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LITERATURA E IMIGRAÇÃO University College of Dublin 22/02/2011 José Leonardo Tonus Maître de Conférences Université de Paris-Sorbonne

Imigração e literatura

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LITERATURA E IMIGRAÇÃO

University College of Dublin22/02/2011

José Leonardo TonusMaître de Conférences

Université de Paris-Sorbonne

IMIGRANTE OU IMIGRADO?

Imigrante

Estrutura participial do verbo latino immigrare (imigrans, tis – que imigra), cuja prefixação confere à noção de movimento, subjacente à base verbal, uma particularidade semântica : ela lhe indica a direção à qual deve se realizar o deslocamento espacial.

ELEMENTOS EXÓGENOS

O Estrangeiro

O colono

O imigrante

OS ESTRANGEIROS

Estrangeiros benéficos : cientistas, viajantes requintados, pensadores e filósofos

Estrangeiros maléficos : comerciantes e negociantes ( portugueses e ingleses)

O INGLÊS ASTUTO

Destes tolas eu quero muito!Os dous ou o inglês maquinista

Martins Pena, (1842)

Martins Pena ( 1815-1848)

MARTINS PENA, OS DOUS OU O INGLÊS MAQUINISTA (1842)

CENA VIIFELÍCIO – Estou admirado! Excelente idéia! Bela e admirável máquina!GAINER, contente – Admirável, sim.FELÍCIO – Deve dar muito interesse.GAINER – Muita interesse o fabricante. Quando este máquina tiver acabada, não precisa mais de cozinheiro, de sapateira e de outras muitas ofícias.FELÍCIO – Então a máquina supre todos estes ofícios?GAINER – Oh, sim! Eu bota a máquina aqui no meio da sala, manda vir um boi, bota a boi na buraco da máquina e depois de meia hora sai por outra banda da maquine tudo já feita.FELÍCIO – Mas explique-me bem isto.GAINER – Olha. A carne do boi sai feita em beef, em roast-beef, em fricandó e outras muitas; do couro sai sapatas, botas...FELÍCIO, com muita seriedade – Envernizadas?

GAINER – Sim, também pode ser. Das chifres sai bocetas, pentes e cabo de faca; das ossas sai marcas...FELÍCIO, no mesmo – Boa ocasião para aproveitar os ossos para o seu açúcar.GAINER – Sim, sim, também sai açúcar, balas da Porto e amêndoas.FELÍCIO – Que prodígio! Estou maravilhado! Quando pretende fazer trabalhar amáquina?GAINER – Conforme; falta ainda alguma dinheira. Eu queria fazer uma empréstima. Se o senhor quer fazer seu capital render cinqüenta por cento dá a mimpara acabar a maquina, que trabalha depois por nossa conta.FELÍCIO, à parte – Assim era eu tolo... (Para Gainer). Não sabe quanto sintonão ter dinheiro disponível. Que bela ocasião de triplicar, quadruplicar, quintuplicar, que digo, centuplicar o meu capital em pouco! Ah!GAINER, à parte – Destes tolas eu quero muito

Martins Pena, Os dous ou o inglês maquinista (1842)

O ESTRANGEIRO CÔMICO

JUÓ BANANERE REINVENTA O BRASIL

COLONOS

Pedro Weingärtner, Vida Nova, 1893

O COLONO AUSENTE

Personagem ausente na literatura brasileira no século XIX Isolamento Escritores brasileiros mais preocupados com questões

nacionais

Presença na literatura nacional e regional gaúcha no século XX Graça Aranha, Canaã, 1902. José Pozenato, o Quatrilho, 1985. Miguel Sanches Neto, Um amor anarquista, 2005

IMIGRANTES

Antonio Rocco, Os Emigrantes, 1910

IMIGRANTE NÚCLEOS TEMÁTICOS

Vertente nacionalista e ultra-nacionalista (Manuel Antônio de Almeida; Aluísio Azevedo; Graça Aranha, Plínio Salgado)

Vertente modernista (Oswald de Andrade, Mário de Andrade,

Alcântara Machado )

Vertente histórico-regionalista (Érico Veríssimo; Josué Guimarães, Adolfo Boos Júnior, Luiz Antonio de Assis Brasil e Renato Modernell)

Vertente existencialista (Samuel Rawet)

Vertente transcultural (Moacyr Scliar, Nélida Piñon, Lya Luft, Mílton Hatoum)

VERTENTE NACIONALISTA E ULTRA-NACIONALISTA

«Era isto uma declaração em forma, segundo os usos da terra».

