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A ERA VARGAS: DITADURA PATERNALISTA
REIS, Queiti Oliveira.
RESUMO
Tal artigo visa propor a explanação do perfil político adotado por uma das figuras mais controversas que já esteve à frente do governo brasileiro. Getúlio Vargas foi um Presidente
capaz de despertar ao mesmo tempo o clamor público por suas realizações em prol da população e o ódio dos adversários talvez pelo mesmo motivo, chamado pelos opositores de pai dos pobres, trouxe ao ordenamento do país inovações que sequer eram cogitadas à época,
como, por exemplo, a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) e o Código Penal em vigor atualmente. É também na sua gestão que ocorram as censuras da imprensa e das publicações
contra o governo, assim como a criminalização do direito a greve. Alçado ao poder por meio de sua liderança civil na revolução de 1930 que depõe o Presidente ainda em exercício Washington Luís, pondo fim a hegemonia criada pelo acordo firmado entre mineiros e
paulistas na chamada política do Café com Leite. Vargas permanece por quase duas décadas a frente do Catete, durante sua trajetória o regime governamental passa de democrático a
ditatorial, quando decide realizar o fechamento do Congresso Nacional em 1937. O menino que cresce ouvindo as narrativas bélicas do pai, veterano da guerra do Paraguai, tenta seguir a carreira militar, esta é interrompida ao aderir ao motim que se inicia na escola preparatória de
cadetes. Sua vida voltada a politica tem inicio com sua eleição para deputado estadual, à época era formado em Direito e atuava como advogado na cidade gaúcha em que nascera: São
Borja. A base politica que lhe pautava era o caudilhismo rio-grandense que o influenciara desde a infância pela preferência paterna, combinada com a formação filosófica positivista que empregaria na sua gerência, o governo de Getúlio Dornelles Vargas é marcado pelo
populismo e pelo nacionalismo, como definiria Max Weber, e seria um exemplo típico de um líder carismático.
Palavra-chave: Getúlio Vargas. Revolução de 1930. Era Vargas. Constituição de 1937.
Regime de exceção.
1.0 INTRODUÇÃO
Na década de 1930 o país, que até então tinha seu Governo Federal regido pela
politica do Café com Leite, conhece o fim da denominada República Velha por meio do golpe
de estado inerente da revolução orquestrada pelas lideranças dos estados de Minas Gerais,
Paraíba e Rio Grande do Sul. Entre aqueles que lideram a revolta encontrava-se aquele que
permaneceria no poder pelo maior período da história política nacional: Getúlio Dornelles
Vargas.
O Gaúcho, filho de Manuel do Nascimento Vargas – ex-combatente da guerra do
Paraguai – e de Cândida Dornelles Vargas, cresceu sob as vertentes republicanas de Júlio de
Castilhos, à época presidente do Rio Grande do Sul, advindas da preferência política paterna
que, mais tarde é complementada pela educação filosófica positivista. Vargas era advogado e
teve sua iniciação na vida politica sendo eleito Deputado Estadual.
O propósito de tal estudo é explanar o perfil politico adotado pela figura enigmática
que comandara o país por quase duas décadas, apontando seu modelo de gerencia que o alçou
ao poder e da mesma forma o retirara dele, assim como, o desenvolvimento social que
proporcionara ao povo brasileiro enquanto a Presidência da República esteve sob seu controle.
Visa contribuir com a análise de um período controverso da história nacional, onde, apesar da
implantação de uma ditadura ocorre uma espécie de politica voltada ao bem estar da
população.
2.0 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Este artigo trata-se de uma pesquisa bibliográfica, pois as informações que servirão
de base para o conteúdo apresentado serão encontradas em livros, revistas e outras fontes de
pesquisa de cunho bibliográfico.
Trata-se do levantamento de toda a bibliografia já publicada em forma de livros,
revistas, publicações avulsas em imprensa escrita. Sua finalidade é colocar o
pesquisador em contato direto com tudo aquilo que foi escrito sobre determinado
assunto com o objetivo de permitir ao cientista o reforço paralelo na analise de s uas
pesquisas ou manipulação de suas informações. (LAKATOS E MARCONI, 2001, p.
43-44).
3.0 DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA
A trajetória política nacional é estigmatizada por oscilações em seus regimes
governamentais. Ao longo de sua história podem ser apontadas evoluções em seu
desenvolvimento político-social, entretanto ocorreram momentos em que tal desenvolvimento
conheceu não apenas restrições, como também, retroagiu completamente. A Colônia, regida
pela monarquia com seu poder moderador que lhe dava pleno controle sobre os demais, passa
a uma República tendo a representação como forma de eleger seus governantes.
Ditaduras camufladas com democracias puramente fictas, mantidas apenas de
maneira formal como pretexto para esconder a opressão que ocorria nos bastidores do Poder.
Ditaduras propriamente ditas que reduziram a representação cidadã a mero detalhe
burocrático. Ou até mesmo a hegemonia politica mantida no período dominado pelo acordo
do Café com Leite, onde a Presidência da República era trocada entre mineiros e paulistas.
É no fim desse período, marcado por uma revolução comandada por mineiros,
paraibanos e gaúchos, quando o então Presidente Washington Luís não indica um sucessor
mineiro como deveria ocorrer por força moral do acordo, levando as eleições o paulista Júlio
Prestes como candidato oficial do Catete. A Revolução de 1930 que culmina em um golpe de
estado depondo Washington Luís do poder e cassando o futuro mandato do então eleito
Prestes, alça ao poder o gaúcho Getúlio Vargas.
Vargas se tronaria a partir de então o líder a permanecer o mais longo período da
história política brasileira à frente do Palácio do Catete, sede do Governo Federal, à época
localizada no Rio de janeiro. A constituição de 1934, redigida para dar parâmetros de governo
a seu mandato quando eleito indiretamente pela Assembleia Constituinte é substituída pela de
1937, que passa a ser conhecida popularmente como a Constituição Polaca por ser inspirada
na constituição polonesa. Apesar das censuras impostas pela Carta Magna que instala o
regime ditatorial que dura até o fim de seu primeiro mandato são elaboradas sob sua vigência,
legislações trabalhistas, a CLT que ainda pauta as relações empregatícias, como também o
atual código penal.
3.1 Getúlio Dornelles Vargas
Terceiro rebento de um casal formado por um veterano da Guerra do Paraguai e a
filha de um Major que atuara na mesma guerra – Manuel do Nascimento Vargas e Cândida
Dornelles Vargas – era descrito por aqueles que o conheciam como sendo uma criança calada
que preferia ouvir a falar. Lira Neto expõe no primeiro volume da trilogia dedica à biografia
do líder gaúcho que:
[...] cresceu uma criança calada, dada a longos silêncios, trancafiado em seu próprio
mundo, ao qual poucos tinham acesso. Preferia ouvir a falar. Quando provocado,
respondia de forma evasiva, quase arisca [...]. O menino Getúlio, contavam, era uma
espécie de “bagual caborteiro” – o que no vocabulário dos pampas significava o
potro difícil de domar. Um arredio. (NETO, 2012, p. 35-36,).
