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Coletânea de textosEDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
Coletânea de textosEDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
Governo do estado do Maranhão
secretaria de estado da ciência, tecnoloGia, ensino superior e desenvolviMento tecnolóGico
universidade estadual do Maranhão - ueMa
núcleo de tecnoloGias para educação - ueManet
heloísa cardoso varão santos orGanizadora
são luís2009
Santos, Heloisa Cardoso Varão.Coletânea de textos educação de jovens e
adultos / Heloisa Cardoso Varão Santos (Org.). - São Luís: UemaNet, 2009.
139 p.: il.
1. Educação de jovens e adultos. I. Título.
CDU: 374.3/7
Copyright © UemaNet
universidade estadual do MaranhãoNúcleo de Tecnologias para Educação - UemaNetCampus Universitário Paulo VI - São Luís - MAFone-fax: (98) 3257-1195http://www.uemanet.uema.br e-mail: [email protected]
Proibido a reprodução desta publicação, no todo ou em parte, sem a prévia autorização desta instituição.
Edição: universidade estadual do Maranhão - ueManúcleo de tecnoloGias para educação - ueManet
Coordenadora do Curso de Pedagogia, a distância: heloisa cardoso varão santos
Coordenadora da Produção de Material Didático UemaNet:caMila Maria silva nasciMento
Responsável pela Produção de Material Didático UemaNet:cristiane costa peixoto
Professora Organizadora:heloisa cardoso varão santos
Revisão:liliane Moreira liMalucirene Ferreira lopes
Diagramação: JosiMar de Jesus costa alMeidaluis Macartney sereJo dos santostonho leMos Martins
Projeto Gráfico e Capa: aManda siMões
Reitor da UEMaproF. José auGusto silva oliveira
Vice-reitor da UEMaproF. Gustavo pereira da costa
Pró-reitor de administraçãoproF. José Bello salGado neto
Pró-reitor de PlanejamentoproF. José GoMes pereira
Pró-reitor de GraduaçãoproF. porFírio candanedo Guerra
Pró-reitor de Pesquisa e Pós-graduaçãoproF. Walter canales sant’ana
Pró-reitora de Extensão e assuntos EstudantisproFª. Grete soares pFlueGer
Chefe de gabinete da ReitoriaproF. raiMundo de oliveira rocha Filho
Coordenador do UemaNetproF. antonio roBerto coelho serra
Coordenadores de Polo UemaNet:
Polo Carolina:Maria aGlair coelho Ferreira dias
Polo Caxias:Franc-lane sousa carvalho do nasciMento
Polo Imperatriz:Brunides Queiroz Moreira
Polo São Luís:Maria de FátiMa neres da silvaMarlene loBato Martins
Polo Bacabal:Wanilde da salete silva viana
Polo Balsas:vanessa nunes da silva
Polo Santa Inês:Maricélia de leMos cruz
Polo Timon:Fernando Malheiros nunes
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
UNIDADE 1
RETROSPECTIVA HISTÓRICA SOBRE A EDUCAÇÃO DE JOVENS EADULTOS NO BRASIL ....................................................... 15
Sérgio Haddad
Maria Clara Di Pierro
UNIDADE 2
SUJEITO DOS PROGRAMAS DO EJA ...................................... 45
MEC / Secretaria de Educação Continuada, alfabetização e Diversidade
UNIDADE 3
FUNDAMENTOS METODOLÓGICOS DE EDUCAÇÃO DE JOVENS EADULTOS .................................................................... 63
Sonia Couto Souza Feitosa
UNIDADE 4
PROPOSTA CURRICULAR DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS - I SEGMENTO .................................................................. 81
Vera Maria Masagão Ribeiro
UNIDADE 5
PLANEJAMENTO E AVALIAÇÃO .......................................... 115
Maria do Socorro Martins Calhau
Heloísa Cardoso Varão Santos
REFERÊNCIAS ........................................................... 131
PLANO DE ENSINO
DISCIPLINA:FUNDAMENTOS E METODOLOGIA DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
Carga horária: 60 h
EMENTA:A história da Educação de Jovens e Adultos no Brasil. Formação de jovens e adultos e qualificação para o trabalho. A relação educação e trabalho como fundamento para educação de jovens e adultos. Alfabetização de jovens e adultos na perspectiva do letramento. Proposta curricular da educação de jovens e adultos: metodologias da linguagem matemática, estudos da natureza e sociedade. Pla-nejamento e avaliação.
OBJETIVOS:
¡ refletir sobre os avanços e retrocessos da Educação de Jovens e Adultos na história da educação brasileira, analisando o pa-pel do Estado em relação ao direito à educação;
¡ analisar a legislação pertinente à educação de jovens e adul-tos, estabelecendo comparação entre o escrito e a realidade dos cursos de Eja no contexto Maranhense;
¡ compreender os fundamentos metodológicos que devem nortear as práticas docentes desenvolvidas nas salas de Edu-cação de Jovens e Adultos, preservando os princípios freire-anos.
CONTEÚDO PROGRAMÁTICO
A disciplina Fundamentos e Métodos de Educação de Jovens e Adultos tem a carga horária de 60 horas, e envolverá a participação nos encontros presenciais, nos fóruns, a realização de pesquisas de campo e bibliográfica, leitura e estudo de textos, leituras complementares, anotações e realização de seminários. A disciplina contém as seguintes unidades didáticas:
Unidade 1RetRospectiva históRica sobRe a educação de jovens e adultos no bRasil
Unidade 2sujeitos dos pRogRamas de eja
Unidade 3Fundamentos metodológicos de educação de jovens e adultos
Unidade 4pRoposta cuRRiculaR de educação de jovens e adultos – i segmento
METODOLOGIA E AVALIAÇÃO
O conteúdo da disciplina está estruturado em cinco Unidades Didáticas e contém textos de autores reconhecidos na área e também apresenta informações oficiais do MEC/SECAD, sendo complementado com atividades elaboradas proporcionando aos alunos(as) uma reflexão sobre a EJA no Brasil, no Estado e no Município.
Os referidos conteúdos serão complementados por livros, sites e indi-cação de filmes que servirão de suporte para a compreensão da temá-tica abordada.
A disciplina terá apoio de um tutor presencial e também de um tutor a distância mediante comunicação on-line plataforma Moodle do Ue-maNet ou correio eletrônico. Contará ainda com o Call Center para manter a articulação com o professor conteudista.
Cada unidade traz atividades para avaliação do seu desempenho que obrigatoriamente devem ser apresentadas nos encontros presenciais para a análise do tutor local.
As atividades complementares como Seminário, pesquisa de campo e visitas técnicas às salas de EJA e Secretarias de Educação serão avaliadas pelo Tutor local.
No decorrer da disciplina você participará de discussões em fóruns com vistas a ampliar os conhecimentos de forma colaborativa.
A avaliação final será realizada de forma presencial através da apli-cação de instrumento de avaliação escrita com questões discursivas.
íCONES
Orientação para estudo
Ao longo desta coletânea de textos, você encontrará alguns ícones utilizados para facilitar a comunicação com você.
Saiba, o que cada um significa.
DICA DE SITE
SUGESTÃO DE LEITURA
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
ATIVIDADES
PENSE
SUGESTÃO DE FILMES
SAIBA MAIS
Face a uma política global que visa a universalização da educação
básica, vê-se a Educação de Jovens e Adultos como uma modalidade
de ensino que, segundo o Art. 37, da Lei 9394/96, será destina-
da àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no
ensino fundamental e médio na idade própria. Cabendo, portanto,
a oferta de oportunidades educacionais apropriadas às caracterís-
ticas do alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho.
Para contribuir com a sua formação de educador, apresentamos esta
coletânea de textos que focalizam a História da Educação de Jovens
e Adultos no Brasil, as características dos sujeitos envolvidos nos
Programas de EJA, os pressupostos pedagógicos que marcaram a
experiência de Paulo Freire, os Procedimentos metodológicos das
áreas de conhecimentos previstos na Proposta Curricular de EJA,
aprovada pelo MEC, e as orientações didáticas para planejamento
e avaliação das práticas escolares.
Esperamos que você, caro aluno(a) do Curso de Pedagogia a dis-
tância, ao se deter no estudo sobre Educação de Jovens e Adultos,
estabeleça vínculos com as práticas pedagógicas desenvolvidas
nos diferentes contextos do campo e da cidade e conheça as ex-
periências desenvolvidas pelas instituições governamentais e não
governamentais.
APRESENTAÇÃO
PSICOLOGIA, CIÊNCIA E RELIGIÃO
1UNIDADE
OBJETIVO DESTA UNIDADE:
Refletir sobre a EJA no contexto das políticas públicas brasileiras percebendo as lacunas deixadas pelo Estado e a dívida social com este segmento da população brasileira;
Fazer um breve relato sobre a história da educação de jovens e adultos em sua trajetória.
RETROSPECTIVA HISTÓRICA SOBRE A EDUCAÇÂO DE JOVENS E ADULTOS NO BRASIL
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS | UNIDADE 1 17
RETROSPECTIVA HISTÓRICA SOBRE A EDUCAÇÂO DE JOVENS E ADULTOS NO BRASIL
V amos ler com atenção uma afirmação feita por Machado
de Assis em 1879 e uma notícia veiculada na Folha de
São Paulo no dia 09/06/2003 a respeito do analfabetismo
e vamos analisar os condicionamentos presentes que levam a
sociedade e os gestores a aceitarem tal situação de exclusão.
Sérgio Haddad - PUC São PauloMaria Clara Di Pierro - ONG ação Educativa
A nação não sabe ler. Há só 30% dos indivíduos resi-dentes neste país que podem ler. Destes, uns 9% não leem letra de mão; 70% dos cidadãos votam do mesmo modo que respiram: sem saber por que nem o quê; votam como vão à festa da Penha – por divertimen-to. Constituição é para eles uma coisa inteiramente desconhecida. Estão prontos para tudo: uma revolução ou um Golpe de Estado [...] As instituições existem, mas por e para 30% dos cidadãos. Proponho uma reforma no estilo político.
(Machado de Assis, 1879)
PEDAGOGIA18
Mapa mostra o tamanho do analfabetismo no país no século 21 (LUCIANA CONSTANTINO. Folha de S. Paulo, em Brasília - 09/06/2003)
Os dados compõem o “Mapa do Analfabetismo no Brasil”, divulgado em 09/06/2003.
Para ter uma ideia do tamanho do problema, o estudo aponta que são 30 milhões de jovens e adultos com 15 anos ou mais que não concluíram nem sequer quatro séries de estudo, os chamados analfabetos funcionais. Esse número inclui os 16 milhões que não são capazes de ler e escrever um bilhete simples. Frequentar a escola também não é suficiente para garantir o aprendizado: 7,4% dos adolescentes de 10 a 19 anos não sabem ler e escrever. “Esses jovens ou ainda estão na escola ou por ela já passaram, o que mostra que nosso sistema educacional continua a produzir analfabetos”, avalia o estudo do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais) feito com números do órgão e do IBGE.
Também é falso imaginar que analfabetismo e baixa escolaridade acontecem apenas em regiões consideradas atrasadas. Na lista dos cem primeiros municípios com a maior concentração de analfabetos estão 24 capitais. São Paulo e Rio de Janeiro - com 383 mil e 199 mil analfabetos, respectivamente - são as cidades com maior número absoluto.
O quadro do analfabetismo já foi pior. Em 1991, 19,7% das pessoas com 15 anos ou mais não sabiam ler e es-crever. Caiu para 13,6% em 2000 e para 12,4% em 2001.
O estudo mostra é a evasão escolar e seus efeitos neg-ativos: 35% dos analfabetos já frequentaram uma es-cola. E abandonaram, entre outros motivos, por causa da baixa qualidade do ensino ou pela necessidade de trabalhar.
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS | UNIDADE 1 19
Para compreendermos os condicionamentos sociais e políticos
que perpassam pela história da Educação de Jovens e Adultos
selecionamos um artigo escrito por Sergio Hadad da PUC – São
Paulo e Maria Clara Di Pierro da Ação Educativa.
ESCOLARIZAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
No passado como no presente a educação de jovens e adultos
sempre compreendeu um conjunto muito diverso de processos e
práticas formais e informais relacionadas à aquisição ou ampliação
de conhecimentos básicos, de competências técnicas e profissionais
ou de habilidades socioculturais.
Muitos desses processos se desenvolvem de modo mais ou menos
sistemático fora de ambientes escolares, realizando-se na família,
nos locais de trabalho, nos espaços de convívio sociocultural e
lazer, nas instituições religiosas e, nos dias atuais, também com
o concurso dos meios de informação e comunicação a distância.
Qualquer tentativa de historiar um universo tão plural de práticas
formativas implicaria sério risco de fracasso, pois a educação de
jovens e adultos compreendida nessa acepção ampla, estende-se
por quase todos os domínios da vida social.
O texto que segue aborda alguns dos processos sistemáticos e
organizados de formação geral de pessoas. Abrange, portanto, o vasto
âmbito das práticas de qualificação profissional, de teleducação, com
a diversidade de experiências de formação sociocultural e política
das pessoas jovens e adultas que se realizam fora de processos de
escolarização e que, na pesquisa educacional brasileira, vêm sendo
abordadas pelos estudos de educação popular. O artigo também não
tem a pretensão de compreender todos os níveis e modalidades
de ensino, privilegiando a educação básica realizada por meios
presenciais e, no seu interior, as etapas iniciais da escolarização.
O texto oferece uma rápida visão panorâmica do tema ao longo dos
cinco séculos da história posteriores à chegada dos portugueses às
terras brasileiras, mas detém o olhar sobretudo na segunda metade
PEDAGOGIA20
do século XX, em que o pensamento pedagógico e as políticas públi-
cas de educação escolar de jovens e adultos adquiriram a identidade
e feições próprias, a partir das quais é possível e necessário pensar
seu desenvolvimento futuro.
COLÔNIA E IMPÉRIO
A ação educativa junto a adolescentes e adultos no Brasil não é
nova. Sabe-se que já no período colonial os religiosos exerciam
sua ação educativa missionária em grande parte com adultos.
Além de difundir o evangelho, tais educadores transmitiam
normas de comportamento e ensinavam os ofícios necessários ao
funcionamento da economia colonial, inicialmente aos indígenas e,
posteriormente, aos escravos negros. Mais tarde, se encarregaram
das escolas de humanidades para os colonizadores e seus filhos.
Com a desorganização do sistema de ensino produzido pela expulsão
dos jesuítas do Brasil em 1759, somente no Império voltaremos
a encontrar informações sobre ações educativas no campo da
educação de adultos.
No campo dos direitos legais, a primeira Constituição brasileira,
de 1824, firmou, sob forte influência européia, a garantia de uma
“instrução primária e gratuita para todos os cidadãos”, portanto,
também para os adultos. Pouco ou quase nada foi realizado neste
sentido durante todo o período imperial, mas essa inspiração
iluminista tornou-se semente e enraizou-se definitivamente na
cultura jurídica, manifestando-se nas Constituições brasileiras
posteriores.
O direito que nasceu com a norma constitucional de 1824,
estendendo a garantia de uma escolarização básica para todos,
não passou da intenção legal. A implantação de uma escola de
qualidade para todos avançou lentamente ao longo da nossa história.
É verdade, também, que tem sido interpretada como direito apenas
para as crianças.
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS | UNIDADE 1 21
Essa distância entre o proclamado e o realizado foi agravada por
outros fatores. Em primeiro lugar, porque no período do Império só
possuía cidadania uma pequena parcela da população pertencente à
elite econômica à qual se admitia administrar a educação primária
como direito, do qual ficavam excluídos negros, indígenas e grande
parte das mulheres.
Em segundo, porque o ato adicional de 1834, ao delegar a
responsabilidade por essa educação básica às Províncias, reservou
ao governo imperial os direitos sobre a educação das elites,
praticamente delegando à instância administrativa com menores
recursos o papel de educar a maioria mais carente.
O pouco que foi realizado deveu-se aos esforços de algumas
Províncias, tanto no ensino de jovens e adultos como na educação
das crianças e adolescentes. Neste último caso, chegaríamos em
1890 com o sistema de ensino atendendo apenas 250 mil crianças,
em uma população total estimada em 14 milhões. Ao final do
Império, 82% da população com idade superior a cinco anos era
analfabeta.
Desta forma, as preocupações liberais expressas na legislação
desse período acabaram por não se consubstanciar, condicionadas
que estavam pela estrutura social vigente. Nas palavras de Celso
Beisiegel:
[...] no Brasil, na colônia e mesmo depois, nas primeiras fases do Império é a posse da proprieda-de que determina as limitações de aplicação das doutrinas liberais: e são os interesses radicados na propriedade dos meios de produção colonial [...] que estabelecem os conteúdos específicos dessas doutrinas no país. O que há realmente peculiar no liberalismo no Brasil,durante este período, e nestas circunstâncias, é mesmo a estreiteza das faixas de população brangidas nos benefícios con-substanciados nas formulações universais em que os interesses dominantes se exprimem (BEISIEGEL, 1974, p.43).
Desde o Brasil Colônia, quando se falava em
educação, fazia-se referências à população adulta que necessitava
ser doutrinada e iniciada nas “cousas da nossa fé”.
PEDAGOGIA22
PRIMEIRA REPÚBLICA
A Constituição de 1891, primeiro marco legal da República brasileira,
consagrou uma concepção de federalismo em que a responsabilidade
pública pelo ensino básico foi descentralizada nas Províncias e
Municípios. À União reservou-se o papel de “animador” dessas
atividades, assumindo uma presença maior no ensino secundário
e superior. Mais uma vez garantiu-se a formação das elites em
detrimento de uma educação para as amplas camadas sociais
marginalizadas, quando novamente as decisões relativas à oferta
de ensino elementar ficaram dependentes da fragilidade financeira
das Províncias e dos interesses das oligarquias regionais que as
controlavam politicamente.
A nova Constituição republicana estabeleceu também a exclusão dos
adultos analfabetos da participação pelo voto, isto em um momento
em que a maioria da população adulta era iletrada.
Apesar do descompromisso da União em relação ao ensino elementar,
o período da Primeira República se caracterizou pela grande
quantidade de reformas educacionais que, de alguma maneira,
procuraram um princípio de normatização e preocuparam-se com
o estado precário do ensino básico.
Porém, tais preocupações pouco efeito prático produziram, uma
vez que não havia dotação orçamentária que pudesse garantir que
as propostas legais resultassem numa ação eficaz. O censo de 1920,
realizado 30 anos após o estabelecimento da República no país,
indicou que 72% da população acima de cinco anos permanecia
analfabeta.
Até esse período, a preocupação com a educação de jovens e adul-
tos praticamente não se distinguia como fonte de um pensamento
pedagógico ou de políticas educacionais específicas. Isso só viria
a ocorrer em meados da década de 1940. Havia uma preocupação
geral com a educação das camadas populares, normalmente inter-
pretada como instrução elementar das crianças.
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS | UNIDADE 1 23
No entanto, já a partir da década de 1920, o movimento de
educadores e da população em prol da ampliação do número de
escolas e da melhoria de sua qualidade começou a estabelecer
condições favoráveis à implementação de políticas públicas para
a educação de jovens e adultos. Os renovadores da educação
passaram a exigir que o Estado se responsabilizasse definitivamente
pela oferta desses serviços. Além do mais, os precários índices de
escolarização que nosso país mantinha, quando comparados aos de
outros países da América Latina ou do resto no mundo, começavam
a fazer da educação escolar uma preocupação permanente da
população e das autoridades brasileiras.
Essa inflexão no pensamento político-pedagógico ao final da Primeira
República está associada aos processos de mudança social inerentes
ao início da industrialização e à aceleração da urbanização no Brasil.
Nossas elites, que já haviam se adiantado no estabelecimento
constitucional do direito à educação para todos – sem propiciar as
condições necessárias para sua realização –, viam agora esse direito
unido a um dever que cada brasileiro deveria assumir perante a
sociedade.
[...] ao direito de educação que já se afirmara nas leis do Brasil, com as garantias do ensino primário gratuito para todos os cidadãos, virá agora associar-se, da mesma forma como ocorrera em outros paí-ses, a noção de um dever do futuro cidadão para com a sociedade, um dever educacional de preparar- se para o exercício das responsabilidades da cidadania (BEISIEGEL, 1974, p.63).
PERíODO DE VARGAS
A Revolução de 1930 é um marco na reformulação do papel do Estado
no Brasil. Ao contrário do federalismo que prevalecera até aquele
momento, reforçando os interesses das oligarquias regionais, agora
era a Nação como um todo que estava sendo reafirmada.
Preste atenção na educação de jovens e
adultos enquanto direito e analise a realidade objetiva e responda:
Havia escola para todos neste período de 1891 a
1930?
PEDAGOGIA24
A inclinação ao fortalecimento e à mudança de papel do Estado
central manifesta-se de maneira inequívoca na Constituição de
1934. Aí, já se configurava uma nova concepção que, superando
a ideia de um Estado de Direito, entendido apenas como o Estado
destinado à salvaguarda das garantias individuais e dos direitos
subjetivos, para pensar-se no Estado aberto para a problemática
econômica, de um lado, e para a problemática educacional e
cultural, de outro (FERRAz et al., 1984, p.651).
Nos aspectos educacionais, a nova Constituição propôs um Plano
Nacional de Educação, fixado, coordenado e fiscalizado pelo governo
federal, determinando de maneira clara as esferas de competência
da União, dos estados e municípios em matéria educacional:
vinculou constitucionalmente uma receita para a manutenção e o
desenvolvimento do ensino; reafirmou o direito de todos e o dever
do Estado para com a educação; estabeleceu uma série de medidas
que vieram confirmar este movimento de entregar e cobrar do setor
público a responsabilidade pela manutenção e pelo desenvolvimento
da educação. Foi somente ao final da década de 1940 que a educação
de adultos veio a se firmar como um problema de política nacional,
mas as condições para que isso viesse a ocorrer foram sendo
instaladas já no período anterior. O Plano Nacional de Educação,
de responsabilidade da União, previsto pela Constituição de 1934,
deveria incluir entre suas normas o ensino primário integral gratuito
e de frequência obrigatória. Esse ensino deveria ser extensivo aos
adultos. Pela primeira vez a educação de jovens e adultos era
reconhecida e recebia um tratamento particular.
Com a criação em 1938 do INEP – Instituto Nacional de Estudos
Pedagógicos – e através de seus estudos e pesquisas, instituiu-se
em 1942 o Fundo Nacional do Ensino Primário. Através dos seus
recursos, o fundo deveria realizar um programa progressivo de
ampliação da educação primária que incluísse o Ensino Supletivo
para adolescentes e adultos.
Em 1945 o fundo foi regulamentado, estabelecendo que 25% dos
recursos de cada auxílio deveriam ser aplicados num plano geral de
Ensino Supletivo destinado a adolescentes e adultos analfabetos.
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS | UNIDADE 1 25
Ao mesmo tempo, fatos transcorridos no âmbito das relações in-
ternacionais ampliaram as dimensões desse movimento em prol de
uma educação de jovens e adultos. Criada em novembro de 1945,
logo após a 2a Guerra Mundial, a UNESCO denunciava ao mundo as
profundas desigualdades entre os países e alertava para o papel
que deveria desempenhar a educação, em especial a educação de
adultos, no processo de desenvolvimento das nações categorizadas
como “atrasadas”.
Em 1947, foi instalado o Serviço de Educação de Adultos (SEA)
como serviço especial do Departamento Nacional de Educação
do Ministério da Educação e Saúde, que tinha por finalidade a
reorientação e coordenação geral dos trabalhos dos planos anuais
do ensino supletivo para adolescentes e adultos analfabetos. Uma
série de atividades foi desenvolvida a partir da criação desse
órgão, integrando os serviços já existentes na área, produzindo e
distribuindo material didático, mobilizando a opinião pública, bem
como os governos estaduais e municipais e a iniciativa particular.
O movimento em favor da educação de adultos, que nasceu em 1947
com a coordenação do Serviço de Educação de Adultos e se estendeu
até fins da década de 1950, denominou-se Campanha de Educação
de Adolescentes e Adultos – CEAA. Sua influência foi significativa,
principalmente por criar uma infraestrutura nos estados e municí-
pios para atender à educação de jovens e adultos, posteriormente
preservada pelas administrações locais.
