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Licenciatura em Teatro módulo história da arte – educação 2 16

Historia arte ed_2_teatro(2)

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Livro publicado pelo Prolicen da UnB, pela Editora LGE. Brasília, 2010. Autoria: Luciana Hartmann e Taís Ferreira.

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Licenciatura em Teatro

módulohistória da arte –

educação 2 16

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AUTORES DO PROJETO

Universidade Federal do Maranhão (UFMA)

Universidade de Brasília (UnB)

Universidade Federal de Goiás (UFG)

Universidade de Brasília (UnB)

Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes)

Secretaria de Estado da Educação do DF (SEDF)/

Universidade de Brasília (UnB)

Universidade de Brasília (UnB)

Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO)

Itamar Alves Leal dos Santos

José Mauro Barbosa Ribeiro

Leda Maria de Barros Guimarães

Lygia Maria Maurity Sabóia

Raquel Helena de Mendonça e Paula

Sheila Maria Conde Rocha Campello

Suzete Venturelli

Terezinha Maria Losada Moreira

Luciana Hartmann

Taís Ferreira

Universidade de Brasília (UnB)

AUTORAS DO MÓDULO

Ângela Maria Cavalcante Coelho

Arão Nogueira Paranaguá de Santana

Eny Arruda Barbosa

Jorge das Graças Veloso

Universidade Federal de Rondônia (UNIR)

Universidade Federal do Maranhão (UFMA)

Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes)

Universidade de Brasília (UnB)

COORDENADORES DO CURSO

Universidade de Pelotas (UFPel)

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módulo

Licenciatura em Teatro

história da arte –educação 2 16

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HARTMANN, Luciana; FERREIRA, Taís

1. Pedagogia do teatro 2. Teatro na educação 3. Recepção teatral

Módulo 16:História da Arte-Educação 2.Brasília: LGE Editora, 200974p.

ISBN: 978-85-7238-424-7

FICHA CATALOGRÁFICA

EQUIPE EDITORIAL

Conselho editorial: Eny Arruda

Izabel Costa

Lilian Ucker

Maria de Fátima Burgos

Nely Matter

Suzete Venturelli

Organizadores: Jorge das Graças Veloso

Luzirene do Rego Leite

Projeto gráfico: Mario Luiz Belcino Maciel

Coordenação de programação visual: Bruno Ribeiro Braga

Equipe de programação visual: Amanda Priscilla Moreira

André Ramalho Maciel

Daniela Barbosa

Lauro Gontijo

Mariana Rausch Chuquer

Ronaldo Ribeiro da Silva

Designer Educacional: Susy Batista Dias de Araújo

Colaboradores: Samanta Maciel de Lima

Stephanie Pellucio

LGE EDITORA LTDA.CNPJ: 03.307.528/0001-04, CF/DF: 07.399.790/001-14SIA Trecho 3, Lote 1.760, CEP: 71200-030, Brasília-DF

Tel.: 61 3362-0008, Fax: 61 3233-3771Site: www.lgeeditora.com.br

E-mail: [email protected]

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SUMÁRIO

07 INTRODUÇÃO

08 O LUGAR DA ARTE-EDUCAÇÃO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO

12 OS PRESSUPOSTOS CURRICULARES PARA O ENSINO DO TEATRO – PRÓS E CONTRAS

23 TEORIAS, MÉTODOS, TÈCNICAS SOBRE O ENSINO / APRENDIZAGEM DE TEATRO

38 A PEDAGOGIA DO TEATRO – UMA NOVA CATEGORIA PARA NOVAS DEMANDAS

43 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

49 INTRODUÇÃO OU O QUE O ESPECTADOR TEM A VER COM AS AULAS DE TEATRO?

52 A PRODUÇÃO TEATRAL PARA CRIANÇAS E JOVENS NA CONTEMPORANEIDADE: TEATRO COMO PRODUTO NO CIRCUITO DA CULTURA

58 ARTEFATOS TEATRAIS PARA INFÂNCIA E JUVENTUDE

61 PEDAGOGIAS CULTURAIS: ESPAÇOS-TEMPO ONDE SE APRENDE (TAMBÉM) A SER ESPEC-TADOR

63 MEDIAÇÕES OU AQUILO TUDO QUE ESTÁ ENTRE O PALCO E A PLATÉIA

68 LINHAS DE FUGA, PONTOS DE ENCONTRO: A PEDAGOGIA TEATRAL E A RECEPÇÃO TEA-TRAL PODEM CAMINHAR JUNTAS?

72 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

48 UNIDADE 2 – O QUE É UM ESPECTADOR? DOS MODOS DE CONSTITUIR-SE DEN-TRO E FORA DA AULA DE TEATRO

06 UNIDADE 1 – O LUGAR DA ARTE-EDUCAÇÃO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO

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Unidade 1

O Lugar da Arte-Educação no Brasil Contemporâneo

Luciana Hartmann

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INTRODUÇÃOAntes de iniciar nosso percurso pela segunda etapa da história da Arte-Educação no Brasil, quero saudá-los e desejar a todos uma ótima jornada. Espero que a leitura deste texto produza não apenas novos co-nhecimentos, mas satisfações, inquietações e, sobre-tudo, o desejo de continuar aprendendo, sempre.

Inicialmente faremos uma contextualização do lugar da Arte-Educação no Brasil contemporâneo, ainda sob uma abordagem mais ampla, da Arte (com “A” maiúsculo) englobando as quatro linguagens: Ar-tes Visuais, Dança, Música e Teatro. Num segundo momento faremos um levantamento das avaliações críticas – positivas e negativas – que os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) para o ensino do Teatro vêm sofrendo por parte de professores e pesquisa-dores da área. Na sequência trataremos das teorias e propostas metodológicas desenvolvidas a partir de processos criativos realizados por artistas, docentes e pesquisadores, como jogo teatral, jogo dramático, peça didática, pedagogia do oprimido, drama como método de ensino, etnocenologia, antropologia te-atral, etc. Finalmente avaliaremos as novas perspec-tivas teóricas e práticas relativas ao ensino/aprendi-zagem do teatro, nos diversos ambientes (escolar e não-escolar), com um enfoque privilegiado para a discussão dos usos e significados da nova terminolo-gia utilizada para designar nosso campo de saber: a Pedagogia do Teatro.

Imagem disponível em: http://www.

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O LUGAR DA ARTE-EDUCAÇÃO NO BRASIL CONTEMPORÂNEONo Brasil e no mundo a Educação pela Arte ou Arte-Educação vem conquistando um relevante espaço de ação e discussão, tanto dentro quanto fora do am-biente escolar formal. Não temos a pretensão de es-tabelecer “o” lugar que a Arte-Educação ocupa na contemporaneidade, mas apresentar brevemente o contexto de inserção dessa forma de conhecimento lúdica, criativa, onírica e sinestésica, para dizermos o mínimo, na sociedade brasileira nos dias de hoje.

Conseqüência de vitórias em lutas travadas em dife-rentes instâncias ao longo de, pelo menos, os últimos quarenta anos, a Arte-Educação no Brasil conta atu-almente com um discurso sólido, fundamentado, em grande parte, nos resultados oriundos das reflexões ocorridas em reuniões e congressos da Associação e da Federação de Arte-Educadores Brasileiros (FAEB).

Grande parte desse discurso amadureceu e se trans-formou ao longo do tempo, acompanhando com jus-teza as transformações sociais, políticas e ideológicas sofridas pelo Brasil nesse período. Assim, da crença na educação como uma forma neutra de transmis-são e construção de conhecimentos, passamos pela crise das ideologias e pela compreensão de que toda atitude, postura ou comportamento – inclusive dos docentes – será sempre parcial. Chegamos no perí-odo que a profa Sandra Mara Corazza, do Departa-mento de Educação da UFRGS, chama de “desafio da diferença pura” (Corazza, 2003). Segundo esta pro-fessora, a educação em tempos pós-modernos se vê obrigada a confrontar os currículos, as didáticas e as metodologias com elementos mais culturais e menos escolares. Este é um ponto fundamental, que deve ser lembrado para pensarmos nesse novo lugar que a Arte, e sobretudo o Teatro, ocupa na contempora-neidade: não se pode mais buscar respostas ou solu-ções absolutas, pois nossas questões e problemas não são, definitivamente, os mesmos. E esta percepção de que somos sujeitos, produtos e produtores de cul-

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turas, sociedades, tempos, espaços geográficos, reli-giões, economias, sistemas políticos, não pode mais estar separada de nossa atuação docente.

Podemos aproveitar essa discussão para inserir em nossa discussão a questão da educação multicultu-ral. Diferentemente da interdisciplinaridade, que prevê o relacionamento entre diversas disciplinas e a execução de projetos comuns, nos quais as fron-teiras entre as áreas de conhecimento são rompidas, a multidisciplinaridade contempla os trabalhos en-tre disciplinas, sem que estas, no entanto, percam suas especificidades.

Já o Multiculturalismo, que parte do mesmo prefi-xo (multi), está calcado, na perspectiva da arte-edu-cação, no respeito às tradições culturais, artísticas e estéticas dos estudantes, ou seja, na contextualiza-ção de suas origens e de seus grupos sociais. Tam-bém entendido como pluralidade cultural, este é um dos temas transversais previstos nos PCNs. O concei-to chega ao Brasil através de discussões iniciadas nos EUA e na Europa, relativas aos seus problemas sociais (preconceito racial, étnico, etc.). Aqui vai encontrar reverberação nestas e em outras questões, como a

Imagem disponível em: http://3.bp.blogspot.

com/_UbYo9I1p9Kw/SdccmHsZ6aI/

AAAAAAAAAQc/rw5fXQX9Yug/s320/

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desigualdade social e a discriminação, encobertas, por exemplo, pelo “mito das três raças”1.

A necessidade de contextualização, que é fortemen-te defendida por algumas das principais correntes da educação contemporânea, é também uma das gran-des – e talvez principais – bandeiras da antropologia. Sem contextualização não há possibilidade de com-preensão dos processos sociais, e sem essa compre-ensão não há possibilidade de se atingir uma comu-nicação democrática e produtiva entre as diferentes culturas. Transportando essa idéia para a sala de aula, podemos pensar que se para a antropologia a idéia de educação pode compreender os processos formais e informais pelos quais a cultura é transmitida aos indivíduos, a Educação Multicultural seria o processo pelo qual uma pessoa desenvolve competências em múltiplos sistemas de perceber, avaliar, acreditar e fazer (Richter, 2007: 86). A compreensão destes pro-

1 Idéia bastante difundida a partir do final do século XIX e consagrada por pen-sadores como Gilberto Freyre, este “mito” ou “fábula”, no sentido pejorativo, pretende uma participação igualitária das três raças, européia (português), negra (escravo africano) e indígena (nativo) na formação da sociedade brasileira.

Imagem disponível em: http://blast-illustration.

blogspot.com/2008/05/multiculturalidade.html

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cessos por parte do docente de arte e sua introdução no ambiente de ensino-aprendizagem permite maior riqueza no desenvolvimento das atividades didáticas, ao mesmo tempo em que democratiza e valoriza o conhecimento prévio de cada aluno. Nesta proposta, o aluno deixa de ser visto como uma tabula rasa a ser preenchida e passa a ser respeitado como um sujei-to que pode compartilhar, dar e receber saberes de ordens diversas. Como observa Clarice Cohn em seu livro Antropologia da Criança:

(...) ao invés de se estabelecer um apreciação gene-ralizante e universalizante sobre os conhecimentos e os modelos de ensino e aprendizagem, devemos observar contextualizadamente concepções, meios e processos: em cada caso, uma concepção de pes-soa, criança, e aprendizagem conformará um mo-delo específico de transmissão e apropriação de co-nhecimentos. (COHN, 2005: 38,39)

Antes de adentrarmos no campo de avaliação da po-tencial eficácia dos PCN, será importante revermos a própria relação entre o Teatro e a Educação e os múltiplos significados que têm sido atribuídos a ela. Somente a partir do estabelecimento de um “chão comum” em relação aos conceitos é que poderemos avançar no debate e implementar propostas mais afi-nadas com as reflexões que vem sendo produzidas na Arte-Educação contemporânea.

Historicamente os fundamentos do Teatro na Educa-ção foram estabelecidos sob a perspectiva da educa-ção. No entanto, atualmente essa relação se inverte, pois são os conteúdos e metodologias específicas do Teatro que direcionam nossa reflexão e prática teatral em sala de aula. A partir da reestruturação da relação entre a arte e a educação passamos da denominação Educação Artística para Arte, de mera atividade edu-cativa atingimos o estatuto de disciplina e do Teatro-Educação chegamos à Pedagogia do Teatro.

Esse processo de mudança conceitual, da mesma for-ma que reflete uma transformação nas posturas em relação ao ensino-aprendizagem de Teatro, também deve refletir, influenciar e gerar novas abordagens nesse campo de atuação. Portanto, fique atento para essa nova terminologia – Pedagogia do Teatro – pois ela propõe novas posturas e novos sentidos para nos-so papel como educadores de/em Teatro.

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OS PRESSUPOSTOS CURRICU-LARES PARA O ENSINO DO TEATRO – PRÓS E CONTRASEmbora se tenha notícia do uso do teatro na educa-ção formal e, num sentido mais amplo, nos processos informais de aprendizagem no Brasil, desde o início de sua colonização, a presença efetiva do teatro na escola só ocorreu de fato a partir da lei 5692/71, que estipula a obrigatoriedade da Educação Artística. Uma ação concreta no sentido de definir as especifi-cidades do ensino de Teatro, no entanto, só ocorre a partir da instauração dos novos PCN, no ano de 2000.2

Em texto de 2001, os professores Arão Paranaguá de Santana, da UFMA, e Yara Rosas Peregrino, da UFPB, desenvolvem uma elucidativa análise crítica da pro-posta dos PCN. Um dos primeiros aspectos – negati-vos – considerados pelos autores é que as considera-ções introdutórias da parte de teatro, no documento para as séries iniciais, são muito vagas, podendo ser-vir para qualquer outra área de conhecimento. Por outro lado, os autores vêem como positiva a preo-cupação dos PCN em ressaltar a importância que o conhecimento específico das etapas do desenvolvi-mento da linguagem dramática e sua relação com o processo cognitivo têm para o ensino de teatro – que não ocorre, por exemplo, em relação às outras áre-as, como Artes Visuais, que em geral determinam as perspectivas de abordagem em artes. No entanto, é criticada a falta de contextualização desta opção epistemológica que, para os autores, parece aproxi-mar-se do construtivismo, ignorando, portanto, ou-tras trajetórias da teoria curricular contemporânea (PEREGRINO; SANTANA, 2001: 99). Outro aspecto levantado pelos autores é a falta de definição das vertentes teóricos e metodológicas que orientam a inclusão dos jogos na prática educacional em teatro. Neste sentido, ofereceremos adiante algumas sínte-ses de propostas contemporâneas de utilização de jogos, improvisações, dramatizações, desenvolvidas por diferentes autores, professores ou pesquisadores no ensino/aprendizagem do Teatro.

