Upload
prometeusone
View
29
Download
4
Embed Size (px)
Citation preview
PREFÁCIO
Os historiadores menos inclinados à loso a quase não podem evitar
re exõesgeraissobresuamatéria.Mesmoquandopodem,talveznãosejam
incentivadosnesse sentido, jáqueaprocuraparaconferênciase simpósios,
que tende a aumentar à medida que o historiador envelhece, é mais
facilmenteatendidaporabordagensgeraisqueporpesquisasconcretas.Em
todo caso, o viés do interesse contemporâneo está voltado para questões
conceituaisemetodológicasdahistória.Teóricosdetodosostiposcirculam
aoredordostranquilosrebanhosdehistoriadoresquesealimentamnasricas
pastagensdesuasfontesprimáriasouruminamentresisuaspublicações.De
vez emquando, até osmenos combativos se sentem impelidos a enfrentar
seusdetratores.Nãoqueoshistoriadores,entreosquaisesteautorseinclui,
nãosejamcombativos,pelomenosquandotratamdostextosunsdosoutros.
Algumasdascontrovérsiasacadêmicasmaisespetacularesforamtravadasnos
campos de batalha dos historiadores. Dessa forma, não é de admirar que
alguémhácinquentaanosnaatividadetenhaproduzido,aolongodotempo,
reflexõessobresuamatéria,agorareunidasnestacoleçãodeensaios.
Por mais curtos e assistemáticos que possam ser — em muitos deles
transparecem os limites do que pode ser dito em uma conferência de
cinquentaminutos—,estesensaiosconstituem,noentanto,umatentativade
embatediretocomumconjuntocoerentedeproblemas.Essesproblemassão
detrêstiposquesesobrepõem.Emprimeirolugar,estoupreocupadocom
osusoseabusosdahistória,tantonasociedadequantonapolítica,ecoma
compreensão e, espero, transformação do mundo. Mais especi camente,
discutoovalordahistóriaparaasoutrasdisciplinas, especialmentenaárea
das ciências sociais. Nesse sentido, estes ensaios, se o leitor preferir, são
anúnciosparaomeunegócio.Emsegundolugar,dizemrespeitoaoquetem
acontecido entre os historiadores e outros pesquisadores acadêmicos do
passado. Incluem levantamentos e avaliações críticas de várias tendências e
modas em história, além de intervenções em debates, como, por exemplo,
sobre pós-modernismo e cliometria. Em terceiro, dizem respeito a meu
próprio tipo de história, ou seja, aos problemas centrais com que todo
historiadorsériodevesedefrontar,à interpretaçãohistóricaqueacheimais
útilquandoosenfrentei,e,também,àmaneirapelaqualahistóriaquetenho
escritotrazasmarcas,antecedentes,convicçõeseexperiênciadevidadeum
homem de minha idade. É provável que os leitores descubram que cada
ensaio,deummodooudeoutro,érelevanteatodososdemais.
Minhasopiniões sobre todosesses assuntosdevemestar clarasno texto.
Não obstante, quero acrescentar uma palavra ou duas de esclarecimento
sobredoistemasdestelivro.
Primeiro,sobrecontaraverdadesobreahistória,parausarotítulodeum
livrodeamigosecolegasdoautor.1Defendovigorosamenteaopiniãodeque
aquilo que os historiadores investigam é real. O ponto do qual os
historiadores devem partir, por mais longe dele que possam chegar, é a
distinção fundamental e, para eles, absolutamente central, entre fato
comprovável e cção, entredeclaraçõeshistóricasbaseadas emevidências e
sujeitasaevidenciaçãoeaquelasquenãoosão.
Nasúltimasdécadas,tornou-semoda,principalmenteentrepessoasquese
julgamdeesquerda,negarquearealidadeobjetivasejaacessível,umavezque
oquechamamosde“fatos”apenasexistemcomoumafunçãodeconceitose
problemas prévios formulados em termos dos mesmos. O passado que
estudamos é só um constructo de nossas mentes. Esse constructo é, em
princípio,tãoválidoquantooutro,querpossaserapoiadopelalógicaepor
evidências, quernão.Namedida emque constitui parte deum sistemade
crençasemocionalmente fortes,nãohá,porassimdizer,nenhummodode
decidir, em princípio, se o relato bíblico da criação da terra é inferior ao
propostopelasciênciasnaturais:apenassãodiferentes.Qualquertendênciaa
duvidar disso é “positivismo”, e nenhum termodesquali camais que este,
excetoempirismo.
Em resumo, acredito que sem a distinção entre o que é e o que não é
assim, não pode haver história. Roma derrotou e destruiu Cartago nas
Guerras Púnicas, e não o contrário. O modo como montamos e
interpretamosnossaamostraescolhidadedadosverificáveis(quepodeincluir
nãosóoqueaconteceumasoqueaspessoaspensaramarespeito)éoutra
questão.
