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Jacques Le Goff e Pierre Nora e, e OVASABORDAGE S 1

Le goff, jacques; nora, pierre (orgs.). história. novas abordagens

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JacquesLe Goff e Pierre Nora

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OVASABORDAGE S

1

F*

:~

História: Novas Abordagens

PU!

CouçÃO ernNCIAS SOCIAIS

Annll Maria de Castro

Roberto Osvaldo Cruz

Albll Zaluar Guimarães

Thco Araujo Santiago

'.,.' 4.

História: Novas Abordagens

Direção de

]ACQUES LE GoFF e PIERRE NORA

Tradução de

HENRIQUE MESQUITA

Revisão técnica delIiI::'

DIRCEU LINDOSa'

. THEO SANTIAGO

,... !

(e) ~ditions GaIlimard, 1974.

'fltulo original: Faire de l'histoire: Nouvelles approches

( ::l1'a: AG Comunicação Visual e Arquitetura Ltda.

Ficha Catalogrâfica

(I"·"J)/u·,,,la pelo Centro de Catalogação-na-fonte do

HINI)[CA"O NACIONAl, DOS EDITORES DE LIVIWS, RJ)

L(, Goff, .Iacques, comp.

1"f,:JHhHistória: novas abordagens, direção de J'acques

Lo Goff e Pierre Nora; tradução de Honrqus Mas-

qu it ••, revisão técnica de Dirceu Lindoso I e I Theo

HBntingo. Rio de Janeiro, F. Alves, 1976.

200p. ilust. 23cm (Ciências sociais).

no original em francês: Faire de I'hístore :

uouvelles upproehea.

1. Híatéria - Teoria. Z. História - Teoria -

Colotíuwa. 1. Nora, Pierre, 11. Título. 111. Série.

CDD . 901

901.08

CDU ·930.1

930.1(082.1)

Irnprt·sm no Brasil

"";"1"/ ill Brasil1976

\P-e'1' .L, 't 5

05/1.2l+;?

9, O 01-uR,. \-{

'rodos O~ direilos desta tradução reservados à

J.lVRARIA FRANCISCO ALVES EDITORA S.

lua Barlo de Lucena,438otafogo ZC·0220.000 Rio de Janeiro,RJ

A.

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PLANO GERAL DA OBRA

PRIMEIRA PARTE

NOVOS PROBLEMAS

A operação histórica

O Cjllan)'itativoem história

A bistôria conreiual

Os camillbo.rda história antes da escritaA hlstária dos povos sem bistôria

A .1m/11m/filo

Hutôri« social r iJlloloKia.r das sodedmit!.J

Histôrl« marxista, blstôri« em (OI1.rlrtl(ão

O retorno do tlllo

Michel de Certeau

François Furet

Paul Veyne

André Leroi-Gourhan

Henri Moniot

Nathan Wachtel

Georges Duby

Pierre Vilar

Pierre Nora

SEGUNDA PARTE

NOVAS ABORDAGENS

A (1rff11e%giaA economia:

- As crises econômicas, , Ultrapassagem e prospectiua

A demografiaA 'II/igiáo:

- Antrop%gia religiosa- Hist ária religiosa

A lil6ft/fllraA ar/eA.r ci'nci(LrA pollJictl

TERCEIRA PARTE

_ NOVOS OBJETOS

o dim« hÍJlória da chuva e do bom tempo() ;1/(fi/lJ/'Ú'/II't': () episódio da prostituta em Que

(i1Z~'I'? " em O subsoloO mit»: Orftll 110 melAI m'l/ltJ/idt/des: lima bistôria ambíguaA IInf,II11: li"xiiíst;ca e bistôriaO li",o: uma mudança de perspectiva

OJ jOfJ,lIJ: () crn, a criança grega e o cozidoO corpo: o homem doente e sua históriaA corinha: 11mcardáPio do século XIXA opiniiio, IJ/íblica: ap.ologia das sondagem() [llm«: //fIM (()1I11'(l-rllláliseda sociedade?A tlJla: sob ti Revolucão Francesa

Alain Sehnapp

SUMÁRIO

A arqueologia, Alain Sehnapp

A economta:

- As crises econômicas,Jean Bouvier

- Ultrapassagem e prospectiva, Pierre Chaunu

A demo,gra/ia, André Burguiêre

A religião:

- Antropologia religiosa, Alphonse Dupront

- História religiosa, Dorninique Julia

A /iterátl1M, Jean Starobinski

A arte, Henri Zerner

As ciências, Miehel Serres

A política, Jacques Julliard

Colaboradores do volume

1

21

21

40

S9

83

106

132

144

160

180

197

Jean BouvierPierrc ChaunuAndré Burguiêre

. III

,.li. " .í

~b~m~,•••••••••••••••••••••••••••••• __ •• __ ••• tr•••••••••• __ ~.Y ••t.J.-.'.t~ .. __ ~ ~ ••. ~ __ ~·.'~t~..~A"•• __~; __~.*~ ~~ •••• ••••••••••••••••••••~

Alphonsc DuprontDominiquc JuliaJean StarobinskiHenri ZernerMiehel SerresJaeques Julliard

Emmanuel Le Roy Ladurie

Alain BesançonMarcel DetienncJaequesLe GoffJean-ClaudeChevalierRoger Chartier eDanieJ RochePierre Vidal-NaquetJean-Pierre Peter e J. RevdJean-Paul AronJ=r= OzoufMare FerroMona Ozouf

A arqueologia *

ALAIN SCHNAPP

Look heah, now, I'ue got the wuhks of alI the

olâ mastahs - the gweat ahchaelogistsof the pasto

1 wigh them against each othah - balance the

disagweements- analyse the conflicting statements

- decide which is probably cowwect - and come

to a conclusion. That is the scientiiic method.

r. Asimov, Foundation.

SERÁ a arqueologia uma ciência? A sua imagem tem ainda uma aparênciade exílio. Como a etnologia, no passado, ela significa com freqüência umaevasão, uma fuga, justamente, para fora de sociedades onde o exótico não équotidiano. .Urna solidariedade de aparência liga essas duas disciplinas queanalisam, uma e outra, diferenças no tempo, no caso da primeira, no espaço,no caso da segunda. Essa semelhançaé, no entanto, mais aparente do que real,c tanto o historiador como o etnólogo sabem que o problema consiste precisa-me:nte na definição dessesconceitos contingentes e relativos que são o espaçoc o tempo. Tempos longos, tempos curtos, espaçosocial, espaço político, todosC'leI instrumentos que:se tornaram c1Assicosna IlnUisc moderna da. sociedades.

• A Introdu;lo dutl trabalho I'" apareceuno artJ~"colltlvo /lRtnouVlIUd•• mMbod ••" "tIWorlt •• 1'~I", Art,..". I.S.e." 1m.1. pp. SUl,.

HISTÓRIA: NOVAS ABORDAGENS

"nreccm perder o seu vigor frente aos hábitos imutáveis do. arqueólogo. tradi-rional . A pesquisa etnológica ou histórica exige um conhecimento relativo davida das sociedades, enquanto a arqueologia, tal como ela é concebida, aocontrário, exige, antes de tudo, "faro". Ela confunde-se com o estudo do"achado" ruja "antigüidade" é, ela sozinha, objeto de estudo. A pura análiseléxica do vocabulário arqueológico seria, a esse respeito, de um rico ensina-mcnto: "novas escavaçõesem... , novos documentossobre... "; o objeto é preli-minarmcnte definido como uma acumulação, um acréscimo a um saber queprccxistc , Dessaforma, .Q campo do conhecimento é infinito (uma vez que sem-prc serãoencontrados novos objetos) e indefinido \ não .sesabe0_ que representaUIIl arhado ): Uma cidade, um monumento, um objeto Isolado sao apenas teste-munhos residuais de uma cultura. Tal riqueza docurnentária (a infinidade deobjetos arqueológicos) e tal liberalidade intelectual (já que não se pode sabertudo, não se podem conhecer mais do que fatos parciais, e todas as hipóteseslIiio igualmente legítimas e inverificáveis) constituem uma das razões da criseatunl, ilustrada abundantementepor um grande número de obras (Heizer-Cook,

t9<ío; Chang, 1967; Doetz, 1968; C1arke, 1968; Moberg, 19691). Por essemotivo, o arqueólogo está condenado a um saber fragmentário e de parcelas.liso f: o axioma que consiste na profissão de fé da "maioria silenciosa" dosArqueólogos contemporâneos. Tal axioma satisfaz ao mesmo tempo o espe-dlllist:\ l(UC domina um saber específico - os objetos, a cultura material -e "Il historiador cujo gênio literário dotará de uma vestimenta a frieza dos fatosArqueológiCos. A "nova arqueologia" desenvolve-se precisamente como uma/,('nç"1lrontru essa ideologia e essarepartição do trabalho.

1. A ARQUEOLOGIA MODERNA E SUAS TENDENCIAS

A originalidade da arqueologia exprime-se com mais vigor na reunião de'","ulos " , na condição ambígua do terreno: é também nisso que se torna maisIIpnr('ntc a evolução dos métodos. A arqueologia moderna tende a desernba-rll\'nHe da r'llleção, da procura incerta de objetos isolados, para dedicar-se ape8l(uislISorganizadas. Embora o conceito de estratificação tenha sido elaborad.ono .érulo XIX, ele s6 se tornou habitual depois da segunda guerra (Leroi-

(jourhnn, 19~O; Whecler, 19:5-1; Courbin, 1963). O estudo da cstrntificação,ou .ejR, o estudo dos vcstlgios deixados por grupos humanos no seu cnqua-dramento geológico conduziu 1\ deflnição de um método geral 11 que se: dene-

'ti' '>t'

A ARQUEOLOGIA 3

minou de "estratigrafia": A escavaçãoestratigráfica tende à reconstituição, tãofiel quanto possível, dos acidentes que influíram nos diferentes níveis. deocupação do "solo": abandonos, destruições, remanejamentos etc.:. Para dizero mesmo de outra maneira, trata-se não de isolar coleçõesde objetos, mas, aocontrário, de estudar as relações existentes entre essesobjetos. Essas relaçõessão consideradasentre outros elementos analisáveis, alicerces, fossas, objetos deuso doméstico que a escavaçãoprocura colocar em evidência. O corte .vertic~l,que resume a sucessãodas camadas,é complementado pelas aberturashOf/ZO?t~IS,que permitem compreender a função dos co~juntos encontra_dos.O objetivosupremo da estratigrafia reside em tornar eVldent~ a sucessao no es.paçodeestruturas que se sucederamno tempo. Embora exista um acordo pratrc~men:egeral quanto ao interesse de tais técnicas, é preciso dizer que .elas. nao saoempregadasde maneira igual pelos arqueólogos. Além disso, a ~I~~rsldade dasregras de publicação não permite sempre que se forme uma idéia exata dométodo seguido. Ainda não se conseguiu, para os relatórios das escavações,aprecisão, para não dizer a simplicidade das referências de arquivos, precisão esimplicidade essasque se tornaram costumeiras para os historiador~s. O desen-volvimento dos métodos estratigráficos, por outro lado, deu of/gem a umaexplosão técnica (Brothwell-Higg, 1963; Goodyear, 1971) que influi sobretodas as etapas da escavaçãoe de sua interpretação: a identificação dos sítiospela prospecçãogeofísica e fotografia aérea, o estudo da fauna e da. flora comassistênciado naturalista, a determinaçãocientífica dos processosgeológico e pedo-lógico, a apuraçãode datas por meio de recursosfísico-~uímicos. Essaren?vaçãodo estudo do meio tem por conseqüência o desenvolvimento de uma miragemcientífica na qual o caráter técnico das operaçõesocupa facilmente o lugar deestratégiada pesquisa.

Sofrendo o influxo da diversidade das técnicas que iOS levam sempre maislonge, os arqueólogos sofrem ao mesmo tempo as inquietações q~e a n~vahistória comunica aos historiadores: a história geográfica, a história da Vidamaterial, a história ecológica, todas com pontos de encontro, zonas de contato.A constituição de novos campos históricos não consiste apenas na abertura den()VO~caminhos, mas coloca novamente em causa os itinerários da história cl~-sica (Furet, 1971) 2. O encontro entre a história e a arqueologia ~oderna def~-nc-sc também na releitura das iconografias, no estudo dos conjuntos arquI-tetônicos considerados como meios sociológicos, na redefinição dos personagensc paisagens clássicos, como o homem antigo ou a França do Ancien R.ég~m.e(G. eM. Vovclle, 1969; Annales 1970, Bérard, 1969) .. A, ~oderna hlstor~aagrária (Archéolo gie dI! vil/age déserié, 19~0) '. a história da ecologia(J. Bcrtin c outros, J ?71) enr.iqueccm-s~e~ pnmelro h~?ar.dessastrocas,.que,ultrapassando um rncssrnnrsmo um tanto ingcnuo numa C~e?Cla~otal, constituemum testemunho do alcance do rcnovamcnto . Essas audácias tem, no entanto,também o seu reverso, c a complexidade dos métodos, o caráter minucioso ~astécnicns deixam sempre menos liberdade à passagem de um ~ctor de pesq~lsa,pllrn outro. O crescimento infinito das classificações nrqucológicns torna pr,atlra.mente imp()5s(vei~ R vcrifkllçito dos documentos, o controle dns nonll(Il~luS, a

__ ......:.~ •••••• ~_~. "----"-~,: ..~_..:.:.. •._ •..;....._,'--.~.~._ •• _. _2""1io..... ••..•..•.~. __ ._, ..!..:... .•••.•• _Jl_,_,_.' ••••~ ••••'•••_--.~,

4 HISTÓRIA: NOVAS ABORDAGENS

discussão e a críti~a dos dados (Finley, 1971). A distância só faz aumentarentre lima arqueologia descritiva, sempre mais técnica, e uma arqueologia histó-rira, sempre mais ambiciosa.

Não é de surpreender, portanto, que uma nova etapa de pesquisa,comple-mentar às duas outras, formule interrogações quanto à passagem da descrição.\ interpretação, sobre o custo e a confiança lógica que se pode ter nas operaçõeshahituais ao arqueólogo, como a descriçãoe a classificação (Gardin, s. d. 1963,196 'i , 1971; Binford e Binford, 1968). Que constitui uma tipologia, quais sãoos critérios que permitem atribuir determinado objeto a determinado grupo,qunl é o rigor de tais notaçõeselementares,como a semelhança, a diferença, ahomologia e a analogia? Tal higiene conceitual não é inocente: ela conduz atornar explícitos os objetivos e os resultados. Dizendo de outra maneira: qual(: o lugar da arqueologia como fonte histórica?

11. ARQUEOLOGIA E RECONSTRUÇÃO HISTóRICA:

LIMITES DE FONTES OU LIMITES DE MÉTODOS?

11 evolurâo tríplice, técnica, ideológica e epistemológica que acabamosdedC'~rrC'vl'f{. mais virtual do que real. Muitas vezes, reconstruções históricasdC',IIllIllcsmascaram a imprecisão dos métodos de escavação,e freqüenternenteo ("Ali 1110c os métodos de classificação automática são utilizados Gomo"álibis"(1"1' ('~(olIdcm a pobreza de hipóteses históricas e antropológicas; a renovação" IIllli~ 11mpro~rama do que uma apuração de resultados. As "novas perspecti-VII~" partem, JlIO entanto, de uma evidência banal: o caráter específico da arqueo-JO,llin,u nnturczu particular da cultura material. Embora a ambição do arqueólogo~t'in }!,fIIJW modo a mesma ambição do historiador ou do etnólogo, os meiosde l(lIt' dispõe são a priori mais reduzidos. Ele não dispõe seja de arquivos, sejade' interlorurorcs, e a linguagem não o pode ajudar a compreender os fatos.Em RCU trabalho, o arqueólogo que examina um vaso raciocina da seguintemnneiru: () perfil e a decoraçãodo vaso indicam uma data precisa, a forma indica61 ~UI1 dcstinação, o modo de fabricação indica uma certa organização da pro-,(u~«o. O conjunto de tais elementosconsideradosem suasmútuas relaçõestorna'l'rcdsns t'SS;lSprimeiras ronstataçõcs, A decoraçãoe a destinação (por exemplo,('01'0 para água) tornam () objeto um vaso mercadoriadiferente de um recipientede tamanho mais importante c cuja forma (uma ânfora) e ausência de deco-rAçilo designam o objetocorno ",IJO ff1r;/';m', (Vallet-Villard, 1963). A partir

A ARQUEOLOGIA 5

de tal distinção, 00 especialista pode deduzir uma política comercial (produtosde luxo/produtos de uso corrente), circuitos comerciais, modos opostos de enca-minhamento (empacotamento ou armazenamento). Vê-se assim a rede de rela-ções que a inferência arqueológica permite tecer. Vê-se igualmente a margemdeixada ao arbitrário.

As propriedades físicas dos objetos estudados,como o tamanho, a textura,permitem construir um sistema de oposição: recipientes pequenos e médios emcontraposição a recipientes grandes, cerâmica grosseira e resistente em contra-posiçãoa uma cerâmica fina e frágil. Essasoposições,no entanto, não têm conse-qüências econômicas unívocas: é possível imaginar a distribuição de produtosdiferentes pelo mesmo agente comercial, e é igualmente possível distinguir entrecirculação e distribuição etc... Será que o caminho de exportação de umaânfora difere do caminho de exportação de um vaso para beber? Será que osdois tipos de objetos terão diferentes importadores? A oposição entre os doistipos de mercadorias é comercial (diferentes vendedores), social (diferentescompradores), funcional? Esse exemplo, naturalmente limitado, coloca, no en-tanto, a questão de fundo: como passar da descriçãodas propriedades perceptí-veis dos objetos à identificação de suas características sociais? A resposta daarqueologia tradicional a tal questão foi cruelmente resumida por Binford eBinford (1968, p. 16): "A reconstrução dos modos de vida ainda é umaarte de que não se pode julgar a não ser pela estima que se tenha pela compe-tência e pela honestidade da pessoaque é responsávelpela reconstrução". O argu-mento maior que se invoca em favor dessa opinião, aliás, corrente, é o argu-mento dos limites da informação. O vestígio arqueológico é, por sua próprianatureza, residual e lacunar. Os grupos de objetos analisados pelo arqueólogosofrcrarn duas alteraçõessucessivas:

IQ Os traços que deixa uma população representam apenas uma partedil111liloque os homens produziram e utilizaram;

2'1 A evolução geológica e os diferentes acidentes deixam subsistir apenaslima parte de tais vestígios. A partir da obra do sueco Montelius (1885),IIIClstrou-semuito bem que .essas evidências admitem algumas restrições, contra-pondo-se em particular os achadosdefinidos exclusivamente pelo primeiro ponto( vcstI/o:iosnão remanejados) aos achados que satisfazem aos pontos 1'1 e 2'1(vc1Ití/o:iosque sofreram alteração e remanejamento). Distingue-se, de formacorrente, entre objetos que provêm de conjuntos [ecbodos, como os túmulos1111 os lugares de colocação de detritos, e os objetos encontrados em conjuntosIIbf1f/OS, terrenos de habitação, por exemplo. Essasnotações, com o apoio det'Ntmlilo\l·nfias precisas (corno reempregos, violação de túmulos, incêndios), per-mitem avaliar a reprcscntatividadc do material recuperado: um túmulo objetothl pilhaJ.:t'l11deixa de constituir um conjunto fechado, mas um terreno de habi-tJtçao bruscamente incendiado pode dar a expressão <'llLasefotográfica de umlIlohihhrio interior. Por pouco que se considere o assunto, chega-seà conclusãoda tlUC essns séries de informação que são Iacunarcs de forma desigual nãodiferem lhlquclns (IUC estudam os historiadores, ao menos até a época moderna.O. rCAistms de contus do Alieió" I?cíj{;II/(/ são, habitualmente, discontinuudos,mesmo quando AmparAdospelo' farAlcr fechado de certas série" como 01 r('~j'troll

HISTÓRIA: NOVAS ABORDAGENS

EXAMPLE OFFALSE.'STRATIFlCATION"

BY LEVELUNQ

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,. MJLLf.NIUM e.c. 1910 A.O. 2,N' CENTUR,Y A.O.

EXAMPLF. OFTR.uE STAATIFICATION

1'III,IIrn A cstratiiicaçiio _vista por Wheeler (1954), figo Il, p. 71.

A dl'l'illi~'~o da estratificação como uma série de acontecimentos históricos inscritos"111 .·tlttltldtls sucessivasnão é evidente: os arqueólogos do século XIX (e, infelizmente,1'11I/1' dos tirqucólogos do século XX) ficaram literalmente obcecados pelas estruturas'/11/11', (tuu •.••S pie ... ). De onde decorre o famoso imperativo: "seguir os muros", queWIII'I'I.,t dl'llulll'ia no seu esquema.

A ('stratificação vista por Chang (I9õl), figo I, p. 21.

Apli.-tldo de maneira abrangente, o método estratigráfico permite não apenas colocar('111 '·vid.~II<'iuI1S sucessõesde acontecimentos, como também propor explicaçõesfuncionais.'I'ouuuul» I'Iltno exemplo uma espada e um vaso cuja posição no espaçonão varia, otlr'llll,.',lnp;o americano Chang sugere uma espécie de estratigrafia de múltiplas opções,II'vtllldo em conta as variações arnbientais para cada situação:

A. A cspndn e o vaso estão separadospor uma camada que indica pentencerem osohJl'los ti dois horizontes diferentes.

1\. A cspntln (' o vaso cstâo associadosa um túmulo, na qualidade de objetos rituais.

C:. A ussocia~'iíofortuita dos dois objetos está ligada à morte brutal do guerreiro(pltr nrmu-projéril}. Tal acontecimento brusco não foi seguido por inumação.

1), t lm dos objetos (a espada) tem uma função ritual, enquanto o outro fointlrntlu, tI••pois (I!~ usnrlo, num depósito de detritos.

li, A sltunç~o {. qllnsl' id~ntkn /1 hipótese C. Mns n nnúllso elo posiçiío elo mortopl'rrnltn I',sttllll'I<'I'I'r I'om prr'd,silo '1111' ti !':;ptldtl foi ti I·tlUSIIdu morte.

A ARQUEOLOGIA

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10 HISTÓRIA: NOVAS ABORDAGENS

lrn ('ill''': os elementos de informação passam por um ciclo sem fim de análises e de'.ílll'·...'·.·:. ""da autor decompondo os dados reunidos nas obras dos seus predecessores,I':m, """('()IIl[,,',-los", por sua vez, em suas próprias publicações, que serão elas mesmaslIi·....,·,·"<I,, ... " assim por diante.

hll ""i,,,: " pnw('sso proposto consiste, ao contrário, em conservar os dados sob formaunnl it un, r- "11' 1'01,)(":'I()s, sob essa forma, 11disposição dos eruditos; dessa maneira, as·.illl,".,·: I" "',·,i, s"r nbor.larlas mais facilmente. só havendo exames prévios de certosmntr: i"i:. ,,(lVII.':, (' ""I) mais do conjunto da documentação, como antes.

'" docununíuçiio lIuIllmt.ígica sq:llnt!o Cardin. (5. â.), tm. 1()-1I.

(~ f',':qll('lIl:1 ;H'illl;l. d.· (::II"dju. {. ~;('In dúvida () prillH'iro (·sho(.'C) d.· IIIH "hanco d.·.I.I.lu," ;lpli.·;lIln ;'1 iln(lll'nln)',i:t. (:OIH ti Ili:! Im~;(' III:ll1'rial dirl')"I',)IC' (n-: fidlJl.'; pl'rr1lr:uln~

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A ARQUEOLOGIA 11

OS PROBLEMAS DA PESQUISA DOCUMENTÁRIAE SUA SOLUÇÃO, DO PONTO DE VISTA DINÂMICO

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I~ HISTÓRIA: NOVAS ABORDAGENS

ARKEOC;-"AF\(AROUEOGRAFIA)

~ organizar

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~

arqueoscopia

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OBSERVARQUESTIONAR DESCREVER ANALISAR

J\., 1'101'''' do I"''''I/lisa arquco/()gica segundo Moberg (1969), 1'1'. 42 e 43.

A ARQUEOLOGIA 13

ARV([OLO~ I(AROU EOLOGIA)

RELACIONAR

I!f\t experimentar chavesJJl testar hipóteses

INTERPRETAR

,•

RESPONDER

RETROALlMENTAÇÃO. (teedback)

VERIFICAR

RECOMEÇAR

14 HISTóRIA: NOVAS ABORDAGENS

públicos ou os registros de paróquias. O procedimento metódico que permitercoonstituir uma circulação econômica pela cartografia dos achadoscerâmicosnãodifere das pesquisasque permitem estabeleceros limites da difusão da filosofiado Iluminismo através das relações de bibliotecas mencionadas nos atos de he-rança: a informação arqueológica não é mais fragmentária do que a informaçãohistórica antes do período estatístico.