Nascido em 19 de abril de 1882, na cidade gaúcha de São Borja, cresceu ouvindo as
histórias das proezas bélicas que o pai contava, tendo como uma das brincadeiras favoritas
batalhas travadas entre os soldados confeccionados com os ossos dos bois abatidos na
fazenda, onde reproduzia os embates lembrados pelo General. Isso o levaria a desejar o
ingresso no exército anos mais tarde.
Getúlio, a exemplo dos irmãos mais velhos, fora enviado a Ouro Preto para a
conclusão dos estudos secundários a fim de ingressar no ensino superior posteriormente como
os consanguíneos. Entretanto, se vê retornando ao Rio Grande do Sul após o envolvimento
dos irmãos no assassinato do estudante paulista Carlos de Almeida Padro.
É no ano seguinte ao seu retorno, aos dezesseis anos, que o garoto decide ingressar
na carreira militar, atuando por um ano como soldado galgando, com esforço, posições até
poder ostentar a patente de segundo-sargento do batalhão de São Borja. Posto este que lhe
garantia o direito de requerer sua matricula para integrar o corpo discente da Escola
Preparatória e de Tática de Rio Pardo, porém apenas no ano em que completaria dezoito anos
que a tão almejada vaga surge. Para adequar-se a faixa etária que o exército exigia, Getúlio
rasura a documentação original alterando a data de nascimento em um ano. Mudando o ano
1882 para 1883, data que adotaria como sendo a verídica a partir de então.
A veia revolucionária, presente na personalidade do futuro líder civil da Revolução
de 1930, apresenta-se quando já se encontrava matriculado no terceiro e ultimo ano de sua
preparação na Escola de Rio Pardo. Ao levantar o braço e decidir aderir ao motim promovido
pelos demais colegas em apoio àqueles que haviam sido expulsos vê o fim de sua carreira
militar.
[...] A relação de punidos chegou a 129 alunos, sendo 31 expulsos e 98 presos, o que
significava mais da metade do contingente. Dessa vez, na lista de expulsos da Escola
Preparatória e de Tática de Rio Pardo, estava o nome de Getúlio Dornelles Vargas. (
NETO, 2012, p. 69-70).
Após a expulsão os cadetes, rebaixados a soldados rasos sem nenhuma regalia pelos
anos de formação, são espalhados pelos batalhões gaúchos. Resta então a Vargas a colocação
no 25° batalhão de infantaria situado na capital gaúcha. Desiludido pela realidade da vida
militar combina o ultimo ano de cumprimento de serviço militar obrigatório a um programa
intensivo de estudos.
À época, uma das características marcantes daqueles que almejavam uma forma de
conseguir uma posição de destaque social e algum cargo de mando no país era o bacharelato.
E Getúlio não pensava diferente, com auxilio dos recursos financeiros enviados pelos pais
matricula-se na Escola Brasileira. Na dupla jornada de soldado e estudante, passava o dia na
escola e a noite se apresentava no quartel, se preparando para prestar os exames necessários
para a admissão na Faculdade Livre de Direito.
Fora aprovado com um “simplesmente” nos exames prestados, sendo aceito como
ouvinte antes de ter a matrícula regulamentada para assistir as aulas ministradas das
disciplinas de Filosofia do Direito e Direito Romano, pedindo assim, baixa do exercito com a
alegação de sofrer de epilepsia para receber dispensa da junta medica. Entretanto, enquanto
aguardava seu desligamento, recebe a noticia de que o país estava sofrendo a ameaça de uma
nova guerra.
Getúlio é enviado para o Mato Grosso com os demais colegas de infantaria para
defender contra a Bolívia a pose do estado do Acre. O episódio apenas serviu para que se
desanimasse ainda mais com a carreira que pretendera seguir. Como as batalhas deram lugar à
discussão de governantes, o já desalentado gaúcho pede dispensa definitiva do exército.
Assim que se encontra novamente em solo rio-grandense envia dois artigos escritos de próprio
punho à redação do jornal O Independente, os quais demonstravam a indignação que sentia
quanto ao tempo que passara no campo de batalha.
Assim, aos 21 anos, frequentava há três meses como ouvinte as salas de aula da
Faculdade de Direito, revelando aos novos colegas duas habilidades realmente surpreendentes
para alguém que sempre fora calado e esquivo. Getúlio se demonstrava um distinto orador e
um galanteador contumaz. Nas palavras de NETO (2012), “[...] o jovem sorridente de São
Borja começaria a experimentar duas paixões simultâneas: a queda irresistível pelas mulheres
e o ardor indisfarçado pela politica”.
Formado bacharel em Direito após declarar apoio expresso ao lideres republicanos
durante os anos de faculdade, recebe como recompensa o cargo de promotor público em Porto
Alegre. Com a hegemonia republicana reinando absoluta sobre o estado, o Ministério Público
rio-grandense atuava como filial do palácio do governo e aquele cargo significava uma porta
escancarada para o ingresso nos salões do poder.
Vargas retorna a São Borja, após permanecer por quase um ano no exercício da
promotoria na capital, para auxiliar o pai na politica local. No ano seguinte é eleito pela
primeira vez para ocupar o cargo de Deputado Estadual pelo Partido Republicano do Rio
grande do Sul, o PRR. Trocando assim, definitivamente, a carreira pública no Direito pela
política.
O verdadeiro trabalho dos deputados à época, previsto pela Constituição castilhista,
era meramente burocrático. Quando se findava o período de tais atribuições na Assembleia,
Getúlio retornava para a cidade natal, onde passava a maior parte do tempo. Improvisando seu
escritório em uma das salas da frente da casa que os pais possuíam no centro da cidade,
atuava como advogado.
Aos 28 anos, abandonando a vida boemia que levava até aquele momento - àquela
altura, muitos dos rapazes já haviam se tornado chefes de família -, o Doutor Vargas se casa
com a menina Darcy Sarmanho, na ocasião com quinze anos, sem que ocorresse cerimonia
religiosa. O próprio Getúlio não era católico e um de seus livros de cabeceira nesse período
era o Gesú non è mai esistito do livre-pensador italiano Emilio Bossi.
Eleito como o deputado mais votado do estado para um segundo mandato renuncia
ao cargo como forma de protesto contra a manipulação do então presidente gaúcho Borges de
Medeiros, que obriga dois deputados eleitos em outra cidade a recusarem seus cargos para que
fossem levados a ocupação dos indicados pelo tio. Fato esse que apenas demonstrava a tática
do líder do PRR em dividir seus subordinados e não somá-los para preservar a autonomia e
poder do governo estatal.
