Jardim da Penha

GOIÁS

Goiânia

CARLA BARBOSA DE ANDRADE JAYME [email protected](62) 3225-9805 – Setor Oeste

JANAÍNA CARLA R. DOS [email protected](62) 3241-7837 – Setor Sul

LUCIANA BARROS DE ALMEIDA [email protected](62) 3293-3067 – Setor Marista

MARISTELA NUNES [email protected](62) 3259-0247 – Nova Suíça

MATO GROSSO

Cuiabá

ÂNGELA CRISTINA MUNHOZ [email protected](65) 9214-4484 – Jardim Cuiabá

MARIA MASARELA MARQUES DOS [email protected](65) 3028-1372 – Campo Velho

MINAS GERAIS

Campanha

RAMONA CARVALHO FERNANDEZ [email protected](35) 3261-2119 – Centro

Pouso Alegre

SÔNIA REGINA BELLARDI TAVARES [email protected](35) 3425-3456 – Santa Filomena

Uberlândia

SANDRA MEIRE DE OLIVEIRA R. [email protected](34) 3224-3687 – Lidice

Varginha

HELENA SCHERER [email protected](35) 3212-7296 – Novo Horizonte

JÚLIA EUGÊNIA GONÇ[email protected](35) 3222-1214 – Centro

Page 122: Edicao84 revista cientifica

MARIA CLARA R. R. [email protected](35) 3212-3496 – Centro

MARIA ISABEL SILVA PINTO RE-ZENDE [email protected] (35) 3212-9120 – Jardim Andere

REGINA CLÁUDIA A. S. [email protected](35) 3214-5660 – Jardim Andere

PARÁ

Belém

CARMEM CYLBELLE PEREIRA AL-VES VIÉ[email protected](91) 3259-3531 – São Braz

ELIANE SOUZA DE DEUS NETO [email protected](91) 3259-3531 – Cidade Velha

MARIA DE NAZARÉ DO VALE [email protected](91) 9981-2076 – São Braz

PARANÁ

Curitiba

ADRIANE CREDIDIO R.C.DYMINSKI [email protected](41) 3672-3454 – Jardim Menino Deus

ARLETE ZAGONEL SERAFINI [email protected](41) 3363-1500 – Santa Cândida

CINTIA BENTO M. VEIGA [email protected](41) 3332-2156 – Rebouças

EVELISE M. LABATUT PORTILHO [email protected](41) 3271-1655 – Prado Velho

FABIANE CASAGRANDE C. O. [email protected](41) 3022-4041 – Batel

ISABEL CRISTINA HIERRO PAROLIN [email protected](41) 3264-8061 – Alto da XV

LAURA MONTE SERRAT [email protected](41) 3363-1500 – Alto da Glória

REGINA BONAT PIANOVSKI [email protected](41) 3345-8798 – Portão

ROSE MARY DA FONSECA [email protected](41) 3026-2865 – Centro Cívico

SONIA MARIA GOMES DE SÁ KUSTER [email protected](41) 3264-8061 – Centro

Foz do Iguaçu

ANA ZANIN [email protected](45) 3025-6103 – Centro

Guarapuava

ADRIANA CRISTINE LUCCHIN [email protected](42) 3622-4022 – Trianon

Londrina

ROSA MARIA JUNQUEIRA SCIC-CHITANO [email protected](43) 3342-7308 – Jardim Caiçaras