Duas outras campanhas ainda foram organizadas pelo Ministério da
Educação e Cultura: uma em 1952 – a Campanha Nacional de Educa-
ção Rural –, e outra, em 1958 – a Campanha Nacional de Erradicação
do Analfabetismo. Ambas tiveram vida curta e pouco realizaram.
O Estado brasileiro, a partir de 1940, aumentou suas atribuições e
responsabilidades em relação à educação de adolescentes e adultos.
Após uma atuação fragmentária, localizada e ineficaz durante todo
o período colonial, Império e Primeira República, ganhou corpo uma
política nacional, com verbas vinculadas e atuação estratégica em
todo o território nacional.
PEDAGOGIA26
Tal ação do Estado pode ser entendida no quadro de expansão
dos direitos sociais de cidadania, em resposta à presença de
amplas massas populares que se urbanizavam e pressionavam por
mais e melhores condições de vida. Os direitos sociais, presentes
anteriormente nas propostas liberais, concretizavam-se agora em
políticas públicas, até como estratégia de incorporação dessas
massas urbanas em mecanismos de sustentação política dos governos
nacionais.
A extensão das oportunidades educacionais por parte do Estado a
um conjunto cada vez maior da população servia como mecanismo
de acomodação de tensões que cresciam entre as classes sociais
nos meios urbanos nacionais. Atendia também ao fim de prover
qualificações mínimas à força de trabalho para o bom desempenho
aos projetos nacionais de desenvolvimento propostos pelo governo
federal. Agora, mais do que as características de desenvolvimento
das potencialidades individuais, e, portanto, como ação de
promoção individual, a educação de adultos passava a ser condição
necessária para que o Brasil se realizasse como nação desenvolvida.
Estas duas faces do sentido político da educação ganham evidência
com o fortalecimento do Estado nacional brasileiro edificado a
partir de 1930.
Os esforços empreendidos durante as décadas de 1940 e 1950 fize-
ram cair os índices de analfabetismo das pessoas acima de cinco
anos de idade para 46,7% no ano de 1960. Os níveis de escolarização
da população brasileira permaneciam, no entanto, em patamares
reduzidos quando comparadas à média dos países do primeiro mundo
e mesmo de vários dos vizinhos latino-americanos.
DE 59 A 64 - UM PERíODO DE LUZES PARA A EDUCAÇÃO DE ADULTOS
Os primeiros anos da década de 1960, até 1964, quando o golpe
militar ocorreu, constituíram um momento bastante especial no
campo da educação de jovens e adultos.
Analise as influências significativas dos movimentos voltados para atender a educação de jovens e adultos no período de Vargas e sua repercussão nas mudanças atuais.
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS | UNIDADE 1 27
Já em 1958, quando da realização do II Congresso Nacional de
Educação de Adultos no Rio de Janeiro, ainda no contexto da CEAA,
percebia-se uma grande preocupação dos educadores em redefinir as
características específicas e um espaço próprio para essa modalidade
de ensino. Reconhecia-se que a atuação dos educadores de adultos,
apesar de organizada como subsistema próprio, reproduzia, de
fato, as mesmas ações e características da educação infantil.
Até então, o adulto não escolarizado era percebido como um ser
imaturo e ignorante, que deveria ser atualizado com os mesmos
conteúdos formais da escola primária, percepção esta que reforçava
o preconceito contra o analfabeto (Paiva, 1973, p. 209). Na verdade,
o Congresso repercutia uma nova forma do pensar pedagógico com
adultos. Já no Seminário Regional preparatório ao Congresso realizado
no Recife, e com a presença do professor Paulo Freire, discutia-se:
[...] a indispensabilidade da consciência do pro-cesso de desenvolvimento por parte do povo e da emersão deste povo na vida pública nacional como interferente em todo o trabalho de elaboração, participação e decisão responsáveis em todos os momentos da vida pública; sugeriam os pernambu-canos a revisão dos transplantes que agiram sobre o nosso sistema educativo, a organização de cursos que correspondessem à realidade existencial dos alunos, o desenvolvimento de um trabalho educativo “com” o homem e não “para” o homem, a criação de grupos de estudo e de ação dentro do espírito de autogoverno, o desenvolvimento de uma mentalida-de nova no educador, que deveria passar a sentir-se participante no trabalho de soerguimento do país; propunham, finalmente, a renovação dos métodos e processos educativos, substituindo o discurso pela discussão e utilizando as modernas técnicas de educação de grupos com a ajuda de recursos audiovisuais (PAIVA, 1973, p. 210).
Estes temas acabaram por prevalecer posteriormente no II Con-
gresso, marcando um novo momento no pensar dos educadores,
confrontando velhas ideias e preconceitos:
[...] marcava o Congresso o início de um novo perí-odo na educação de adultos no Brasil, aquele que se caracterizou pela intensa busca de maior eficiência metodológica e por inovações importantes neste ter-reno, pela reintrodução da reflexão sobre o social no pensamento pedagógico brasileiro e pelos esforços realizados pelos mais diversos grupos em favor da educação da população adulta para a participação na vida política da Nação (PAIVA, 1973, p. 210).
PEDAGOGIA28
Esse quadro de renovação pedagógica deve ser considerado dentro
das condições gerais de turbulência do processo político daquele
momento histórico. Diversos grupos buscavam junto às camadas
populares formas de sustentação política para suas propostas. A
educação, sem dúvida alguma, e de maneira privilegiada, era a
prática social que melhor se oferecia a tais mecanismos, não só
por sua face pedagógica, mas também, e principalmente, por suas
características de prática política.
A economia brasileira crescia, internacionalizando-se. O processo
de substituições das importações realizado no período de
Getúlio manteve um fluxo de capitais internacionais concentrado
no fortalecimento da indústria de base. Agora, o modelo
desenvolvimentista do governo Kubistschek abriu o mercado nacional
para produtos duráveis das empresas transnacionais. A proposta
desse governo de um desenvolvimento acelerado – “cinquenta
anos em cinco” – acabou ocorrendo paralela à crescente perda do
controle da economia pela burguesia nacional.
As contradições desse modelo se agravaram com os governos
Jânio-Jango.
A imposição de uma política desenvolvimentista, baseada no capital
internacional, de racionalidade diferenciada daquela capaz de ser
absorvida pela economia brasileira, acabou por trazer desequilíbrios
econômicos internos de difícil administração. Intensificavam-se
mobilizações políticas dos setores médios de parte das camadas
populares. A questão da democracia, da participação política e a
disputa pelos votos ocupavam boa parte do tempo social. O padrão
de consumo que havia sido forjado pelo desenvolvimentismo não
podia realizar-se em virtude da crescente insegurança no emprego
e da perda do poder aquisitivo dos salários. Ampliaram-se o clima
de insatisfação e as manifestações populares.
Foi dentro dessa conjuntura que os diversos trabalhos educacionais
com adultos passaram a ganhar presença e importância. Buscava-
se, por meio deles, apoio político junto aos grupos populares.
As diversas propostas ideológicas, principalmente a do nacional-
desenvolvimentismo, a do pensamento renovador cristão e a do
Partido Comunista, acabaram por ser pano de fundo de uma nova
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS | UNIDADE 1 29
forma de pensar a educação de adultos. Elevada agora à condição
de educação política, através da prática educativa de refletir o
social, a educação de adultos ia além das preocupações existentes
com os aspectos pedagógicos do processo ensino-aprendizagem.
Ao mesmo tempo, e de forma contraditória, no contexto da ação
de legitimação de propostas políticas junto aos setores populares,
criaram-se as condições para o desenvolvimento e o fortalecimento
de alternativas autônomas e próprias desses setores ao provocar a
necessidade permanente da explicitação dos seus interesses, bem
como das condições favoráveis à sua organização, mobilização e
conscientização.
É dentro dessa perspectiva que devemos considerar os vários
acontecimentos, campanhas e programas no campo da educação
de adultos, no período que vai de 1959 até 1964. Foram eles, entre
outros: o Movimento de Educação de Base, da Conferência Nacional
dos Bispos do Brasil, estabelecido em 1961, com o patrocínio do
governo federal; o Movimento de Cultura Popular do Recife, a
partir de 1961; os Centros Populares de Cultura, órgãos culturais da
UNE; a Campanha “De Pé no Chão Também se Aprende a Ler”, da
Secretaria Municipal de Educação de Natal; o movimento de Cultura
Popular do Recife; e, finalmente, em 1964, o Programa Nacional de
Alfabetização do Ministério da Educação e Cultura, que contou com
a presença do professor Paulo Freire. Grande parte desses programas
estava funcionando no âmbito do Estado ou sob seu patrocínio.
Apoiavam-se no movimento de democratização de oportunidades de
escolarização básica dos adultos, mas também representavam a luta
política dos grupos que disputavam o aparelho do Estado em suas
várias instâncias por legitimação de ideais via prática educacional.
Nesses anos, as características próprias da educação de adultos
passaram a ser reconhecidas, conduzindo à exigência de um
tratamento específico nos planos pedagógico e didático. À
medida que a tradicional relevância do exercício do direito de
todo cidadão de ter acesso aos conhecimentos universais uniu-
se à ação conscientizadora e organizativa de grupos e atores
sociais, a educação de adultos passou a ser reconhecida também
como um poderoso instrumento de ação política. Finalmente,
PEDAGOGIA30
foi-lhe atribuída uma forte missão de resgate e valorização do
saber popular, tornando a educação de adultos o motor de um
movimento amplo de valorização da cultura popular.
Faça uma leitura crítica sobre os avanços do movimento de
democratização de oportunidades de escolarização básica
dos adultos e pesquise sobre a luta política dos grupos que
disputavam o aparelho do Estado em suas várias instâncias
por legitimação de ideais via prática educacional.
O PERíODO MILITAR
O golpe militar de 1964 produziu uma ruptura política em função
da qual os movimentos de educação e cultura populares foram
reprimidos, seus dirigentes, perseguidos, seus ideais, censurados.
O Programa Nacional de Alfabetização foi interrompido e
desmantelado, seus dirigentes, presos e os materiais apreendidos.
A Secretaria Municipal de Educação de Natal foi ocupada, os
trabalhos da Campanha “De Pé no Chão” foram interrompidos e
suas principais lideranças foram presas. A atuação do Movimento
de Educação de Base da CNBB foi sendo tolhida não só pelos
órgãos de repressão, mas também pela própria hierarquia
católica, transformando- se na década de 1970 muito mais em um
instrumento de evangelização do que propriamente de educação
popular. As lideranças estudantis e os professores universitários
que estiveram presentes nas diversas práticas foram cassados nos
seus direitos políticos ou tolhidos no exercício de suas funções.
A repressão foi a resposta do Estado autoritário à atuação daque-
les programas de educação de adultos cujas ações de natureza
política contrariavam os interesses impostos pelo golpe militar. A
ruptura política ocorrida com o movimento de 64 tentou acabar
com as práticas educativas que auxiliavam na explicitação dos in-
teresses populares. O Estado exercia sua função de coerção, com
fins de garantir a “normalização” das relações sociais.
1
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS | UNIDADE 1 31
Sob a denominação de “educação popular”, entretanto, diversas
práticas educativas de reconstituição e reafirmação dos interesses
populares inspiradas pelo mesmo ideário das experiências
anteriores persistiram sendo desenvolvidas de modo disperso e
quase que clandestino no âmbito da sociedade civil. Algumas delas
tiveram previsível vida curta; outras subsistiram durante o período
autoritário.
No plano oficial, enquanto as ações repressivas ocorriam, alguns
programas de caráter conservador foram consentidos ou mesmo
incentivados, como a Cruzada de Ação Básica Cristã (ABC). Nascido
no Recife, o programa ganhou caráter nacional, tentando ocupar
os espaços deixados pelos movimentos de cultura popular. Dirigida
por evangélicos norte-americanos, a Cruzada servia de maneira
assistencialista aos interesses do regime militar, tornando-se
praticamente um programa semioficial. A partir de 1968, porém,
uma série de críticas à condução da Cruzada foi se acumulando e
ela foi progressivamente se extinguindo nos vários estados entre
os anos de 1970 e 1971.
Na verdade, este setor da educação – a escolarização básica de
jovens e adultos – não poderia ser abandonado por parte do aparelho
do Estado, uma vez que tinha nele um dos canais mais importantes
de mediação com a sociedade. Perante as comunidades nacional
e internacional, seria difícil conciliar a manutenção dos baixos
níveis de escolaridade da população com a proposta de um grande
país, como os militares propunham-se construir.
Havia ainda a necessidade de dar respostas a um direito de
cidadania cada vez mais identificado como legítimo, mediante
estratégias que atendessem também aos interesses hegemônicos
do modelo socioeconômico implementado pelo regime militar.
As respostas vieram com a fundação do MOBRAL – Movimento
Brasileiro de Alfabetização –, em 1967, e, posteriormente, com a
implantação do Ensino Supletivo, em 1971, quando da promulgação
da Lei Federal 5.692, que reformulou as diretrizes de ensino de
primeiro e segundo graus.
Pesquise sobre as es-tratégias usadas pelos
militares como respostas a um direito de cidadania
– Educação para todos, cada vez mais identifica-
do como legítimo.
PEDAGOGIA32
O SENTIDO POLíTICO DA EDUCAÇÃO DE ADULTOS NO PERíODO MILITAR
Em meados de 1972, a Secretaria-Geral do Ministério da Educação e
Cultura expediu o documento “Adult Education in Brazil” destinado
à III Conferência Internacional de Educação de Adultos, convocada
pela UNESCO para Tóquio. Nele, traduzia o sentido da educação
de adultos no contexto brasileiro, em especial depois da criação
do MOBRAL e do Ensino Supletivo. Sua introdução afirmava ser
“recente a preocupação com a educação como elemento prioritário
dos projetos para o desenvolvimento” e que havia também “uma
atitude nova no sentido de encará-la como rendoso investimento”.
Tais preocupações, segundo o documento, haviam sido realçadas
pela presença dos militares no poder, a partir de 1964, e se refletiam
através dos seus planos de desenvolvimento e dos Planos Setoriais
de Educação. Os compromissos com a educação objetivavam a
“formação de uma infraestrutura adequada de recursos humanos,
apropriada às nossas necessidades socioeconômicas, políticas e
culturais”. Para implementação de tais objetivos, o Estado brasileiro
se propunha a criar e implementar um sistema de educação
permanente, no qual a educação de adultos situava-se “na linha de
frente das operações”, por ser “poderosa arma capaz de acelerar
o desenvolvimento, o progresso social e a expansão ocupacional”.
Posteriormente, com o MOBRAL e o Ensino Supletivo, os militares
buscaram reconstruir, através da educação, sua mediação com os
setores populares.
Por outro lado, as reformas educacionais propiciaram que os
serviços de educação de adultos fossem estendidos, ainda que
apenas no plano formal, aos níveis do ensino fundamental e médio.
Ampliaram-se também as possibilidades de acesso à formação
profissional. Desta forma, a educação de adultos passou a compor
o mito da sociedade democrática brasileira em um regime de
exceção. Esse mito foi traduzido em uma linguagem na qual a
oferta dos serviços educacionais para os jovens e adultos das
camadas populares era a nova chance individual de ascensão social,
Veja o discurso e os documentos legais dos governos militares que procuraram unir as perspectivas de demo-cratização de oportuni-dades educacionais com a intenção de colocar o sistema educacional a serviço do modelo de desenvolvimento.
ao mesmo tempo, por meio da coerção, procu-raram manter a “ordem” econômica e política.
Reflita sobre as atitudes do governo autoritário: de reprimir todos os mo-vimentos de cultura po-pular nascidos no período anterior ao de 64, uma vez que os processos edu-cativos por eles desenca-deados poderiam levar a manifestações populares capazes de desestabilizar o regime.
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS | UNIDADE 1 33
em uma época de “milagre econômico”. O sistema educacional se
encarregaria de corrigir as desigualdades produzidas pelo modo de
produção. Desse modo o Estado cumpria sua função de assegurar a
coesão das classes sociais.
A dimensão formal e os limites dessa democratização de
oportunidades ficavam explícitos na medida em que o Estado, ao
não assumir a responsabilidade pela gratuidade e pela expansão
da oferta, deixou a educação de jovens e adultos ao sabor dos
interesses do ensino privado.
O Ensino Supletivo concebido pelos documentos legais deveria
estruturar-se em um Departamento no Ministério da Educação
e Cultura, o Departamento de Ensino Supletivo (DESu). Esse
Departamento teria uma Direção-Geral com o objetivo de
coordenar o desenvolvimento de todas as atividades de educação
de adultos em nível nacional, visando, sobretudo, à sua expansão
integrada com outras agências.
Apesar da intenção centralizadora no âmbito federal, sempre existiram
certa dispersão e certo paralelismo entre os órgãos responsáveis
pelo Ensino Supletivo. Como vimos, o MOBRAL gozou durante todo
o período da sua existência de grande autonomia. No campo da
teleducação, faltou coordenação e houve conflitos entre diferentes
órgãos, conflitos estes que, por vezes, se estendiam a diferentes
ministérios. Os programas federais decorrentes da criação do Ensino
Supletivo ficaram a cargo do Departamento do Ensino Supletivo
do MEC (DESU) de 1973 – ano de sua criação – até 1979, quando o
órgão foi transformado em Subsecretaria de Ensino Supletivo (SESU)
e subordinado à Secretaria de Ensino de 1º e 2º Graus (SEPS). Os
principais programas de âmbito federal desenvolvidos nesse período,
todos eles relativos à modalidade de Suplência, referiam-se ao
aperfeiçoamento dos exames supletivos e à difusão da metodologia
de ensino personalizado com apoio de módulos didáticos realizada
por meio da criação de Centros de Ensino Supletivo, ao lado de
programas de ensino a distância via rádio e televisão.
Foi no âmbito estadual que o ensino supletivo se firmou, reinando,
no entanto, a diversidade na sua oferta. A Lei Federal propôs que o
PEDAGOGIA34
Ensino Supletivo fosse regulamentado pelos respectivos Conselhos
Estaduais de Educação. Isso criou uma grande variedade tanto
de formas de organização como de nomenclaturas nos diversos
programas ofertados pelos estados. Em praticamente todas as
unidades da Federação foram criados órgãos específicos para
o Ensino Supletivo dentro das Secretarias de Educação, cuja
intervenção privilegiada era no ensino de 1º e 2º graus, sendo
raras as iniciativas no campo da alfabetização de adultos.
Na esfera municipal, ao contrário, raramente foram criados órgãos
específicos responsáveis pela suplência, exceção feita às capitais
dos estados mais populosos. Regra geral, a ação dos municípios
no campo da Suplência se resumiu aos convênios mantidos pelas
prefeituras com o MOBRAL para o desenvolvimento de programas
de alfabetização. Em alguns casos raros encontramos prefeituras
que assumiram programas próprios de educação de adultos e em
alguns casos mais raros ainda encontramos aquelas que atendiam
de 5ª a 8ª séries do 1º grau e do 2º grau.
A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS (EJA) E A REDEMOCRATIZAÇÃO DA SOCIEDADE BRASILEIRA APÓS 1985
Os anos imediatamente posteriores à retomada do governo nacional
pelos civis em 1985 representaram um período de democratização
das relações sociais e das instituições políticas brasileiras ao qual
correspondeu um alargamento do campo dos direitos sociais.
Foi um momento histórico em que antigos e novos movimentos
sociais e atores da sociedade civil, que haviam emergido e se
desenvolvido ao final dos anos 70, ocuparam espaços crescentes
na cena pública, adquiriram organicidade e constitucionalidade,
renovando as estruturas sindicais e associativas preexistentes,
ou criando novas formas de organização, modalidades de ação e
meios de expressão.
Nesse período, a ação da sociedade civil organizada direcionou as
demandas educacionais e foi capaz de legitimar publicamente as
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS | UNIDADE 1 35
instituições políticas da democracia representativa, em especial os
partidos, o parlamento e as normas jurídico-legais. Esse processo
resultou na promulgação da Constituição Federal de 1988 e seus
desdobramentos nas constituições dos estados e nas leis orgânicas
dos municípios, instrumentos jurídicos nos quais materializou-se o
reconhecimento social dos direitos das pessoas jovens e adultas à
educação fundamental, com a consequente responsabilização do
Estado por sua oferta pública, gratuita e universal. A história da
educação de jovens e adultos do período da redemocratização,
entretanto, é marcada pela contradição entre a afirmação no
plano jurídico do direito formal da população jovem e adulta
à educação básica, de um lado, e sua negação pelas políticas
públicas concretas, de outro.
A NOVA REPÚBLICA
O primeiro governo civil pós-64 marcou simbolicamente a ruptura
com a política de educação de jovens e adultos do período
militar com a extinção do MOBRAL, cuja imagem pública ficara
profundamente identificada com a ideologia e as práticas do
regime autoritário. Estigmatizado como modelo de educação
domesticadora e de baixa qualidade, o MOBRAL já não encontrava
no contexto inaugural da Nova República condições políticas de
acionar com eficácia os mecanismos de preservação institucional
que utilizara no período precedente, motivo pelo qual foi
substituído ainda em 1985 pela Fundação Nacional para Educação
de Jovens e Adultos – Educar.
Apesar de ter herdado do MOBRAL funcionários, estruturas
burocráticas, concepções e práticas político-pedagógicas, a
Fundação Educar incorporou muitas das inovações sugeridas pela
Comissão que em princípios de 1986 formulou suas diretrizes
político-pedagógicas. O paralelismo anteriormente existente
foi rompido por meio da subordinação da Fundação Educar à
Secretaria de Ensino de 1º e 2º Graus do MEC. A Educar assumiu
PEDAGOGIA36
a responsabilidade de articular, em conjunto, o subsistema de
ensino supletivo, a política nacional de educação de jovens e
adultos, cabendo-lhe fomentar o atendimento nas séries iniciais
do ensino de 1º grau, promover a formação e o aperfeiçoamento
dos educadores, produzir material didático, supervisionar e avaliar
as atividades.
A diretriz de descentralização fez com que a Fundação assumisse
o papel de órgão de fomento e apoio técnico, privilegiando a
modalidade de ação indireta em apoio aos municípios, estados e
organizações da sociedade civil.
O objetivo era induzir que as atividades diretas da Fundação fossem
progressivamente absorvidas pelos sistemas de ensino supletivo
estaduais e municipais.
Assim, as Comissões Municipais do MOBRAL foram dissolvidas e as
prefeituras municipais, herdeiras das suas atividades de ensino,
passaram a constituir os principais parceiros conveniados à Funda-
ção, ao lado de empresas e organizações civis de natureza varia-
da. A Educar manteve uma estrutura nacional de pesquisa e pro-
dução de materiais didáticos, bem como coordenações estaduais,
responsáveis pela gestão dos convênios e assistência técnica aos
parceiros, que passaram a deter maior autonomia para definir seus
projetos político-pedagógicos.
Se em muitos sentidos a Fundação Educar representou a
continuidade do MOBRAL, devem-se computar como mudanças
significativas a sua subordinação à estrutura do MEC e a
transformação em órgão de fomento e apoio técnico, em
vez de instituição de execução direta. Houve uma relativa
descentralização das suas atividades e a Fundação apoiou
técnica e financeiramente algumas iniciativas inovadoras de
educação básica de jovens e adultos conduzidas por prefeituras
municipais ou instituições da sociedade civil.
Esse processo de revitalização do pensamento e das práticas de
educação de jovens e adultos refletiu-se na Assembléia Nacional
Constituinte.
Veja os fatos que comprovam o processo de redemocratização política do país:
- a reorganização partidá-ria;
- a promoção de eleições diretas nos níveis sub-nacionais de governo;
- a liberdade de expressão e organização dos movi-mentos sociais urbanos e rurais;
- a inovação pedagógica na educação de jovens e adultos.
as práticas pedagógicas informadas pelo ideário da educação popular, que até então eram desenvolvidas quase que clandestinamen-te por organizações civis ou pastorais populares das igrejas, retomaram visibilidade nos ambientes universitários e passaram a influenciar também pro-gramas públicos e comuni-tários de alfabetização e escolarização de jovens e adultos.
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS | UNIDADE 1 37
Nenhum feito no terreno institucional foi mais importante para
a educação de jovens e adultos nesse período que a conquista
do direito universal ao ensino fundamental público e gratuito,
independentemente de idade, consagrado no Artigo 208 da
Constituição de 1988. Além dessa garantia constitucional, as
disposições transitórias da Carta Magna estabeleceram um prazo
de dez anos durante os quais os governos e a sociedade civil
deveriam concentrar esforços para a erradicação do analfabetismo
e a universalização do ensino fundamental, objetivos aos quais
deveriam ser dedicados 50% dos recursos vinculados à educação
dos três níveis de governo.
