20
“Libertei um. Libertei-me a mim.“[...] a liberdade para todos só pode vir com a destruição das ficções sociais [...].” “Anarquia e Heteronímia: O Banqueiro Anarquista de Fernando Pessoa” Burghard Baltrusch, Universidade de Vigo http://uvigo.academia.edu/BurghardBaltrusch

Fernando Pessoa: O Banqueiro Anarquista

Embed Size (px)

DESCRIPTION

“Libertei um. Libertei-me a mim. [...] a liberdade para todos só pode vir com a destruição das ficções sociais”: Estas são as conclusões principais do conto filosófico O Banqueiro Anarquista de Fernando Pessoa, publicado em Maio de 1922 no primeiro número da Contemporânea. O conto abre com a descrição de um ambiente desembaraçado e alegadamente civilizado num destes clubes à inglesa, tradicionalmente alheios aos debates intelectuais ou políticos. Depois de um jantar presumivelmente opulento, um banqueiro rico emaranha o seu ingénuo e servil interlocutor, que actua a modo de um discípulo platónico, com o seu raciocínio complexo e paradoxal. Segue-se uma lição iconoclasta e irónica sobre o que este banqueiro, confessadamente açambarcador, considera ser o verdadeiro anarquismo, do qual se declara inventor e partidário fervoroso, apesar de as suas práticas profissionais serem, em última instância, anti-sociais e, empregando uma terminologia mais actual, neoliberais. Já o oximoro sociopolítico do título, “O Banqueiro Anarquista”, desconcerta de imediato a quem lê este conte philosophique, podendo causar, até, um certo desassossego na próxima visita ao multibanco. Além de outros três brevíssimos contos de lógica paradoxal, este é o texto de prosa literária completo mais extenso entre os poucos que Pessoa chegou a publicar em vida.

Citation preview

Page 1: Fernando Pessoa: O Banqueiro Anarquista

“Libertei um. Libertei-me a mim.” “[...] a liberdade para todos só pode vir com a destruição

das ficções sociais [...].”

“Anarquia e Heteronímia: O Banqueiro Anarquista de Fernando Pessoa”

Burghard Baltrusch, Universidade de Vigohttp://uvigo.academia.edu/BurghardBaltrusch

Page 2: Fernando Pessoa: O Banqueiro Anarquista
Page 3: Fernando Pessoa: O Banqueiro Anarquista

Subversão das ideias fundacionais da modernidade:

odesqualificar a ideia que uma fraternidade natural legitimaria os sistemas políticos;ocontrariar a ideia que num estado natural todos os seres humanos seriam iguais e felizes;odesvalorizar a tese que o fortalecimento do interesse próprio e da liberalização do mercado teriam como consequência o bem-estar geral;odesconstruir as ideias românticas escondidas nas utopias políticas;oquestionar a ideia da revolução como estrutura arquetípica e psicologicamente inerente à cultura humana.

Page 4: Fernando Pessoa: O Banqueiro Anarquista

Apontamentos para uma estética não-aristotélica

A arte, portanto, é antes de tudo, um esforço para dominar os outros. [...] Há uma arte que domina captando, outra que domina subjugando.[...]Assim, ao contrário da estética aristotélica, que exige que o indivíduo generalize ou humanize a sua sensibilidade, necessariamente particular e pessoal, nesta teoria o percurso indicado é inverso: é o geral que deve ser particularizado, o humano que se deve pessoalizar, o "exterior" que se deve tornar "interior".

Page 5: Fernando Pessoa: O Banqueiro Anarquista

Apontamentos para uma estética não-aristotélica :

Creio esta teoria mais lógica – se é que há lógica – que a aristotélica; e creio-o pela simples razão de que, nela, a arte fica o contrário da ciência, o que na aristotélica não acontece. Na estética aristotélica, como na ciência, parte-se, em arte, do particular para o geral; nesta teoria parte-se, em arte, do geral para o particular [...].

[...] o artista não-aristotélico subordina tudo à sua sensibilidade, [...] para assim, [...], se tornar um foco emissor abstracto sensível que force os outros, queiram eles ou não, a sentir o que ele sentiu, que os domine pela força inexplicável, [...] como o fundador de religiões converte dogmática e absurdamente as almas alheias na substância de uma doutrina que, no fundo, não é senão ele-próprio.