Maringá

GEIVA CAROLINA [email protected](44) 3261-4127 – Vila Morangueira

NERLI NONATO RIBEIRO MORI [email protected](44) 3261-4887 – Campus Universitário

São José dos Pinhais

LORIANE DE FÁTIMA FERREIRA [email protected] (41) 3282-9357 – Centro

PERNAMBUCO

Recife

DAISY FLORIZA C. [email protected](81) 3326-1927 – Boa Viagem

PIAUÍ

Teresina

AMÉLIA CUNHA RIO LIMA COSTAamé[email protected](86) 3233-2878 – Fátima

JOYCE MARIA BARBOSA DE [email protected](86) 3221-1013 – Centro/Sul

RIO DE JANEIRO

Ilha do Governador

DULCE CONSUELO RIBEIRO [email protected](21) 3366-2468 – Freguesia

Niterói

FÁTIMA GALVÃO [email protected](21) 2710-5577 – Icaraí

Rio de Janeiro

AGLAEL LUZ [email protected](21) 2493-8481 – Flamengo

ANA MARIA ZENÍ[email protected](21) 2556-3767 – Flamengo

ANA PAULA LOUREIRO E [email protected](21) 2436-1803 – Jacarepaguá

CLYTIA SIANO FREIRE DE [email protected](21) 2247-3185 – Ipanema

DIRCE MARIA MORRISSY [email protected](21) 2236-2012 – Copacabana

HELOISA BEATRIZ ALICE [email protected](21) 2259-9959 – Jardim Botânico

JANE BRAVO [email protected](21) 2541-4623 – Botafogo

LUCIA HELENA MACHADO [email protected](21) 2239-5878 – Gávea

MARIA HELENA C. LISBOA [email protected](21) 2266-0818 – Humaitá

MARIA KATIANA VELUK [email protected](21)2527-1933 – São Conrado

MARIA LÚCIA DE OLIVEIRA [email protected](21) 9345-4020 – Botafogo

MARLENE DIAS PEREIRA [email protected](21) 9739-5332 – Leblon

MARTHA IZAURA DO NASCIMEN-TO [email protected](21) 2570-0065 – Barra da Tijuca

Page 123: Edicao84 revista cientifica

VERA BEATRIZ DA COSTA NUNES MENDONÇ[email protected](21) 2295-4838 – Botafogo

RIO GRANDE DO NORTE

Natal

ADRIANNA FLÁVIA DE FIGUEIRE-DO [email protected](84) 3031-0193 - Tirol

EDNALVA DE AZEVEDO [email protected](84) 3221-6573 – Lagoa Seca

CHRISTINA SALES [email protected](84) 3206-4449 – Dix Sept Rosado

ELOISA ELENA PRATES [email protected](84) 3642-1004 – Alecrim

SONIA APARECIDA MONÇÃO GONÇ[email protected](84) 3211-4220 – Ribeira

Parnamirim

FRANCY IZANNYDE BRITO BARBO-SA [email protected](84) 4006-9509 – Parque das Nações

RIO GRANDE DO SUL

Passo Fundo

IARA SALETE CAIERÃ[email protected](54) 3311-5230 – Centro

Porto Alegre

CLARA GENI BERLIM [email protected](51) 3221-1740 – Santana

FABIANI ORTIZ [email protected](51) 3209-5722 – Cidade Baixa

MARILENE DA SILVA [email protected](51) 8182-0721 – Higienópolis

NEUSA KERN [email protected](51) 3333-5478 – Centro

SANDRA MARIA CORDEIRO SCHRÖEDER [email protected](51) 3328-3872 – Chácara das Pedras