Piorando ainda mais o quadro politico em que se encontrava a família Vargas,
Viriato, irmão mais velho de Getúlio, contrata os serviços de dois homens para dar cabo à
vida de seu desafeto e também delator de seus ilícitos a Borges. Isso apenas facilitara a
completa desgraça junto ao líder, vedando qualquer indicação que fizessem para os cargos da
administração municipal. Entretanto, Borges de Medeiros se vê encurralado pela crise que
afetara o país, o que poderia gerar uma reforma nas constituições estaduais, mudando sua
estratégia. Dá o poder de indicação novamente aos Vargas e a divisão dos cargos da
administração seriam divididos entre as duas facções são-borjenses: Vargas e Escobar.
Oferecendo a Getúlio o cargo de Chefe da Polícia Estadual, o qual foi recusado.
Passados todos os incidentes políticos e pessoais que o assolaram, encontra-se
novamente entre os representantes do governo na Assembleia Legislativa Estadual, onde já
começa a demonstrar à época seu descontentamento quanto aos parlamentos, quando a
oposição inicia sua participação conseguindo três das trinta cadeiras da Assembleia.
Para o deputado Getúlio Dornelles Vargas, cuja trajetória vinha sendo plasmada na
mais autentica tradição caudilhista do Rio Grande do Sul, os parlamentos eram
“anárquicos” por natureza e, por isso mesmo, incapazes de responder pelos rumos de
um país ou mesmo de funções genuinamente legislativas. A condução do governo e
a elaboração das leis, conforme ele mesmo propunha deveriam ser “produto de um
único cérebro”. (NETO, 2012 p. 155).
Por indicação do até então soberano líder republicano, Getúlio é eleito para ocupar o
cargo de Deputado Federal, antes de assumir sua nova função manipula o resultado das
eleições de 1922 para que Borges de Medeiros continue a frente do Palácio do governo rio-
grandense. Presidente da Comissão de Constituição e Poderes da Assembleia dos
Representantes não ousou informar ao Presidente do estado que esse havia perdido o pleito.
Os deputados se entreolharam, se acovardaram e viram que não havia outro remédio senão representar também a farsa. Voltaram para a Assembleia com o rabo entre as pernas, fecharam-se a sete chaves e trataram de fazer a alquimia de costume para não decepcionar o Sátrapa.
[...]
- Eu não esperava que o doutor Getúlio se prestasse a essa indignidade.
[...]
- Ora o doutor Getúlio! O que ele quer é fazer sua carreira politica na maciota. Vai
ser agora deputado federal. (VERÍSSIMO, 1961, p. 299).
Após tal fato a oposição na admite que Borges de Medeiros seja reeleito, contestado
à veracidade da apuração dos votos realizada pela Assembleia. A população revoltada com a
gerência do atual governo se une ao candidato da bancada federalista para promover as
mudanças que deseja na maneira de condução do estado. Getúlio, aos quarenta anos, vê-se
trocando o termo e gravata usados na Assembleia, pelo uniforme de soldado que há muito
havia abandonado.
Sem que fosse necessário um confronto direito, Vargas é enfim mandado ao Rio de
Janeiro para assumir sua cadeira na Câmara Federal. Borges de Medeiros o usaria como
conciliador entre o governo estadual e o presidente da República. A farda e arma são
novamente substituídas pela oratória.
Para conter a guerra civil que se instalara no estado com a revolução contra a
hegemonia Borgista é estabelecido um acordo entre Borges de Medeiros e os revolucionários
modificando a até então inviolável Constituição castilhistas, cedendo garantias as oposições
minoritárias, que até então eram sobrepostas pela vontade do governo. Assim, o então líder
republicano permanecia à frente do comando rio-grandense apenas por aquele mandato, sendo
substituído por outro nome nas próximas eleições.
Nesse momento Getúlio havia sido eleito para um mandato de quatro anos, tendo sua
atuação na Câmara Federal nesse período colocado seu nome no topo da lista dos candidatos a
aspirante ao cargo de presidente do estado do Rio Grande do Sul. Como expõe NETO (2012),
“a desconcertante cordialidade com a qual Lusardo foi recepcionado naquele primeiro de
junho de 1924 era prenúncio de que o novo mandato de Getúlio seria marcado pelo signo da
negociação e pelo aplainamento de arestas”.
Enquanto ainda deputado federal, o gaúcho conhece a Coluna Prestes, liderada por
Luís Carlos Prestes, que percorria o país convocando os jovens soldados para aderir à marcha
revolucionaria que assolou o Brasil em 1924 iniciando-se por São Paulo e espalhando-se
pelos demais estados. Getúlio, demonstrando-se contra a revolução armada em plenário,
definiu a luta de tal Coluna como uma corrida cangaceiros.
Com a eleição de Washington Luís para a Presidência da República em substituição
ao mineiro Arthur Bernardes, o mesmo de quem tiraria a posse com o golpe de estado
proveniente da revolução de 1930, o então deputado federal e líder da bancada gaúcha é
nomeado para o cargo de Ministro da Fazenda. Ao montar sua equipe de trabalho nomearia o
cunhado como oficial de gabinete, chamando também, diretamente de Porto Alegre, o escritor
e critico João Pinto da Silva. Teria inicio ali uma das características que marcariam o modo
getulista de administrar, “ele adorava se cercar de intelectuais e artistas e, por esse motivo,
partidários ainda o iriam aclamar como um mecenas comparável a Cosme de Médici” (NETO,
p. 244, 2012).
Atuando como Ministro da Fazenda no Rio de Janeiro, Getúlio com a sua costumeira
habilidade politica, consegue apoio do presidente da República para sua candidatura ao
governo do Rio Grande do Sul. Borges de Medeiros, seu antecessor, decide indicá-lo
juntamente com seu ex-colega da Faculdade de Direito João Neves da Fontoura, sugerindo
uma busca pela renovação do Partido Republicano.
Apoiado até mesmo pelos oposicionistas do governo republicano que vigorara até
aquele momento, Getúlio Dornelles Vargas concorreria como candidato único a Presidência
do estado, sendo eleito no dia 25 de novembro de 1927 para a gerência do Rio Grande do Sul,
recebendo apenas três votos contrários, os quais foram direcionados a Assis Brasil mesmo não
tendo sido inscrito como candidato oficial.
É nesse período que o Governo Federal em atividade começa a demonstrar que está
perdendo a popularidade, tornando-se alvo de denuncias de nepotismo, isso ocorre quando o
novo ministro da fazenda, que vem a ocupar o lugar de Vargas na pasta, alça a seu antigo
posto de deputado federal o primo do então Presidente. Como à época as decisões eram
tomadas ao bel-prazer dos governantes, a imprensa é censurada pela chamada “Lei Celerada”,
a qual previa penalidades a ilícitos ideológicos contra a administração federal e até mesmo em
níveis estaduais.