Ainda em relação aos PCN, um aspecto positivo res-saltado pelos autores, nas propostas para os diferen-

2 PCN-Arte I e PNC-Arte II.

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tes níveis, diz respeito à orientação no sentido de aproximar a vivência do aluno de sua prática em sala de aula, ou seja, a contextualização dos conteúdos curriculares de Arte/Teatro de acordo com a realida-de sócio-cultural dos alunos. Embora partindo desta necessária contextualização, que permite que os con-teúdos adquiram significado, os PCN não restringem o processo educacional em Arte a este aspecto, pro-pondo também que se oportunize aos alunos experi-ências artísticas diferenciadas, permitindo a amplia-ção de seu universo de apreciação e a conseqüente produção de um pensamento crítico.

Considerando isso, pode-se afirmar que a chamada Abordagem Triangular sistematizada e difundida no Brasil por Ana Mae Barbosa (1991), formada pelos ei-xos produção, apreciação e reflexão, está contempla-da nos PCNs para o ensino da arte, porém, na propos-ta de Teatro para o Ensino Fundamental (PCN-Arte I), Peregrino e Santana (2001: 104) observam que os conteúdos não estão situados claramente em cada um dos eixos, o que pode dificultar uma condução sistemática destes por parte do professor. Já no do-cumento relativo ao Ensino Médio, as especificidades da linguagem estão contempladas, pois os conteúdos encontram-se relacionados de maneira mais direta aos três eixos norteadores, cujos conceitos, embora alterados neste nível de ensino para produção, apre-ciação e contextualização, não diferem sensivelmen-te em seu conteúdo semântico e função.

Não se pode ignorar, no entanto, que a adoção da Abordagem Triangular como suporte pedagógico para o ensino de Artes tem encontrado algumas res-salvas, especialmente no que tange ao ensino de Te-atro, visando sobretudo não torná-lo excessivamente explicativo e pouco prático/vivencial.

Uma alternativa para a questão pode ser encontrada na proposta do prof. Graça Veloso (2008), de abor-dagem do ensino-aprendizagem especificamente voltada para as Artes Cênicas. Nesta, a triangulação é pensada sob a perspectiva das práticas cênicas, fa-cilitando o estabelecimento de uma relação mais di-reta com os conteúdos curriculares de Teatro e suas possibilidades de trabalho em sala de aula, nos mais diversos níveis de aprendizagem.

Ao enfocar as práticas cênicas em sua multiplicidade e multiculturalidade, o prof. Graça chama a atenção

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para a necessidade de olhar para o Teatro não mais a partir da visão linear e historicista vigente nas ma-trizes curriculares brasileiras, ampliando o campo de atuação do professor disposto a repensar os sentidos de fazer e ensinar teatro no século XXI.

Historicamente o ensino de Artes no Brasil esteve pautado, em grande medida, numa produção rela-cionada às Artes Plásticas (desenho, pintura, escultu-ra, etc.). A própria idéia de polivalência trazida pelos cursos de Educação Artística, implementados a partir de 1971, resultou numa proposta dificilmente aplicá-vel, que teve como conseqüência prática a prioriza-ção, por parte da grande maioria dos professores, do ensino de Artes Plásticas. Como esta é uma área que tem uma longa e sólida tradição de ensino e pesqui-sa, é natural que acabasse se estabelecendo como re-ferência para as demais linguagens artísticas. No en-tanto, diante da insatisfação gerada por esta ênfase e da lacuna deixada no que diz respeito ao espectro da aprendizagem de Arte na escola, são implantados, em 1998, os novos PCN, que reconhecem as especi-ficidades dos demais campos de saber da área: Dan-ça, Música e Teatro, juntamente com as Artes Visuais, como linguagens artísticas. É neste sentido que tor-na-se importante que trabalhemos na perspectiva de sistematizar os conhecimentos da linguagem teatral, para que possamos melhor compreender as especifi-cidades de nosso campo de atuação.

Nesta necessária problematização do PCN, a profa. Ingrid Koudela, do Depto. de Artes Cênicas da USP, aponta que os Parâmetros para a área de Arte, ao incorporarem como eixos de aprendizagem a apre-ciação estética e a contextualização, somadas à ex-pressividade/produção de arte pela criança e pelo jovem, representam um grande avanço. De acordo com ela, “essa proposta vem promovendo o poten-cial do Teatro como exercício de cidadania e o cres-cimento da competência cultural dos alunos” (2002: 234). A profa ressalta a importância da inclusão do eixo “apreciação”, a partir do qual a questão do pa-pel do receptor e da relação dialógica gerada atra-vés da obras de arte são particularmente valorizadas. Dessa forma, o Teatro no processo educacional passa a ser pensado não apenas enquanto produção (exer-cícios de improvisação, jogos, montagens de espetá-culos), mas também como recepção (assistir espetá-culos, analisá-los, criticá-los). Koudela aponta ainda que o efetivo deslocamento para o teatro – sala de

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espetáculos – permite aos alunos uma experiência estética diferenciada, pois os coloca em contato di-reto com a totalidade dos elementos que compõem um espetáculo: iluminação, sonoplastia, cenografia, maquiagem, atuação, dramaturgia, direção, entre outros. Vale lembrar que todos estes elementos po-dem ser, na volta à sala de aula, ricamente aproveita-dos como objetos de análise. E na medida em que os alunos tenham experiências estéticas diferenciadas, maior será sua compreensão e domínio da lingua-gem teatral. No entanto, embora pretenda oferecer uma referência completa, para o professor, ao ensino e estudo das artes na escola, o PCN-Arte não explo-ra o potencial que o fazer artístico, em suas diversas instâncias, oferece para o desenvolvimento cognitivo e emocional de crianças e jovens.

Neste sentido, seria importante reforçar a necessida-de, mais premente a cada dia dessa “pós-modernida-de” em que nos encontramos, de rompimento com a relação hierárquica tradicionalmente estabelecida tanto na prática quanto no ensino do Teatro, que posicionava ora o dramaturgo, ora o diretor, e mais contemporaneamente, o ator, no topo da escala. As metodologias de trabalho em teatro / com teatro, não deveriam pautar com exclusividade a formação do ator, mas acolher a riqueza pertinente à teatrali-dade em toda a sua abrangência, como uma arte que congrega outras artes (dança, canto, música, literatu-ra, artes visuais, etc.).

Ainda nesta linha de reflexão, podemos também pensar nas consequências geradas pela ênfase do trabalho teatral, especialmente em sala de aula, no

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processo – expressivo – não no produto dramático. Para a profa. Biange Cabral, do Departamento de Ar-tes Cênicas da UDESC, esta perspectiva de trabalho, obscureceria a idéia do teatro como “arte e ofício”. Para além da crítica, que será problematizada abai-xo, a proposta de relacionar arte a trabalho, a um saber específico, é valiosa e pode/deve ser utilizada na busca pela legitimação do teatro – e de suas espe-cificidades – no ambiente escolar.

Os processos de ensino/aprendizagem em Teatro e, sobretudo, de troca e conhecimentos que marca o desenvolvimento destes em sala de aula, só tem a ga-nhar com essa abordagem mais igualitária e equili-brada de seus componentes. Com isso, nossos alunos, dos 8 aos 80 anos, se sentirão mais livres e confiantes para se aventurar no maravilhoso e multifacetado universo do Teatro.

A profa. Biange também propõe uma reflexão crítica sobre a atual configuração dos parâmetros curricu-lares relacionados à área de teatro no ensino funda-mental, no ensino médio e no ensino superior. Para ela, a discussão dos PCNs para o ensino superior deve partir da constatação das necessidades do ensino fundamental e das “pedagogias invisíveis” (Cabral, 2000) que orientam as atividades escolares e a práti-ca teatral em sala de aula e na comunidade. Ao cha-

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http://voluntariado.fb.org.br/

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mar a atenção para o fato de que existem múltiplas pedagogias e que nem todas são evidentes ao olhar menos atento, a autora aponta para a importância da promoção da sensibilidade do professor para que essas pedagogias possam se tornar visíveis e, sobre-tudo, objetos de análise, avaliação e, se for o caso, revisão e transformação.

Muitas destas pedagogias invisíveis se configuram como reproduções de comportamentos, normas e valores culturais que são naturalizados e, por esse motivo, não são percebidos nem problematizados pelos professores. Como exemplo poderíamos pensar no vocabulário que por vezes vem à tona em aulas de Teatro, quando o professor valoriza o “talento” de um aluno, comparando-os aos demais e posicio-nando-o numa escala hierarquicamente superior em relação aos demais colegas. Comparar desempenhos de alunos em aulas de Teatro envolve uma comple-xa reflexão que tem relação direta com os proces-sos avaliativos previstos ao longo de uma disciplina de Teatro. O que e como avaliar devem ser questões norteadas, antes de tudo, pelos objetivos da discipli-na e não pelo aparecimento aleatório de “talentos” individuais. O Teatro, sobretudo na sala de aula, na contemporaneidade, deve fundamentalmente ser in-clusivo e não discriminatório e excludente.

Embora saibamos que o eixo “produção” foi aque-le que historicamente mais recebeu atenção dos estudos teatrais, e que o eixo “contextualização” seja fundamental para a construção do conhecimento em Arte – e aqui podemos pensar no desenvolvimen-to de novas sub-áreas como a “Etnocenologia”, os “Estudos de Performance”, entre outros (que serão retomados adiante) – é no eixo “recepção” que ve-

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mos atualmente, no campo do teatro, talvez a maior proliferação de estudos, pesquisas e publicações.

A importância conferida ao espectador de teatro, a partir do início do século XX, estimulada por estra-tégias como a “quebra da quarta parede” e a reve-lação de todos os elementos cênicos (preparação do ator nas coxias, contra-regragem visível, recursos de iluminação e sonoplastia tornados explícitos, etc.) denota uma busca, por parte dos encenadores, em despertar na platéia uma participação efetiva e não mais de assistência passiva, submetida a uma preten-sa ilusão criada pela cena e incólume aos fragmentos de vida representados no palco (ver quadro abaixo).

A revolução operada pela nova relação estabelecida com o espectador representou uma mudança de para-digma não apenas no sentido da construção da cena (no âmbito da dramaturgia, do espaço, tempo e repre-sentação), mas também na própria função do teatro. Embora ao longo do século XX este processo tenha se intensificado na cena teatral, o mesmo não se refletiu no trabalho nas salas de aula, que durante o mesmo período, em larga escala, esteve calcado na produção

SAIBA MAIS:

Alguns encenadores/pesquisadores da primeira metade do século XX exerceram papel fundamental na instauração deste processo. Vale ressaltar alguns deles: Meyerhold (1874-1940), contemporâneo de Stanislavski, nega o distanciamento entre a cena e a platéia e é responsável pela eliminação da quarta parede; Artaud (1896-1948), totalmente contra o uso do palco italiano, propõe o envolvimento físico, direto do espectador com a encenação, na qual passa a ocupar um lugar central – literalmente, pois deve estar posicionado no centro do palco; Brecht (1898-1956), considera que o teatro deve provocar no espectador possibilidades de reflexão crítica, para isso utiliza processos de “distanciamento” que estão constantemente lembrando ao público que o que está sendo visto é teatro e não a vida real; Living Theatre, grupo de teatro norte-americano que inicia suas atividades logo após o término da Segunda Guerra Mundial, parte da vontade revolucionária de mudar a sociedade a partir da transformação dos espectadores. Levam o teatro para a rua e para espaços alternativos e provocam o público a participar diretamente das encenações; no Brasil, já na segunda metade do século XX, Augusto Boal sofre influência direta tanto do Living Theatre quanto de Brecht, a partir da qual desenvolve seu Teatro do Oprimido e técnicas como o Teatro do Invisível.

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de pequenos espetáculos que poderiam “abrilhantar” eventos comemorativos de datas cívicas.

É no sentido de aproximar o ensino/aprendizagem de teatro da reflexão suscitada por este novo paradigma que autores como Flávio Desgranges vêm desenvol-vendo seu trabalho. Partindo da constatação de que o teatro possui uma dimensão pedagógica intrínseca, este autor vê no espectador o protagonista das novas relações instituídas pelo processo de desconstrução das ilusões cênicas. É a partir de uma “Pedagogia do Es-pectador” que estas relações podem ser conhecidas e aprofundadas, permitindo o desenvolvimento de uma arte do espectador, na qual este seja sujeito de um ato criativo, produtivo, autoral. Para ele, se a atuação do espectador precisa ser tomada a partir de uma perspec-tiva artística, precisa-se também afirmar a necessidade de formação desse espectador – já que a capacidade de analisar (e, podemos pensar, fruir) uma peça teatral não é somente um talento natural, mas uma conquis-ta cultural. (Desgranges, 2006: 37) A relevância deste novo enfoque fica evidente na reflexão e no exemplo fornecidos pelo autor, citados abaixo:

A conquista da linguagem teatral pelo espectador implica o desenvolvimento de um senso estético e um olhar crítico – olhar armado, exigente, atento à qualidade do espetáculo, que reflete sobre os fatos apresentados e não se contenta em ser apenas em ser o receptáculo de um discurso monológico, que impõe um silêncio passivo. A aquisição da linguagem teatral capacita o espectador a interpretar a obra, desempenhando uma efetiva participação no fato artístico e assumindo a autoria da narrativa apre-sentada, mantendo viva sua possibilidade de cons-trução e reconstrução da história.

