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Imaginai Imaginai. Imaginai um país onde o desfasamento de poderes se transforma em total e completa inversão. D. João V não é rei, muito menos casou com D. Maria Ana, arquiduquesa de Áustria. Ao invés, o nosso estimado Padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão, apelidado de Voador, é o governante deste nobre país, que está em melhor condição do que a esperada. Religioso por natureza, mas não fanático, governa com o ceptro numa mão e o crucifixo na outra. Para não afrontar o Papa, que tão atenciosamente lhe chama Fidelíssimo, deixou que a Inquisição entrasse no país, mas o seu poder era irreal, apena uma ilusão destinada a insuflar o ego dos narcisistas da Santa Sé, com todo o poder divino existente a corroborá-los. D. Bartolomeu, primeiro de seu nome, permitia algumas prisões esporádicas, mas nunca execuções; a vida humana é sagrada, há que preservar a alma e também o éter, essencialmente. O éter, elemento indeterminado que remonta aos tempos longínquos de Aristóteles, cuja natureza não se conhece nem se finge conhecer, tem sido alvo de buscas incessantes por enviados do rei já há perto de uma década. Há que se fazer notar que Bartolomeu foi coroado há apenas seis anos e meio, o seu irmão, rei antes de si e um homem muito paciente, tolerava a obsessão do irmão mais novo e ainda infante na altura, suportando a sua indulgência por conhecimentos incertos e pouco cristãos. Foi intervenção sobrenatural que o anterior rei ainda tão novo morresse de gangrena e assim obrigasse o irmão a tomar o seu lugar, impedindo-o de enveredar por uma vida na Igreja Católica como padre. É uma coisa horrível morrer de gangrena. A doença come-nos por dentro, devora os tecidos sem discriminação…vá-se lá pensar que o antigo rei contraiu a infeção através de um pequeno corte de um simples talher de prata impropriamente limpo. Apesar do grande melhoramento do paradigma nacional, derivado da ausência do reinado de terror da Inquisição, a situação social do país encontrava-se num estado quase deplorável. Havia fome, miséria e doença para onde quer que se olhasse. O rei, ainda que sensato para os seus verdes anos, não esquecia a sua obsessão com o voo das aves, com a sua Passarola, e, aproveitando-se do cargo de poder que agora ocupava, utilizava os recursos dos cofres estatais para alimentar essa sua fixação. Já uma grande porção do tesouro nacional tinha sido gasta nesta busca e mais ainda seria delapidada nos anos a vir. O padre, ah perdão, o rei não se iria demover nesta sua obstinação. Já anos passados e, com eles, várias desilusões e frustrações, o Alto Inquisidor do reino apresentou-se a D. Bartolomeu com uma plebeia por uma mão e um favor a pedir pela outra. A rapariga, alta, magra e cabelos de cor clara, não sei se louros ou de um castanho muito claro, tinha olhos hipnotizantes. A sua alteza real não se resolvia quanto à sua cor; ora eram verdes, ora azuis, nunca permanecendo os mesmos. O rei forçou-se a desviar a sua atenção da rapariga recém conhecida e a concentrar-se na cara daquele homem com quem já lidava há largo tempo, sempre a colmatar as suas ilusões de grandeza e importância. Que necessitais, meu senhor Inquisidor, perguntou o rei, numa voz impávida e que nada revelava, Venho solicitar-vos autorização para executar esta rapariga, Vossa Graça. O homem olhou agora de relance para a rapariga, como uma corça olha de soslaio para uma sombra dançante que posteriormente se revela o seu predador letal, Esta herege, completou, voltando a olhar o seu soberano. E qual é o pecado da rapariga, meu nobre senhor, Bartolomeu indagou, intrigado com o pedido do Alto Inquisidor. Não é todos os dias que a entidade mais alta, tal o achavam os dessa laia, da Igreja portuguesa em termos de justiça se apresentasse pessoalmente ao rei para procurar permissão para a execução de uma simples plebeia. Esta rapariga, como vós lhe chamais, possui uma arte negra sobre humana, é culpada de bruxaria e heresia contra Deus e

Imaginai conto concurso saramago bp

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Page 1: Imaginai   conto concurso saramago bp

Imaginai

Imaginai. Imaginai um país onde o desfasamento de poderes se transforma em total e

completa inversão. D. João V não é rei, muito menos casou com D. Maria Ana, arquiduquesa

de Áustria. Ao invés, o nosso estimado Padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão, apelidado de

Voador, é o governante deste nobre país, que está em melhor condição do que a esperada.