A vigência desses mecanismos, somada à descentralização
das receitas tributárias em favor dos estados e municípios e à
vinculação constitucional de recursos para o desenvolvimento e
a manutenção do ensino, constituiu a base para que, nos anos
subsequentes, pudesse vir a ocorrer uma significativa expansão
e melhoria do atendimento público na escolarização de jovens e
adultos. O fato de a Organização das Nações Unidas haver declarado
1990 como o Ano Internacional da Alfabetização e convocado para
essa data a Conferência Mundial de Educação para Todos reforçava
essa expectativa que, entretanto, acabou não se confirmando.
A extinção da Educar surpreendeu os órgãos públicos, as entidades
civis e outras instituições conveniadas, que a partir daquele
momento tiveram que arcar sozinhas com a responsabilidade
pelas atividades educativas anteriormente mantidas por convênios
com a Fundação. A medida representa um marco no processo de
descentralização da escolarização básica de jovens e adultos, pois
embora não tenha sido negociada entre as esferas de governo,
representou a transferência direta de responsabilidade pública
dos programas de alfabetização e pós-alfabetização de jovens e
adultos da União para os municípios.
Nos dois anos que antecederam o impeachment do presidente Collor,
seu governo prometeu colocar em movimento um Programa Nacional
de Alfabetização e Cidadania (PNAC) que, salvo algumas ações
isoladas, não transpôs a fronteira das intenções. Tendo mobilizado
representações da sociedade civil e instâncias subnacionais de
PEDAGOGIA38
governo em sua elaboração, o PNAC prometia, dentre outras medidas, substituir a atuação da extinta Fundação Educar por meio da transferência de recursos federais para que instituições públicas, privadas e comunitárias promovessem a alfabetização e a elevação dos níveis de escolaridade dos jovens e adultos. Desacreditado como o governo que o propôs, o PNAC foi abandonado no mandato tampão exercido do vice presidente Itamar Franco.
Em 1993 o governo federal desencadeou mais um processo de consulta participativa com vistas à formulação de outro plano de política educacional, cuja existência era requisito para que o Brasil (na condição de um dos nove países que mais contribuem para o elevado número de analfabetos no planeta) pudesse ter acesso prioritário a créditos internacionais vinculados aos compromissos assumidos na Conferência Mundial de Educação para Todos. Concluído em 1994, às vésperas do final daquele governo, o Plano Decenal fixou metas de prover oportunidades de acesso e progressão no ensino fundamental a 3,7 milhões de analfabetos e
4,6 milhões de jovens e adultos pouco escolarizados.
Pesquise na Lei 9.394/96 a seção dedicada à Educação
de Jovens e Adultos ressaltando o que é reafirmado em
termos dos direitos sociais e o que é diferente do Ensino
Fundamental regular.
1
Eleito para a Presidência da República em 1994 e reeleito em 1998, o governo de Fernando Henrique Cardoso colocou de lado o Plano Decenal e priorizou a implementação de uma reforma político-institucional da educação pública que compreendeu diversas medidas, dentre as quais a aprovação de uma emenda constitucional, quase que simultaneamente à promulgação da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB).
A Constituição e a Lei de Diretrizes e Bases preveem que o Executivo federal elabore e submeta ao Congresso planos plurianuais de educação. Mais específicas, as Disposições Transitórias da nova LDB determinaram que a União encaminhasse ao Congresso um Plano Nacional de Educação de duração decenal, consoante à Declaração
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS | UNIDADE 1 39
Mundial de Educação Para Todos. Esse foi o impulso para que, em meados de 1997, o MEC desse início a um processo de consultas que resultou em um Projeto de Plano Nacional de Educação (PNE) apresentado em fevereiro de 1998 à Câmara dos Deputados.
Em fins de 1999 o relator da matéria emitiu um parecer que adere ao paradigma da educação continuada ao largo da vida, entendida como direito de cidadania, motor de desenvolvimento econômico e social e instrumento de combate à pobreza.
Desde esse ponto de vista, os desafios relativos à educação de jovens e adultos seriam três: resgatar a dívida social representada pelo analfabetismo, erradicando-o; treinar o imenso contingente de jovens e adultos para a inserção no mercado de trabalho; criar oportunidades de educação permanente.
Ao formular os objetivos, entretanto, foram mantidas as metas quantitativas restritas à alfabetização e às quatro séries iniciais do ensino fundamental. Aprovado nas comissões do Congresso, o Plano Nacional de Educação, até maio de 2000, ainda aguardava
votação em plenário.
www.dpe.ufv.br/nead/docs/ejaBrasil.doc
www.app.com.br/portalapp/uploads/opiniao/EJA.ppt
www.tvebrasil.com.br/ SaLTO/boletins2005/emt/tetxt4.htm
1 - Histórico da EJA no Brasil: descontinuidades e políticas públi-
cas insuficientes - TV ESCOLA. O primeiro programa da série tem
como proposta proporcionar uma reflexão sobre políticas de di-
reito à educação, a partir de breve histórico da EJA no Brasil ...
www.tvebrasil.com.br/SaLTO/boletins2006/pro/060918_proeja.doc
2 - HADDAD, Sérgio. Educação de Jovens e Adultos no Brasil (1986-
1998) (Coordenador) (ANPED) Brasília-DFMEC/Inep/Comped 2002.
3 - ROMÃO, José Eustáquio (org.). Educação de Jovens e adultos:
teoria, prática e proposta 2 ed. São Paulo: Cortez: Instituto Paulo
Freire, 2000.
PEDAGOGIA40
Agora, faça uma retrospectiva histórica sobre a Educação de
Jovens e Adultos no Brasil nos diferentes períodos históricos,
a fim de destacar os avanços e os recuos, além de analisar a
conjuntura sócioeconômica e política que refletiram-se nas
medidas governamentais e na organização dos movimentos
sociais.
1
HISTÓRIA DE EJA CONTADA EM CORDEL
Cordel de Carmen Lúcia Lira de Andrade
Seu professor professoraA quem foi dada a funçãoDe ensinar com vontadeAo povo desta NaçãoA vencer o analfabetismoCom muita garra e heroísmoPeço-lhes sua atenção
Embora o nosso BrasilTenha seus quinhentos anosSó nos mil e novecentosComeçou a traçar planos
Com o fim do Estado NovoDe educar o nosso povo -Mas só nos espaços urbanos
Por trás havia o interessePor bases eleitoraisQue ficassem nas cidadesOs imigrantes ruraisE escondiam decertoQuantos eram analfabetosFalseando os numerais
Foi quando em cinquenta e oitoO Governo FederalLançou a sua campanhaDe amplitude nacionalPro povo aprender a lerE ainda poder entenderSua exclusão social
Pois só a partir daíO jovem ou adulto educadoPoderia construirO futuro tão almejadoSendo assim a educaçãoInstrumento de formaçãoDo cidadão respeitado
Assim surgiram as campanhasPara alfabetizaçãoDizendo que jovens e adultosTinham direito à educaçãoForam muitas as campanhasNenhuma delas deu certoDaí a sua extinção
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS | UNIDADE 1 41
Por muita iniciativa educacionalA década de sessenta foi marcadaTanto pelo Governo FederalComo pela sociedade organizadaForam criados os CPCsO MEB, Pé no chão e MCPsEm cada Estado do BrasilTinha assentada uma empreitada
Realizado no Rio de JaneiroO Congresso Nacional de EducaçãoProcurou definir com mais rigorPedagogia e a diferenciaçãoEntre a prática de ensino utilizadaNa educação dirigida à criançadaE a proposta para o adulto cidadão
Paulo Freire, o grande educadorDefendia a ação educativaQue desse o indispensável valorPra consciência crítica ativaPassando de objeto a sujeitoHumanização, liberdade e direitoSeriam a maior expectativa.
Seu Plano Nacional de EducaçãoFoi cortado pelo golpe militarConsiderado ato de subversãoQue os militares não podiam tolerarA educação que Paulo Freire pretendiaEste novo Governo já proibiaEm nome da “ordem” preservar
Só o MEB pôde então permanecerPor ser ligado à Igreja, à CNBBMas sua metodologia foi mudadaFoi o preço pago pra tentar sobreviverBoa parte dos técnicos demitidaE a sua didática distorcidaLogo, logo também ficou à mercê
Cruzada de Ação Básica CristãCriada em sessenta e seisAlém de alfabetizarDava alimento, por vezMas também foi derrubada,Sua imagem muito abalada,Altos custos, todo mês
Na década de setentaApareceu o MobralPra melhorar a imagemEconômica nacionalMas com a legitimaçãoVinha a neutralizaçãoDo conflito social
Mobral depois transformou-seNa Fundação EducarMas a pesquisa mostrouO que se tentava ocultarAlfabetização – imagem de sucessoRealidade – gente demais, em excessoExcluída do banco escolar.
Em outubro de oitenta e oitoA Constituição FederalAssegurou para todosO Ensino FundamentalCabendo ao Estado proverA escola e condiçõespra que a Lei ficasse legal
No governo ErundinaPaulo Freire, do Mova foi criadorTrazendo alfabetizaçãoPara o trabalhador.Atendidos muitos milEspalhou-se pelo BrasilO pensamento renovador
PEDAGOGIA42
O Mova já demonstravaQue era fundamentalUnir público e privadoNuma esfera não-estatalPolítica e administrativaCom a sociedade ativa,Contra a exclusão social
Não dá mesmo pra entenderA Educar em extinçãoEnquanto a Unesco celebraO Ano da AlfabetizaçãoO Governo enganando o nosso povoAssinando um documento novoA Declaração Mundial da Educação
Pois logo em noventa e umO MEC formalizouNão ter mais a intenção(O próprio Governo informou)De adultos educarVai só criança ensinarO tempo do adulto, passou
Passou o governo ItamarPassou o FHCE só em noventa e seteA EJA voltou a serUm Programa por inteiroNorte e Nordeste primeiroPara a região crescer
Dois anos depois partiaTambém pros centros urbanosA proposta criticadaPor estabelecer bravos planosEm seis meses ensinarO adulto alfabetizarMilagre por trás dos panos!
Mas nem o Fundef registraAlunos do supletivo.O MEC acabou criandoUm crédito meio ilusivoPro professor se formarE material comprarEis seu empenho exclusivo
Lula acendeu a esperançaDa justiça socialVoltando a assumir com a EJACompromisso naturalAgora vamos saberO que vai acontecerÀ Educação Nacional
É o desejo de todosQue esta breve leituraChegue a todos vocêsCom clareza e bem maduraE que a todos com igualdadeTraga mais dignidadeCom uma nova assinatura
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS | UNIDADE 1 43
ALMEIDA, T.W., (coord.). Programa de alfabetização funcional na região nordeste: subsídios para avaliação. Rio de Janeiro: MEC/MOBRAL, 1976.
AMORIM, J.R. O adulto analfabeto e a necessidade de alfabetização, 1978.
BELO HORIzONTE. s.ed., 27 p. (relatório de pesquisa) Escolarização de jovens e adultos Revista Brasileira de Educação 129.
AVELAR, R.F. A aquisição do código escrito: o desempenho dos alunos do Programa de Alfabetização Funcional do Mobral. Dissertação de Mestrado. Porto Alegre: PUC-RS, 1981. 245 p.
BANDEIRA, M.S.D., (s.d.). Áreas de resistência ao programa de alfabetização funcional. Mobral/Sepes, 179 p. (relatório de pesquisa).
BARRETO, Elba S. de Sá. Ensino Supletivo em São Paulo: entre ricas experiências e pobres resultados. São Paulo: FCC, 148 p, 1986.
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BRASIL______. Plano Nacional de Educação . D isponí-vel em: <http://www.mec.gov.br>. Acesso em: 10 maio 2002. ______. Lei de Diretrizes e Base da Educação nº 5692 de 11.08.71, capítulo IV. Ensino.
UNIDADE
SUJEITOS DOS PROGRAMAS DE EJA
OBJETIVO DESTA UNIDADE:
Identificar as características do Jovem e Adulto de EJA percebendo o compromisso do educador com a formação cidadã e a transformação da realidade.
2UNIDADE
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS | UNIDADE 2 47
SUJEITOS DOS PROGRAMAS DE EJAMEC / Secretaria de Educação Continuada, alfabetização e Diversidade.
A o analisar o perfil dos alunos que frequentam as salas
de alfabetização ou de Ensino Fundamental – primeiro
segmento - com certeza percebemos as características
inerentes aos jovens, adultos e idosos que não tiveram
oportunidade de estudar na idade prevista pelo sistema
educacional, devido aos diversos condicionamentos sociais e
econômicos que impossibilitaram o acesso e permanência com
sucesso na escola. A população desescolarizada e iletrada, ou seja,
o público a que se dirige aos programas de Educação de Jovens
e Adultos, apresenta um perfil bastante homogêneo. Geralmente
são pessoas pobres, que vivem nas zonas rurais ou nas periferias
das grandes cidades, com pouco acesso aos serviços públicos de
qualidade e que exercem trabalhos de baixa qualificação.
Diante destas características vemos que são sujeitos sociais
e culturais, marginalizados nas esferas socioeconômicas e
educacionais, privados do acesso à cultura letrada e aos bens
culturais e sociais, comprometendo uma participação mais ativa
no mundo do trabalho, da política e da cultura.
PEDAGOGIA48
Sabemos que são pessoas que vivem no mundo urbano, industriali-
zado, burocratizado e escolarizado, em geral trabalhando em ocu-
pações não qualificadas. Trazem a marca da exclusão social, mas
são sujeitos do tempo presente e do tempo futuro, formados pelas
memórias que os constituem enquanto seres temporais.
São excluídos do sistema de ensino, e apresentam em geral um
tempo maior de escolaridade devido a repetências acumuladas e
interrupções na vida escolar ou mesmo aqueles que nunca foram
à escola ou dela tiveram que se afastar, quando crianças, em
função da entrada precoce no mercado de trabalho, ou mesmo por
falta de escolas. Quando retornam à escola o fazem guiados pelo
desejo de melhorar de vida ou por exigências ligadas ao mundo do
trabalho.
Todos são sujeitos de direitos, trabalhadores que participam
concretamente da garantia de sobrevivência do grupo familiar ao
qual pertencem.
Na verdade, corresponde a um grupo heterogêneo, nos seus in-
teresses, identidades, suas preocupações, necessidades, expec-
tativas em relação à escola, suas habilidades, enfim, suas vivên-
cias, mas tem em comum os traços de pobreza, marginalidade,
além da vasta experiência laboral, daí a importância de ao se
construir uma proposta pedagógica, considerar todas as suas
especificidades.
Visite uma sala de aula e procure ouvir os alunos e identificar
a idade, os interesses, as experiências e as expectativas em
relação ao curso, e monte um documentários sobre “Histórias
de vida dos alunos de EJA do município”.
1
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS | UNIDADE 2 49
Para complementar o estudo sobre os Sujeitos da Educação de
Jovens e Adultos vamos ler as orientações do MEC/SECAD aos
professores de EJA e em seguida produzir um texto trazendo
recomendações aos educadores em relação a postura docente nos
programas de EJA.
OS ALUNOS E AS ALUNAS DA EJA
A visão de mundo de uma pessoa que retorna aos estudos depois de
adulta, após um tempo afastada da escola, ou mesmo daquela que
inicia sua trajetória escolar nessa fase da vida, é bastante peculiar.
Protagonistas de histórias reais e ricos em experiências vividas, os
alunos jovens e adultos configuram tipos humanos diversos. São
homens e mulheres que chegam à escola com crenças e valores já
constituídos.
Nas cidades, as escolas para jovens e adultos recebem alunos e
alunas com traços de vida, origens, idades, vivências profissionais,
históricos escolares, ritmos de aprendizagem e estruturas de
pensamento completamente variados.
A cada realidade corresponde um tipo de aluno e não poderia
ser de outra forma, são pessoas que vivem no mundo adulto do
trabalho, com responsabilidades sociais e familiares, com valores
éticos e morais formados a partir da experiência, do ambiente e
da realidade cultural em que estão inseridos.
Durante muito tempo, a psicologia esteve centrada nos processos
de desenvolvimento de crianças e adolescentes, pois compreendia
que o desenvolvimento terminava com o fim da adolescência e
que esta etapa representava o auge do desenvolvimento humano.
Entendia-se que na idade adulta as pessoas se estabilizavam e na
velhice se deterioravam.
Estudos recentes contrariam esta concepção porque indicam que o
desenvolvimento psicológico é um processo que dura toda a vida e
que a idade adulta é rica em transformações. Os adultos possuem
mais experiência que os adolescentes e podem ter acumulado uma
PEDAGOGIA50
maior quantidade de conhecimentos. Talvez sejam menos rápidos,
mas podem oferecer uma visão mais ampla, julgar melhor os prós
e os contras de uma situação e ter boa dose de criatividade.
Ao escolherem o caminho da escola os jovens e adultos optam por
uma via propícia para promover o seu desenvolvimento pessoal.
Os alunos e alunas de EJA trazem consigo uma visão de mundo
influenciada por seus traços culturais de origem e por sua vivência
social, familiar e profissional. Podemos dizer que eles trazem uma
noção de mundo mais relacionada ao ver e ao fazer, uma visão de
mundo apoiada numa adesão espontânea e imediata às coisas que vê.
Ao escolher o caminho da escola, a interrogação passa a acompanhar
o ver desse aluno, deixando-o preparado para olhar. Aberto à
aprendizagem, eles vêm para a sala de aula com um olhar que é, por
um lado, um olhar receptivo, sensível, e, por outro, um olhar ativo:
olhar curioso, explorador, olhar que investiga, olhar que pensa.
OS CONHECIMENTOS JÁ ADQUIRIDOS
Os conhecimentos de uma pessoa, que procura tardiamente a
escola, são inúmeros e adquiridos ao longo de sua história de
vida. Enfatizaremos, nesta publicação, duas espécies destes
conhecimentos, originados das experiências de vida dos alunos e
alunas: o saber sensível e o saber cotidiano.
O saber sensível diz respeito àquele saber do corpo, originado na
relação primeira com o mundo e fundado na percepção das coisas
e do outro.
Caracterizado pela Filosofia como um saber pré-reflexivo, nos leva
à ideia de que existe um conhecimento essencial, acessível a toda
a humanidade: uma verdade mais antiga que todas as verdades
conquistadas pela ciência, anterior a todas as construções
realizadas pela cultura humana.
O saber sensível é um saber sustentado pelos cinco sentidos,
um saber que todos nós possuímos, mas que valorizamos pouco
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS | UNIDADE 2 51
na vida moderna. É aquele saber que é pouco estimulado numa
sala de aula e que muitos professores e professoras atribuem sua
exploração apenas às aulas de artes.
No entanto, qualquer processo educativo, tanto com crianças
quanto com jovens e adultos, deve ter suas bases nesse saber
sensível, porque é somente através dele que o(a) aluno(a) abre-se
a um conhecimento mais formal, mais reflexivo.
Os alunos jovens e adultos, pela sua experiência de vida, são plenos
deste saber sensível. A grande maioria deles é especialmente
receptiva às situações de aprendizagem: manifestam encantamento
com os procedimentos, com os saberes novos e com as vivências
proporcionadas pela escola. Essa atitude de maravilhamento
com o conhecimento é extremamente positiva e precisa ser
cultivada e valorizada pelo(a) professor(a) porque representa a
porta de entrada para exercitar o raciocínio lógico, a reflexão, a
análise, a abstração e, assim construir um outro tipo de saber: o
conhecimento científico.
Olhar, escutar, tocar, cheirar e saborear são as aberturas para nosso
mundo interior. Ler e declamar poesia, escutar música, ilustrar
textos com desenhos e colagens, jogar, dramatizar histórias,
conversar sobre pinturas e fotografias são algumas atividades que
favorecem o despertar desse saber sensível.
A segunda espécie de saber dos alunos jovens e adultos é o saber
cotidiano.
Por sua própria natureza, ele se configura como um saber reflexivo,
pois é um saber da vida vivida, saber amadurecido, fruto da
experiência, nascido de valores e princípios éticos e morais já
formados, anteriormente, fora da escola.
O saber cotidiano possui uma concretude, origina-se da produção
de soluções que foram criadas pelos seres humanos para os
inúmeros desafios que enfrentam na vida e caracterizam-se
como um saber aprendido e consolidado em modos de pensar
originados do dia-a-dia. Esse saber, fundado no cotidiano, é uma
espécie de saber das ruas, frequentemente assentado no “senso
comum” e diferente do elaborado conhecimento formal com que
PEDAGOGIA52
a escola lida. É também um conhecimento elaborado, mas não
sistematizado. É um saber pouco valorizado no mundo letrado,
escolar e, frequentemente, pelo próprio aluno.
O saber cotidiano não é necessariamente um saber utilitário, de-
senvolvido para atender a uma necessidade imediata da pessoa.
Pelo contrário, pode também se configurar em uma espécie de
conhecimento que requer um afastamento, uma transcendência
com relação ao seu objeto. Uma cozinheira, por exemplo, pode
executar uma simples receita mas pode, também, recriá-la, esta-
belecendo hipóteses a respeito de um novo ingrediente que pode-
ria ser acrescentado para melhorar o sabor do prato em questão.M
Os conhecimentos que os alunos e alunas trazem estão diretamen-
te relacionados às suas práticas sociais. Essas práticas norteiam
não somente os saberes do dia-a-dia, como também os saberes
aprendidos na escola.
A PROCURA PELA ESCOLA
Sabemos que a procura de jovens e adultos pela escola não se dá
de forma simples. Ao contrário, em muitos casos, trata-se de uma
decisão que envolve as famílias, os patrões, as condições de acesso
e as distâncias entre casa e escola, as possibilidades de custear os
estudos e, muitas vezes, trata-se de um processo contínuo de idas
e vindas, de ingressos e desistências. Ir à escola, para um jovem
ou adulto é, antes de tudo, um desafio, um projeto de vida.
Além disso, a escola que os alunos têm em seu imaginário, aquela
que conhecem porque já passaram por ela anos atrás ou porque
acompanham o cotidiano de seus filhos, nem sempre é aquela com
que se deparam nos primeiros dias de aula. Nesses casos, esperam
encontrar o modelo tradicional de escola, ou seja, um lugar onde
predominam aulas expositivas, com pontos copiados da lousa,
onde o(a) professor(a) é o único detentor do saber e transmite
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS | UNIDADE 2 53
conteúdos que são recebidos passivamente pelo(a) aluno(a).
Esperam muita lição de casa porque acreditam que a quantidade
de treino leva a boa aprendizagem. Especialmente, os alunos mais
velhos se mostram resistentes à nova concepção de escola que
os coloca como sujeitos do processo educativo, que espera deles
práticas ativas de aprendizagem. Muitos, ao se depararem com
uma aula na qual são convidados a pensar juntos, em grupo; a
resolver desafios diferentes dos exercícios mais convencionais; a
ler textos literários; a aprender com a música, a poesia, o jornal;
a fazer matemática com jogos e cálculos diversos, construir
projetos; estranham, resistem e acreditam não ser esse o caminho
para aprender o que a escola ensina.
AS DIFERENTES RAíZES CULTURAIS
Nos centros urbanos, um traço presente nas classes de educação de
jovens e adultos é o da diversidade de origens. Encontram-se, nos
espaços da sala de aula, pessoas que migraram de suas cidades de
origem em busca de melhores condições de vida, trabalho, moradia,
estudos e de novas oportunidades. O movimento migratório, que
data de décadas, teve seu auge nos anos de 1960 e 1970 e continua
levando um sem-número de famílias ou pessoas a fincarem raízes
noutros espaços, a mergulharem em outras culturas.
Especialmente nas metrópoles das regiões sul e sudeste é comum
que uma sala de EJA componha um retrato do Brasil: os traços
físicos, modos de falar, agir e reagir, formas de lazer, preferências
culinárias ou musicais dos alunos nos remetem a todos os cantos
do país. Esse quadro é revelador, inclusive, da enorme riqueza da
cultura brasileira marcada pela diversidade, pela pluralidade.
Noutras regiões, é comum encontrarmos alunos e alunas que
saíram do campo, de um espaço rural, e dirigiram-se para a cidade
“para continuar os estudos” ou “para arrumar um trabalho fixo”.
