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Separação dos poderes “Tudo estaria perdido se o mesmo homem ou mesmo corpo de principais, ou dos nobres ou do povo, exercesse esses três poderes: o de fazer as leis, o de executar as resoluções públicas, e o de julgar os crimes ou as divergências dos indivíduos” (Montesquieu, De l’ Esprit des Lois, Capítulo VI, Livro XI)

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Separação dos poderes

“Tudo estaria perdido se o mesmo homem ou mesmo corpo de principais, ou dos nobres ou do povo, exercesse esses três poderes: o de fazer as leis, o de executar as resoluções públicas, e o de julgar os crimes ou as divergências dos indivíduos”(Montesquieu, De l’ Esprit des Lois, Capítulo VI, Livro XI)

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Separação dos poderes

� “Para formar um governo moderado, é necessário combinar os poderes, regulá-los, temperá-los, fazê-los agir; dar, por assim dizer, um lastro a um para colocá-lo em condições de resistir a um outro; é uma obra de arte de legislação, que o acaso raramente ocasiona e que raramente deixamos nas mãos da prudência. Um governo despótico, pelo contrário, salta, por assim dizer, aos olhos; ele é totalmente uniforme” (Montesquieu, De l’ Esprit des Lois, Capítulo V, Livro XIV)

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� “Nenhuma sociedade na qual a garantia dos direitos não esteja assegurada nem a separação de poderes determinada possui uma constituição” (Art. 16ºda Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão –1789)

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� “A tentação de se apoderar do poder seria muito grande se as mesmas pessoas que têm o poder de fazer as leis tivessem também nas mãos o poder de as fazer executar, porque elas poderiam dispensar-se de obedecer às leis que fazem”(John Locke, IIº Tratado de governo, Cap. VI, Livro 11)

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1. Princípio da separação ou divisão dos poderes

1.1.Da doutrina ou teoria da separação dos poderes ao princípio constitucional da separação dos poderes, dimensão essencial do Estado de Direito

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� Do plano das ideias à constitucionalização

� É fundamentalmente um princípio organizatório

� Raízes directas no pensamento político inglês da segunda metade do século XVII, mas aparece evidenciado no contexto da luta contra o absolutismo monárquico

� É hoje um princípio universal e permanente

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Separação dos poderes1.1.1. Montesquieu

Charles de Secondat, Baron de la Brède etMontesquieu

(1668-1755)

De l’ Esprit des Lois (1748)

Livro XI, Cap. VIDa Constituição de

Inglaterra

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� Alguns sectores da doutrina contestam esta paternidade: o pensamento de Montesquieunão foi pioneiro nem original. Pelo contrário, é em larga medida tributário do pensamento político inglês e de nomes como John Locke(1632-1704) e de Bolingbroke (1678-1751)

� Quem é, afinal, o ‘pai’ da doutrina da separação dos poderes?

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� É hoje um dado adquirido que não foi Montesquieu o primeiro a falar de separação dos poderes. Antes dele, já vários autores ingleses, mais de meio século antes, tinham sustentado a ideia da divisão do poder como forma de o conter.

� Há quem vá mais longe e refira o nome de Aristóteles (384-322 AC) – Política – como autor desta teoria ou doutrina. Invoca-se que ele jádistinguira três potencialidades da soberania: a deliberação, o comando e a judicatura)

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Não é prudente afirmar que Aristóteles elaborou a doutrina da separação dos poderes.Ele ter-se-á limitado a descrever uma realidade que conhecia e não teorizou uma nova forma de organização política:

1) a divisão de funções que defendia não possuía um carácter rígido e inflexível

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2) dificilmente se retira da obra de Aristóteles a ideia de que cada uma das funções que ele distinguia tinha que caber a poder autónomo e independente

3) Aristóteles não fez nenhuma alusão a um possível impedimento de uma mesma entidade exercer todas as funções

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A limitação do poder político é um tema recorrente desde a Antiguidade Clássica.

Mas a doutrina da separação dos poderes, enquanto teoria que propugna uma distinção material das funções e a sua repartição por mais de um órgão como forma de evitar a concentração excessiva do poder político, é uma doutrina inequivocamente moderna, que despontou em Inglaterra, na segunda metade do século XVII.

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“É uma experiência eterna que todo o homem que tem poder tende a abusar dele; vai atéonde encontrar limites (…). Para que ninguém possa abusar do poder, énecessário que, pela disposição das coisas, o poder limite o poder” - Montesquieu

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Para combater este fenómeno, Montesquieuvai defender uma separação em simultâneo funcional e orgânica: cada distinta função deve ser exercida por órgãos diferentes. E deverá ser por eles exercida de forma largamente independente. Só assim a liberdade dos cidadãos será assegurada (preocupações garantísticas).

