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VII EPMEM - Encontro Paranaense de Modelagem na educação Matemática. Modelagem Matemática em debate: diálogos, reflexões e desafios. Londrina, 17, 18 e 19 de novembro de 2016. ISSN 2179-0108
COMUNICAÇÕES CIENTÍFICAS 325
INSTRUÇÃO POR MODELAGEM (MODELING INSTRUCTION): PERCEPÇÕES
DOCENTES
Ednilson Sergio Ramalho de Souza
Universidade Federal do Oeste do Pará
RESUMO
Nos últimos anos, a modelagem matemática tem sido referida como uma possibilidade pedagógica em matemática
e em física ao enfatizar tarefas educacionais a partir de situações da realidade. Contudo, modelos mentais formados
na interação com o mundo vivencial geralmente são incompatíveis com modelos conceituais ensinados nas escolas
e universidades. Assim, David Hestenes sustenta a tese de que um dos maiores desafios no ensino e na
aprendizagem em ciências e em matemática é coordenar modelos mentais com modelos aceitos cientificamente, o
que o levou à elaboração de uma didática em modelagem matemática: a Instrução por Modelagem (Modeling
Instruction). Nosso objetivo é discutir sobre pontos positivos e negativos dessa didática na visão de professores de
matemática e de física. A questão principal foi saber como esses professores percebem a didática em face do
contexto educacional brasileiro. Trata-se de uma pesquisa exploratória com treze professores em formação
continuada de um curso de Licenciatura Integrada em Matemática e Física. Resultados indicam que a Instrução
por Modelagem apresentou possibilidade de aplicação, mesmo levando em conta contingências educacionais
brasileiras.
Palavras-chave: Instrução por Modelagem; Matemática e Física; Formação de Professores.
INTRODUÇÃO
As Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica - DCNEB - (BRASIL, 2013),
ao abordarem sobre o Ensino Médio, enfatizam que a escola deveria valorizar práticas
pedagógicas voltadas a situações e aspectos do mundo em que o estudante vive. Isso pode
favorecer o raciocínio crítico sobre problemas socioculturais emergentes e possibilitar a
aprendizagem de conteúdos durante suas aplicações em situações reais que envolvam saberes
científicos e tecnológicos.
Diretrizes desse tipo colocam em dúvida a efetividade de um ensino de matemática e de
física alicerçados na memorização e na mecanização de procedimentos que, de acordo com
Moreira (2014), ainda são comuns em escolas brasileiras. Isso nos leva a procurar estratégias
alternativas ao chamado método bancário (FREIRE, 2005), no qual o professor deposita
informações na cabeça do estudante. Este, em analogia a um cofre, não possui abertura para
questionar e para refletir durante o processo de aprendizagem.
A modelagem matemática vai ao encontro do que recomendam as DCNEB ao propor
que o trabalho pedagógico seja planejado a partir de situações com referência na realidade dos
alunos e dos professores (BURAK e ARAGÃO, 2012). Tal proposta oportuniza que as relações
entre realidade e matemática sirvam de subsídio para que conhecimentos matemáticos e não
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matemáticos possam ser acionados e/ou produzidos de forma integrada (ALMEIDA, SILVA,
VERTUAN, 2012). No entanto, conforme Hestenes (2015), modelos mentais1 formados na
interação com o mundo vivencial normalmente são incompatíveis com modelos conceituais
ensinados nas escolas e universidades. Isso promove divergências entre o conhecimento escolar
e o conhecimento que o estudante possui. Desse modo, esse autor argumenta que um dos
maiores desafios para ensinar e para aprender matemática/física é coordenar modelos mentais
com modelos da ciência. Suas investigações o levaram à elaboração de uma didática em
modelagem, chamada de Instrução por Modelagem2.
Nesse quadro, realizamos uma pesquisa exploratória durante um minicurso com
professores em formação continuada de um curso de Licenciatura Integrada em Matemática e
Física. O objetivo foi identificar e analisar potencialidades e desafios da IM em face do contexto
educacional brasileiro.
Na primeira seção, apresentaremos ideias gerais sobre a IM, destacaremos o triângulo
estudante - professor - conteúdo. Em seguida, analisaremos concepções de professores de
matemática/física inseridos em ciclos de modelagem. Nossas considerações finais são balizadas
na terceira e última seção.