PEDAGOGIA54
Se a origem de nossos alunos é diversa, naturalmente, o acúmulo
e a bagagem cultural deles também são. Quando falamos em
cultura estamos nos referindo ao conjunto de ações, elaborações,
construções, produções e manifestações de um grupo de pessoas,
que se dá por meio e através de múltiplas linguagens e pode ser
identificado na forma de falar, atuar, reagir, pensar e expressar
de cada pessoa desse grupo. Especificamente no caso dos alunos
e alunas jovens e adultos, referimo-nos a uma cultura popular
do fazer, que se aprende fazendo e vendo fazer. Ela possui uma
dimensão muito pragmática, voltada para a ação, que gosta de
se movimentar e fazer junto uma construção marcadamente
compartilhada e coletiva. O conjunto cultural formado pelas
pessoas que se encontram numa mesma série, numa sala de aula,
é, então, extremamente rico. A cultura marca a visão de mundo e
é a base onde a construção de conhecimentos vai se dar.
AS MARCAS DA EXCLUSÃO: a condição socioeconômica
Os homens, mulheres, jovens, adultos ou idosos que buscam a es-
cola pertencem todos a uma mesma classe social: são pessoas com
baixo poder aquisitivo, que consomem, de modo geral, apenas o
básico à sua sobrevivência: aluguel, água, luz, alimentação, re-
médios para os filhos (quando os têm). O lazer fica por conta dos
encontros com as famílias ou dos festejos e eventos das comuni-
dades das quais participam, ligados, muitas vezes, às igrejas ou
associações. A televisão é apontada como principal fonte de lazer
e informação. Quase sempre seus pais têm ou tiveram uma esco-
laridade inferior à sua.
A compreensão dessa realidade levou Paulo Freire, ainda nos anos
de 1960, a reconhecer o analfabetismo como uma questão não só
pedagógica, mas também social e política. É a mesma sabedoria
de Freire que nos mostra que educar a favor dos pobres é educar
para a transformação da sociedade geradora da pobreza.
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS | UNIDADE 2 55
BAIXA AUTOESTIMA
Uma característica frequente do(a) aluno(a) é sua baixa autoes-
tima, muitas vezes reforçada pelas situações de fracasso escolar.
A sua eventual passagem pela escola, muitas vezes, foi marcada
pela exclusão e/ou pelo insucesso escolar. Com um desempenho
pedagógico anterior comprometido, esse aluno volta à sala de aula
revelando uma autoimagem fragilizada, expressando sentimentos
de insegurança e de desvalorização pessoal frente aos novos desa-
fios que se impõem.
O fracasso escolar é hoje objeto de estudos das áreas da Educação
e da Psicologia. Suas causas apontam para uma diversidade e
complexidade de fatores, ligados ao psiquismo do aluno: forma
como ele interage com o ambiente escolar, modo como estabelece
relações com o saber e com o aprender, seu relacionamento com
os professores e com os colegas, suas relações familiares, os
vínculos que constrói com o conhecimento, etc.; à estrutura da
escola: as características, o modelo pedagógico adotado, o perfil
dos professores, etc.; a uma dimensão social ampla: políticas
públicas de educação e a secular desigualdade econômica e social
da sociedade brasileira.
As representações que o(a) aluno(a) faz da escola e de seu
desempenho na cultura escolar são construídas não somente
dentro da própria escola, mas também no âmbito da família e
das relações sociais, através de expectativas próprias e de
expectativas de outros pais, colegas, amigos, professores que
nele são depositadas. Muitas vezes, os alunos com dificuldades são
preconceituosamente taxados pelos professores, pais e colegas de
“burros”, “lentos”, “preguiçosos”,“deficientes”. Estas palavras
são corrosivas e imprimem cicatrizes profundas, causando efeitos
devastadores na autoestima do sujeito.
Sabemos que o sucesso escolar produz autoestima e um grande
efeito de segurança no(a) aluno(a), enquanto o fracasso causa
grandes estragos na relação consigo mesmo. As situações de
PEDAGOGIA56
fracasso escolar produzem marcas que afetam profundamente a
identidade e ferem a autoimagem do(a) aluno(a) jovem e adulto.
Nas salas de aula de EJA, estas marcas se evidenciam, de um lado,
por atitudes de extrema timidez e, por outro, por atitudes de
irreverência e transgressão.
Esses alunos e alunas demonstram vergonha em perguntar ou em
responder perguntas, nervosismo exacerbado nas situações de
avaliação, ou então se mostram agitados e indisciplinados. Muitos
não conseguem nem olhar nos olhos do professor e da professora.
O papel do(a) professor(a) de EJA é determinante para evitar
situações de novo fracasso escolar. Um caminho seguro para
diminuir esses sentimentos de insegurança é valorizar os saberes
que os alunos e alunas trazem para a sala de aula. O reconhecimento
da existência de uma sabedoria no sujeito, proveniente de sua
experiência de vida, de sua bagagem cultural, de suas habilidades
profissionais, certamente, contribui para que ele resgate uma
autoimagem positiva, ampliando sua autoestima e fortalecendo
sua autoconfiança.
O bom acolhimento e a valorização do aluno, pelo(a) professor(a)
de jovens e adultos possibilitam a abertura de um canal de
aprendizagem com maiores garantias de êxito, porque parte
dos conhecimentos prévios dos educandos para promover
conhecimentos novos, porque fomenta o encontro dos saberes da
vida vivida com os saberes escolares.
A MARCA DO TRABALHO
As alunas e alunos da EJA, em sua maioria, são trabalhadores e, muitas
vezes, a experiência com o trabalho começou em suas vidas muito
cedo. Nas cidades, seus pais saíam para trabalhar e muitos deles já
eram responsáveis, ainda crianças, pelo cuidado da casa e dos irmãos
mais novos. Outras vezes, acompanhavam seus pais ao trabalho,
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS | UNIDADE 2 57
realizando pequenas tarefas para auxiliá-los. É comum, ainda que
nos centros urbanos estes alunos tenham realizado um sem-número
de atividades cuja renda completava os ganhos da família: guardar
carros, distribuir panfletos, auxiliar em serviços na construção civil,
fazer entregas, arrematar costuras, cuidar de crianças, etc.
Nas regiões rurais, a participação no mundo do trabalho começa
ainda mais cedo: cuidar da terra, das plantações ou da criação de
animais; auxiliar nos serviços caseiros. Muitas vezes, acompanhan-
do os pais e irmãos mais velhos, é comum encontrar um grande
número de crianças e jovens já mergulhados no trabalho. Nessas
regiões, os horários, os períodos de colheita, de chuva e de seca
marcam a vida cotidiana das pessoas e isto, aliado às grandes dis-
tâncias, configura condição bastante precária para a escolarização.
Se cada região de nosso país tem suas particularidades em relação
às demais, todas as salas de EJA se unificam em torno deste fato:
a grande maioria dos alunos são trabalhadores que chegam para as
aulas após um dia intenso de trabalho. É claro que estas mesmas
salas apresentam um número significativo de desempregados e de
trabalhadores temporários ou informais.
Muitos alunos dizem estar na escola para poder “arrumar um
emprego”, “conseguir um trabalho melhor”, “crescer na profissão”.
Sabemos que nos centros urbanos e no âmbito do trabalho formal a
escolarização básica e, muitas vezes, a conclusão do ensino médio,
são pré-requisitos para muitos empregos. Ao preencher uma ficha
atestando a não escolaridade muitas pessoas são excluídas de
entrevistas ou da realização de seleção.
O mundo do trabalho se caracteriza hoje pela diversidade de
atividades e vínculos. Nossos alunos das classes de EJA são muitas
vezes pessoas que administram sua sobrevivência econômica:
fazem “bicos”, são autônomos, circulam por diferentes profissões
como auxiliares ou ajudantes de pintura, construção, serviços
domésticos, venda ambulante, etc. Possuir um certificado escolar
ou profissionalizante não implica em garantia de trabalho, haja
vista a quantidade de profissionais que formados numa área,
atuam em outra.
PEDAGOGIA58
Pode ser interessante pensar sobre as habilidades que a escola
pode ajudar a desenvolver e que contribuam para uma atuação
mais eficiente nesse universo diversificado e competitivo que é o do
trabalho. Não queremos dizer com isto que a escola deva tomar para
si a responsabilidade da preparação do trabalhador, nem deixar a
responsabilidade da conquista de um “emprego melhor” nas mãos
do(a) aluno(a). Como já sabemos, esta é uma responsabilidade
social mais ampla e mais próxima das políticas governamentais e
empresariais. O que queremos pensar é justamente nas formas da
escola potencializar essa competência que os jovens e adultos já
desenvolvem em sua vida cotidiana de administrar suas finanças e
sua sobrevivência.
Comunicar-se de forma competente com clareza, ordenação de
ideias, argumentação; conhecer as diferentes formas de trabalho da
nossa sociedade nos dias atuais, o trabalho formal e o informal, por
exemplo; dominar os caminhos possíveis para a obtenção de empre-
gos, a procura por agências, a preparação de currículos; ver na cons-
trução de uma pequena fábrica, na abertura de um comércio em
sua região um possível canal de trabalho; conhecer, em sua região
ou comunidade, os espaços gratuitos de formação técnica: cursos
de eletricidade, pintura, computação, confecção e outros são sabe-
res passíveis de serem aprendidos na escola. Ela funcionaria, assim,
como espaço de conhecimentos ligados ao mundo do trabalho.
O EDUCADOR DE JOVENS E ADULTOS
Algumas das qualidades essenciais ao educador de jovens e adultos
são a capacidade de solidarizar-se com os educandos, a disposição
de encarar dificuldades como desafios estimulantes, a confiança na
capacidade de todos de aprender e ensinar. Coerentemente com
essa postura, é fundamental que esse educador procure conhecer
seus educandos, suas expectativas, sua cultura, as características
e problemas de seu entorno próximo, suas necessidades de
aprendizagem.
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS | UNIDADE 2 59
E, para responder a essas necessidades, esse educador terá de
buscar conhecer cada vez melhor os conteúdos a serem ensinados,
atualizando-se constantemente. Como todo educador, deverá
também refletir permanentemente sobre sua prática, buscando os
meios de aperfeiçoá-la.
Com clareza e segurança quanto aos objetivos e conteúdos
educativos que integram um projeto pedagógico, o professor
deve estar em condições de definir, para cada caso específico,
as melhores estratégias para prestar uma ajuda eficaz aos
alunos em seu processo de aprendizagem. O educador de jovens
e adultos tem de ter uma especial sensibilidade para trabalhar
com a diversidade, já que numa mesma turma poderá encontrar
educandos com diferentes bagagens culturais.
É especialmente importante, no trabalho com jovens e adultos,
favorecer a autonomia dos educandos, estimulá-los a avaliar
constantemente seus progressos e suas carências, ajudá-los a tomar
consciência de como a aprendizagem se realiza. Compreendendo
seu próprio processo de aprendizagem, os jovens e adultos estão
mais aptos a ajudar outras pessoas a aprender, e isso é essencial
para pessoas que, como muitos deles, já desempenham o papel de
educadores na família, no trabalho e na comunidade.
Também é uma responsabilidade importante dos educadores de
jovens e adultos favorecer o acesso dos educandos a materiais
educativos como livros, jornais, revistas, cartazes, textos,
apostilas, vídeos, etc. Deve-se considerar o ato de que se trabalha
com grupos sociais desfavorecidos economicamente, que têm
pouco acesso a essas fontes de informação fora da escola.
Finalmente, os educadores devem atentar para o fato de que
o processo educativo não se encerra no espaço e no período da
aula propriamente dita. O convívio numa escola ou noutro tipo de
centro educativo, para além da assistência às aulas, pode ser uma
importante fonte de desenvolvimento social e cultural. Por esse
motivo, é importante também considerar a dimensão do centro
educativo como espaço de convívio, lazer e cultura, promovendo
festas, exposições, debates ou torneios esportivos, motivando
PEDAGOGIA60
os educandos e a comunidade a frequentá-lo, aproveitando essa
experiência em todas as suas possibilidades.
É especialmente importante, no trabalho com jovens e adultos:
• favorecer a autonomia dos educandos;
• estimulá-los a avaliar constantemente seus progressos e suas
carências;
• oferecer um espaço para se aprender a discutir e participar
democraticamente;
• desenvolver a responsabilidade pessoal pelo bem-estar comum.
A partir das “Histórias de vidas” dos alunos descreva os
desafios que o educador de Jovens e adultos enfrentará no
cotidiano do seu trabalho pedagógico e social.
Defina o perfil do educador de adultos, ressaltando suas
qualidades face ao desafio de educar jovens e adultos em
diferentes contextos.
Apresente sugestões de conteúdos que instrumentalizem
para uma intervenção significativa na realidade dos jovens e
adultos, considerando a faixa etária, escolarização, mundo
do trabalho e as experiências.
1
2
3
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS | UNIDADE 2 61
Assista ao filme “Vida Maria” e produza um texto contando a
história de vida de uma Maria.
VIDA MARIA (2006)
Sinopse: produzido eM coMputação GráFica 3d e Finalizado eM 35 MM, o
curta-MetraGeM Mostra personaGens e cenários Modelados coM texturas
e cores pesQuisadas e capturadas no sertão cearense, no nordeste do
Brasil, criando uMa atMosFera realista e huManizada. Maria José, uMa
Menina de 5 anos de idade, é levada a larGar os estudos para traBalhar.
enQuanto traBalha, ela cresce, casa, teM Filhos, envelhece.
Direção: Márcio raMos
Gênero: aniMação
FREIRE, Paulo. A educação na cidade. São Paulo: Cortez, 2001.
HADAD, Sérgio. Educação de Jovens e Adultos: promoção da
cidadania e desenvolvimento de uma cultura de paz – Prefeitura
Municipal de São Paulo. Coleção Uma Nova EJA para São Paulo.
DOT 2004RAAB – Revista de Educação de Jovens e Adultos.
Alfabetização e Cidadania Edição 11, abril, 2001.
UNIDADE
FUNDAMENTOS METODOLÓGICOS DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
OBJETIVO DESTA UNIDADE:
Proporcionar a reflexão sobre os pressupostos metodológicos da pedagogia de Paulo Freire e aplicá-la no contexto das práticas de Educação de Jovens e Adultos, demonstrando as etapas do método no processo de alfabetização e escolarização de Jovens e Adultos.
3UNIDADE
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS | UNIDADE 3 65
FUNDAMENTOS METODOLÓGICOS DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOSSonia Couto Souza Feitosa
Paulo Freire marcou uma ruptura na história pedagógica
de seu país e da América Latina. Através da criação da
concepção de educação popular ele consolidou um dos
paradigmas mais ricos da pedagogia contemporânea, rompendo
radicalmente com a educação elitista e comprometendo-se
verdadeiramente com homens e mulheres. Num contexto de
massificação, de exclusão, de desarticulação da escola com a
sociedade, Freire dá sua efetiva contribuição para a formação de
uma sociedade democrática ao construir um projeto educacional
radicalmente democrático e libertador. Assim sendo, seu
pensamento e sua obra é, e continuará sendo, um marco na
pedagogia nacional e internacional.
PEDAGOGIA66
Método Paulo Freire: princípios e práticas de uma concepção
popular de educação
Sonia Couto Souza Feitosa como parte da dis-
sertação de mestrado defendida na FE-USP (1999)
Existem diversos e conhecidos trabalhos sobre o Método Paulo
Freire. Não queremos reproduzi-los aqui. Buscaremos entender
quais são os princípios e práticas deste Método já que o próprio
Paulo Freire entendia tratar-se muito mais de uma Teoria do
Conhecimento do que de uma metodologia de ensino, muito mais
um método de aprender que um método de ensinar.
Ao longo de sua militância educacional, social e política, Freire
jamais deixou de lutar pela superação da opressão e desigualdades
sociais entendendo que um dos fatores determinantes para que
ela se dê é o desenvolvimento da consciência crítica através da
consciência histórica. Seu projeto educacional sempre contemplou
essa prática, construindo sua teoria do conhecimento com base
no respeito pelo educando, na conquista da autonomia e na
dialogicidade enquanto princípios metodológicos.
Esse pensar crítico e libertador que permeia sua obra, serve como
inspiração para educadores do mundo inteiro que acreditam ser
possível unir as pessoas numa sociedade com equidade e justiça.
Isso faz com que Paulo Freire seja hoje um dos educadores mais
lidos do mundo.
Nas últimas décadas, temos presenciado a evolução e recriação de
suas teses epistemológicas, ou seja, sua teoria do conhecimento,
que apontam para a construção de novos paradigmas educacionais
e constante recriação da práxis pedagógica libertadora.
Ao ler o texto escrito por Sonia Couto do Instituto Paulo
Freire faça um resumo dos pressupostos pedagógicos freire-
anos e das etapas do Método de Alfabetização.
1
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS | UNIDADE 3 67
PRESSUPOSTOS DO MÉTODO
A proposta de Freire parte do estudo da realidade (fala do
educando) e a Organização dos Dados (fala do educador). Nesse
processo surgem os Temas Geradores, extraídos da problematização
da prática de vida dos educandos. Os conteúdos de ensino são
resultados de uma metodologia dialógica. Cada pessoa, cada grupo
envolvido na ação pedagógica dispõe em si próprio, ainda que de
forma rudimentar, dos conteúdos necessários dos quais se parte. O
importante não é transmitir conteúdos específicos, mas despertar
uma nova forma de relação com a experiência vivida. A transmissão
de conteúdos estruturados fora do contexto social do educando
é considerada “invasão cultural” ou “depósito de informações”
porque não emerge do saber popular. Portanto, antes de qualquer
coisa, é preciso conhecer o aluno. Conhecê-lo enquanto indivíduo
inserido num contexto social de onde deverá sair o “conteúdo” a
ser trabalhado. Assim sendo:
não se admite uma prática metodológica com um programa previamente estruturado assim como qualquer tipo de exercícios mecânicos para veri-ficação da aprendizagem, formas essas próprias da ‘educação bancária’, onde o saber do professor é depositado no aluno, práticas essas domesticado-ras (BARRETO, s.d. p. 4).
O relacionamento educador-educando nessa perspectiva se
estabelece na horizontalidade onde juntos se posicionam como
sujeitos do ato do conhecimento. Elimina-se portanto toda relação
de autoridade uma vez que essa prática inviabiliza o trabalho de
criticidade e conscientização.
Segundo Freire o ato educativo deve ser sempre um ato de
recriação, de ressignificação de significados. O Método Paulo Freire
tem como fio condutor a alfabetização visando à libertação. Essa
libertação não se dá somente no campo cognitivo mas acontece
essencialmente nos campos social e político. Para melhor
entender este processo precisamos ter clareza dos princípios que
constituem o método e que estão diretamente relacionados às
idéias do educador que o concebeu.
PEDAGOGIA68
1º - O primeiro princípio do “Método Paulo Freire” diz respeito à
politicidade do ato educativo.
Um dos axiomas do Método em questão é que não existe educação
neutra. A educação vista como construção e reconstrução contínua
de significados de uma dada realidade prevê a ação do homem
sobre essa realidade. Essa ação pode ser determinada pela crença
fatalista da causalidade e, portanto, isenta de análise uma vez
que ela se lhe apresenta estática, imutável, determinada, ou pode
ser movida pela crença de que a causalidade está submetida a sua
análise, portanto sua ação e reflexão podem alterá-la, relativizá-
la, transformá-la.
A visão ingênua que homens e mulheres têm da realidade faz deles
escravos, na medida em que não sabendo que podem transformá-
la, sujeitam-se a ela. Essa descrença na possibilidade de intervir
na realidade em que vivem é alimentada pelas cartilhas e manuais
escolares que colocam homens e mulheres como observadores e
não como sujeitos dessa realidade.
O que existe de mais atual e inovador no Método Paulo Freire é
a indissociação da construção dos processos de aprendizagem da
leitura e da escrita do processo de politização. O alfabetizando
é desafiado a refletir sobre seu papel na sociedade enquanto
aprende a escrever a palavra sociedade; é desafiado a repensar
a sua história enquanto aprende a decodificar o valor sonoro de
cada sílaba que compõe a palavra história. Essa reflexão tem por
objetivo promover a superação da consciência ingênua - também
conhecida como consciência mágica - para a consciência crítica.
Na experiência de Angicos, assim como em outros lugares onde
foi adotado o método, as salas de aula transformaram-se em
fóruns de debate, denominados “Círculos de Cultura”. Neles, os
alfabetizandos aprendiam a ler as letras e o mundo e a escrever a
palavra e também a sua própria história.
Através de slides contendo cenas de seu cotidiano esses
trabalhadores/educandos discutiam sobre o desenrolar de suas
vidas reconstruindo sua história, sendo desafiados a perceberem-se
enquanto sujeitos dessa história. Nesse contexto era apresentada
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS | UNIDADE 3 69
uma palavra aos educandos - ligada a esse cotidiano e previamente
escolhida - e, através do estudo das famílias silábicas que a
compunham, o educando apropriava-se do conhecimento do código
escrito ao mesmo tempo que refletia sobre sua história de vida.
O professor, contrariando a visão tradicionalista que atribui a
ele o papel privilegiado de detentor do saber, é denominado
“Animador de debates” e tem o papel de coordenar o debate,
problematizar as discussões para que opiniões e relatos surjam.
Cabe também ao educador conhecer o universo vocabular dos
educandos, o seu saber traduzido através de sua oralidade,
partindo de sua bagagem cultural repleta de conhecimentos
vividos que se manifestam através de suas histórias, de seus
“causos” e, através do diálogo constante, em parceria com o
educando, reinterpretá-los, recriá-los.
Os alfabetizandos, ao dialogar com seus pares e com o educador
sobre o seu meio e sua realidade, têm a oportunidade de desvelar
aspectos dessa realidade que até então poderiam não ser
perceptíveis. Essa percepção se dá em decorrência da análise das
condições reais observadas uma vez que passam a observá-la mais
detalhadamente. Uma re-admiração da realidade inicialmente
discutida em seus aspectos superficiais será realizada, porém com
uma visão mais crítica e mais generalizada. Essa nova visão, não
mais ingênua, mas crítica, vai instrumentalizá-los na busca de
intervenção para transformação.
Todo esse movimento de observação-reflexão-readmiração-ação
faz do Método Paulo Freire uma metodologia de caráter eminen-
temente político.
2º - O segundo princípio do Método diz respeito a dialogicidade do
ato educativo.
Segundo Harmon, a pedagogia proposta por Freire é fundamentada
numa antropologia filosófica dialética cuja meta é o engajamento do
indivíduo na luta por transformações sociais (HARMON, 1975, p. 89).
Sendo assim, para Freire, a base da pedagogia é o diálogo. A relação
pedagógica necessita ser, acima de tudo, uma relação dialógica.
PEDAGOGIA70
Essa premissa está presente no método em diferentes situações:
entre educador e educando, entre educando e educador e o obje-
to do conhecimento, entre natureza e cultura.
Sempre em busca de um humanismo nas relações entre homens e
mulheres, a educação, segundo Paulo Freire, tem como objetivo
promover a ampliação da visão de mundo e isso só acontece
quando essa relação é mediatizada pelo diálogo. Não no monólogo
daquele que, achando-se saber mais, deposita o conhecimento,
como algo quantificável, mensurável naquele que pensa saber
menos ou nada saber. A atitude dialógica é, antes de tudo, uma
atitude de amor, humildade e fé nos homens, no seu poder de
fazer e de refazer, de criar e de recriar (FREIRE, 1987, p. 81).
A dialogicidade, para Paulo Freire, está ancorada no tripé
educador-educando-objeto do conhecimento. A indisso-
ciabilidade entre essas três “categorias gnosiológicas” é um
princípio presente no Método a partir da busca do conteúdo
programático. O diálogo entre elas começa antes da situação
pedagógica propriamente dita. A pesquisa do universo voca-
bular das condições de vida dos educandos é um instrumento
que aproxima educador-educando-objeto do conhecimento
numa relação de justaposição, entendendo-se essa justapo-
sição como atitude democrática, conscientizadora, libertado-
ra, daí dialógica.