Na verdade, poucos relativistas estão à altura plena de suas convicções,
pelomenosquandosetrataderesponder,porexemplo,seoHolocaustode
Hitler aconteceu ou não. Porém, seja como for, o relativismo não fará na
histórianadaalémdoquefaznostribunais.Seoacusadoemumprocesso
por assassinato éounão culpado,dependeda avaliaçãoda velha evidência
positivista,desdequesedisponhadetalevidência.Qualquerleitorinocente
que se encontrar no banco dos réus fará bem em recorrer a ela. São os
advogadosdosculpadosquerecorremalinhaspós-modernasdedefesa.
Osegundoesclarecimentodizrespeitoàabordagemmarxistadahistória,
com a qual sou associado.Embora o rótulo seja vago, não o rejeito. Sem
Marxeunãoteriadesenvolvidonenhuminteresseespecialpelahistória,que,
conforme ensinadana primeirametade dos anos 1930 emumGymnasium
alemão conservador e por um admirável mestre liberal em uma escola
secundária de Londres, não era umamatéria inspiradora. Era quase certo
queeunãoiriaganharavidacomohistoriadoracadêmicopro ssional.Marx
e os campos de atividade dos jovens radicais marxistas forneceram meus
temasdepesquisaein uenciaramomodocomoescrevisobreeles.Mesmo
que eu achasse que grande parte da abordagem da história por Marx
precisasseserjogadanolixo,aindaassimcontinuariaalevaremconsideração,
profundamascriticamente, aquiloqueos japoneseschamamdeumsensei,
mestre intelectual para quem se deve algo que não pode ser retribuído.
Acontece que continuo considerando (com quali cações que serão
encontradas nestes ensaios) que a “concepção materialista da história” de
Marxé,delonge,omelhorguiaparaahistória,comoograndeeruditodo
séculoXIV,IbnKhaldun,adescreveu:
oregistrodasociedadehumana,oucivilizaçãomundial;dasmudançasque
acontecemnanaturezadessa sociedade [...];de revoluçõese insurreições
deumconjuntodepessoascontraoutro, comosconsequentes reinose
Estados dotados de seus vários níveis; das diferentes atividades e
ocupações dos homens, seja para ganharem seu sustento ou nas várias
ciências e artes; e, em geral, de todas as transformações sofridas pela
sociedadeemrazãodesuapróprianatureza.2
Écertamenteomelhorguiaparaaquelescomoeu,cujocampotemsidoo
daascensãodocapitalismomodernoeastransformaçõesdomundodesdeo
fimdaIdadeMédiaeuropeia.
Masoqueexatamenteéum“historiadormarxista”emcomparaçãocom
um historiador não marxista? Ideólogos de ambos os lados das guerras
religiosasseculares,emmeioàsquaisvivemosdurantegrandepartedoséculo
XX, tentaramestabelecer claras demarcações e incompatibilidades.Porum
lado,asautoridadesdaextintaURSSnãosedispuseramatraduzirnenhum
demeuslivrosparaorusso,emboraseuautorfossesabidamentemembrode
umPartidoComunista e editor da edição inglesa dasObrasescolhidas de
Marx e Engels. Pelos critérios de sua ortodoxia, os livros não eram
“marxistas”. Por outro lado, mais recentemente, nenhum editor francês
“respeitável” até agora se dispôs a traduzir meu livroEra dos extremos,
presumivelmente por considerar o livro por demais chocante em termos
ideológicos para os leitores parisienses, ou, o que é mais provável, para
aqueles que decerto fariam a resenha do livro, caso fosse traduzido.
Entretanto,conformemeusensaios tentammostrar,ahistóriadadisciplina
queinvestigaopassado,apartirdo mdoséculoXIX,pelomenosatéquea
nebulosidadeintelectualcomeçasseapairarsobreapaisagemhistoriográ ca
nos anos 1970, foi uma história de convergência e não de dispersão.
Constantemente se observou o paralelismo entre a escola dosAnnales na
FrançaeoshistoriadoresmarxistasnaGrã-Bretanha.Cadaladoviaooutro
empenhadoemumprojetohistóricosimilar,aindaquecomumagenealogia
intelectual diferente, e entretanto, ao que se presume, a política de seus
expoentes mais destacados estava longe de ser a mesma. Interpretações
outrora identi cadas exclusivamente com o marxismo, e até com o que
chameide“marxismovulgar”(veradiante,pp.206-9),penetraramnahistória
convencional em um grau extraordinário. É seguro dizer que, há meio
século, pelo menos na Inglaterra, apenas um historiador marxista teria
sugeridoqueoaparecimentodoconceitoteológicodepurgatórionaIdade
Médiaeuropeiaeramaisbemexplicadopelamudançanabaseeconômicada
Igreja,queseapoiavanasdoaçõesdeumpequenonúmerodenobresricose
poderosos,paraumabase nanceiramaisampla.Noentanto,quemchegaria
ao ponto de classi car o eminente medievalista de Oxford, Sir Richard
Southern,ouJacquesLeGoff—cujolivrooprimeiroresenhounessalinha
nosanos1980—comoadeptoousimpatizanteideológico,emuitomenos
político,deMarx?