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Uma pesquisa realizada, na década de 1990, com crianças extremamente desfavorecidas do subúr-bio da cidade de Lion, na França, mostrou que uma das principais características dessas crianças, que se sentiam fracassadas pessoal e socialmente, era a ab-soluta incapacidade de pensar numa história, a sua história (Meirieu, 1993). A investigação ressalta ainda que nas conversas travadas com essas crianças, que tinham entre seis e doze anos, em que lhes foi pe-dido para contar a própria vida, a própria história, pôde-se perceber a grande dificuldade que demons-travam em se referir ao passado, mesmo recente. Foi possível perceber que elas utilizavam constantemen-te o “você” e o “a gente”, e quase nunca o pronome “eu”, e que se mostravam incapazes, mesmo as mais velhas, de utilizar “estas pequenas expressões tão fundamentais para dar sentido à vida, que são: ‘foi a partir deste momento que eu compreendi’, ‘teve um momento em minha vida que aconteceu isto e me levou a decidir isto’, ‘eu descobri que’, etc. (ibidem, p. 15). A pesquisa ressalta ainda o fato de que, dentre as crianças entrevistadas, as habituadas a frequentar salas de teatro e cinema revelavam a maior facilida-de em utilizar esse tipo de discurso narrativo, apon-tando para a conclusão de que aprender a assistir e interpretar uma história é aprender a contar e cons-truir a própria história. (Desgranges, 2003: 172, 173)

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Como a profa. Taís desenvolverá com maior profun-didade em seu texto, a preparação de espectadores, embora não haja regras explícitas – e nem mais cor-retas que outras – é um dos grandes desafios que se colocam para o professor de Teatro no contexto atu-al. A idéia de que o professor exerce um papel im-portante como mediador nesse processo impõe sua presença nesta reflexão. E tanto maior será o desafio quando se considera a heterogeneidade das encena-ções teatrais contemporâneas, que não tomam mais como premissa a narratividade – ou o drama – em cena. O “pós-dramático” – denominação que pre-tende olhar as especificidades do fenômeno pós-mo-derno no campo teatral – concorde-se ou não com o conceito3, se impõe e temos que lidar com textos não-dramáticos em cena, jogos entre ficção e reali-dade, interpretações das mais variadas naturezas (do ultra-naturalismo ao expressionismo ou às partituras cênicas desconectadas do texto), espacialidades não-convencionais, etc. Embora o teatro infantil – aquele apresentado às crianças, nossos alunos – ainda mante-nha uma estrutura de encenação mais convencional, também nele os reflexos desta implosão dos padrões cênicos já podem ser sentidos. Diversas estratégias metodológicas tem sido pensadas no sentido de via-bilizar esta mediação do professor e desenvolvimento da capacidade de apreciação e avaliação dos alunos. Como exemplo podemos citar algumas propostas fei-tas por Robson Rosseto (2008: 80, 81):

As atividades em sala de aula que visam preparar o aluno para assistir a um determinado espetáculo, cer-tamente, estarão atuando e interferindo no seu hori-zonte de expectativas. Nesse caso, o objetivo é prepa-rar e instaurar um clima de expectativas com relação ao espetáculo que os alunos irão assistir, por meio da utilização de algum elemento representativo deste espetáculo. Por exemplo, explorar o tema, focos das ações principais, imagens (de movimento/imobilida-de, multidão/solidão, silêncio/barulho, luz/escuridão), dentre outras. Poderão acontecer improvisações ao utilizar o tema central a partir de algum adereço ou objeto, dos ruídos e de outras possibilidades por meio da utilização de alguma referência do espetáculo escolhido, visando a uma aproximação prévia como universo cênico constituinte daquela encenação. O objetivo não é “traduzir” ou “explicar” o espetáculo,

3 Para maior aprofundamento na discussão sobre a “operacionalidade” do con-ceito “pós-dramático” ver FERNANDES, S. (org.), 2008.

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pelo contrário, o intuito é de familiarização sobre um determinado elemento utilizado pela encenação, para provocar expectativas sobre o espetáculo. (...) Posterior à ida ao espetáculo, ao se trabalhar com jo-gos dramáticos, jogos de improvisação, o professor estará percebendo a recepção do aluno, sob o foco de captar as impressões, dúvidas, preconceitos, e etc.

A sistematização da abordagem da arte teatral pelo professor de teatro, através da implementação de um discurso teórico, histórico e técnico a seu respeito, per-mite instrumentalizar jovens e crianças para que pos-sam participar/ter acesso à cultura teatral de maneira mais completa, abrangente e inclusiva. Para o desen-volvimento mais eficaz de qualquer tipo de constru-ção de conhecimento é necessária a união entre teoria e prática, forma e conteúdo, ação e reflexão.

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TEORIAS, MÉTODOS, TÉCNICAS SOBRE O ENSINO/APRENDIZAGEM DE TEATRONeste momento, adotando como cenário a discussão introdutória feita no texto sobre o lugar da Arte-educação no Brasil contemporâneo e a reflexão so-bre os Parâmetros que regem os currículos escolares da área de Arte na atualidade, trataremos mais es-pecificamente das teorias e propostas metodológicas desenvolvidas a partir de processos criativos reali-zados por artistas, docentes e pesquisadores, como jogos improvisacionais, jogo teatral, jogo dramático, peça didática, pedagogia do oprimido, drama como método de ensino, etnocenologia, antropologia tea-tral e os estudos da performance. Estas não esgotam as possibilidades de trabalho prático e de reflexão sobre o Teatro como Pedagogia, porém são repre-sentativas de algumas das principais tendências de abordagem da linguagem teatral nos últimos cin-qüenta anos.

x Jogos Improvisacionais: denominação genérica para aqueles exercícios teatrais em que um ou mais jogadores-atores executam uma cena de maneira improvisada, ou seja, sem ensaio. A cena pode ser improvisada a partir de uma breve com-binação estabelecida pelos jogadores-atores, ou mesmo sem nenhuma combinação prévia, partin-do-se de uma proposta dada pelo coordenador do processo. Os demais integrantes do grupo se colocam, geralmente, como jogadores-espectado-res da cena apresentada. O exercício continua até que todos os integrantes do grupo apresentem as suas cenas. Normalmente, depois da apresentação

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das cenas, o grupo conversa e analisa a experiên-cia. (Desgranges, 2006: 87)

ExEmplo dE jogo improvisacional:

A professora divide a turma em grupos e orienta a improvisação de cada grupo a partir de uma propos-ta temática, como ditados populares: “Água mole em pedra dura tanto bate até que fura”, “Olho por olho, dente por dente”, “Quem com ferro fere, com ferro será ferido”. Os grupos dispõe de um breve tempo para estruturar a improvisação, de acordo com o significado que atribuem ao ditado. Após a apresentação do exercício de improvisação de cada grupo, o restante da turma deve tentar descobrir qual o ditado foi encenado. No final da aula a pro-fessora coordena um debate sobre as possibilidades de interpretação e, consequentemente, de repre-sentação teatral de cada ditado.

x Jogo Dramático: embora tenha como principal re-ferência a obra de Peter Slade, O Jogo Dramático Infantil (1978), esta modalidade de jogo não se constitui como uma estrutura metodológica rígi-da, pois permite aos professores utilizarem-no de diferentes formas, a partir de sua realidade e de acordo com suas demandas. Slade compreende o jogo como um comportamento natural dos seres humanos. O jogo seria “a maneira da criança pen-sar, comprovar, relaxar, trabalhar, lembrar, ousar, experimentar, criar e absorver.” (op. it.: 18). Carac-terizado, portanto, como um comportamento es-pontâneo, o jogo dramático só se aproxima do te-atro através do uso que dele possa fazer o adulto/professor, embora seu principal objetivo não seja a inserção da criança no universo do teatro pro-priamente dito e sim o desenvolvimento de sua personalidade. Já o Jogo Dramático de linhagem

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francesa (jeu dramatique), ao contrário, se conec-ta de maneira mais direta à prática teatral, pro-pondo que seus participantes, sem perderem a es-pontaneidade característica do jogo, “conquistem a capacidade de criar, organizar, emitir e analisar um discurso cênico” (Desgranges, 2006: 94). Nesta última acepção, vale ainda salientar, os papéis dos jogadores e dos espectadores aparecem bem de-finidos e alternam-se ao longo das atividades, en-quanto na primeira o grupo todo pode se consti-tuir como jogador, sem que haja uma platéia que o observe e avalie. Podemos citar como uma das maiores referências da tradição francesa o autor Jean-Pierre Ryngaert, que teve recentemente seu livro clássico sobre o tema, Jogar, Representar – práticas dramáticas e formação, traduzido para o português, e no Brasil as professoras Olga Rever-bel e Maria Lúcia Pupo. Como exemplo de uma es-tratégia de trabalho com o jogo dramático, além da descrição oferecida abaixo, trago uma reflexão de Ryngaert (2009: 236):

Quando uma oficina de jogo não fornece modelos de imitação, impõe ‘padrões’ a serem reproduzidos, ela conta com a invenção. Apesar disso, essa inven-ção potencial está contaminada pelas idéias que os jogadores têm da estética teatral e daquilo que se diz e se faz nos teatros. A improvisação não é ga-rantia de um produto original, saído inteiramente pronto da imaginação do improvisador; como já dis-semos, muitas vezes a improvisação se limita a es-quemas familiares e a estereótipos. Como poderia o jogador ser capaz de um ato criativo se ele vive uma espécie de aprendizagem e se, dentro de um perí-odo, segundo a tradição, ele deve imitar modelos antes de sonhar com obras pessoais?

ExEmplo dE jogo dramático com crianças dE 11 a 13 anos (in sladE, 1978: p. 66)

Para PrinciPiantes

Se as crianças forem inexperientes comece construin-do uma história ou situação com idéias reunidas en-tre as crianças e as suas; essas naturalmente serão “mais velhas” do que as mostradas nos exemplos do curso primário.

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exemPlo – alguém sugeriu uma estação ferroviária:

Professor: “Que tipo de gente aparece numa estação?”

Ao nível do pré-primário, a resposta esperada seria “trem”, “homem com bandeirinha”, etc. Aqui com as crianças maiores, elas são:

h Uma velha senhora cansada; h Um passageiro irritado e apressado que perdeu a

passagem; h Um cachorro amedrontado.

Podemos ajudá-las a adquirirem mais senso de carac-terização e de situação, e maior observação do dra-ma cotidiano da vida.

Toda sala de aula ou salão pode então ser transfor-mado numa estação de estrada de ferro; mais tarde, quando já se ganhou alguma prática de ser essa gen-te, pode-se introduzir uma situação simples, como por exemplo, alguém furtando a bolsa da velha senhora, ou o cachorro assustado latindo para um velho, etc. Essas cenas precoces podem ser bem curtas, mas po-dem ser feitas em sucessão bem rápida. Mantenha as coisas em andamento para que a cena não morra.

x Jogo Teatral: sistematizados pela norte-americana Viola Spolin na década de 40, os Jogos Teatrais passaram a ser amplamente conhecidos no Brasil a partir da publicação do livro Improvisação para o Teatro, traduzido por Ingrid Koudela e Eduardo Amós, em 1984. Também chamados de “Jogos de Regras”, estes se caracterizam pela divisão do gru-po de participantes entre os que jogam e os que as-sistem, pela clareza e objetividade na transmissão das regras e pelo foco preciso na resolução do pro-blema a que se propõe cada exercício. Spolin inicia seu livro dizendo: “Todas as pessoas são capazes de atuar no palco. Todas as pessoas são capazes de improvisar. As pessoas que desejarem são capazes de jogar e aprender a ter valor no palco.” (2001: 4) Ou seja, para a autora o importante é o processo de desenvolvimento pessoal e de grupo que os jo-gos podem gerar: “Aprendemos através da experi-ência, e ninguém ensina nada a ninguém” (idem). Através dos jogos esta educadora propõe aos par-ticipantes um mergulho de corpo-mente na lingua-gem do teatro, não apenas como atuantes, mas também como espectadores críticos. A partir de jo-gos pautados em perguntas como: QUEM?, ONDE?,

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O QUE?, diferentes elementos constituintes da lin-guagem teatral são explorados (personagens, es-paços cênicos, conflitos – ações dramáticas, etc.). A proposta de Spolin é composta de três aspectos que se completam: a Solução de Problemas – através de instruções precisas dadas por um professor aos jo-gadores, um problema de natureza cênica deve ser experimentado e solucionado na área de jogo; o Ponto de Concentração – direciona os participantes a cumprir determinado objetivo, como por exem-plo criar um objeto, um personagem ou um lugar através da sua fisicalização (mostrando e não con-tando); a Avaliação, que é realizada inicialmente pelo grupo que assiste e num momento seguinte por todo o grupo – os espectadores, desta forma, assumem um papel ativo. Apesar de enfatizar a im-portância de o professor ter claro e sistematizado o método com o qual está trabalhando, a autora também insiste no cuidado que se deve ter para evitar um enrijecimento demasiado deste sistema. Tratando de chamar a atenção para que o modo de ação planejado possa continuar sendo livre, a au-tora desafia o leitor-professor de teatro: “nenhum sistema deve ser um sistema” (Spolin, 2001: 17).

ExEmplo dE uso dE jogo tEatral (in spolin, 2001: 57-58):

Jogo da bola:

h Introdução do exercício: o grupo é dividido em dois, um que joga e outro que observa. O primeiro grupo que sobe ao palco decide sobre o tamanho da bola (imaginária) e, depois, os membros jogam a bola de um para o outro. Uma vez começado o jogo, o profes-sor-diretor dirá que a bola terá vários pesos.

h Ponto de concentração: no peso e no tamanho da bola h Instrução: A bola é cem vezes mais leve! A bola é cem

vezes mais pesada! A bola é normal novamente! h Avaliação: todos os jogadores se concentraram no peso

da bola? Eles mostraram ou contaram?