O diálogo entre natureza e cultura, está presente no Método
Paulo Freire a partir da idéia de homens e mulheres enquanto
produtores de cultura. Para a introdução do conceito de
cultura, ao mesmo tempo gnosiológica e antropológica, Freire
selecionou dez situações existenciais “codificadas” para levar
os grupos à sua respectiva “decodificação”. Francisco Brenand
- um expressivo pintor brasileiro - retratou essas situações. A
utilização dessas situações existenciais, já naquela época,
proporcionava uma perfeita integração entre educação e
arte, proposta que atualmente é referendada nos Parâmetros
Curriculares Nacionais. Essas gravuras representando cenas da
vida dos alfabetizandos, apresentavam, por serem um recorte
da realidade, o cenário natural para que os debates, partindo
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS | UNIDADE 3 71
deste contexto existencial, não fosse apenas um blá, blá, blá
(expressão usada diversas vezes por Freire) sobre o vazio, mas
que fosse uma rica exposição de ideias sobre o seu mundo e
sobre a sua ação nesse mundo capaz de transformá-lo com seu
trabalho. Aprender é um ato de conhecimento da realidade
concreta, isto é, da situação real vivida pelo educando e só tem
sentido se resultar de uma aproximação crítica dessa realidade.
O diálogo entre natureza e cultura, entre o homem e a cultura e
entre o homem e a natureza se constituía em uma prática comum
na alfabetização de jovens e adultos proposta por Freire. Fernando
Menezes descreve como esse diálogo se efetivava nos Círculos de
Cultura:
Os debates têm início na primeira hora que o homem participa do
círculo de cultura. Em vinte minutos, uma turma de analfabetos
é capaz de fazer a distinção fundamental para o método: nature-
za diferente de cultura. Para chegar a esse resultado, se utiliza
através de slides ou quadros, uma cena cotidiana do meio onde
vive o grupo. Como exemplo, citaremos uma cena do campo: um
homem, sua palhoça, uma cacimba, um pássaro voando e uma
árvore. O mestre exige de todos a descrição daquela cena, e em
seguida, indaga o que o homem fez e o que ele não fez naquele
quadro. Ao obter as respostas deixa logo indicada a diferença: o
que o homem faz é Cultura e o que ele não faz é Natureza (Jornal
do Comércio, Recife, em 09/03/63).
Uma metodologia que promova o debate entre o homem, a
natureza e a cultura, entre o homem e o trabalho, enfim entre
o homem e o mundo em que vive, é uma metodologia dialógica
e, como tal, prepara o homem para viver o seu tempo, com
as contradições e os conflitos existentes, e conscientiza-o da
necessidade de intervir nesse tempo presente para a construção
e efetivação de um futuro melhor.
PEDAGOGIA72
MOMENTOS E FASES DO MÉTODO
Do ponto de vista semântico, a palavra “método” pode significar:
[...] caminho para chegar a um fim; caminho pelo qual se atinge um objetivo; programa que regula previamente uma série de operações que se devem realizar, apontando erros evitáveis, em vista de um resultado determinado; processo ou técnica de ensino: método direto; modo de proceder; maneira de agir; meio (FERREIRA, 1986, p.128).
A palavra “método” da forma como é definida em seu “sentido de
base” não retrata com fidelidade a idéia e o trabalho desenvolvido
por Freire. É no “sentido contextual”, carregado dos princípios de
seu idealizador, que a palavra método é utilizada em larga escala.
Em entrevista concedida à Nilcéia Lemos Pelandré, em 14/04/1993,
Freire diz o seguinte:
Eu preferia dizer que não tenho método. O que eu tinha, quando muito jovem, há 30 anos ou 40 anos, não importa o tempo, era a curiosidade de um lado e o compromisso político do outro, em face dos rene-gados, dos negados, dos proibidos de ler a palavra, relendo o mundo. O que eu tentei fazer e continuo hoje, foi ter uma compreensão que eu chamaria de crítica ou de dialética da prática educativa, dentro da qual, necessariamente, há uma certa metodo-logia, um certo método, que eu prefiro dizer que é método de conhecer e não um método de ensinar (PELANDRÉ, 1998, p.298).
Embora concordemos com Freire, a expressão “Método Paulo Freire”
é hoje uma expressão universalizada e cristalizada como referência
de uma “concepção democrática, radical e progressista de prática
educativa”, razão pela qual usamos essa expressão ao longo deste
texto. Essa insistência em classificar a metodologia de Freire em
termos de Método ou Sistema se dá pelo fato dela compreender uma
certa sequenciação das ações, ou melhor dizendo, ela estrutura-se
em momentos que, pela sua natureza dialética, não são estanques,
mas estão interdisciplinarmente ligados entre si.
Para situar melhor essa sequenciação indicaremos aqui os momen-
tos que compõem a metodologia criada por Freire:
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS | UNIDADE 3 73
1º Momento: Investigação Temática – Pesquisa Sociológica: inves-
tigação do universo vocabular e estudo dos modos de vida na lo-
calidade (Estudo da Realidade). Segundo Beisiegel: o método co-
meçava por localizar e recrutar os analfabetos residentes na área
escolhida para os trabalhos de alfabetização. Prosseguia mediante
entrevistas com os adultos inscritos nos “círculos de cultura” e
outros habitantes selecionados entre os mais antigos e os mais co-
nhecedores da realidade. Registravam-se literalmente as palavras
dos entrevistados a propósito de questões referidas às diversas
esferas de suas experiências de vida no local: questões sobre ex-
periências vividas na família, no trabalho, nas atividades religio-
sas, políticas recreativas, etc. O conjunto das entrevistas oferecia
à equipe de educadores uma extensa relação das palavras de uso
corrente na localidade. Essa relação era entendida como repre-
sentativa do universo vocabular local e delas se extraíam as pa-
lavras geradoras – unidade básica na organização do programa de
atividades e na futura orientação dos debates que teriam lugar nos
“círculos de cultura” (BEISIEGEL, 1974). Como podemos perceber,
o estudo da realidade não se limita à simples coleta de dados e
fatos, mas deve, acima de tudo, perceber como o educando sente
sua própria realidade superando a simples constatação dos fatos;
isso numa atitude de constante investigação dessa realidade. Esse
mergulho na vida do educando fará o educador emergir com um
conhecimento maior de seu grupo-classe, tendo condições de in-
teragir no processo ajudando-o a definir seu ponto de partida que
irá traduzir-se no tema gerador geral.
A expressão tema gerador geral está ligada à ideia de Interdis-
ciplinaridade e está presente na metodologia freireana pois tem
como princípio metodológico a promoção de uma aprendizagem
global, não fragmentada. Nesse contexto, está subjacente a noção
holística de promover a integração do conhecimento e a trans-
formação social. Do tema gerador geral sairá o recorte para cada
uma das áreas do conhecimento ou para as palavras geradoras.
Portanto, um mesmo tema gerador geral poderá dar origem a vá-
rias palavras geradoras que deverão estar ligadas a ele em função
da relação social e que os sustenta.
PEDAGOGIA74
2º Momento: Tematização: seleção dos temas geradores e pala-
vras geradoras.
Através da seleção de temas e palavras geradoras, realizamos a
codificação e decodificação desses temas buscando o seu significado
social, ou seja, a consciência do vivido. Através do tema gerador
geral é possível avançar para além do limite de conhecimento que
os educandos têm de sua própria realidade, podendo assim melhor
compreendê-la a fim de poder nela intervir criticamente. Do tema
gerador geral deverão sair as palavras geradoras. Cada palavra
geradora deverá ter a sua ilustração que por sua vez deverá
suscitar novos debates. Essa ilustração (desenho ou fotografia)
sempre ligada ao tema, tem como objetivo a “codificação”,
ou seja, a representação de um aspecto da realidade, de uma
situação existencial construída pelos educandos em interação com
seus elementos.
3º Momento: Problematização: busca da superação da primeira
visão ingênua por uma visão crítica, capaz de transformar o
contexto vivido:
A problematização nasce da consciência que os homens adquirem de si mesmos que sabem pouco a próprio respeito. Esse pouco saber faz com que os homens se transformem e se ponham a si mesmos como problemas (JORGE, 1981, p.78).
Após a etapa de investigação (estudo da realidade), passa-se à
seleção das palavras geradoras, que deverá obedecer a três crité-
rios básicos:
a) Elas devem necessariamente estar inseridas no contexto social
dos educandos.
b) Elas devem ter um teor pragmático, ou melhor, as palavras
devem abrigar uma pluralidade de engajamento numa dada
realidade social, cultural, política, etc...
c) Elas devem ser selecionadas de maneira que sua sequência
englobe todos os fonemas da língua, para que com seu estudo
sejam trabalhadas todas as dificuldades fonéticas.
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS | UNIDADE 3 75
Essa seleção deve ser conjunta, cabendo porém ao educador
a seleção gradual das dificuldades fonéticas, uma vez que o
método é silábico. Os fonemas trabalhados numa aula deverão
ser registrados numa ficha ou no próprio caderno para que o
educando, em casa, seja desafiado a construir novas palavras (uma
vez que algumas já foram criadas pelo grupo), comparar com as
já criadas, descobrindo semelhanças e/ou diferenças entre elas.
Nesse processo de construção de novas palavras, leitura e escrita
acontecem simultaneamente.
É importante que o educador mostre aos educandos a articulação
oral dos valores das vogais nos fonemas para facilitar o reconheci-
mento sonoro de cada uma das vogais.
Em seu livro Educação como Prática da Liberdade Freire propõe a
execução prática do Método em cinco fases, a saber:
1ª Fase: levantamento do universo vocabular dos grupos com
quem se trabalhará. Essa fase se constitui num importante momento
de pesquisa e conhecimento do grupo, aproximando educador e
educando numa relação mais informal e portanto mais carregada
de sentimentos e emoções. É igualmente importante para o contato
mais aproximado com a linguagem, com os falares típicos do povo.
2ª Fase: escolha das palavras selecionadas do universo vocabular
pesquisado. Como já afirmamos anteriormente, esta escolha deverá
ser feita sob os critérios: a) da riqueza fonética; b) das dificuldades
fonéticas, numa sequência gradativa dessas dificuldades; c) do teor
pragmático da palavra, ou seja, na pluralidade de engajamento da
palavra numa dada realidade social, cultural, política, etc...
3ª Fase: criação de situações existenciais típicas do grupo com
quem se vai trabalhar. São situações desafiadoras, codificadas e
carregadas de elementos que serão descodificados pelo grupo com
a mediação do educador. São situações locais que discutidas abrem
perspectivas para a análise de problemas regionais e nacionais.
4ª Fase: Elaboração de fichas-roteiro que auxiliem os coordena-
dores de debate no seu trabalho. São fichas que deverão servir
como subsídios, mas sem uma prescrição rígida a seguir.
PEDAGOGIA76
5ª Fase: Elaboração de fichas com a decomposição das famílias
fonéticas correspondentes aos vocábulos geradores. Esse material
poderá ser confeccionado na forma de slides, stripp-filmes
(fotograma) ou cartazes.
A proposta de utilização dessa metodologia na alfabetização de
jovens e adultos foi completamente inovadora e diferente das
técnicas até então utilizadas que eram, na maioria das vezes,
resultado de adaptações simplistas das cartilhas, com forte tônica
infantilizante. Foi diferente por possibilitar uma aprendizagem
libertadora, não mecânica, mas uma aprendizagem que requer
uma tomada de posição frente aos problemas que vivemos. Uma
aprendizagem integradora, abrangente, não compartimentalizada,
não fragmentada, com forte teor ideológico. Foi diferente pois
promovia a horizontalidade na relação educador-educando, a
valorização de sua cultura, de sua oralidade, enfim, foi diferente,
acima de tudo, pelo seu caráter humanístico. Dessa forma, o
Método proposto por Freire rompeu com a concepção utilitária
do ato educativo propondo uma outra forma de alfabetizar. Cabe
aqui também o registro que Paulo Freire, ao trabalhar com slides,
gravuras, enfim, materiais audiovisuais, foi um dos pioneiros na
utilização da linguagem multimídia na alfabetização de adultos.
Isso prova o quanto Freire estava à frente de seu tempo.
No entanto, desde a sua origem e aplicação na década de 60 até os
dias atuais, o Método Paulo Freire vem suscitando controvérsias,
se constituindo em assunto polêmico para a realização de teses,
simpósios, mesas-redondas, publicação de livros e artigos, além
de se constituir em fonte de estudo, pesquisa e também aplicação
em diferentes partes do Brasil e do mundo.
O Método Paulo Freire continua vivo e em evolução entre aqueles
que trabalham com as suas ideia, mas reafirmamos a necessidade
de recriação constante em toda e qualquer prática educativa,
inclusive no método em questão.
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS | UNIDADE 3 77
Selecione palavras geradoras significativas para o aluno
jovem e adulto e elabore um roteiro de exploração dos
temas inseridos nas palavras, detalhando os conteúdos e
as formas de apresentação dos mesmos.
Para Paulo Freire, o conhecimento é construído de forma
integradora e interativa. Não é algo pronto a ser apenas
“apropriado” ou “socializado”, como sustenta a pedagogia
dos conteúdos. Ninguém é ignorante de tudo, mas o
“analfabeto político” não consegue entender as causas da sua
pobreza econômica. Para ele conhecer é descobrir e construir
e não copiar. Para ele é preciso reinventar um conhecimento
que tenha “feições de beleza”. A escola não distribui poder,
mas constrói saber que é poder. Não mudamos a história
sem conhecimentos, mas temos que educar o conhecimento
para que possamos interferir no mercado como sujeitos,
não como objeto. O papel da escola consiste em colocar
o conhecimento nas mãos dos excluídos de forma crítica,
porque, a pobreza política produz pobreza econômica.
Como você explica esta associação de alfabetização e
politização que venha garantir a essência política do ato
educativo onde ensinar é inserir-se na história; não é só
estar na sala de aula, mas num imaginário político mais
amplo?
1
2
PEDAGOGIA78
Conheça as ideias de Paulo Freire em:
• Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1967.
• Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1970.
• Educação e mudança. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1979.
• A importância do ato de ler em três artigos que se completam. São Paulo: Cortez Editora, 1982.
• A educação na cidade. São Paulo: Cortez Editora, 1991.
Nasceu em Recife em 1921 e faleceu em 1997. É considerado um dos grandes pedagogos da atualidade e respeitado mundialmente.
Suas primeiras experiências educacionais foram realizadas em 1962 em Angicos, no Rio Grande do Norte, onde 300 trabalhadores rurais se alfabetizaram em 45 dias. Participou
ativamente do MCP (Movimento de Cultura Popular) do Recife.
Sua s atividades são interrompidas com o golpe militar de 1964, que determinou sua prisão. Exila-se por 14 anos no Chile e posteriormente vive como cidadão do mundo. Com sua participação, o Chile recebe uma distinção da UNESCO, por ser um dos países que mais contribuíram à época, para a superação do analfabetismo.
Em 1970, junto a outros brasileiros exilados em Genebra, Suíça, cria o IDAC (Instituto de Ação Cultural), que assessora diversos movimentos populares, em vários locais do mundo. Retornando do exílio, Paulo Freire continua com suas atividades de escritor e debatedor, assume cargos em universidades e ocupa, ainda, o cargo de Secretário Municipal de Educação da Prefeitura de São Paulo, na gestão da Prefeita Luisa Erundina, do PT. Algumas de suas principais obras: Educação como Prática de Liberdade, Pedagogia do Oprimido, Cartas à Guiné Bissau, Vivendo e Aprendendo, A importância do ato de ler.
Paulo Freire
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS | UNIDADE 3 79
• Pedagogia da esperança. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1992.
• Política e educação. São Paulo: Cortez Editora, 1993.
• Cartas a Cristina. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1974.
• À sombra desta mangueira. São Paulo: Editora Olho d’Água, 1995.
• Pedagogia da autonomia. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1997.
• Mudar é difícil, mas é possível (Palestra proferida no SESI de Pernambuco). Recife: CNI/SESI, 1997-b.
• Pedagogia da indignação. São Paulo: UNESP, 2000.
• Educação e atualidade brasileira. São Paulo: Cortez Editora, 2001.
BARBOSA, Maria Inês Afonso. O método de educação política de
adultos em Paulo Freire, 1982. Dissertação de Mestrado, URFJ. jan.
BEISIEGEL, Celso de Rui. Cultura do povo e educação popular.
Revista da Fac. de Educação da USP. São Paulo, 1979.
________. Política e Educação Popular: a teoria e a prática de
Paulo Freire no Brasil. Ensaios 85. São Paulo: Ática, 1982.
________. Uma campanha de Educação de Adultos no Brasil.
Pesquisa e Planejamento, São Paulo. Publicação CEPE - Centro
Regional de Pesquisas Educacionais, 1965.
BRANDÃO, Carlos Rodrigues (Org.). BRINGUIER, Jean-Claude.
Conversando com Piaget. Rio de Janeiro: Difel, 1978.
________. O educador: Vida e Morte. Rio de Janeiro: ed. Graal,
1982.
________. O que é Método Paulo Freire. 18 ed. São Paulo: Brasi-
liense.
CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetizando sem o bá, bé, bi, bó, bu.
São Paulo: Scipione, 1998.
PEDAGOGIA80
CINTRA, Benedito Eliseu Leite. Paulo Freire, entre o grego
e o semita - Educação: Filosofia e Comunhão.Porto Alegre: ed.
EDIPUCRS, 1998.
CORTELLA, Mário Sérgio. A escola e o conhecimento - fundamentos
epistemológicos e políticos. São Paulo, Cortez /IPF, 1998.
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS | UNIDADE 4 81
PROPOSTA CURRICULAR DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS – I segmento
OBJETIVO DESTA UNIDADE:
Compreender a EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS centrada na organização dos conteúdos, na função social do ensino, nas relações interativas na sala de aula, tendo as diferentes modalidades organizativas como elementos estruturantes do processo de ensino-aprendizagem, bem como refletir sobre suas dimensões, seus valores, o modelo de planejamento e o sistema de avaliação.
UNIDADE
4
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS | UNIDADE 4 83
PROPOSTA CURRICULAR DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS – I segmentoVera Maria Masagão Ribeiro
Conhecer as áreas do currículo de Educação de Jovens e
Adultos propostas pelo MEC para o primeiro segmento de
EJA e planejar atividades ou sequências didáticas a serem
desenvolvidas em salas de aula.
Trazemos para análise a Proposta Curricular de Educação de
Jovens e Adultos elaborada pelo MEC com vistas a nortear as
práticas educativas desenvolvidas em sala de aula.
A proposta EJA sugere que se considere, na elaboração do currículo:
• a diversidade do público a que se destina;
• a geração de modelos que atendam às realidades específicas,
em relação aos alunos, e à organização do trabalho pedagógico
(carga horária, duração, sequenciação do ensino, composição
de turmas, entre outros aspectos);
• a seleção e distribuição dos conteúdos curriculares que
considerem o desenvolvimento da personalidade dos alunos e
o atendimento às exigências sociais;
PEDAGOGIA84
• a adequação dos conteúdos à natureza e às especificidades das
diferentes áreas e as características do aluno;
• a contemplação, no currículo, dos princípios e objetivos da educação, centrando o processo de reflexão no tipo de pessoa e na sociedade que se deseja formar, que se desdobram na definição de objetivos das áreas de Língua Portuguesa, Matemática, Estudo da Sociedade e da Natureza;
• como a linha pedagógica detém-se no nível de oferecimento de pistas para o desenvolvimento de atividades mediadoras entre os objetivos e conteúdos e a inclusão de atividades para a formação profissional, deixar o tratamento metodológico ser detalhado nos programas específicos das diferentes áreas;
• que a avaliação preveja a certificação e o encaminhamento dos jovens e adultos para o 2º segmento do ensino fundamental (a avaliação deve ser contínua e enseja fazer os ajustes necessários para que os objetivos sejam cumpridos).
A proposta oficial deve passar por um momento de reconstrução
coletiva, o que imprime à proposta EJA um caráter de provisorie-
dade, que em nada afeta as suas posições teórico metodológicas,
uma vez que se coloca como referencial.
ALFABETIZAÇÃO
As propostas pedagógicas para a alfabetização começam a
incorporar a convicção de que não é necessário nem recomendável
montar uma língua artificial para ensinar a ler e escrever. Os
adultos analfabetos podem escrever enunciados significativos
baseados em seus conhecimentos da língua, ainda que, no início,
não produzam uma escrita convencional. É com essas produções
que o educador deverá trabalhar, ajudando o aprendiz a analisá-las
e introduzindo novas informações. Com relação à leitura, também
se procura ampliar o universo linguístico, utilizando-se uma
diversidade maior de textos, que vão de jornais e enciclopédias a
receitas e embalagens. A formação de um bom leitor não depende
só da memorização das correspondências entre letras e sons mas
também do conhecimento das funções, estruturas e dos estilos
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS | UNIDADE 4 85
próprios dos diferentes tipos de texto presentes na nossa cultura.
Essas reorientações do trabalho com a língua escrita começaram
recentemente a se fazer presentes nas propostas pedagógicas para
adultos.
Para a fase inicial da alfabetização, algumas experiências
abandonaram as palavras geradoras como pontos de partida,
introduzindo outros procedimentos como o trabalho com os
nomes dos alunos ou os chamados textos coletivos, grafados pelo
alfabetizador a partir de sugestões ditadas pelos alfabetizandos.
Surgem assim materiais didáticos com maior diversidade de textos
e propostas de escrita.
Síntese dos objetivos gerais da EJA - 1º Segmento
Que os educandos sejam capazes de:
• dominar instrumentos básicos da cultura letrada, que lhes per-mitam melhor compreender e atuar no mundo em que vivem;
• ter acesso a outros graus ou modalidades de ensino básico e profissionalizante, assim como a outras oportunidades de de-senvolvimento cultural;
• incorporar-se ao mundo do trabalho com melhores condições de desempenho e participação na distribuição da riqueza pro-duzida;
• valorizar a democracia, desenvolvendo atitudes participativas, conhecer direitos e deveres da cidadania;
• desempenhar de modo consciente e responsável seu papel no cuidado e na educação das crianças, no âmbito da família e da comunidade.
• conhecer e valorizar a diversidade cultural brasileira, respeitar diferenças de gênero, geração, raça e credo, fomentando ati-tudes de não-discriminação;
PEDAGOGIA86
• aumentar a autoestima, fortalecer a confiança na sua capacidade de aprendizagem, valorizar a educação como meio de desenvolvimento pessoal e social;
• reconhecer e valorizar os conhecimentos científicos e históricos, assim como a produção literária e artística como patrimônios culturais da humanidade;
• exercitar sua autonomia pessoal com responsabilidade,
aperfeiçoando a convivência em diferentes espaços sociais.
LíNGUA PORTUGUESA
A área de Língua Portuguesa permeia as outras áreas do
conhecimento. Nossa língua é o principal instrumento que temos
para interagir com as outras pessoas, para termos acesso às
informações, aos saberes, enfim, à cultura da qual fazemos parte.
A importância da linguagem para os seres humanos não reside
só nas possibilidades de comunicação que encerra. Por ser um
sistema de representação da realidade, ela dá suporte também a
que realizemos diferentes operações intelectuais, organizando o
pensamento, possibilitando o planejamento das ações e apoiando
a memória.
A área de Língua Portuguesa abrange o desenvolvimento da
linguagem oral e a introdução e desenvolvimento da leitura e
escrita.
Com relação à linguagem oral, o ambiente escolar deve propiciar
situações comunicativas que possibilitem aos educandos a
ampliação de seus recursos linguísticos. Em outras palavras, os
educandos devem aprender a planejar e adequar seu discurso a
diferentes situações formais e informais. Com relação à linguagem
escrita, além da compreensão e domínio dos seus mecanismos e
recursos básicos, como o sistema de representação alfabética,
a ortografia e a pontuação, é essencial que os educandos
compreendam suas diferentes funções sociais e conheçam as
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS | UNIDADE 4 87
diferentes características que os textos podem ter, de acordo
com essas funções. Todos sabem quão distintas são as linguagens
que se usam numa carta de amor, numa bula de remédio, num
jornal e numa enciclopédia. Por isso, além dos tópicos que
normalmente compõem os currículos de Língua Portuguesa, esta
proposta curricular traz indicações de como trabalhar com textos
escritos de modo a possibilitar que os educandos conheçam e
experienciem suas diferentes modalidades. A aprendizagem
da escrita exige ainda o desenvolvimento da capacidade de
análise linguística e o aprendizado de palavras que servem para
descrever a linguagem. Esses aspectos compõem os blocos de
conteúdo da área.