SONIA MARIA PALLAORO MOOJEN [email protected](51) 3333-8300 – Petrópolis

VERÔNICA ABELLA [email protected](51) 3374-6938 – Higienópolis

Santa Maria

FABIANI ROMANO DE SOUZA [email protected](55) 3225-1577 – N. Sra. de Lourdes

SANTA CATARINA

Florianópolis

ALBERTINA C. MATTOS [email protected](48) 3244-5984 – Estreito

JANICE MARIA [email protected](48) 8453-7791 – Ingleses

LILIANA [email protected](48) 3248-0401 – Balneário

MÁRCIA [email protected](48)3224-0441 – Centro

MARIA GUILHERMINA COSTA [email protected](48) 3223-6402 – Centro

MARIA LÚCIA ALMADA [email protected](48) 3331-1952 – Trindade

SÃO PAULO

Araraquara

ALINE RECK PADILHA ABRANTES [email protected](11) 3335-7440 – Centro

Campinas

MARIA LAURA CASSOLI [email protected](19) 3254-2714 – Jardim N. Sra Auxi-liadora

Cotia

MARIA CECILIA CASTRO GASPA-RIAN [email protected](11) 4702-2192- Granja Viana

Jacareí

ANA MARIA LUKASCHEK [email protected](12) 3951-7929

Ribeirão Preto

ANA LUCIA DE ABREU [email protected](16) 3021-5490 – Jardim Sumaré

Santos

ANGELA COTROFE [email protected](13) 3232-5020 – Boqueirão

São Bernardo do Campo

BEATRIZ PICCOLO [email protected](11) 4368-0013 – Rudge Ramos

São Paulo

ADA MARIA GOMES [email protected](11) 2261-2377 – Jardim França

ANA LISETE P. [email protected](11) 3885-7200 – Jardim Paulista

ANDREA DE CASTRO J. RACYandré[email protected](11) 5572-1331 – Vila Nova Conceição

BEATRIZ JUDITH LIMA [email protected](11) 3651-9914 – Alto de Pinheiros

CARLA [email protected](11) 3815-5774 – Vila Madalena

CLEOMAR LANDIM DE OLIVEIRA [email protected](11) 9302-5501 – Moema

ELISA MARIA DIAS DE TOLEDO [email protected](11) 5184-1340 – Granja Julieta

ELOISA QUADROS [email protected](11) 3864-2869 - Perdizes

HERVAL G. FLORES [email protected](11) 3257-5106 – Higienópolis

LEDA MARIA CODEÇO [email protected](11) 3082-4986 – Vila Olímpia

LUCIA BERNSTEIN [email protected](11) 3209-8071- Aclimação

Page 124: Edicao84 revista cientifica

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MÁRCIA ALVES SIMÕES [email protected](11) 8192-0921 – Tatuapé

MARGARIDA AZEVEDO [email protected](11) 3021-8707- Alto de Pinheiros

MARIA BERNADETE GIOMETTI PORTÁ[email protected](11) 2950-6072 – Santana

MARIA CÉLIA R. MALTA [email protected](11) 3819-9097 – Alto de Pinheiros

MARIA CRISTINA [email protected](11) 5081-2057 – Vila Mariana

MARIA DE FATIMA MARQUES [email protected](11) 3052-2381 – Jardim Paulista

MARIA IRENE DE MATOS MALUF [email protected] (11) 3258-5715 – Higienópolis

MARIA TERESA MESSEDER [email protected](11) 3023-5834 – Alto de Pinheiros

MARISA IRENE S. CASTANHO [email protected] (11) 3491-0522 – Ipiranga

MÔNICA HOEHNE [email protected](11) 5041-1988 – Alto de Pinheiros

NÁDIA APARECIDA [email protected](11) 2268-4545 – Mooca

NEIDE DE AQUINO [email protected](11) 3670-8162 – Perdizes

NIVEA MARIA DE CARVALHO [email protected](11) 3868-3850 – Perdizes

QUÉZIA BOMBONATTO [email protected](11) 3815-8710 – Vila Madalena

REGINA A. S. I. [email protected](11) 5041-1988 – Brooklin

REGINA ZAIDAN PEREIRA [email protected](11) 3872-2434 – Pacaembú

SANDRA G. DE SÁ KRAFT MOREIRA DO NASCIMENTO [email protected](11) 3805-9799 – Morumbi

SANDRA LIA NISTERHOFEN SAN-TILLI [email protected](11) 3259-0837 - Higienópolis

SILVIA AMARAL DE MELLO [email protected](11) 3097-8328 - Pinheiros

SONIA MARIA COLLI DE SOUZA [email protected](11) 3287-8406 - Bela Vista

TELMA PANTANO [email protected](11) 3062-6580 – Jardins

VALÉRIA RIVELLINO [email protected](11) 5041-7896- Brooklin

VÂNIA CARVALHO BUENO DE [email protected](11) 5041-7896 - Brooklin

VERA MEIDE MIGUEL [email protected](11) 3511-3888 - Pacaembú

WYLMA FERRAZ LIMA [email protected](11) 3721-6421 – Morumbi

YARA [email protected](11) 2976-8937 – Vila Ester

Valinhos

SILVANA [email protected](19) 3829-1704 - Recanto

Vinhedo

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