Tomemos como exemplo a cerâmica grega massaliota do século VI aosérulo V antes de Cristo. Os trabalhos de contagem de François Villard (1960)indicam uma forte diminuição das importações áticas no fim do século VI.Esse limite torna-se evidente mediante o estudo da totalidade de vasos encon-t rados nas escavaçõesde Marselha. l! evidente que a população consideradanãoexaure o assunto, mas essa ruptura (que não coincide, como o demonstrampesquisas na Itália, com algum enfraquecimento do comércio ateniense ) corres-ronde a uma evolução na política comercial de Marselha. A comparação comoutras séries, como vasos de bronze, moedas, permite tornar precisa essaanálise.11 possível, portanto, revelar, a partir de um conjunto residual, um fato deordem estatística e propor ao mesmo explicaçõespertinentes.

Surge, no entanto, uma outra crítica, ainda mais radical. Mesmo conside-rada representativa de uma cultura, uma série arqueológica não permitiria com-preender essacultura em termos de processo. A arqueologia seria, por essência,uma disciplina descritiva que não poderia conduzir à reconstituição de uma socie-dade passada; ainda no caso em que, por uma eventualidade extraordinária, sechegasseao conhecimento da totalidade da cultura material de tal sociedade.Naperspectiva tradicional, não são inteligíveis as relações entre a cultura materiale o processosocial a não ser com a ajuda de fontes de informação diferentes:lextos literários, testemunhosetnográficos. Dizendo de outra forma, considera-se(Iue a arqueologia deve procurar em outras disciplinas as informações que ela"éincapaz de encontrar por si mesma. A conseqüênciatácita de um tal postuladoI: afirmar que não há outra maneira de conhecimento real do fenômeno socialdo llue por intermédio da linguagem. Os objetos materiais permitem apenasumaabordagem Iacunar e imperfeita da realidade social. Justifica-se assim a pobrezat1I1Nreconstruções que a arqueologia permite, a tautologia das classificaç?es.

A "nova arqueologia" (Binford e Binford, 1968) recusa, ao contrário, essadistinção entre elementos materiais e não materiais de uma cultura.' De tal4ngulo, as informações sociais estão inscritas tanto nos objetos quanto na lin-guagem . Os limites da arqueologia resultam dos métodos utilizados e não danatureza do material: "Os limites práticos de nosso conhecimento do passado11:10 são inerentes à natureza da informação arqueológica. Tais limites resultamde nossa ingenuidade metodológica e da ausência"de princípios que permitamavaliar, com relação aos vestígios arqueológicos,o caráter pertinente de sugestõesquanto ao processoe quanto a acontecimentosdo passado" (Binford e Binford,1968, P: 23). Il notável que nunca se tenha tentado avaliar a representaçãoque acultura material nos proporciona, de uma sociedade:poderia ser feita a experiên-

l iu mediante a análise, de maneira tipológica, de um produto industrial (um auto-móvel, por exemplo) para tentar, dai, por meio de indução, chegar li idéias

A ARQUEOLOGIA lS

quanto ao modo de fabricação, quantidades produzidas, rede de distribuição ete. ..Uma tal pesquisa seria simétrica, de alguma maneira, aos estudos feitos pelosestudantes da pré-h!stória," os quais procuram uma técnica qualquer (como ocorte do sílex, por exemplo), mediante a observaçãoda maneira pela qual procedeuma população contemporânea de nível cultural comparável.

As críticas que foram aventadas até aqui definem "novas perspectivas", querequerem novos instrumentos. Para forjar tais instrumentos, os arqueólogos exa-minaram criticamente os conceitos mais aceitos em sua especialidade e, emparticular, os princípios da classificaçãoapoiada nas noçõesbanais de semelhançac de dissemelhança ,

m. INSTRUMENTOS E RECURSOS DA "NOVA ARQUEOLOGIA"

Se a dissemelhança"não parece apresentar qualquer problema, de um pontode vista intuitivo, a definição da semelhançae a distinção entre a hornologia ea analogia encontra-se no centro de qualquer tentativa de classificação. Comooptar, quando duas séries contêm um ou vários traços em comum, entre umaI'xplicação homológica (trata-se dos mesmos objetos) ou analágic« (trata-se delimá imitação)? Para decidir quanto à distribuição de critérios, o arqueólogo«ncontra apoio na distribuição geográfica. E evidente, no entanto, que a opção{. sempre discutível e que o problema não tem uma solução que seja obrigatória.A lém disso, é possível mostrar que a análise tradicional que encontra apoionuma classificação intuitiva do material é, em grande parte, arbitrária, e queexistem múltiplas possibilidades de classificação que justificam múltiplas possi-l-ilidadcs de inferências , Desde que se considere uma "população" de objetos,,l clussificação que é feita pelo arqueólogo evolui entre dois termos opostos:

I? cada objeto define uma classe;

2~ todos os objetos consideradosdefinem uma classe.

A tipologia é apenas a opção feita no interior desses limites segundo aintuição do "especialista.. Vê-se a: relatividade das tipologias e o esforço neces-drio não no sentido de encontrar-se a melhor (?) tipologia possível, mas paraturnar cxplírito e dcmonstrúvel o que estava implícito e era intuitivo. Il o itin«-~rArio seguido pelas diferentes tentativas de formalização do raciocínio :mjut'o-

I"'/>tiro IlpoindaNnos principiosda classificaçãonutomátiru (Gardin, 1970). Tra-III-.e de Nllb~tilllir !,or um conjunto de operações definidas a pn\tint ernplricu ,() ohjctiv» nlmejndo nilo é ncin 11 dnrC'1.II, nem 1\ ~1t'~dndll, mll~ o t'Nlllhe1t-ri·

t•. -_ .....•... _-"'----_.~.--

!(i HISTÓRIA: NOVAS ABORDAGENS

mente de um 'procedimento rigoroso: Trata-se de uma abordagem na qual ademonstração liga-se à intuição e a completa, na qual as proposições só sãoconsideradasválidas quando "acompanhadaspor todos os dados de que procedee dos cálculos que a justificam e que permitem a cada estudioso apreciar essajustificação, uma vez que ele fica de posserealmente dos elementos que funda-montaram a decisão" (Borillo, 1969, p. 21). A questão não reside em saberqual é a utilidade do cálculo em arqueologia, mas em saber quais são as condiçõeslluC autorizam o seu emprego; como conseguir passar de uma formulação discur-siva dos problemas arqueológicos para uma formulação calculável?

A função da "arqueologia nova" é, portanto, essencialmenteuma funçãode terapêutica. Ela procura desmontar os paralogismos dos procedimentos tradi-cionais, procura tornar explícito o que estava implícito. A asceselógica queela exige não fica sem resultados tangíveis: um exemplo preciso: o estudo feitopm ll. Soudsky da aldeia neolítica de Bylany (Tchecoslováquia) demonstraráessa afirmativa. A escavaçãoclássica de uma bnbitat neolítico chega tradicio-nalmente a uma publicação que apresenta, de forma sucessiva, a situação dasestruturas descobertas,o exame tipológico do material, uma conclusão culturalsobre a civilização estudada. Eis como termina uma obra recente consagrada aum sítio alemão daquela época: "Parece que, para diferenciar os complexos, aanálise qualitativa dos traços distintivos feita até esse ponto não basta por sisó: pelo contrário, as relações quantitativas dos diferentes elementos parecemsignificativas. Apenas a análise global do material e o recenseamentosiste-Illá! iço de todos os traços distintivos poderiam conduzir a hipóteses plausíveissohre a microtipologia da cerâmica guarnecida de enfeites. Na condição atualda pesquisa, dispomos apenas da possibilidade de atribuir de maneira geral o1J1.Itt-rialde Müddersheim à cerâmica linear recente guarnecida de enfeites em[orm., de filas." (K. Schietzel, 1965, p. 126).

N essascondições:

I',' A tipologia requer que se a torne precisa;

"I Não é possível ingressar em inferências históricas a partir da escavaçãona condição atual;

:~? Serão portanto necessáriasnovas escavações.

A partir de um sítio do mesmo tipo, a estratégia seguida por B. Soudsky\ hega a um resultado radicalmente diferente. O autor considera o conjunto deestruturas (lU~ a escavaçãopõe em evidência como grupos de informação queI'PSSIICIll propriedades definidas. Os buracosdas vigas associadasàs fossascheiasde vestígios de habitação limitam os conjuntos de base definidos, justamente,como unidades de habitação. Tais unidades de habitação possüem propriedadesIlsicns (forma, tamanho etc ... ) c propriedades estruturais que constituem oronjunto de critérios verificados no material cerâmico (e outros materiais) quetllis i.midndescontem. As curartcrlsticas de:tal material são estudadasoom relação

A ARQUEOLOGIA 17

ao espaço e ao tempo na sua ligação com a estratigrafia vertical e horizontal.'0 autor põe assim em experiência um certo número de hipóteses:

Proposição: a decoraçãocerâmica varia de casa para casa;Indução: a casa corresponde a uma unidade de produção cerâmica.

O método põe-se em prática mediante uma série de feedbacks que, cons-tantemente, associamo conjunto das relações verificadas no local aos critériosque foram retidos quanto ao material. A cada relação associa-seuma função:

e uma variável "a" da decoração significa a função "casa" (decoraçãofamiliar) ;

fi uma variável "b" significa a função "aldeia" (grupo de casas, decora-ção aldeã);

• uma variável c significa a função "tempo". Nesse particular aindao raciocínio faz-se em três etapas:

- proposição: uma parte da decoraçãocerâmica varia no tempo;

- indução: pode-se, portanto, calcular a localização da casa (de umgrupo de casas) no tempo;

confirmação: as sucessõesverticais (uma casa sobrepondo-se a outracasa) ou horizontais (a proximidade entre duas casas tornariaimpossível o acesso) devem confirmar tais classificações.

Mediante a integração progressiva dos parâmetros externos (ecológicos, bio-lógicos) o autor chega à reconstituição da fisionomia econômica da aldeia neo-lítica e à demonstração da natureza dclica dos modos culturais.

A demonstração conduz, portanto, a um duplo resultado: primeiro, cadalima das etapas da operação pode ser repetida e demonstrada; segundo, em vezde propor uma nova tipologia da cerâmica neolítica, o resultado da demons-Iração permite induzir, de maneira dedutiva, os traços sociológicos de uma cultu-ra neolítica.

Qualquer que sejam os níveis em que se ponha em prática os métodos decálculo, essesmétodos transformam, por conseguinte, de maneira radical a pai-sagem da arqueologia. Já agora e para o futuro, em todos os estágios da pes-quisa, passam a intervir as aplicações estatísticas, a classificação automática, asaplicaçõesdocumentárias e a simulação, nes~aordem, para retomar uma propostadl' J. G. Gardin, 1970 b). Segue-sedesse fato que a reflexão sobre a novaurquoologia c .a crítica a seu respeito são excrcidas, cada vez mais, em duas dire-~Õl'S complementares. A primei ra situa-se,por assim'dizer, à jusante da pesquisae se refere, de: forma mais particular, às relações dos arqueólogos com os mate-IIIÍLliws, isto é, "se é possível encontrar, nas preocupações dos arqueólogos,prohlcmns rujn solução cxiRiria um estudo ou um exercício matemático" (8. jau-lin, ;11 Gnrdin, 1970 (I, p. 3M); n segundn dire(;ão surge antes r\ montante daJlCIIIJuilll, c inridc sobre 11 miturczlI das OPCflH'ÕCS,lingUlsticns c Ncmantkll~ lJUC

18 HISTÓRIA: NOVAS ABORDAGENS

(J arqueólogo leva a cabo. Todo esforço de renovação residirá na escolha dedados, na escolha de variáveis descritivas e formulação. Para saber de queassunto ele fala, é necessárioao arqueólogo compreender como ele fala, isto é,pôr em evidência.as regras de sua linguagem, "na medida em que o discursodos especialistas,apenas,ainda que formalizado, não basta em geral para comu-nicar uma ciência a qual, por sua essência,ainda se transmite pela imagem, quersc trate da competência do perito em matéria de diagnóstico. .. ou da arte dofalsário em matéria de simulação" (Gardin, 1971, p. 216). Com a ajuda dooilculo (e do computador), a arqueologia não pretende apenas formular inter-rogações, mas pretende responder a essas interrogações, de maneira demons-trável. Ela coloca em situação privilegiada a análise e a elaboraçãode conceitosnuma atividade em que os fatos sempre ocuparame ocupam um lugar excepcional.Assim procedendo, ela parece distanciar-se da história, para tornar-se um gigan-lesco aparelho de técnicasentre as quais o papel da expressãomatemáticaé cadaVl'Z mais importante. Essa evolução, que se verifica também no terreno deoutras ciências do homem, nada tem de arbitrário, uma vez que ela permitetornar precisas e tornar legítimas as operaçõesa que procede o arqueólogo,(llIando descreve e quando classifica. Recusar ao cálculo um lugar na argueo-IORiaequivaleria a negar a contribuição da econornetriaà economia, e da históriaestatísticaà história. Mas a forrnalização do raciocínio, no entanto, nada resolve;da somente permite escolhas explícitas, verificáveis e demonstráveis, mas nãoconstitui um método de interpretação. O cálculo permite a elaboração de umametodologia, mas não a substitui. Enquanto a história se tem gradual, mas:definitivamente, desembaraçadodo culto do acontecimento e do fato particular,seria normal procurar na arqueologia o último refúgio dos fatos em si e do·humnnismo tradicional. A arqueologia concebida como história intuitiva e inspi-rndn da arte tornava-seum símbolo "daquela forma de história que, de maneira.~(-rrda mas inteira, referia-se à atividade sintética do sujeito" (Foucault, p. 12,IC)(íH). A renovação lenta mais decisiva que acabamosde descrever põe fim' ars,as esperanças. Depois da história, cabe à arqueologia descobrir, por sua vez,r~1rui liras c dcscontinuidade onde ele procurava conjunturas e continuidade. Se" historiador é como o Ogre da lenda, o arqueólogo deixou de ficar, como O'

supatciro da fábula, obcecadopor seu tesouro.

NOTAS

I. No essenclal da lnlormcçãn que contém, este trvbnlho deve muito ao enslnamentodo Sr. Boríllo c de J. c:. Gnrdln, no Institut d'Archéologle de l'Unívcrsltê dePllrl~ I.

A ARQUEOLOGIA 19

2. F. Furet, 1971, p. 68 H ••• O habitat rural, a disposiçãodos terrenos, a iconografia

religiosa ou profana, a organizaçãodo espaçourbano, a arrumação do interior dascasas;seria interminável a lista de todos os elementosde civilização cujo inventário

e minuciosa classificaçãopermitiriam a constituição de sériescronológicasnovas e

colocariam à disposiçãodo historiador um material inédito que exige a amplificação

conceitual da disciplina".

:3. Seguindo-seo velho princípio escolástico:"Per genus proximum et differentiam spe-

cificam".

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.A economia:As crises econômicas

A problemática das crises econômicasdo século XIXe análises históricas: o caso da França

JEAN BOUVIER

N I] M A obra recente, curta mas densa, que traça a história das crises econô-IlIil as nos grandes países industriais a partir do começo do século XIX até al1o~saépoca, dois economistasfrancesesmuito conhecidos declaram que se preo-I'llpUl'ólmcom "os fatos e não com as teorias!", acrescentandoque "quem sabe,1'1I~1() diante da grande diversidade de acidentes estudados, o leitor concordarácom 11 prudência que requer, em qualquer caso, a construção e a aplicação deC.tlllClllílSabstratos". O leitor dessaslinhas que também for historiador aprovará,RC'm dúvida, mas sem incidir no terrível erro do desconhecimento das "teorias":nao há cit!nci.a sem conceitos, não há pesquisassem hipóteses, não há históriaeronômicn sem conhecimentos econômicos. O mesmo leitor não deixará de sur-preendcr-s« de não encontrar na "bibliografia" sumária da obra mencionadatfNfllrllltlr dos estudos recentesproduzidos por historiadores franceses da econo-miA 'podcriamos enumerar pelo menos oito de tais escritos - e que tratamd"l Hi~e~ econômicas na França, no século XIX. 11certo que é preciso dar a

.('''llIr o lluC é de Aftalion ou de Lcscure, que embalaram a nossaadolescênciad. "rrcnt ize~ de historiadores de economia. Mas, nós crescemose trabalhamos,• ,lu muito numerosos os no~s()smnf meles economistas (llle nunca nos lcrnrn,.nqulntu nOI esforçamos lealmente, de lê-Ios, Não.se trlltll de uma briSIl entre

'.1.

22 HISTóRIA: NOVAS ABORDAGENS

historiadores e economistas, uma vez que uns precisam dos outros. ~ verdadelJue o economista e o historiador de economia (no caso daqueles que não foram,de princípio, economistas de formação) não têm o mesmo ponto de vista, nemutilizam os mesmos métodos. É, sem dúvida, supérfluo explicar aqui o "como"e o "por que", Que seja bastante dizer que o primeiro preocupa-se com a crisee o segundo se preocupa com as crises. Quando acontece ao primeiro examinar"fatos" e não "teorias" - o que é freqüente e saudável - ainda nesse caso,de mantém os pressupostos particulares, que parecem muitas vezes insólitos aosolhos do historiador. Os economistas acima citados consagraram a sua obra àscrises econômicas do tempo do crescimento industrial e do desenvolvimento capi-talista. Deixaram de lado, como é de seu direito, aquilo que chamam de "difi-culdades numerosas e variadas, como guerras, epidemias, fome, penúrias ou su-perabundância de numerário etc ... "2 dos séculos anteriores. A justificação, noentanto, que apresentam para a opção que praticaram é significativa (assim(orno o próprio vocabulário que acabamos de citar) de um certo método, decertos hábitos, e, iremos repeti-Io, de lacunas indisfarçáveis no conhecimento doscélebres "fatos": "pareceu-nos, escrevem eles, que as crises só adquiriram todo() seu sentido com a industrialização e com a ampliação dos mercados que carac-terizam os países capitalistas nos últimos 150 anos"." A expressão "todo o seusentido" não parece ter muito sentido para o historiador. A cada estrutura globalela economia corresponde o seu tipo de crise. "As economias sofrem as crisesde suas estruturas" (E. Labrousse). As crises do antigo regime econômico, pré-industrial, pré-capitalista, não têm menos "sentido" do que as crises do sistemaeconômico posterior. São crises diferentes. As "disparidades" de que se origi-nam, o índice de seu aparecimento, os mecanismos de seu desenvolvimento, asrepercussões que causam no meio social têm outros motivos, têm outro ritmo dosque os elementos da crise que se diz "superprodução". O "modelo" da crisedo nntigo regime econômico é conhecido, é clássico, resistiu às provas. Ele foicstulx-lcrido com mão de mestre por Ernest Labrousse, e foi confirmado, aperfei-~CJado.enriquecido por numerosos discípulos seus, que publicaram trabalhos de

repllta(ão internacional. Assim, pela ignorância que certos economistas demons-

tram quanto a essa massa de pesquisas, e quanto à problemática notavelmente

opn;!cional cjue as pesquisas propõem, poderá medir-se a altura das Muralhas

da China que ainda separam os economistas dos historiadores (ditos "literários")

da economia. Dir-se-á que é escrever muito a propósito de umas poucas linhas

de uma obra. Não se trata, entretanto, de exemplo isolado+.

A multiplicidade das teorias das crises pode dar "uma impressão de verti-

~em" (Henri Guitton). n, no entanto, através delas que o historiador aprenderá

ilS questões que deve formular, no nível da pesquisa, no caso de tal ou qual

crise determinada, circunscrita, datada. Todas as teorias (nisso compreendidas

as "teorias marxistas") têm permitido trazer à luz alguns traços fortes do desen-

volvimrnto cconômico-industrinl capitalista: de uma parte, seu caráter profun-

damente dinâmico, onde se produzem permanentemente "processos arurnulativos"

A ECONOMIA: AS CRISES ECONóMICAS 23

(segundo a expressão de WickseII), graça aos quais todo movimento tem início,pco~se~e, se espraia pelo seu próprio peso. específico, seguindo a sua própriainclinaçâo . A alta provoca a alta, como a baixa aprofunda a baixa. Os processosacumulativos, porém, encontrando, no seu desenvolvimento indefinido, obstáculosq~e res~ltam do próprio fato de sua diversidade e de sua simultaneidade imper-feita, atingem, num sentido ou em outro, na alta como na baixa, limites quenão podem ultrapassar. Verifica-se então a perda de equilíbrio, passagem daalta à baixa, ou da baixa à alta, enfraquecimento ou reforçamento do processo,segundo sentido diferente do precedente. A essas mudanças de sentido no pro-ce~s(j chama-se "crise" ou "renovação". Durante a fase acumulativa da expansão,existem reservas de fatores disponíveis às quais é possível recorrer: reservas decapitais, de mão-de-obra, de poder aquisitivo. Na mesma medida de utilizaçãode tais reservas, no entanto, aumenta a "vulnerabilidade do sistema em cresci-mento" (Henri Guitton), pois diminuem as margens das reservas. O desenvol-vimento perde alguma coisa de sua elasticidade, de sua capacidade de adaptação.Durante a fase "acumulativa" da depressão, a célebre "higienizaçâo" - ouseja, a redução progressiva dos estoques, o desaparecimento das empresas maisfracas, o esforço de produtividade empreendido para lutar contra a baixa dopreço de venda pela redução do preço de revenda ete... - permitirá que sereconstituam as reservas dos fatores de produção; o sistema econômico torna-seprogressivamente mais elástico e mais disponível para novos esforços.

~ o fenômeno das disparidades econômicas (das "contradições", segundoos marxistas) que explica as reviravoltas dos processos acumulativos num sentidoou no outro. O crescimento ou a redução da atividade econômica no quadrodo cicIo não se equiparam a uma corrente homogênea, em bloco, correndo comuma velocidade uniformemente igual, em seu interior. Os rios, eles próprios,tl~recem-nos a imagem das disparidades: a sua velocidade é maior na super-fine do que em profundidade, é maior no meio da corrente do que nas margens.Formam-se redemoinhos e contracorrentes, e, no entanto, o conjunto das massasdus águas segue a sua direção. O mesmo passa-se com os diversos processosc't"Ollômicos: ao mesmo tempo, interdependentes e autônomos, eles não progridem

10m a mesma velocidade. ~ o que se verifica quanto aos preços (pregos agrí-rolas, preços industriais, preços por atacado, preços de varejo, preços de revenda,preços de venda); observa-se o mesmo quanto aos diversos tipos de renda(rendas, benefícios, salários); quanto às taxas de juros (taxas de mercado mone-tário, taxas do mercado financeiro). .. Há diversos ritmos de tempo no tempoeconômico dcIico. Daí decorrem defasagens 110 tempo que poderão traduzir-se

rOf• desacordos, ,por ~ontradições entre os diversos co~ponentes .do ~ovimento.)ecorrcm também dai defasagens nas ordem. de magmtude, na intensidade e na

amplidão dos fenômenos econômicos, que, no fim, poderão chegar a resultadosidl!nticos. O resultado consiste no aparecimento de elementos que freiam (no1'11I0 dos processos de expansão), nas zonas onde surgem os célebres "pontos deestrangulamento"; penúria de matérias-primas, de recursos monetários interiores,de divisas pam comércio exterior, de mão-de-obra etc ...

11no nível das opções mtr« ns dispariJ'ldus fllfldammlais que se dividemIt~ teorias da! crisese do ciclo. "As teorias S~() tão numerosas quanto As dispa-

rlcJ.det" (Henri 9uittun), Algum •• teoriA' atribuem .IUgllf privileaiAdo li di.p•.I!

j.:,:~.:~~ ..",_.._ ...

24 HISTÓRIA: NOVAS ABORDAGENS

ridades monetárias: ao <Juro, às notas de bancos, ao crédito bancário, aos diversospreços do dinheiro (taxa de juros). Todos. esse.sfatores_foram, s~c~ssivamente,estudados. Outras teorias oonsiderarn as disparidades nao monetenas como asmais particularmente responsáveis pelas crises: estruturas das rendas, estruturados preços, estrutura dos investimentos: "o tipo mais profundo e inevitável dedisparidade" - diz Henri Guitton. Que coincide, pelo menos nesse ponto -o ponto do papel fundamental que r.epresentaa distribuiç~? do capital ent~eos grandes setores, com os desenvolvimentos de Marx... Em face da re~ü-dade, escreve o mesmo autor, não se pode escolher de uma forma exclusivatal ou qual explicação. A moeda, os preços, os investimentos, cada um d~ssesfatores representa o seu papel: as suas influências conjugam-;e. num ambientetjlle facilita mais ou menos a sua ação.... os fatores. monetários ~ os, f~t05~~seconômicos unem-se na realidade para motivar e explicar a evolução cíclica .