A área de Língua Portuguesa abrange o desenvolvimento da
linguagem oral e a introdução e desenvolvimento da leitura e
escrita. Síntese dos objetivos da área de Língua Portuguesa:
O estudante deverá ser capaz de:
• valorizar a língua como veículo de comunicação e expressão das pessoas e dos povos;
• respeitar a variedade linguística que caracteriza a comunidade dos falantes da Língua Portuguesa;
• expressar-se oralmente com eficácia em diferentes situações, interessando-se por ampliar seus recursos expressivos e enriquecer seu vocabulário;
• dominar o mecanismo e os recursos do sistema de representação escrita, compreendendo suas funções;
• interessar-se pela leitura e escrita como fontes de informação, aprendizagem, lazer e arte;
• desenvolver estratégias de compreensão e fluência na leitura;
• buscar e selecionar textos de acordo com suas necessidades e interesses;
• expressar-se por escrito com eficiência e de forma adequada a diferentes situações comunicativas, interessando-se pela correção ortográfica e gramatical;
PEDAGOGIA88
• analisar características da Língua Portuguesa e marcas linguísticas de diferentes textos, interessando-se por aprofundar seus conhecimentos sobre a língua.
A linguagem oral
A linguagem oral é o meio linguístico primordial dos seres
humanos. É basicamente através da comunicação oral que nos
desenvolvemos como participantes de uma cultura. Mesmo depois
de nos alfabetizarmos e usarmos a leitura e escrita cotidianamente,
continuamos a usar a linguagem oral para realizar a maior parte
dos atos comunicativos e também para aprender. Mesmo a
aprendizagem da leitura e escrita depende fundamentalmente do
comentário oral sobre o texto escrito.
Os modos de falar das pessoas analfabetas ou pouco escolarizadas
são a expressão mais forte de toda a bagagem cultural que possuem
de suas experiências de vida. Podemos encontrar adultos pouco
escolarizados que têm um excepcional domínio da expressão oral:
contadores de histórias, poetas, repentistas, líderes populares.
Entretanto, deparamos também com aqueles que têm seu discurso
marcado por experiências de privação, humilhação e isolamento,
que se expressam de forma fragmentada e têm dificuldade de se
fazer entender.
Lembremos, por exemplo, dos diálogos monossilábicos do famoso
romance Vidas secas, de Graciliano Ramos. Nas turmas de educação
básica de jovens e adultos, encontramos uma grande variedade
linguística, sotaques e expressões de diferentes regiões do país,
as gírias do jovens, os modismos da televisão.
Durante muito tempo, toda essa variedade que caracteriza a
linguagem oral foi vista, equivocadamente, como um empecilho
para o domínio da escrita. Atualmente, a partir de estudos da
linguística sabe-se que a linguagem oral possui uma natureza
mais flexível e dinâmica que a escrita, absorvendo rapidamente
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS | UNIDADE 4 89
as inúmeras variações decorrentes do contexto sociocultural na
qual se desenvolve. Assim, mais do que coibir essa flexibilidade
da linguagem oral, o trabalho pedagógico na área de Língua
Portuguesa deve acolher a diversidade, propiciando aos educandos
a ampliação de suas formas de expressão, possibilitando-lhes o uso
de modos de falar adequados a diferentes situações e intenções
comunicativas.
Para a sala de aula, o professor deve planejar estratégias para
que os alunos experimentem e ampliem suas formas de expressão,
promover momentos em que os educandos se expressem em
pequenos grupos, em grupos maiores, em conversas com o
professor. É necessário criar oportunidades de ouvir e falar,
reelaborar argumentos a partir de novas informações, construir
conceitos, incorporar novas palavras e significados, compreender
e avaliar o que ouvimos. Nessas ocasiões, o professor deve chamar
a atenção dos alunos para os diferentes modos de falar e os efeitos
que podem provocar sobre os que recebem a mensagem. No que
diz respeito à linguagem oral, portanto, o papel do professor é
mais desinibir, perguntar, comentar e sugerir do que propriamente
corrigir.
Eis algumas atividades que podem ser desenvolvidas na sala de
aula com vistas a ampliar as possibilidades de diálogo entre os
alunos.
Fazer uma campanha educativa onde deverão criar algumas
peças publicitárias para alertar a população sobre o problema da
escravidão contemporânea, chamando a atenção dos ouvintes para
os indícios de que existe uma situação de escravidão acontecendo
na região, incluindo um disque-denúncia. Também é possível falar
de leis de trabalho, etc.:
• abrir espaço de conversa, onde os alunos narrem fatos que aconteceram no dia-a-dia;
• formular perguntas cujas respostas exijam do aluno manifesta-ção de opiniões ou compreensão do conteúdo abordado;
• convidar constantemente os alunos a expressarem suas dúvidas oralmente;
PEDAGOGIA90
• convidar os alunos a fazerem intervenções na fala dos outros, complementando ou contrapondo posições;
• organizar debates sobre temas escolhidos;
• organizar recitais de poesias, repentes e canções.
• debates sobre temas polêmicos, em que os participantes devem defender pontos de vista pré-determinados;
• dramatização de situações do cotidiano, como conversas telefônicas, solicitações em órgãos públicos, prestação de informações diversas, etc.;
• dramatização de textos ou histórias conhecidas.
A linguagem escrita
Vivendo numa sociedade letrada, mesmo os jovens e adultos que
nunca passaram pela escola têm conhecimentos sobre a escrita.
Muitos conhecem algumas letras e sabem assinar seu nome. Todos
já se defrontaram com a necessidade de identificar placas escritas,
preencher formulários, lidar com receitas médicas ou encontrar o
preço de mercadorias.
Na escola, o professor deve criar situações em que os educandos
exponham e reconheçam aquilo que já sabem sobre a escrita.
Baseado no que os alunos já sabem é que o professor poderá
decidir que novas informações fornecer, para quais aspectos
chamar a atenção, de modo que o aluno vá elaborando seus
conhecimentos até chegar a um domínio autônomo desse sistema
de representação.
Nosso sistema de escrita é alfabético e, no processo de aprendi-
zagem, os alunos devem estabelecer as relações existentes entre
os sons da fala e as letras. Entretanto, a escrita não é uma mera
transcrição da fala. Não escrevemos do mesmo jeito que falamos,
pois a comunicação escrita tem outras exigências e utiliza-se de
outros recursos.
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS | UNIDADE 4 91
Veja algumas situações apresentadas no teste Cognitivo de
Língua Portuguesa do Programa Brasil Alfabetizado e elabore
questões bem signifi cativas para o aluno jovem e adulto a fi m de
diagnosticar as capacidades de escrita.
Escreva o seu nome completo no lugar indicado com um X.
Aqui estão escritas as palavras BANANA NANICA, MANDIOCA, ROÇA,
CIDADE. Copie essas palavras no espaço.
________________________________________________________
Leia silenciosamente as palavras abaixo e ligue cada palavra ao
seu desenho.
PANELA
PATO
PENA
PETECA
x
PEDAGOGIA92
Leia silenciosamente o texto.
Risque o quadrinho que indica o que Jandira vai comprar.
a) Arroz, feijão, cebola, farinha e desinfetante.
b) Arroz, alface, cebolinha e sabonete.
c) Feijão, farinha, cebola e desinfetante.
d) Feijão, cebolinha, farinha e sabonete.
Leia o cartaz e explique o que quer dizer “É O FIM DA PICAD A”.
a) É o fi m de um caminho aberto no meio da mata.
b) É o momento de acabar com o mosquito da dengue.
c) É o dia de vacinar crianças contra paralisia infantil.
d) É a hora toma r remédio contra picada de abelha.
Rosa:
Fui à feira. Peguei o dinheiro que você guardou na gaveta. Vou comprar o que você me pediu: arroz, feijão, cebola e farinha. Volto já. Ia me esquecendo, vou comprar desinfetante também.
Abraços,
Jandira
16/10/2004
DengueDia D é todo dia.É o fi m da picada.
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS | UNIDADE 4 93
Leia as opções para o aluno:
a) Poluição do ar.
b) Desmatamento.
c) Extinção de animais.
d) Vida em comunidade.
Com este recorte você pode verificar as experiências anteriores
dos alunos e conduzir o seu planejamento diário.
A escrita é utilizada muitas vezes para registrar mensagens que
devem perdurar no tempo ou atravessar grandes distâncias, por
isso ela não pode ser tão flexível quanto a fala, obedecendo a
normas mais rígidas de organização.
No processo de aprendizagem da língua escrita, podemos
distinguir dois âmbitos de compreensão e domínio. Um diz
respeito aos recursos e mecanismos de funcionamento do sistema
de representação; outro diz respeito às distintas formas com que
esses recursos são utilizados em diferentes textos, de acordo com
suas intenções comunicativas.
Fonte: (Caulos. Vida de Passarinho)
PEDAGOGIA94
O domínio desses dois âmbitos deve se realizar simultaneamente
de modo que eles se apoiem mutuamente.
Para dominar o mecanismo de funcionamento da escrita é
necessário conhecer as letras, pois são os signos que nosso sistema
de representação utiliza. Também é necessário compreender
a relação entre as letras e os sons da fala. Para cada fonema
temos uma representação gráfica (é por isso que nosso sistema
de representação escrita é chamado de alfabético). É a partir
do estabelecimento desta relação fonográfica e da compreensão
de suas regularidades e irregularidades que se chega ao domínio
do sistema alfabético. Essas irregularidades dizem respeito às
peculiaridades da ortografia da Língua Portuguesa: um mesmo som
pode ser representado por mais de uma letra e uma mesma letra
pode representar sons diferentes dependendo da posição em que
se encontra na palavra. Uma mesma palavra pode ser pronunciada
de muitas formas, mas deve ter uma única grafia. Por exemplo, no
Brasil, a pronúncia da palavra “muito” pode ser muintu, muinto,
muntcho, munto ou outras, mas sempre ela é escrita da mesma
forma. Não podemos escrever do jeito que falamos, pois isso
tornaria o registro escrito extremamente instável e seria muito
difícil conseguirmos nos entender. Além da ortografia, há outros
recursos e normas que caracterizam a escrita, como o sentido da
esquerda para a direita, a segmentação das palavras, a pontuação,
os diferentes alfabetos (maiúsculo e minúsculo, de imprensa e
cursivo, etc.).
Utilizamos todos esses recursos e mecanismos da escrita para
produzir textos. Existem vários tipos de texto, nos quais esses
recursos se combinam de forma característica. Para que os alunos
leiam e escrevam com autonomia, precisam familiarizar-se com a
diversidade de textos existente na sociedade. Precisam reconhecer
as várias funções que a escrita pode ter (informar, entreter,
convencer, definir, seduzir), os diferentes suportes materiais onde
pode aparecer (jornais, revistas, catálogos, folhetos, etc.).
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS | UNIDADE 4 95
O educador deve tratar de temas que ultrapassem as paredes da sala de aula com as discussões que per-meiam e tornam agradáveis a “Casa de Farinha”, a “Sala de Oração” , a “Associação” , onde os encon-tros são considerados momentos de alegria e dis-cussão de coisas sérias que afligem a comunidade. As aulas devem contemplar temas pertinentes à vida ru-ral, dando conta dos conceitos embutidos, dos proce-dimentos necessários à mudança de vida e prática dos direitos sociais e políticos tão difundidos e tão pouco praticados (Varão 2008).
A CONTEXTUALIzAÇÃO a partir da “História do me-nino que lia o mundo”, de Carlos Rodrigues Brandão: 2001, é assim explicada:
...um TEXTO é aquilo que a gente lê ou escreve para outra pessoa ler e o CONTEXTO é o MUNDO onde a VIDA vive a sua HISTÓRIA, portanto CONTEXTO é onde as pessoas estão juntas, vivem juntas e aprendem a viver juntas. É onde se planta e se colhe o milho e é onde está a minha casa com a minha família. Por-tanto meu contexto é o lugar onde vivo eu e vive a gente com quem eu como o mingau de milho em vol-ta de uma mesa. O CONTEXTO de nossas vidas abriga o MUNDO DE NATUREzA, com a TERRA e tudo o que nela há. Tudo mesmo, como as mangueiras, o milha-ral, os rios e também os SERES HUMANOS com a sua CULTURA (tudo o que nós pensamos, criamos e faze-mos, quando transformamos as COISAS DA NATUREzA).
PEDAGOGIA96
Lendo textos
O trabalho com a linguagem escrita deve estruturar-se, desde o
início, em torno de textos. Para as turmas iniciantes, podem ser
selecionados textos mais curtos e simples, como listas, folhetos,
cartazes, bilhetes, receitas, poesias, anedotas, manchetes de
jornal, cartas, pequenas histórias e crônicas. Quanto maior o
domínio do sistema de representação, maiores as possibilidades de
ler e escrever textos mais longos e complexos, ampliar os recursos
utilizados, aprofundar as análises das características linguísticas
de cada um.
Para entrar em contato com os textos, os alunos que não são
capazes ainda de ler com autonomia dependerão da ajuda do
professor, que deve criar as estratégias para apoiar seus alunos
nesse sentido.
Uma estratégia fundamental é ler em voz alta para eles. Ouvindo
a leitura em voz alta do professor, os leitores iniciantes vão se
familiarizando com a estrutura sintática e com o vocabulário que
caracteriza as diferentes modalidades de textos. Essa estratégia
pode ser usada para trabalhar conteúdos de outras áreas: leitura
em voz alta do enunciado de um problema matemático, de textos
informativos sobre temas de Ciências Sociais e Naturais.
Quando o professor oferece textos para os alunos lerem, também
é importante que realize atividades prévias para que os neo-
leitores possam enfrentar a tarefa com êxito, adquirindo fluência
e estratégias de compreensão cada vez melhores. O professor
pode motivar e apoiar os alunos a enfrentarem a leitura de um
texto apresentando previamente a temática, discutindo o título,
trazendo informações sobre o autor, esclarecendo questões de
vocabulário. Essas informações prévias auxiliam muito a leitura
compreensiva dos leitores iniciantes.
Devemos orientar os alunos para que apoiem a leitura com a
capacidade, que todo leitor fluente tem e utiliza, de prever o que
está escrito. Por exemplo, quando um aluno está lendo uma lista de
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS | UNIDADE 4 97
palavras, sabendo que se trata de uma lista de nomes de animais,
já tem uma boa pista: identificando, por exemplo, o V e o A, pode
prever que está escrito. Para favorecer a leitura compreensiva e
motivar os jovens e adultos que se iniciam no mundo da escrita, é
fundamental selecionar textos significativos e interessantes. Não
é preciso utilizar textos infantilizados e estereotipados, como os
textos que comumente aparecem nas cartilhas e livros de leitura
para 1ª a 4ª séries. Quase sempre são textos sem sentido, que
oferecem como único desafio a decifração de palavras. Além
disso, esses textos não ilustram toda a diversidade de textos que
encontramos fora da escola.
O professor de jovens e adultos deve ter um cuidado especial
com a busca e seleção de textos para trabalhar com os alunos,
já que ele não conta com a abundância de materiais didáticos já
elaborados disponíveis para a educação infantil. Além dos textos
literários, outros podem ser usados em sala de aula: receitas
culinárias, textos jornalísticos, artigos de divulgação científica,
textos de enciclopédias, cartas, cartazes, folhetos informativos ou
textos elaborados pelos próprios alunos.
Faça uma coletânea de textos poéticos, jornalísticos, instrucionais,
publicitários, que podem ser utilizados em salas de jovens e
adultos.
Produzindo textos
Escrever textos significa saber usar a escrita para expressar
conhecimentos, opiniões, necessidades, desejos e a imaginação.
Nessa aprendizagem entra em jogo a disponibilidade da pessoa de
se expor e criar. Para expressar-se por escrito, o educando terá
que lançar mão de um sistema de convenções já estabelecido, mas
deverá utilizá-lo para expressar suas próprias idéias ou sentimentos,
apropriando-se criativamente dos modelos disponíveis.
PEDAGOGIA98
Os textos que os educandos encontram dentro e fora da escola são
os modelos a partir dos quais eles aprendem a escrever. Para isso,
será essencial a ajuda do professor, orientando-os na análise dos
sons da fala e dos sinais escritos, chamando-lhes a atenção para
as regularidades e irregularidades. No processo de aprendizagem,
entretanto, os modelos não são simplesmente copiados, sem um
trabalho de reelaboração do educando. O professor deve procurar
compreender esse processo de elaboração da escrita dos alunos
para poder prestar-lhes uma ajuda adequada. Para isso, é preciso
criar situações em que os alunos possam colocar em jogo aquilo
que sabem, expor suas elaborações sobre a linguagem escrita,
discutir sua produção com outros colegas, sentir a necessidade de
melhorá-la.
O professor não pode simplesmente rejeitar os erros dos alunos,
pois é baseando-se neles que se pode saber que tipo de ajuda
oferecer.
É a análise de seus próprios erros que possibilita aos novos escritores
avançar para produções escritas cada vez mais adequadas. Na sala
de aula, a produção de um texto deve ser compreendida como um
processo que passa por várias reescritas, até que o produto seja
satisfatório.
Uma boa forma de organizar o trabalho com a escrita é articulá-
lo com o da leitura, dentro de uma mesma modalidade textual.
À medida que leem e analisam modelos variados de cartas, por
exemplo, os educandos podem ser encorajados a escrever suas
próprias cartas, inicialmente ainda com bastante ajuda do
professor, paulatinamente com maior autonomia, fazendo e
refazendo, relendo e comparando e, finalmente, enviando suas
cartas, experimentando o poder e o prazer da escrita em situações
reais de comunicação.
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS | UNIDADE 4 99
A análise linguística
Na educação de jovens e adultos, os objetivos da área de Língua
Portuguesa estão prioritariamente voltados para o aperfeiçoamento
da comunicação e o aprendizado da leitura e da escrita. Isso os
educandos aprenderão falando, ouvindo, lendo e escrevendo, ou
seja, exercitando esses procedimentos. Deve-se notar, entretanto,
que não aprendemos a escrever exatamente da mesma forma que
aprendemos a falar, pois a escrita é um sistema de representação
mais complexo, mais mediado do que a fala. Se crianças bem
pequenas podem aprender a falar espontaneamente, sem pensar
muito sobre o que estão fazendo, só podem aprender a escrever
um pouco mais velhas, quando já desenvolveram mais suas
capacidades cognitivas. A escrita exige do aprendiz a capacidade
de pensar sobre a linguagem, de tomar consciência de algumas de
suas características.
Nesta proposta curricular, sugerimos que as atividades de análise
linguística estejam voltadas para a reflexão sobre a produção do
texto, ajudando os alunos a melhorarem cada vez mais a forma de
escrever.
ÁREA DE MATEMÁTICA
Fundamentos e objetivos da área de MATEMÁTICA
A aprendizagem da Matemática refere-se a um conjunto
de conceitos e procedimentos que comportam métodos de
investigação e raciocínio, formas de representação e comunicação.
Como ciência, a Matemática engloba um amplo campo de
relações, regularidades e coerências, despertando a curiosidade e
instigando a capacidade de generalizar, projetar, prever e abstrair.
O desenvolvimento desses procedimentos amplia os meios para
PEDAGOGIA100
compreender o mundo que nos cerca, tanto em situações mais
próximas, presentes na vida cotidiana, como naquelas de caráter
mais geral. Por outro lado, a Matemática também é a base para
a construção de conhecimentos relacionados às outras áreas do
currículo. Ela está presente nas Ciências Exatas, nas Ciências
Naturais e Sociais, nas variadas formas de comunicação e expressão.
Saber Matemática torna-se cada vez mais necessário no mundo
atual, em que se generalizam tecnologias e meios de informação
baseados em dados quantitativos e espaciais em diferentes
representações.
Também a complexidade do mundo do trabalho exige da escola,
cada vez mais, a formação de pessoas que saibam fazer perguntas,
que assimilem rapidamente informações e resolvam problemas
utilizando processos de pensamento cada vez mais elaborados.
No ensino fundamental, a atividade matemática deve estar orientada
para integrar de forma equilibrada seu papel formativo (o desenvol-
vimento de capacidades intelectuais fundamentais para a estrutura-
ção do pensamento e do raciocínio lógico) e o seu papel funcional (as
aplicações na vida prática e na resolução de problemas de diversos
campos de atividade). O simples domínio da contagem e de técnicas
de cálculo não contempla todas essas funções, intimamente relacio-
nadas às exigências econômicas e sociais do mundo moderno.
A Matemática na sala de aula
Diante de uma situação de aprendizagem, também é importante
que o professor situe os alunos, explicando os objetivos, as
aplicações do que está sendo estudado e as possíveis relações com
outros campos do conhecimento. Sugerindo caminhos, fazendo
propostas de trabalho, orientando a atividade e interpretando
os erros como meios de aprendizagem, ele poderá estabelecer
vínculos entre as experiências e conhecimentos dos alunos e os
novos conteúdos a serem aprendidos.
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS | UNIDADE 4 101
No início da escolaridade, é importante enfatizar o caráter
instrumental das noções matemáticas, tomando-o como fio
condutor da aprendizagem. Assim, a transmissão de informações e
a exercitação de técnicas não devem ocupar o espaço das atividades
de resolução de problemas. O processo de ensino e aprendizagem
deve centrar-se na análise e na interpretação de situações, na
busca de estratégias de solução, na análise e comparação entre
diversas estratégias, na discussão de diferentes pontos de vista e
de diferentes métodos de solução.
Desse modo, pode-se favorecer não só o domínio das técnicas mas
também o de procedimentos como a observação, a experimentação,
as estimativas, a verificação e a argumentação.
Um caminho é transformar as situações do cotidiano que envolvem
noções e notações matemáticas em suporte para a aprendizagem
significativa de procedimentos mais abstratos.
Alguns exemplos de fatos e situações cotidianas que podem
propiciar interessantes explorações matemáticas são:
• levantamento de dados pessoais, endereços, códigos postais,
números de telefone, etc., para reconhecimento das várias
funções dos números;
• atividades de compra e venda, cálculo do valor da cesta básica,
de encargos sociais, de orçamento doméstico, para exercícios
de cálculo;
• leitura e interpretação de informações que aparecem em
moedas e cédulas de dinheiro, contracheques, contas de luz,
extratos bancários, para observar as escritas numéricas e fazer
cálculos mentais;
• leitura e traçado de itinerários, mapas e plantas e construção
de maquetes, para identificar pontos de referência no espaço,
distâncias, formas bi e tridimensionais e compreender cálculo
de medidas de terrenos e edificações, para compreender as
noções de medida e de unidade de medida;
• consulta e construção de calendários;
PEDAGOGIA102
• planejamento e organização de eventos como festas, excursões
e campeonatos esportivos para levantar e organizar dados,
fazer cálculos e previsões.
A resolução de problemas
Para que a aprendizagem da Matemática seja significativa, ou seja,
para que os educandos possam estabelecer conexões entre os diversos
conteúdos e entre os procedimentos informais e os escolares, para que
possam utilizar esses conhecimentos na interpretação da realidade
em que vivem, sugere-se que os conteúdos matemáticos sejam
abordados por meio da resolução de problemas. Nessa proposta, a
resolução de problemas não constitui um tópico de conteúdo isolado,
a ser trabalhado paralelamente à exercitação mecânica das técnicas
operatórias, nem se reduz à aplicação de conceitos previamente
demonstrados pelo professor: ela é concebida como uma forma de
conduzir integralmente o processo de ensino e aprendizagem.
A resolução de problemas matemáticos na sala de aula envolve
várias atividades e mobiliza diferentes capacidades dos alunos:
• compreender o problema;
• elaborar um plano de solução;
• executar o plano;
• verificar ou comprovar a solução;
• justificar a solução;
• comunicar a resposta.
Ler, escrever, falar e escutar, comparar, opor, levantar hipóteses
e prever consequências são procedimentos que acompanham a
resolução de problemas. Esse tipo de atividade cria o ambiente
propício para que os alunos aperfeiçoem esses procedimentos e
desenvolvam atitudes como a segurança em suas capacidades,
o interesse pela defesa de seus argumentos, a perseverança e o
esforço na busca de soluções.
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS | UNIDADE 4 103
Os conteúdos matemáticos para a educação de jovens e adultos
estão organizados em quatro blocos: “Números e operações nu-
méricas”, “Medidas”, “Geometria” e “Introdução à Estatística”.
O estabelecimento de uma conexão é condição para que os alunos
percebam a utilidade da Matemática para descrever fenômenos do
mundo real e para comunicar idéias e informações complexas de
maneira simples e precisa.
