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José Gomes Ferreira “Poeta Militante" “Poeta Militante"

Jose Gomes Ferreira

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Page 1: Jose Gomes Ferreira

José Gomes Ferreira

“Poeta Militante"“Poeta Militante"

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Vida

Nascido no Porto, José Gomes Ferreira muda-se com quatro anos para Lisboa onde, criado "longe das árvores, no roldão poeirento das cidades"(palavras do autor), se inicia nos poetas saudosistas- e especialmente Raul Brandão- nos liceus de Camões e de Gil Vicente, com o Prof. Leonardo Coimbra. Dirige, muito novo, a revista "Ressurreição", onde chega a colaborar Fernando Pessoa com um soneto. Dedica-se também à música, com composições musicais como o poema sinfónico "Idílio Rústico" (que compõe depois de ouvir a 1ª audição mundial da Sinfonia Clássica de Prokofiev e inspirado num conto de "Os Meus Amores", de Trindade Coelho) executado pela primeira vez pela orquestra de David de Sousa, no Teatro Politeama, o que provocou em Leonardo Coimbra "um largo sorriso incitador".

Licencia-se em Direito em 1924.Licencia-se em Direito em 1924.

Inicia-se na poesia com o poema "Viver sempre também cansa", escrito a 8/5/1931, e publicado na "Presença",nº33 (Julho-Outubro), e apesar de já ter publicado anteriormente os livros "Lírios do Monte" (obra que depois renegou) e "Longe" (1ª e 2ª edições em 1918 e 1921, respectivamente), só em 1948 começa a publicação séria do seu trabalho, nomeadamente com "Poesia I" e com a colaboração na "Homenagem Poética a Gomes Leal".

Comparece a todos os grandes momentos "democráticos e antifascistas" e, pouco antes do MUD (Movimento Unitário Democrático), colabora com outros poetas neo-realistas num álbum de canções revolucionárias compostas por Fernando Lopes Graça, com a sua canção "Não fiques para trás, ó companheiro".

José Gomes Ferreira foi um representante do artista social e politicamente empenhado, nas suas reacções e revoltas face aos problemas e injustiças do mundo. Mas a sua poética acusa influências tão variadas quanto a do empenhamento neo-realista, o visionarismo surrealista ou o saudosismo, numa dialéctica constante entre a irrealidade e a realidade, entre as suas tendências individualistas e a necessidade de partilhar o sofrimento dos outros.

Na memória e no papel fica a sua vasta obra, que marcou todo esse vasto período de quase um século.

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Obras

Poesia

Poeta Militante – I, 1977Poeta Militante – II, 1978Poeta Militante – III, 1978A Poesia Contínua – 15, 1981

Ficção:

Mundo Dos Outros - 1, 1950Aventuras de João Sem Medo - 2, 1963 (histórias humorísticas do mundo juvenil)A Memória Das Palavras I - 3, 1965Sabor Das Trevas – 9, 1976 (romance-alegoria)Coleccionador de Absurdos – 11, 1978Relatório De Sombras – 12, 19805 Caprichos Teatrais – 13, 1978Enigma da Árvore Enamorada – 14, 1980Imitação Dos Dias – 4, 1966Tempo Escandinavo – 5, 1969 (contos)Irreal Quotidiano – 6, 1971Revolução Necessária – 8, 1975Intervenção Sonâmbula – 10, 1977

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A Minha Solidão

(Durante dias andei a ruminar estes versos)

A minha solidão não é uma invenção para enfeitar noites estreladas...

...Mas este querer arrancar a própria sombra do chão e ir com ela pelas ruas de mãos dadas.

...Mas este sufocar entre coisas mortas e pedras de frio onde nem sequer há portas

...Mas este haver entre mim e a vida sempre uma sombra que me impede de gozar na boca ressequida o sabor da própria sede.

...Mas este sonho indeciso de querer salvar o mundo - e descobrir afinal que não piso o mesmo chão do pobre e do vagabundo.

onde nem sequer há portas para o Calafrio.

...Mas este rir-me de repente no poço das noites amarelas... - única chama consciente com boca nas estrelas.

...Mas este eterno Só-Um(mesmo quando me queima a pele o teu suor) - sem carne em comum com o mundo em redor.

...Mas este saber que tudo me repele no vento vestido de areia... E até, quando a toco, a própria pele me parece alheia.

Não. A minha solidão não é uma invenção para enfeitar o céu estrelado...

...mas este deitar-me de súbito a chorar no chão e agarrar a terra para sentir um Corpo Vivo a meu lado.

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Se eu pudesse iluminar por dentro as palavras

de todos os dias

(O soneto que só errado ficou certo)

Se eu pudesse iluminar por dentro as palavras de todos os dias

para te dizer, com a simplicidade do bater do coração,

que afinal ao pé de ti apenas sinto as mãos mais frias

Ao pé de ti não me apetece ser herói mas abrir-te mais o abismo que me dói nos cardos deste sol de morte viva.

Ser como sou e ver-te como és: mãos mais frias e esta ternura dos olhos que se dão.