INSTRUÇÃO POR MODELAGEM
Jackson, Dukerich e Hestenes (2008) comentam que o nome “Instrução por
Modelagem” expressa a ênfase na construção e na aplicação de modelos conceituais como
aspecto central da aprendizagem e do fazer ciências. Na visão de Hestenes (2010), modelos
conceituais podem ser tanto modelos científicos (quando representam sistemas materiais:
físicos, químicos, biológicos) quanto modelos matemáticos (quando descritos em linguagem
matemática). Os estudantes são engajados no discurso e no debate compartilhado de conteúdos
e de técnicas científicas. A essência da IM é evitar a fragmentação do conhecimento, a
passividade dos estudantes e a persistência de crenças ingênuas sobre o mundo real. O professor
procura desenvolver habilidades nos discentes para que deem significado a experiências físicas,
compreendam afirmações científicas, articulem coerentemente suas próprias opiniões e as
defendam com argumentos convincentes, além de avaliar evidências para apoiar e para
justificar suas crenças. Os conteúdos são organizados sobre modelos matemáticos como
1 Modelos mentais são representações mentais elaboradas para compreender e raciocinar sobre aspectos da
realidade (JOHNSON-LAIRD, 2001). 2 Livre tradução para Modeling Instruction. Doravante, usaremos apenas IM.
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unidades coerentes da estrutura do conhecimento em vez de blocos de conteúdo. Os estudantes
engajam-se colaborativamente na construção e no uso de modelos para descrever, explicar,
predizer, planejar e controlar fenômenos reais.
Brewe (2008) descreve a IM em um curso de física universitário norteamericano e
enfatiza as fases de desenvolvimento, aplicação, adaptação, extensão e revisão de modelos
matemáticos em um esforço para materializar o papel destes em sala de aula. O autor comenta
que a didática possibilitou a organização efetiva do conhecimento consistente com a prática
aceita cientificamente. Comenta ainda que o conteúdo do curso foi organizado em um pequeno
número de modelos gerais que podem ser aplicados em uma ampla classe de situações. Isso
resultou em pelo menos dois benefícios: primeiro, a organização curricular levou a uma
expertise em modelagem matemática e, segundo, os discentes estudaram um pequeno número
de modelos gerais como um corpo de conhecimento coerente.
Desbien (2002), investigou um método de administração de sala de aula chamado
Gestão do Discurso de Modelagem (GDM) usado para aprimorar a IM. Trata-se de uma técnica
centrada no estudante que focaliza a epistemologia da ciência. A GDM é de natureza
socioconstrutivista e foi desenvolvida para estimular os estudantes a apresentarem suas
pesquisas aos outros discentes. O papel principal do professor é de questionador. A técnica foi
comparada a outros estilos de ensino e verificou-se que ela promove bom nível de aprendizagem
e que sua efetividade pode ser amplamente disseminada.
Para Hestenes (2010), a principal característica da IM consiste em ser uma abordagem
instrucional investigativa centrada no estudante e em ser orientada pelo professor. Ela focaliza
a compreensão de um sistema ou de um processo físico concreto. O professor guia sutilmente
todo o processo investigativo com questões, sugestões e desafios. Introduz equipamentos,
termos padrões, convenções e ferramentas representacionais quando necessário. Para isso, a IM
é organizada em ciclos de modelagem.
O ponto culminante de um ciclo de modelagem é o relato e discussão dos resultados em
sessões de whiteboarding. Os whiteboards (Figura 01) são pequenos quadros brancos
(aproximadamente 80 cm x 60 cm), são dinâmicos, fáceis de implementar e efetivos ao
permitirem rico suporte nas interações de sala de aula. Hestenes (2010) reflete que é nesse
momento que a aprendizagem dos estudantes ocorre mais profundamente porque tais sessões
estimulam a avaliação e consolidação da experiência adquirida na atividade de modelagem. As
sessões de whiteboarding tornaram-se uma característica singular da IM.
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Figura 1 – Produção de um Whiteboard por estudantes norteamericanos.