O novo Presidente rio-grandense demonstraria já na escolha de seu secretariado a
autonomia com que pretendia gerir o estado, rompendo com as ordens que Borges de
Medeiros ditava. Todas as indicações feitas pelo líder do Partido Republicano foram
ignoradas por Getúlio, que indica como seus auxiliares nas secretarias estaduais membros da
jovem guarda do partido.
Getúlio Vargas imprime sua forma conciliadora à política gaúcha, pregando o
respeito ao resultado das eleições mesmo que favorecessem os opositores. A popularidade que
adquirira junto ao povo e até mesmo a oposição, se devia a maneira amável e sempre cordial
com que tratava a todos. Sem fazer distinção, sorria para a população, para os soldados que
faziam sua guarda e para as mucamas. Ainda mantinha os mesmos hábitos de antes, parava
para conversar com os velhos amigos e continuava a pregar a moralidade em sua
administração. O presidente do Rio Grande do Sul caíra nas graças da imprensa, da população
e da própria oposição.
Durante sua gestão, Getúlio, se valendo de sua personalidade enigmática, de fácil
tato e adaptação do discurso ao que requer o momento em que se encontra, uni adversários e
aliados com a politica de conciliação que implantou. Dentre as suas contribuições ao
desenvolvimento político-econômico do Rio Grande do Sul, enquanto presidente do estado
pode ser apontada a criação do Banco do Estado do Rio Grande d Sul (BERGS), este
fundando com auxilio de um empréstimo efetuado junto a um banco norte-americano que
serviu para dar apoio financeiro aos produtores rurais. Assim como a perseguição a jogatina
gaúcha, a criação de sindicatos para que exercessem a representação classicista junto ao
governo durante as negociações.
Uma das marcas que a política aplicada por Vargas apresenta, além da sua fácil
adaptação favorecendo sua popularidade, é a do estado intervencionista. Para ele o estado
deveria agir de maneira a realizar o estimulo, a valorização e as correções necessárias nas
associações.
“Ao estado cabe estimular o surgimento dessa mentalidade associativa, valorizá-la
com a sua autoridade, corrigindo lhe as insuficiências, exercendo sobre ela certo
controle, para lhe evitar os excessos”, explicava Getúlio, reforçando o caráter
intervencionista de sua administração. (VARGAS apud NETO, 2012, p. 289).
A figura política que permaneceria pelo maior período à frente do Governo Federal e
que viria a se suicidar em 1954 pode ser considerado um exemplo típico do líder carismático
caraterizado pelo sociólogo alemão Max Weber. Na seara política em que atuava, costumava
deixar suas decisões em aberto, uma maneira de esperar o momento oportuno para tomar suas
deliberações. Lira Neto salienta no segundo volume de sua obra:
[...] Dotado de hábil pragmatismo e de impressionante paciência histó rica, preferia
deixar suas opções politicas sempre em aberto, na expectativa de que o tempo
oferecesse a oportunidade propicia para deliberações mais seguras ou até mesmo
para futuras conciliações, por mais improváveis que estas aparentassem ser no
momento. (NETO, 2013, p. 24).
Para Weber a dominação carismática se dá em inicio, com o rompimento de um
velho padrão e a implantação de um novo. Isso ocorre quando Getúlio assume a presidência
rio-grandense. Sua maneira de agir, sempre amável e simpático, contribui para que caísse na
graças populares até mesmo durante sua gerência ditatorial.
O carisma é a grande força revolucionária nas épocas com forte vinculação à
tradição [...] O carisma destrói [...] em suas formas de manifestação mais sublimes
regra e tradição e inverte todos os conceitos sacrais. Ao invés da piedade em relação
àquilo que é, desde sempre, considerado comum, e por isso sacral, ele força a
sujeição interna sob aquilo que nunca antes existiu, sob o absolutamente singular, e
por isso divino. Nesse sentido puramente empírico e neutro, é, porém, o poder
especificamente criativo e revolucionário da história (Weber, 1991, p. 161).
Em sua forma genuína, a dominação carismática é de caráter especificamente
extracotidiano e representa uma relação social estritamente pessoal, ligada à
validade carismática de determinadas qualidades pessoais e à prova destas. Quando
esta relação não é puramente efêmera, mas assume o caráter de uma relação
permanente — “comunidade” de correligionários, guerreiros ou discípulos, ou
associação de partido, ou associação política ou hierocrática — a dominação
carismática, que, por assim dizer, somente in statu nascendi existiu em pureza
típico-ideal, tem de modificar substancialmente seu caráter: tradicionaliza-se ou
racionaliza-se (legaliza-se), ou ambas as coisas, em vários aspectos (Weber, 1991, p.
161).
3.2 Fim da República velha: Revolução de 1930
Quando o acordo entre mineiros e paulistas ameaça esmorecer com a quebra da
convenção pelo então presidente Washington Luís que ao invés de indicar um sucessor
mineiro como seu candidato, indicaria o presidente paulista que com apoio do Palácio do
Catete acabaria por ser eleito. Tal acerto, a chamada politica do café com leite, previa a
alternância do poder entre os dois estados. Nesse momento, à frente do governo rio-
grandense, Getúlio Vargas decidi se manter afastada das deliberações politicas nacionais com
o pretexto de se dedicar a situação regional.
Mesmo tentando manter-se imparcial o maior tempo possível, a assinatura do pacto
do hotel gloria pelo vice-presidente rio-grandense e deputado federal Joao neves da Fontoura
e a pressão advinda do Catete, Getúlio se vê em um dilema. De um lado existia a fidelidade ao
governante paulista pelo apoio em questões administrativas e, de outro, a proposta de Minas
que respaldaria uma candidatura gaúcha a presidência da Republica. Depois de muito
deliberar e com a anuência do líder supremo do PRR, decide manter o acordo com Minas e se
lança como candidato.
Contrariado, Washington Luís tenta dissuadir o gaúcho para renunciasse a sua
candidatura. À época a federação era formada por vinte estados-membros, dentre estes,
dezoito forma consultados sobre a sucessão presidencial por considerar desnecessária a
opinião rio-grandense e mineira. Júlio Prestes receberia o apoio incondicional de dezessete
estado, a Paraíba se manteve em silêncio. Getúlio cogitou desistir da empreitada, entretanto
ocorreria à indisposição com Minas e o acordo apenas poderia ser quebrado de comum
acordo entre ambos, assim como os gaúchos não aceitariam mais uma retirada.
Tudo o que se fazia necessário para consolidar definitivamente uma posição rio-
grandense quanto à sucessão presidencial era a certeza da incorporação dos adversários a
questão de maneira positiva. Este artigo é conquistado com um acordo firmado entre
republicanos e libertadores em que Getúlio, se eleito, cumpriria os requisitos estipulados
pelos novos aliados, conseguindo assim a anuência do líder do Partido Libertador forma a
chamada gente única rio-grandense. Com a adesão, além de Minas Gerais, dos dissidentes
de São Paulo e do Distrito Federal e também do estado paraibano, forma-se a Aliança
Liberal, que teria como chapa concorrente a presidência da República Getúlio Vargas e João
Pessoa.