Pontos de observação:

1. observe os alunos que usam o corpo para mostra o relacionamento com a bola. O corpo tornou-se leve e flutuou com a bola mais leve? O corpo tornou-se pesado com a bola mais pesada? Não chame a aten-ção dos alunos para isso até que o problema tenha sido trabalhado. Se a Avaliação for dada antes que todos tenham ido ao palco, muitos tentarão agradar

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o professor e representarão leveza ou peso ao invés de sustentar o Ponto de Concentração (que produz espontaneamente o resultado que procuramos)

2. junto com este exercício, faça com que o grupo jogue beisebol, pingue-pongue, basquete, etc.

x O Drama como Método de Ensino: pesquisado e utilizado no Brasil especialmente pela profa. Biange Cabral, da UDESC, a partir do modelo de drama-processo inglês, desenvolvido por Dorothy Heathcote e Gavin Bolton, este se constitui numa subárea do fazer teatral e está baseado num pro-cesso contínuo de exploração de formas e conte-údos relacionando-se com um determinado foco de investigação (selecionado pelo professor ou negociado entre professor e aluno). Caracteriza-do como uma “prática sobre a pesquisa” (e não como ocorre mais comumente, uma pesquisa so-bre a prática), o drama se identifica pelo grau de visibilidade no foco de pesquisa, que torna evi-dente as questões que estão sendo investigadas e as suas múltiplas formas de resposta (Cabral, 2006). Embora envolvendo processos bastan-te distintos, o Drama e o Sistema de Jogos Tea-trais se assemelham na preocupação que tem com o foco do trabalho e com a ênfase na pos-sibilidade de múltiplas respostas às questões que surgem no decorrer do jogo: não há um modo certo ou errado de solucionar os problemas, a solução se dá na relação, na dinâmica instituída pelo próprio jogo entre os atores sociais/alunos. Como processo, o drama articula uma série de epi-sódios, os quais são constituídos e definidos com base em convenções teatrais criadas para possi-bilitar seu seqüenciamento e aprofundamento. Algumas características básicas são associadas ao drama como atividade de ensino: contexto e cir-cunstâncias de ficção, que tenham alguma resso-nância com o contexto real ou com os interesses específicos dos participantes; processo em desen-volvimento através de episódios, um pré-texto que delimite e potencialize a construção da nar-rativa teatral em grupo; e a mediação de um pro-fessor-personagem, que permite focalizar a situa-ção sob perspectivas e obstáculos diversos. Entre as estratégias que articulam essas características, algumas, de acordo com Cabral (2006: 12) são fun-damentais: as convenções teatrais que identificam

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formas distintas de ação dramática, a quantidade e a qualidade do material oferecido aos partici-pantes, a delimitação e ambientação cênica.

ExEmplo dE procEsso dE drama (in cabral, 2006: 45-56):

cavernas

O tema cavernas foi escolhido pela atração que gera na infância, com imagens de mistério, de esconderi-jo, de tocas de animais selvagens, de minas de pedras preciosas ou tesouros de épocas passadas e também pela possibilidade de, a partir dele, serem abordadas questões de preservação do meio ambiente, ecossis-tema, turismo predatório, etc.

Pressupostos teóricos (o pré-texto): “geólogos” (re-presentados por professores e monitores) apresen-tam a turma o relato de expedições anteriores num congresso nacional, formado pelo restante da classe. Através de um vídeo, apresentam às “autoridades” um vídeo sobre a exploração de cavernas recém-des-cobertas, além de mapas e desenhos do material ob-servado e coletado.

• Estrutura narrativa:

Esta experiência foi realizada em quatro etapas, com uma hora e meia de duração cada encontro. O pro-cesso envolveu a leitura e construção de imagens em cada etapa – leitura do material apresentado, das

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histórias ouvidas e das apresentações dos colegas; construção de imagens a partir do material observa-do, das narrações dos monitores, das suas vivências anteriores.

Os alunos trabalharam em equipes de oito, com dois monitores cada equipe e especialidade diferenciada: exploradores de cavernas subterrâneas, com estalac-tites e estalagmites (equipe 1), exploradores de ca-vernas com inscrições rupestres (equipe 2), e explo-radores de oficinas líticas e inscrições em pedras na região litorânea (equipe 3).

O primeiro encontro – introdução do tema e do contexto

• Atividades:

1. compartilhando o que sabemos – o tema é “caver-nas” é introduzido e os alunos contam o que conhe-cem sobre o assunto, vêem um vídeo sobre a explo-ração de cavernas mineiras e fotos de outros tipos de cavernas. Estimula-se o debate sobre o tema.

2. Transformando-se em “geólogos” – o tema “ex-ploração de cavernas” é introduzido: as funções do geólogo e do espeleólogo são comentadas e dis-cutidas. O tema “teatro” é introduzido e os alunos são convidados a vivenciarem um processo de teatro “como se” fossem espeleólogos. A classe é dividida em três grupos, cada um com dois alunos de Artes Cênicas e orna-se especialista em um tipo de caver-na. Os grupos passam a criar a história de sua equipe e de uma descoberta e exploração de uma caverna que os tornou famosos. Cada grupo cria as evidências desta expedição anterior, através de desenhos, ma-pas) e dá nome à expedição e à caverna descoberta.

3. Preparando-se para atuar – um jornalista (profes-sor de teatro: professor-personagem) visita cada la-boratório e/ou escritório, entrevista e fotografa as equipes de espeleólogos para a Revista da Ciência. Um representante da Fundação do Meio Ambiente de SC (FATMA) visita cada equipe para convidá-la a participar de importante encontro sobre preservação do meio ambiente e apresentar dados sobre o ecos-sistema das cavernas.

O segundo encontro constitui-se pela construção de personagens, o terceiro é chamado “a expedição” e o quarto é a apresentação das descobertas.

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Ao final de cada processo de trabalho, são levanta-dos Pontos de Reflexão, principalmente aos coor-denadores do processo. No caso do exemplo dado, concluiu-se que o processo gerou aprendizagem em três áreas distintas: na linguagem teatral, na espe-leologia (ou no tema “cavernas”) e na preservação e proteção do meio ambiente. São também discuti-dos possíveis desdobramentos desta atividade para atividades posteriores, de acordo com os debates suscitados pelos alunos. E finalmente são elencados temas geradores para as outras disciplinas, como por exemplo, português: um diário da expedição; mate-mática – cálculo das distâncias das áreas pesquisadas; geografia – mapas (reais ou não); história – os povos das cavernas, os contrabandistas; etc.

x Peça Didática: componente importante da obra do diretor, dramaturgo e pesquisador alemão Bertold Brecht, a peça didática propõe uma edu-cação político-estética através de procedimentos pedagógicos fundamentados no Teatro e no pra-zer proporcionado por ele. Neste sentido, o autor estava buscando um contraponto à educação bur-guesa, que via como “a mera apropriação de um bem cultural, ou a aquisição de uma mercadoria” (Brecht apud Desgranges, 2006: 79). Deflagrando um processo de democratização do teatro através da pesquisa por novas possibilidades de espaços, público e narrativas para o Teatro, Brecht iniciou sua experiência com as peças didáticas sendo tra-balhadas inicialmente nas escolas, com jovens e crianças, ou nas fábricas, com operários.

No texto Para uma Teoria da Peça Didática (Bre-cht apud Koudela, 2007: 16, 17), estabelecendo como principais ferramentas didáticas o “efeito de estranhamento” e o “modelo de ação”, o autor fundamenta sua proposta: “A peça didática ensina

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quanto nela se atua, não quando se é espectador. Em princípio, não há necessidade de espectadores, mas eles podem ser utilizados.”

ExEmplo dE ExErcícios dE “EstranhamEnto” propostos por brEcht (apud KoudEla, idEm: 112, 113)

h a transposição par a terceira pessoa; h a transposição para o passado; h a verbalização de rubricas e comentários

A transposição para a terceira pessoas é recomenda-da pro Brecht para desenvolver a atitude que torna possível a “citação”. O atuante experimenta o seu papel ora na primeira, ora na terceira pessoa. “Ele levantou-se e disse, enraivecido, pois não havia al-moçado... ou Ele ouviu isso pela primeira vez e não sabia se era verdade... ou Ele sorriu e disse despreo-cupadamente”.

No procedimento de trabalho com a peça didática, o jogador/atuante encontra-se na mesma situação privi-legiada que o ator diante da platéia. Em função da ex-perimentação com o texto da peça didática, ele irá in-vestigar um modelo de comportamento, atitude, gesto e seu conteúdo de significação e efeitos históricos.

x a Pedagogia do Oprimido: conjunto de métodos e técnicas desenvolvidas pelo dramaturgo, ence-nador, pesquisador e teórico brasileiro Augusto Boal, recentemente falecido. Consagrado como um dos mais importantes dramaturgos do em-blemático Teatro de Arena de São Paulo (1953 – 1972), em obras como Arena conta Zumbi, Revo-lução na América do Sul, Boal sofre duramente com a opressão do Regime Militar pós-AI 5 (1968), e após ser preso e torturado passa um longo pe-ríodo de exílio em países da América Latina e posteriormente na Europa. Sua experiência junto aos mais diversos grupos populares e a inspiração teórica na obra de Bertold Brecht (sobretudo nas suas Peças Didáticas) o levaram à criação do Tea-tro do Oprimido. Este constitui-se, de acordo com Boal (2002: 15), como uma ferramenta de apoio – através do teatro – às lutas dos oprimidos. Para Boal, todos os seres humanos são atores, porque agem, e espectadores, porque observam. Mas fundamentalmente, para o autor, somos todos “espect-atores”, ou seja, não somos espectadores passivos, devemos e podemos agir para modifi-

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car a cena – ou a vida. Neste sentido, seu método pode ser usado tanto por atores profissionais ou não-profissionais quanto por professores, em sala de aula, ou ainda por grupos que desejem usar a linguagem teatral com objetivos específicos (na psicoterapia, na luta social ou política, etc.). Atra-vés da Estética do Oprimido, busca-se desenvolver entre os praticantes a capacidade de perceber o mundo, por meio de todas as Artes e não apenas do Teatro (podemos dizer que aqui o teatro fun-ciona como um catalizador), focalizando o proces-so no imbricamento entre Palavra (todos podem e devem escrever poemas e narrativas), Som (in-venção de novos instrumentos e de novos sons) e Imagem (pintura, escultura, fotografia, etc.).

Dentre as técnicas que compõem o Teatro do Oprimi-do encontram-se: O Teatro-Imagem, o Teatro-Fórum, o Teatro-Invisível, o Teatro-Jornal, etc.

ExEmplo dE ExErcício na catEgoria “sEntir tudo quE sE toca” (in boal, 2002: 91,92):

HiPnotismo colombiano

Um ator põe a mão a poucos centímetros do rosto de outro; este, como hipnotizado, deve manter o rosto sempre à mesma distância da mão do hipnotizador, os dedos e os cabelos, o queixo e o pulso. O líder iniciar uma série e movimentos com as mãos, retos e circulares, para cima e para baixo, para os lados, fazendo com qe o companheiro execute com o corpo todas as estrutruas musculares possíveis, a fim de se equilibrar e manter a mesma distância entre o ros-to e a mão. A mão hipnotizadora, pode mudar, para

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fazer, por exemplo, com que o ator hipnotizado seja forçado a passar por entre as pernas do hipnotiza-dor. As mãos do hipnotizador não devem jamais fa-zer movimentos muito rápidos, que não possam ser seguidos. O hipnotizador deve ajudar seu parceiro a assumir todas as posições ridículas, grotescas, não usuais: são precisamente estas que ajudam o ator a ativar estruturas musculares pouco usadas e a melhor sentir as mais usuais. O ator vai utilizar certos mús-culos pouco usados e a melhor sentir as mais usuais. O ator vai utilizar certos músculos esquecidos do seu corpo. Depois de uns minutos, trocam-se o hipnoti-zador e o hipnotizado. Alguns minutos mais, os dois atores se hipnotizam um ao outro: ambos estendem sua mão direita, e ambos obedecem à mão do outro.

• Variante:

Hipnose com as duas mãos. Mesmo exercício. Desta vez, o ator dirige dois de seus companheiros, um com cada mão. O líder não deve parar o movimento ne-nhuma mão nem da outra. Esse exercício é para ele também. Pode cruzar suas mãos, obrigar o parceiro a passar por debaixo do outro (sem se tocarem). Cada corpo deve procurar seu próprio equilíbrio, sem se apoiar sobre o outro. O líder não pode fazer movi-mentos muito violentos; ele não é um inimigo, mas um aliado, mesmo se está tentando sempre desequi-librar seus parceiros. Depois, troca-se de líder, de ma-neira que os três atores possam experimentar ser o hipnotizador. Após uns minutos, os três atores, em triângulo, hipnotizam-se uns aos outros, estenden-do, à sua direita, sua mão direita e obedecendo à mão direita do outro, que lhe vem pela esquerda. (o autor ainda oferece duas outras variantes).

x A Etnocenologia: a linha de pesquisa chamada et-nocenologia é uma das abordagens que pretende dar conta da análise dos eventos “espetaculares” como um todo. A etnocenologia surge, baseada numa crítica ao etnocentrismo do termo “teatro” (aplicável apenas a algumas culturas ocidentais), como um conceito alternativo que busca contem-plar a universalidade das práticas espetaculares. Esta abordagem, iniciada há poucos mais de quinze anos, especialmente por Jean-Marie Pradier (1996), na França, vem se desenvolvendo no Brasil por professores-pesquisadores-artistas como Marocco (1996), Bião (1996), Brantes (2005), Veloso (2009), entre outros. A etnocenologia tem como objetivo

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“o estudo, nas diferentes culturas, das práticas e dos comportamentos humanos espetaculares or-ganizados” (tradução minha). Inspirado na obra de John Blacking, especialmente no tocante à sua argumentação para a criação da disciplina de etno-musicologia, Pradier defende que a etnocenologia vem suprir uma lacuna nos estudos da relação entre corpo e produção simbólica. É aqui, então, que o termo “espetacular” ganha espaço, definido como “uma forma de ser, de se comportar, de se movi-mentar, de agir no espaço, de se emocionar, de fa-lar, de cantar e de se enfeitar distinta do cotidiano” (PRADIER, 1998: 24). Pradier, no entanto, admite a ambigüidade do termo e o contínuo processo de aprimoramento de sua definição, pois as pesquisas em etnocenologia acabarão se estendendo, bus-cando experiências e expressões espetaculares nas práticas, valores e símbolos também utilizados no cotidiano4. Neste sentido, podemos acrescentar a importante contribuição do prof. Armindo Bião, do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da UFBA, possivelmente o maior propagador das pesquisas etnocenológicas. De acordo com ele, os objetos originalmente descritos como “práticas e comportamentos humanos espetaculares orga-nizados” (PCHEO) poderiam ser divididos em três subgrupos: artes do espetáculo, ritos espetaculares e formas cotidianas, espetacularizadas pelo olhar do pesquisador. (BIÃO, 2007: 26)5

x Antropologia Teatral: as pesquisas de “teatro an-tropológico”, realizadas por Eugênio Barba (1991, 1994, 1995) e pela equipe da ISTA (Internation Scho-ol of Theatre Anthropology), visando a ampliação das possibilidades de criação artística dos atores do Ocidente, contribuíram com a sistematização de princípios extra-cotidianos de uso do corpo seme-lhantes e observáveis em diferentes culturas. En-quanto a etnocenologia vai procurar estabelecer um suporte teórico para a análise de tais manifes-tações expressivas, a antropologia teatral vai expe-rimentar, na prática, a comparação dos métodos utilizados por performers de diferentes culturas.