Fonte: AMTA (2016).
Cada grupo de estudante sumariza seus respectivos modelos matemáticos nos
whiteboards que são mostrados para toda a classe. Hestenes (2010) comenta que isso serve de
foco para o relato dos grupos e para consequentes discussões. A comparação de whiteboards
de diferentes equipes normalmente produz discussões produtivas. O mote principal é que a
discussão em classe é centrada sobre inscrições simbólicas visíveis que servem como âncoras
para compreensão compartilhada. Na próxima seção, veremos algumas concepções de
professores brasileiros envolvidos em ambiente de IM.
ALGUMAS PERCEPÇÕES DOCENTES
Na presente seção, nosso objetivo é discutir sobre percepções de treze professores em
formação continuada, sendo 09 homens e 04 mulheres, faixa etária de 25 anos. Tratam-se de
acadêmicos da Universidade Federal do Oeste do Pará, de um curso de Licenciatura Integrada
em Matemática e Física, ofertado pelo Plano Nacional de Formação de Professores da Educação
Básica (PARFOR), no município de Almeirim-PA. Os professores participaram de um
minicurso sobre IM ministrado no mês de janeiro do corrente ano (2016) pelo autor deste artigo.
O minicurso contou com carga horária total de dezesseis horas, distribuída em dois dias de oito
horas, nos períodos da manhã e da tarde.
ASPECTOS METODOLÓGICOS
Intencionamos um método de pesquisa misto, no qual o pesquisador “mistura (ou integra
ou vincula) as duas formas de dados [qualitativos e quantitativos] concomitantemente,
combinando-os (ou misturando-os) de modo sequencial, fazendo um construir o outro ou
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incorporando um no outro (CRESWELL, 2013, p. 22). Desse modo, o minicurso foi aplicado
em três momentos. No primeiro, realizou-se um ciclo de modelagem (Quadro 1) a partir da
questão que consistia em calcular o peso de uma folha de papel A4. Em seguida, abordou-se
aspectos teóricos sobre técnicas, ferramentas de modelagem, discurso de modelagem e
utilização de whiteboards. Num terceiro e último momento, os professores planejaram
atividades passíveis de serem aplicadas em suas salas de aula.
Quadro 2 - Um ciclo de modelagem.
Estágios Ações principais
I Descrição do Tema Seleção de um tema a ser investigado pelas equipes.
Análise das estruturas: sistêmica, geométrica, do objeto, de interação e
temporal.
Elaboração de um diagrama de descrição.
Levantamento de um conjunto de variáveis (dependentes e independentes)
e constantes.
Definição de uma questão de modelagem.
II Produção de Dados Discussão e planejamento da investigação.
Levantamento de informações qualitativas e quantitativas em fontes
diversas (internet, livros, entrevistas, visitas de campo, experimentos).
III Desenvolvimento do
Modelo Construção, análise, validação e aplicação de modelos matemáticos
(múltiplas representações).
Produção de whiteboards (organização dos modelos matemáticos).
IV Sessões de
Whiteboarding Discussão dos modelos matemáticos (procedimentos e conceitos).
Discurso de modelagem (argumentação científica).
Aprofundamentos conceituais (problemas abertos, experimentos,
simulações computacionais).
Fonte: Souza e Rozal (2016, p. 104).
Conforme o Quadro 1, o ciclo de modelagem foi organizado em quatro estágios gerais.
No primeiro estágio, apresentamos aos professores um problema aparentemente simples que
consistia em calcular o peso de uma folha de papel A4. Num segundo estágio, organizados em
grupos, os professores planejaram e realizaram ações necessárias à investigação do problema.
Por meio de pesquisa na internet e em papelarias locais, obtiveram a informação da gramatura
do papel A4 (75 g/m²) e de suas dimensões (210 mm x 297 mm). Num terceiro estágio, os
professores calcularam a área de uma folha de papel e, a partir da gramatura, obtiveram sua
massa e, finalmente, o peso. Num quarto estágio, os professores defenderam suas soluções em
sessões de whiteboarding e houve discussões conceituais e procedimentais.