Como forma de represália contra seus opositores, Washington Luís começa a
despedir de cargos que lhe competem os adversários para por em seus lugares pessoas de
confiança do governo federal, assim também como a negação de empréstimos para os
estados que ousaram desafiar sua vontade. Buscando uma forma de pacificação e para evitar
tais retaliações contra o estado, Vargas decide firmar um acordo com o governo federal, que
no fim não seria seguido risca por nenhuma das partes. A Aliança Liberal, mesmo contra a
vontade de Getúlio, começa a negociação com os componentes do movimento tenentista
para o caso de ocorrer uma revolução armada.
Em fins de 1929, a corrente mais radical e mais jovem da Aliança Liberal, que
incluía nomes como João Neves da Fontoura, Osvaldo Aranha e Virgílio de Melo
Franco, passou a admitir a ideia de um movimento armado em caso de derrota nas
urnas, e para isso buscou se aproximar dos tenentes revolucionários, exilados ou
não. Contrário à ideia de uma revolução, Vargas comprometeu-se com Washington
Luís a não fazer propaganda fora de seu estado e a apoiar o governo federal no caso
da vitória de Júlio Prestes. Da mesma forma, Washington Luís prometeu reconhecer
Vargas caso este fosse eleito, bem como os candidatos do PRR ao Congresso, e
ainda, no caso da vitória de Júlio Prestes, restabelecer relações com o Rio Grande do
Sul. Nenhuma dessas promessas seria cumprida à risca. (D’ARAÚJO, 2011, p. 27).
Com a disputa levadas as urnas, A chapa liberal é derrotada pelo candidato oficial do
governo. Para dar cumprimento ao acordo firmado com Catete, sua primeira reação é
permanecer acomodado com o resultado que a consulta popular, mesmo que marcada por
acusações de fraude, entretanto, seus aliados não aceitam essa condição. Assim, em 3 de
outubro de 1930 com a anuência de Getúlio Vargas a revolução foi desencadeada
simultaneamente nos estados formadores Aliança liberal.
Às três e meia da madrugada do dia 3 de outubro de 1930, Getúlio Vargas , insone,
sentado à mesa de trabalho, amparava o queixo sobre as mãos. O olhar parecia
perdido, estacionado em algum ponto indefinido à sua frente.
Getúlio estava tão absorto nos próprios pensamentos que não se apercebeu do s
passos e, depois, da entrada de Oswaldo Aranha e Virgílio de Melo Franco ao
gabinete. [...] Antes de cumprimentar Aranha E Virgílio, puxou o relógio de
algibeira e perguntou:
“É pra hoje?”
“É pra hoje”, confirmou Aranha.
Eles já estavam em pleno Dia D. (NETO, 2012, p. 466).
Um país economicamente abalado, dominado por oligarquias estaduais que
priorizavam o desenvolvimento local, leis que reprimiam a liberdade de expressão para cobrir
opiniões contrarias, retaliações federais àqueles que fossem contra seu domínio, fraudes
eleitorais institucionalizadas e aceitas como se fosse comum são os marcos da queda da
República Velha. Contribuindo para o agravamento do quadro já existente, a crise econômica
do ano de 1929, o movimento dos tenentes e uma classe operaria descontente com o processo
de industrialização estimulado pela Primeira Guerra mundial, traziam o descontentamento
com a situação atual favorecendo uma revolução. O assassinato de João Pessoa da chapa da
Aliança Liberal foi o estopim para deflagrar o movimento militar que se iniciou no Rio
Grande Do Sul.
O Objetivo da revolução de 1930 promovida pela junta militar era transferir o
governo vigente para um provisório que exerceria tal papel até que o novo texto
constitucional fosse promulgado em 1934 dando novas bases estruturais ao país. O futuro
Presidente provisório da República, alçado pelo golpe de estado de 1930, seria o líder civil da
revolução: Getúlio Dornelles Vargas.
A Revolução de 1930 foi objeto de várias interpretações. Alguns a classificaram
como uma revolução burguesa, outros como uma revolução das classes médias, e
outros apenas como um golpe militar. Independentemente do caráter que se lhe
queira atribuir, foi certamente um ponto de inflexão na política brasileira. Seu efeito
disruptivo ficaria evidente logo no início do novo governo. (D’ARAÚJO, 2011, p.
28).
3.2 Getúlio Presidente da República – Governo provisório (1930 – 34)
Pressionado pelas dimensões que a revolução tomara em todo o território nacional,
Washington Luís renuncia a presidência. Com isso as lideranças militares tomam o poder
instituindo o governo provisório, anulando o resultado das eleições que deram a vitória ao
candidato oficial Júlio Prestes. Vargas assume o cargo em 3 de novembro de 1930 quando a
junta militar o reconhece como Chefe do governo provisório da republica.
Como era de se prever, já no inicio o governo de Getúlio rompe com as bases
estruturantes da primeira República, a forma federativa e descentralizada dá lugar a
centralização e o intervencionismo estatal. Atuando por meio de decretos, determina o
fechamento do congresso nacional para que fosse ocupado por novos representantes nas
eleições posteriores, em âmbito estadual decreta também o encerramento das seções
legislativas das câmaras estaduais assim como os senados – à época os estados também possui
o sistema bicameral no legislativo –, e os estados recebem interventores.
[...] Com menos de dois meses no poder, Getúlio decretara a primeira de suas
muitas leis trabalhistas, ao estabelecer que as empresas instaladas no aos teriam que
reservar dois terços dos postos de trabalho a cidadãos brasileiros, o que controlaria a
entrada e a participação da mão de obra imigrante no país. Era uma medida em
defesa do operariado nacional, no momento em que o mundo ainda vivia os efeitos
da crise econômica e do desemprego em massa decorrentes da quebra da bolsa de
Nova York em 1929. (NETO, 2013, p. 32).
Com a sua já conhecida ambiguidade, ou em outras palavras, sua facilidade em se
adaptar de acordo com o quadro politico que se apresentava no momento, Vargas usava do
apoio popular para promover medidas que rompessem com os interesses políticos contrários
aos das oligarquias derrotadas, mas também soube mesclar os interesses das diversas classes
que compunham a sociedade. Por razão da centralização estatal, a esfera administrativa
também sofreu alterações nesse sentido, gerando a obrigação de criação de novas instituições
estatais que serviriam para dar vida às mudanças que ocorriam. Nos dias que seguiram à sua
ascensão à presidência, ainda no inicio de sua chefatura federal, criou os ministérios da
Educação e do Trabalho, Indústria e Comércio em conformidade com o plano da Aliança
Liberal e seu discurso de posse.
Para pô-lo em prática, em 11 de novembro assinou o Decreto 19.398, dando
configuração legal ao governo provisório que chefiava. Amparado por esse
instrumento, assumiu plenos poderes, dissolveu o Congresso Nacional e demais
órgãos legislativos até a eleição de uma Assembleia Constituin te e nomeou
interventores para os estados. (D’ARAÚJO, 2011, p. 28-29).