Religioso por natureza, mas não fanático, governa com o ceptro numa mão e o crucifixo na

outra. Para não afrontar o Papa, que tão atenciosamente lhe chama Fidelíssimo, deixou que a

Inquisição entrasse no país, mas o seu poder era irreal, apena uma ilusão destinada a insuflar o

ego dos narcisistas da Santa Sé, com todo o poder divino existente a corroborá-los. D.

Bartolomeu, primeiro de seu nome, permitia algumas prisões esporádicas, mas nunca

execuções; a vida humana é sagrada, há que preservar a alma e também o éter,

essencialmente. O éter, elemento indeterminado que remonta aos tempos longínquos de

Aristóteles, cuja natureza não se conhece nem se finge conhecer, tem sido alvo de buscas

incessantes por enviados do rei já há perto de uma década. Há que se fazer notar que

Bartolomeu foi coroado há apenas seis anos e meio, o seu irmão, rei antes de si e um homem

muito paciente, tolerava a obsessão do irmão mais novo e ainda infante na altura, suportando

a sua indulgência por conhecimentos incertos e pouco cristãos. Foi intervenção sobrenatural

que o anterior rei ainda tão novo morresse de gangrena e assim obrigasse o irmão a tomar o

seu lugar, impedindo-o de enveredar por uma vida na Igreja Católica como padre. É uma coisa

horrível morrer de gangrena. A doença come-nos por dentro, devora os tecidos sem

discriminação…vá-se lá pensar que o antigo rei contraiu a infeção através de um pequeno

corte de um simples talher de prata impropriamente limpo. Apesar do grande melhoramento

do paradigma nacional, derivado da ausência do reinado de terror da Inquisição, a situação

social do país encontrava-se num estado quase deplorável. Havia fome, miséria e doença para

onde quer que se olhasse. O rei, ainda que sensato para os seus verdes anos, não esquecia a

sua obsessão com o voo das aves, com a sua Passarola, e, aproveitando-se do cargo de poder

que agora ocupava, utilizava os recursos dos cofres estatais para alimentar essa sua fixação. Já

uma grande porção do tesouro nacional tinha sido gasta nesta busca e mais ainda seria

delapidada nos anos a vir. O padre, ah perdão, o rei não se iria demover nesta sua obstinação.

Já anos passados e, com eles, várias desilusões e frustrações, o Alto Inquisidor do reino

apresentou-se a D. Bartolomeu com uma plebeia por uma mão e um favor a pedir pela outra.

A rapariga, alta, magra e cabelos de cor clara, não sei se louros ou de um castanho muito claro,

tinha olhos hipnotizantes. A sua alteza real não se resolvia quanto à sua cor; ora eram verdes,

ora azuis, nunca permanecendo os mesmos. O rei forçou-se a desviar a sua atenção da

rapariga recém conhecida e a concentrar-se na cara daquele homem com quem já lidava há

largo tempo, sempre a colmatar as suas ilusões de grandeza e importância. Que necessitais,

meu senhor Inquisidor, perguntou o rei, numa voz impávida e que nada revelava, Venho

solicitar-vos autorização para executar esta rapariga, Vossa Graça. O homem olhou agora de

relance para a rapariga, como uma corça olha de soslaio para uma sombra dançante que

posteriormente se revela o seu predador letal, Esta herege, completou, voltando a olhar o seu

soberano. E qual é o pecado da rapariga, meu nobre senhor, Bartolomeu indagou, intrigado

com o pedido do Alto Inquisidor. Não é todos os dias que a entidade mais alta, tal o achavam

os dessa laia, da Igreja portuguesa em termos de justiça se apresentasse pessoalmente ao rei

para procurar permissão para a execução de uma simples plebeia. Esta rapariga, como vós lhe

chamais, possui uma arte negra sobre humana, é culpada de bruxaria e heresia contra Deus e