Síntese dos objetivos da área de Matemática. Que os educandos
sejam capazes de:
• valorizar a Matemática como instrumento para interpretar
informações sobre o mundo, reconhecendo sua importância em
nossa cultura;
• apreciar o caráter de jogo intelectual da Matemática,
reconhecendo-o como estímulo à resolução de problemas;
• reconhecer sua própria capacidade de raciocínio matemático,
desenvolver o interesse e o respeito pelos conhecimentos
desenvolvidos pelos companheiros;
• comunicar-se matematicamente, identificando, interpretando
e utilizando diferentes linguagens e códigos;
• intervir em situações diversas relacionadas à vida cotidiana,
aplicando noções matemáticas e procedimentos de resolução
de problemas individual e coletivamente;
• vivenciar processos de resolução de problemas que comportem
a compreensão de enunciados, proposição e execução de um
plano de solução, a verificação e comunicação da solução;
• reconhecer a cooperação, a troca de idéias e o confronto entre
diferentes estratégias de ação como meios que melhoram a
capacidade de resolver problemas individual e coletivamente;
• utilizar habitualmente procedimentos de cálculo mental e
cálculo escrito (técnicas operatórias), selecionando as formas
mais adequadas para realizar o cálculo em função do contexto,
dos números e das operações envolvidas;
• desenvolver a capacidade de realizar estimativas e cálculos
aproximados e utilizá-la na verificação de resultados de
operações numéricas;
PEDAGOGIA104
• medir, interpretar e expressar o resultado utilizando a medida
e a escala adequada de acordo com a natureza e a ordem das
grandezas envolvidas;
• aperfeiçoar a compreensão do espaço, identificando, represen-
tando e classificando formas geométricas, observando seus
elementos, suas propriedades e suas relações;
• coletar, apresentar e analisar dados, construindo e interpre-
tando tabelas e gráficos.
É certo que jovens e adultos não escolarizados têm o sentido
numérico bastante desenvolvido, ainda que em graus diferentes,
dependendo da intensidade com que vivenciam situações de
quantificação e medida. Porém, o conhecimento informal
que possuem acerca dos números não é suficiente para que
compreendam as características do sistema decimal de numeração,
utilizem adequadamente sua notação simbólica e identifiquem
suas relações com o cálculo escrito.
Quanto ao Sistema decimal de numeração na prática escolar, é
comum explorar, desde as primeiras atividades com números, os
diferentes agrupamentos (unidade, dezena, centena, etc.), as
respectivas escritas numéricas e a nomenclatura correspondente,
com o intuito de favorecer a aprendizagem. No entanto, constata-
se que os alunos apresentam certas dificuldades em aprender
esses conteúdos, certamente porque as regras que caracterizam o
sistema decimal de numeração são bastante complexas.
As atividades que introduzem o estudo dos números devem partir
do universo numérico conhecido e da exploração das ideias e
intuições dos alunos; inicialmente, por meio das designações orais
que utilizam para expressar contagens, comparações e ordenações.
No decorrer desse processo, é importante que eles sejam levados
a elaborar hipóteses, construir representações (desenhos,
esquemas), analisar escritas de números de diferentes grandezas
e também produzir escritas pessoais, podendo argumentar
sobre essas construções. Dessa forma, paulatinamente, irão
estabelecendo relações entre o que pensam e as representações
escritas convencionais.
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS | UNIDADE 4 105
O passo seguinte é integrar a habilidade de contagem com o
significado do valor posicional na escrita numérica. As atividades que
exploram o ábaco podem favorecer a compreensão da característica
posicional dessa escrita, possibilitando aos alunos compreenderem
e utilizarem os procedimentos de comparação, ordenação e
arredondamento com números maiores. Cópias de moedas e cédulas
de dinheiro, o material dourado e o quadro de “valor de lugar”
também podem ser recursos úteis a essa aprendizagem.
Os agrupamentos (unidade, dezena, centena) que constituem o
número 146 são representados de maneiras diferentes no ábaco e
no quadro de valor de lugar.
Frações e números decimais
Além dos números naturais, os decimais constituem uma parte
dos conhecimentos numéricos que podem ser trabalhados nas
séries iniciais. Normalmente, entretanto, os alunos manifestam
dificuldades em dominá-los nesse período. Nesse nível de ensino,
pode-se introduzir esses conteúdos principalmente explorando
as ideias intuitivas dos educandos, deixando-se o domínio das
técnicas operatórias para níveis mais adiantados.
O uso crescente das representações decimais, especialmente em
função das calculadoras e dos instrumentos digitais, tornam cada
vez mais raras as representações de números na forma fracionária
e isso tem levado a se reconsiderar se este é um conteúdo a ser
mantido no currículo.
Os problemas envolvendo frações poderiam restringir-se, nas
séries iniciais, a cálculos mentais, introduzindo-se o cálculo escrito
apenas para os decimais.
Situações envolvendo medidas de valor monetário (dinheiro),
medidas de comprimento ou superfície são contextos apropriados
para introduzir as noções de frações e números decimais. O ponto de
PEDAGOGIA106
partida pode ser o domínio que os jovens e adultos costumam ter sobre
as relações entre as unidades do sistema monetário (real e centavos)
e certa familiaridade com algumas unidades dos sistemas de medidas
de comprimento e massa. Assim, por exemplo, ao analisarem uma
situação de medida, eles podem constatar que, se a unidade metro
não couber um número exato de vezes no comprimento da parede,
será preciso subdividi-la em unidades menores (centímetros) e que
isso pode ser representado por meio dos números decimais.
Operações
Ao lado da construção do sentido numérico e da compreensão das
regras do sistema decimal de numeração, o estudo das operações
fundamentais (adição, subtração, multiplicação e divisão) é parte
essencial da aprendizagem matemática neste nível de ensino e vai
além de saber fazer cálculos com lápis e papel. A compreensão do
sentido das operações inclui os seguintes aspectos:
• reconhecer, em situações reais, a utilidade das operações;
• reconhecer as regularidades que caracterizam as operações;
• identificar as relações que existem entre elas;
• perceber o efeito que as operações produzem sobre os números.
Por exemplo, no campo dos números naturais, a adição entre 5 e
15 produz um resultado menor do que a multiplicação de 5 por 15,
e a adição entre dois números maiores que 50 produzirá sempre
um número maior que 100.
A construção dessas noções mantém uma estreita relação com a
construção do sentido numérico e, junto com este, forma a base
para o desenvolvimento das estimativas, do cálculo mental e do
cálculo escrito.
Os jovens e adultos já têm algum domínio sobre vários aspectos
do sentido operacional, em função da ampla experiência informal
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS | UNIDADE 4 107
com operações matemáticas. Para aprofundar e sistematizar esse
conhecimento, o trabalho escolar deve propiciar atividades que os
ajudem a estabelecer as relações entre as suas ideias e estratégias
pessoais e o conhecimento mais geral, complexo e formal. Esse
trabalho passa pela exploração da linguagem oral, concomitante à
apresentação dos símbolos associados a cada operação.
Medidas
Na vida diária, é comum termos que resolver problemas
corriqueiros que exigem lidar com diferentes grandezas e realizar
vários tipos de medidas. Quanto tempo falta para....?; Quanto
preciso para comprar....?; Quanto tecido é necessário para ....?.
Para responder a grande parte dessas questões basta fazer uma
estimativa, ou seja, emitir um juízo que permita avaliar se um
resultado é razoável. Porém, existem situações para as quais é
necessário produzir resultados precisos e exatos e isso impõe a
necessidade de trabalhar com unidades padronizadas e utilizar
instrumentos como trenas, fitas métricas, balanças e relógios.
A utilização de estratégias pessoais baseadas em estimativas não
só ajuda a distinguir os vários atributos mensuráveis de um objeto,
como permite adquirir consciência sobre o tamanho das diferentes
unidades de medida e compreender o próprio procedimento de
medida.
Geometria
O estudo da Geometria favorece um tipo de pensamento que
permite interpretar, descrever e representar de forma organizada
o mundo em que vivemos. As atividades de geometria desenvolvem
o sentido espacial, que é a percepção intuitiva do próprio entorno
PEDAGOGIA108
e dos objetos nele presentes. Fazem parte do sentido espacial as
ideias e intuições sobre orientação, direção, forma e tamanho das
figuras e objetos, suas características e suas relações no espaço.
A partir da observação do espaço, pode-se desenvolver a
capacidade de reconhecer formas, representá-las, identificar suas
propriedades e abstraí-las.
Essas habilidades são a base para a construção das relações
espaciais que caracterizam o pensamento geométrico. Os
conhecimentos geométricos também estão presentes e revelam-se
necessários em várias atividades profissionais, como a construção
civil, a modelagem e a costura, as artes plásticas, e nos esportes.
Introdução à Estatística
A introdução deste tema justifica-se pela frequência com que
dados estatísticos são utilizados pelos veículos de comunicação,
onde aparecem representados por tabelas e gráficos. Informações
estatísticas são cada vez mais amplamente divulgadas e sua
importância para a análise de fenômenos sociais e para a formação
de opinião pode ser avaliada, por exemplo, pelo impacto que
causam as pesquisas de intenção de voto nos períodos pré-
eleitorais. O estudo de procedimentos de coleta e representação
de dados justifica-se também porque são fonte de situações-
problema reais envolvendo contagem, números, medidas, cálculos
e estimativas. Ele favorece ainda o aprimoramento da comunicação
oral e escrita, à medida que os alunos falem e escrevam sobre os
procedimentos que utilizam para buscar informações e sobre as
conclusões a que chegam a partir da análise de dados. A análise
de dados estatísticos também pode enriquecer o tratamento de
muitos temas das ciências sociais e naturais.
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS | UNIDADE 4 109
Gráfico de setores (pizza)
Pessoas de 15 a 17 anos, por condição de atividade: 1989 — região
Nordeste.
Gráfico de colunas
Salário mínimo mensal em alguns países da América Latina (em
dólares — 1995).
ÁREA DE ESTUDOS DA SOCIEDADE E DA NATUREZA
O processo de iniciação dos jovens e adultos trabalhadores no
mundo da leitura e da escrita deve contribuir para o aprimoramento
de sua formação como cidadãos, como sujeitos de sua própria
história e da história de seu tempo. Coerente com este objetivo,
a área de Estudos da Sociedade e da Natureza busca desenvolver
valores, conhecimentos e habilidades que ajudem os educandos
a compreender criticamente a realidade em que vivem e nela
inserir-se de forma mais consciente e participativa.
A complexidade da vida moderna e o exercício da cidadania plena
impõem o domínio de certos conhecimentos sobre o mundo a
que jovens e adultos devem ter acesso desde a primeira etapa
do ensino fundamental. Esses conhecimentos deverão favorecer
uma maior integração dos educandos em seu ambiente social e
natural, possibilitando a melhoria de sua qualidade de vida. Faz-
se necessário, porém, superar certa visão utilitarista da educação
de jovens e adultos, baseada no suposto de que os interesses dos
educandos estão restritos às suas experiências e necessidades
imediatas. A pesquisa e a prática educativa revelam que eles se
interessam tanto pelas questões relativas à sua sobrevivência
PEDAGOGIA110
cotidiana como por temas aparentemente distantes como a origem
do universo, o desenvolvimento da informática ou a eclosão de
conflitos religiosos em outros continentes.
Os blocos de conteúdos são organizados de modo a auxiliar os
educadores na seleção, organização e integração de temas a serem
abordados. Caberá aos educadores, na elaboração de seu plano de
ensino, selecionar, recombinar e sequenciar conteúdos e objetivos
de acordo com as características de seu projeto pedagógico.
Objetivos da área de Estudos da Sociedade e da Natureza
• Problematizar fatos observados cotidianamente, interessando-
se pela busca de explicações e pela ampliação de sua visão de
mundo.
• Reconhecer e valorizar seu próprio saber sobre o meio natural
e social, interessando-se por enriquecê-lo e compartilhá-lo.
• Conhecer aspectos básicos da organização política do Brasil,
os direitos e deveres do cidadão, identificando formas de
consolidar e aprofundar a democracia no país.
• Interessar-se pelo debate de ideias e pela fundamentação de
seus argumentos.
• Buscar informações em diferentes fontes, processá-las e
analisá-las criticamente.
• Interessar-se pelas ciências e pelas artes como formas de
conhecimento, interpretação e expressão dos homens sobre si
mesmos e sobre o mundo que os cerca.
• Inserir-se ativamente em seu meio social e natural, usufruindo
racional e solidariamente de seus recursos.
• Valorizar a vida e a sua qualidade como bens pessoais e
coletivos, desenvolver atitudes responsáveis com relação à
saúde, à sexualidade e à educação das gerações mais novas.
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS | UNIDADE 4 111
• Reconhecer o caráter dinâmico da cultura, valorizar o patrimônio
cultural de diferentes grupos sociais, reconhecer e respeitar a
diversidade étnica e cultural da sociedade brasileira.
• Observar modelos de representação e orientação no espaço e
no tempo, familiarizando-se com a linguagem cartográfica.
• Compreender as relações que os homens estabelecem com os
demais elementos da natureza e desenvolver atitudes positivas
com relação à preservação do meio ambiente, analisando
aspectos da Geografia do Brasil.
• Compreender as relações que os homens estabelecem entre si
no âmbito da atividade produtiva e o valor da tecnologia como
meio de satisfazer necessidades humanas, analisando aspectos
da História do Brasil.
As orientações didáticas norteadoras das práticas educativas
focalizam esta área em blocos relacionados.
CONTEÚDOS:
Bloco: O educando e o lugar de vivência - reunimos conteúdos
que dizem respeito ao contexto de experiência dos alunos. São
conteúdos que podem ter uma aplicação imediata, especialmente
no desenvolvimento de atitudes favoráveis ao convívio no centro
educativo, na comunidade e no ambiente natural.
Bloco: O corpo humano e suas necessidades - articulam-se
conteúdos relativos ao conhecimento dos educandos sobre o próprio
corpo, seu esquema e aspecto externo, formas de relacionamento
com o meio exterior, mecanismos de preservação do indivíduo e
da espécie.
Bloco: Cultura e diversidade cultural - também são fundamentais
para o aprendizado de atitudes de não discriminação e tolerância,
respeito à pluralidade cultural e étnica, às diferenças de credo,
gênero e geração. Essas atitudes são essenciais para o convívio
democrático numa sociedade diversificada como a brasileira.
PEDAGOGIA112
Bloco: Os seres humanos e o meio ambiente - articulam-se
conteúdos que extrapolam as vivências imediatas dos educandos e
dão lugar à introdução da linguagem cartográfica (estudo de mapas)
e sistemas conceituais das ciências naturais e sociais. Destacam-se
aspectos relevantes sobre as relações que se estabelecem entre os
seres vivos, em particular os seres humanos e o ambiente físico.
Bloco: As atividades produtivas e as relações sociais - enfatizam-
se relações que os seres humanos estabelecem entre si para a
produção de sua existência, além da nova qualidade que o trabalho
humano adquire mediante o desenvolvimento tecnológico. São
introduzidas então periodizações históricas relativas à História
do Brasil, ampliando-se as possíveis conexões entre as atividades
produtivas e outras dimensões da cultura.
Bloco: Cidadania e participação - enfatiza-se a dimensão política
da vida humana, visando-se aprimorar a consciência cidadã dos
educandos. Aí estão implicados a adesão a valores democráticos
e o conhecimento da organização social e política do país, dos
direitos políticos, sociais e trabalhistas que a posição de cidadãos
lhes confere, dos espaços e formas de organização e participação
na sociedade.
Estratégias de abordagem dos conteúdos
Uma boa estratégia para introduzir os tópicos de conteúdo dessa
área é partir da postulação de um problema. A problematização
visa, por um lado, recuperar os conhecimentos prévios dos alunos
sobre o tema em pauta e, por outro, provocar a necessidade de
buscar novos conhecimentos para resolver o problema. O professor
pode apresentar o problema por meio de uma questão aberta, que
pode parecer a princípio simples de responder mas que permita
muitas possibilidades de solução. Por exemplo:
• O que acontece com os alimentos dentro do nosso corpo que
faz com que eles sejam transformados em fezes?
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS | UNIDADE 4 113
• Por que os índices de mortalidade infantil do Brasil são maiores
no Nordeste?
Por que tantas pessoas se mudam do campo para a cidade?
• Os alunos podem responder a essas perguntas oralmente ou
por escrito. Depois que todos tiverem a oportunidade de
manifestar suas ideias, é interessante que coloquem-nas em
confronto, por exemplo, através da discussão em pequenos
grupos e no grupo classe. O professor ajuda os alunos a elaborar
e expressar melhor suas ideias lançando questionamentos
durante os debates. Finalmente, o professor sistematiza as
opiniões que prevaleceram, assim como os problemas que
surgiram no processo, as dúvidas e informações necessárias
para o seu esclarecimento.
Nesta etapa, o professor pode introduzir conceitos ou explicações
científicas pertinentes ou estabelecer um programa de estudos
que inclua a leitura de textos, consulta a enciclopédias ou atlas,
realização de experimentos simples, entrevistas com especialistas,
etc., objetivando desenvolver o conhecimento necessário para o
entendimento do tema abordado.
Finalmente, é importante sistematizar as novas informações
recolhidas e os novos conceitos introduzidos, averiguando em
que medida se integraram aos esquemas de compreensão dos
educandos. Isso deve ser feito tanto por meio da retomada do
problema inicial como da aplicação dos conhecimentos recém-
adquiridos a outros problemas correlatos.
Apresente temas para discussão em sala de aula e
situações de escrita contextualizadas, ou seja, articuladas
ao cotidiano do aluno para que o mesmo possa dialogar
com sua realidade.
1
PEDAGOGIA114
Faça com o seu grupo o Jogo Palavra Semente, conversando
com os colegas sobre determinado assunto, e vá anotando as
palavras que vocês falam mais. Quais as palavras que saem
mais na conversa. Em pequenos grupos de 4 ou 5 pessoas
escreva na ficha algumas palavras sementes. Vire agora as
fichas de cabeça para baixo. Ao tirar a ficha com a palavra
semente deve ilustrá-la.
2
PLANEJAMENTO E AVALIAÇÃO
OBJETIVO DESTA UNIDADE:
Proporcionar a compreensão sobre os aspectos a serem contemplados no Planejamento das Atividades para as salas de EJA do primeiro segmento do ensino fundamental e possibilitar a vivência de planejar as sequências didáticas focalizando temas significativos para os alunos.
UNIDADE
5
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS | UNIDADE 5 117
PLANEJAMENTO E AVALIAÇÃOMaria do Socorro Martins CalhauHeloisa Cardoso Varão Santos
O PAPEL DO PLANO DIDÁTICO
Em inúmeras situações de nossas vidas, mesmo nas mais cor-
riqueiras, como uma ida às compras ou a realização de uma
festa de aniversário, temos que planejar, ou seja, estabele-
cer antecipadamente um plano organizado de ações visando atin-
gir algum objetivo.
Temos que considerar que estratégias usaremos, que recursos e
que tempo serão necessários, que etapas deverão ser percorridas.
Na execução de planos, fatalmente ocorrem imprevistos que exi-
gem sua revisão e adaptação; mas isso não invalida o papel orien-
tador de nossas antecipações. Comparando o que foi planejado
com o que foi realizado, podemos reunir elementos para melhorar
planos futuros.
E
PEDAGOGIA118
A atividade educativa, assim como outras atividades complexas,
impõe a necessidade de estabelecer planos mais formalizados e
apoiados em registros escritos. Programas de ensino fundamental
têm em vista objetivos bastante amplos ou a articulação de
vários objetivos de naturezas diferentes. Os processos de ensino
e aprendizagem são complexos, exigindo uma duração temporal
relativamente longa.
Além disso, o que está em jogo não são aspirações individuais,
mas aspirações de grupos de educadores e educandos, envolvendo
várias determinações: exigências de contextos sociais específicos,
conformidade com sistemas de ensino, etc.
O currículo constitui um primeiro nível de planejamento da ativi-
dade educativa, na medida em que nele se estabelecem objeti-
vos gerais e seus desdobramentos em objetivos específicos. Nessa
perspectiva, ele é uma ferramenta essencial para orientar a ação
do educador e a coordenação de sua ação com a de outros edu-
cadores envolvidos no mesmo programa. A efetividade do currícu-
lo na orientação das ações, entretanto, exige sua tradução num
plano mais concreto, com definições quanto a estratégias e enca-
deamento de etapas, a que chamamos aqui de plano didático. É
do professor a maior responsabilidade com relação à elaboração
desse plano, pois ele deve estar em condições de ir calibrando-o
durante sua execução, ou seja, realizando os ajustes necessários
mediante a avaliação constante de seu andamento.
A elaboração de bons planos didáticos exige uma grande dose de
criatividade do professor e um conhecimento razoável de como se
realiza o processo de aprendizagem dos conteúdos. Sua primeira
tarefa é estabelecer e ordenar os objetivos de sua ação, para o
que o currículo é um parâmetro indispensável: Que aprendizagens
espero que os educandos realizem? Como diversas aprendizagens
podem se integrar num todo coerente, convergindo para os obje-
tivos mais gerais do projeto pedagógico?
A segunda etapa consiste na elaboração de uma sequência de ati-
vidades através das quais se espera promover as aprendizagens,
prevendo o tempo e os materiais necessários.
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS | UNIDADE 5 119
Enfim, é preciso prever também como se fará a avaliação: como
recolher indicadores do grau de alcance dos objetivos por parte de
cada um dos alunos nas várias fases do processo, da adequação das
atividades propostas e das intervenções do educador.
A elaboração de um plano didático para o ensino fundamental de
jovens e adultos certamente vai exigir que se estabeleçam subdi-
visões ou unidades menores de planejamento, a que chamamos
aqui unidades didáticas. Uma unidade pode estar referida a uma
área de conhecimento específica ou integrar diversas áreas. Tanto
num caso como no outro, é fundamental que elas sejam definidas
considerando a necessidade de coerência e integração das ativida-
des, de modo a favorecer que os alunos estabeleçam relações en-
tre diversos tópicos de conteúdo, realizando aprendizagens mais
significativas.
O plano didático
Há muitos modos possíveis de se organizar um plano didático e
os educadores devem buscar aquele que mais se adapte ao seu
estilo de trabalho. É fundamental, entretanto, que o plano seja
inteligível para outras pessoas, especialmente quando se está
integrado num programa que pressupõe a ação coordenada de
vários educadores. É importante também formular objetivos
que os educandos possam compreender. Os jovens e adultos têm
condições, em muitos casos, de partilhar das definições do plano
didático e, principalmente, de controlar sua execução. Como está
postulado nos fundamentos deste projeto curricular, a capacidade
de tomar consciência do próprio processo de aprendizagem, de
planejar e controlar a própria atividade intelectual é uma das
grandes conquistas que a educação formal pode proporcionar.
A seguir, apresentaremos um exemplo de plano didático elaborado
a partir desta proposta curricular, considerando-se uma turma
que se inicia nos processos de alfabetização. Nele podem ser
PEDAGOGIA120
identificados os elementos fundamentais de um plano: a definição
dos conteúdos e objetivos a serem alcançados, a sequência de
atividades didáticas e de avaliação, a indicação do tempo de
duração previsto e dos materiais necessários. Nesse exemplo,
as unidades didáticas combinam objetivos das três áreas e estão
todas articuladas a grandes eixos temáticos.
O plano didático orientado por eixos temáticos é uma opção
especialmente indicada para esse nível de ensino. A abordagem dos
conteúdos das diferentes áreas, as possibilidades de estabelecer
conexões entre eles são inúmeras.
Este é um modo também de evitar uma excessiva dispersão de
assuntos, o que poderia dificultar o processo de aprendizagem
dos educandos nesses estágios iniciais. A escolha de um eixo
temático deve ser feita considerando sua relevância para o grupo
de educandos e seu potencial didático, ou seja, as possibilidades
que oferece para que sejam trabalhados os conteúdos curriculares
de modo adequado.
No plano didático aqui apresentado, os eixos temáticos foram
sugeridos pelos próprios blocos de conteúdos do projeto curricular.
Considerando a relevância que um dos blocos teria para um grupo
específico, assim como sua riqueza em termos de desdobramentos,
ele foi selecionado como eixo articulador, em torno dos quais se
organizaram os conteúdos e objetivos dos outros blocos. Para dar
maior concretude ao exemplo, faremos uma breve caracterização
de um grupo hipotético de educandos para o qual o plano teria
sido elaborado.