Nem asas, nem estrelas, nem flores sem chão

- mas o desejo de ser a noite que me guias

e baixinho ao bafo da tua respiração contar-te todas as minhas covardias.

dois bichos de suor com sombra aos pés. Complicações de luas e saliva

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Na Morte de Manuela Porto

Devia morrer-se de outra maneira.Transformarmo-nos em fumo, por exemplo. Ou em nuvens. Quando nos sentíssemos cansados, fartos do mesmo sol a fingir de novo todas as manhãs, convocaríamos

Apertos de mãos quentes. Ternura de calafrio."Adeus! Adeus!"E, pouco a pouco, devagarinho, sem sofrimento, numa lassidão de arrancar raízes... (primeiro, os olhos... em seguida, os lábios... depois os cabelos...)

a fingir de novo todas as manhãs, convocaríamos os amigos mais íntimos com um cartão de convite para o ritual do Grande Desfazer: "Fulano de tal comunica a V. Exa. que vai transformar-se em nuvem hoje às 9 horas. Traje de passeio". E então, solenemente, com passos de reter tempo, fatos escuros, olhos de lua de cerimonia, viríamos todos assistir a despedida.

os lábios... depois os cabelos...) a carne, em vez de apodrecer, começaria a transfigurar-se em fumo... tão leve... tão sutil... tão pólen... como aquela nuvem além (vêem?) — nesta tarde de outonoainda tocada por um vento de lábios azuis...

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Choro

Ninguém vê as minhas lágrimas, mas choro as crianças violadas nos muros da noite húmidos de carne lívida onde as rosas se desgrenham para os cabelos dos charcos.

Ninguém vê as minhas lágrimas, mas choro diante desta mulher que ri com um sol de soluços na boca — no exílio dos Rumos Decepados.

Ninguém vê as minhas lágrimas, mas choro todas as humilhações das mulheres de joelhos nos tapetes da súplica todos os vagabundos caídos ao luar onde o sol para atirar camélias todas as prostitutas esbofeteadas pelos esqueleto de repente dos espelhos todas as horas-da-morte nos casebres em que as aranhas tecem vestidos para o sopro do silêncio todas as crianças com cães batidos no crispar das bocas sujas de miséria...

Ninguém vê as minhas lágrimas, mas choro...

Mas não por mim, ouviram? Eu não preciso de lágrimas! — no exílio dos Rumos Decepados.

Ninguém vê as minhas lágrimas, mas choro este sequestro de ir buscar cadáveres ao peso dos poços — onde já nem sequer há lodo para as estrelas descerem arrependidas de céu.

Ninguém vê as minhas lágrimas, mas choro a coragem do último sorriso para o rosto bem-amadonaquela Noite dos Muros a erguerem-se nos olhos com as mãos ainda à procura do eterno na carne de despir, suada de ilusão.

Eu não preciso de lágrimas! Eu não quero lágrimas!

Levanto-me e proíbo as estrelas de fingir que choram por mim!

Deixem-me para aqui, seco, senhor de insônias e de cardos, neste ódio enternecido de chorar em segredo pelos outros à espera daquele Dia em que o meu coração estoire de amor a Terra com as lágrimas públicas de pedra incendiada a correrem-me nas faces — num arrepio de Primavera e de Catástrofe!

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Vivam Apenas

Vivam, apenas Sejam bons como o sol. Livres como o vento. Naturais como as fontes

Imitem as árvores dos caminhos que dão flores e frutos

E principalmente não pensem na Morte. Não sofram por causa dos cadáveres que só são belos quando se desenham na terra em flores.

Vivam, apenas. A Morte é para os mortos!que dão flores e frutos

sem complicações.

Mas não queiram convencer os cardos a transformar os espinhos em rosas e canções.

A Morte é para os mortos!

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O General

"Depois de fortemente bombardeada, a cidade X foi ocupada pelas nossas tropas.")

O general entrou na cidade ao som de cornetas e tambores ...

Mas por que não há "vivas" nem flores?

Mortos nas goteiras. Mortos nas nuvens. Mortos no Sol.

E prédios cobertos de mortos. E o céu forrado de pele de mortos. E o universo todo a desabar cadáveres.

Mortos, mortos, mortos, mortos ... Onde está a multidão para o aplaudir, em filas na rua?

E este silêncio Caiu de alguma cidade da Lua?

Só mortos por toda a parte.

Mortos nas árvores e nas telhas, nas pedras e nas grades, nos muros e nos canos ...Mortos a enfeitarem as varandas de colchas sangrentas com franjas de mãos ...

Mortos, mortos, mortos, mortos ...

Eh! levantai-vos das sarjetas e vinde aplaudir o general que entrou agora mesmo na cidade, ao som de tambores e de cornetas!

Levantai-vos!

É preciso continuar a fingir vida, E, para multidão, para dar palmas, até os mortos servem, sem o peso das almas.

Page 10: Jose Gomes Ferreira

Com o mar…

Com o mar,

as curvas das ondas

e o dorso dum peixe ao luar

fiz uma deusa fiz uma deusa

que criou o mar.

(E depois deitei-me ao comprido

com o mistério resolvido.)

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Trabalho realizado por:

�Diogo Teixeira Nº3

x Alexandre Silva Nº1