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os seus desígnios para nós, comuns mortais, o inquisidor apresentava um discurso cortês nas

suas referências a D. Bartolomeu, mas assertivo não obstante. A sua determinação no seu

propósito era palpável, todavia também havia medo patente na sua voz.- A curiosidade do

Voador em relação ao misterioso dom da rapariga, a que este homenzinho impertinente

chamara arte negra, crescia a cada momento. Ele queria desvendar esse enigma. Elucidai-me

sobre esta arte de que falais e que a rapariga possui, o rei proferiu e o que o rei profere

cumprido será certamente. A resposta do Inquisidor chegou segundos depois, em virtude do

seu desejo de permanecer nas boas graças de Sua Graça. Ela vê por dentro das pessoas

quando está ainda em jejum, meu real senhor, é assombroso e não natural, explicou o justo

senhor Inquisidor, que tinha mais pecados na alma do que metade de Portugal, O que

significais com isso, homem, ide directo ao assunto, a sua majestade real estava a perder a

paciência, certamente que tinha outros afazeres mais merecedores do que este que o

homenzinho hipócrita, como já determinámos, lhe havia trazido, esmerando-se tanto para o

prolongar e, por conseguinte, açambarcar o tempo do Homem que tinha por tarefa governar

um reino na sua completa integridade territorial. Muito honestamente, o rei começava a

enfadar-se com o assunto, era sempre o mesmo, aquele indivíduo vivia e respirava execuções

de hereges e os espetáculos dos autos de fé. A rapariga vê por dentro das pessoas, mas por

dentro realmente, chegou-me aos ouvidos que ela disse já há uns meses que um intendente

da Santa Sé tinha uma úlcera no estômago e esse mesmo intendente morreu na passada

semana exatamente de uma úlcera perfurada localizada no estômago do pobre homem, foi

esta a explicação que o inquisidor ofereceu. Pareceu ao rei que uma acusação baseada num

mexerico era mais do que infundada e escusada e foram estes mesmos pensamentos que

transmitiu ao seu interlocutor. Não é só isto, meu senhor, continuou o inquisidor, defendendo-

se do ataque à sua argumentação, A rapariga há uma lua atrás disse a uma donzela grávida

que frequenta a igreja onde situo o meu escritório que iria ter um rapaz e que esse mesmo

rapaz levava duas voltas do cordão umbilical ao pescoço e na passada noite a rapariga deu à

luz um rapaz, tal como previsto, o rei decidiu interrompê-lo antes que o homem, aos seus

olhos, se embaraçasse ainda mais, Tendes noção de que havia igual possibilidade de ser um

rapaz ou uma rapariga e que esta rapariga aqui diante de mim apenas teve sorte na sua

previsão, senhor Inquisidor, Mas, Vossa Alteza, o rapaz levava realmente duas voltas do cordão

ao pescoço e por pouco não nasceu morto. Esta última revelação apanhou o rei de surpresa,

deixando-o sem palavras. Discretamente requerendo alguns momentos para organizar as suas

opiniões sobre este assunto à luz das novas informações, o rei tornou a dirigir-se ao outro

interlocutor, Deixai-a em paz, Inquisidor, a rapariga não pratica bruxaria nem outra qualquer

arte negra, ela vê o que é deste mundo e que Deus quis que ela visse. Bartolomeu levantou-se

então e dirigiu-se aos presentes, Libertai-a à minha custódia e não voltareis a pensar nela nem

a ireis mencionar a quem quer que seja, o inquisidor apercebendo-se de que não tinha

recebido uma mera sugestão, mas sim uma ordem apressou-se a largar a rapariga e a retirar-

se. O seu orgulho fora ferido, isto para não falarmos da sua dignidade, passariam ainda várias

luas antes que o Alto Inquisidor se atrevesse a apresentar-se ao rei com um pedido de

execução novamente.