4 Inês Marocco (1996), professora do Programa de Pós-Graduação em Artes Cêni-cas da UFRGS, vem desenvolvendo pesquisas nessa linha há mais de dez anos, buscando, na lida campeira dos peões (o laçar, o pealar, o domar, etc.) e na trova, uma análise do “gesto espetacular na cultura gaúcha”.5 Bião ainda acrescenta a esses três conjuntos ou subgrupos a condição de serem, respectivamente, objetos substantivos, adjetivos e adverbiais. Para um maior apro-fundamento nesta nova classificação sugerida pelo autor, ver Bião (2007).

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Essas experiências vão ocorrer especialmente nas reuniões anuais da ISTA, que envolvem workshops, demonstrações e finalizam com o Theatrum Mun-di, espetáculo onde artistas de diferentes culturas e técnicas de performance contracenam (Skeel, 1994), e também nas trocas, nas quais os atores do Odin Teatret, grupo dirigido por Barba, comparti-lham suas técnicas de performance com comunida-des de diversas partes do mundo. Barba vai argu-mentar sobre as trocas (1991: 104): “Todos podem dançar suas próprias danças e cantar suas próprias canções. Aqui não existe um momento estético do espetáculo, não existe por um lado os profissionais que cantam, dançam e recitam e, por outro lado, pessoas que passivamente os observam e os con-sideram como especialistas da música, da dança e do recital. É esta nossa ‘troca’. Não renunciamos ao que era nosso, eles não renunciam ao que era de-les. Definimo-nos reciprocamente através de nosso patrimônio cultural.”

x Os estudos da performance: originados nas pes-quisas e práticas teatrais do diretor e professor da New York University, Richard Schechner (1988; 1992), os estudos da performance encontram-se na confluência entre as pesquisas teatrais e antropo-lógicas. Schecher foi possivelmente quem melhor (ou primeiro) fez uma adequada ligação entre am-bas as perspectivas de análise. Para ele a perfor-mance está enraizada na prática e é fundamental-mente interdisciplinar e intercultural (1988: xv)6.

6 Há uma sutil diferença, no entanto, entre a escola norte-americana dos Per-formances Studies, desenvolvidos por Schechner, e a Etnocenologia francesa de Pradier: enquanto esta focaliza o caráter êmico e individualizado das representa-ções, aquela, ainda que também considere suas atribuições êmicas, volta-se, numa perspectiva intercultural, para estudos comparativos, vislumbrando universais do comportamento humano.

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Considerando que os performance studies envol-vem diversas artes, atividades e comportamentos, Schechner organiza as atividades performativas da seguinte maneira (1992: 273): de acordo com a re-lativa “artificialidade” da atividade ou gênero, de acordo com a necessidade de treinamento formal, de acordo com o relacionamento entre “espaço teatral” e “evento teatral” e de acordo com o sta-tus social e ontológico de quem está atuando e de quem está sendo representado. Mas, segundo o próprio Schechner, sua taxonomia é falha, pois freqüentemente uma performance mistura ou ex-clui algumas destas categorias:

Performance não é fácil de definir ou localizar: conceito e estrutura tem espalhado-se para todos os lugares. É étnico e intercultural, histórico e a-histórico, estético e ritual, sociológico e político. Performance é um modo de comportamento, uma abordagem da experiência; é um jogo, um espor-te, entretenimento popular, teatro experimental, e mais. Mas como uma ampla perspectiva a desenvol-ver, a performance precisa ser escrita com precisão e em total detalhamento.7

A discussão vivaz sobre os estudos da performan-ce, suscitada por Schechner ao longo dos últimos trinta anos, permite que ele vislumbre a amplitu-de das questões envolvidas nesta perspectiva de abordagem da sociedade.

7 Tradução da autora.

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A PEDAGOGIA DO TEATRO – UMA NOVA CATEGORIA PARA NOVAS DEMANDAS

Como já foi introduzido no início deste texto, atual-mente a terminologia “Pedagogia do Teatro” toma conta das discussões que ocorrem nas interfaces en-tre o Teatro e a Educação. Uma nova perspectiva de abordagem do ensino/aprendizagem do teatro ca-racteriza essa nomenclatura, cuja principal mudan-ça em relação às abordagens mais tradicionais da Arte-Educação está no fato de não separar a práti-ca teatral que ocorre no ambiente escolar da práti-ca que é realizada por atores ou diretores, ou seja, por profissionais do teatro. Três autores nos ajuda-rão a compreender essa transformação conceitual, suas implicações na formação dos novos docentes da área de teatro e sua reverberação nas salas de aula e nas salas de treinamento e ensaio. São eles: Ingrid Koudela, Biange Cabral e Gilberto Icle, todos profes-sores, de diferentes instituições e gerações, que têm realizado ótimas reflexões sobre o tema.

Comecemos com uma pequena historicização do bi-nômio Pedagogia do Teatro e Teatro na Educação. De acordo com a profa. Ingrid Koudela (2006: 161), a

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utilização da grafia Teatro/Educação, com uma barra entre os termos, no início da década de 70, visava deixar em aberto as relações a serem estabelecidas entre ambos os campos de atuação. Ao longo desta mesma década, com a tradução do termo Art Educa-tion, em inglês, oriundo das Artes Visuais dos EUA, a grafia Teatro-Educação passou a vigorar nos con-gressos da Federação de Arte-Educadores do Brasil (FAEB) e da Associação de Arte-Educadores de São Paulo (AESP), nos quais a autora participara. A partir de então o termo Arte-Educação generalizou-se en-globando as outras áreas de conhecimento em artes, como o Teatro, a Dança e a Música, que passaram a ser concebidas como linguagens (o que se mantém até os dias de hoje, como vimos, inclusive nos PCNs), sob a égide conceitual, no entanto, das Artes Visuais.

O termo Pedagogia do Teatro é utilizado, inicialmen-te, em diferentes contextos, como na descrição dos processos de aprendizagem de teatro em distintas cul-turas, feita nas diversas obras que dão suporte à An-tropologia Teatral de Eugênio Barba, ou na proposta alemã de diálogo entre a pedagogia e a educação, Theaterpädagogik. Para Koudela (op. cit. 163):

O intuito de incorporar reflexões e indagações so-bre a Pedagogia do Teatro visou não apenas a am-pliar o espectro da pesquisa na área, trazendo para a discussão os Mestres do Teatro – dramaturgos, te-óricos e encenadores –, como também fundamentar a epistemologia e os processos de trabalho do tea-tro, inserindo-os na história da cultura.

Já Gilberto Icle, que é ator, diretor e professor da Faculdade de Educação da UFRGS, levanta as condi-ções de emergência da pedagogia teatral como um eixo teórico-metodológico que aproxima diferentes instâncias do fazer teatral. Em sua pesquisa, o autor considera que as principais mudanças que definiram novas abordagens da prática teatral ocorreram não necessariamente nos espetáculos, mas nas salas de ensaio, escolas e laboratórios. Segundo ele, nas situ-ações pedagógicas engrendradas por personalidades como Stanislavski, Meyerhold, Copeau, Grotowski ou Barba revelaram-se “a dinâmica e as relações in-dissociáveis entre o artístico e o pedagógico.” (Icle, 2007: 1. O autor vai elencar, então, alguns elemen-tos que caracterizam essa que pode ser considerada uma mudança de paradigma, que ocorre no teatro ao longo do século XX e que orienta a relação deste

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com a educação. Entre estes elementos, ele inclui: 1) a instauração da improvisação como procedimen-to criativo; 2) a conversão do diretor num “diretor-pedagogo”, que precisa criar um “ambiente pedagó-gico” para que consiga desenvolver seu processo de pesquisa e criação da encenação junto aos atores e aos demais membros da equipe; 3) a transformação do grupo de teatro em comunidade teatral, que não toma mais o espetáculo as ponto-chave do teatro, valorizando o processo criativo e o desenvolvimento de identidades teatrais localizadas social e cultural-mente. Para Icle (2007: 4):

são nas mudanças, nas passagens, nas rupturas, nos movimentos, nas formas distintas e “novas” de fa-zer e pensar teatro que aquilo que chamamos de pedagogia teatral foi se engendrando, se discipli-nando, se constituindo como um discurso e uma prática verdadeira.

Debruçando-se de forma mais específica na Antro-pologia Teatral de Eugenio Barba, o autor aponta para as contribuições que esta pode aportar para o campo da Pedagogia do Teatro e, mais efetivamente, no ensino do teatro. Uma das principais contribui-ções passaria pela compreensão do conceito de pré-expressividade, ou seja, tudo aquilo que antecede o momento expressivo, de representação propriamen-te dita – o que vem antes da cena, do palco, da dança. O conceito se estrutura sobre duas categorias opostas e complementares: o cotidiano e o extracotidiano, que mobilizam energias distintas, já que operam no sentido de alcançar diferentes objetivos. Barba iden-tificou o que intitula de “princípios pré-expressivos” semelhantes em diferentes culturas, que permitiriam a constatação de que há uma dimensão que prepa-ra, antecede e organiza a os corpos para o estado de atuação e que esta dimensão não está vinculada diretamente a um significado ou a um conteúdo. De alguma maneira, este embasamento empírico-refle-xivo legitima a idéia de treinamento do ator – ou do trabalho com alunos, em sala de aula, desvinculado da idéia de uma montagem. O desenvolvimento dos princípios pré-expressivos com alunos e/ou atores os tornaria potencialmente expressivos, melhor prepa-rados, assim, para atuar em uma situação extra-coti-diana – teatral. Respeitando o trabalho de descober-ta individual de cada aluno dentro desses princípios, o professor também estaria exercitando uma forma de conduzir um processo no qual sua intervenção é

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limitada ao apoio no desenvolvimento do potencial criativo dos alunos.

As implicações dos conceitos de pedagogia do tea-tro e teatro como pedagogia no âmbito do Teatro na Educação também são discutidas pela professora Biange Cabral. Se o primeiro identifica determina-dos métodos de ensino e planejamentos, o segundo prevê que toda atividade com a linguagem teatral em sala de aula já configura uma pedagogia, inde-pendente do planejamento. Para Biange (2007: 1), embora essa abordagem acentue uma dicotomia, o que sempre é arriscado, esse risco se justificado pois acentua a especificidade do teatro face à função do planejamento de ensino e à questão da aquisição de conhecimentos próprios da área.

A autora, que tem defendido em diversos artigos a le-gitimidade e o valor do trabalho do professor de tea-tro, ao mesmo tempo em que aponta a importância de um planejamento que especifique os objetivos artísti-cos a serem explorados (linguagem cênica), estéticos (valores) e temáticos (aspectos do texto ou tema), também lembra que o docente deve permanecer sem-pre atento para o contexto de trabalho, considerando sempre a possibilidade de alterar o programa do cur-so de acordo com as demandas dos alunos. Podemos relembrar, neste sentido, que a contextualização é um dos eixos da proposta triangular de Ana Mae Barbosa, apresentada no início deste texto.

Finalmente, Biange ainda traz para a discussão a pro-posta de Henri Giroux, de uma pedagogia da possibi-lidade. A partir do conceito-chave de resistência, este autor propõe a autonomia dos docentes (e podería-mos pensar no caso específico dos docentes de tea-tro) no sentido de reagirem contra a dominação das teorias dominantes e a reprodução pura e simples de elementos culturais alheios à sua própria cultura. O professor deve assumir-se como um agente que en-cara a educação como um empreendimento político, social e cultural.

Conquanto as abordagens pedagógicas contemporâ-neas em arte-educação têm enfatizado que se faça uma justa distribuição, em sala de aula, entre a cria-ção (prática), a apreciação (formação do público) e a contextualização (atenção às peculiaridades da cul-tura e da sociedade em questão), é fundamental que os modelos pedagógicos disponíveis – como os que

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vimos acima, por exemplo – não se tornem demasia-damente rígidos e distanciados das realidades locais. Isso acabaria por inviabilizar resultados produtivos em termos da sensibilização à linguagem teatral – e, consequentemente, à arte e às relações humanas – nos diferentes níveis. Comunicar – e se comunicar – como já disse Viola Spolin, deve sempre ser mais im-portante que o método utilizado para tanto. A nova concepção do Teatro na Educação, neste sentido, pela abordagem da Pedagogia do Teatro, permite que se conheça e se contemple as riquezas culturais dos diferentes sujeitos envolvidos nos processos de construção de conhecimento através do Teatro. E através do Teatro não apenas ensinamos e aprende-mos, mas também vivenciamos, sentimos, refletimos, imaginamos e criamos novos mundos possíveis.

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Unidade 2

O que é um espectador? Dos modos de constituir-se

dentro e fora da aula de teatroTaís Ferreira

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INTRODUÇÃO OU O QUE O ESPECTADOR TEM A VER COM AS AULAS DE TEATRO?Aprende-se a ser espectador? A escola nos ensina a sermos espectadores? A aula de teatro ensina a ser espectador de teatro? É preciso aprender algo para ser espectador? Onde, então, aprende-se a ser espec-tador? Que espaços-tempos e artefatos são esses que contemporaneamente crianças e jovens usufruem e nos quais constituem suas identidades, suas subjetivi-dades e seu repertório de “espectar”?

A propósito: o que é um espectador? Por que falar da parte “menos importante”, “menos tangível”, “me-nos discutida”, “menos conhecida”, “menos glamou-rosa” (não há cobertura da mídia, nem fotos, nem livros de história, nem críticas sobre espectadores, ainda que se reconheça o crítico como “espectador privilegiado”), ou seja, da parte minorada do todo que é o acontecimento teatral? E, por conseguinte: qual a pertinência de refletir acerca de ser especta-dor nos processos de ensino-aprendizagem teatral?