Page 6: Fernando Pessoa: O Banqueiro Anarquista

O banqueiro:

“Eu não criei tirania. A tirania, que pode ter resultado da minha acção de combate contra as ficções sociais, é uma tirania que não parte de mim, que portanto eu não criei; está nas ficções sociais, eu não ajuntei a elas. Essa tirania é a própria tirania das ficções sociais; e eu não podia, nem me propus, destruir as ficções sociais. Pela centésima vez lhe repito: só a revolução social pode destruir as ficções sociais; antes disso, a acção anarquista perfeita, como a minha, só pode subjugar as ficções sociais, subjugá-las em relação só ao anarquista que põe esse processo em prática, porque esse processo não permite uma mais larga sujeição dessas ficções. Não é de não criar tirania que se trata: é de não criar tirania nova, tirania onde não estava.”

Page 7: Fernando Pessoa: O Banqueiro Anarquista
Page 8: Fernando Pessoa: O Banqueiro Anarquista
Page 9: Fernando Pessoa: O Banqueiro Anarquista
Page 10: Fernando Pessoa: O Banqueiro Anarquista
Page 11: Fernando Pessoa: O Banqueiro Anarquista

“Não há nada superior a mim. […] Assim como o

mundo transformado em propriedade chegou a ser um

material com o qual faço o que quero, assim a razão há-

de tornar-se propiedade e descender a um estado material que já não me inspira nenhuma santa

timidez.”

Page 12: Fernando Pessoa: O Banqueiro Anarquista

“o ser humano é um animal egoísta em

guerra com os outros”

Page 13: Fernando Pessoa: O Banqueiro Anarquista

“Não há critério da verdade senão não concordar consigo

próprio. O universo não concorda consigo próprio, porque passa. A vida não concorda consigo própria

porque morre. O paradoxo é a fórmula típica da Natureza. Por isso toda a verdade tem

uma forma paradoxal.“

Page 14: Fernando Pessoa: O Banqueiro Anarquista

“O anarquismo é a irreligião natural, posta pela Natureza no

coração dos homens”.

Page 15: Fernando Pessoa: O Banqueiro Anarquista
Page 16: Fernando Pessoa: O Banqueiro Anarquista

Página 6 do livro, conclusão da leitura aplicada a Alexander Search:

1. O meu princípio, senão único objectivo [na vida] é a minha própria [?] felicidade. 2. Logo, o ser é [...] a felicidade de cada um.

[...]5. Por isso, o meu interesse está […] em mim mesmo […] minha vida + felicidade para […] mim […] será possível?

Page 17: Fernando Pessoa: O Banqueiro Anarquista

«La propriété est la plus grande force révolutionnaire qui existe et qui se puisse opposer au pouvoir [...]. Où trouver une puissance capable de contre-balancer cette puissance

formidable de l'Etat ? Il n'y en a pas d'autre que la propriété […].

La propriété moderne peut être considérée comme le triomphe de la liberté […]. La propriété est destinée

à devenir, par sa généralisation, le pivot et le ressort de tout le système

social.» (Théorie de la propriété, 1862)

Page 18: Fernando Pessoa: O Banqueiro Anarquista

“Marx disse que as revoluções são a locomotora da história

universal. Mas talvez isto seja completamente distinto.

Talvez as revoluções aconteçam quando a

humanidade, que viaja neste comboio, tire do travão de

emergência.”

Walter Benjamin, notas para as Teses sobre a História

Page 19: Fernando Pessoa: O Banqueiro Anarquista

Fernando Pessoa, Way of the Serpent:

Considerar todas as coisas como acidentes de uma ilusão irracional, embora cada uma se apresente racional para si mesma – nisto reside o princípio da sabedoria. Mas este princípio da sabedoria não é mais que metade do entendimento das mesmas coisas. A outra parte do entendimento consiste no conhecimento dessas coisas, na participação íntima delas. Temos que viver intimamente aquilo que repudiamos. [...] Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo – quando o homem se ergue a este píncaro, está livre, como em todos os píncaros, está só, como em todos os píncaros, està unido ao céu, a que nunca está unido, como em todos os píncaros.

Page 20: Fernando Pessoa: O Banqueiro Anarquista

“Libertei um. Libertei-me a mim.” “[...] a liberdade para todos só pode vir com

a destruição das ficções sociais [...].”

Burghard Baltrusch, Universidade de Vigohttp://uvigo.academia.edu/BurghardBaltrusch