Como te chamas, minha filha, Bartolomeu perguntou, dirigindo-se à rapariga que

agora o olhava com uma expressão assustada, Blimunda de Jesus, meu senhor, respondeu a

moça numa voz afogada, dirigindo agora o seu olhar para o chão, Nada temas criança, aqui

estás segura, o rei gesticulou gentilmente em direcção a cadeiras dispostas em frente a uma

mesa, mesa essa onde repousavam pratos com os mais variados alimentos e jarros de água e

vinho, Vamos conversar, penso que nos iremos tornar bons amigos. Realmente, D. Bartolomeu

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via no seu futuro um grande proveito advir da amizade que viria a formar com Blimunda, esta

rapariga que via por dentro das pessoas e talvez também dos materiais e das coisas, coisas

como, digamos, uma máquina de voar.

Agora, três primaveras depois dos eventos daquele dia profético de entravamento de

novas amizades, Blimunda é uma conselheira íntima do rei e a inspetora oficial das obras de

construção da máquina visionada por Bartolomeu e desenhada por um qualquer arquiteto

contratado pela Coroa. A edificação da Passarola vai de vento em popa, exceto no que toca ao

elemento essencial que a fará voar, o éter, cujo mistério ainda não foi resolvido. Certo dia, um

criado de libré irrompeu a correr pelo estaleiro de construção onde o rei se encontrava

tranquilamente conversando com Blimunda sobre alguns materiais que deviam ser empregues

na construção da máquina, certamente uma conversa deveras importante. Era evidente que o

criado trazia notícias urgentes, Meu senhor, disse o rapaz sem fôlego, chamando pelo seu rei,

Está no salão de audiências um senhor maneta, Vossa Alteza, diz que de lá não arreda pé

enquanto não lhe for concedida uma audiência com o rei. Ora, que notícias mais intrigantes,

pensou D. Bartolomeu. Sabeis o que ele me quer, rapaz, perguntou o rei, esperando ainda que

o moço recuperasse o fôlego, Não sei, Vossa Graça, nem ele disse a ninguém o que deseja,

Obrigado, meu filho. Bartolomeu encaminhou-se para o salão de audiências, não sem antes

depositar uma moeda de prata na mão do jovem criado à saída do estaleiro.

Ao chegar ao seu salão de audiências, Bartolomeu foi confrontado com a visão de um

homem barbudo, maneta e mal-encarado encostado a um dos pilares que suportavam o salão.

Já me tendes aqui, agora dizei-me quem sois e o que quereis de mim, exigiu o rei, ostentando

na sua postura todo o poder da sua posição, Pois bem, o meu nome é Baltasar Mateus e eu

apenas pretendo justiça de vós, Que significais com isso, Significo exatamente o que disse,

pretendo justiça para mim e para todos na minha condição. Isto suscitou a curiosidade do rei,

Que condição é essa, perguntou, esperando pela resposta de Baltasar, Como podeis ver, sou

maneta à esquerda e já várias vezes solicitei a pensão a que tenho direito por ter perdido a

minha mão na guerra, mas ainda nada me foi atribuído, o homem explicou, Dizei-me, Baltasar,

vós que possuís uma determinação rara, tendes alguma habilidade de construção, Algumas,

senhor, o meu pai ensinou-me umas quantas coisas antes de eu ter sido recrutado para lutar,

Gostarias, então, de uma função de construtor no meu estaleiro, Não vim aqui para lhe

requisitar emprego, nem vejo como um maneta como eu poderia ser útil como um construtor,

ao ouvir isto, o rei sorriu, Maneta é Deus e fez o Universo, deu uma leve gargalhada, Se Deus é

maneta e fez o Universo, então este homem que tenho perante mim pode atar a vela e o

arame que hão-de voar. Baltasar pareceu alegrar-se com as palavras de Bartolomeu, O que é

que há-de voar, Vossa Graça, perguntou ele, A minha máquina, Baltasar, a minha Passarola,

vinde comigo vê-la. Assim, foram juntos, lado a lado, de volta para o estaleiro para que

Baltasar pudesse ver a mais grandiosa máquina alguma vez construída, a máquina voadora do

Voador.