Comecemos pela palavra e alguns de seus significa-dos, na tentativa (possivelmente inglória) de respon-der à questão que dá título a estes escritos. Parece-me que o dicionário sempre auxilia a construir linhas de fuga aos significados estanques, mesmo em se tratando de termos que são consenso notório, como a palavra espectador. Diz-nos, portanto, o Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa (2001): es-pectador é “adjetivo e substantivo masculino; 1 que ou aquele que assiste a um espetáculo; 2 que ou aquele que presencia um fato; testemunha, presen-te; 3 que ou aquele que observa ou examina (algo); observador”. O homônimo expectador nos diz: “ad-jetivo e substantivo masculino; que ou aquele que permanece na expectativa”. Nada de novo, por en-quanto. Mas, logo abaixo, mora o verbo espectar e este sim abre novas possibilidades de pensar e cons-truir o espectador na contemporaneidade. Espectar: “verbo; Diacronismo: obsoleto. Transitivo direto; olhar, assistir, apreciar (grifos meus)”. Pensemos, en-tão, partindo do espectar como obsoleto.

Se considerarmos o espectador enquanto uma par-te ativa do acontecimento teatral, ou seja, como

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imprescindível ao teatro, ainda assim corremos o ris-co de colocá-lo em um espaço minorado. O diretor, o dramaturgo, o ator, o grupo, a peça, a performance: todos propõem, todos lançam no espaço vazio suas propostas criativas, suas intenções estéticas, seus pro-cessos e seus resultados cênicos. Há espaço para o es-pectador neste lugar tão repleto de idéias, ideais e materiais? Ou melhor: pensa-se o espectador quando se pensa teatro? Independente de quais e de como são as propostas cênicas (do tradicional teatro de texto em palco italiano às mais inusitadas propostas performáticas), estudar, conhecer e, ousaria dizer, fa-zer teatro implica considerar a existência do especta-dor para além daquele que observa e espera?

Quem é o espectador? Deixemos neste instante as subjetividades de lado, reformulemos a questão in-tentando a (impossível) neutralidade: o que é um es-pectador? Aquele que observa e espera (HOUAISS, 2001)? Aquele que acolhe e hospeda (DERRIDA, 2003)? Aquele que completa (ECO, 2001)? Aquele que cria dialogicamente (BAKHTIN, 1992)? Aquele que constitui e é constituído através da linguagem (FOUCAULT, 2007)? Aquele que co-habita e comparte o espaço-tempo íntimo do ato cênico do ator (GRO-TOWSKI, 1971)? Aquele que tem seus sentidos inde-levelmente abalados (ARTAUD, 1993)? Aquele que age pelo e através do teatro (BOAL, 1998)? Aquele que se posiciona (BRECHT)? Aquele que aprende com o jogo do outro (SPOLIN, 1987)? Todas as alter-nativas poderiam ser consideradas corretas, todas se complementam e podem constituir uma genealogia do espaço ocupado pelo espectador nos processos de criação ao longo da história do teatro no século XX.

Porém, convém salientar que espectar é obsoleto: observar, contemplar, olhar, apreciar (se forem en-tendidos como passivos) há muito não podem ser consideradas as únicas funções do espectador. O es-pectador passa a ser compreendido como um co-au-tor, ou, simplesmente, como mais um autor da obra. É necessário que um espectador ative toda a sua gama de repertórios de espectar (teatro, TV, música, páginas da internet, cinema, dança, obras de arte, vídeos, revistas, livros, outdoors, shows, entre outros) para construir a recepção. Que não é pontual e sim processual; que se dá antes da relação direta com o artefato, durante e depois, num devir-espectador que se constrói diferentemente a cada comunidade de recepção a qual se pertence, a cada cenário de

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recepção no qual se circula. Ser espectador é mais do que ser receptor: é ser um inevitável produtor. De sentidos, de significados, de sensações, de sentimen-tos, de conhecimento.

Este texto não propõe uma pedagogia do especta-dor8, não apresenta soluções nem metodologias pos-síveis para formar espectadores. Simplesmente tenta refletir acerca de como nos constituímos espectado-res nos diversos âmbitos de nossas vidas contemporâ-neas, e tenta mapear alguns espaços-tempo de for-mação e apresentar a aula de teatro como possível espaço deste constituir-se no teatro.

A partir destas considerações iniciais, desenvol-verei (breve, e não exaustivamente) os seguintes apontamentos:

x entender o teatro, a produção cultural para crian-ças e jovens, como parte de um circuito cultural de produção, circulação e consumo, contextualizan-do-o sócio, econômica e culturalmente ;

x debater as pedagogias culturais, ou seja, artefatos e seus discursos, que nos ensinam modos de ser e estar no mundo, constituindo identidades e subje-tividades de espectadores;

x levantar as múltiplas mediações que atravessam e constituem a relação dos espectadores com a lin-guagem teatral para, finalmente;

x apresentar linhas de fuga e pontos de encontro que possibilitem a pedagogia teatral e a recepção caminharem juntas.

8 Para tal fim, ver as publicações do professor e pesquisador Flávio Desgranges, que desenvolve estudos acerca da “pedagogia do espectador”.

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A PRODUÇÃO TEATRAL PARA CRIANÇAS E JOVENS NA CONTEMPORANEIDADE: TEATRO COMO PRODUTO NO CIRCUITO DA CULTURA9

As crianças e jovens sempre foram espectadores de teatro no ocidente. Há indícios de que crianças fre-qüentavam os anfiteatros gregos, havia crianças e jo-vens nas platéias das arenas romanas, os teatros litúr-gico e profano da Idade Média (realizados nas igrejas e posteriormente em vias públicas) também eram assistidos por crianças, jovens e adultos, da mesma forma as peças das trupes mambembes da comme-dia dell’arte italiana, o teatro elisabetano (de cunho extremamente popular na Inglaterra do século XVI e XVII), os autos teatrais jesuíticos que catequizavam os índios brasileiros no século XVI, os corrales do bar-roco espanhol também contavam com espectadores homens e mulheres, pobres e ricos, velhos e crianças, o teatro de bonecos indiano era teatro para adul-tos e crianças; em todas as épocas pode-se encontrar

9 O modelo de circuito da cultura a partir do qual discorro nestes escritos é aquele apresentado por JOHNSON no artigo “O que é, afinal, estudos culturais?” (1999).10 Todas as fotografias que ilustram este artigo são de espetáculos da Cooperativa de Artistas Teatrais Oigalê, de Porto Alegre/RS, e seu uso foi gentilmente autorizado pelo grupo. Maiores informações em: <http://www.oigale.com.br/index.htm>.

Figura 1. Crianças e adultos

assistem ao espetáculo de

teatro de rua da Cooperativa

de Artistas Teatrais Oigalê10,

“Negrinho do Pastoreio”.

Crédito da fotografia: Kiran.

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registros de platéias formadas por pessoas de todas faixas etárias. Enfim, até o século XX, crianças, jovens e adultos iam juntos ao teatro, não havia uma produ-ção específica direcionada à infância e à juventude, o que não significa que estas não freqüentassem as praças públicas e salas de espetáculos.

Ariès (1991) exemplifica vários aspectos da invenção da infância moderna, ou seja, da construção cultural (e não biológica ou imanente à raça humana) ocor-rida em meados dos séculos XVI e XVII e que fez da infância uma fase particular da vida, marcada pela instituição de determinadas características posterior-mente consideradas inerentes à condição infantil.

A partir de trechos do diário do príncipe Luís XIII da França, escritos por seu médico, Ariès comenta a construção do infantil e algumas práticas e dispositi-vos que buscam entendê-lo, capturá-lo e discipliná-lo. Em certos momentos, pode-se perceber a presen-ça das crianças em manifestações artísticas e lúdicas, que estas compartilhavam com os adultos. Narra-se o teatro de bonecos, o teatro feito por atores e a dança como elementos presentes na vida do peque-no aristocrata.

Tudo indica que a idade dos sete anos marcava uma idade de certa importância: era a idade geralmente fixada pela literatura moralista e pedagógica do sé-culo XVII para a criança entrar na escola ou começar a trabalhar. (...) pois embora não brinque mais ou não deva mais brincar com bonecas, o Delfim (Luís XIII) continua a levar a mesma vida de antes. Ainda é surrado e seus divertimentos quase não se alte-ram. Ele vai cada vez mais ao teatro, chegando em pouco tempo a ir quase todos os dias: uma prova da importância da comédia, da farsa e do balé nos freqüentes espetáculos de interior ou ao ar livre de nossos ancestrais (ARIES, 1991, p. 87).

Tanto como o teatro, a literatura também não pos-suía uma categoria distinta para as crianças, ainda que houvesse leituras consideradas adequadas às mulheres, às classes desfavorecidas, aos intelectuais, aos aristocratas, não havia, até o século XVII (quando Perrault compila alguns contos folclóricos na França e os nomeia Contos da Mamãe Gansa, dedicando-os a uma das pequenas princesas do país) notícias de artefatos que pudessem classificar-se dentro da cate-goria “literatura infantil”. Ainda seguindo Ariès, “os

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mesmos jogos eram comuns a ambos, crianças e adul-tos” (1991, p. 88), assim como os contos populares, o teatro de marionetes, as comédias, as danças, os jo-gos dramáticos, a música e a literatura também eram compartilhados por crianças, jovens e adultos. “A mudança se faz insensivelmente nessa longa seqüên-cia de divertimentos que a criança toma emprestada dos adultos ou divide com eles” (Id., Ibid.).

Com o andamento da modernidade (e de seus me-canismos de disciplinamento, classificação e normali-zação) instituíram-se fases da vida humana distintas em obrigações e direitos: as crianças, os jovens e os adultos passam a contar cada qual com seus próprios artefatos culturais, voltados para seu nível específi-co de desenvolvimento cognitivo e formação moral. Brinquedos, literatura e roupas para crianças só po-deriam veicular conteúdos adequados àquilo que es-tas pudessem conhecer. Cria-se uma barreira entre o mundo dos adultos e o mundo das crianças, que en-volve diferenciações relativas ao poder-saber. Temas como a sexualidade são banidos das experiências for-mais de aprendizagem infantil das classes abastadas, assim como aos poucos a violência, a política e a reali-dade social. Há coisas que só os adultos podem saber. Às crianças e aos jovens ficam destinados a inocência, os mundos oníricos, tudo aquilo que é belo e bom.

Chegamos à segunda metade do século XX e o ad-vento da cultura de massa e da midiatização do co-tidiano transforma estas fronteiras entre crianças de adultos: agora, novamente, as crianças e jovens têm pleno e ilimitado acesso ao mundo dos adultos, atra-vés da televisão, da internet e de outros meios.

Assim, dispomos hoje de um verdadeiro arsenal de livros, filmes, músicas, vídeos na internet, imagens, revistas, roupas, programas televisivos e peças de te-atro, entre outros artefatos, perfeitamente inseridos no circuito da cultura, impulsionando o consumo e a circulação de bens simbólicos, cada qual voltado para determinado grupo de idade, ainda que o controle ao acesso seja muito problemático no caso dos “ar-tefatos de conteúdo impróprio”. Identidades e sub-jetividades constituem-se a partir deste consumo e o teatro não foge à regra. Podemos, desta forma, pen-sar na constituição de um campo específico de teatro para a infância e a juventude, que aqui denominarei como campo do teatro infantil.

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Embora o teatro (campo teatral) seja considerado um “domínio cultural nobre” (BOURDIEU), o teatro in-fantil e as práticas nele envolvidas distinguem-se rela-tivamente ao campo teatral em sua amplitude. Mes-mo havendo lutas pela distinção dentro do próprio campo (teatro comercial versus teatro experimental, teatro clássico versus teatro contemporâneo, teatro do eixo Rio-São Paulo versus teatro das outras regiões do país e muitas outras), o teatro para crianças assu-me certas características que lhe conferem especifici-dade e até autonomia em relação ao campo teatral.

A intertextualidade e mestiçagem com campos como o educacional/ escolar, o da cultura de massa e o das culturas populares, o da literatura, o campo dos sa-beres/ poderes relativos ao infantil e o campo econô-mico confere-lhe peculiaridades estruturais, funcio-nais, de conteúdo e de inserção no circuito da cultura que permitem pensar a existência de um campo do teatro infantil.

O teatro infantil goza, hoje, no Brasil, com o mérito de ter muitas salas de espetáculo lotadas, em detri-mento ao teatro realizado tendo como público alvo os adultos, que acompanha uma decrescente taxa de ocupação (com exceção do público que lota salas de espetáculos em busca de atores televisivos e comé-dias de costume sobre as relações da classe média). Um grande número de crianças e jovens em idade escolar também tem acesso aos espetáculos teatrais através de contratos firmados entre grupos e/ou pro-dutores e as instituições de ensino. Projetos de des-centralização cultural de órgãos estatais também colaboram para o número crescente de crianças e jovens que têm contato, se não freqüente, ao menos esporádico, com o teatro produzido para a infância e a juventude. Portanto, estabelece-se um lucrativo mercado para grupos e produtores teatrais.

Em decorrência disto, pode-se notar um tom pejora-tivo na maior parte das referências relativas ao teatro infanto-juvenil, devido justamente à ampla inserção deste setor em circuitos comerciais de produção, cir-culação e consumo. No entanto, discutir, reconhecer e contextualizar esta produção teatral para infância e juventude é um exercício que se tem mostrado ex-tremamente profícuo ao entendimento da recepção inserida no circuito cultural de produção e consumo. Cabe aqui, portanto, uma breve explanação sobre os artefatos teatrais produzidos para este público.

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ARTEFATOS TEATRAIS PARA INFÂNCIA E JUVENTUDE

As peças de teatro para crianças contam com algu-mas características formais, estéticas e de conteúdo peculiares. Ainda que sejam espetáculos cênicos, que se valham de elementos componentes do pró-prio campo do teatro, encontra-se certa recorrência a algumas representações estereotipadas do infantil e tentativas de busca de uma linguagem que seria própria ao entendimento das crianças ou dos jovens. Na maioria das vezes, estes recursos “peculiares do infantil ou juvenil” nada mais fazem que subestimar a capacidade de interação das crianças e jovens com a linguagem teatral, veiculando estereótipos cultu-rais e estéticos. Há algumas destas representações que perpassam a maior parte dos espetáculos, mas dentro deste universo existe uma variabilidade con-siderável de temas abordados, técnicas e tecnologias utilizadas, bem como inúmeras linhas de fuga: traba-lhos que se apresentam dissidentes do corriqueiro, das representações e dos conteúdos convencionados como infantis ou juvenis, que não se atrelam a de-terminadas convenções do campo, transformando-as e outras instituindo no ato mesmo de contestá-las. Não se nega neste espaço que haja bom teatro para crianças e jovens, não se busca empreender juízo de valor, e sim problematizar o que se observa com maior freqüência no campo do teatro infantil.