Manuel Antônio de Almeida, Memórias de um Sargento de milícias, 1854

«Não há mais patriotismo, não há mais nada. Os senhores podem querer entregar a Pátria ao estrangeiro, podem vendê-la, mas enquanto houver um mulato que ame este Brasil, que

é eu, as coisas não vão tão simples, meus doutores».Graça Aranha, Canaã

« A civilização estrangeira é uma toxina secretada pelo adventício, para anular todos os meios de defesa do

organismo nacional, como o fenômeno biológico das invasões mortais das bactérias».

Plinio Salgado, O Estrangeiro

Os usos da Terra

Fora Leonardo algibebe em Lisboa, sua pátria ; aborrecera-se porém no negócio, e viera ao Brasil. [...] Mas viera com ele no mesmo navio, não sei fazer o quê, uma certa Maria da Hortaliça, quitandeira das praças de Lisboa, saloia rechonchuda e bonitona. O Leonardo, fazendo-se-lhe justiça, não era nesse tempo de sua mocidade mal apessoado, e sobretudo era maganão. Ao sair do Tejo, estando a Maria encostada à borda do navio, o Leonardo fingiu que passava distraído por junto dela, e com o ferrado sapatão assentou-lhe uma valente pisadela no pé direito. A Maria, como se já esperasse por aquilo, sorriu-lhe como envergonhada do gracejo e deu-lhe também em ar de disfarce um tremendo beliscão nas costas da mão esquerda. Era isto uma declaração em forma, segundo os usos da terra ; levaram o resto do dia de namoro cerrado; ao anoitecer passou-se a mesma cena de piscadela e beliscão, com a diferença de serem deste vez um pouco mais fortes ; e no dia seguinte, estavam os dois amantes tão estremosos e familiares que pareciam sê-lo de muitos anos.

Manuel Antônio de Almeida, Memórias de um Sargento de milícias, 1854

JERÔNIMO DECOBRE A PIMENTA-MALAGUETA

E Jerônimo abrasileirou-se […] a aguardente de cana subistituiu o vinho ; a farinha de andioca sucedeu à broa ; a carne-seca e o feijão-preto ao bacalhau com batatas e cebolas cozidas ; e pimenta-malagueta e a pimenta-de-cheiro invadiram vitoriosamente a sua mesa […] a couve à mineira destronou a couve à portuguesa ; o pirão de fubá ao pão de rala e, desde que o café encheu a casa com o seu aroma quente, Jerônimo principiou a achar graça no cheiro do fumo e não tardou a fumar também com os amigos.

Aluísio Azevedo, O cortiço, 1890

VERTENTE MODERNISTA

Retrato de Mário de Andrade, Anita Malfati,1922

TU

Costureirinha de São Paulo,ítalo-franco-luso-brasílico-saxônica,gosto dos teus ardores crepusculares,crepusculares e por isso mais ardentes,bandeirantemente ! « Tu », Mário de Andradre

VERTENTE HISTÓRICO-REGIONALISTA

Irma está no fogão e Gertrud, suada e dolorida, junta-se a ela, com o pensamento encalhado na

constrangedora sensação de sentir-se igual a um rês, marcada e vigiada ―

gadoonde

― Irma pergunta, os olhos verdes procurando em redor e Gertrud continua―

nós; nós somos gado

Adolfo Boos Júnior, Quadrilátero

VERTENTE HISTÓRICO-REGIONALISTA

Caráter épico e a construção de uma identidade e de uma histórico-regional : Erico Veríssimo, O tempo e o vento (1945); Josué Guimarães, A ferro e fogo I (1972), II, (1975)

Caráter anti-épico : as identidades em ruínas: Adoldo Boos Júnior, Quadrilátero ( 1986)

VERTENTE TRANSCULTURAL

«A compreensão da própria origem não é um fato descartável, destituído de importância. Saber de

onde procedemos é franquear o acesso a uma maneira peculiar de coletar maravilhas e

mistérios que permeiam ambas as margens do Atlântico. É carregar consigo uma bagagem

afinada com certa visão de mundo inerente ao imigrante. »

Nélida Piñon, Coração andarilho

VERTENTE TRANSCULTURAL

Construção/desconstrução identitária segundo os parâmetros dos cultural studies, da postcolonial theory e da antropologia cultural.