Diferentemente dos ciclos de modelagem realizados pelo grupo de D. Hestenes, que são
fundamentados no paradigma do laboratório e o alvo de modelagem é sempre uma atividade
experimental, na proposta de Souza e Rozal (2016), fundamentado no Realismo Científico
Crítico, o alvo de modelagem é um tema da realidade do estudante. Nesse ciclo, os estágios
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gerais são abrangentes e importantes para orientar a operacionalização das ações principais.
Estas, por sua vez, são procedimentos mais específicos e nem sempre são realizadas na ordem
em que são apresentadas no Quadro 1, contudo são importantes para o planejamento
pedagógico.
O minicurso foi registrado por meio de escritos, imagens e vídeos. No final do mesmo,
os professores produziram um texto escrito sobre pontos positivos e negativos para cada um
dos quatro estágios do ciclo de modelagem temático.
Os textos produzidos foram tratados por meio da análise de conteúdo (BARDIN, 2011)
em três polos cronológicos: pré-análise; exploração do material e tratamento dos resultados.
Primeiramente, para preservar o anonimato dos professores, o corpus de análise constituído de
treze textos foi codificado da seguinte forma: Mn, em que M significa modelador e, n=1, 2, 3,
..., 13, se refere ao número de ordem. Assim, M7 corresponde ao modelador de ordem sete no
corpus de pesquisa. Após isso, realizou-se leitura flutuante, ou seja, leitura rápida para captar
primeiras hipóteses para futura categorização.
As respostas foram então transcritas e analisadas com o objetivo de organizá-las em um
quadro de categorização temático. Desse modo, escolhemos o tema como unidade de
significação e correspondente à unidade base para categorização e contagem frequencial.
Importante ressaltar que em uma mesma resposta encontrou-se mais de um tema. Assim, as
frequências (absoluta e relativa) entre parênteses nos gráficos a seguir foram calculadas em
relação ao número de ocorrências de cada tema e não ao número de textos.
Em um último momento, as informações organizadas no quadro de categorização foram
tratadas estatisticamente a fim de que pudessem ser interpretadas com a finalidade de identificar
percepções dos sujeitos sobre potencialidade e desafios da IM. A seção que segue apresenta
análises e resultados desse tratamento.
RESULTADOS E ANÁLISES
As frequências para fatores negativos e positivos para o estágio de Descrição do Tema
são mostradas no Gráfico 1 a seguir. Verifica-se que o principal fator considerado negativo foi
a própria dificuldade para definir um tema de investigação (quase 64% das ocorrências), como
observamos na resposta de M1: “A dificuldade de escolher o tema, pois o ciclo de modelagem
permite ao modelador diversas opções para desenvolver o trabalho”. Ansiedade para
desenvolver o tema escolhido, dificuldade para direcionar a pesquisa, pouco tempo disponível
para pesquisar e pouco conhecimento sobre o tema também foram fatores apontados como
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pontos negativos, a exemplo do seguinte trecho: “O que precisa melhorar é o tempo para a
realização da pesquisa de dados, dificuldade no direcionamento específico para o objetivo”
(M10).
Gráfico 1- Pontos negativos e positivos para o estágio de Descrição do Tema.
Fonte: Resultados da pesquisa.
Acreditamos que tais dificuldades ocorreram porque dificilmente os professores em
formação são inseridos em práticas pedagógicas temáticas, uma vez que o ensino universitário
ainda possui fortes raízes tradicionais. Nesse sentido, a IM pode favorecer que eles adquiram
esse tipo de prática, uma vez que “ a IM favorece que os estudantes participem inteligentemente
no discurso e no debate público sobre temáticas da ciência e da tecnologia” (JACKSON,
DUKERICH e HESTENES, 2008, p. 10, tradução nossa). Assim, pensamos que debater sobre
notícias de jornal, averiguar a veracidade de reportagens em revistas, propor possíveis soluções
a problemáticas do bairro seriam importantes no sentido de facilitar a escolha de temas pelos
professores.