Contudo, intriga-me como as crianças operam na apreensão e na atribuição de sentidos a estes este-reótipos, que elementos utilizam na recepção deste “estranho mundo que a elas é mostrado e ofertado” (ABRAMOVICH, 1983) pelos produtores culturais?

O teatro contemporâneo se caracteriza pela atomi-zação, pela diversidade e coexistência pacífica de po-éticas e concepções estéticas, é o “cânone da multi-plicidade” que se faz presente. E esta multiplicidade encontra-se tanto no teatro adulto quanto no infan-til, no qual, a partir dos anos 80, passam a conviver diversos gêneros, técnicas e estilos: teatro de atores, de bonecos, de formas animadas, de sombras, musi-cais, mímicas, danças, as linguagens circense e clow-nesca, entre outras.

Quanto à dramaturgia, dentre os tipos ou estilos mais comumente observáveis em espetáculos do campo

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do teatro infantil, pode-se destacar: a) a transposi-ção cênica de contos de fadas ou contos folclóricos tradicionais; b) a adaptação de obras literárias des-tinadas ao público infantil para a forma dramática e sua encenação; c) textos dramáticos para o teatro infantil já consagrados através dos anos por diversas montagens, a exemplo da dramaturgia de Maria Cla-ra Machado, Sylvia Orthof, Ilo Krugli, Ivo Bender e d) os textos inéditos, de autores locais em sua maio-ria, e as criações coletivas de grupos teatrais.

Acerca das características das encenações, destaco o uso de recursos como bonecos e formas animadas como freqüente nestes artefatos. A presença abun-dante da cor e da estilização de cenários e figurinos, na tentativa de criar universos fictícios e oníricos e de chamar a atenção através da percepção visual das audiências infantis é também um fato quase que consensual. Efeitos tecnológicos especiais, além da iluminação tradicional, têm sido regularmente utili-zados; tentativas por vezes infelizes de plagiar meios audiovisuais como a televisão e o cinema. Elemen-tos como a música e a dança parecem ser integrantes das características dos artefatos do campo do teatro infantil, se pensarmos na freqüência com que apare-cem nas cenas.

Quanto às temáticas veiculadas e abordadas nas pe-ças, encontra-se uma ampla gama de assuntos, com marcada presença de questões pára-didáticas varia-das como higiene, ecologia e os temas transversais propostos pelos Parâmetros Curriculares Nacionais para Educação Básica. Há também questões relativas à formação moral e ética da criança, às relações fami-liares e interpessoais e um forte resgate da ludicida-de presente em jogos e brincadeiras tradicionais, na poesia e sua sonoridade. A formação de uma identi-dade regional e sentimentos de brasilidade também estão presentes.

É possível fazer uma relação direta destes temas com os conteúdos curriculares da maioria das instituições de ensino fundamental do país, começando aí a cons-tatar-se a intertextualidade com a escola que vem, progressivamente, constituindo e caracterizando os espetáculos de teatro infantil. A comicidade e a ins-tauração de atmosferas lúdicas são recursos recor-rentes, bem como jogos de pergunta-reposta, visivel-mente inspirados nas experiências pavlovianas.

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Podemos tomar como exemplo desta relação de hi-bridização e intertextualidade com a escola e seus conteúdos curriculares o espetáculo para “escolas e espaços alternativos” da Cooperativa de Artistas Te-atrais Oigalê, “A Máquina do Tempo”, sobre o qual está informado no site do grupo:

A Oigalê propõe um trabalho de educação ambien-tal através do espetáculo “A Máquina do Tempo”, enfocando a questão do uso racional da água. Para isso, apresenta as figuras características da família brasileira como pano de fundo para despertar a população sobre a necessidade de preservação do meio ambiente.

h Espetáculo de teatro de rua, infanto-juvenil. h Para escolas recomenda-se 1ª a 8ª séries. Acompa-

nha CADERNO DE ATIVIDADES. h Pode ser apresentado em praças, parques, pátios

e espaços alternativos (apresenta-se também uma versão para palco).

O espetáculo estreou em março de 2005, já tendo realizado 50 apresentações para mais de 16 mil pessoas, em diversas cidades do Rio Grande do Sul (OIGALÊ, 2009).

Cumpre notar que, para além da proposta de ser um espetáculo abertamente didático, a estética dos figu-rinos e elementos cênicos, que podem ser observados

Figura 2. Crianças

assistem ao espetáculo “A

Máquina do Tempo”, da

Cooperativa de Artistas

Teatrais Oigalê, nas

dependências da escola.

Crédito da fotografia:

Isabella Lacerda.

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na foto acima, também segue algumas características da produção teatral infanto-juvenil levantadas ante-riormente neste texto.

Embora seja um campo relativamente recente no Brasil (é só a partir da década de 50 que peças para crianças e jovens concebidas por produtores adultos começam a entrar em circulação, antes disto existia um “teatro feito por crianças para crianças”, portan-to amador), o mercado de bens simbólicos no campo do teatro infantil é perpassado pela intertextualida-de e articula-se com diversos campos. Isto fica explí-cito no que concerne aos mecanismos de comerciali-zação de seus produtos e do capital simbólico a eles atrelado, como no exemplo acima citado de determi-nado espetáculo da Oigalê.

Os artefatos teatrais para crianças e jovens contam, em muitos casos, com forte apelo comercial: se há anjos nas novelas televisivas, surgem espetáculos com estes personagens; o mesmo aconteceu nos úl-timos anos com gnomos e vampiros, ambos perso-nagens de novelas veiculadas com grande audiência e sucesso, principalmente entre as crianças e jovens. Isso sem falar nos contos de fada, personagens de desenhos animados e nas temáticas “adolescentes” como a drogadição, problemas familiares e a sexu-alidade (como se esses fossem os únicos assuntos de interesse dos jovens!).

Parece-me que através de elementos estéticos, dis-cursivos e temáticos, que se tornaram convenções do campo, busca-se fazer do teatro infantil um misto de teatro popular (no qual o elemento cômico e os

Figura 3. Grupo de jovens

diverte-se ao interagir com atriz

em perna-de-pau no espetáculo

“Deus e o Diabo na Terra de

Miséria”, da Cooperativa de

Artistas Teatrais Oigalê. Crédito

da fotografia: Kiran.

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personagens tipificados são presenças marcantes) e de referenciais da cultura de massa (apropriando-se das estéticas dos desenhos animados, dos filmes da Disney, do videogame, dos jogos de computador, dos videoclipes, entre outros). Tudo isto sem abrir mão do status de arte do qual goza o campo, já que inse-rido dentro do macrocampo da arte.

E esta hibridização não somente ocorre na produção dos bens simbólicos, dá-se também nas formas de apropriação e consumo destes. Sendo os espectado-res pertencentes às diversas esferas sociais e estando eles em contato com os mais heterogêneos tipos de artefatos e linguagens, também seu consumo e sua recepção serão híbridos; compostos e mediados pelas diversas possibilidades das culturas pós-modernas. Em todas as classes podemos encontrar, misturados, o consumo das ditas alta cultura, da cultura popular e da cultura de massa, ainda que hoje esta divisão seja amplamente problematizada e contestada nos estudos de áreas como a comunicação, a educação, a sociologia e as artes.

Algumas características acima citadas podem ser ob-servadas em grande parte da produção teatral para jovens e crianças e estas poderão ser (proficuamente) levadas em consideração quando a recepção teatral for foco de análise e debate tanto em aulas de teatro como no âmbito das pedagogias culturais compreen-didas de forma mais ampla, como descrevo a seguir.

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PEDAGOGIAS CULTURAIS: ESPAÇOS-TEMPO ONDE SE APRENDE (TAMBÉM) A SER ESPECTADORHá, nos dias de hoje, vários espaços-tempo de apren-dizagem. A escola perdeu seu posto de “rainha abso-lutista” dos processos de ensino-aprendizagem: isso é o que nos apresentam os diversos olhares sobre as pedagogias culturais. Nestes espaços-tempo e com os artefatos culturais não somente se aprende os conte-údos dos currículos escolares, mas se aprende, atra-vés da apropriação e naturalização de determinados discursos e práticas, formas de ser e estar no mundo contemporâneo. Modos de ser menino ou menina, homo ou heterossexual, velho ou jovem, bonito ou feio, preto, pardo, branco ou amarelo, brasileiro ou alemão, professor ou advogado, gordo ou magro, feliz ou deprimido, entre as infinitas possibilidades identitárias e de subjetivação contemporâneas.

Telenovelas, desenhos animados, telejornais, ficção científica, programas humorísticos, aventura, video-clipes, videogames, filmes (dos mais diversos gêneros) no cinema, espetáculos teatrais, propagandas (veicu-ladas em diferentes suportes), HQs, Ipods, celulares, circos com muita luz, cor e cada vez menos palhaços, produção cultural para crianças, para adultos, para a família, o sexo dos animais, a última descoberta cien-tífica que revolucionará o mundo, um conto de fa-das encenado em um cenário que lembra uma festa rave, bruxos em crise existencial, apresentadoras de programas de auditório loiras e sensuais, shows de música romântica cantada por irmãos adolescentes, artistas de rua comendo ratos, amestrando pombos, outras crianças jogando malabares nos sinais, contor-ções que trarão o pão...

Facilmente preencheria várias páginas citando arte-fatos e práticas que impelem as crianças (e não só elas) a assumirem posições de sujeitos espectado-res na contemporaneidade. Durante horas de seus dias e noites, as crianças e jovens, nas conjunturas contemporâneas, encontram-se diante das telas da televisão, do cinema e dos computadores, perante eventos que assumem caráter de espetáculo, for-mas tradicionais como o teatro, os artistas de rua, os

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folguedos folclóricos e o circo, novíssimas invenções digitais de complexo manuseio.

Essa imensa diversidade de artefatos, linguagens, gê-neros discursivos e textuais, personagens, suportes e técnicas invadem os cotidianos das mais díspares infâncias e juventudes, desde aquelas que encontra-mos trancafiadas atrás das grades dos luxuosos con-domínios até as outras que correm pelas calçadas do centro, carregando carteiras que não são suas e do-ces da barraca da esquina. E estas formas, conteúdos e linguagens que se apresentam a nós também não são puras: nelas interpenetram-se e convivem tra-ços e elementos das diferentes culturas (classificadas como) erudita, popular e massiva. O momento his-tórico e conjuntural que vivenciamos, e que alguns teóricos denominam pós-modernidade, possibilita-nos justamente esta convivência mútua (ainda que não pacífica) entre inúmeras formas de expressão que poderiam ser consideradas espetaculares, pelo fato mesmo de colocarem os sujeitos em uma posi-ção constante de espectadores.

Considerando que espectador é constituído por to-das essas peças (suas práticas e discursos) que com-põem seu repertório pessoal e seu universo cultu-ral, ainda podemos pensar que aos constituir sua(s) identidade(s) e sua(s) subjetividade(s), instáveis e cambiantes, devemos levar em conta uma série de atravessamentos que rasgam o espaço-tempo da re-cepção teatral, sendo parte integrante do processo. Chego, portanto, às mediações.

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MEDIAÇÕES OU AQUILO TUDO QUE ESTÁ ENTRE O PALCO E A PLATÉIASe o espectador é compreendido, contemporanea-mente, como parte ativa (e absolutamente necessá-ria) dos processos de recepção, é importante pensar o que é um espectador encaminhando a discussão para uma outra pergunta: como se constitui um es-pectador? Como a aula de teatro pode (e deve) ser um espaço de constituição de espectadores (mais do que de formação, ousaria dizer)?

E mais: quais as linhas que atravessam o espaço en-tre palco e platéia, entre espectador e obra de arte? Se este espaço entre pode ser compreendido como o acontecimento teatral em si, que se dá no espaço-tempo único da interação, da comunhão, que linhas são essas, que medeiam, transformam, constituem e determinam os processos de recepção, estes sim acontecendo mesmo antes e também excedendo o próprio momento (instante) efêmero do aconteci-mento teatral?

Destarte, podemos compreender que muitas instân-cias, artefatos, pessoas, instituições, modos e costu-mes, classes, enfim, que uma infinidade de possibi-lidades de lugares, de objetos, de seres, de práticas e de discursos que nos constituem, também atraves-sam os processos de recepção, sendo determinantes na construção da relação que determinado especta-dor vai estabelecer com uma obra e dos sentidos e significados que vai conferir a cada acontecimento teatral ou cênico com o qual se relacionar.

É pertinente que estas diversas linhas que atraves-sam o entre do acontecimento teatral, que aqui, ins-pirada em teóricos como Martín-Barbero e Orozco-Goméz, nomeio como mediações, sejam percebidas e levadas em consideração quando se pretende refletir acerca da recepção teatral e dos processos de signi-ficação e construção de conhecimento que envolve, principalmente se isso for feito dentro de ambientes pedagógicos, como a aula de teatro.

Inspirada nas teorias e propostas metodológicas dos dois pesquisadores e autores do campo da comunica-ção, penso que seja oportuno apresentar ao leitor uma

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síntese visual de algumas mediações que poderão, en-tre tantas outras, dependendo dos casos e situações analisados, ser levantadas na tentativa de compreen-der e problematizar a recepção teatral e a constitui-ção dos espectadores na contemporaneidade.

Não irei me ater a longas digressões sobre a imagem apresentada, que poderá ser compreendida se arti-cularmos o que nela está proposto a tudo que foi colocado até agora nestes escritos.

É difícil conceituar com precisão o que são as media-ções, já que os autores que propõem o termo não o colocam como fechado e imutável, mas sim como um conceito que se encontra sob rasura (HALL, 1997), em suspensão, aberto à polissemia e também à discussão teórica e metodológica. Araújo, pesquisadora que tra-balha com o conceito de mediações, argumenta que “mediação é uma das formas de classificar uma idéia polimorfa, a do elemento que possibilita a conversão de uma realidade em outra” (ARAÚJO, 2002, p. 57).