Não seria de bom alvitre ignorar Marx. É verdade que uma parte não negli-gcnciável da problemática marxista das crisesfoi desmentida pelos próprios fatos:essa parte era a apocalíptica, que .c?nsistia em afirmar. ~ue o, apr~funda.mentoc o agravamento das crises conduzlr~am, de forma lll?v!tavel, a maior cnse docapitalismo, isto é, ao seu desapareC1l~~~to.~ ne~essanoobservar, no entanto,<Iue,se Marx não emprega a palavra disparidade", o seu pe~samer:toocup~-serom a análise das disparidadesdo capitalismo. Não faltava acurdad: a sua vI~a?Ele coloca-se entre os partidários das crises endógenas, de base.nao monet~na.Embora utilizando o formalismo matemático, ele o faz com sentido de medida,lançando mão, sucessivamente,do modo racional e do modo experimental deanálise. Marx, portanto, recorre a vários registros metodológicos, te.mum descor-tlnio particularmente am~lo (não lhe esc~p~n:'po: exemplo, os feno~enos mone-tários) e possui um sentido agudo da dl~l:tIca (mte~a~oes) dos fenomenos eco-nômiros . Ele possuía, portanto, as condições necessanaspara fa~er u~a expo-sição substancial das crises. Não redigiu, no entanto, de forma slstemat1~a,essarxpllsição e nem elaborou um "corrus" sobre .ascri.:'es- o que ~e explica, empalte, pelo fato de que o manuscrito do Capttal nao estava terminado no mo-monto de sua morte. Marx tem sido, assim, invocado por um e por outro lado,lima vez que os seus trabalhos estão cheios de ele~entos sobre o estudo dascrises, elementos distintos e que não foram reconciliados uns com os outros.FlIi possível aos partidários da tese do subconst~mo ,enco.nt;:a.rargumentosem suaobra na origem das crises, assim como o foi a~s partldano~ ;d~ tese da.wpt'r/,rodll(ão. Essasteses dividiam os p:óprios. :narxlstas. A pnme~ra delasatribui ênfase à limitação da procura efetiva (rigidez da massa salarial res~l.tante da exploração econômica.dos assalariados). A segunda encontra a~maiorcausa da crise na existência de uma propensão à superprodução, propensao essaque reflete a luta entre produtores que .se opõem à.tendência de baixa da taxade lucros, procurando ganhar nas quantidades vendidas o ~lle perdem por U?I-dadc: de onde decorre a hipertrofia do aparelho de produçao e decorre também1\ superabundânciade mercadorias.

Qualquer que sejam as teorias, com seus acordo~, e ~uas.dive~,gl:nci:s, épreciso dizer 'lU!: da~ iluminnm O caminho da pesquisa histórica. Elus nao ;I

--~_.- ----_.~.~~--"'-- -_...:....~-_.....

A ECONOMIA: AS CRISES ECONôMICAS 25

substituem, no entanto. Seria, acaso, possível definir uma problemática dascrises- das crises da economia capitalista contemporânea - que fosse proprie-àade exclusiva dos historiadores? Seriam os trabalhos dos historiados capazesdetrazer à economia política das crises, por um lado, novos materiais, "fatos"elaborados, ou seja, descritos, classificados, explicados em suas ligações aparen-tes; por outro lado, poderiam essestrabalhos levar à reconsideraçãocrítica dos..esquemasabstratos" de que se revestem, em geral, as teorias das crises?

O historiador das crisesanalisa elementosconcretos: magnitudes econômicas,elementosdemográficos, e forças que dirigem a economia (empresase "grupos").Esseselementos, no entanto, são cuidadosamentedatados no tempo, e situados noespaço ("econômico, social e demográfíco"). São elementos comparados entre sic estudadosem suas possíveis interações. São, talvez sobretudo, elementos queforam relacionados com o conjunto do ambiente econômico, social e políticoem que ocorreram. As crises nunca foram apenas "econômicas". Elas sempreadquiriram as suas cores específicas e originais, em função também do climasocial e dos acontecimentospolíticos que as acompanharam,ou seja, que foraminfluenciados por elas e que as puderam influenciar.

Numa tese recente,Les charbonnages d« N'()'1"dde Ia France au XIX- siêcle»,Marcel Gilet observa, por exemplo, que as flutuações curtas da produção carbo-nifcra decorreram tanto das greves, desde 1880, quanto da conjuntura econômica.J1 comum entre os historiadores a opinião de que, às vezes,os índices da atividadeeconômica beneficiam-se quando são consideradossocialmente e, portanto, escla-recidos. Sem isso, atribui-se à conjuntura o que nem sempre lhe pertence. Nosentido inverso é legítimo ao historiador, como próprio de sua problemática,estudar a crise através de suas repercussõessociais, sobre o preço dos produtos,sobre () emprego. É igualmente legítimo ao historiador procurar saber se asrepercussõessociais da crise influenciaram, em determinado momento, a evoluçãodos conflitos políticos. É exatamente esse o alvo que ]acques Néré procurountingir em sua tese La crise industrielle de 1882 et le mouuement boalangistet :"li boulnngismo foi a expressãode um movimento popular sério e profundos".I( esse movimento encontra a sua origem na duração de uma crise caracterizada'io"hrcludo por um grave desempregototal e parcial.

r. fácil estabelecerum programa de intenções. O historiador sabe, no en-tunto, (Iue não escaparáà dependência da quantidade e da qualidade de suasfontes. Se os trabalhos dos historiadores da economia parecem, a eles próprios,insnlisfntórios, se os estudosque consagraramàs criseseconômicas(francesas) do~~ruLoXIX podem ser consideradosmuito incompletos pelos economistas,não re-.Ullllisso apenas de indigência teórica congênita dos historiadores (indigência'lua é Iraqucza ), mas também resulta do fato' de que lhes é difícil dar resposta a'11J('~lõe~1rujos elementos de solução não foram encontrados no único material dahl~tórill rom t]ut" o historiador lida sem intermediário: os arquivos, as fontes. Uma,.rllllllc parte da metodologia do historiador quanto às crises econômicasconsiste.In Identificur a documentaçãoprimária e scmi-claborada de quc dispõe, e esta-holcrcr (jUC questões são pertinentes n tal e n qual documentação, Ao mesmo''''''Im, 110entanto, ele só poc!t·táestnbelcrer essasquestões,se possuir um ronhe-rlmentn aufirientc dos clementes dns teori1l9 dn~ crises, por mlli~ c9lrllnhll~ 'luC!lhu !,""Am "Iucrcr .hli! tcurillll. Um resumo, ~·I'rcd.()prucurllr •• dilpllrldl&d,.,

2G HISTÓRIA: NOVAS ABORDAGENS

mas sabendo quais as disparidades que são mais importantes, mesmo se hesita,de maneira muito legítima, a decretar, logo de início, que tais disparidades emlugar de outras parecem-lhe dominantes, fundamentais. É nisso, precisamente,que o seu trabalho é original. Há uma margem de variação no decorrer de suapesquisa. A teoria não poderia fornecer-lhe, desde o começo de seu trabalho,as conclusões generalizadoras às quais tenderá a chegar no fim, se ele não desejasomente ser o fotógrafo conhecedor de uma crise. No mínimo, caber-lhe-á com-parar as crises umas com as outras, sublinhar os aspectos comuns, maiores, domi-nantes, explicativos, e os traços específicos que distinguem historicamente cadacrise.

e oportuno relermos o que os historiadores franceses disseram recentementesobre as crises do século XIX no nível das pesquisas que realizaram. li preciso

relcmbrar aquilo que, de forma muito natural, ocupou o centro dos seus dife-rentes trabalhos: a passagem da crise do tipo antigo à crise contemporânea, oaparecimento de novas estruturas no coração das estruturas econômicas antigas,c, portanto, a transição de um certo tipo a um outro tipo de disparidades funda-mentais. Isso significa procurar os caminhos do declínio dos mecanismos daantiga crise agrícola nos três primeiros quartos do século XIX, e os da extensãode elementos novos das crises "industriais", com as suas séries de abalos "comer-

ciais", de pânicos de Bolsa e suas corridas aos bancos, e, em última análise,

dominando tudo por motivo de suas causas profundas e de suas repercussõessociais, a paralisia ou a anemia das forças produtivas da indústria propriamentedita.

O traço geral das crises econornicas franceses até os anos de 1870 consiste,precisamente, no fato de que são crises "mistas", como não poderiam deixarde ser, ou seja, que nelas se misturam aspectos antigos e aspectos novos dasrrises, em virtude do lugar que a agricultura continua a ocupar nas estruturasdemogrâficas e econômicas. Daí decorrem as diferenças de apreciação dos histo-rindorcs que, na maior parte dos casos, segundo a inclinação principal de seust rabnlhos, tenderam a colocar em posição privilegiada em suas pesquisas - e,portanto, a proclamar como dominantes - sejam os mecanismos tradicionais,scjarn os elementos novos das crises. li natural que a dificuldade consista emponderar as influências respectivas, e em destrinchar o grau de autonomia aomesmo tempo que as relações, no coração das crises mistas do século XIX, doselementos antigos e dos elementos novos da crise. Os antecedentes ágrícolas dacrise industrial não desapareceram, é certo; observa-se a sua presença efetivaaté a década de 1860. Georges Dupeux demonstrou isso, no que se refere aoLoir-ct-Cher", em particular no momento da crise de 1866-1867, crise que foiarompanhada deste traço característico dos tempos antigos: a elevação do preçodos cereais. Em pleno segundo império, em 1855, nesse departamento, o preçodo trigo candial atingiu o seu mais forte desvio cíclico anual. Naquele depar-tamento? Na verdade, como o indica claramente um dos gráficos do autor< p. 183), os preços em Loir-et-Cher flutuam, com pouca diferença, nas mesmasdatas c nas mesmas extensões do que o preço do trigo candial no mercado dopais. Disso provém o interesse da conclusão que o autor adianta, ao menos a títu-lo de "hipótcsc'v": "As crises de subsistência do tipo antigo (tipo século XVIII)nlo se produzem mllis depois de 186711". O fato, no entanto, de llue se tenham

A ECONOMIA: AS CRISES ECONôMICAS 27

registrado até aquela data mostra bem a morosidade da evolução estrutural da

econo~ia, e, .po~,anto, a morosidade d~s modificaçõ~s de equilíbr~o no interiordas crises mistas . Em seus desenvolvimentos ulteriores quanto a evolução daprodução de cereais, o que era hipótese torna-se certeza: através de flutuaçõescurt~s, que ating.em proporções muito grandes ainda nos anos de 1900, a pro-duçao total duplica, de 1850 a 1913. A partir da década de 1870 não se podemais verificar "crise de subsistência": "O problema principal não é mais asse-gurar a subsistência dos consumidores, mas de escoar, nas melhores condições.possí:,eis, uma produção sempre crescente" 12 - André Armengaud chega aIdênticas conclusões no quadro geográfico do Este aquitâneo, e no que se refereao período de 1845 a 187113

• As "variações brutais" dos preços agrícolas sãoum "fator essencial" (p. 169) da conjuntura até à crise econômica de 1857-1858.. De~?is disso, tais oscilações atenuam-se. Em particular, enguiça o "antigomecanismo (p. 303) segundo o qual aumentavam proporcionalmente mais,nas "crises de subsistência", os preços dos produtos menos considerados _corno, por ,~xemplo, .0 milho em relação ao trigo - porque o consumo populardesviava-se automaticamente para os produtos mais baratos". Da mesma formadiminui, a partir da década de 1860, e parece desaparecer na década de 1870'"a antiga dependência dos fenômenos demográficos com relação às crises agrí-colas, dos preços de subsistência" (p. 307). A taxa de natalidade torna-se cadavex menos visivelmente r~lacionada com os preços dos cereais. Na Aquitânia,110 e~tanto, corno em Loir-et-Cher, e como em outras regiões não é sempre arnrcstra dos 'produtos que acompanha e explica a crise agrícola; a crise podennsrcr tambem, como no caso dos anos de 1848 a 1850, da queda dos preçosIIwkolas. Será que isso indica uma nova espécie de crise, espécie que anuncia(1I111r,.ls e permanentes abundâncias? No passado, no entanto, as épocas de boasrolhcitas se~pre se a~ternaram com a queda dos produtos agrícolas, e os preçosHC'lllprc seguiram sentidos opostos. Tudo depende, na realidade, da posição dolIJ.(rt<llltor (em que medida é ele o vendedor?) - e, por conseguinte, das estru-Illra~; da exploração, e da parte da produção disponível ao mercado. Permanece,110 ('nlan[o, o fato da importância que muito tempo manteve a evolução dasr('(cilas agrícolas para a conjuntura da indústria, da indústria ligeira em todo• II~O, a l1ue vende os produtos de consumo. A ligação entre a conjuntura agrí-mlll. c: a conjuntura industrial parece clara à André Armengaud, no que se refere,\ ms(' de 1844 a 1847; mas parece muito menos evidente nos anos de 1854 aovrri!o de IH'i7, durante os quais coexistem a carestia dos cereais e a "viva atividadeItulu.sl.rial" (p. 193).: ~ ind~stria começa então a escapar à sua "dependênciaIr",llnO/lal com relação a conjuntura agrícola" (p. 194).

Assim. a importância dos antecedentes agrícolas como fator das crises foil,roAI'('.~sivanl('nte reduzida e substituída pelos fenômenos ligados às modalidades

r"rtit ulurcs <.10.crescir:\Cnto l;anc:á~io-industri~I. Num enorme quadro regional• 11 Duuphiné .. -, Pierrc Léon situa na cnsc chamada, por comodidade "de

1••.eH", "u separa~·ã()entre o fator alimentar e o fator comercial e bancári~"H eIIluC'rvil, " partir disso. não apenas nmn crise, mas dnns crises paralelas _.._. a.antl~n (' 11 nova -- unirem os seus dei tos, observando entre elas certas dcfa-".l'/l11 rron()16~iras. t! posslvel que, nesses exemplos, estejamos frente a duasY.rIA~'l'It·111'C'~i(lnlli~ de um prq("C's~o()idélntico: em Loir-ct-Chcr c nu Â(JllildnÍlIurle,"IIII, IUJolllrt'M~IIHlc dominu 11 "WÍrUllUfIl, 11 nise do tipo IIllli}!o npllrt:C'e rum

28 HISTóRIA: NOVAS· ABORDAGENS

traços relevantes até tempos adentrados no segundo império. No Dauphiné,onde os bancos e a indústria têm uma outra envergadura, 00 aspecto dominantedos novos mecanismosde crise aparece mais cedo. Nos dois casos,no entanto,verifica-se o mesmo fenômeno no que se refere às crises: elas mudam de natu-reza, mudando de estrutura.

Sabe-seque, confundindo no vocabulário o que não era possível distinguirna realidade, os contemporâneos e os economistas dos dois primeiros terços doséculo XIX chamavam de crises "comerciais" o que os seus sucessores,a partirda década de 1870, chamarão de crises "econômicas", sendo claro que os meca-nismos bancários-industriais das flutuações já estavam então, fundamentalmente,desvendados. A partir do primeiro quarto do século XIX, a indústria começana França a adquirir o seu próprio ritmo, com a sua lógica própria. O mesmose passaquanto à circulação de capital no processo industrial. Os historiadoresregistraram, pesquisandoos arquivos, as novidades da nova crise: excedentesdeinvestimentos mal calculados, que a poupança não é bastante para alimentar;t'Oguiço das indústrias ligeiras e, depois, do setor de fabricação dos bens deprodução, submerso sob a massa de seus investimentos, de suas instalações, deseusempréstimos (enguiço esse que paralisa indústrias dependentesem númerocada vez maior; a parada da construção ferroviária conduz à letargia industrial);ritmo desordenado do mercado financeiro, que registra, através da alta dasrotações, com perspectiva de lucro e da especulaçãocom a alta; mecanismospeculiares aos craques da Bolsa, cujas baixas aceleradasdecorrem Iogicamentedas "vertigens da alta" (F. Simiand), e que se prolongam em abalos bancários.

Diferenças significativas separam nesse ponto os historiadores. Para Ber-trund Gille''', mesmo antes de 1848, as crises do trigo candial não desem-penham mais papel motor, e a disparidade que é essencialmenteresponsávelpelas(riscs é o "excessode investirnentos'v'", que traz como conseqüênciauma penúriarelativa dos "capitais em circulação"?", e, portanto, dos fundos de reserva dasfi 1'111as. "São os investimentos em cadeiaque vão provocar o excessoe a ruptura doC'ljuilíbrio"". A crise ocorre quando "cessamos investimentos"?", e essainterrup-~ii() é inevitável: "Os investimentos cessamporque não severifica mais acumulaçãodo rupital, e porque não há mais disponibilidades; cessamporque o fato de'Iue se torna escassoo dinheiro em circulação faz subir as taxas de juros; porquedeterminados negócios revelaram-se maus ou especulativos=". Bertrand Gillenão acredita que se verifique nessascondições muitos laços entre dificuldadesindustriais e conjuntura agrícola e, no curso de seu estudo conjuntural das crisesde lHIH a 1847, não deixa de bater na mesmatecla em ocasiõesdiferentes. Seráque, antes de 1848, as circunstânciasjá se haviam modificado tanto - até 'essegrnu de autonomia dos novos mecanismos de crise - ao menos no que dizrespeito âs indústrias leves de bens de consumo? Será que o autor não forçoualgumas vezes os traços de seu próprio modelo? Será que a concepçãodas crises"mistas" deverá ser substituída por uma opinião, de certa forma, precocementemodernista, dos acontecimentoseconômicos? Três anos antes que aparecessealese de Bcrtrand Gillc, Erncst Labrousse,em prefácio a uma coletânea de dozeestudos regionais de historiadores sobre a crise e a depressãona França, de 1840n 1 H"i 1~I, havia escrito com simplicidade: "Aprccinr-sc-á a medida em (llIC aspresentes pesquisas sobre us convulsõesde uma economia já intcrmcdiárin revelam

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ou não a ligação entre a crise dos cereaise a crise têxtilZ2", De fato, no modelolabroussiano é, em primeiro lugar, a crise industri,tl do. tipo antigo que está emcausa,a crise de uma estrutura industrial em que dominam os têxteis, e não, ametalurgia. Nessas condições, será que seria metodologicamente errado estabe-lecer uma distinção nítida nos aspectos industriais das crises "mistas" interme-diárias, da primeira metade do século XIX na França, o que determina a evo-lução conjuntural da "seção I" e .o que a determina na "seção 11", para usarmosaqui o vocabulário de Marx? Será que com isso não conseguiríamos, se nãosuprimir, pelo menos atenuar as divergências de interpretação? As páginas queMaurice Lévy-Leboyerconsagrou em sua tese= às "crises do têxtil" de 1833 a1843 autorizariam um tal método, embora o autor não tenha fixado muito bema sua posição quanto às divergências de interpretação que acabamosde ventilar.A bem ler a sua tese, parece que seria difícil, para compreender a conjunturatêxtil, não levar em conta o "mercado dos cereais-=" - e um mercado quenão é apenas nacional: é a essetema que consagra, aliás, as primeiras páginasde seu estudo. Se, de 1832 a 1836, "a atividade dos negócios repousa em basesólida "é porque" a Europa se beneficia de colheitas abundantes"; enquantot!ue a alta dos preços de cereaisna Europa a partir de 1836 até 1840, "é sinalde uma situação malsã na agricultura, e prenuncia uma crise industrial=", Aprosperidade têxtil destruiu, ela própria, alguns de seus pontos de apoio: a altados preços das matérias-primas e a dos produtos fabricados conduziram a "ex-ccssos-?": o consumidor não pôde acompanhar a alta; e o consumidor cam-ponês,por motivos que os historiadores conhecembem, desde as análisesclássicasde Ernest Labrousse, só excepcionalmente se beneficia com a alta dos cereais.O próprio fabricante de tecidos não pôde acompanhar a alta, porque esgota osseus fundos na constituição de estoquesespeculativos. O autor encontrou nova-mente, portanto, a ligação labroussianano que se refere ao setor industrial têxtil,uindn essencial naquela época, na França. Em outras páginas, ele mostra, noentanto, que o investimento - ferroviário, metalúrgico - desempenhavaumpapel de importância maior no ciclo das indústrias pesadas. Pareceque o pensa-mento de Maurice Lévy-Leboyer segue o caminho da concepção "mista" dascrises da primeira metade do século XIX, e de uma certa separação, para aromprccnsâo dos aspectosindustriais das crises daquela época, entre mecanismosuntigos, que ainda se verificavam no nível das indústrias ligeiras, e mecanismosnovos, intervindo poderosamente na conjuntura das indústrias pesadas.

Será possível encontrar a mesma distinção 20 anos mais tarde? Em sualese sobre a indústria de tecidos no segundo império", Claude Fohlen não omrcdita . Na década de 1860, e particularmente entre 67 e 68, a colheita pobreele trip;o "contribuiu para acentuar o clima de intranqüilidade" (p. 409) naindústria cotonífera, sem, no entanto, constituir a única causa de tal intranqüi-lidadc. Se, quanto a 1861, os observadoresainda acentuam a ligação entre anlta do trigo c as dificuldades "de venda dos tecidos, o mesmo não se passaclc(1oisdesse ano. A crise têxtil adqui re uma certa autonomia com relação àronjunturn ngrírole . Entre 1H<l7 e 1H68 registra-se, grosso modo (p. 408),.mincidencia entre ri crise industrial c a crise dos alimentos, tendo a segundac'crtnmt'nte influenrindo n primeira, uma vez gue "o poder elerompra dos ronsu-mldores (oi limitado pcln rnrcstin dn vida", A crise têxtil, no cntunto, derln-rou-.c c e~prnj()lI~se, segundo nien\ni~m()s pr6prios, ()~ dn dupla "superprodução"

30 HISTÓRIA: NOVAS ABORDAGENS

do algodão bruto e dos produtos fabricados, nos dias que se seguiram ao términoda guerra de secessão.

Seria possível seguir, portanto, com bastantenitidez, pela comparaçãoentreas crises têxteis da década de 1830 e as da década de 1860, a evolução estru-tural fundamental da economia. A passagem das crises econômicas "mistas"às crises propriamente contemporâneas, durante aquele período, parece de-monstrada.

Não se registram mais, a partir da décadade 1870, as crises do tipo antigo,não seria possível que se registrassem. E definitivo o desaparecimentodos velhosmecanismos de ligação entre preços agrícolas e crises têxteis. As penúrias ali-mentares cedem lugar às "superproduções" relativas. Aí encontra-se o primeiroIndico fundamental das mudanças estruturais. A partir dessa época, nas crises,os preçosdos produtos agrícolas também diminuirão, como os preços dos produtosindustriais. Em seus cálculos a respeito do movimento cíclico dos preços dotrigo candial em Loir-et-Cher, Georges Dupeux mostrou que a amplitude médiadesse movimento cai 50% entre 1873 e 1895, e "diminui ainda mais" de 1869a 1913~g. "A partir de 1873, a estabilidade relativa dos preços anuncia o ingressonum novo mundo econômico". O fato novo da baixa dos preços agrícolas,durante a crise e a depressão(novo por seu caráter geral, sua regularidade, seuaspecto maciço), foi estudado minuciosamente por JacquesNéré, com relação,\ década de 188020

, em numerosas regiões francesas,mediante os exemplos dopão, da carne, das batatas,que o levam a observarentre 1880 e 1890 "uma certabaixn do conjunto do custo de vida"?". Conhecem-se,além disso, os movimentosgerais dos preços agrícolas que serviram para reconstituir o célebre índice dosprc~'(ls..ror atacado de 45 artigos31", e tais movimentos conformam-se às novas(ondições da conjuntura agrícola. A partir do fim da década de 1870, até omeio da década de 1890, a baixa dos preços agrícolas se sobrepõe às baixasrklicns, como se os dois mecanismosse alimentassemreciprocamente.