Penso que essa convergência seja evidência salutar de uma das teses
centraisdestesensaios,ouseja,queahistóriaestáempenhadaemumprojeto
intelectual coerente, e fez progressos no entendimento de como omundo
passouasercomoéhoje.Naturalmentenãoquerosugerirquenãosepossa
ou não se deva distinguir entre históriamarxista e nãomarxista, apesar da
heterogeneidade e imprecisão da carga que os dois recipientes carregam.
HistoriadoresnatradiçãodeMarx—eissonãoincluitodososqueassimse
intitulam — têm uma contribuição importante a fazer para esse esforço
coletivo.Masnãoestãosozinhos.Nemdeveriaoseutrabalho,ouodequem
querqueseja,serjulgadopelasetiquetaspolíticasqueelesououtrosa xam
emsuaslapelas.
Os ensaios aqui reunidos foram escritos em momentos diferentes nos
últimos trinta anos, principalmente como conferências e contribuições
apresentadasemcongressosousimpósios,àsvezescomoresenhasdelivros
oucontribuiçõesparaessesestranhoscemitériosacadêmicos,osFestschriften
ou coletâneas de estudos dedicados a um colega acadêmico em alguma
ocasião que pede celebração ou apreciação.O público para o qual escrevi
varia de plateias gerais, principalmente de universidades, até grupos
especializadosdehistoriadoresoueconomistaspro ssionais.Oscapítulos3,
5,7,8,17e19estãosendopublicadospelaprimeiravez,emboraumaversão
docapítulo17notextoalemãooriginal,naformadeumaconferênciaparao
Historikertagalemãoanual,tenhasidopublicadaemDieZeit.Oscapítulos1
e 15 foram publicados inicialmente naNew York Review of Books ; os
capítulos2e14,narevistadehistóriaPastandPresent;oscapítulos4,11e
20apareceramnaNewLeftReview;ocapítulo6,emDaedalus,arevistada
AcademiaNorte-americanadeArtes eCiências, eos capítulos10e21, em
Diogenes, publicada sob os auspícios daUNESCO. O capítulo 13 foi
publicado naReview com patrocínio do Centro Fernand Braudel da
UniversidadeEstadual deNovaYork emBinghamton, e o capítulo 18 foi
publicado como folheto pela Universidade de Londres. Detalhes sobre o
Festschriftenparaosquais foramescritososcapítulos9e16encontram-se
nocabeçalhodoscapítulos,bemcomo,emgeral,asdatasdostextosoriginais
e, onde necessário, o motivo de sua redação original. Agradeço a todos,
tambémondenecessário,pelapermissãoparapublicarnovamente.
E.J.Hobsbawm
Londres,1997
15.PÓS-MODERNISMONAFLORESTA
NestecapítuloutilizeiafascinanteeimportantepesquisadeRichardPrice
sobre os saramakas do Suriname para investigar a utilidade histórica de
algumasabordagens“pós-modernistas”atualmente emmoda.Esta resenha
deAlabi’sWorld, dePrice,foipublicadanaNewYorkReviewofBooks,6,
dezembro de 1990,pp.46-8, como título“Escaped Slaves of the Forest”
[Escravosfugitivosdafloresta].
Logo após se estabelecerem no Novo Mundo recém-conquistado, os
espanhóis passaram a empregar a palavracimarrón, de etimologia
controvertida,paradescreveranimaisdomésticos trazidosdaEuropaeque
haviam escapado ao controle e regressado à liberdade da natureza. Por
motivos óbvios, o termo também era aplicado nas sociedades escravistas a
escravosfugidosqueviviamemliberdadeforadomundodossenhores.Era
traduzidaemoutraslínguassenhoriaiscomomarronsoumaroons.Ofatode
queamesmapalavrafossetambémaplicadapelosbucaneiroscaribenhosaos
marinheiros expulsos de sua comunidade e obrigados a viver na natureza
abandonados [marooned] em alguma ilha sugere que a liberdade não era
vistacomoummarderosas.