Uma das preocupações iniciais do programa de governo apresentado por Getúlio era
a modernização do ensino e o amparo aos trabalhadores, quanto a segunda preocupação, em
março de 1931 é assinado o Decreto 19.770 regulamentando a sindicalização das classes
patronais tendo os sindicatos reconhecimento do Ministério do trabalho. Bem como a
proteção aos cafeicultores com a criação do Conselho Nacional do Café em maio do mesmo
ano. Na esfera administrativa foi estipulado o contingente de 2/3 de empregados nacionais em
estabelecimentos industriais e comerciais, com a assinatura do Decreto 20.291 em agosto.
Em material educacional, nesse período começava-se a pensar na qualificação
profissional baseada em técnicas aprendidas e postas em pratica no decorrer do curso, a
conhecida escola tecnicista proporcionava ao país a força trabalhista especializada de que
necessitava para reorganizar os moldes trabalhistas que vinha empregando. Era o momento da
técnica praticada se sobressair a teoria.
Também em nome da racionalização do sistema produtivo, Getúlio delineou uma
reforma geral do ensino, tarefa confiada ao ministro da educação o mineiro
Francisco Campos. Em linhas gerais, a reforma educacional professava que o
bacharelismo, marca cultural do país até então, deveria ser superado pela
disseminação de cursos técnicos profissionalizantes, que funcionavam como celeiros
de mão de obra qualificada e apta a assumir as funções requeridas pela nova lógica
da máquina burocrática estatal. (NETO, 2013, p. 85).
Nos anos seguintes, ainda à frente do governo provisórios, foram efetivadas outras
mudanças no cenário politico por meio das legislações aprovadas em forma de decretos
também em no âmbito eleitoral. Em fevereiro de 1932, através do Decreto 21.076, foi adotado
o voto secreto, assim como direito ao sufrágio às mulheres é concedido. Entretanto, a
trajetória de Getúlio em seus primeiros anos no Catete não foram de todo positivos.
O conteúdo do novo código eleitoral se revelou extremamente avançado em relação
à legislação anterior. Pela primeira vez na história do país se previa o voto secreto, a
participação das mulheres nas urnas e a organização de uma Justiça Eleitoral
independente. Com esta última, ficava extinta a famigerada Comissão de
Verificação de Poderes do Congresso, o comitê formado por deputados e senadores
governistas encarregados de validar os votos , autorizar a expedição de diplomas
eleitorais e, sempre que fosse o caso, barrar a eleição de oposicionistas. Seria o fim
definitivo, portanto, das eleições a “bico de pena”. (NETO, 2013, p. 27-28).
Na área cafeeira, principal meio de produção econômica paulista, a regulamentação
da produção com a adoção de novas tarifas que visavam controlar a situação de alta demanda
e baixa procura, previa coibir a pratica de queima de estoques que existiam em demasia. Para
dar mais intensidade a intervenção estatal que vinha promovendo, é criado o Conselho
Nacional do Café. Nas palavras de Lira Neto:
Para evitar os recorrentes surtos de superprodução e controlar a oferta, além de
simplesmente mandar queimar boa parte dos estoques, o Governo Provisório passou
a cobrar entre outros gravames, mil-réis sobre cada nova pé de café plantado. Com o
objetivo de ampliar a intervenção estatal sobre a lavoura paulista, fundou o
Conselho Nacional do Café, esvaziando muitas funções do Instituto do Café de São
Paulo. (NETO, 2013, p. 75).
A revolução unira forças divergentes entre si e com diferentes propósitos, isso tornou
frequentes os conflitos entre os grupos de que formavam as bases dos revolucionários. Um
desses conflitos tomou uma proporção maior do que a esperada dando início a uma guerra
civil em São Paulo no ano 1932 que chegou a se prolongar por 3 meses antes da formação da
Assembleia Constituinte prevista para o ano seguinte.
Terminada a luta em São Paulo, iniciaram-se os preparativos para a
reconstitucionalização: a comissão encarregada de elaborar o anteprojeto
constitucional foi convocada e organizaram-se partidos políticos. Na data prevista
realizaram-se as eleições, e em 15 de novembro de 1933 instalou-se enfim a
Assembleia Nacional Constituinte, que, após sete meses de trabalho, promulgou a
nova Constituição, em 16 de julho de 1934. (D’ARAÚJO, 2011, p. 30).
3.4 Condução ao segundo mandato: Governo Constitucional (1934-37)
O texto constitucional promulgado em 16 de julho de 1934, apesar de sua curta
vigência, abalou os ideais de liberalismo econômico e democracia liberal que pregava o
antecessor. A Carta Magna de 1934 foi fortemente influenciada pela Constituição de Weimar
– texto alemão de 1919 –, influência essa expressa na apresentação dos direitos humanos de
segunda geração e uma perspectiva de um Estado social de direito. Assim como também
recebeu influência fascista, esta indicada na adoção do voto direto para escolha dos
Deputados e a possibilidade do voto indireto exercido pela representação classista do
Parlamento.
A Constituição da Nova República trazia como características a manutenção do
regime representativa na forma de governo, da tripartição dos poderes e da República
Federativa. O país continuava sendo laico, entretanto admitia-se o casamento religioso com
efeitos civis desde que o culto não contrariasse a ordem pública ou os bons costumes, tal
como, o ensino religioso em escolas públicas passara a ser facultativo.
No tocante aos direitos ou garantias aos cidadãos, são constitucionalizados o voto
feminino igualando-o ao masculino e voto secreto, ambos assegurados pelo código eleitoral
de 1932. São incorporados novos títulos de acordo com o caráter social da nova Constituição
como o titulo da família, educação e cultura. É no texto de 1934 que ocorre a previsão com
primazia do mandado de segurança e da ação popular.
No dia seguinte a promulgação da Carta Maior, Getúlio é eleito de forma indireta a
uma segundo mandato que compreendia o período de 1934 a 1938. A reeleição era vedada
constitucionalmente impedindo a recondução de um mesmo presidente por mais de uma vez
ao cargo.
Em 17 de julho de 1934, um dia depois da promulgação da nova Carta, Vargas foi
eleito indiretamente presidente constitucional da República, enquanto a assembleia
se transformava em Congresso ordinário. Ainda no mesmo mês, em manifesto à
nação, avaliou o governo provisório – referido como “ditadura” – que chefiara nos
últimos quatro anos, afirmando que se preocupara em garantir a unidade nacional,
“mantendo-se equidistante entre as paixões extremistas”, e procurara “articular o
aparelho da administração pública”. Declarou ter cumprido seus compromissos
externos sem recorrer a novos endividamentos, ter realizado obras voltadas para a
irrigação e os transportes, ter produzido uma legislação social “moderníssima” e
renovado as forças armadas. O país, segundo ele, estava pronto para o reerguimento
econômico. (D’ARAÚJO, 2011, p. 31).