11 preciso, no entanto, observar um fato evidente: a conjuntura agrícola _ntrnvés da conjuntura das receitas agrícolas - não desaparecerá,pelo que foidito acima, da paisagem econômica. Ela desempenha um papel, de duraçãomédia antes do que curta, na conjuntura econômica. Se ela não é mais "um fatordccisivo c dominante no ciclo curto, parececonstituir um dos elementosessenciaisdc explicação da sucessãodas fases A e B no quadro de Kondratief': o estudomarrocconômico de Jean Marczewski sobre a evolução do "produto físico" daFrança no século XIX demonstrou, sem dúvida com razão, esse modo deinfluência"". Na perspectiva de Loir-et-Cher, Georges Dupeux havia verificado11 realidade dós movimentos de longo prazo nas diversas receitas agrícolas deIR~1 a 191333•

Um segundo índice das modificações estruturais a partir do último quartodo século XIX, a propósito do qual é preciso confessar guc o conhecimentohistórico só faz balbuciar, é a mudança radical das condições dos meios de paga-mento com relação nos períodos anteriores do século. Parece:ser possível afirmar

A ECONOMIA: AS CRISES ECONôMICAS 31

que terminaram então as penúrias monetárias antigas. O motivo é, naturalmente,a diversificação e o aumento da massa monetária. Mesmo se a massamonetáriana França conservauma espéciede rigidez metálica (o lugar que a moeda cor-rente ocupa nos pagamentos), ainda assim, nas vésperas de 191434, a difusãodo bilhete bancário e sobretudo a da moeda bancária, modificam substancial-mente as condiçõesmonetárias do desenvolvimento econômico; as redes bancárias,em particular, tomam uma rápida expansãoa partir da década de 1870. Não hámais "contração da moeda corrente", nem penúria de meios de pagamento.Isso não significa que o crescimento se faça sob o signo da abundância mone-tária: ainda não havia nascido a inflação do tipo do século XX. Os períodosde dinheiro caro (alta da taxa de redesconto e da taxa de juros) ocorrem nosciclos econômicos na própria véspera das crises, no momento do retorno deconjuntura, quando os períodos de expansão chegam a seu termo. Pode-se, noentanto, perguntar se as modificações quantitativas e qualitativas nos meios depagamento influenciaram decisivamente o ciclo. Não parece que isso tenhaacontecido. Certos banqueiros da primeira metade do século XIX - e maistarde ainda do que isso - como os Laffitte ou, sobretudo, os irmãos Pereirehaviam acreditado e dito que os progressos do sistema bancário, alimentandoos pagamentos e os créditos, alimentariam o crescimento e permitiriam evitaras surpresasdas crises ditas "comerciais". Os fatos encarregaram-sede desmen-tir, em parte, o seu otimismo. A promoção bancária e das formas modernas demoeda não suprimiram os ciclos. Esse progresso, ao contrário, alimentou novasdisparidades: aceleraçãoda fase expansiva pela expansão do crédito, e confir-mação da depressão pelo refluxo das operações bancárias. À ••contração demoeda corrente" que acompanhavaa antiga crise sucedeu, na nova crise, a con-tração dos créditos bancários.

O conhecimento histórico das crises econômicasfrancesas a partir da décadade 1870 é bem menor do que o conhecimento das décadasanteriores. Somentea crise dita "de 1882" foi objeto de pesquisas, mas de pesquisasparciais, e:.t'111 ordem; ou melhor, numa ordem fantasista: de uma parte, foram pesquisadosrertos aspectosbancários e de bolsa na origem da crise; de outra parte, foÍ pes-quisada, estudada a medida da depressãoda década de 1880, examinada regiãopor região, através do emprego, dos salários e dos preços de certos produtosIlwícolas:!r.. Gostaríamos de rever algumas questões de método suscitadasporessetipo dc pesquisas, sendo certo que, em particular, é necessáriofaz~~a pró-prin história das premícias da crise e de sua extensão, nos anos deCISIVOSde1RR1 a 1882: de uma parte em seu desenvolvimento no mercado nacional e, deoutra partc, em suas ligações com a conjuntura internacional.

I'l freqüente-que os craguesdá bolsa coincidam com o retorno de uma conjun-turn de expansão para a crise. li o caso do mais célebre de todos (outubro de11)29). O mesmo se paSSOLl,1/(/ França, em janeiro de 1882. Que o craque tenha.)do mais forte: em Lyon do gueem Paris explica-se por certos traços locais deromportnmcuto dos meios banrúrios e da bolsa de Lyon: esses meios perderamqualquer sentido de medida na especulação. Nem por isso deixou () rr:1t]ue deocorrer em todos os centros Iinânceiros dll provinda -:- e nos centros de Pllri.,

:-\2 HISTÓRIA: NOVAS ABORDAGENS

As flutuações das cotaçõesforam, pouco mais ou menos, sincrônicas, e não sepode dizer que a menor porção das responsabilidadespor essa sincronia caiba;IS notícias enviadas por telégrafo.

O estudo histórico de um craque deve ser acompanhado, parece, de doist ipos de questões: as primeiras, quanto aos elementos do craque; e as segundas,quanto às ligações entre o craque de bolsa e o retorno da fase de expansãopara;~de crise.

Há uma divisão na problemática histórica no que se refere aos elementosda crise da bolsa. Em primeiro lugar, a atenção do estudioso é chamada paraos elementos até certo ponto mecânico da crise da bolsa, ou seja, para ocaráter inevitável da tempestade da bolsa uma vez que a queda das cotaçõespareceuma sançãológica da alta louca que a precedeu. Negociar a três e quatromil francos uma ação cujo valor real pode ser avaliado em três ou quatro vezesl11en05é sinal de uma absoluta falta de medida, de contradições que não sãosuportáveis a nível de mercado financeiro. O que é característico da alta espe-culativa é que ela acentuaos elementos de seu término. Com a mesma aparên-cia de fenômenos mecânicosaparecea tensão do preço do dinheiro nos emprés-rimos de curto prazo que alimentam a especulação.Essa tensão, que se mostravamuito real desde a primavera de 1881, levou um economista a escrever, ema~osto: "O mercado francês encontra-se à mercê de um imprevisto'v". Os em-préstimos de curto prazo eram feitos em Paris com juros de 4 ou 5% no fimdo ano de 1880; com juros de 10 a 12% no outono de 1881. " Quanto mais seardera a especulação,mais se multiplicam os jogos e apostas de alta, mais sedevam as cotações,mais aumenta a procura de empréstimos de curto prazo _prorum (!lIC se endereçaa escritórios de negócios, escritórios essesque se criaramrum ;\ expansão, mas que também se endereça aos bancos, que, a partir dosilnos de I H'iO, sempre empregaram somasconsideráveisem empréstimos de curtoprazo IlO mercado de valores. Esse mercado desempenhao papel de um centro,'11Il/"1111"'Iue atrai as poupanças - que nem sempre são poupanças reais, umavez 'llI" parece que numerosasempresasde comércio e de indústria, pelo menosC'111I.yoll. colocaram em empréstimos de curto prazo os seus fundos de reserva.() I1wrrado financeiro, portanto, passa a desempenharum duplo papel de atra-«;110: pda emissão de títulos, que, para 1881, foram avaliados por Leon Say31

vm 7 hilhôcs, enorme soma; e pelos empréstimos de curto prazo, avaliados entreI bilhão e 500 milhões a 2 bilhões unicamente para o mercado de .Paris, novcríln de I HH l"B. Através dos sobressaltose dos espasmosanteriores ao próprio(fóH 111c _o. o mais grave dos quais se havia produzido em outubro de 1881, atin-~indo ao mesmo tempo a Bolsa e os bancosê?- o mercado financeiro dirige-se('Orno '11Iemecanicamentepara o seu desregramentoabsoluto: o mercado de Lyondestrói-se em janeiro de 1882, com a paralização das transaçõese as falênciasdo:. agentes de câmbio: enquanto o de Paris, nos mesmos dias, só conseguemanter as suas atividades graças a uma ajuda combinada do Banco de Françae dos grandes estabelecimentosde crédito.

Através dos mecanismos,no entanto, agem os homens, Cjueedizer as em-presas c os grupos que, ao mesmo tempo, sofrem os efeitos dos mecanismos

. rc·~ist-randoos nspc:clos ilógicos elo mercado -- e os utilizam no sentido queIhe:I convém: A pcsquisn histórica descobreentão c explica pela reação1\ conjun-

ir .-

A ECONOMIA: AS CRISES ECONOMICAS 33

tura de grupos com um grande poder de influência, o papel decisivo desempe-nhado em momentos que é possível precisar pelo comportamento de certas firmasno mercado financeiro. Tal comportamento vai influir diretamente sobre o re-torno da conjuntura da bolsa: os grandes bancos, que dominam a distribuiçãode créditos a curto prazo, decidem diminuir e, depois, estancar o fornecimentodos mesmos, o que acelera a tensão sobre os preços de tais empréstimos e levanecessariamenteà queda da pirâmide especulativacuja desproporção era alimen-tada até aquele ponto pelas especulaçõeslucrativas dos beneficiários dos emprés-timos. A imprensa e as revistas podem então falar de "penúria fictícia" ou de"greve de capitais't-v. Os grandes bancos, em nome de sua própria segurança,retiram-se então do jogo da bolsa quando compreendem que ele se torna peri-I.!OW. OS bancos que não o compreenderam, ou que não puderam retirar-se,desaparecerão.

O comportamento dos grandes bancos, no entanto, vai mais longe do queisso, uma vez que, mesmo antes do craque, no fim do verão de 1881, entra emfuncionamento uma revisão de toda a sua política: eles reduzem a vontade defazer negócios; suspendem as grandes operações que estavam em período del;estação,em particular os negócios de criação de firmas, e de participações; ediminuem a oferta de seuscréditos de prazo curto e médio. Para empregar a suaprópria linguagem, eles "recolhem as velas" nas proximidades da tempestade,lima vez que a crise da bolsa, que prevêem, traduzir-se-à para eles na quedados preços das açõesque possuem. Isso será um dos elementos da queda de seuslucros, uma vez que se declara francamente a crise.

Passou-seassim alguma coisa com os grandes investidores, que preaptto«a crise - inevitável por outros motivos - da conjuntura especulativa. É possí-vel ao historiador fornecer provas disso, com a ajuda dos arquivos bancários.Desde agosto de 1881, o poderoso "sindicato de estabelecimentosde crédito"(ao qual pertenciam o Crédit Lyonnais, a Société Générale, o Banco de Parise d05 Países Baixos, o Crédit Foncier), que fora criado dez anos antes pararompetir com os grandes bancos nos negócios de envergadura, tanto públicos. orno privados, decide "abster-se de todo e qualquer novo negócio", segundo a«xprcssãodo diretor-geral do Crédit Lyonnais--. "É o que pensam também osoutro" grandes estabelecimentosde nosso grupo". Qual o motivo? Porque omomento atual "impõe-nos essapolítica". O momento atual, ou seja, a dispa-Lida do mercado financeiro e os perigos previsíveis que ela implica.

11 aí que, para o historiador, os mecanismoseconômicos adquirem sentidoc' adquirem vida. O caminho para a crise não lhe parece mais como apenascegoc' inevitável. Intervêm forças conscientes de decisão e de influência, que, noronlcxtn de uma conjuntura que elas próprias armaram no seu começo, agemou passama agir contra a corrente, iniciando assim o momento de término. Emrt'Nli 111o. os investimentos bancários vão sofrer um refluxo, por motivo do com-portnmcnto defensivo dos bancos; e esserefluxo, que será acelerado quando sedeclnrnr r. crise; irá precipitar toda a conjuntura econômica no sentido da des-('ida, SiLlI si~nifirativ(}s, desseponto de vista, os esforços que o Cr('di,t Lyonnais(A~I desde meados de outubro .dc 1RR1. para aumentar a sua liquide», Com 11

NlIIl nlcllI,a.nnlcrtadn pela rorridn em Marselha. rorridu ('~Nn(I"!' lhe n1s1011umnJlllrtc importunte de srll~ d('I,6~lJns ~ visíu, I) Crédil .I,yollllni~ [rciu brutalmente

"

34 HISTÓRIA: NOVAS ABORDAGENS

a expansão de seus créditos às empresas, reduzindo o volume dos créditos, eaumentando os seuspreços.

Os laços entre os sintomas do craque da Bolsa e a conjuntura economica,c,.~epois, e~tre a cris~.da bolsa e a crise econômica, foram abordados,é precisodizê-lo, muito superficialrnenre pelos estudos históricos em causa.

Não seestabeleceuainda a cronologia (e seria necessáriofazê-Ia, pelo menos,numa base mensal'y da evolução dos índices da conjuntura em 1881, antes docraque da Bolsa. Os elementos de informação reunidos ou são muito globais ousão n~uito parci~is'. Isso não significa que a pesquisa seja impossível. É umapes(ll1lS~que esta ainda por fazer. As taxas de redesconto do Banco de Françapassa de 3,5% (14 de outubro de 1880) a 4%, em 25 de agosto de 1881, a 5%em 20 de outubro; torna-se mais caro o dinheiro para todas as operações dolIlerc.ado monetário. Esses movimentos, no entanto, não fazem mais do queseguI!"as taxas do Banco da Inglaterra. É possível que isso tenha decorrido dode~eqllilíbrio de pagamentos na época entre os Estados Unidos e a Europao~ll.lcntal. Qual o comportamento dos preços? Em prazo médio, os preços indus-IfI.'"S P~)I: atacado caem.a partir de 1874, os preços por atacado de produtosall'ne(~tlcIOScaem a p~rtlf de 187742• Para as duas categorias, em prazo curto,I!-lH l e um ano de batxeIde preços com relação aos dois anos anteriores, e essabaixa, (llle se inicia então, prolongar-se-á até 1887, durante longos anos de crise-dcpressão. Na escalaexclusiva das indústrias de Lyon, os preços industriais enfra-(Juecen~-scparticularmente (metalurgia, material ferroviário, produtos químicos)11 parI11·do ter~elro trimestre de 1881, e no quarto trimestre. Os preços dassedascaem rapidamente desde 1869. Não há indicação quanto aos preços dosprodutos de seda.

Registra-se,portanto, uma certa simultaneidade, a curto prazo, entre diversosIlIdirt"s: no segundo semestrede 1881, antes de qualquer crise aguda da bolsa,numrutum os "preços do dinheiro", instala-se o declínio de certos preços del11I'r,adllrl:ls e estabelece-seuma estratégia de deflação entre os grandes investi-dore:; e emp rcstadores.

Qunl, no entanto, era a condição do emprego, das produções, das cifrasdI· (H·j.(órios,dos investimentos? Pouco se sabe a respeito. .. é preciso levar em((111101'11Iese trata de índices conjunturais, muito menos elásticos, muito maisr1#(id.••s do (11Ieos precedentes. Não parece que os índices da atividade industrialIl'IIh:1I11SIdo fortemente atingidos antes de 1883: a tese de JacquesNéré o de-monstra,de (~aneira suficiente. No que se refere à metalurgia, às minas e aSl'IIS"principais clientes", o "máximo de atividade-s" verifica-se na maioria dosrusns no meio do ano de 1883. Se é verdade que o tráfego ferroviário das"estradas de ferro públicas" sobe muito lentamente de 1882 a 1883 a sua~)aix:ln.ãose registra ,antesde 188414• No Loir-et-Cher o movimento do ;mpregoinduxtrinl alJn~.:ntaainda em 1,8~1 (e:?bora com muito menos força do querm .1HHO) c nao"entra em declínio a nao ser em 188245• As "despesaslíguidasele mvcstuncntos das estradas de ferro, segundo um estudo muito recente deJlI"ilIJ~'~i:;C~ron, elevam-se rapidamente e de forma quase regular, de 1872 a'HH.~ IIlrluslve4

/1 __ o ~:()~ uma ligeira interrupção em 1882, mas sem interrupçãonl~lln.la c(~. 1RR1. Enfim, todos os dados recolhidos no que se refere a Lyonc rC~liio vizinha (dados bancários, comerciais, industriais) mostram (]ue perrnu-

A ECONOMIA: AS CRISES ECONóMICAS

neceu em 1881 uma grande atividade econômica e que só muito depois do.craque,e, em alguns casos,não antes de 188341, o marasmo industrial conquistouos diferentes setores.

Tratar-se-ia, portanto, de conceber uma independência dos setores da pro-.dução relativamente à conjuntura da bolsa e conjuntura monetária, separar ocraque da Bolsa da crise industrial, e a circulaçãode capitais, oorn os seusexcessos"especulativos" da produção e da circulação de mercadorias? Isso seria, de umaparte, ceder às aparênciase tornar-se prisioneiro do caráter empírico e parcialde qualquer pesquisa histórica. Seria também condenar-se o estudioso a nãoprosseguir com a pesquisa, a não formular novas interrogações quanto às ligaçõesentre os diferentes elementos da situação econômica. Da mesma forma que atensão das taxas de juros no segundo semestrede 1881 reflete as contradiçõesem que começam a debater-se os mercados monetário e financeiro, é possívelconceber que o começo do declínio .de certos preços que se produz no mesmomomento é um sinal das primeiras dificuldades de venda de certos produtosno mercado. O historiador tem que se voltar então para a análise do mercado- o mercado de produtos do setor I e de produtos do setor lI.

Enquanto se aguarda que a pesquisa histórica seja reencetada a respeito.desseponto - ou seja, de que ela se dedique a um estudo completo da conjun-tura dos anos da década1870 - a obra sobre o Krach de l'union généraJetomouum outro caminho, que consistiu em examinar de perto, unicamente para a aglo-meração de Lyon, o movimento e a composição das falências de 1878 a 1889.No nível do movimento do número de falências em Lyon sucedem-se,à dimi-nuição das falências em 1879 (ano de "renovação") com relação a 1878, umaumento muito fraco dessenúmero em 1880, mas muito forte em 1881 (e em1882, certamente) com seu ponto mais alto em 188448• A observação mensaldo fenômeno torna evidente o ponto de partida das falências em 1881, especial-mente 110 segundo semestre,com dois impulsos sensíveisem julho e em dezembro.

Tendo em vista o que foi dito acima, essaobservaçãonão pode deixar indí-fcrente o analista. Registrar-se-iam dificuldades econômicasreais, antes do ct"(uj1/e"fi bolsa? Quem entra em falência, em 1881? Tanto indtlstriais como comer-cmntes, Mais precisamente, em 1881, as falências industriais conheceram umataxa de crescimento mais acentuada do que as falências comerciaisw, Essasúltimas são, sobretudo, falências de lojas e de negócios de alimentação - incluí-dos, é natural, os proprietários de cafés e de estabelecimentosde vinhos e lico-res. Em 1881, essetipo de falência cresceu de 63% com relação a 1880, en-quanto não se verificam aumentos no número de falências dos negócios de vesti-menta nesseano. Em 1882, o .aumento das falências dos negócios de alimentosser.i de 30% 'com relação a 1881, e a de negócios de vestuário de 44%. No(fUC se refere às falências industriais, todos os setores são atin~id~s pelo c~esci-rnento de seu nível: a construçãó, os produtos quími~os, os têxteis e de tintu-farias, os metais, o couro, as indústrias de luxo ... 00

Mas /NJ," (/"e motivo se registraram as falências de 1RR L - e especial-mente as do segundo semestre?Diminuição do poder de compra das camadaspopulares em vista da evolução cio merendo de emprego? Nada permite afirmA·10, nnturnlrncntc , Perdas cspcçulntivns nas curnadas 111étlil\~ tio comércio, dnsnt~~óri()S,dn indústri«, rum rdnçiio As primcin" lluc;t1I1St1tt Boba <luClevarem

35

36 HISTóRIA: NOVAS ABORDAGENS

à parali~ação dos ~undos de reservas e dos fundos de liquidez? Efeitos imediatosllu,': . teria pr~~uzldo em certas tesourarias de firmas a política restritiva doscrC(lItos, bancários ~ Em todo caso, o Crédit Lyonnais aplica rigorosamente umatal política a partir da segunda quinzena de outubro de 1881, como o assina-lamos mais acima.

rl imr:ossível diz~r o que, na deterioração das falências de Lyon a partirIk 1881, liga-se aos sintomas do craque, da política bancária, ou da situação do

consumo P?pul~r e do mercado de emprego. Bar mais insatisfatório que lhepar~'Ç~,o hlstonador. enco~tra esse obstáculo, o que não lhe impede de elaborara hipótese .ou a sentir a Impressão de que, dos quatro elementos invocados, osdOIS primeIros foram as causas determinantes.

En~ to~os os casos, mais adiante, no tempo, quer dizer, em 1882, as re-pcrcussoes imediatas do craque e a política restritiva dos bancos desempenharam

um papel de plen: import~cia no número de falências. Enquanto que maisadiante na depressao, a partir de 1883 é a "superprodução" industrial clássica

Illte de~envolve os seus efeitos sobre o emprego, os salários, o consumo, as cifrasde ncgocros e os lucros, e que mantém a um nível insólito até 1890 o númeroI f I

A • , ,

l C 'a cncias em Lyon.

A aparência das coisas conduz a verificar que a crise econômica da década'de ISBO, tanto em. escala ~acional como em escala lionesa, percorreu uma espéciede marcha r~gresslva, assim como a erosão que traz ° mesmo nome tão conhe-I ,d~) dos geograf_os. R.egr~sslva no sentido de que o setor de fabricação dosIl1CIW; de produção fOI atlOgido em último lugar, e que a sua atividade se~llal~len~ pelo menos até o ano de 1882, inclusive, enquanto o comércio, e asindústrin» de bens de consumo parecem ter sido atingidas em primeiro I O" •, I d ubar,c' enquanto, ao ruve os fenômenos que prendem a atenção do observador 5I ' . , o

I csr.t'}o(r:lmcntos monetanos e os do mercado de dinheiro apresentam uma ante-fI()l"Idade certa, pelo caráter dramático de seus efeitos.

Ohserva: no entanto, uma tal marcha regressiva é uma constatação, não élima ('xpl,caçao: FI~1a seus. escrúpulos e a seus hábitos - quer dizer, a seusH.H/·lodos o hlst?nador hesita em pes~uisar no nível das teorias explicátivas do~J((o, .a cc:mpreensao profunda dos fenomenos que ele encontra no curso de suaII1V~·SII}o(:I~·a().Vencen:-no o sentimento, talvez a certeza de que lhe escapamnllllt~)S elcmcn~os de lOformaç~o, para poder decidir quais são as "disparidades"dom,n:ln:cs. Ele recusa-se a mvocar as teorias para cobrir as lacunas de sua11I(orma(ao. porque lhe faltam elementos cujasdatas tenham sido estabelecidas«un precisão. e· "séries" comparadas entre si dos preços, do investimento e dos1~J('ro.~nos d,v~'rsos setores industriais; porque lhe falta uma ampliação geográ-(1('1\ do conhecimento d.os dl~ersos índices conjunturais; porque lhe faltam, entreoutras lacunas de sua mvestigação, conhecimentos sobre a influência de fenô-menos dos e~lnbios externos (preços, itens da balança de pagamentos, situaçãod~N ~'xp()rtaçocs ele ... ) na conjuntura interna. Trata-se de lima fraqueza congê-nitn, ou de lucidez metodológica?

A ECONOMIA: AS CRISES ECONôMICAS 37

Ê, finalmente, impossível para um historiador considerar como idênticas ascrises econômicas francesas em todo o decorrer do século XIX. Ê durante oterceiro quarto do século que se verifica a transição definitiva: as disparidadescaracterísticas do setor agrícola cedem para sempre o lugar às disparidades deorigem monetária, bancária e industrial. Desaparecem as últimas seqüelas dasubprodução agrícola. A evolução das modalidades em que se declaram e ostraços dominantes das crises acompanham necessariamente a das estruturas econô-micas fundamentais, a das relações entre o produto agrícola e o produto indus-trial. Os aspectos da bolsa e bancários assumem cada vez maior relevo. O desem-prego industrial sucede, de forma definitiva, às perturbações de subsistência comoíndice essencial e resultado social o mais grave da crise econômica.

Observa-se que foram as crises "mistas" dos anos de 1815 a 1860 e ahistória de suas transformações que, até aqui, mais retiveram a atenção dos histo-riadores. O estudo histórico completo de uma crise - quer dizer do ciclo emque se insere e que se esclarece - ainda está por fazer para o período quecomeça na década de 1870. Essa lacuna, ou esse atraso, é mais uma prova dodesconhecimento em que nos encontramos de muitas questões que se referemàs condições do crescimento francês a partir do último quartel do século XIX.Não é, portanto, fazer uma espécie de marcha-a-ré, no plano da problemáticahistórica, desejar que essa lacuna seja preenchida, no plano dos estudos deconjuntura. A análise da conjuntura sempre será útil, porque ela levará neces-sariamente a interrogações quanto às transformações estruturais.

A contribuição dos estudos históricos à problemática das crises foi, atéagora, portanto, mais do que simples correções. Tais estudos restituíram às criseso seu verdadeiro desenrolar, a sua efetiva evolução, as suas progressivas mudan-

~';lS de natureza. Esses estudos deram valor ao ângulo propriamente históricodos "fatos econômicos", mostrando a extensão e a complexidade da passagem

de um "regime" econômico a outro, de um a outro tipo de crise. Para o histo-riador, todo tipo de crise tem um "sentido", o sentido da economia e da socie-

dade nas quais se inserem esses acidentes necessários do crescimento.