A descendência imigrante

Novos gêneros : autoficções ( Per Johns, As Aves de Cassandra, 1989) e o romance familiar (Milton Hatoum, Relato de um certo oriente, 1989; Nélida Piñon, A república dos sonhos)

« PRAÇA MAUÁ. CAIS DO PORTO. AQUI

CHEGUEI, QUANDO TINHA SETE ANOS, AQUI COMEÇOU A

VIDA DE IMIGRANTE».

SAMUEL RAWET

VERTENTE EXISTENCIALISTA

O homem imigrante em situação

Desvincular a imigração dos fatores econômicos

Confronto com diversas comunidades culturais

Reflexão sobre as formas de exclusão

SAMUEL URIAS RAWET

BIOGRAFIA

1929 - Nascimento - Klimantov – (Polônia) 1936 - Imigração para o Brasil 1953 - Escola Politécnica/Grupo “Café da Manhã” 1957 - Trabalha como calculista de concreto armado ao

lado de Oscar Niemeyer, Lúcio Costa e Joaquim Cardozo (poeta/engeheiro) na construção de Brasília.

1964 - Viaja para Israel (Oscar Niemeyer) e pela Europa. 1965 – Retorno ao Rio de Janeiro ( primeiras crises) 1974 – Instalação em Sobradinho (D.F.) 1977 - Rompe com o judaísmo 1984 - Morre em Brasília, no dia 25 de agosto

BIBLIOGRAFIA - CONTOS

Contos1956 – Contos do Imigrante1963 – Diálogo1964 – Abama1967 – O sete sonhos1969 – O Terreno de uma polegada quadrada1970 – Viagens de Ahasverus a Terra Alheia em Busca de um Passado que Nao Existe Porque E Futuro e de um Futuro que já Passou Porque Sonhado 1981 – Que os mortos enterrem seu mortos

BIBLIOGRAFIA – TEATRO E ENSAIOS

Teatro1951- Miriam1956 - Os Amantes1957 - A volta

Ensaios1970- Alienação e Realidade 1970- Homossexualismo / Sexualismo e Valor 1972 - Eu, Tu e Ele 1978- Angústia e Conhecimento

CONTOS DO IMIGRANTE - 1956

RUPTURA E INOVAÇÃO

Conflito inter-comunitário

Negação de uma visão etnicista

Recusa do memorialismo

A dor da imigração

A visão agônica da existência

“Em seu livro não se trata de uma tese política sobre os judeus, mas da realidade dolorosa da pátria espiritual perdida ou reconquistada […] Por isso Contos do Imigrante, que tanto nos dizem sobre os judeus, não retratam apenas um aspecto típico de determinada gente, mas de quase todos os imigrantes. E por isso, você fez muito bem em dar a ele o título Contos do Imigrante.”

Dinah Silveira de Queirós

O PROFETA, A PRECE E GRINGUINHO

O Profeta : Um refugiado da guerra vai ao Brasil para buscar ajuda de seus familares. Ele depara-se com a face negra da discriminação. Ele decide partir.

A Prece : Ida foge os horrores da guerra durante a qual perdera a sua família. Ela instala-se num cortiço mas é discriminada pelos moradores.

Gringuinho : Gringuinho sofre com a discriminação de seus colegas e professores. Um dia, ele decide vingar-se.

ANÁLISE FORMAL

Estilo conciso

Variações dos pontos de vista

Análise psicológica detalhada

Temporalidade móvel

Estrutura narrativa cíclica

TEMÁTICAS

Isolamento

Sofrimento

Perdas ( identidade, espaço e tempo)

Exclusão

EXCLUSÃO E ESPAÇO

Espaços públicos (ruas, avenidas, cortiços) Agreção pela diferença O imigrante ridicularizado

Espaços privados ( casas e quartos) O imigrante excluído O imigrante isolado

Espaços semi-públicos ( escolas e sinagogas) O imigrante risível

FORMAS DE EXCLUSÃO : A INJÚRIA

Injúria literal, antifrástica e metonímica

O caráter performativo da injúria

Da agressão verbal à agressão física

CONFERÊNCIA REALIZADA PELO PROFESSOR JOSÉ LEONARDO TONUS

MAÎTRE DE CONFÉRENCES UNIVERSITÉ DE PARIS-SORBONNE

UNIVERSITY COLLEGE OF DUBLIN22/02/2011

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