A vida quilombola, fosse na forma (geralmente passageira) de fugitivos
individuais (petitmarronage)oude comunidadesmais amplasde escravos
fugidos (grand marronage), era consequência inevitável da sociedade
escravista daplantation. Não se pode dizer que sua história tenha sido
negligenciada — por certo, não no Brasil ou na Jamaica — mas não há
dúvidadequenossoconhecimentoaseurespeitoavançouenormementenos
últimosvinteanos.A“novahistóriasocial”dosanos1960e1970di cilmente
poderia desconsiderar um assunto tão obviamente atraente aos interesses
técnicos e políticos de tantos de seus praticantes: um temaque combinava
protesto social, estudodo anonimato comunitário, libertaçãonegra e anti-
imperialismoou,pelomenos,interessesdoTerceiroMundo,epareciaideal
paraexempli caraquelecasodeamorentreahistóriaeaantropologiasocial
que então produzia resultados tão animadores. E o novo interesse pela
históriaquilombolanãopoderiadeixardeapontarparaoSuriname.
Ora, o Suriname, ex-colônia holandesa na costa daGuiana e hoje uma
decepcionante republiqueta independente, possui seis antigas comunidades
quilombolasqueaindaconstituem10%dapopulaçãodeumpaíspequenoe
de extraordinária mestiçagem. Isso é notável, já que as comunidades
quilombolas encontravamdi culdades para sobreviver, ainda que o último
escravo autêntico fugido tenha vivido o bastante para relatar sua
autobiogra a a um escritor cubano na década de 1960.1 Uma vez que os
escravos eram mais propensos à evasão logo após sua chegada da África,
comunidades quilombolas livres e fora dos limites da sociedade colonial
estabeleceram-secommaisfacilidadenosestágios iniciaisdessassociedades,
nos séculosXVI eXVII. O maior dos quilombos brasileiros, Palmares,
estava em seu apogeu na década de 1690, pouco antes de sua queda após
sessentaanosdeguerras.Mesmoondeospoderescoloniaisforamobrigados
a rmar tratados reconhecendo a independência quilombola, como
aconteceu de tempos em tempos em uma série de países, esses tratados
raramente perduravam. É duvidoso que fora do Suriname existam hoje
comunidadesnegras livresquecontinuemaconsiderarvigentesos tratados
dametadedoséculoXVIIIreconhecendosualiberdade.
RichardPrice, cujo livroMaroonSocieties, juntamentecomumcapítulo
dolivroFromRebelliontoRevolution[Darebeliãoàrevolução],deEugene
Genovese,constituemamaisadequadaintroduçãoaotema,2éatualmentea
principal autoridade emmarronage em geral e sobre os quilombolas do
Suriname(“negrosdamata”),oumelhor,sobreumadesuascomunidades,
os saramakas, aos quais dedicou muitos anos de pesquisa. Já escreveu
extensamenteaseurespeito,notadamenteemseulivropioneiroFirstTime:
TheHistorical Vision of an Afro-American People [Primeira vez: a visão
histórica de um povo afro-americano],3 um relato do estabelecimento e
guerra de independência dos saramakas baseado em registros escritos e na
transmissão oral de seu “senso histórico causal, fortemente linear”, que é
essencial para sua identidade e, de quebra, os torna fascinantes aos
historiadores.Alabi’sWorld começa a narrativa a partir da independência,
quandoseestabeleceuasociedadesaramaka,eofaznaformade“avidaeo
tempo”deumcertoAlabi(1740-1820),chefesupremodeseupovodurante
quasequarentaanos.Entretanto,aobracontémmaterialintrodutóriosobre
as origens dos quilombolas do Suriname, su ciente para os leitores
formarem o quadro, pois, como dizem os saramakas, “se esquecermos os
feitosdenossosancestrais, comopodemosesperarquenãovoltemosa ser
escravosdosbrancos?”.
Price escolheu um tema que interessa igualmente a historiadores e
antropólogossociais,independentedoheroísmodaslutasdosquilombolas,
pois essas sociedades suscitam questões fundamentais. De que forma os
ajuntamentos casuais de fugitivos de origens extremamente distintas, que
nada possuem em comum alémda experiência de serem transportados em
navios negreiros e do trabalho escravo nas fazendas, passam a constituir
comunidades estruturadas? Falando em termos mais gerais, como as
sociedades são fundadas a partir do zero? Quais as relações entre as
sociedadesdeex-escravos,querejeitamaservidão,easociedadedominante
emcujasmargenselasvivem,emumacuriosaespéciedesimbiose, jáquea
marronage, comoexplicaPrice emoutraobra,4 não era uma simples fuga,
uma reversão à vida camponesa no sertão, mas também, de um modo
curioso, “uma espécie de ocidentalização”. O que exatamente essas
comunidadesde refugiados—pelomenosno tempoemqueamaioriade
seusmembroseramafricanosnativos—deduziamoupoderiamdeduzirdo
velho continente? Ora, se as comunidades quilombolas aparecem aos
observadores como africanas em sentimento — e talvez, o que é uma
novidade histórica, naconsciência de uma africanidade comum, que não
teriam condições de possuir no VelhoMundo— não se podem rastrear
modeloseantecedentesafricanosespecíficosparasuasinstituições.