NOT AS

I. Mnurlce Flnmnnt c [cannc Slngcr-Kércl, Crise ct réccssíons,P. li.F.• "Quc sais-]e?",nY 1205, 1068, p. 10.

2. Ibltl .• p, 6.

:1. iu«, p. 6.

38 HISTóRIA: NOVAS ABORDAGENS

4. Ver o manual "Thémis" de Maurice Nouveau, Histoire des faits économiquescontem-porains, P.U.F., 3' ed., 1970. Nessa obra de "história econômica" as páginas quese referem às flutuações e às crises, assim como as que se referem ao crescimentoeconômico francês, não contêm, quer em seus desenvolvimentos, quer em sua biblío-grafia, referência aos trabalhos de pesquisa publicados por historiadores economistasfrancesesnos últimos doze anos... É necessárioobservar que o mesmo não acontececom a obra de Jean Imbert, Histoire économique des origines à 1789 (mesma coleção),estando o autor, diferentemente de seu colega, ao par da bibliografia dos historia-dores para a época moderna.

5. Fluctuations et croissanceéconomique, p. 169,

ti. Paris, Mouton, 1973, p. 508.7. Sorbonne, 1958. Exemplar datilografado, Bibliotheque de Ia Faculté des Lettres,

X. iu«, p. 618.!l. Aspccts de l'histoire sociale et politique du Loir-et-Cher. 1848-1914,Mouton, 1961.

10. p. 188.

11. Idem.

12. p. 2Z7.1'3. Lcs populations de I'est aquitain .au début de l'époque contemporaine: recherchessur

Ime: région moins développée; vers 1845-vers 1871, Mouton, 1961.

14. Lu naissance de Ia grande mdustrie en Dauphiné, fin du XVIlle siecle-1869, t. Il,P.U.F., 1954, p. 79l.

15. la banque et le crédit en France de 1815 à 1848, P.U.F., 1959. Ler em particularos dois últimos capítulos, estritamente conjunturais.

lti. p. 373.

17. p. :174.

IH. tu«.IH. (I. :\7(i.

~().iu«.;!I A\I,,"·I.~ c/c Ia crise rt de Ia dépression de l'économie française au miiiieu du XIX'