A análise do Gráfico 1 mostra que o principal fator considerado positivo para o estágio
de Descrição do Tema foi a possibilidade de os professores escolherem tópicos considerados
por eles como os mais importantes (quase 34% das ocorrências). M5 assevera: “O ponto
positivo é que ele abre um leque bem abrangente de possibilidades de estudos, pois a partir da
escolha do tema surge inúmeras ramificações desse tema que podem ser trabalhados”. Os
professores descrevem ainda que a descrição do tema possibilitou a troca de ideias e discussões
entre os integrantes de um grupo, permitiu a escolha de um tema dentre diversas opções,
possibilitou direcionar as investigações para um conteúdo específico e também permitiu a
abordagem de situações do cotidiano. Destaca-se que os fatores positivos menos pontuados
foram a possibilidade de visão crítica sobre a realidade e o aproveitamento do conhecimento
prévio dos estudantes, como exemplifica o trecho a seguir: “Nessa fase você poderá escolher
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um tema do cotidiano, por exemplo, e a partir da escolha, o modelador construirá um conjunto
de caracterização do sistema modelado” (M1).
Na IM, a dinâmica é desenvolvida a partir de um único tema para todas as equipes. Esse
tema é adequadamente descrito visando “desempacotar” sua estrutura conceitual e interações
com outros subtemas. Hestenes (1987) argumenta que a descrição do sistema é orientada por
uma teoria geral (ou hipótese) a ser usada para analisar a situação real, pois é a teoria que vai
indicar que tipo de objeto e propriedades podem ser modelados. Desse modo, no momento da
descrição, os professores puderam escolher “qual caminho seguir” visando estabelecer uma
questão de modelagem. A escolha do “caminho a seguir” foi realizada a partir de seus
arcabouços teóricos e tópicos considerados importantes de serem investigados.
O Gráfico 2 a seguir, apresenta as frequências para fatores negativos e positivos para o
estágio de Produção de Dados. Percebemos que a maioria dos professores consideraram como
principal ponto negativo a dificuldade de coletar dados em fontes como a internet e livros
atualizados (57% das ocorrências), a exemplo do que relata M12: “Vejo como negativo nessa
etapa a dificuldade que encontramos na absorção dos dados que, em alguns momentos, nos
remeteram a pesquisas em fontes diferentes, além da sala de aula”. Professores também
sentiram dificuldades para definir objetivos, fazer entrevistas com alguns colegas e usar
métodos não confiáveis (estimativas) para obter dados numéricos, como esclarece M11: “São
em determinadas ocasiões não saber definir realmente os objetivos a serem alcançados quando
se trata de qualidade e quantidade”.
Gráfico 2- Pontos negativos e positivos para o estágio de Produção de Dados.
Fonte: Resultados da pesquisa.
Talvez essas dificuldades possam estar relacionadas ao fato de que a “IM é uma didática
de ensino que insere os estudantes de ciências na prática e no discurso científico que leva à
compreensão conceitual” (DYE et al., 2013, p. 02, tradução nossa). Nesse tipo de prática
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científica, é comum os discentes recorrerem à internet ou alguma atividade de campo como
fonte de informações. Sendo assim, é importante que o professor faça um planejamento
minucioso com a intenção de prever a necessidade de fontes e materiais para produção de dados.
Observando o Gráfico 2, notamos que o principal fator positivo para o estágio de
Produção de Dados foi a possibilidade de pesquisar em diferentes meios as informações
necessárias (quase 48% das ocorrências): “Foi interessante fazer com que os alunos pesquisem
através de vários meios de informações conhecimentos científicos que possa dar subsídio ao
seu trabalho” (M2). Os professores também relataram a possibilidade de levantar hipóteses e
obter conclusões, o alto desempenho dos grupos para realizar as tarefas, a possiblidade de
coletar e representar dados numéricos e a possibilidade de fazer planejamentos para realizar as
pesquisas. Sublinha-se que o fator menos pontuado positivamente foi o uso de tecnologias na
produção de dados, a exemplo de M8: “O uso de tecnologias para obter dados e conceitos”.
Dye et al. (2013) comentam que na IM, “os estudantes em grupos pequenos discutem
colaborativamente, desenvolvem, debatem e testam um modelo para descrever o fenômeno ou
responder à questão” (p. 02, tradução nossa). Assim, no ambiente colaborativo em que os
professores foram inseridos, as pesquisas foram realizadas em diferentes meios. A principal
fonte, mesmo precária, foi a internet. Os professores também pesquisaram em livros digitais
armazenados em seus notebooks e em livros impressos, estes normalmente desatualizados.