Nesse dia, Blimunda e Baltasar travaram conhecimento e a antipatia mútua era

palpável na atmosfera entre os dois. À medida que os anos passavam, a aversão que nutriam

um pelo outro apenas crescia, chegando até ao ponto em que eles quase não conseguiam

estar na mesma divisão juntos por mais de cinco minutos, ao ponto de o próprio rei ter de

moderar todo o contacto entre eles, visto que tinham de trocar informações referentes à

construção da Passarola. Algures durante este tempo, um dos enviados de Bartolomeu

finalmente conseguiu descobrir o que era, afinal, o éter. Ao contrário daquilo que D.

Bartolomeu teorizara, o éter não era a alma dos homens, mas sim a sua vontade. O seu

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enviado retornou também com a informação do aspeto que o éter teria, uma nuvem cinzenta

fechada. O rei agradeceu aos céus a sua amizade já duradoura com Blimunda, pois ela seria o

seu instrumento de recolha do éter. Acontecia apenas que Bartolomeu decidira que Blimunda

não poderia possivelmente, por tudo o que há de mais sagrado neste mundo, ir sozinha na

missão de recolher as vontades de dois mil homens. Não lhe parecia humanamente possível

nem queria sujeitar a sua querida amiga a tal coisa, pelo que designou que Baltasar

acompanhasse Blimunda na recolha do éter para a Passarola. Ambos repudiaram o seu

desígnio, até que o rei lhes clarificou calmamente a sua linha de raciocínio e também os

relembrou, com hábil discrição, de que ele, Bartolomeu Lourenço de Gusmão, era o rei

daquele país e o soberano dos seus habitantes, incluindo Baltasar e Blimunda. O casal

heterodoxo não teve outra opção senão acatar a ordem do rei e partir na sua busca pelas

vontades dos homens, dando início à última fase da construção da máquina voadora, a fase

que lhe permitiria, por fim, voar.

Estava D. Bartolomeu a contemplar a sua criação enquanto esperava o retorno de

Baltasar e Blimunda com o elemento final para a sua grande obra-prima da engenharia

moderna quando todo o mundo começou a tremer. Será um terramoto, pensou o padre, Não,

um terramoto não causa este tipo de oscilação, concluiu o padre em pensamento. Que seria

então esta vibração toda, que coisa mais estranha. Tudo no seu campo de visão começou a

desvanecer até se transformar num mero negrume. Foi com grande pesar que o rei, ou, na

alvorada, padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão viu a sua Passarola, a sua mais bela criação,

a sua razão de viver já há tantos anos, desaparecer e tornar-se nada.

O padre Bartolomeu acordou e contemplou o rosto de Blimunda que lhe sorria. Acorde

padre, dizia ela, que precisamos da sua opinião. Claro, filha, vou já, respondeu o padre,

olhando Blimunda enquanto esta regressava ao lado de Baltasar, que lhe passou o braço pelas

costas, deixando a sua mão repousar na cintura da rapariga. O amor deles era único e de uma

beleza singular. No seu sonho, a construção da passarola fora muito mais simples e acessível,

era apenas necessário um aceno de cabeça dele para que todas as suas visões para a máquina

se realizassem, tinha todo o tipo de recursos à sua disposição, mas Baltasar e Blimunda nunca

se apaixonaram. Será que uma maior facilidade de construção se traduziria irremediavelmente

em antipatia entre aqueles dois apaixonados, será que o custo valia o benefício, será que os

meios justificavam os fins, pensou o padre Voador. Chegou à conclusão de que não sabia.

Então, quem saberá? Imaginai.

Asha