Infelizmente, o autor, embora profundamente atento a questões como
essas, não tentou respondê-las diretamente. Seu livro, fascinante porém
enigmático,tratanaverdadedecolisões,confrontosediálogosculturaisentre
surdos, principalmente entre as opiniões de Richard Price sobre como a
história deve ser escrita e as de outros historiadores e antropólogos mais
tradicionais.
Uma vez que o personagem principal desse livro, Alabi, acabou se
convertendoaocristianismo,aopassoquesersaramakaeraessencialmentea
rejeição,oupelomenos anãoaceitação,dos valoresdosbrancos, entreos
quaisocristianismo,acolisãodeculturasdeveriaestarnocernedeumlivro
sobre ele. Os cristãos ainda são minoria entre os “negros da mata” do
Suriname. Considerando que grande parte, e de fato a maioria, das
informações de Price sobre a vida quilombola do séculoXVII provém da
volumosacorrespondênciadosmissionáriosmorávios,osúnicosbrancosem
contatoconstantecomossaramakas,doistiposdeequívococulturaltambém
lhes são inerentes: o dos irmãos e irmãs morávios cujo fracasso em
compreender o que estava acontecendo ao seu redor parece ter sido
monumental, e o dos pesquisadores modernos, para os quais a visão de
mundodefanáticoscarolascomoosmorávios,comseucultosensualequase
eróticodaschagasdeCristo,écertamentemenoscompreensívelqueavisão
de mundo dos ex-escravos. A tentativa (ainda que infrutífera) de
compreender“seu”povoescolhidoéoqueseesperadetodoantropólogode
campo; mas a reação mais comum dos modernos mais racionalistas aos
extremos lunáticos das religiões ocidentais ainda tende a ser ummisto de
compaixãofascinadaerepulsa.
Porém,aincertezaculturaltambémseencontraembutidanaobradePrice
em um terceiro sentido. Nos últimos anos, a etnogra a antropológica e,
numamenorextensão,ahistória,foramconturbadasesolapadas(sobtítulos
gerais como “pós-modernismo”) por dúvidas acerca da possibilidade do
conhecimento objetivo ou da interpretação uni cada, ou seja, acerca da
legitimidade da pesquisa conforme até então entendida. As justi cativas
diversas e con itantes para tal recuo são a um só tempo epistemológicas e
políticas,alémdesociais(seráaantropologia“umatentativaetnocêntricade
incorporarosoutros”ou“partedapráticaocidentalhegemônica”,paranão
falardadominaçãomachista?),5mas todas são um tanto fastidiosas para o
praticante de tais disciplinas. Como se sabe, quando o natural frescor de
nossa resolução de nha sob amáscara do pensamento,* a fala ainda pode
substituir amplamente a ação, como demonstraHamlet e como con rma
aquiloque sechamoude“avirada literáriadaantropologia”.6Masmesmo
“um historiador etnográ co de estilo próprio” ou etno-historiador como
RichardPriceéobrigadoarealizaratarefaaquesepropõe.
Ora,pormaisqueapliquemososavançadostermosepetiçõesdeprincípio
dacriaçãoliteráriaàetnogra aouàhistória,“oatofundadorda cçãoem
todoprojetoetnográficoéaconstruçãodeumtodoquegarantaafacticidade
dofato”.7Emsuma,elanãoéenãopodeser cção.Enamedidaemque
umatentativadedescriçãoantropológicaaceitaa“facticidadedofato”,não
pode,mesmonotodo,evitaraterrívelacusaçãode“positivismo”.
Masalgum“todo”nãolevaráà“imposiçãodealgumaordemarbitrária”?
Priceesclarecequepartilhadarepulsaàquelaordematualmenteadotadapor
muitos de seus colegas antropólogos. Dessa forma, “esboça categorias
ocidentais modernas, tais como religião, política, economia, arte ou
parentesco como princípios de organização” e, para o pesar dos leitores e
colegas, recusa-se até a compilar um índice “que incentive a consulta ao
longodessaslinhasetnológicas”,nacrençadequeessapráticadesempenha
“um papel ofuscador pernicioso na compreensão intercultural”.
Aparentementeconsiderasegurosdoisprincípiosnaorganizaçãodomaterial:
anarrativacronológica,especi camentenaformalineardabiogra a,euma
espéciedepolifonia,naqual asdiversasvozesdas fontes falam ladoa lado
com a voz do autor, cada uma identi cada, nesse caso, por uma fonte
tipográ ca distinta. Poderia irmais longe o relativismo ou a abdicação do
direitoautoral(ocidental,imperialista,machista,capitalistaouquejandos)?