Relacionando as teorias de Martín-Barbero das me-diações às de Foucault sobre as relações de poder, percebo pontos de intersecção naquilo que se refere à instabilidade das mediações e das relações de po-der, à capacidade de transmutação e de circulação. Assim como os sujeitos são atravessados pelas rela-ções de poder, modificando-as e fazendo-as circular na infinita rede, também as mediações atravessam os sujeitos receptores; são instáveis ao mesmo tempo em que são determinantes da relação a ser constituí-da entre os receptores e os artefatos e seus discursos. Para Araújo, “mapear estes fatores (de mediação)

Figura 4. Momentos e

instâncias relevantes aos

processos de recepção e

roteiro de mediações.

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MEDIAÇÕESREFERENCIAIS

MEDIAÇÕESSITUACIONAIS

MEDIAÇÕESINSTITUCIONAIS

MEDIAÇÕESLINGUÍSTICAS

MEDIAÇÕESPESSOAIS

MEDIAÇÕESCONTEXTUAIS

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ESPECTADOR

Escola, família, mídia, etc

Gênero, raça, classe social, idade, etc

Condições do momento de recepção

Contexto sócio-econômico-cultural

dos receptores

Capital simbólico (Repertório anterior)

Características formais, textuais e linguísticas do

espetáculo

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representa mapear as redes de produção de sentido que articulam e produzem as posições discursivas dos atores sociais e, portanto, as relações de poder que movem a sociedade” (ARAÚJO, 2002, p. 55).

Na tentativa de “trazer a teoria ao nível empírico para que se possa pesquisar” (OROZCO GÓMEZ, 2000, p. 116), é que Orozco Gómez tem traçado, em seu percurso investigativo de estudos de recepção, alicer-çado no conceito de mediações de Martín-Barbero, o estudo das múltiplas mediações. Este pesquisador vem realizando, durante as últimas três décadas, importantes pesquisas de recepção, principalmente junto ao público formado por crianças telespectado-ras, ou seja, pensando as experiências constituídas pelas crianças em relação à televisão. Sua obra tam-bém comporta várias relações com o campo da Edu-cação, já que Orozco Gómez é um dos percussores de proposições direcionadas a uma “educação para os meios” na América Latina.

Reproduzo aqui, com minhas palavras, a classificação das múltiplas mediações proposta por Orozco Gómez (1998), adaptadas a um estudo de recepção teatral, assim como estão propostas na síntese visual.

são elas mediações:

1. Lingüísticas: elementos da linguagem teatral e das téc-nicas envolvidas no espetáculo, bem como a trama nar-rativa e os personagens da história, etc.

2. Situacionais: da situação na qual o espetáculo foi assisti-do (espaço, tempo, local, entorno, outros espectadores) e também na qual foi realizada a construção de dados.

3. Institucionais: visão de mundo, discursos e tipo de dis-ciplinamento e regras impostos por instituições como a escola, a igreja, a família, a mídia, etc.

4. Contextuais: ambiente sociocultural, história e tipo de inserção social da linguagem em questão, a cidade e o bairro, etc.

5. Pessoais: o repertório cultural anterior ao qual têm ou tiveram acesso os espectadores, seus hábitos como con-sumidores, etc.

6. Referenciais: são também um tipo de mediação clas-sificada como pessoal; as referências identitárias do espectador, tais como gênero, grupo de idade, descen-dência étnica, nacionalidade, orientação sexual, etc.

Entretanto, a fim de tornar a análise destas me-diações produtiva, é importante lembrar autores como Bakhtin (1992), que levanta o conceito de um

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interlocutor que assume para com os discursos com os quais se relaciona uma “atitude responsiva ativa”, em que o “ouvinte torna-se locutor”. Espectador tor-na-se, portanto, ator?

Em relação ao discurso, o receptor responde-lhe e for-mula um discurso outro, no qual articula referenciais anteriores que possibilitaram a formação daquela res-posta específica, um discurso próprio a partir do mes-mo que havia sido lido/ visto/ ouvido/ recebido. Dentro de um “processo metabólico” de ampla articulação entre as várias práticas discursivas que compõem e re-compõem o sujeito e sua(s) identidade(s) – ou melhor, suas posicionalidades (mutantes) de sujeito, (HALL, 1997) – o espectador também assume a responsabi-lidade de co-autor da obra, já que esta sem sua pre-sença e sua ação sobre ela, junto dela, obviamente só existiria em um plano que se apagaria nas infinitas redes de discursos e sentidos, pois desprovida de sig-nificado justamente por não haver dela um uso efeti-vo. Seria objeto potente, porém morto.

Pois, fazendo uma analogia entre o pensamento de Bakhtin (1992) e a recepção teatral, podemos depre-ender que há vozes (ou mediações) que circulam e atravessam o acontecimento teatral, fazendo-se ou-vir e compondo, tornando vivos e presentes práticas e discursos que não necessariamente emanam do es-petáculo cênico. Mesmo que estas vozes não estejam atualmente presentes (as do espetáculo estão), eco-am essas múltiplas vozes (ou mediações) atravessan-do o espaço entre. E a estas vozes atrelam-se diferen-tes significados e sentidos, conforme os contextos e condições de emergência em que forem articuladas, enunciadas, ditas, colocadas em vida.

Reitero que a recepção é cultural e socialmente me-diada. Exemplificando, ressalto que o contato coti-diano dos sujeitos com a televisão, o rádio, os jornais, as revistas, as propagandas, o cinema, a Internet e toda uma gama de artefatos culturais, também for-ma suas subjetividades e identidades, bem como se constitui enquanto importante mediador da capaci-dade ativa de recepção de todas as outras linguagens e artefatos, artísticos e culturais, disponíveis na con-temporaneidade. Muitos são os fatores de mediação: a família, a escola, as instituições às quais está atre-lado o indivíduo, a temporalidade, as conjunturas político-sociais, a produção cultural a que tem aces-so, entre outros. É através do manejo do corpus de

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representações veiculadas por variadas instâncias das vivências e experiências de cada sujeito que aconte-cem as mediações.

É em um processo de negociação e tensão entre as representações veiculadas nas diversas instâncias de suas experiências que o receptor confere significados e atribui determinado sentido a elas. E este sentido, em articulação com outros sentidos e significados (que compõem o repertório único de cada indivíduo), constituirá, culturalmente, os sujeitos espectadores.

Como resultado dos complexos processos acima cita-dos – impuros, intertextuais, fragmentados, mestiços e repletos de tensão – provocados pelas relações de força neles presentes, encontramos os sujeitos pós-modernos. Os descentrados, múltiplos, plurais, mu-tantes, fluidos, constituídos na e constituintes da cul-tura, soma e mescla de fatores cambiantes, trocando e ocupando diversos lugares em um “sentir/ viver o tempo” que reformula a noção moderna de tempo-ralidade, tempo este que passa a ser instantâneo, percebido no ritmo frenético do zapping do controle remoto (SARLO, 2000), das imagens de videoclipe, do teclar nervoso diante da tela de um computador co-nectado à rede.

Figura 5. Jovens e

suas reações ao Diabo

de “Deus e o Diabo na

Terra de Miséria”, da

Cooperativa de Artistas

Teatrais Oigalê. Crédito

da fotografia: Kiran.

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LINHAS DE FUGA, PONTOS DE ENCONTRO: A PEDAGOGIA TEATRAL E A RECEPÇÃO TEATRAL PODEM CAMINHAR JUNTAS?

O teatro sempre esteve presente nas escolas, seja como instrumento didático, em uma apropriação utilitarista da linguagem (isso no Brasil desde os je-suítas no século XVI), seja como espaço para a livre expressão e exercício da tão aclamada criatividade inata infanto-juvenil (muito mais recentemente, a partir da segunda metade do século XX). Em espa-ços-tempo de ensino aprendizagem informal, como em oficinas artístico-culturais, em projetos sócio-educativos, bem como em espaços de convívio (nos quais também se aprende modos de ser e estar no mundo, portanto também estes entendidos como espaços educacionais) como centros de lazer, igrejas, bibliotecas públicas, clubes sociais e associações de bairro, as aulas de teatro e as apresentações teatrais sempre tiveram sua importância garantida, tanto pelos possíveis benefícios trazidos pela sociabilidade como pela visibilidade que os grupos teatrais trazem às instituições junto à comunidade, mas, principal-mente, em relação à mídia.

E mais uma questão surge a partir da contextualiza-ção acima: se o teatro está presente em tantas es-feras sociais, incluindo a escola e outras instituições notadamente educativas, por que este discurso re-corrente acerca da precariedade ou da ausência do ensino de teatro no Brasil?

Muitas poderiam ser as respostas a esta questão: os professores que ensinam teatro nas escolas geral-mente não têm formação específica na área, o ensi-no de teatro ainda está profundamente arraigado ao entendimento do teatro como ferramenta didática de outras disciplinas, as escolas não oferecem estru-tura física adequada às aulas, os alunos possuem um repertório de experiências teatrais diminuto, muitos ministrantes de oficinas livres de teatro não possuem conhecimentos prático-teóricos suficientes para pro-piciar uma formação significativa, há uma banaliza-ção da formação em teatro decorrente do anseio dos jovens em atuar nas mídias televisivas, confunde-se

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educação estética com formação de atores, há mui-tos cursos, escolas e oficinas “caça-níqueis”, já que este é um mercado promissor nos dias de hoje, a es-cassez de material didático sobre teatro que possa ser usado na educação básica é notória, os produtos são mais valorizados em detrimento dos processos criativos e educacionais na pedagogia do teatro, en-tre muitas e muitas outras possíveis justificativas.

Todo este levantamento poderia causar um grande mal-estar, associado há certo pessimismo e falta de perspectiva em relação ao ensino de teatro no Brasil, tanto na formação de profissionais da área como em relação à formação estética e aquisição de elementos da linguagem teatral por crianças e jovens em fase escolar. Portanto, julgo ser de extrema pertinência discorrer acerca das diversas possibilidades que vi-venciamos, todos nós, em nossos cotidianos, de nos relacionarmos com artefatos culturais nas mais dife-rentes linguagens, constituindo-nos como múltiplos espectadores na contemporaneidade. E esta foi uma das intenções deste artigo até o presente momento.

Ainda que seja senso comum que as relações de ensi-no-aprendizagem em arte historicamente acontecem muito mais em espaços formativos não institucionais, há muitas tentativas de se institucionalizar o ensino de arte no Brasil, através da criação os cursos de gra-duação junto às universidades desde a década de 50, da criação de escolas (as “escolinhas”) de arte junto aos municípios e órgãos públicos, bem como com a inserção da Arte no currículo obrigatório do ensino básico no país. Contudo, há muitos outros lugares e artefatos que nos ensinam teatro, que nos ensinam a ser espectadores, que atuam produtivamente na for-mação estética e cultural de crianças, jovens e adul-tos na sua relação com a linguagem teatral.

No entanto, isso não quer dizer que debater a ques-tão da recepção na pedagogia teatral nos dias de hoje seja uma tarefa inútil, já que nos constituí-mos espectadores em diversas instâncias para além e aquém da aula de teatro. Muito pelo contrário, problematizar a recepção teatral e a pedagogia do teatro implica, necessariamente, pensar em como têm sido desenvolvidos no ensino de teatro, tanto formal como informal, os três vértices da proposta triangular que permeia as diretrizes traçadas pelos

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PCNs de Arte10 – Teatro, ou seja, a articulação entre experienciar a linguagem a partir da prática teatral, formar esteticamente através do contato com artefa-tos teatrais e instrumentalizar a partir da aquisição de conhecimentos teóricos e históricos da lingua-gem, a fim de possibilitar a contextualização e a sig-nificação críticas destes artefatos.

Fazer teatro, experienciar a prática criativa na lingua-gem é imprescindível para a apreensão dos códigos e convenções do campo das artes e de cada subcam-po como a literatura, o teatro, a dança, a música, as artes visuais, o cinema, etc. No entanto, sabe-se que há lacunas enormes na formação de crianças e jovens em relação as suas possibilidades como espectadores de teatro. Se até então, neste artigo, defendi que nos constituímos espectadores também em nossa relação com diversas outras linguagens e artefatos, que construímos um repertório anterior que nos pos-sibilita construir leituras (sejam estas preferenciais, negociadas ou de ruptura com o senso comum, con-forme HALL, 2002), cumpre notar que para ser espec-tador de teatro também é necessário que se adquira um repertório de experiências em teatro: como pra-ticante e como apreciador, além do eixo mais esque-cido da proposta triangular no ensino das artes, que é a instrumentalização teórica, em que elementos da história, da estética e ética do teatro possibilitariam uma contextualização muito mais efetiva e significa-tiva dos espetáculos, performances e acontecimentos teatrais nos quais os alunos estivessem envolvidos como espectadores e/ou produtores.

Se for consenso que debater, refletir e contextualizar o teatro (os diferentes teatros) em relação às cultu-ras pelas quais está sendo atravessado e que também está atravessando e constituindo, em movimento contínuo como parte de um circuito cultural fluido e móvel, é uma das importantes competências ne-cessárias à construção de conhecimento em teatro, a pergunta que emerge é: estão sendo fornecidas fer-ramentas aos jovens e crianças para que estes possam efetivamente dar conta desta proposta? A aula de teatro tem desenvolvido estas ferramentas ou atém-

10 PCN para as séries iniciais do Ensino Fundamental, PCN para as séries finais do Ensino Fundamental, Orientações Curriculares para o Ensino Médio, PCN para o Ensino Médio e PCN+ para o Ensino Médio (linguagens e suas tecnologias), todos os documentos disponíveis na página do MEC: <http://portal.mec.gov.br/ >. Acesso em 22 de novembro de 2009.

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se a propiciar um espaço para experiências práticas no fazer teatral (jogos, improvisações e pequenas en-cenações, geralmente)?

Obviamente que a experiência prática na linguagem por si só constrói conhecimentos e propicia aquisição de elementos da linguagem, no entanto, será que não se torna imperativo pensar em outras possibili-dades para a pedagogia teatral? Em metodologias outras, instrumentos outros, materiais didáticos e/ou teóricos outros na elaboração e condução de aulas de teatro que dêem conta das três dimensões de en-sino de teatro propostas pelos PCNs?

Será que a pedagogia teatral e a recepção teatral po-dem caminhar juntas, dentro e fora da aula de teatro?

Lanço a pergunta, no intuito de problematizar tam-bém como ensinamos a ensinar teatro nos cursos de licenciatura das universidades brasileiras. Lanço a pergunta com o desejo de que suscite idéias em quem a estiver lendo. Lanço a pergunta para que, como pergunta, desdobre-se produtivamente atra-vés de quem sentir-se questionado.

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