Houve também pesquisas por meio de entrevistas com os próprios estudantes e visitas a uma
papelaria da cidade para verificar a massa de uma resma de papel de 500 folhas. Um grupo foi
até uma padaria para medir a massa de apenas uma folha de papel A4 para que pudessem validar
o modelo matemático.
O Gráfico 3 apresenta as frequências para fatores negativos e positivos categorizados
para o estágio de Desenvolvimento do Modelo. Os fatores principais que contribuíram
negativamente para o desenvolvimento dos modelos matemáticos foram a definição de qual
modelo seria “mais fácil” para construir, a exemplo de M6: “É definir qual modelo será mais
fácil para apresentar”; e as dimensões pequenas dos whiteboards utilizados, a exemplo de M1:
“O tamanho dos whiteboards que foram utilizados para trabalhar, afinal, as ideias eram muitas”
(28,6% das ocorrências cada um). Somado a isso, eles relatam a falta de material para
confeccionar os whiteboards, a dificuldade de fontes de pesquisa e a falta de precisão dos
modelos construídos, como podemos inferir em M4: “Os resultados não serão precisos, pois o
modelo matemático sempre é possível ser melhorado”.
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Gráfico 3- Pontos negativos e positivos sobre o estágio de Desenvolvimento do Modelo.
Fonte: Resultados da pesquisa.
As dificuldades acima podem ter como causa a falta de prática com ferramentas de
modelagem matemática. Hestenes (2010) comenta que na IM os estudantes “são introduzidos
em ferramentas representacionais e são engajados no uso de ferramentas para estruturar
modelos de sistemas reais” (p. 34, grifos do autor e tradução nossa). A inserção de ferramentais
representacionais (gráficos, esquemas, equações) é importante porque promove a expertise em
modelagem. Com isso, os estudantes levam cada vez menos tempo para construir modelos
matemáticos cada vez mais enriquecidos de representações conceituais.
Outro fator que contribuiu para as dificuldades relatadas foi que utilizamos no minicurso
whiteboards menores que os tradicionais. Temos proposto whiteboards de baixo custo
financeiro (Figura 2) fabricados com papel cartão revestidos com papel contact. O papel contatc
possibilita escrita usando marcadores de texto que são facilmente apagados com uma flanela,
permitindo melhoramentos no modelo matemático enquanto ocorre a discussão do mesmo.
Figura 2 – Sessões de Whiteboarding.
Fonte: Arquivo pessoal.
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Inspecionando o Gráfico 3 percebemos que o fator positivo mais destacado pela maioria
dos professores para o estágio de Desenvolvimento do Modelo foi a possibilidade de usar
múltiplas representações para construir os modelos matemáticos (quase 69% das ocorrências),
como ressalta M8: “Encontrar meios para expor os dados coletados/como resolver problemas;
a organização dos dados em tabelas, gráficos ou outras fontes”. Alegaram ainda que o
desenvolvimento do modelo possibilitou melhorar a qualidade da pesquisa, permitiu
compartilhar e adquirir conhecimentos e a organização dos dados promoveu alfabetização
científica: “A organização dos dados, o processo científico nos trouxe uma maneira boa de
compreender melhor como podemos chegar a se alfabetizar cientificamente” (M3).
Na IM, sublinha Hestenes (2010), “cada equipe de estudantes resume seus modelos e os
registram em pequenos quadros brancos que são facilmente mostrados para a classe inteira. Isso
serve como um foco para o relato dos grupos e consequente discussão” (p. 35, tradução nossa).
O uso de whiteboards chamou a atenção dos professores, pois possibilitou o emprego de
múltiplas representações e construção de diferentes modelos matemáticos que foram usados
para discutir sobre um mesmo tema de investigação.
Finalmente, o Gráfico 4 expressa as frequências para fatores negativos e positivos
categorizados para o estágio de Sessões de Whiteboarding. Ressalta-se como único fator
negativo nesse estágio foi o tamanho reduzido dos whiteboards utilizados para expor os
modelos matemáticos, a exemplo de M10: “É preciso melhorar o tamanho dos whiteboards para
as representações matemáticas”.