Por meio da intervenção estatal na economia de maneira direta foram criadas
instituições que visavam a proteção das áreas a que pertenciam. Nesse sentido o Conselho
Nacional do Café deu lugar ao Departamento Nacional do Café ainda em 1933, assim como a
criação do Instituto do Açúcar e do Álcool. No ano seguinte é implantado o Conselho Federal
do Comércio Exterior, que fora considerado por muitos um, dos primeiros órgãos de
planejamentos governamentais do país.
A área trabalhista também recebeu a atenção do governo, bem como a social.
Foram criados institutos de aposentadoria e pensões para os trabalhadores marítimos,
comerciários e bancários. Com a assinatura do Decreto 24.694 de 12 de julho de 1934, que
procurava adequar a organização sindical à nova Constituição, permitiu uma maior autonomia
aos sindicatos. Para completar o quadro politico da reconstitucionalização em outubro de
1934 deveriam ser eleitos os deputados federais e estaduais. Os deputados estaduais seriam
responsáveis pela elaboração das Constituições estaduais e pela eleição dos governadores e
senadores.
Durante o período em que Vargas governou constitucionalmente o país, tornou-se
mais visível a atuação de movimentos de massa de âmbito nacional, com conotações
ideológicas radicais. De um lado, situava-se a Ação Integralista Brasileira, de outro, surgiu a
Aliança Nacional Libertadora apoiada pelo Partido Comunista. O fechamento da Aliança,
determinado pelo governo com base na Lei de Segurança Nacional, de abril de 1935, bem
como a prisão de alguns de seus partidários, precipitou as conspirações que levaram à Revolta
Comunista deflagrada em novembro seguinte em Natal, Recife e Rio de Janeiro. Os levantes
foram rapidamente dominados, e a repressão que se seguiu foi rigorosa, resultando em
milhares de prisões. O medo do comunismo aglutinou forças em torno de Vargas, que, por seu
lado, apontava a doutrina como exótica e desintegradora, contrária aos interesses do
trabalhador brasileiro.
3.5 Ditadura getulista: O Estado Novo (1937-45)
De acordo com a constituição que vigorava desde 1934 quando reconduzido
indiretamente a um segundo mandato, a reeleição era vedada. Isso impedia que a mesma
pessoa continua-se à frente do poder máximo da república. Assim Getúlio Vargas deveria
findar em 1938, sem existir a possibilidade de ser reeleito. Entretanto durante o período de sua
chefatura, começava-se a perceber um antagonismo entre a direita fascista e o movimento de
esquerda.
Tais conflitos se davam pelo fato de pregarem ideologias diferentes. A direita
fascista defendia um Estado autoritário por meio da Ação Integralista Brasileira (AIB),
enquanto com a formação da Aliança Nacional Libertadora (ANL) em 1935, o movimento
comunista de esquerda pregava ideais socialistas, comunistas e sindicais. O Governo fecha a
ANL em julho de 1935 considerando-o ilegal, decisão essa subsidiada pela “Lei de Segurança
Nacional”, tendo como estopim da crise foi o manifesto lançado por Luís Carlos Prestes.
A Intentona Comunista tinha como objetivo derrubar Getúlio Vargas da presidência e
instalar o socialismo no Brasil. Em novembro de 1935, natal, Recife e Rio de Janeiro através
de uma insurreição politico-militar, contando com o apoio do Partido Comunista Brasileiro e
de ex-tenentes, denominados como militares comunistas, formam a base dos novos
revolucionários. Para combater tal movimento, o Governo declarou estado de sitio e deflagra
a repressão ao comunismo contando com apoio da Polícia Especial.
Com apoio do Congresso Nacional o estado de guerra é decretado. Em setembro de
1937 o Estado-Maior do exército descobre um plano comunista para a tomada do poder, esse
foi o estopim para que o golpe fosse decretado pelo governo como uma forma de salvação
contra o comunismo que assolava o país.
Assim, em 10 de novembro de 1937, amparado pelo chefe do Estado-Maior do
exercito e pelo Ministro da Guerra – os generais Góis Monteiro e Eurico Gaspar Dutra -, bem
como a decretação de um novo estado de guerra pelo Congresso Nacional, Getúlio Dornelles
Vargas dá o golpe ditatorial. Com isso o poder fica centralizado e Congresso Nacional é
fechado.
Tinha inicio ali o que Vargas denominaria de “nascer de uma nova era” com a
outorgação da Constituição de 1937 que trazia claras influências de ideais autoritários e
fascistas. Estava instalada a ditadura ou o chamado Estado Novo. O projeto da carta de 1937
fora de Francisco Campos, em razão da influência advinda da Constituição polonesa fascista
de 1935, acabara apelidada de “Polaca”.
A instalação do regime ditatorial, além de fechar o parlamento, manteve o amplo
domínio do judiciário, a federação sofreu um abalo pela nomeação de interventores, bem
como os direitos fundamentais foram enfraquecidos principalmente em razão da atividade
desenvolvida pela Polícia Especial e pelo DIP – Departamento de Imprensa e Propaganda. E
os partidos políticos foram dissolvidos pelo Decreto-lei n. 37, de dois de dezembro de 1937.
A partir de 1938, sempre empenhado em cultivar o vínculo com as forças armadas,
principal sustentáculo do governo, Vargas deu início a um programa de propaganda
política e de festas cívicas de modo a engrandecer seu nome e fortalecer o espírito de
nacionalidade. Tal tarefa, assim como a censura à imprensa escrita e falada, cabia ao
Departamento Nacional de Propaganda (DNP), que em dezembro de 1939 daria
lugar ao Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). No plano externo, a
despeito de alguns poucos desentendimentos, eram evidentes as simpatias dentro do
governo em relação aos governos da Alemanha e Itália. (D’ARAÚJO, 2011, p. 33).
A Carta Magna de 1937 apresentava como características a manutenção da
República, do Estado Federal sem a possibilidade de secessão do pacto federativo, o país
continuava sendo laico, leigo ou não confessional. No que tange a organização dos Poderes
fora mantido formalmente a tripartição de Montesquieu, porém o parlamento mesmo sendo
bicameral não possuía como uma das casas que o formavam anteriormente: o Senado. Em seu
lugar fora instaurado o Conselho Federal, que seria respaldado pelo Presidente da República e
o pelo Conselho de Economia Nacional na execução legislativa.
Em âmbito municipal e estadual a Constituição dissolveu por completo as câmaras,
assembleias e senados para que ocorresse uma nova eleição de componentes, que a
integrariam. Isso aconteceria no fim da formação do parlamento nacional, enquanto isso cabia
ao Presidente atuar por meio de decretos-leis com vigências em todo o território legislando
sobre matérias de competência legislativa da união. Contudo, na prática o poder legislativo
nunca existiu.