Oresultadoécertamenteummagní coesforçopararesgataropassadodo
tipodegente inarticuladaegeralmentenãodocumentadacomo indivíduos
que costuma estar além do resgate. É também a apresentação de uma
experiência extremamente comovente: adeumpovocuja identidade, ainda
hoje, quando trabalha na estação espacial francesa ounaAlcoa, reside nas
memóriasdeumalutaarmadacontraestrangeiros,doisoutrêsséculosatrás,
aqual ainda estãodispostos a retomar.Masqual a suautilidade enquanto
históriaouantropologia, alémdadematéria-primapara ambas?Eatéque
ponto atende aos requisitos pós-modernos com os quais o próprio Price
parecetãopreocupado?
É inevitável que a projetada polifonia resulte em uma ária sem
acompanhamento.Hásomenteumavozeumaconcepção:adoautor.Entre
suasfontes,os“pós-donos”holandeses,funcionárioscoloniaisencarregados
de lidar comos “negrosdamata”da oresta, jamais falampor simesmos.
São citados primordialmente em função de eventos e datas convenientes à
narrativa do autor, e em função da frustração que frequentemente
manifestavam. Ficamos no escuro quanto às estratégias dos fazendeiros e
autoridades,emboranãosejadifícilimaginarque,dadaaimpossibilidadede
impedirqueosescravosfugissemparaa orestatropicalemumasociedade
colonial continental, a política lógica,mais cedo oumais tarde, fosse a de
reconhecer, mediante tratado, a independência das comunidades
quilombolas no interior em troca de uma promessa de trocar foragidos
subsequentes por recompensas ou entregas gratuitas (“tributo”) de bens
litorâneosquesujeitavamaeconomiaquilombolaàcolônia.Deduzimosque
semelhantepolíticafosseadotadaequeoslíderesdacomunidadequilombola
fossemprocurados e persuadidos a fazer acordos.Comoos colonizadores
achavam que isso funcionava? Novamente somos deixados no escuro.
Porventura caram satisfeitos— embora também amargamente queixosos
quantoaofracassodosquilombolasemobedecer—comaefetivaredução
dasfugasdeescravospropiciadapelodispositivo?Amedidarealmenteteve
esseefeito?Ficamossemsaber.
Damesmaforma,emborasejaconsiderávelaextensãoemqueos irmãos
morávios falam por si mesmos, suas cartas prolixas servem ao autor
predominantementecomoumafonteetnográ caantiquada.Oméritodesses
fradeséqueestavamnocampodoisséculosantes,mas,aocontráriodePrice,
quepodecorrigi-los,nãocompreendiamaquiloqueestavamobservando.É
claro que os saramakas contemporâneos também falam realmente por si
mesmos,jáqueoautorfaloucomeleseregistrousuasiniciativasprópriasde
descreveropassadopormeiodashistóriasquelhesforamtransmitidas;Price
narra também parte dos escritos passados dos próprios saramakas.Mas é
segurodizerqueessaspalavrasporsimesmasdiriammuitopoucoaoleitor
desinformado,semocenárioeocomentáriofornecidospeloautor.Mesmo
sesupormosqueostextosseriamprontamenteentendidospelossaramakas,
nãopertencemaonossogênerode“escritahistórica”e,emtodocaso,éda
naturezadaescritasobreoutrasculturasqueelatenhadeexplicaroqueaelas
nãocarecedeexplicação.AúnicavozquerealmentenosfalaéadeRichard
Price.
Entretanto, está longe de ser claro o caráter de seu projeto, afora a
insistência em moda sobre o trabalho de campo da antropologia como
autoanálise (“emboraeucomponhaeste livromaisdeummodobiográ co
queautobiográfico”)eaadmirávelintençãodenoslembrardequeaslutasde
seu povo, e as nossas, de forma alguma terminaram. Por um lado,Alabi’s
World “propõe-se a ser, entre outras coisas, uma etnogra a da vida afro-
americana inicial”. Por outro, Price partilha da opinião de que “a meta
primeiradaanálisehistóricaéoresgate[...]darealidadevividapelaspessoas
emseupassado”,umametaquenãoesgotaaanálisehistóricaparamuitosde
nós,eumadeclaraçãodestituídadesentidoamenosquehajaacordoprévio
quanto a quais pedaços de uma “realidade vivida” in nita estamos nos
referindo.