Gráfico 4 - Pontos negativos e positivos sobre o estágio de Sessões de Whiteboarding.
Fonte: Resultados da pesquisa.
Percebe-se que o fator positivo mais destacado pelos professores foi que as sessões de
whiteboarding permitem socializar, argumentar e fazer análises críticas a respeito do tema em
investigação (46,2%), como percebemos em M13: “Foi para mim de grande significância,
porque foi nesse momento que colocamos a aprendizagem que foi adquirida durante o processo
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do ciclo de modelagem desde a escolha e descrição do tema até chegar a apresentação e
argumentação com a turma”. Ressaltam ainda que foi possível diferentes maneiras para expor
as explicações, que houve aprofundamento de conhecimentos e que aprenderam uma técnica
inovadora de ensino de matemática e física: “Socialização com a turma e uma nova maneira
metodológica” (M11).
Em nossa visão, as sessões de whiteboards podem ser consideradas o diferencial da
didática de Hestenes em comparação a outras didáticas em modelagem matemática, pois é
principalmente nesse momento que o professor atua no sentido de guiar as discussões dos
estudantes com o objetivo de gerar argumentações, tal como ressalta Brewe, Kramer e O’Brien
(2009, p. 013102-2, tradução nossa):
Os estudantes, em pequenos grupos, trabalham no planejamento de atividades para a
construção de modelos. Eles compartilham suas ideias por meio dos whiteboards que
dirigem as discussões em classe. O papel do instrutor é moderar as discussões e
orquestrar atividades apropriadas para o desenvolvimento conceitual.
Os pontos positivos destacados pelos professores reforçam que as sessões de
whiteboards são importantes para o processo argumentativo em sala de aula. Em nossas
considerações finais apontaremos perspectivas de futuras investigações.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao iniciar a escrita deste artigo, nosso objetivo foi discutir possibilidades e desafios da
IM na visão de professores de matemática e física. O Gráfico 5 expressa o total geral de
ocorrências em que podemos inferir que 75% das mesmas foram consideradas positivas ao
passo que 25% foram consideradas negativas. O mesmo gráfico evidencia também o total
parcial de ocorrências em cada um dos quatro estágios do ciclo de modelagem temático. A
Sessão de Whiteboarding foi o estágio que apresentou maior índice de fatores positivos (24,1%)
e menor índice de fatores negativos (1,9%). Verifica-se ainda que em nenhum dos estágios
houve predominância de fatores negativos sobre os positivos.
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Gráfico 5 – Total de fatores positivos e negativos para os quatro estágios do ciclo de modelagem temático.
Fonte: Resultados da pesquisa.
Diante desses dados, é possível concluir que, para os sujeitos da pesquisa, a IM tal como
foi realizada, mostrou-se favorável de ser aplicada no ensino de matemática e física em face
das contingências educacionais próprias do contexto brasileiro, especialmente amazônico.
O estudo que apresentamos levou em consideração apenas textos escritos dos
professores envolvidos no minicurso. Estamos trabalhando nas análises das falas dos mesmos
por meio do tratamento de vídeos produzidos durante a após o minicurso que, acreditamos,
revelarão outras dimensões da IM como didática de modelagem em ciências e matemática. Por
exemplo: como os whiteboards contribuem para o processo argumentativo dos estudantes em
modelagem matemática?
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Lourdes. W.; SILVA, Karina. P.; VERTUAN, Rodolfo. E. Modelagem
matemática na educação básica. São Paulo: Contexto, 2012.
AMTA. American Modeling Teachers Association. Modeling Workshops for Summer
2016. Disponível em: https://modelinginstruction.org/summer2016-workshops/. Acesso em
07 ago. 2016.
BARDIN, Lawrence. Análise de conteúdo. Tradução: Luís Antero Reto e Augusto Pinheiro.
São Paulo: Edições 70, 2011.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Diretrizes Curriculares
Nacionais Gerais da Educação Básica. Brasília: MEC, 2013.
BREWE, Eric. Modeling theory applied: Modeling Instruction in introductory physics.
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