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Montesquieu formulou uma separação tripartida das funções de governo: a legislativa, a executiva e a judicial

A primeira foi atribuída a parlamento bicameral: uma câmara da nobreza e uma câmara composta por representantes do povo

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A segunda foi atribuída ao monarca, o qual era independente do parlamento

A terceira foi atribuída aos juízes, que não deviam formar um corpo de profissionais. As leis seriam tão perfeitas e completas que qualquer um as poderia aplicar aos casos concretos.

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1.1.2. Montesquieu e o pensamento político inglês

A doutrina da separação dos poderes remonta ao pensamento inglês do século XVII. A versão de Montesquieu apresenta três diferenças fundamentais:

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1) Se não foi o primeiro a sustentar a separação simultaneamente funcional e orgânica, pelo menos enfatizou-a bastante e tornou-a o cerne da sua doutrina;

2) A sua visão das funções de governo é muito mais próxima do uso moderno do que a dos pensadores ingleses

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3) A defesa da doutrina da separação dos poderes em Montesquieu é, de certa forma, uma premissa necessária para a afirmação da supremacia da lei, enquanto elemento essencial do Estado de Direito.

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Mas Montesquieu não se limitou a defender uma doutrina pura da separação dos poderes, isto é, ele não se limitou a prescrever a atribuição de funções distintas a órgãos antagonísticos como forma de garantia per se da limitação e moderação dos poderes. Ele combinou-a com outras ideias que foi igualmente buscar ao pensamento dos escritores ingleses que o precederam aproximadamente meio século.

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Antes de mais, há que reiterar que o ponto de partida da sua doutrina é, sem margem para dúvidas, o da existência de um sistema de órgãos separados numa base funcional. Mas, para além disso, foram estabelecidos mecanismos de articulação ou coordenação entre os órgãos (rectius, entre os órgãos detentores do poder legislativo e executivo) de forma a estabelecer uma interdependência entre eles, basicamente, para fins de controlo mútuo.

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a) Teoria do governo misto ou da monarquia mista � Ideia que vem, pelo menos, desde Aristóteles…� Está aqui em causa a ideia de uma separação social

dos poderes, ou seja, a ideia da diversidade social dos titulares do poder político. É, claramente, uma visão pluralista do poder.

� Ao equilíbrio institucional deve corresponder um equilíbrio social ou, talvez melhor, o primeiro é um pressuposto do segundo.

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� b) Teoria da balança dos poderes � Há quem diga que a teoria da balança dos poderes não difere

grandemente em relação à teoria do governo misto ou da constituição mista. Estão aqui presentes as mesmas preocupações que lhe subjazem – a procura do equilíbrio entre os poderes para alcançar um governo moderado, o qual não se alcança com a mera separação funcional e nem sequer com a separação funcional e orgânica

� A realidade política inglesa: os abusos mútuos -> separação dos poderes intraorgânica.Já Monstesquieu defendeu um balanceamento inter-orgânico.

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c) Teoria dos checks and balances� Está aqui patente a ideia de que a separação de

poderes não deve fundar apenas um equilíbrio estático mas, essencialmente, um equilíbrio dinâmico dos poderes (a dinâmica relacional do princípio da separação de poderes). O equilíbrio dos poderes pressupõe a existência de órgãos separados mas interdependentes, que se controlem mutuamente – ideia de limitação recíproca de poder.

� Esta ideia de interdependência que Montesquieu foi buscar a Bolingbroke preconiza que a separação dos poderes é simultaneamente independência e interdependência de poderes.

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De referir que para a generalidade dos pensadores ingleses do século XVII a expressão checks and balances era sinónimo de balança de poderes. Seria sobretudo no âmbito da experiência constitucional norte-americana que ganharia autonomia uma teoria de checks andbalances.

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Teoria norte-americana dos checks and balances:

- uma separação de poderes em que havia uma paridade entre os poderes (diferentemente da francesa, em que se defendia uma proeminência da lei);

- aperfeiçoaram-se os mecanismos de controlo mútuo

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- não se deu relevância à ideia de separação social, isto é, à ideia de constituição mista (para os norte-americanos, a contraposição entre legislativo e executivo não se baseava na dicotomia monarquia/aristocracia-democracia, mas no facto de os respectivos órgãos “se formarem a partir de processos eleitorais independentes”);

- os juízes não eram considerados a mera boca da lei, como se veria, desde logo, com o célebre caso Madison v. Marbury de 1803.