.~i,\I'I,', HWi/ll51 (Société d'Histoire de Ia Révolution de 1848; Bibliothêque de Ia1I{'vollltion de 1848, t. XIX).

~~~~ Ihid,. p. v.

:l'I. lrs 11I1Il'l1l1'.\ I'urop,;enneset I'industrialisation intemationale dans Ia prmtiere moitiétlu XIX •• siccle, P.U.F., 1964. Ler as pp. 510-598 (cap. VIII).

24. p. !il!).

25. 11. !i'I!i.

:.!(i. JI. !i!)4.

27. l ündustríe t('xtile cn France au temps du Second Empire, Plon, 1956.

:.!li. Mesma obra, p. 188.

2!l. Mesma obrn, capo Il ,

'10. lbicl., p. 259.

'il. [enn Lhomme, "La crise ugricole en Frnncé fi Ia fin du XIXo siêcle", Revuc ~coni>-

mlque, Julho de 1970, Ver o gráfico na p. 531.

12. "Le prcxlult physlquc de Ia Frnnce de 1789 il 1913". in lntroducuon à l'hlstoire

quunlllullve, Genebra, Droz, 19(>5.

d-; , '{-' ê

A ECONOMIA: AS CRISES ECONôMICAS 39

33. Ver em particular as pagmas 288-289. Depois das altas da época de 1851 a 1871,as diversas rendas agrícolas atingem o seu teto em 1871-1885e depois recuam, até1902. Depois disso, recomeça a alta.

34. Ler Rondo Cameron, Banking in early stages of industrialization, Oxford, U. P .,1967.

35. Além da tese de [acques Néré, ver a obra de Jean Bouvier, Le krach de l'Union

générale (1878-1885), P.U.F., 1960; idem Le Crédit Lçonnais de 1863 à 1882,t. II, última parte.

36. Cucheval-Clarigny, "La situation Iinanciere", Revue des Deux Mondes, )9 de agostode 1881.

:17. Léon Say, "Les interventions du Trésor à Ia Bourse" (Annales de l'École deSciences Politiques, 1886).

38. Cucheval-Clarigny, art. citado.

:l\l. "Corrida" dos clientes às caixas do Crédit Lyonnais, em Marselha, em primeirolugar, e, depois, em todas as sedes; foi o maior alarme que sofreu essebanco emsua história depois da do verão de 1870, conseqüente essa última ao pânico daguerra.

·10. "Mouvement financier de Ia quinzaine" (Revue des Deux Mondes, 15 de outubrode 1881).

·11. Mazérat a Lehéricey (agência de Nova Iorque). Obra citada, p. 150.

42. [ean Lhomme, art. citado, Revuc Économique, julho de 1970, pp. 523-524. :e na-tural que todos os preços agrícolas não caminhem com a mesma velocidade. Emgeral, no entanto, é por volta dos anos de 1875 a 1881que começa a inclinação paraa baixa. Os preços dos cereais entraram nessa inclinação um pouco mais cedo,no início da década.

,1'\ Obra citada, p. 40.

·11 u.u., 1881: 10.753 milhões de toneladas-quilômetros.

1882: 10.836 ---1883: 11.065 ---1884: 10.478 ---

,I;' Dupeux, obra citada, p. 273.

,lIi. F. Caron, "Recherches sur le capital des voies de communication en France auXIX" siecle" (Colóquios de Lyon sobre a industrialização, outubro de 1970. Atasdo colóquio, em impressão).

-17. te kracli de l'Union générale, obra citada, capo VII: "Lyon et sa région du krachIi Ia dépression économique".

,lHo Cifras sucessivaspara 1878-1884: 176, 144, 148, 209 (1881), 279, 282, 394. Alémdossn época, e até o ano de 1889, inclusive, a' curva não descerá a menos de 300Iulências.

-1!1. Neste ponto. modificamos observações feitas no passado (p. 267 de Le krach del'Union. I:,:nhqle). observaçõesessasque foram um tanto apressadas. Em 1881, asfnli~lldns comerciaisnumcntnrum na proporção de 32% com relação a 1880; as Ia-1~lldns lndustrlnls, nu proporção de 42%,

r~1. 1-:111 (i:!·I fl\l(~l1dns Iruluxtrluls do 1!l7!J n IH!)O. Incluslve, cnntur-sn-ãn 2Q7 Cnll'nclRA

11I. lil'lor dI! l'ollHlrll,nO.

A.

economiar

Ultrapassagem e prospeciiva

PIERRE CHAUNU

No  ~IA(;() dc nossa disciplina tão velha - a histó.ria, palavra a~bígu: eI'l'I"igos:I, (lllaSCtão idosa quanto a vida do homem em oda?es, e que jus~a~oe,11111111;1\,':0 '()lljul1lo, tantos domínios cada vez mais heterogêneos-, a históriaC'I 1111('"li, ,I. t' UIlI campo ainda jovem. O historiador de ofício não sente essaJllvc'lIll1dcrelativa. São antes as dimensõesjá importantes da história dessaforma.It~ hislúria IILlC impressionam, em primeiro lugar. ~od,eI?ospr.ocur.aras suas11I1I.L:íll<llIa~;origens na décadade 1890. Nas grandes hl~to~lasn~cl.onals- nessa('I'0ra cru (IIIC as grandes naçõesda Europa foram mais lmpef1~hstase. d:v~ra-doras do 'lUc nunca - começa,timidamente, a afirmar-se um capítulo econorrnco.'/1 11m capítulo colocado no fim, sendo os quatro quintos do texto c?nsagradosao ES[;H!O, disputando a economia o resto com o pensamento, a SOCIedadee' alute.

C:iIC'I11()~o nosso Lavisse que nunca foi refeito. 11 claro qu.eessa i.n:lusãoII111idado dado econômico em bruto ou quase em bruto, essajustaposlçao deum nrontccirncnto econômico ao acontecimentopolítico indica o começo de umaIws'llIisa .iutônoma . Iirncst Labroussc', r~ccntcmcntc, rcmcmorava a qualidadedcm trabalhos de Ernilc Lcvasseur". No fim do século XIX, um pouco em toda

/,nrtc, quando aparecemas grandes coleçõe~de documentos, surgem as primeirasiistórins dos preços", (IUCsão :1jll"llõlS rolctâncas de dados brutos, 11a lnglutcrrn<lue nbre () caminho, com Rogcrs, St'mprc úlil·, Seguem n, Alemanha, com

A ECONOMIA: ULTRAPASSAGEM E PROSPECTIVA 41

\XTiebe",e a França, com o Visconde de Avenel", não se devendo esquecerZolla",Não devemostampouco esquecer,próximo de uma história econômicado Estado,Natalis de \'V'ally8 e J. J, Clarnageran". Essa arqueologia que se faz ao mesmotempo que a história econômica e que a história quantitativa, esse aparecimentodiscreto, no seio de uma produção histórica já muito abundante-v, de um apên-dice econômico, não pode surpreender. li um aparecimento que está ligado amudanças das sociedades industriais depois da revolução das estradas de ferro,que é incentivada pela emulação nacional e que é contemporânea do desenvol-vimento do pensamento econômico, na época de Pareto e dos marginalistas, econtemporânea também da tomada de consciência da importância econômica esocial da crise, tanto pela economia política liberal (Juglar), quanto por suacrítica marxista. Tudo isso estava latente a partir do meado do século XIX.Foi preciso esperar as duas últimas décadasdo século XIX, para que se consti-tuísse um primeiro esboço de um setor historiográfico econômico autônomo.A formação dessaprimeira massa crítica (e quanto era modesta!) de transfor-mação não foi obra do acaso. Entre os motivos, é evidente que representaumpapel relevante a grande depressão(1873-1874-1900-1905) na periodização deSimiand. Sabe-sea importância dessa longa redução dos preços agrícolas, emsociedadesem que o setor agrícola permanece, se não economicamente, social-mente o mais pesado; e em que uma parte da elite intelectual continua a viver(como no caso do Visconde de Avenel), ou a receberum complemento da rendaimobiliária, atingida, a longo prazo, pela redução tendencial das rendas agríco-Ias. Sabe-sea gravidade das tensões CJuemarcam a passagemda segunda paraa terceira etapa do desenvolvimento industrial, Essastransformações não influemou não agem diretamente, mecanicamente, no nível da criação intelectual.Há numerosos, diversos e diferentes mediadores, e lentos são os efeitos decontágio, numa época em que a densidade ou a rapidez dos circuitos de comu-nicaçâo ainda não adquiriu a eficácia que atingiu em nossassociedadespós-indus-rriais . Daí advém o caráter amplo dos estados de latência. A morosidade dofim do séculoXIX continua 'a pesar nos espíritos, enquanto, no nível das coisas,ela já cedeu lugar, há cinco, dez ou quinze anos, à agressividade crescente dommcço do século XX. Deve-se constatar que o movimento posto em marchapelo impulso da década de 1890, porque não foi alimentado, não chegou, antesda verdadeira revolução de 1929 e da década de 1930, a retirar a história eco-nômica de sua indeterrninação.

A história, ciência humana que faz a federação de nosso tempo, nasceu,entre 1929 e o começo da décadade 30, da angústia e da infelicidade do tempo,na atmosfera dolorosa de uma crise de enormes dimensões e de infinitas re-percussões.

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A hislória (111('vive aindn {: posterior 1\ reviravolta dos anos de 1();~().l! 193 \.() (Iu(' é anterior 11~~1I {-ponl rem' valor de documento usximilud» 1\hi~I{)ri!l de

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42 HISTóRIA: NOVAS ABORDAGENS

<Iuenos alimentamos. Antes de 1929, estamosem presençade uma arqueologiada história econômica.

Tudo começano horizonte de 1929 a 1930. Cerca de 40, 45 anos nos sepa-ram deste momento. Seráque é a realidade objetiva da criação intelectual daquelaépoca,ou a realidade de uma crise econômica simultaneamente conjuntural eestrutural que nos faz deter-nos naquele momento, ou será o processonatural dasucessão das geraçõesll que retém o historiador da década de 1970 no limiardos primeiros anos da década de 1930?

A geração de historiadores, que, contando entre quarenta e sessentaanos,«ncontram-sehoje nos postos de comando da pesquisa, da literatura e do ensino,«uneçou a produzir na atmosfera da grande crise econômica. Na França, Ernestlabroussc (nascido em 1895) e Fernand Braudel (nascido em 1902) desem-penhararn um papel de direção, exerceram um império que se impõe à inteli-gência de todos. As grandes obras que alimentaram a história econômica após aSegunda Guerra Mundial (da Esquissev» à Mediterranée13, passando pela(ri ..,"") são obras surgidas, pensadas e concebidas na atmosfera da crisede 1929.

Por outro lado, os homens que hoje em dia, entre quarenta e cinqüentaanos de: idade, estãocolocadosnos postos de responsabilidade têm uma memóriat' uma experiência que levam até 00 limiar da décadade 1930. Do ponto de vistada periodização da história intelectual, o meio século é uma época que se impõe.Objetivamente à análise histórica se impõe com um tempo forte mais facil-mente do que a mudança estrutural do fim da década de 20 e do começo dadécadade 30.

Tudo concorre para a virada dos anos de 1929 a 1930. Na ordem do pensa-III("n!"(),os anos de 1928 a 1937 equivalem, oom pouca diferença, à virada científicad().~;lll-I1Sde 1898 a 1905, ou seja, da teoria dos q/h1nta à primeira formulação.1.1rclal ividadc restrita. A épocaprivilegiada dos primeiros anos da décadade 30IlIp.alliz;ISCem dois planos: ela superpõe o tempo da inovação absoluta ao tempo.I,. 1l1.l11lr;H,·ão«lasconseqüênciasextraídas das inovaçõesfundamentais dos primei-rll.~an()sdo século. A formulação da relatividade geral vem dos anos da Primeira(;UlTr;t Mundial. O tempo então não era favorável à difusão. Quinze anos para;1)11'1";11";iS conseqüências, um começode verificação. A relatividade só modifica pro-Iun.l.uncntc () horizonte científico ao termo de esforços paralelos, isto é, cornple-montares e conseqüentes: a mecânicaondulatória criada por Louis de Broglie em11):n j;'l é conhecimento adquirido em 1929. A física relativista sai, no limiar dadécadade: 30, do exclusivo mundo dos sábios. Langevin e Russell conferem-lhelima dimensão filosófica. Relativista e quântica, a física desembocano plano dacultura. FIa insinua, no nível da filosofia, interrogaçõesperturbadoras. II precisoprocurar muito longe para encontrar semelhantesperturbações do pensamento,

Como trampolim para toda espéciede repercussões,eis aí a radioatividade.A primeira transmutação situa-se em Carnbridge em 1919, com Lord Rutheford.No fim de 1933, já se conhecem uns quarenta rádio-isótopos naturais. Frédericr Irõnc Jolliot-Curie descobrem alguns preciosos isótopos artificiais. Em 1937,iR hnvinm sido criados 190 isótopos artificiais. Com o novo telescópio do MonteWilson, entre L921 c 192H, Huhhle havia descobertoo ret!.rhi/J: ponto de p:trtid~

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do universo em expansão e de uma nova cosmogonia. A contribuição daquelemodesto observador para a astronomia da décadade 30 terá sido tão importantequanto a de Herschel, no fim do século XVIII_ Ponto de partida cuja impor-tância não foi inteiramente compreendida na época, como ocorreu também coma descoberta por Fleming, em 1929, do Penicillium notatum, Quem pôde, noentanto, prever o alcancedos balbuciantes ensaioscibernéticas na décadade 30?

DI! um lado, portanto, eis a radioatividade, a relatividade; de outro, oredshift, a cibernética, o antibiótico. Acresce, na ordem do saber, Freud... epor que não os trabalhos da Escola Bíblica de Jerusalém?

A história, disciplina intelectual, não pode ser isolada do conjunto da pro-dução intelectual'". Além disso, ela é atraída, nos anos de 1929 a 1939, pelosmediadores econômicose sociais que se impõem com facilidade. É um problemaessencial.

A história é a mais antiga das ciências sociais. O relato, a crônica, no casodos grandes, de Heródoto a Michelet, passandopor Las Casas,sempre foi alémdo acontecimento. Sempre a história chegou a um sistema implícito da sociedade.Sempre houve correspondênciasentre a história que se escreve e a história quese vive, entre o sistema de civilização da historiografia e a organizaçãodo passadono discurso histórico. As correspondênciaspodem ser discretas, e a relação serde tal forma profunda que ela é apenas perceptível. Foi o que se passou nofim do século XIX, na época da historiografia "positivista", hipercrítica e..cientif icista" .

• A transformação historiográfica que se produz nos anos da décadade 1930consiste, em primeiro lugar, no fato de que vêm à superfície essascorrespon-dências. A história econômica quantitativa, em sua primeira maneira, é umatentativa de resposta,sem disfarce, aos angustiantesproblemas da época. A liga-ção, a associação,passo a passo, entre ciência do homem e 'Ü exame históricodo passadofaz-se abertamente, em resposta ao problema nv 1, a crise. Ê precisoreler e meditar esseclássico de uma pluridisciplinaridade ativa, de uma históriaúl i] e comprometida que François Simiand publicou no curso da tormenta, e cujoIítulo claro define o programa da história econômicaem criação: "As flutuaçõeseconômicas a longo prazo e a crise mundiaí=". A crise mundial, a palavrase encontrava em todos os lugares, a preocupaçãoem todos os espíritos. A res-peito surge uma enorme bibliografia, várias dezenas de milhares de títulos emquarenta anos. Tudo foi dito, quase todas as hipóteses foram formuladas. Re-«ordo, em primeiro lugar, que nos Estados Unidos os níveis de produção de1c)29só são ultrapassados nos anos de 1941 e 1942, com a entrada do país na.1~IIe:rra;que, em 193217,a produção do aço representa apenas 17% do nívelde 1929, os equipamentos agrícolas, 20%, os, tecidos, 70%, a produção agrí-mia, 91\% .... Recordo ainda que. a crise é igualmente acentuada em todo onoroeste industrializado europeu, na Alemanha, principalmente. Ela é acentuada,também, nos paísespouco industrializados, protegidos, apenasou artificialmente,I'M uma economia estatizada em circuito econômico fechado, de crescimentos,como na América Latina (no Brasil, por exemplo) em que a indústria era prati-ramcnre nada c a :l.Rfirull:ur:l de exportação vivia em crise. Como estava emrrise () aro nos bl'lId",s llnidll~; I;tlmo estnvn t~111 crise a lJ. R. S. S.. que s6 ultru-pll~~a, em rcnlidndc, O~ Inclin'~ industrinia ela R(I~sill tznristn 110 ("(lIllCÇO ,10

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segundoplano (1934), e que não consegueigualar a produção agrícola de 1913,Quanto a França, falso conjunto econômico muito hetereogêneoe relativamenteproteg~?o, na, apa_rência,a Comissão do Plano Monnet calculou que as perdas«onscquentes a nao renovação dos equipamentos, entre 1930 e 1939 haviamexcedido 00 nível das perdas conseqüentesà guerra de 1940 a 1945. Enfim, esobretudo, aqueles anos foram anos de uma crise demográfica de extrema gravi-dade. Entre 1930 e 1939, quase todos os países industriais tiveram um coefi-«icntc líquido de reprodução inferior à unidade, Verificaram-se taxas de 04ou de 0,5, ~m al~mas grandes capitais (Viena e Estocolmo), no momen~o,Igudo da cnse. TaIS comportamentos destruidores da vida, tanto a curto como;l longo praz,o, traduzem bem, evidentemente, graves problemas internos. Vemosreaparecertais problemas na Europa, desde 1970, com uma brutalidade ao menosIgual à da décadade 1930.Ê entre 1937 e 1942 que entram em açãoem sentidomvcrso os mecanismos auto-reguladores e que a situação demográfica melhorade ] 942/1945, grosso modo, de 1962/1964. Uma crise de tal envergadura e'llIe, ,ao mesmo te~~o, a~eta todos os domíniosie não pode ser justificatória domorusmo ~e um unico sistema de explicação. O próprio François Simiand o,~;lVI:!se,nttdo, mesmo se o seu sistema parece-nos, hoje, um pouco estreito.bn realidade, a crise da década de 1930 é o tipo do ajustamento estrutural.resulta da justaposição de causassituadas em planos muito diferentes, com fenô-menos de repercussão. O fim das situações latentes registra-se entre 1929 e)')39. A década de 1929 a 1939 é, em resumo, o fim de toda uma série de..fronteiras", a~tes da abertura de novas fronteiras tecnológicas, e a entrevisãode 11mnovo sistema de civilização. O ano de 1930 é o fim de um tipo decrescimento característico do século XIX, de um crescimento que associa osvelhos recursos tradicionais do espaço e do número aos novos recursos cadavez mais exclusivos da inovação.

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A históri.. econômicamoderna nasceuaí, entre 1929 e 1932, Como grandecmprccndimcnto'v de ,história científica dos preços, o qual, em alguns anos=,"hll've essas longas serres, precisas, complexas, nervosas que sobem, à contra-r orrcntc, o curso do tempo, conciliando a proto-estatística do século XVIII c do«uncço do século XIX com a estatística elaborada do século XIX, conciliandoli proto-est~llÍsticados fins do século XVIII com lima pré-estntísrica que:, nospll(ses medll,t'rrlincos, remonta facilmente até o século XIV, c, ,ls vezes, no\ 11,'0 dll ltáJIII, uté o século XIII, A obra coletiva (JUI: melhor nlrarlcriza CSSl'

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período é a cnaçao, em 1929, por Marc Bloch e Lucien Febvre, dos Annales,com o título revelador de Annales d'bistoire économiqueet sociale. Ê ainda entre1929 e 1932, para dar uma explicação certamente parcial mas coerente da crisede 1929, que François Simiand aperfeiçoou a sua teoria dos movimentos delonga duração, ultrapassando os movimentos de longa duração tais como conce-bidos por Kondratieff, em ligação POUC'Q convincentescom os ciclos de atividadesolarv-, na teoria das fases destinadas a ter um êxito extraordinário na historio-grafia de língua francesa, Desde 1932, François Simiand= explicara a crise de1929-1932 peIa superposição de uma crise cíclica e de uma mudança de fase,comparando a situação daqueles anos à situação de 1873, de 1817, fazendo atéalgumas observações com relação ao começo do século XVII e ao meio doséculo XIV.

Nasceu aí uma história econômica sistematicamente quantificadora. Doiselementos essenciaisforam conquistados: a função entre um ramo da históriae uma ciência humana do presente. A história econômicanão é apenasum ramoda história, mas uma ciência auxiliar da economia política. Ela aceita aplicarao passadomodelos adaptáveiscalcadosna análise matemática dos dados quanti-ficáveis da atividade econômica. O segundo ponto consiste em que a históriaconservauma predileção pelo movimento. Essa história econômica parcialmentequantitativa é uma história do movimento, da variação, da estrutura ondulanteda economia. Essapreocupação, finalmente, terá contribuído para que se conse-guisse uma forma de transição entre a historiografia tradicional e a nova histo-riografia. A história, mesmo estrutural, estava, depois de Simiand, no pensa-mento de Ernest Labrousse,a história da mudança e da variação.

Ê também com relação a essaescolha implícita, que é continuidade, que sesitua a segunda inovação fundamental dos anos da década de 30, a gênese lon-gínqua da história geográfica23, a qual deve tudo ao gênio inventiva de FernandBraudel. No prefácio do Mediterranée24, Fernand Braudel apresentouo que emfins da década de 30, se passou a considerar o horizonte limitado da históriapositivista exaurida: uma técnica maravilhosa, um notável instrumento de pes-'luisa25 a serviço de uma crônica melhorada do Estado. O que mais falta àhistória de antes da décadade 30 é a problemática. Ao lado dessahistória semproblemas, a geografia humana da época de Albert Demangeons e por inspi-ração de Vidal de Ia Blache estava em condições de oferecer aos historiadoresIIIIl conjunto de problemáticas perfeitamente transferível. A história da geo-história foi, em suas últimas conseqüências,entre 1930 e 19i5, a história daelaboração de uma obra, passagem da política mediterrânea de Felipe II aoMediterrâneo e ao Mundo mediterrâneo da épocade Felipe n. O Mediterrâneo,ou seja, o espaço de 3 milhões de quilômetros quadrados de água, 2 milhõesdc~quilômetros quadrados de terra e quatro mil anos de história, uma vez que,em primeiro lugar, a escrita nasceu no mundo mediterrâneo, Descobriu-se, def orrna maravilhosa, que o Mediterrâneo representavao espaçoliberado do Estado,o verdadeiro espaço, quer dizer a paisagem, o diálogo do homem com a terra,rorn (I clima, esse combate secular do homem e das coisas, sem o biombo doJ:sl.:ldn,sem a dlminntlo ftlpiti.r do quadro nacional com a sua geografia admi-nistrativa c xuas fronteiras, A geo-histórin era, ainda em história, 11mtempomuito long«, (1IIilSCJ.(coI6j.(iro,\1111 tempo imóvel, em oposiçíio dialétirn com otcmpn curto, nervoso IIIIC 11 dinamil'll (()njllntllral~n da, E~colll de Siminnd c Itin(114

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mais de Labroussehavia retirado da marcha habitual da história, com uma comopredisposição estruturalista bem antes do momento. É no próprio momento em(lU~ o e~paç?.vai deixar :Ie. dominar o. crescimento, no momento em que osúltimos Impenos com colônias e bandeiras, herança da Europa industrial doséculo XIX, Europa essaque perde velocidade, estão prestes a desaparecere atransformar-se em sistemas mais complexos de dependência, que as dimensõesgeográficas começama cercar a história. A história econômica dos anos 30 e 40l'Ompareceao encontro da dinâmica conjuntural e das análises da relação tempü-espaço.

A história econômicana França, de 1945 a 1960, esforça-sepor incorporar,e ultrapassar, sob o impulso de Ernest Labrousse e de Fernand Braudel, essadupla inovação. Ela ambiciona combinar a lição de Simiand e a lição da geo-história. Ela procura a totalidade - uma totalidade econômica - em espaços(Ille vão, do pequeno país21 cujo modelo foi obtido com o Beaucaisis exemplar-rC,"8 das Catalunhasw, a província que é quase uma naçãow, da província queserve de pretexto à exploração genial da mais longa duraçâoê-, numa empresa<Iueanuncia formas novas= de uma outra história econômica, aos grandes espa-~'()S oceânicos, o Atlântico rneridionalse dos portugueses=, o Atlântico paralelo-grârniro do caminho das Indias-", Oceano Índico36 e Pacífim31• É talvez nesseestudo dos espaçosoceânicos-e que procura realizar-se, de maneira mais aberta,11 combinação da dinâmica conjuntural de Simiand-Labr.oussee da geo-históriade Fcrnand Braudel. Essaspesquisas macroespaciaisexprimem-se, naturalmente.nas análises da estrutura e da conjuntura. Desde a década de 50, pelo menos,1\ história econômica ultrapassou a parcimônia prévia, perigosa mas necessária,de uma conjuntura reduzida aos preços. Ela procurou, entre outras coisas,no trá-firo:t." o substituto da produção impossfvelw. A produção impossível é a própriamcdidu do pressuposto implícito da história econômica quantitativa, em suaprimcir« geração. Partindo do modelo dos preços, desejando atingir a estru-luru ondulante, a dinâmica conjuntural das economias antigas da era pré-esta-II,~Ii( a, ('ssa história quantitativa em sua primeira geração está muito marcada,lIillda um.t vez pela angústia da crise=, por ambiçõesde uma estrita quantificação,pal'a SI' resignar, logo de início, ao expediente modesto mas útil do peso global1111 história, expediente em que se destacou Fernand Braudelw. Pode-se ficartcntudo a concederà crítica ulteriormente formulada pelos quantativistas da escolaKUZIlds, Marczcwskis", que a história quantitativa, na primeira geração, consa-Io(roll esforços excessivosa séries extremamente limitadas de setoresminoritários,em detrimento dos setoresmais vastos da economia. No entanto, é precisamentepelo rigor do pensamentoe pela segurançado resultado que a dinâmica conjun-turul regressiva,ou a história econômica em sua primeira geração, pode susten-tur, hoje em dia, as ambições imensas, nascidasno limiar das últimas décadasdo século, no terceiro nível do que sou tentado a chamar de história serial,

Passados dez anos, pode-se tentar fazer um balanço. Parece-meque trêsleis se impõem. Esforçamo-nospor demonstrar, no quadro privilegiado do espaçontldntico espanhol e hispnno-americanos-, a realidade da hipótese quadricíclica-"nplirndn a um setor muito extenso da cconornia-". Sem contestaçãopossível super-põem-se uns aos outros, os ciclos de Kitrhin, de .fuglar, de Kondraticff e as fases.A hipótese foi muito bem ronfirrnarhr". PodemosIurmulnr, como lei, a primeira

A ECONOMIA: ULTRAPASSAGEM E PROSPECTIVA 47

aquisição da dinâmica conjuntural: a estrutura ondulante das economias e dassociedadesé universal. Aplica-se em toda parte a hipótese multidclica. Ela nãosofreu qualquer desmentido. Mesmo se, entre o fim do século XIII e o fimdo século XVIII, todas as flutuações se inscrevem entre dois planos quase hori-zontais. Essa retificação é posterior. A teoria do mundo pleno=, os checksmaltusianos tomados de empréstimo a M. M. Postanw, as pesquisasque foramfeitas em demografia histórica e a grande investigação da IV seçãoda École desHautes Etudes sobre a produção agrícola segundo os dízirnos"? tendem a sugerir,para o longo período do século XIII ao começo do século XIX, no Ocidente,um trend quasehorizontal, um trend fracamente ascendentee não essafalsa hori-zontalidade apressadamente defendido com base em amostras microscópicas epouco representativas-v.

A segunda lei decorre da primeira. Ela permite afirmar a existência de umaconjuntura econômica. Os milhares de curvas desenhadasa partir de séries mi-nuciosamentecalculadas, numa ascensãosempre mais sistemática do proto-esta-tístico estão quase sempre ligadas entre si por meio de correlações positivas.São exemplos típicos: a correlação positiva preço/tráfico no interior do espaçoatlântico que liga Sevilha, ou seja, a Europa, e a América; a correlação positiva'lue liga os preços, os índices de atividade do Atlântico edo Pacífico, dos Ibé-ricos, nos séculosXVI, XVII e XVIII; a correlação preço/tráficos, atividadese-,populações, que se estabelecemem todos os setores.

Terceira lei. Do século XIII ao século XX, dos setores menos desenvol-vidos para os setoresmais desenvolvidos, do mundo extra-europeu para o Mundonascido do velho cristianismo latino, observa-seuma 'tendência à atenuaçãodasamplitudes e à redução dos períodos. Não há exceçãoa essalei. Ela se verificanas curvas de população, nas de preços, nos índices de atividade e de produção,fora da Europa e na Europa.

III

No (lue se refere à pesquisa, a' história econornrca já mudou. Nos anos de19')0, primeiro nos Estados Unidos, e, depois, na Europa, à sombra das cadeirasde economia política, constitui-se uma pesquisa mais ambiciosa em seus objeti-vos, mas sobretudo diferente em suas motivações profundas, sem interferir, irne-diatumcntc, sobre ns pcsquisns de dinâmica ronjuntural . No ('l'nnto de pnrtida111\ 11m grunde nome: Simon Kuzncts , Lirnitur-me-ci n lernhrur U/J1 debatewrtc:sDn c n retomar IL conclusão 'que PI1rC"C ter suldo , de tRI dchste, l{elervlI-

HISTóRIA: NOVAS ABORDAGENS

remos, desde agora, o termo de história quantitativa para os empreendimentosdo tipo dos de Simon Kuznets e Jean Marczewski: "falaremos daqui por diante=l'lJl história quantitativa, apenasquando os resultadospuderem ser colocadosnummodelo de contabilidade nacional", regional e macroespacial, quando a quanti-rila~·ãohouver sido global, sistemática e total.

Em realidade, essaforma de história liga-se, no plano técnico, à generali-za(ão, nos países mais industrializados, e, por conseguinte, melhor providos naordem da estatística econômica, dos grandes sistemasde contabilidade nacional.

O esforço prossegue,Com alguns fracassosrelativamente mínimos - quaselodo:; no campo da proto-estatística - a história econômica totalizante dos eco-nomistas fez progredir de forma muito útil o conhecimento do passado,