O mesmo ocorreu com o judiciário que perdera autonomia até mesmo de declarar
inconstitucional uma lei que o presidente da República, autoridade máxima e suprema do
Estado, acreditasse ser necessário ao bem estar do povo ou defesa nacional de alta monta.
Antigas conquistas de direitos foram suprimidas pelo caráter autoritário do texto de
1937, nele não houveram as previsões de mandados de segurança ou de ação popular. Bem
como, não se tratou dos princípios da irretroatividade as leis e reserva legal. Com o intuito de
manter a ordem, a paz e a segurança pública era permitida a censura prévia dos meios de
comunicação, restringindo o direito a manifestação do pensamento.
É nesse período que ocorre a decretação do estado de emergência suspendendo os
direitos e garantias individuais que seria revogado apenas em novembro de 1945. A greve e o
lock-out foram proibidos por serem consideradas ações antissociais, nocivos ao trabalho e ao
capital e incompatíveis com os superiores interesses de produção nacional.
Da mesma forma, o art. 173 subsidiado pela Lei Constitucional n. 7 de 30 de
setembro de 1942, previa a possibilidade de declaração de estado de guerra, podendo ser
restringidos os direitos fundamentais, bem como a realização de julgamento contra a estrutura
das instalações, a segurança do Estado e dos cidadãos pela Junta Militar ou pelo Tribunal de
Segurança Nacional.
Como instrumento de repressão a qualquer ato contrário a ideologia governamental,
a tortura era utilizada para tais fins. Essa situação pode ser simbolizada pela entrega de Olga
Benário, mulher de Luís Carlos Prestes, ao governo alemão à época sob a titularidade de
Adolf Hitler. Olga seria assassinada em um dos campos de concentração nazista na
Alemanha.
Mesmo com o regime extremamente autoritário, a atuação centralizadora do Estado
na esfera econômica constatou-se grande crescimento. Com a nacionalização formal da
economia combinado com o controle sobre certas áreas estratégias da produção, como, por
exemplo, a mineração, o aço e o petróleo que configurou uma expansão capitalista. Nessa
época foram criadas algumas empresas estatais como a Companhia Hidroelétrica de São
Francisco em 1945.
Na área trabalhista também houve avanços visando garantir o apoio popular, do
período podem ser lembrados alguns direitos sociais como o salários mínimo, bem como a
Consolidação das Leis Trabalhistas, a CLT, de 1943 e vigente até os dias atuais. Entretanto
não coube a constituição a garantia de tais direitos.
[...] a Constituição não desempenhou papel algum substituída pelo mando
personalista, intuitivo, autoritário. Governo de fato, de suporte policial e militar, sem
submissão sequer formal à Lei Maior, que não teve vigência efetiva, salvo quanto
aos dispositivos que outorgavam ao Chefe de Executivo poderes excepcionais.
(BARROSO, 2006, p. 24).
Entretanto, após 15 anos à frente do Executivo, a Era Vargas se encaminhava para o
declínio. Durante a Segunda Guerra Mundial, o Governo brasileiro declarou ofensiva contra
os países do Eixo ao entrar no conflito ao lado dos aliados, tendo como marco a criação da
Força Expedicionária Brasileira – FEB.
Esse fato contribui para que Getúlio perdesse importante apoio devido as
contradições politicas que apresentava, pois ao aderir ao grupo dos aliados esperava-se que
fascismo fosse banido do território brasileiro, sem a possibilidade logica de se manter uma
Constituição autoritária baseada no modelo fascista. Assim, diversos documentos como o
Manifesto dos Mineiros foram assinados em todo país forçando-o a assinar o Ato Adicional
em 1945, Lei Constitucional n. 9, de fevereiro de 1945, que convocava eleições presidenciais
caracterizando a bancarrota do Estado Novo.
Durante a campanha eleitoral surgiu o movimento denominado “quererismo”, que
significava “queremos Getúlio”, levava o crer que Vargas, com o apoio do partido comunista
legalizado, iria continuar no poder. Contudo, fatos precipitaram o fim do Estado Novo. Em
outubro de 1945, Getúlio tenta substituir o chefe de polícia do Distrito Federal por seu irmão
Benjamim Vargas e, ainda, nomeou João Alberto para prefeito do Rio de Janeiro
demonstrando sua vontade de permanecer no posto máximo da República.
Esses fatos culminaram na deposição de Getúlio Vargas da presidência, pelos
Generais Gaspar Dutra e Góis Monteiro. Deposto pelas mesmas Forças Armadas que o
alçaram ao poder por meio da revolução de 1930. A partir de então o Executivo passara ser
exercido pelo presidente do STF o Ministro José Linhares que governara até 1946.
4.0 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Getúlio Dornelles Vargas, Presidente empoçado por meio das forças das armas após
uma revolução da qual fora líder civil, permanecendo quinze anos à frente do Palácio do
Catete, pode ser caracterizado como uma figura politica dúbia. Desde o inicio de sua carreira,
mostrava-se adepto às adaptações que o momento lhe exigia. Isso lhe permitiu reunir forças
politicas dispares para ter completo apoio.
Apesar de implantar um regime autoritário com seu golpe ditatorial em 1937, sua
gestão fora marcada pela defesa do nacionalismo e populismo. Prova essa a criação dos
Ministérios antes esquecidos pelas oligarquias, a legalização dos direitos sociais e trabalhistas,
como, por exemplo, o salario mínimo. Feitos esses que lhe renderam o apelido de “Pai dos
pobres” pelos adversários.
Vargas é um exemplo clássico de líder carismático que o sociólogo alemão Max
Weber definira. Com sua politica de reconciliação uniu forças adversarias e que antes estavam
em permanente conflito, mudando completamente o quadro politico do momento
transformando-o em outro. O modelo paternalista da ditadura de Vargas agradava a uns do
mesmo modo que gerava criticas de outro. Fora uma das figuras mais controversas da historia
politica nacional, sendo aclamado e ao mesmo tempo odiado.
REFERÊNCIAS
BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites
e possibilidades da Constituição brasileira. 8 ed. Rio de Janeiro, 2006.
D’ARAÚJO, Maria Celina. Perfis políticos: Getúlio Vargas. Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados – Centro de documentação e informação. Brasília, 2011.
MARCONI, M. de A.; LAKATOS, E. M. metodologia do trabalho cientifico. 5 ed. rev. Ampl. São Paulo: Atlas, 2001.
NETO, Lira. Getúlio: dos anos de formação à conquista do poder (1882-1930). São Paulo: Companhia das letras, 2012.
___ Getúlio: Do governo provisório à ditadura do Estado Novo (1930-1945). São Paulo:
Companhia das letras, 2013.
VERISSIMO, Érico. O tempo e o vento: o arquipélago. Editora o Globo: São Paulo, 1961.
WEBER, Max. Economia e sociedade. Brasília: ed. UNB, 1991 (vol. 1).