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Concluindo:1) Montesquieu defendeu uma separação

simultaneamente funcional e orgânica 2) Essa separação não visava um equilíbrio do poder que

não era meramente estático;3) A necessidade de um controlo recíproco entre os

órgãos leva a que um mesmo órgão possa exercer mais do que uma função;

4) Cada órgão deve exercer a título principal uma determinada função.

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Montesquieu e John LockeAspectos comuns:

1) Em ambos os autores (em particular em Montesquieu), nas respectivas obras, vislumbra-se a intenção de construir um novo esquema, um novo modelo teórico de organização política do Estado.

2) Em ambos os casos, a separação dos poderes não deve ser vista como um fim em si mesmo, mas como um meio para obter um determinado fim: a limitação e moderação do poder, por oposição à excessiva concentração de poderes no monarca que se verificava nas monarquias absolutas, como forma de garantir a liberdade dos cidadãos, quer a civil quer a política.

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3) Ambos os autores visualizam a função legislativa como a função primordial e, de certa forma, a função mais importante; simultaneamente, ambos temem um poder legislativo sem limites, absoluto, despótico, daí que constitua preocupação comum a de estabelecer limites ao poder legislativo, apenas não o fazendo nos mesmos moldes.

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Aspectos em que divergem:

1) Desde logo, eles diferem na concreta divisão dos poderes. Locke fala em quatro funções;

2) Duas das funções que Locke individualizou, a federativa e a prerrogativa, ainda tinham um carácter híbrido: eram ao mesmo tempo vontade e acção).

3) 3) Montesquieu e Locke preconizaram soluções distintas no que concerne à concreta tarefa de limitação do poder político.

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De realçar que Locke, em certo momento da sua obra, também demonstrou preocupação acerca dos males que poderiam advir do exercício pelo mesmo órgão dos poderes legislativo e executivo:

“E porque seria demasiada tentação para a fraqueza/fragilidade humana, desejosa de alcançar o poder, que as mesmas pessoas que têm o poder de fazer as leis tivessem também nas mãos o poder de as fazer executar, porque elas poderiam dispensar-se de obedecer às leis que fazem, e porque adaptariam as leis, tanto na sua feitura como na sua execução, aos seus próprios interesses (…) contrariamente ao fim da sociedade e do governo” – Cap. XII, 2ºTratado

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� Mas, na realidade, para Locke a separação orgânica entre o poder legislativo e o executivo obedecia principalmente a razões de ordem prática, designadamente, de eficiência e racionalidade. A feitura das leis é uma actividade momentânea, de curta duração; já a sua aplicação exige uma actividade constante. Assim sendo, estas duas funções devem pertencer a dois órgãos diferentes.

� Para além disso, a Locke não repugnava a ideia de o monarca ser titular de todos os poderes. Apenas no que toca ao legislativo aparece como contitular.

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Este é, porventura, o aspecto que acabaria por marcar a diferença entre o pensamento político de Locke e o de Montesquieu. Se este último foi verdadeiramente original, isto é, se foi ele o primeiro a preconizar uma separação interorgânica, não émuito fácil de afirmar. O que é certo é que este aspecto vai fazer com que a tese de Montesquieuseja mais conveniente aos revolucionários do século XVIII, na medida em que lhes fornece o elemento decisivo para combater o absolutismo real.

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Resta a questão inicialmente colocada: porque é que, apesar de se reconhecer a influência directa do pensamento político inglês na doutrina da separação dos poderes formulada por Montesquieu, se continua a associar este nome ao da separação dos poderes, como que lhe atribuindo a sua paternidade? Qual foi a mais-valia da formulação de Montesquieu? O que é que ela acrescentou ao pensamento político inglês? Será que ele não se limitou a sintetizar melhor aquelas várias ideias que foram expostas pelos pensadores políticos ingleses e a apresentá-las num todo coerente e sistemático?

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Associação do nome de Montesquieu àdoutrina da separação dos poderes:

1) O timing2) Razões ligadas às próprias ideias

defendidas

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1.2. O significado actual do princípio

1.2.1. O princípio da separação dos poderes não éapenas um princípio organizatório.

Gomes Canotilho afirma que o princípio da separação de poderes pode ainda funcionar como princípio normativo autónomo invocável na solução de litígios jurídico-constitucionais.

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1.2.2. Separação vertical dos poderes

1.2.3. Separação pessoal de poderes

1.2.4. Separação maioria/oposição por força da existência dos partidos políticos