A experiência tem os seus limites e os seus perigos, e está destinada, se-~lIl1d() tudo indica, a preparar novas empresasque a ultrapassem. Na realidade,ela estabelece-seem correlaçãoestreita com preocupaçõesque são, talvez, sentidasrom menos acuidade, no limiar da década de 70 do que o foram nos anos 50do século XX, Essa forma de história quantitativa é, desde o começo, umahistória do crescimento, A primeira história econômica foi, essencialmente,ahistória da dinâmica conjuntural , Foi a história da crise, A história quantitativados ('(Ollolllistas foi, de início, uma história da partida, do crescimento e dasdisparidnclcsdo crescimento, Ela não se separa do êxito de Rostow'". Ela nãoM! pode separar da descolonização,da descoberta do terceiro mundo, fora daEllrop:l e da América do Norte, das disparidades regionais do Mezzogiorno e,~nhretlld(), do famoso fenômeno da abertura das tesouras, A aceleraçãodo cresci-mento econômico; a melhoria, infelizmente muito provisória, da saúde demo-WMir:l dos países desenvolvidos; a retomada do crescimento demográfico naIlum!,:" industrial e na América do Norte; o que se chamou, a torto e a direito,de rx plllSãl1dcrnográfica do terceiro mundo, tudo isso fez com que se tomasseI IlIlSIi(~llIia ,il- lima estrutura muito antiga de desenvolvimento. Antes de atin-~ir \I limiar de urna hipotética maturidade, o desenvolvimento é, desdeo começo,.lIlInllrlal ivo, sendo que os setores mais desenvolvidos são aqueles que têm aI'msihilida.lc ou a capacidadede se desenvolverem o mais rapidamente; e, por'lI11st·~lIilllc. ;l distância que separaos países industriais desenvolvidos dos setoresI,.."Iiriofl:ri~;e pouco desenvolvidos tem tendência a aumentar, É preciso exarni-fiM II~I nu-runismo»do desenvolvimento, que não se confunde com a crescimen-10"'1, disl ingui r o,'; caractcrcs mais gerais dos traços específicos do desenvolvi-Illellto histórico motor do take-off inglês e europeus".

I\ssa segunda forma de história econômica tem os seus limites e os seusperi~()s. Em primeiro lugar, vejamos os seus limites. É evidente que a quanti-firac;iío lolal circular num sistema fechado de contabilidade não poderia ir alémdo s(-nrl.. X IX, para os setores privilegiados da Europa e da América indus-triul , 11 possível que na Inglaterra de Gregory King seja viável aventurar-seII1lli~;além, através de uma proto-estatística muito rica. Em que pesemas reservasque, sohre alguns pontos, foram feitas ao trabalho 'de Phyllis Dcanc e W, A.Cole.", esse trabalho parece-meconstituir, até os dias correntes, a única históriaquuntitativn, de maior valor, que parta do fim do século XVIT, ,graçasparti-culurrnentc n obra genial c pioneira de Grcgory King , 11 certo, no entanto, (lueII (luÍll1l'ifil'i1çilodll Phyllis Dcnnc e W, A, Cole está Iongc de ser umn quanli-.

..... 'c"

A ECONOMIA: UL TRAP ASSAGEM E PROSPECTIVA

ficação total. Ela satisfaz de forma muito imperfeita os requisitos de Kuznetsc de Marczewski. Qual é a contribuição da New Economic Historyw? Nãochega propriamente a ser história. Ela se contenta com o tempo muito curto deum quase tempo presente, limita-se ao setor americano hiperdesenvolvido, emque, sem grande mérito e com um material estatístico abundante, e, no essencialjá pré-elaborado, se requinta. '

A New Economia History, nessas condições, não passa da seção norte-americ~a da se~llnda história econômica quantitativa, a história na época dacontabilidade nacional e dos modelos. No próprio interior da economia ameri-cana, a New Economia History atrapalha-se, quando procura estudar a décadade 1830. Na prática, os autores renunciam a incorporar à sua sistemáticaessa,para eles, longínqua arqueologia dos anos de 1800 a 1830. Eles têm consciên-cia, de maneira mais ou menos obscura, de uma modificação estrutural que tornadifíceis e arriscadasas ilações. Daí parte o recurso, muito revelador, aos mode-los teóricos, recurso esse que faz intervir hipóteses sem verificação histórica.'O exemplo mais célebre é o do desenvolvimento da economia americana semas estradasde ferro. Atingiu-se o absurdo. Há, enfim, a enormidade dos pres-supostos filosóficos implícitos. O homo economicusda N eu/ Economic Historyparece-me, com poucas exceções,um homem imaginário. Não somente a suareação ao lucro é perfeita, imediata, sem hesitação, sem conflito, sem sombra,um homem perfeito tal como se sonhava nos cursos de economia política, naépoca de jean-Baptiste Say, mas é ainda sem corpo, sem sexo, sem afetividadesem raiz, sem espírito, sem alma. Sempre consciente, sempre bem informado,s<:mprepronto a reagir ao lucro, como uma máquina de Vaucanson.É um exagero-essaconcepçãodo homem, mas mostra que não basta seguir em frente para pro-gredir, e que é preciso também saber conservar o adquirido, mesmo que issoseja difícil, ou se não, há o perigo de passar-se,sem transição, do tempo doscomputadores ao tempo das cavernas.

A quantificação global não deve ser feita ao preço de uma deterioraçãoelo material estatístico utilizado, em relação com as etapas anteriores da pesquisa.

A principal limitação é, no entanto, outra. Ela consiste, ao que me parece,'110 fato de que a nova história econômica quantitativa sai com mais dificuldadedo que a dinâmica estrutural e a história geográfica dos anos de 30 a 50 dosetor econômico estreitamente delimitado.

IV

11 por isso (IUC ;\ nova his,ttlria (.'('(\Il(\mim qualltitativn susritu, de formn<luasc imedintn, novas slIperuçl'>es,Há IIlgun~ unos, c:sboçu·senquilo 'lllC sou

49

1\0 HISTÓRIA: NOVAS ABORDAGENS

tcntudo a chamar de retorno ao serial e a introdução do quantitativo no terceironlncl", A dinâmica .estrutural tem as suas mais longínquas referências nas proxi-midadcs de 1890, explode entre 1930 e 1935, e culmina entre 1950 e 1960.A história quantitativa globalizante encontra as suas primeiras referências nasalturas de 1930, atravessa o seu take-off no começo da década de 60, e culminarutrc 1905 e 1968. Está muito longe de haver exaurido o seu impulso. Elatr-m imensas possibilidades combinatórias com a dinâmica estrutural e a geo-·história. Ela possui enormes possibilidades, depois que entraram em funciona-mcnro os computadores da terceira geração'" , Entre os primeiros, que, na França,, irar.uu partido dessa terceira geração, figuram Emmanuel Le Roy Ladurie,Murrcl Couturier, François Furet. Não há, praticamente, qualquer trabalho im-p"rlanlc na história econômica desde 1968 que não recorra, maciçamente, aot rnt.uncnto informático. A nova história econômica quantitativa não nasceu com" r omputudor, mas ° seu crescimento foi facilitado por esse prestigioso multi-"Ii(ado!' dL' todos os nossos meios. Ainda mais do que ao progresso da históriari 0I1I"ll11i('a,o computador está destinado a contribuir para o transbordamentod(l~ 11Itl"d"s da história econômica.

11 nesse nível que se situa a grande mudança da história. A história econô-'11'111de hoje em dia, antes de ser um objeto, é um estado de espírito, um(()II iUllto de métodos, uma abordagem. Por tudo que se diz respeito, por tudo-1111('~e ult rapassa, propus o abandono do quantitativo, e que permaneça o serial .A históriu scrial engloba todas as histórias quantitativas, mas as ultrapassa, na.(111111"i.\lad" terceiro nível, tateando nos limites dos sistemas de civilização.'

Também a história serial tem os seus pontos de referência. Há vinte anos,Alplll'IISC Dupront, partindo da idéia de cruzada, mergulhou nos aspectoslllili~1 S('( retos do coletivo mental, indo das palavras às coisas, das manifestaçõesI,alli, ,I,~ da ft', ao vocabulário do iluminismo. A história serial, que respondetlllllh{'1Il :\s angústias de nosso tempo, contempla um sistema de alianças privi ...'1:'/I,II"LI.'i((1111<lS ciências humanas que, até agora, não se beneficiaram bastante

""~ 1'1'(IlIllposi"ões scriais, da antropologia às diversas etnologias, e à psicologia,"It'liv,l, SI'11lomitir essa velha aliada tradicional, sempre renovada, a demografia.

A hi.~tória 1'(,lllltlfllica está sempre melhorando as suas técnicas. Acontece-Ihl' rI li '"llt ril r mais do que procura, nas curvas de seus caminhos intelectuais.

Pilei" 'O,' ,i(;11' Irt:s exemplos, entre vários. Emmanuel Le Roy Ladurie mos-1""11. 1"111" S('(I P"-J'JdIlJ de ÚI7lf,lIec/.oçGl e durante a grande investigação 'mili-1M .Ir. I H(,(,"", lllle é possível, desejável e infinitamente frutífera uma antropo-li II-(ia ffsi';1 regressiva. Conhecer o material humano. Emmanuel Le Roy La-elllril''''' II)()slrllll ;Iinda corno é possível uma história da variável climática a(111'111.Illt'di •• e longo prazo'!", O Centro de Pesquisas da história quantitativadil I 'lIivI'I'sidadl' de Cacn aperfeiçoou um método que me proponho chamar deIlIé'I<I<I•• dI' história administrativa scrial e de cartoorafia regressiva'». Esse11I{·t"d" IWl'llIik il ulilizilÇão exaustiva dos dados numéricos disperses para todo" prri ••d" ela sncil'lladc tradicional, num quadro regional; dos fins do século XIIl111Iromcço do slnlln XIX. O ganho de produtividade é; enorme. l1 considerávelI1 1'I'(lIpr'ril~'ã" d!l mntc-rin], material que não poderia ser utilizado pelos métodos,11·udil'illll:lis. Fssl: mél odo prodllz resultados, por ruusa da prodigi'"lsa ('stahilidadedI! /loI"iloll 1'1I1'<11,do XIII 110X IX s(~(III(l, no horizonte: de um mundo pleno. Com

A ECONOMIA: ULTRAPASSAGEM E PROSPECTIVA 51

os computadores, esse método mostra hoje em dia tudo o que vale. Foi conce-

bido tal método na perspectiva de um estudo da população, em prazo muitolongo6G• A história administrativa serial, assim como a cartografia regressiva

lembra, evidentemente, o papel privilegiado da demografia histórica o

Il ela, essa primogénita da história econômica que é a primeira responsável

das repercussões em cadeia da história serial'" - aliás, a que espécie de história

econômica é possível pretender sem aquilo que Ernest Labrousse chama, tradi-

cionalmente, de divisor, e que nós chamamos, para tornar a expressão mais

precisa, de divisor ponderado? Ciência francesa, ciência de longa duração, por-

que a França é um laboratório do envelhecimento catastrófico das populações in-dustriais?", Ciência que exige, quase necessariamente, um fornecedor de longas

séries. Ciência das recomposições regressivas. A demografia histórica é, há dez

anos, o setor n9 1, seguramente o mais fecundo?" de toda a pesquisa histórica'".O método genial de Fleury-Henry é um método de historiador e mesmo, de

forma caricatural, de genealogista: o que de mais histórico, no sentido mais tradi-

cional, do que a reconstituição das famílias, o que mais serial do que um método

que permite calcular o coeficiente líquido de reprodução e a esperança de vida

em Colyton, do século XVI a nossos dias?

A história demográfica de nossos dias vale, sobretudo, pelo que produz,

será preciso dizer: pelo que suscita? O trabalho paciente, com as fichas obtidas

nos arquivos dos pobres, conduz, é evidente, à história religiosa serial"', à his-

tória das atitudes frente à vida, à história do casal, e, portanto, da estrutura de

base a mais fundamental da sociabilidade, à história do amor, da vida e da

morte.

Em outra obra=, procuramos demonstrar os mecanismos que conduzem a

história serial, outrora econômica e social, ao assalto do terceiro nível, a saber,

o essencial, o afetivo, o mental, o psíquico coletivo... para dizer melhor, ossistemas de civilização. Esse ramo da história existia há muitas dezenas de anos,Durante muito tempo, Alphonse Dupront abriu, quase SÓ, os caminhos pioneiros.A transformação nesses últimos arios decorre do alargamento dos campos de

interesse, c da adaptação a este novo setor dos métodos seriais aperfeiçoados

pelo historiador economista, isto é, a constituição de séries estatísticas que contêm

() terceiro nível, em benefício da análise matemática das séries e da dupla inter-

rogação do documento, em primeiro .lugar, em si, e depois com relação à sua

posição no interior da série homogênea, na qual a informação de base é colo-

cada c integrada. .

.Há vários métodos' possíveis, 11,mais fácil delimitar o conteúdo da infor-

mação escrita. Frnnçois Furct!", Hcnri Mnrtin"', Robcrt Estivnls'", c: alguns

outrus!" lnnçnrum as bases de um estudo quantitativo do volume glohal do ('srrito

impresso Tal ('sludo l'(J(k, ('1I1ll 11°njllda d(' um (1I1ll111lli~dtlr,c 'VII!\iI~ ~ scmãn-

52 HISTÓRIA: NOVAS ABORDAGENS

tira quantitativa,' chegar a um início ainda muito modesto do conteúdo globaldas diferentes camadasdo discurso elaborado.

O conteúdo das culturas tradicionais, o acessoao pensamento, à sensibi-lidade, ao quadro de vida daqueles que não têm acessoà linguagem escrita, émuito mais difícil de encontrar. Ainda aí, os métodos da história econômicapodem ser adaptados e transpostos. Victor Lucien Tapié77 e seus alunos acabamde provar com eloqüência o que se pode esperar do tratamento serial de umaimagem privilegiada, testemunho maravilhoso da sensibilidade religiosa e doconteúdo da fé, os retábulos das igrejas rurais dos séculos XVII e XVIII.O tratamento do conteúdo da imagem foi feito, em parte, mediante a utilizaçãodos processosgráficos expostos por Jacques Bertin na Sémiologie graphique78•

Essainvestigaçãopioneira é, hoje em dia, o ponto de partida para uma exploração(Iue desejaríamos metódica da imagem.

O encadeamento é ainda mais sensível para o mobiliário, a igreja e ohabita; camponês.

Uma investigação bastante clássica da história econômicatv desembocahojeem dia num inventário monumental de um tipo totalmente novo , Além do obje-to, concebido em seu peso global, procura-se delimitar, cercar o conteúdo deuma civilização não escrita.

São evidentemente os estudossobre 00 sexo, sobre a vida e a morte que vãomais Illngc80. O grande livro pioneiro de Michel Vovellev, o belo livro mais("l{lssiro, mas de uma grande finura de análise de François Lebrurr'", todo umconjunto de teses que se iniciam, tudo isso mostra que, dominado o elemento<llIuntilalivo, graças à economia de ontem e à informática de amanhã, pode atin-~i r-se 11111 «entro vital da história do essenciale- .

Passo a passo, esboça-seuma história global dos sistemas de civilização.J lá IIl11aconcordância evidente com a crise de civilização que afeta, desde 1962,~('Ior por setor, os paísesque chegam, progressivamentee setorialmente, à épocaJ!1'IS.illduslrial. A crise põe em causa as transposiçõesleigas dos valores da .civi-Iiza~'iiocristã realizadas no século das luzes, a transposição escatológicada fina-lidnde cristã sobre um crescimento que, durante longo tempo, se automotivou .A. história das maneiras de agir84 sucede,de forma quase necessária,a históriadlLNmaneiras de pensar, de sentir. A história chegou ao limiar das motivações.

J'l por isso que as pesquisasquantitativas efetuadas quanto à formação dornsal, quanto às atitudes coletivas frente à morte constituem apenas uma etapaMil: mas muito provisória. ~ o conjunto do discurso que é preciso atingir, paradC'n[rar corretamente os sinais pânicos que traduzem o essencial. li necessário,1\ luz do scrial, retomar aospensamentos.mais elaborados da elite. O serial leva1\ uma modalidade superior de análise da qualidade.

Esseé o preço a pagar pela história dos sistemasde civilização, hoje em dia,nc,:cssidndevital.

A ECONOMIA: ULTRAPASSAGEM E PROSPECTIVA 53

NOTAS

1. Ernest Labrousse, Histoire économique et sociale de Ia France, 1. II, P.U. F.,1970, p. v.

2. Émile Levasseur,Histoire des classes ouoriêres et de l'industrie en France avant

1789, 2" ed . inteiramente refeita, Paris, 1900-1905,5 vais.

3. Já havíamosobservado,em 1955,em H. e P. Chaunu, Séville et I'Atlantique (1504-1650), t. I, p. 28, o seguinte:"De todos os ramosda história econômica,a históriados preços é, sem contestação,aquela que obteve, no sentido de uma história damedida, para os tempos modernose mesmo para a Idade Média, os resultadosmaisdecisivos. Foi uma história pioneira."

4. J. E. Thorold Rogers,A history of agriculture and prices in England from the yearafter the Oxford Parliament to the ccmmencement of the Continental War (1793),Oxford, 7 vols.; 1866-1902;e, do mesmo autor, Six centuries of work and wages,Londres, 2 vols., 1884.

5. G. Wiebe, Zur Geschichte der Preisrevolution des XVI. und XVII. Jahrhunderts,Leipzig, 1895.

6. ViscondeG. de Avenel, Histoire économique de Ia propriété, des salaires, des denréeset de tous les prix en général, depuis 1200 jusqu'à l'an 1800, Paris, 7 vols., 1894-1926.

7. D. Zolla, "Les variations du revenu et du prix des terres en France aux XVIIe etXVIIIe síecles", Annales de I'École Libre des SciencesPolitiques, Paris, 1857.

8. Natalis de Wai1ly, Mémoire sur les variations de Ia livre tournois, depuis le tempsde Saint Louis jusqu'à l'établissement de Ia monnaie décimale, Paris, 1857.

9. J. -J. Clamageren,Histoire de l'impôt en France, Paris, 1867-1876,3 vols., 1800pp.

10. Nunca a produção de grandes instrumentos documentários foi tão abundante doque entre 1880-1890e 1910na Europa ocidental.

11. Yves Renouard, "La notion de génération en hístoíre", Revue Historique, t. CCIX,n? 425, janeiro-março de 1953,pp. 1-23; e Études d'histoire médiévale, t. I, Paris,S.E.V.P.E.N., 1968,pp. 1-23.

12. Ernest Labrousse,L'esquisse du mouvement des prix et des revenues en France auXVIIIe siêcle, Paris, Dalloz, 1933,2 vols .; XXIX-306 pp. 391 p.

I'L Fernand Braudel, La Méditerranée et le monde miditerranéen à l'époque de Philip-pc Il, Paris, A. Colin, 1949,XV-1I60 pp.; 2' ed. profundamente remanejada econsideravelmenteaumentada,Paris, A. Colin, 1966,2 vols., 589 e 629 pp.

14. Erncst Labrousse,La crise de l'économie française à Ia fin de I'Ancien Régime etau début de Ia Révolution, Paris, P.U.F., 1944, LXXXV-664 pp.

15. A despeitodo prolongamentoestatístico da vida humana, prolongamentoque parouhú quinze unos, nos setores mais desenvolvidosonde se observam rebaixamentosdevidos fi nossosmnus hábitos,essadurncão ó um dado três vezesmllcnárlo. No"alma XC (§ 10), nessa velhísslm» prern de MolséR no livro do Snlmr», lemo":"Os nIJNHOH IInr~~ JlIISHllm como pàHNIl um som, ()S «Ius do nONHOSAnllS nân "obom

HISTÓRIA: NOVAS ABORDAGENS

/I mais do que setenta anos, e, para os mais fortes, a oitenta anos" ... Cinqüenta anosde vida adulta.

lfi. François Simiand, Paris, Alcan, in-129, 1932, I1-142 pp.

17. l-rank Friedel, Ameriean in the twentieth eentury, Nova Iorque. A. A. Knopp.

IH. Até é compreendido nisso, naturalmente, o domínio religioso. A década de 30 émarcada por uma nova originalidade e um novo fluxo do pensamento místico ereligioso (Karl Barth). A partir de 1955-1960,um neoliberalismo, animado nosEstados Unidos, por uma diáspora de teólogos alemães, e lançado, como produto·de consumo, pelos mass media, contribuiu para a grande evacuação do conteúdodo pensamento cristão, e para a grande destruição, pelo interior de todas as igrejas,na década de 60.

I!l. l Icnri Hauser, "Un comité international d'enquête sur l'histoire des príx", Annales

d'l listoirc Éeanamique Sociale, 1. lI, 1930, pp. 384-385.

:'W. Pela França, Henri Hauser, 1936, Ernest Labrousse, 1933 e 1944;- pela Inglaterra,lleveridgc, 1939; pela Ho1anda, N. W. Posthumus, 1946-1968;- pela Bélgica,C:. Verlindcn e Y. Craey-Beckx, 1959; - pela Alemanha, M. J. Elsas, 1936-1949;.. pela Áustria, A. F. Pribram, 1938; - pela Dinamarca, A. Friis, 1958; - pelaPolõnin, S. Hoszowski, 1934, 1928, trad. francesa, 1964; - pela Rússia, A. G.Munkov, 1954; - pela Espanha, E. J. Hamilton, 1934, 1937 e 1947; - por Portu-f(nl. V. M. Godinha, 1958; - pela Itália, A. Fanfani, 1940 e G. Parenti, 1939I~ Ifl42.

Para uma recapitulação sintética de todas as pesquisas consagradas à históriados preços, aconselha-seF. Braudel e F. C. Spooner, Prices in Europe [roni 1450

I•• 1750 in Cambridge eeonomie histary, 1. IV, Cambridge, 1967, pp. 378, 485I' (iOR·(i75.

N. D. Kondratieff, "Die lagen Wellen der Konjonktur", Archiv für Sazial·Wis-

m,,,dlClft. ID26; a esse respeito, ver Gaston Imbert, Des mouvements de longue durée

!\ul/,JmtH/, Aix-cn-Provence, La Pensée Universitaire, 1959, XII-538 pp.

1,".1 11IIClulltions écanomiques de longue période et Ia erise moridiale, op, eit.

VI'r l'h'rrc Chaunu, "L'histoire géographique", Revue de l'Enseignement Supérieur,

I!IW. n' 44-45, pp. 66-77.

Ilcorllnlld Bruudcl, op. eit., 1949, pp. IX-XXV.

1),' 1,f11f1'l'1I1Valia, do humanismo italiano do século XV aos beneditinos de Saint-Mnur, no horizonte da erise de consciência européia ao começo do Ilumi~ismo, atéÚ lu-rrncnêutica bíblica historicista das universidades alemães do século XIX, astécnlcns da crítica do texto e do estabelecimento do fato tiveram tempo de atingirum ,,,rau de perfeição formal que não será jamais ultrapassado.

Plr-rre Chuunu, "Dynamique conjoncturelle et histoire sérielle", Industrie, n? 6,Junho de 1960, 4, rue de Ravenstein, Bruxelas..

Plcrro Coubcrt, Beauuais et lc Beauvaisis de 1600 à 1730. 'Contributiori à l'histoire

,\()(:;alc de Ia Franee au XVIIo sieclc, Paris, S.E.V.P.E.N., 1960, 2 vols., LXX'1I-li!;:.! pp., com ilustrações e atlas.

Sohre () pequeno pnís, uma das células fundamentais da sociabilidade, vcr o nossoart.: Plcrro Chaunu, "En morp;e du Benuvalsls cxcmplalrc. Problõmcs de fait etelo mérhodo", "nna/c!! do Normandtc, nv 4, dezembro do J!)CiO,pp, 337-365,

:!I

".,;~.

:.n.

24.

""•.•1),

26,

27.

28.

A ECONOMIA: ULTRAPASSAGE;\1 E PROSPECTIVA

29. Pierre Vilar, La Catalogne dans I'Espagne modeme, recherches sur les fondements

éeonomiques des struetures nationales, Paris, S.E.V.P.E.N., 3 vols", 1962, pp. 717,mais pp. 570, mais um atlas.

30. A esse respeito, Pierre Chaunu, "Les Espagnes périphériques dans le monde mo-derne", Revue d'Histoire Éeonomique et Sociale, t. XVI, 1963, n" 2, pp. 145-182.

3l. Emmanuel Le Roy Ladurie, Les paysans du Languedoc, Paris, S.E.V.P.E.N.,1966, 2 vols., 1060 pp., com mapas e gráficos.

32. Pierre Chaunu, i'A partir du Languedoc. De Ia peste noire à Malthus, cinq siecles

d'histoire sérielle", Revuc Historique, t. CCXXXVIII, fase. 482, abril-junho de 1967,pp. 359-380.

3'3. Frédéric Mauro, Le Portugal et l'Atlantique au XVII. siêcle (1570·1670). Étu~e

éeonamique, Paris, S.E.V.P.E.N., 1960, LXII-550 pp.

34. Pierre Chaunu, "Brésil et Atlantique au XVIIe siecle", Annales E.S.C., 1961, n" 6,pp. 1176-1207.

35. H. e P. Chaunu, Séville et l'Atlantique, I" parte, Paris, S.E.V.P.E.N., 1955-1957, 3890 pp., grande in oetavo e in quarto; P. Chaunu, 2' parte, 2 t. em 4 vols.,Paris, S.E.V.P.E.N., 1960, 3453 pp., grande in oetavo.

'36. Vitorino Magalhães Godinho, L'éeonomie de l'empire porlugais aux XVe et XVII!

siêcles (terminado em 1958), Paris, S.E. V. P. E. N., 1969, 857 pp., mais IV.

37. Pierre Chaunu, Les Phillippines et le Pacifique des lbériques, Paris, S.E. V. P. E. N.,2 vols., 1960 e 1966, grande iri oetavo, 302 pp. e 80 pp.

'38. A essepropósito, uma bibliografia mais completa no livro de Pierre Chaunu, L'expan-

sian européenne du Xlll» au XVe siêcle, Paris, P.U.F., 1969, 396 pp. in oetavo; eConquête el exploitation des nouuecux mondes, Paris, 1969, 445 pp. in aelavo.

')9. F. Braudel e R. Romano, Navires et marchandises à l'entrée du port de Livourne

(1547-1611), Paris, 1951, 112 pp.

~o. H. e P. Chaunu, Séville, introductian méihodologique, Paris, 1955, XVI-332 ppcom mapas, pp. 1-31.

-lI. "Conhecer, analisar, dominar para domesticar melhor as flutuações econômicas...

eis a preocupação essencial... ", P. Chaunu, "Dynamique conjecturelJe et histoiresérielle", op. cit., Bruxelas, 1960.

·12. Pierre Chaunu, "La penséeglobale en histoire", Cahiers Vilfredo Pareto, t. XV, 1968,Genebra, Droz, pp. 135-164.

~:.l. As críticas dos quantitativistas americanos ultraliberais foram unir-se às críticas que,

dez anos mais cedo, haviam feito os marxistas estritamente ortodoxos.

..14. H. e P. Chaunu, Séville et l'Atlantique.

I.'). A expressãodeve-se a Guy Beaujouan, na apreciação de nosso ~studo no [ournal eles

Savants, 1960.

16. Pura uma avaliação global desse setor, P. Chaunu, Conquête et exp/aitatian de,

nouoeaux mondes, c P. Chaunu, "Place et rôle du Brésil les systõmes de commu-nication et dons les mécnnismes de Ia croissance de l'économie du XVI. siecle'

R.fl.E.S., t. XLVllI; nv 4, pp. 460-482.

·17. fi. Brnudel cP. C. Spooner, in Cambrids» I'conomic hi.çtnrll, 1967,op . cil.

·II!. Ela deve multo fia França a Emmanuel toe Hoy Lndurle ... Nc'lN lha l'ooc'"d"moH1101

IIIKnr dc' c1"N1IICIIfI' 11,,~ rstllclllN II,ir r"llIm,,~ rll:tl,,,U" Nllhrr flH "1"IClmaMele' l'lvllht • ..:/lo,

55

56 HISTóRIA: NOVAS ABORDAGENS

'I~l. Na Cambridge econamic history of Europe, t. I, P ed., 1941. 2' ed., 1966.

.'iO. Les fluctuatians du praduit de Ia dime, Association Française des Historiens Écono-mistes. Primeiro CongressoNacional. Comunicaçõese trabalhos coligidos e apresen-tados por J. Goy e E. Le Roy Laduríe, École Pratique des Hautes Études, VI seção,Cahier des Études Rurales, III, Paris-La Haye, Mouton, 1972, 396 pp.

:i I. M. Morineau, "Les faux semblants d'un démarrage économique", Cahiers des

Annales, nQ 30, Paris, 1971.

.'i2. P. Chaunu, "Le renversement de Ia tendance majeure des activités et des prix au

XVIIe si/de", in Studi in onare di AmintaJle Fanfani, t. IX, Milão, 1962, pp. 221-

257, "Le XVIIe siêcle, Problêmes de conjoncture" in Mélanges Antany Babei,

Genebra, 1963, pp. 337-355.

!'"J. Jean Marczewskí, Intraductian à l'histoire quantitative de l'éconamie française (11vols. publicados em 1961-1969,fundamentais). Introdução, op. cit., Paris, LS.E.A.,115, A.F., nv 1; republicado em Cahiers Vilfredo Pareto, t. Ill, Genebra, Droz,1964, "Buts et méthodes de I'économíe quantitatíve", pp. 125, 164 e pp. 177-180;ver também Pierre Chaunu, "Histoire quantitative ou histoire sérielle", Cahiers Vil-

[rcdo Pare ta, t. IH, Genebra, Droz, 1964, pp. 165-176; "Histoire sérielle, bilan et

perspcctives", Revue Historique, fase. 494, abril-junho de 1970,pp. 297-320, e Revue

/{olllHuinc d'Histoire, 1970, nv 3.

!í4. Pierre Chaunu, Revue Historique, abril-junho de 1970, p. 300.

!;!;. M. W. Rostow, Les étapes de Ia croissance économique, I' ed. inglesa em 1960,Puris, Le Seuil, 1963.

tili. Picrrc Chaunu, "Croissance ou développement? A propos d'une véritable histoire

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1"115(".4!)(i, outubro-dezembro de 1970, pp. 357-374.

:,'/, IliI 1I11111l'rosasrevisões recentes do take-off histórico da Inglaterra e da Françaodt!I'llIlIl. Tiveram uma acolhida desproporcional os estudos de Paul Bairoch (verH,lpo/II!iO/l irulustrielle et ses développements, Paris S.E.D.E.S., 3' ed., 1969).11II 11111/1notável e recente análise de François Crauzet, "The economic history ofIII0t!I'rlll':uropc", The [ournal of Economic History, vol. XXXI, março de 1971,11'1 I, pp. 135-152; R. M. Hartwell, "The causes of the industrial revolution inJo:IIV,llIlId".in Debates in economie histary de Peter Mathias, Londres, Methuen,I' l'tI.. l!1(i7 c 1970,IX-179 pp.; David S. Landes, The unbound Prometheus, teehno-

/o",icul e!tange and industrial development in Westem Europe from 1750 to the

11/'I'~"III, Cambridge, 1969, IX-566 pp., e uma notável análise semiconfidencial, !lar1'lIljlllllllo, de E. A. Wrigley sobre "Modemisation et industrialisation" difundidapl'lll (;ambrirlge Group for the History of Populatiori and Social Strueture. Aconse-lhnmos Claudc Fohlen, Qu'est-ce que Ia révolution industrielle?, Paris, Robert

l./llTlIl1l, ID7I, 317 pp.

!;H, l'hyllis Dcanc c W. S. Cole, British economic grqwth, 1699-1959, University of

Cnmbrldgc, Dcpartment of Applícd Econornic Monographs, Cambridge University

Pwss, W64. XIV-348 pp., com mapas.

nU. Mnurl«: Levy Lcboyer, "Lu now economlc hlstory", Anna/c.1 TI.S. C., l!lGn, n9 5,

PII. 10'\5-1069.

A ECONOMIA: ULTRAPASSAGEM E PROSPECTIVA

60. A expressão tomou-se popular entre os historiadores de língua francesa por MareeiCouturier: "Vers une nouvelle méthodologie mécanographique. La préparation desdonnées", Annales E.S.C., 1966, nv 4, julho-agosto, pp. 769-778.

61. Op. cit., Paris, 1966.

62. J. P. Aron, P. Dumont., E. Le Roy Ladurie, Anthropologie du conscrit français

d'aprês les comptes numériques et sommaires du recrutement de l'armée, 1819-1826,

apresentação cartográfíca, VI seção da E.P.H.E., Paris-La Haye, Mouton, 1972.

262 pp .

63. Emmanue1 Le Roy Ladurie, Histoire du climat depuis l'an mil, Paris, Flammarion,

1967, 379 pp., com ilustrações.

64. Pierre Chaunu, "Le climat et l'histoire à propos d'un livre récent", Revue Histo-

rique, t. CCXXXVIII, fase. 484, pp. 365-376.

65. Pierre Chaunu, "Les enquêtes du centre de recherches d'histoire quantitative deCaen. Bilans et perspectives... ", Colloque du C.N.R.S. de Luon, octobre1970,

1ndustrialisation en Eurape au XIXe siêcle, cartagraphie, typologie, Paris, C.N.R.S.,

1972, pp. 285-304.

O método, cujo mérito pertence a Pierre Gouhier, será exposto com minúcias not. H (a ser publicado em fim de 1971) do Atlas Historique de Normandie, Caen,C.R.H.Q., in [olio, e num fascículo a ser publicado à parte no C.R.H.Q. de Caen.

66. Pierre Gouhier, La population de Ia Normandie du XIIIe au XIXe siêcie, tese em

preparo.

67. Cito o meu capítulo, "La dimension de l'homme", no livro de Pierre Chaunu, La civi-

lisation en Europe des Lumieres, Paris, Arthaud, 1971, 670 pp., com 200 ilustrações.

68. Pela primeira vez, de 1847 a 1851,e de maneira mais ou menos contínua a partir

de 1896.

69. Balanço muito breve em L'Eurape des Lumieres, pp. 95-170.

70. Deve-se ler Population and population studies, a partir de 1946,e Annales de Démo-