Éprecisamente essa adi culdadedeumaantropologiahistórica-e-social
que abandona a velha crença nos procedimentos e vocações de ambas as
disciplinas, por inadequadas que possam sersub specie aeternitatis,
principalmente para o tipo de modelos intelectuais que assolaram os
departamentosdeliteratura.Ficamuitodifícilconferirestruturaintelectuale
expositóriaouliteráriaanossosescritos,aforaoriscodequenossotemaseja
desconstruídoemfragmentosunidosapenaspelaexperiênciacomumdeuma
crisedeidentidadeincomunicável.8
Essadi culdadeéilustradapeladecisãodoautoremdividirseulivroem
um texto principal e uma extensa e não estruturada “seção de notas e
comentários praticamente tão longa quanto o texto principal”. É seguro
a rmar que essa segunda seção contém90%doque interessaria àmaioria
doshistoriadoresàmodaantigaetalvezdosantropólogos.Aforareferências
esporádicasnotexto,éapenasaíquedescobrimoscomoosgruposeclãsque
constituemasociedadesaramakapassaramaexistir,“derivandosuarespectiva
identidade comum a partir de uma combinação de supostas origens na
plantation e suposto parentesco matrilinear”. Esse sistema matrilinear
aparentemente se desenvolveu nas sociedades quilombolas na era pós-
escravista de maneiras que permanecem obscuras, mas as notas de Price
aprofundamaquestãodeporquecertasmulheres (àsvezes, asquevieram
depois)eramretrospectivamenteescolhidascomofundadorasdenovosclãs.
Asnotas,masnãoo texto, investigam tambémonecessário sincretismode
uma sociedade na qual um jovem saramaka, mesmo nametade do século
XVIII, poderia ter “bisavós que provinham de até oito grupos africanos
distintos”,eacoexistênciaderitosafricanosdeorigensdiferentespartilhados
atécertopontoportodosossaramakasmasmantidosporgruposdeadeptos
especí cos. Nesse ponto, encontramos informações sobre demogra a,
colonização, distribuição e até sobre a maneira natural, dadas as
circunstâncias, de os saramakas se referirem a seu território em termos
lineares:“rioacima”,“rioabaixo”,“interior”,“rumoaorio”.
As notas por si sós fornecem-nosmais que informações indiretas sobre
comoossaramakassobreviviamna orestatropical,quecultivospraticavam,
oquecaçavam (33espécies, segundoosmorávios)edeixavamdecaçarem
certas ocasiões rituais (25 espécies). E em que medida trocavam, o que
vendiameoquecompravam(amendoim,canoas,madeiraearrozemtroca
desal,açúcar,artigosdomiciliares,ferramentas,ornamentosearmasilegais).
Pareceestranhoquetãoóbviosaspectosda“realidadevivida”sejamapenas
tratadoscomopartedosutensíliosconhecidos.
Damesma forma, apenas nas notas descobrimos algo sobre as relações
complexas e ambíguas dos quilombolas com os indígenas, com os quais
aprenderammuitosobrecomovivernointerior,eumadiversidadedeoutros
assuntos que segundo o autor “teriam desequilibrado a alternância
narrativa/descritivadotextoprincipal”.Esseprocedimento,defato,podeser
“textualmentemaisricoquequalqueroutroquejátenhasidotentado”,mas
sem dúvida complica a leitura daquilo que parece uma contribuição
importanteaumtemaimportante.
Quanto ao texto, alguns leitores poderão se perguntar o que (além da
mera curiosidade quanto a locais distantes e exóticos) poderá mantê-los
interessadosaolongodaelaboradabiogra adeumhomemque,segundoa
descrição do próprio autor, era, no máximo, um chefe não muito
empreendedorouin uentedecercade4milsertanejosguianesesemtempos
monótonos.Paraoautor,naturalmente,orelatoéimportante,nãoporque
tenha dedicado vinte anos às questões saramakas, mas sim porque apenas
dessemodo pode ele demonstrar a extraordináriamemória histórica dessa
comunidade, um conjunto de conhecimento oral preservado, em parte no
silêncioritual,quelhespermiteevocaremdetalhepessoas,eventoserelações
do séculoXVIII.AcomparaçãodefontesfeitaporPriceevidenciaissosem
deixar dúvida, fornecendo assim um fundamento acadêmico para seu
procedimento.
Masaindaque isso satisfaçaaoautor,ajudao leitor“apenetrarpalavras
existenciaisdiferentesdassuasprópriaseaevocarsuatextura”?Issonãoestá
claro. Fundamental a qualquer tentativa de entendimento entre culturas e
séculoséaatitudedosquilombolasemrelaçãoaescravidãoenãoescravidão.
(Pelos meus cálculos, uma palavra traduzida por Price como “liberdade”
ocorre apenas uma vez em todos os textos saramakas citados, que o autor
a rma representarem 80% de todo o material escrito relevante para o
período.) A questão é complexa e obscura. Nossas premissas e as deles
possuem apenas um ponto de contato: ambas provavelmente concordam
quanto ao estatuto dos escravos de proprietários brancos como peças de
propriedadevivascomogadobovino(“bemmóvel”)ao irrestritodisporde
seus donos. Mesmo aqui não está claro se os quilombolas, que às vezes
apanhavamaquiloqueosbrancosde niamcomo“escravos”ecertamenteàs
vezescaçavamedevolviamforagidosdasfazendas,sempreconsideravamtoda
servidãocomoteoricamenteinaceitável,ouapenasrejeitavamcertassituações
de dependência absoluta, como, por exemplo, aquelas nas quais o
proprietário, por excessiva crueldadeou algumaoutramaneira, transgredia
oslimitesdoqueeratacitamenteaceitocomoa“economiamoral”dopoder
sobre as pessoas. Entretanto, embora esse livro contenha naturalmente
muitasreferênciasaoassunto,nãoconsigoverapossibilidadedequemesmo
o leitor atentopossa obter danarrativa dePrice uma ideia sobre comoos
saramakasencaravamquestõescomoaescravidãoeapropriedadedepessoas
e terra. Isso simplesmente não pode ser feito pelo modo de exposição
adotadopeloautor.