Exemplos de Plano didático
caRacteRização do gRupo
São 25 alunos moradores da periferia de um grande centro
urbano, com idades variando entre 18 e 37 anos. A maioria deles é
migrante de zonas rurais de outros estados, tendo já trabalhado na
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS | UNIDADE 5 121
agricultura. Atualmente exercem atividades profissionais ligadas
ao comércio e aos serviços, empregadas domésticas, balconistas,
vigia, auxiliar de estoque, ajudante de cozinha, etc. Moram num
bairro pobre, onde se situa o centro educativo, e dispõem de
pouco tempo para o lazer.
Todos sabem escrever seus nomes, conhecem letras e números,
sabem em que situações sociais a escrita é utilizada.
Aproximadamente a metade deles consegue decifrar partes de
uma pequena lista de compras e um anúncio breve com muitas
dificuldades, sem conseguir apreender o sentido do que estão
lendo. Alguns conseguem escrever palavras ditadas, mas com
muitas omissões de letras. Com poucas exceções, sabem ler
os números usuais e realizam cálculos mentais para resolver
problemas simples envolvendo pagamento, preço, troco, etc.
caRacteRização do plano didático
O foco central do plano será a iniciação dos educandos na leitura
e escrita, além da consolidação de seus conhecimentos sobre a
escrita numérica. A compreensão de como funciona o sistema
de escrita alfabético, assim como a fixação do valor sonoro das
letras, merecerá uma atenção especial em todas as unidades.
Considerando que esses jovens e adultos sofrem com o estigma de
serem migrantes analfabetos vivendo num grande centro urbano,
haverá também uma atenção especial ao desenvolvimento de
atitudes confiantes na própria capacidade de aprendizagem, para
o que será necessário que eles reconheçam os conhecimentos que
já têm.
PEDAGOGIA122
Tema: Saúde do Idoso
Áreas: Língua Portuguesa, Estudos da Sociedade e Natureza
Objetivos
• Identificar procedimentos necessários à manutenção da saúde
do idoso;
• Ler e escrever as palavras Saúde, Idoso, Vida, Corpo, expressando-
se em relação ao significado das palavras no contexto dos direitos
do idoso assegurados no Estatuto do idoso.
Atividades
1. Leitura de um trecho da Cartilha do Idoso sobre a saúde do
corpo;
2. Discussão sobre os cuidados que se deve ter com a saúde;
3. Apresentação em forma de jornal falado “As Dicas sem
escorregar “e “Doenças comuns nos idosos e os cuidados”.
4. Elaboração de cartazes alertando sobre como manter-se
saudável na melhor idade.
5. Escrita das palavras SAÚDE, VIDA, IDOSO, CORPO, QUEDA, DO-
ENÇAS;
6. Exposição oral ou palestra sobre “Qualidade de Vida;
7. Registro de pesos e medida dos alunos e discussão sobre a
qualidade de vida;
8. Campanha de vacinação na sala de aula/divulgação dos
benefícios da vacina para o idoso;
9. Confecção de um mural com receitas de chás caseiros de ervas
medicinais;
10. Organização de uma relação de recomendações para as pessoas
idosas da família sendo registradas pelo professor;
11. Divulgação do Estatuto do Idoso;
12. Elaboração de paródias sobre os Direitos dos Idosos; e
13. Apresentação de gráficos sobre a qualidade de vida do idoso
no Brasil.
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS | UNIDADE 5 123
Recursos
• Cartilha dos Direitos dos Idosos.
• Cartazes de Vacinação contra a gripe.
• Cartazes com Dicas sobre os Cuidados que se deve ter com
pessoas idosas.
Avaliação:
A observação sobre a fluência verbal dos alunos, a organização das
ideias, as ideias focalizadas nas paródias e o nível de conhecimentos
produzidos e expressos nas falas e na elaboração do cartaz com o
auxílio do professor.
Veja também um exemplo de Sequência Didática disponível no
Portal do Professor MEC (www.mec.gov.br) de autoria de Grace
Luciana Pereira - USP.
Tema: As cidades e as transformações sócio-culturais
Área: Natureza e Estudos da Sociedade
Objetivos
• Descobrir o sentido do tempo e o valor da memória histórico/
cultural da cidade de São Paulo;
• Estabelecer relações entre economia e processo de urbaniza-
ção da cidade. Relacionar o processo de industrialização ao
desenvolvimento da cidade;
• Elaborar um documento que apresente as transformações que
ocorrem na cidade em que o aluno reside. Propor mudanças
positivas para a cidade em que o aluno reside.
PEDAGOGIA124
Duração das atividades
1 bimestre
Conhecimentos prévios trabalhados pelo professor com o aluno
Discutir sobre a evolução industrial e suas consequências para a
cidade em que moram.
Estrutura Curricular
Educação de Jovens e Adultos - 1º ciclo | Estudo da Sociedade e da
Natureza | Cultura e diversidade cultural.
Estratégias e recursos da aula
Orientações didáticas
• Partindo da história de São Paulo e de suas transformações, o
objetivo deste projeto é ajudar os alunos a reconstruírem a
história do bairro em que vivem.
• Um olhar para o passado pode nos conduzir a um presente mais
efetivo, a proposta é olhar o bairro com olhos históricos, mas
sem perder a criticidade.
• Mapear o bairro, o que ele oferece e questionar o que ele de-
veria oferecer para melhorar as condições de vida dos mora-
dores.
• Buscar documentos antigos: fotos, pinturas e até mesmo de-
poimento dos moradores mais antigos.
• As entrevistas com os moradores devem ser estruturadas e
orientadas para que as informações colhidas sejam úteis, ao
mesmo tempo os alunos devem ser orientados a não reprimi-
rem as memórias dos moradores. Essa é uma oportunidade de
enxergar os cidadãos como protagonistas da história. Assim o
aluno também é uma parte desta história viva, e esse projeto
resgatará a História do bairro e contemplará as necessidades
emergentes.
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS | UNIDADE 5 125
Sequência Didática
A história de um local não é somente algo do passado,
ela traz em si os reflexos das condições atuais. Debata
com os alunos sobre os pontos positivos e negativos
das transformações que a cidade de São Paulo sofreu.
Há um outro site que disponibiliza fotos antigas junto ao momento
atual do local. http://klikeducacao.ig.com.br/2006/conteudo/
pagina/0,6313,IGP-1163-,00.html
Rua da quitanda
Antes de chamar Rua da Quitanda, ela era
conhecida como Rua do Cotovelo, por causa
da curva acentuada que pode ser vista nas
duas imagens. Além da curva, quase nada
mais liga as duas paisagens. Quase, porque,
se você olhar com muita atenção, verá a
mesma fachada nas duas fotos. Para isso
clique em cada imagem para ampliá-la.
Para enfatizar a necessidade de se constituir a história do local,
assista ao filme Narradores de Javé.
NARRADORES DE JAVÉ (2004)
Sinopse: soMente uMa aMeaça à própria existência pode Mudar a rotina
dos haBitantes do peQueno vilareJo de Javé. é aí Que eles se deparaM
coM o anúncio de Que Javé pode desaparecer soB as áGuas de uMa enorMe
usina hidroelétrica. eM resposta à notícia devastadora, a coMunidade
adota uMa ousada estratéGia: vão preparar uM docuMento contando
todos os Grandes aconteciMentos heróicos de sua história, para Que
Javé possa escapar da destruição. coMo a Maioria dos Moradores são
analFaBetos, a priMeira tareFa é encontrar alGuéM Que possa escrever as
histórias. Fonte: http://WWW.adorocineMaBrasileiro.coM.Br/FilMes/
narradores-de-Jave/narradores-de-Jave.asp
Direção: eliane caFFé
Gênero: draMa nacional
Elenco: José duMont, nelson xavier, dirce MiGliaccio, Matheus nachter-
Gaele, rui resende, nelson dantas, Mário césar caMarGo, Gero caMilo.
Rua da Quitanda, década de 1860. No destaque, fachada que pode ser vista até hoje.
Em meio a tanta mudança, a Rua da Quitanda ainda exibe charmosa fachada do passado distante.
PEDAGOGIA126
1. Discuta em sala sobre o significado da História apresentada
pelo filme. E elabore em grupo onde cada um será responsável
por adquirir “documentos Históricos” do bairros e do município
e fotos .
Sugestões de tema de pesquisa para cada grupo:
1. Fotos antigas e atuais do bairro com considerações sobre as
mudanças.
2. Elencar quais foram as principais mudanças no bairro e o que
as ocasionaram.
3. Memória oral do bairro - visitar os moradores mais antigos e
colher histórias e dados do bairro.
4. Fazer levantamento do perfil da população do bairro. Origem,
por que vieram para este bairro, etc.
5. Quais eram as opções de lazer e brincadeiras que as crianças e
adolescentes tinham no início de formação do bairro.
• Oriente cada grupo na organização do material recolhido,
sempre com identificação, data, local, etc.
• Após essa primeira fase de volta ao passado, parta para
a 2ª etapa do projeto. Identificar quais mudanças são
necessárias para melhoria do bairro.
1. Faça pesquisa entre os moradores.
2. Elabore gráficos dos dados colhidos.
3. Elabore quadros-síntese a partir dos dados obtidos.
4. Proponha uma construção coletiva de uma maquete do bairro
- como ele seria de acordo com o desejo dos moradores.
5. Cada grupo deverá entregar uma apresentação multimídia de
sua pesquisa, reúna os dados em um mesmo documento atra-
vés de hiperlinks.
6. Encaminhe o documento completo à Sociedade de Amigos
do bairro e também a vereadores e ao Prefeito do Município
junto com o convite para a visitação da Exposição Meu bairro:
memória e projeto para o futuro.
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS | UNIDADE 5 127
7. Realize uma exposição com os documentos adquiridos para
visitação da comunidade intitulada - Meu bairro: memória e
projeto para o futuro.
http://www.saopaulominhacidade.com.br/
http://www.skyscrapercity.com/showtheread.php?t=484145
http://www.klickeducacao.ig.com.br/2006/conteudo/
pagina/0,6313,IGP-1163-00.html
Para o professor http://www.cienciahoje.uol.com.br/55505
Avaliação
Avaliação do desempenho dos alunos na realização das atividades
previstas no projeto: Identificar as contribuições do aluno na ela-
boração do Mapa de mudanças para a cidade.
Avaliação do contexto da EJA
Maria do Socorro Martins Calháu
Professora Regente de Educação de Jovens e Adultos -RJ
O ser humano é um ser que avalia.
Em todos os instantes de sua vida — dos mais imples
aos mais complexos — ele está tomando posição,
manifestando-se como não-neutro.
C. Luckesi
Esta deve recolher indicadores do grau de alcance dos objetivos
por parte de cada um dos alunos, nas várias etapas do processo, da
gradação das atividades propostas e das intervenções do educador. O
melhor é que a avaliação ocorra ao final de cada unidade, enfocando
a dinâmica do grupo e identificando limites e possibilidades. No caso
da leitura e da escrita, a avaliação será realizada também através
da análise das produções escritas individuais e anotações em fichas
de acompanhamento.
PEDAGOGIA128
Os anos 80 e 90 trouxeram novas perspectivas em termos de
avaliação, pois trazem à tona os elementos que reproduzem
a desigualdade, a exclusão, em confronto com os que podem
trabalhar a favor de uma escola plural e democrática, uma escola
de inclusão. Autores como Perrenould, Vasconcellos, Ludke &
Mediano, Luckesi e outros têm-se dedicado a identificar a prática
pedagógica subjacente aos rituais de avaliação, tentando assim
identificar tensões e contradições que auxiliem na reflexão em busca
da transformação da avaliação classificatória e excludente. Esses
autores nos chamam a atenção para o fato de que não se pode tratar
a avaliação isoladamente. Ela só faz sentido se estiver fundada em
um projeto pedagógico adequado ao grupo a que se destina. E será
portadora de transformação dos processos de exclusão se o projeto
pedagógico estiver a serviço da igualdade e da inclusão.
Para se obter uma prática competente de execução de um plano
didático é necessário fazer vários ajustes ao longo do processo.
Isso implica o fato de que o educador deverá ter uma postura
avaliativa constante. O texto da Proposta Curricular afirma: “Ele
deve avaliar, ao longo de todo o processo, tanto a dinâmica geral do
grupo, que vai lhe dar indicações quanto à necessidade de modificar
as linhas gerais do plano, quanto o desempenho de cada um dos
alunos, que pode lhe indicar estratégias pontuais ou dirigidas a
alunos específicos”.
Trata-se, portanto, de avaliar não só o desempenho dos alunos,
mas, também, a proposta pedagógica em questão e sua adequação.
Dessa forma, faz-se necessária a criação de instrumentos de
acompanhamento para cada aluno. A esse respeito Ana Canen
(1997), nos diz: nesse sentido, pensar a avaliação de forma a superar
sua visão estática e classificatória significa pensar sobre o processo
de ensino-aprendizagem como um todo. Significa fazê-lo trabalhar
a favor da permanência do aluno no sistema de ensino, buscando
uma aprendizagem efetiva e significativa.
Envolver os alunos na avaliação do seu processo educativo é questão
primordial na educação de jovens e adultos, pois implica uma
tomada de consciência sobre o que sabem e o que precisam e/ou
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS | UNIDADE 5 129
desejam aprender. Significa trabalhar a favor de sua autonomia,
no desenvolvimento de seu pensamento crítico e na possibilidade
de (re)construção de uma prática pedagógica que esteja a serviço
de uma melhor qualidade de vida em sociedade.
Sugestões de atividades
• Nas turmas iniciais, nas quais o processo de alfabetização está
em curso, procure avaliar as produções escritas dos alunos junto
com eles. Transcreva o texto no quadro, peça que o observem
e reescrevam. Dessa forma, eles avançarão em suas hipóteses
sobre a língua escrita.
• Às segundas-feiras, discuta o planejamento semanal com os
alunos, pedindo sugestões para torná-lo mais adequado. Às
sextas-feiras, avalie com eles o trabalho, ajuste seu plano para
a semana seguinte, partilhe o poder conferido a você.
• Sempre que seus alunos solicitarem uma cópia ou qualquer outra
atividade escolar que você não acredite ser muito eficaz no
processo de construção da escrita, negocie com eles, propondo,
em contrapartida, uma atividade mais significativa.
Faça-os compreender que as várias formas de expressão, como
desenho, pintura e teatro, colaboram muito para a escrita deles,
da expressão de seus pensamentos. Mostre isso a seus alunos de
forma processual.
• Num curso de alfabetização, discuta com os alunos sobre temas
a serem trabalhados. Não se esqueça de que eles gostam muito
de trabalhar assuntos como amor, namoro, passeio, alegria,
festas. Trabalhar no sentido de construir uma consciência crítica
da realidade não significa, obrigatoriamente, falar em pobreza,
miséria ou problemas sociais.
• Permita sempre que seus alunos façam uma avaliação do seu
desempenho. Eles são as únicas pessoas, nesse processo, que
podem dar a você a real medida do alcance e da adequabilidade
de sua proposta educativa. Faça os ajustes necessários ao
seu plano com a colaboração deles. Quando os alunos estão
envolvidos nas decisões pedagógicas, o grau de compromisso que
estabelecem com a escola é muito mais forte e verdadeiro.
PEDAGOGIA130
Selecione um tema significativo para jovens e adultos e
elabore um Plano de aula integrando as diversas áreas do
conhecimento.
Selecione materiais: textos, cartazes, músicas, filmes que
possam enriquecer a aula.
Analise um livro didático voltado para Educação de Jovens e
Adultos e comente as atividades, percebendo a adequação
aos interesses e necessidades dos alunos.
1
2
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS | REFERENCIAS 131
REFERÊNCIAS
AGUIAR, Alexandre; CALHÁU, Maria do Socorro Martins. “Alfabetização e cidadania”, in O que é o BaM - Banco de ajuda Mútua. São Paulo: RAAAB -Rede de Apoio à Ação Alfabetizadora no Brasil, n. 5, juL/1997.
ANDREOLA, Balduíno Antônio. Contribuição da pedagogia de Paulo Freire para o diálogo intercultural. Educação e Realidade, São Paulo, mai./ago, 1984.
BARBOSA, Maria Inês Afonso. O método de educação política de adultos em Paulo BARRETO. Vera; Luis Carlos. “Um sonho que não serve ao sonhador”, in alfabetização e cidadania. RAAAB - Rede de Apoio à Ação Alfabetizadora no Brasil, n. 1, out./1994.
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________. Política e Educação Popular: a teoria e a prática de Paulo Freire no Brasil. Ensaios 85. São Paulo: Ática, 1982.
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EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS | TEXTOS COMPLEMENTARES 133
TEXTOS COMPLEMENTARES Revista Nova escola
educação de JoveNs e adultos
salas de aula HeteRoGÊNeas
Conhecer os alunos é o caminho para o sucesso
Um programa que atenda jovens e idosos, da cidade e do campo,
depende de uma boa investigação sobre as expectativas de cada um.
As classes de EJA são bastante heterogêneas. Encontram-se
pessoas que sempre viveram na cidade e as que têm origem
no campo; avôs e avós ao lado de quem ainda não constituiu
família. Há quem já teve contato com a tecnologia - os jovens
principalmente - e os que nunca lidaram com computador. Em
comum há o fato de todos terem mais de 15 anos, trabalharem em
atividades não qualificadas e trazerem histórias de fracasso escolar.
Para trabalhar com esses estudantes, é essencial conhecê-los bem.
Foi o que fez a professora Sílvia Pacheco, responsável por uma sala
dedicada à alfabetização de jovens e adultos do Colégio Santa Cruz,
em São Paulo. “Antes de começar o trabalho, procurei saber o que
levou as pessoas a estudar”, conta. Ela logo percebeu que tinha
uma clientela diversificada. Entre os alunos havia uma senhora de
67 anos, Iracy do Espírito Santo Ferreira, e um rapaz de 16 anos,
João Batista Aprígio dos Santos.
O desafio de Sílvia era ensinar a contar e a identificar as letras
do alfabeto. Durante as primeiras conversas, ela descobriu que a
maioria da turma tinha crescido próximo ao rio São Francisco. Como
atividade de integração, Silvia propôs uma pesquisa sobre o “Véio
Chico”. Sem saber ler nem identificar mapas, muitos trouxeram
para a classe histórias, lendas e contos relacionados à região.
Olho nas necessidades
Você deve entrar em sala sem preconceitos. “O papel do professor
é investigar o que os alunos fazem e o que pretendem fazer com
PEDAGOGIA134
os estudos. Com base nessas informações, ele vai construir uma
prática para atender às diferentes necessidades de aprendizagem”,
diz Mayra Moura, assessora da organização não governamental
Ação Educativa.
De maneira geral, os adultos buscam uma escola nos moldes antigos
e procuram integrar-se a um lugar em que nunca estiveram ou no
qual passaram pouco tempo. Por isso, valorizam o período de aula
e querem que a escola se adapte a sua forma de ver o mundo. Já
os jovens conhecem bem o ambiente onde estão inseridos e vivem
em um ritmo mais acelerado. Conclusão: você precisa ser um bom
negociador.
Deixar que cada estudante contribua com suas lembranças e vivências
é fundamental para que todos se sintam inseridos. “O adulto traz
consigo uma longa história de conhecimentos acumulados e reflexões
sobre o mundo e as pessoas”, diz Marta Kohl, professora da Faculdade
de Educação da Universidade de São Paulo. “Essas peculiaridades
fazem com que ele tenha maior capacidade de reflexão em
comparação com o jovem.” Você pode capitalizar isso por meio de
atividades que remetam ao cotidiano deles e exemplos que unam
informação teórica com experiência de vida. Se você souber valorizar
a sabedoria dos alunos e estabelecer analogias e ligações com a
realidade deles, vai facilitar o processo de aprendizagem. Outra
vantagem: os estudantes vão se sentir mais confiantes, rompendo
assim o desconforto de estar aprendendo tardiamente.
Espaço da socialização
É natural que quem tenha menos tempo de estudos não sinta
intimidade com a linguagem e a rotina da escola e estranhe propostas
que saiam do tradicional. Por isso, é importante usar estratégias
para conquistar a classe até que se construa, em conjunto, uma
proposta de ensino que atenda às suas necessidades. Os adultos
tendem a ser mais participativos, faltam menos e esperam a
recepção calorosa do educador. Ambientes assim fazem com que
todos fiquem à vontade. Um exemplo da dimensão da escola na vida
dos adultos são as sextas-feiras, geralmente com baixa frequência
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS | TEXTOS COMPLEMENTARES 135
de jovens, mas com participação plena dos mais velhos. O espaço
escolar torna-se um lugar de vivência, de relacionamento e de lazer
para eles. Você pode valorizar esse espaço, colocando na porta a
identificação e expondo atividades realizadas. “Um ambiente assim
contribui para diminuir a evasão, além de aumentar a autoestima
e o rendimento do grupo”, afirma Maria da Conceição Fonseca,
coordenadora do Ensino Fundamental de Jovens e Adultos do Núcleo
de EJA da Universidade Federal de Minas Gerais.
Para atender bem a turma
Identifique quem são e o que fazem seus alunos antes de começar
o trabalho pedagógico.
Disponha mesas e cadeiras de forma a facilitar o diálogo.
Identifique a sala como local onde estudam jovens e adultos,
colocando o nome na porta ou trabalhos expostos nas paredes.
Contextualize novas informações e estabeleça relações com o
cotidiano.
Valorize as habilidades dos estudantes, sua profissão e produções.
Elogie a capacidade de pensar e construir idéias, principalmente
quando alguém demonstrar que se sente incapaz ou inseguro.
Mantenha a turma atenta usando o diálogo e debates, voz firme e em
volume adequado e, ao escrever no quadro-negro, use letras grandes.
Conte a história das descobertas matemáticas e científicas, relacione
a atividade proposta com sua aplicação no cotidiano e proponha
leitura de temas pertinentes.
Quer saber mais?
Ação Educativa, R. General Jardim, 660, 01223-010, São Paulo, SP.
www.acaoeducativa.org
PEDAGOGIA136
Núcleo de Educação de Jovens e Adultos da UFMG, Av. Antônio Car-
los, 6627, Campus Pampulha, 31270-901, Belo Horizonte MG
Aprendendo com a Diferença: Estudos e Pesquisas em Educação de
Jovens e Adultos, Leôncio Soares (org.). 144 págs., Ed. Autêntica, tel.
PICONEz, Stela Bertholo. Educação Escolar de Jovens e Adultos.
São Paulo: Papirus.
UemaNet - Núcleo de Tecnologias para EducaçãoInformações para estudo
Call-Center0800-280-2731
Siteswww.uema.br
www.uemanet.uema.brhttp://ava.uemanet.uema.br
universidade estadual do Maranhão – ueMa
núcleo de tecnoloGias para educação – ueManet
Caro Estudante,
No sentido de melhorar a qualidade do material didático, gostaríamos que você res-pondesse às questões abaixo com presteza e discernimento. Após, destaque a folha da apostila e entregue ao seu Tutor. Não é necessário assinar.
Município: _________________________________ Polo: _______________________
Turma: _________ Data: _____/ _____/__________
Responda as questões abaixo de forma única e objetiva
[O] - ótimo, [B] – bom, [R] - regular, [I] - insuficiente
1 Qualidade gráfica [O] [B] [R] [I]1.1 Encadernação gráfica1.2 Formatação da apostila1.3 Ícones apresentados são informativos1.4 Tamanho da fonte (letra)1.5 Tipo de fonte está visível (Arial, Times New Roman...)1.6 Qualidade de ilustração
2 Conteúdo [O] [B] [R] [I]2.1 Coesão2.2 Coerência2.3 Contextualizado com a realidade e prática2.4 Organização2.5 Programa da disciplina (Ementa)2.6 Incentiva à pesquisa
3 Atividades [O] [B] [R] [I]3.1 Atividades relacionadas com a proposta da disciplina3.2 Atividades relacionadas com a realidade e a prática3.3 Relacionadas ao conteúdo3.4 Contextualizadas com a prática3.5 Claras e de fácil entendimento3.6 Estão relacionadas com as questões das avaliações3.7 São Problematizadoras e incentivam à reflexão3.8 Disponibilizam uma bibliografia complementar
o Material cheGa eM teMpo háBil? siM ( ) não ( )