Mas muitas vezes foi feito, como era de se esperar, para períodos e
sociedades pelo menos tão distantes quanto a dos saramakas, por
historiadoresanalíticosdaIdadeMédia,deF.W.MaitlandaGeorgesDuby,
alheiosaosrequisitosdopós-modernismo,masinteiramentecônsciosdeque
opassadoéumoutropaís,ondeascoisassãofeitasdemododiferente,de
que devemos compreendê-lo mesmo que os melhores intérpretes ainda
continuem a ser estrangeiros tendenciosos. A julgar pela sensibilidade e
qualidadedesuapesquisa,Priceéplenamentecapazdeseguiraspegadasdos
saramakas quando não obstado por um projeto mais adequado à
desconstruçãoqueàconstrução.
O queAlabi’s World pode transmitir com nitidez, contudo, é a
incompreensão. Como e por que os negros da oresta não conseguiam
conceberquetodososbrancosnãoerammuitoricos.Comoocristianismo
setornoutotalmenteinconvincentequandoossaramakasaplicaramaelesua
visãoprática,instrumental,dasforçasespirituais.Umapessoaquenãotivesse
pecado, concluíam, obviamente não precisava de Cristo, que havia
ressuscitadodevidoaospecadoshumanos.A nal,sealguémfossepecador,
os deuses há muito tempo teriam feito algo a respeito. “As pessoas aqui
rezam todo dia. Será que seu deus não ca com raiva de que o
sobrecarreguemtantoassim?”Observandoosmorávioscomumsólidosenso
deestatística,notavamque“oscristãos camdoentescommaisfrequência”.
EssenãoeraumargumentoconvincenteemfavordeJesus.
Voltaire(que,apropósito,denunciouatorturadeescravosnoSuriname)
nãoteriaentendidomuitacoisadosassuntossaramakas,masnessesentidoos
teria aplaudido. Como o zeram, de fato, outros observadores da era da
razão e do iluminismo, sempre à espreita de prova para a frase do poeta
alemãodo séculoXVIII:“Veja,nósselvagenssomos,a nal,sereshumanos
melhores”(SehtwirWildensinddochbess’reMenschen).
Éumgrandeprazer [escreveuumex-missionário]verumpovoqueestá
tãocontentecomseudestino.Elesaproveitamosfrutosdeseutrabalhoe
nãoconhecemovenenodoódio.
Bem,ascoisasnãoeramtãosimplesassim,masapóstravarconhecimento,
por meio deAlabi’sWorld , com esses homens emulheres independentes,
autossu cientes, relaxados e orgulhosos, e à vontade no mundo, pode-se
perceberoqueoautorquisdizer.
Entretanto,reservemosumúltimopensamentoparaaquelescujaestranha
“realidade vivida”é evocada com sucesso pela técnica de Price: os irmãos
morávios.Elesvieramatéosincultosgentiosemcondiçõesquemuitasvezes
pareciam “uma antevisão de como deveria ser o inferno”. Despreparados
paraa oresta,inexperientes,adoeciamemorriamcomomoscas—alfaiates
alemãeshonestos, incultos, sapateirosou tecelões emdesconfortáveis trajes
europeus,queporcertoresistiriamalgunsmesesousemanas,pregandoentre
escorpiõeseonças,sobreJesus,oCruci cadocomSangueeChagas,antes
de partirem alegremente para a casa Dele. Tocavam música e cavam
constrangidosquandoosnegrosadançavam.Fracassaramemtodososseus
esforços,excetonatarefaheroicadecompilarodicionáriosaramaka-alemão
do irmão Schumann em nove meses assolados pela dor. Seus sucessores
aindaestãoláeaindasãoaúnicaviadossaramakasparaaleituraeaescrita.
Continuamaserdetãodifícilcompreensãoparanósquantooerampara
os quilombolas da oresta.Mas não retiremos nossa admiração para com
homens emulheres que, a seu própriomodo, sabiam a que suas vidas se
destinavam.
*Cf. traduçãodeCarlosAlbertoNunes para a passagemdo famosomonólogodeHamlet: “The
nativehueofresolution/Issickliedo’erwiththepalecastofthought...”.(N.T.)