graphie Historique, de 1964, e publicação do r.N. E. D. da VI seção da École desHautes Études, do Centro de Cambridge e do C.R.H.Q. de Caen.

71. Um conjunto de possibilidades entre outras em tomo da pressa para batizar; vertambém Pierre Chaunu, "Une histoire réligieuse sérielle", Revue d'Histoire Moderne

et Contemporaine, 1965, n? 1, pp. 5-34.

72. P. Chaunu, "Un nouveau champ pour I'histoire sérielIe, le quantitatif au troísiême

niveau", op. cit., Mélanges Fernand Braudel, t. H, Privat, 1972, pp. 105-126.

73. François Furet e colaboradores, Livre et soeiété dans Ia France du XVIIIe siecle.

Paris-La Haye, Mouton, 1965,t. I; in oetavo, 438 pp., 1970, t. n, 228 pp.

74. Hcnri J. Martín, Livre, pouvoir et société à Paris au XVIIe siêcle (1598-1701),

C('nl'hra, Droz, 2 vols., In66, in oetavo, 1091 pp., com mapas e gráficos, que jáconstavam de L'apparition riu livre, em colaboração com Lucien Febvre, 1958.XI.~558 pp.

75. Rohcrt Estlvnl«, lc tl(~fI(jt /(011,111 .SOIL.I l'Anc;en llép;imn rk l537 1i I7!Jl, Paris, Mimei

Rlvlõr«, l!l(il, I1I-141 PP,j Ia ,1/nUstir/ltr'l,ilJliol'.mphiqltl· do Ia llrrmol! m/ll Ia monar-

clü« llU XV111- ,./~oll', PnrlH·l,n flny~, Mnuton, Hl6!i, 4fiO. PIl. i uma tl'NIl mhncmMrn·

57

!íH HISTÓRIA: NOVAS ABORDAGENS

íada (Bibliothêque de Ia Sorbonne) defendida em 30 de maio de 1971 sobre Biblio-waphie bibliométrique .

.lt», [ean Quéniart, Geneviêve Bollême ... , que criaram recentemente uma Revue d'His-

lnin: du Livre.

TT. Victor-L. Tapié e colaboradores, Enquête snr lrs reuibles, Paris, Centre de Recher-ches sur Ia Civilisation de l'Europe Moderne, ]972, 2 vaIs.

"iH [acques Bertin, Sémiologie graphique, Paris, Cauthier-Villars, Mouton, 1967, grandein quarto, 431 pp.

·í!l. [ean-Píerre Bardet, Pierre Chaunu, Gabriel Désert, Pierre Gouhier, Hugues Neveux,te bâtiment, enquête d'histoire éconcmique, XIVe-XIXe siêcle, I, Maisons rura/es et"rlwines dans Ia Fronce tradiiicnnelle, Paris, Mouton, 1971, 545 pp., com ilus-trações.

HII. "Le quantitatif au troísiàme níveau", art , citado.

HI. Mlchel Vovelle, Piété baroque et déchristianisaticm, Attitudes provençales devant Iamor! au Siêcle des Lumieres, Paris, Plon, 1937, 700 pp.

H:.! Frnn~'()isLebrun, Les hommes et Ia mort en Anjou au XVIe et XVIIIe siêcles,

cssai de démographie et de psychologie historiques, Paris-La Haye, Mouton, 1971.

~n.»('pols da pesquisa de Michel Vovelle, através de 50 mil testamentos entre os~(J(J mil conservadospela Provence, de 1680 a 1790, Jean-Marie Gouesseestá prepa-rnndo um estudo semelhante numa tese sobre a formação do casal, mediante otratamento seria) de milhares de pedidos de dispensa conservados no Ocidente.

)\·1. EN[nrçn-rnc por mostrá-Ia na Histoire Science Sociale - La durée, l'espace et/'110m,,/(' (I Np()(I'lf' moderne, Paris, S.E.D.E.S., 1974, grande in octavo, 450 pp.

.. ."_. *

A demoqrafia

ANDRÊ. BURGUIERE

A DEMOGRAFIA histórica, embora jovem não tem mais de 30 anos -,Ja conhece as doenças da velhice: os trabalhos recentes repetem-se e parecemestacar frente às mesmas antinomias. Isso não é uma constatação de fracasso,mas é o preço pago por um êxito muito rápido. Ao contrário de quase todasas outras disciplinas históricas, que tiveram que armazenar grandes estoquesde informações, familiarizar-se pouco a pouco com as suas fontes, antes deaperfeiçoar os seusmétodos de análise, a demografia histórica encontrou, quaseno mesmo tempo, a mina que deveria asseguraro seu êxito e um método rigorosopara exploração da mesma. ~ só depois da última guerra que se começa naFrança a pesquisar os arquivos das paróquias, arquivos esses que até entãoapenashaviam sido objeto de atençãodos genealogistas. Muito rapidamente, osmétodos de investigação aperfeiçoados - em particular, o método de reconsti-tuição de famílias imaginado por L. Henry, criador inesgotável de técnicas deanálise estatística desse novo tipo de fontes - deram à dcrnografia históricalima base científica sólida .

. Daí provém o paradoxo atual dessa disciplina: uma cllht'ÇII poderosa (llIC

rcpOllsl1 sobre 11m corpo minúsculu. ma utiliza métodos t'81I1tl~lko8 (Ir limamnnciru l(lIn~t' tilo riRormll Iltlltnto 11hi~tória crunômiru, num 1\00111110 multo

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fiO HISTÓRIA: NOVAS ABORDAGENS

mais refratário à medida do que os fatos econômicos. O seu estoque de conhe-.imcntos é muito pequeno; algumas dezenas de aldeias, algumas cidades emer-gem de uma penumbra imensa. No que se refere a regiões inteiras, ainda reina.1 noite completa.

Esse desequilíbrio tem, sem dúvida, muita influência no êxito que a demo-)!,rafia conhece atualmente entre os historiadores. À sofisticação das técnicasutilizadas, sofisticação essa que lhe garante uma espécie de legitimidade a priori,li investigador acrescenta a parte inédita de um terreno ainda quase virgem.Cada nova paróquia estudada parece lançar dúvidas sobre tudo o que foi adqui-rido, como se o conhecimento das populações pré-industriais, que apareceu, numaprimeira fase, fragmentado num número grande de monografias, devesse surgir,não da reconciliação das investigações fragmentárias, mas da competição en-t rc elas.

Se a medida do interesse das fontes demográficas fosse a sua qualidadeestatística, a época contemporânea seria, para a demografia histórica, ao mesmotCl11pO,a mais cômoda e a melhor conhecida. Estado civil, recenseamento feito«m épocas regulares fornecem uma documentação que, praticamente, não temlimites. No entanto, o estudo das populações pré-industriais fez mais progressonesses últimos vinte anos do que o das populações da idade industrial. UmIt'Ilr/lll(:no complexo como a redução da fecundidade e a introdução do controle.lc natalidade na Europa, no fim do século XVIII, foi estudado de maneiraIlluito superior, se não foi melhor explicado, do que o movimento inverso, ardol11ada da natalidade, o baby boom da década de 1940. Esse último é um{t'Il(\n1l:no recente, fenômeno de importância capital, cujos resultados aparecemnitidamente no mundo que nos cerca. :fi um fenômeno misterioso, porque apa-nH', 110mesmo momento, entre 1940 e 1945, em países atingidos pela guerradi· 11l:iIH·ir.1muito desigual, como a Austrália e a. Tchecoslováquia, 'Os Estadosllnidos e a Suécia, a França e o Reino Unido etc... Um manual recente dedr·IIlII~~rafia histórica", dotado de excelente documentação sobre o século XVIII' li sérulo XVIII, explica essa retomada da natalidade no meio do século XXromo "um sobressalto das populações brancas", frente ao perigo mortal que1111"'1fil~ <"orrer a guerra mundial e a proliferação' das populações de cor.

11 lima hipótese que ativa o trabalho da imaginação, mas que traduz sobre-tlldll li subdesenvolvimento da história demográfica do período contemporâneo.11 11 ohsto'tndll mais evidente que o historiador encontra. :fi antes a escassez do

'I~'(!11. ahllndâ~cia de fontes que atra.i para um determinado período a pesquisa.11I~lbl'Il"i1e estimula o seu desenvolvimento. A demografia da época pré-indus-t riu I e pré-cstatística (que nós, na França, chamamos de época moderna) bene-[iciou-sc incontestavelmente com o efeito de impulso de uma escola histórica'1l1r se renovava e quc, partindo do estudo serial dos preços, era levada adc·slocar a sua problemática da produção para a população; e da população para,I sociedade. Também nesse caso, como em cada renovação importante dapcsll"isit histórica, o impulso essencial veio do exterior. Foi dado tal impulsopdos dt·mt'Jwafos elo T. N .TI. D., ruja maior preocupação era o estudo dahaixn tcndcncial ti:! fecundidade na França. Para apurar não apenas as causasdc~~a baixa, mas o seu mecanismo, parecia necessário reronsrituir a sua história,I', porlnnln.tlc subir no rurso do tempo at{· a mudança de conjuntura, ao ponto

••••• _ •••••• _ ••••••••••.••• ' ~_ •. __ •••••.•c~ .

A DEMOGRAFIA 61

em que a população francesa ainda conhecia as taxas estáveis e elevadas deiecundidade da maior parte das sociedades agrárias atuais.

O interesse essencial dos registros paroquiais consiste em modificar a natu-reza da informação estatística. As séries de preços, de entradas de ouro, asséries de dízimas ou as datas das vindimas, os outros recursos da história quanti-tativa permitem atribuir a medida exata, permitem indicar a tendência dos fenô-menos que os contemporâneos podiam observar, a olho nu, sem medir a impor-tância. As cifras exprimem, assim, neles mesmos, uma realidade mínima mani-festa, mesmo se, para adquirir a sua inteira significação, têm necessidade deser integrados a uma explicação histórica global. As informações mais originaisc mais preciosas que é possível extrair das fichas de família, as estatísticas defecundidade, dão, ao contrário, a impressão de uma passagem direta, graças àlinguagem matemática, de uma realidade manifesta a uma realidade secreta, doscomportamentos aos motivos. Com elas, a história quantitativa pôde alimentar:l ambição de medir o que é incomensurável, de atingir, sem o atalho ingratod05 testemunhos literários ou simplesmente íntimos (com os livros de razão),os comportamentos de base, o que não é confessado.

Todo resultado traz em si uma significação considerável, e daí advém aatração inesgotável das monografias; ao mesmo tempo, no entanto, nele próprio,por ele próprio, o resultado nada significa. É preciso combinar uns com osoutros, as taxas de fecundidade, os espaços entre os nascimentos, a idade nocasamento, e taxa de mortalidade, para construir um modelo, ou seja, um compor-tamento simulado. Será que o modelo fornece, ele próprio, a chave de fenô-meno? Pois essas combinações são variáveis. Eles não fornecem apenas ummodelo, fornecem vários modelos, que nos deixam todos na fronteira de umarealidade cultural ambígua. A polissemia de significação da estatística demo-gráfica é mais evidente do que em qualquer outra parte nesse terreno ambiciosoonde a colocaram os registros de paróquias. É por isso que gostaríamos delimitar a nossa reflexão a esse período (séculos XVII e XVIII) e a esse proble-ma do modelo demográfico. Até agora, é nesse período que a demografiamais atraiu o historiador, que ela mais enriqueceu o seu saber, e também em'lue ela mais suscita dificuldades,

Há, em primeiro lugar, a dificuldade de avaliar-se a antigüidade de umregime demográfico que a condição das fontes - pelo menos no que se refere,\ França - só permite observar com precisão a partir do meado do século XVII.Será que estamos em presença de um modelo tradicional, o primeiro, consti-tuído há muito tempo como o sistema econômico sobre base agrícola, base daqual seria o corolário, carregado já com o peso de uma história plurissecular?Ou trata-se de um modelo posto em funcionamento no momento em que apa-recem as fontes, quer dizer, no que se refere ~ França, no séquito da reformacatólica? Seria, portanto, uma estrutura de transição, respondendo à conjun-tura difícil do século XVII: modelo de austeridade correspondente a uma eco-nomia contraída, mas que preparava, igualmente, a industrialização e a de-colagem.

. Há dificuldade também em ptojetar esse modelo no espaço e a medir osmovimentos amplos, as migrações '1ue aparecem mal no campo operatório delima monogrnf'in . A rcrol1~tillli~iI() da fnmília c o estudo da fccundidmle familiar

HISTóRIA: NOVAS ABORDAGENS

s6 se podem aplicar - como acabamosde sublinhar - no caso de populaçõesestáveis, (lue não migram ou migram pouco. A preocupação do pesquisador édescobrir traços, para o maior número de famílias, de todos os nascimentos e,eventualmente, dos falecimentos de crianças, na paróquia ou nas paróquias vizi-nhas. e por esse motivo que os primeiros estudos concentraram-semais nasparóquias rurais pouco afetadas, em princípio, pela mobilidade geográfica.A. força de guerer eliminar o efeito perturbador das migrações sobre a análise,'statíslica dessaspopulações, acaba-sepor superestimar a sua estabilidade.

No entanto, as contradições do balanço demográfico geral do século XVIIIdeixam supor importantes migrações. Se na maior parte das regiões (excluídoti Ocidente) as paróquias registram uma baixa muito sensível da mortalidade emostram, desde o meio do século, uma taxa de substitução claramente positiva,as cidades, ou pelo menos aquelassobre os quais possuímos algum conhecimento,mostram uma forte mortalidade e uma taxa deficitária. Ao mesmo tempo, porém,a sua população ou aumenta ou se mantém. Deve-se, por conseguinte, suporum apelo constante, atraindo para essas cidades "morredouros" as populaçõesrur.us, As Cidadesem expansão são, na realidade, cidade Molochs onde vêmmcrgulhur uma parte dos excedentes demográficos do campo. Um dos(I.pertos novos do século XVIII, um daqueles gue melhor podem explicar essehCl11-cstilrmisterioso que se instala sem revolução industrial e sem revoluçãou,lCl'/roln,é o aumento da circulação de homens entre os campos e as cidades.IIliviuntlo (I mundo agrícola e renovando a mão-de-obra urbana.

Há, enfim, dificuldade em não subestimar o peso das contradições sociais.() ohshkul(l é a insuficiência dos registros, quando não mencionam as profissões,IllUS é também a confiança excessiva dos historiadores no valor das médiasohtidus pela análise estatística. As médias dissimulam os casosde aberração,asdircrcn~'associais. Essa falta de atenção é tanto mais surpreendente porque adC'lllo}(rafia histórica, quando recorre às fontes estatísticas, ou seriais, tomapurlido rontra uma história impressionista, descritiva, que aceita sem discussãoo, testemunhos literários, ou os exemplos ilustres. Não é suficiente opor umadrlllll/olr;lfia dl' dite a uma demografia de massapara suprimir esse.problema.11 romu 11I ter-se a impressão de gue, uma vez atingidos os dados de massa,IOIl~idcru-se novamente como neutro o terreno demográfico, embora os anta-RtulimlOS sociais exerçam-senesse terreno com grande virulência.

"Qualquer t!ue seja a acuidade de nossos meios de análise, eles 'nuncapermitirum diferenciar um comportamento demográfico de mão-de-obra agrá-riu de um comportamento demográfico de mão-de-obra industrial", escreve.P. (:I1iI1I1I1I~.a propósito da Normandia. E certo que, no nível da paróquia, ()mund« rural, isolado, ainda fortemente pre~o ao molde da comunidade aldeã,apresentanté () fim do Ancien Régime uma grande uniformidade de comporta-1I1C'1110,l!UC obscurece as diferenças sociais. Será isso, no entanto, razão sufi-ricnte para afirmar que "a unidade do comportamento demográfico é maisterriturin] do C)lIC cconômico-social-"? Não é a estreiteza dessasdiferenças gueIII torna para nós imperccptlvcis, mas a estreiteza do campo de observação.A rompartimcntação das pesquisas exagerao isolamento dessaspopulações, dandoII impressão de que elas se desenvolvem no interior de sua mônada, Iimitando-sc

...

A DEMOGRAFIA 63

a reproduzir as nor~as de um modelo geral. É preciso temer, aqui, a demo-grafia do "pequeno jardim". E necessário sair dos limites da paróquia paracomparar as perjormnnces, e para apreender (por exemplo, entre a cidade e ocampo), no interior dos comportamentos demográficos, as relações de classe.

Mostrar, a propósito da mortalidade, o peso dos antagonismos sociais sobre:o destino demográfico das populações é matéria de evidência. Baehrel' analisoumuito bem o clima de luta de classesgue a peste suscitou nas cidades. P. Gou-bert observa no Beauvaisis, em período de crise, uma mortalidade tipicamenteeconômico-social nas "localidades... cheias de tecelões como Mouy e SaintQuentin de Beauvais?". Enfim, vários estudos recentes? mostraram como aprática de colocar as crianças em casa de amas-de-leite, fenômeno de massanoséculo XVIII, submetia o campo a uma exploração encadeada, que reproduziaa hierarquia social: concorrência entre meios burgueses que podem escolher asmelhores amas-de-leite, nas aldeias mais próximas, e meios populares, que devemprocurar mais longe para pagar mais barato. Concorrência entre filhos legítimose crianças abandonadasque eram confiadas às amas-de-leitemais baratas,conde-nadas assim a uma morte provável. Os camponesessão envolvidos nessaamplia-ção infernal do mercado das amas-de-leite. Nas aldeias próximas de Lyon, nume-rosas famílias, especulandocom a diferença de salários de amas-de-leiteentre aregião lionesa e regiões periféricas, colocam os seus próprios filhos por preçosmais baratos nas zonas de mortalidade, para elas próprias se tornarem amas-de-leite dos filhos das famílias abastadasde Lyon".

Seria inexato limitar a influência desses antagonismos às situações emchoques. Entre dominadores e dominados, a imitação, o contágio criam umatensão favorável à evolução dos comportamentos. Os comportamentos demográ-ficos obedecem,desseponto-de-vista, às mesmasregras do gue os outros compor-tamentos culturais. Há, por exemplo, uma contaminação descendente,por assimdizer, no gue se refere à oontraconcepção". Contaminação ascendente no (me

se refere à idade matrimonial.

FISIOLOGIA E COMPORTAMENTOS:A DEMOGRAFIA EM "MIGALHAS"

o historiador dcmógrafo recusa-sealgumas vezes a reconhecer nos fenõ-menos dcmográficos a marca das contradições sociais, pelo seguinte motivo: elese recusa 11 .integrar os fatos biolôgicos no discurso histórico. A. ilu.ao da eXI.·I~nrill de um modelo ,qend tln demogrnfia do AI/rim RJgi"", iI,,~aH CSIIII'1111'

. !i.'-.L .• *

HISTÓRIA: NOVAS ABORDAGENS

Illspi rou os primeiros trabalhos de demografia histórica, fundava-se numa ten-di'lleia natural do sentido comum em superestimar a uniformidade e a constânciados caracteres fisiológicos. Tomemos, por exemplo, o caso da fecundidade -fenômeno esse que se considera depender, no regime demográfico antigo, dol"go único dos mecanismosfisiológicos. A impressãogeral é a de uma fecundi-dadc forte . Ainda mais do que a mortalidade, é ela que parece definir omodelo pela fronteira econômico-cultural que traça, entre uma demografia ditan.uural c a demografia maltusiana das populações industriais contemporâneas.

Ora, o estudo da evolução da fecundidade das mulheres casadas, por(amadas de idade qüinqüenais, mostra que, num perfil idêntico (o que corres-I'0nde a um comportamento não-contraceptivos), as taxas de fecundidade emcada classe de idade variam fortemente de uma região para outra. Há umaIe.undidadc muito forte no Canadá francês", em Flandres-? e no Oeste armo-ricanov', bastante forte na Normandia e na bacia de Paris>, e medíocre noSudoeste1

:1

• Como explicar tais variações, se admitirmos que os casos contem-plados (a fecundidade das mulheres diminuindo ao ritmo de uma evolução fisio-lú~iL'a não-controlada) pertencem todos ao modelo não-maltusiano? Sabe-sea~ora, com os estudos feitos sobre as populaçõesnão-européiasatuais do terceiromundo, que a fertilidade dos casais não-maltusianos pode variar sensivelmentede uma a outra etnia . A essepropósito, as mulheres canadensesparecem deterli recorde de fecundidade das populações brancas. Essas disparidades naturaisjamais atingem a amplitude de variação que se registra, por exemplo, na camadade idade de 25 a 29 anos, entre as mulheres de Sainghin (521 %) e as mulheresde Thczels (335%). O estudo de uma população Ammasalimiut>, antes darcrcntc introdução do birth (0012tro1,revela, entre as mulheres esquimós, taxas de((,(,lI11didadec uma periodicidade de nascimentos muito semelhantes aos dasIlamcngas no século XVIII.

e

I I""!/'//I/.tlidad" por idade 15-19 20-24 25-29 30-34 35-39 40-44 45

--1--- --- --- --- ---

HILi 1111:h i11 (ItiBO-I7:l\l)

I512 521 419 402 220 31

HI\1'1'IIHI''y1.1111d 496 526 452 328 241

I rücrnalo« irücrqenésicos médios sem aniiconcepção (por meses)

--------,-----;--------,------,-----;-----c------,-----

_ 1~ J__2~ -'_ ~~. _ 4__~J~~~~~.Penúlt. Último

I()I'I"'li(11l111l11m

Hl1ol'(1'-'hY1.11I1d

(cllv4l\(11I~ 11111,1'/4 do IU:iFí)

:u;a25,22(\,1

24,12a,n2:1,7

2G,924,12·t,7

27,723,1124,1

32 31,9302R,R

al.l,7az.s2n,R21l,O

A DEMOGRAFIA 65

Mesmo a supor que seja concebível uma tal vanaçao, que diferença étnicaradical entre o norte e o sudoesteda França poderia justificá-Ia? Essa fecundi-dadc medíocre reflete talvez simplesmente uma saúdee uma alimentação medío-cres, que tornavam mais freqüentes os abortos acidentais. Podemos tambémadmitir, como vimos acima, a existência de métodos contraceptivos difusos,ainda muito hesitante para que se iniciasse uma verdadeira planificação familiare para que se possa observar na curva de evolução da fecundidade familiar.

Os intervalos entre os nascimentos oferecem um observatório mais exato dafecundidade. Os historiadores acreditaram, no começo, que tinham atingidouma certeza que subvertia as idéias admitidas, mas permitia explicar porque aspopulações contraceptivas, permaneciam ao abrigo da inflação demográfica:os nascimentos eram separadospor intervalos maiores do que se pensava; entre16 e 31,5, mas segundo o modelo proposto por Wrigley15. Em realidade, seexcetuarmos o intervalo protogenésico (entre o casamento e o primeiro parto),que é sempre mais curto, e os três últimos intervalos (nas famílias "completas"),que são, em princípio, sensivelmentemais longos, os intervalos estatísticosmédiossituam-se, na maior parte dos grupos estudados, entre 20 e 28 meses. Alémde 28 meses,pode-se supor a presença de um certo "rnaltusianismo". A análiseatenta dos intervalos impõe outras correções. Distingue-se o caso em que osintervalos médios permanecem praticamente estáveisaté o ante-penúltimo (tipoCanadá francês, ou "três aldeias") do caso em que mostram um prolongamentoconstante (tipo Thezels). Nesse último caso, não se pode excluir em absolutouma contracepçãodifusa.

Lnicrualos s'ucessivos I 1-2 2-3 3-4 Ante- Penúlt. Último(por meses) I penúlt.

------~-~--------_._----- -~ ... _.- --- ------ ---- --- ---

Três aldeias de Ile-de-France(casamentosde 1740-1799) 19,8 23,5 23,3 27 29,1 :'5,2Canadá (casamentos1700-1730) 21 22,6 22,9Thézels (casamentos1700-17(2) 25,4 30 32,2 32,6 33,7 38,2 I

'i II '

I1

,I

As populações rurais, definidas pelos critérios clássicos como não-maltu-sianas, apresentam tanta diversidade nos intervalos intergenésicos médios comonas taxas de feçundidade; o que não surpreende porque essesdois modos deobservação medem o mesmo fenômeno. No conjunto, no entanto, a mulher-padrão não tem mais de um filho .cada dois anos. "Não encontrei nenhumaexceçãoa essa regra", afirmou, em 1965, Pierre Goubert, que destruiu o mitodo parto anual!". 11possível que o mito tenha sido enterrado com excessivarapidez. As primeiras monografias relativas às populações urbanas revelaramintervalos sensivelmente mais curtos. Assim, no que diz respeito às burguesasde Genebra. Em Mculnn (período entre 1(j(jO e 17R9). para 30% da~ mulheres,(lS primeiros intervalos inter~entsi{'l(Jstêm menos de I '\ meses, parR '10(~1, meno«

(\11 HISTÓRIA : NOVAS ABORDAGENS

dt' 1 H meses, Em Lyon, entre os açougueiros, no caso dos quais M. Gardenefctuou uma sistemática reconstituição de famílias, os intervalos médios são de12 meses;as famílias típicas são as de doze, dezesseis,vinte filhos. Será queessa hiperfecundidade é privativa das famílias de açougueiros? Constata-seumanutalidade tão vertiginosa quanto a última, no caso dos operários que traba-lhavam com seda na paróquia de Saint-Georges: na reconstituição de 240 famí-lias em que a idade do casamentoé tão tardia como em outros lugares, encon-Ira-se, por família, um número de filhos de 8, 25 . Nas paróquias de La Platiêre,de Saint-Pierre, mais híbridas do ponto de vista social, o número de filhos éS\I pcrior a 7.

tu muito tempo se suspeitava do desnível entre a cidade e o campo.AI rihui-sc isso geralmente à prática de envio das crianças para amas-de-Ieite,Corno a prática de amamentar tem por efeito suspender, durante algum tempo,a ovulação, as mulheres citadinas que não amamentavamos seus filhos deviam,ncressariarnente, ficar grávidas com muito mais rapidez do que as camponesas'Iue amamentavam os seuspróprios filhos, e, freqüentemente, os filhos de outros,Verificaram-se os efeitos da prática de amamentar pelo teste dos falecimentosem idade baixa". Quando uma criança morre pouco tempo depois de seu nasci-mcnto, constata-se com freqüência que o intervalo entre o nascimento dessacriança c o nascimento seguinte é muito mais curto do que os outros: a mortetllI criança, interrompendo o período de amamentar, precipitou o reinício daovulação. Na verdade, P. Goubert'" mostrou muito bem que o fenômeno sepassavaapenas em certos tipos de famílias. Os médicos mantêm muita reser:aNobreessaforma de amenorréia, e a importância que lhe atribuem depende mais,

1111(lUc parece, de convicções religiosas do que de convicções cientificas?".

Será acaso necessáriosupor a existência de tabus sexuais relacionados comII pr{11ira 'de all1~mentarcada vez mais fortes, ou ~ub~tituin.douma i,ni?'içãofisio-MHilll aleatória? Em outras culturas, existem tais interditos. Aldeia de que1111I11mulher tlUC ficasse grávida durante o período de amamentaçãopoderia,I' 1111ISSlI, )'1>1' crn perigo a vida da criança apareceno Talrnudw , No século XVI,1I'J'llI~ rusuislas, como Ledesmaw, consideram pelas mesmas razões, o período('11\II"e a mulher amamenta uma criança como um dos motivos pelos quais elaNa pude recusar ao cumprimento do dever conjugal. A Igreja, no entanto, nuncailllpfl~ ofirialmcntc a abstinência sexual durante o período da amamentação,A csnlsscz dos testemunhos permite supor que a população ignorava tanto oII"C diziam os teólogos quanto os perigos que uma nova concepçãopodia acar-rrtur n rriallP amamentada.

Esse desnível entre meio rural e meio urbano, onde a prática de amamentarpnr('('t' desemp<:n~arum certo papel, é apenasun; aspecto ~a extrema disp,ersãodI' dados cstutísticos de que dispomos sobre o nível e o ritmo da fecundidadcrllllliliar na França do Ancien Régime. Essesdados, no entanto, devem indicarII Icndência média, unificar a nebulosa dos casos particulares. Tudo se passa.rornn Se! a variedade tIue foi possível superar no nível d~ monografi~ ressurgissemals alto, no momento em que se quer estabeleceruma Imagem nacional. Numdomíni« em <Iue a dosagem dos mecanismosfisiológicos e do condicionamentor ulturul t: l:íll difkil de cstuhclcrcr, pare'ce mais justo pl'lIpor, como (I fn

A DEMOGRAFIA 67

P. Goubert, para as aldeias do Beauvaisis, uma tipologia dos ritmos familiares,do que procurar determinar um comportamento coletivo.

O interesse dos registros paroquias é, no entanto, e justamente, revelar,além das cifras, comportamentos. A originalidade desse tratamento estatísticoé integrar, em seus cálculos, o que, habitualmente, não se mede, mas asseguraa unidade dos comportamentos: as morais sexuais, as atitudes frente à vida.D'Angeville, antepassadogenial da cartografia estatística, construíra um ín~c:,pOi departamento, da moralidade=, a partir do número de bas~ardose de enJel-tados. Os registros paroquiais permitem uma observação mais completa: nãosomente através das condutas aberrantes, concepçõespré-nupciais e nascimentosilegítimos, mas através do movimento sazonário das concepções. Esse últimotipo de observaçãopermanecemuito aleatório, O princípio é observar, no movi-mento sazonário das concepções,em que medida tal população obedece ou nãoàs ordens de abstinência de quaresmaimpostas pela Igreja. Obtém-se,assim, umaprimei r? avaliação de seu conformismo moral e religioso.

Essas indicações são enfraquecidas por dois obstáculos: em primeiro lugar,as datas da quaresma mudam constantemente. Convém, portanto, para evitar ~sriscos de erro concentrar a observaçãono mês de março; segundo lugar: a contr-nência da quaresma, muito estrita na Alta Idade Média, havia caído em desusoa partir do século XIV, Na obra de Pierre de Ia Palud, que renovou, no começodo século XIV, a teoria do casamento,essaabstinência já não aparececomo umaobrigação> , Pantagruel, que foi o verdadeiro inventor dos métodos de despe-jamento dos registros paroquiais, constata, nos "papéis de batismo de Thouars",que um grande número de crianças nascem em outubro e novembro, "os quais,pelo cálculo regressivo, foram feitos e concebidos na Quaresma", Ainda assim,aconselhava-sea abstinência; é possível também que o clima de penitência. re-criado pela reforma católica durante a quaresma tenha despertado os velhosinterditos. Registra-se,nos séculos XVII e XVIII, para certas populações, umabaixa sensível de concepçõesem fevereiro e março, e, algumas vezes,um mínimode concepçõesem março, que parece difícil explicar de outra maneira. 'h o casodo Canadá, no começo do século XVIII, do Auvergne, mas também de certascidades, como Liêge e Paris (ver o quadro da página seguinte),

Pareceque há mais respeito em Paris pela continência da quaresma,do queIlUS seu arredores (por exemplo, no Vexin francês), Isso não nos deve surpre-ender, A nova Babilônia de todos os prazeres e de todas as devassidõesé umaminoria aristocrática que os testemunhos literários exageraram. O povo parisien-se, em sua massa,mantém um comportamento austero e religioso: a influênciado jansenismo conserva-se viva. De uma maneira geral, as grandes cidadesfrancesasdispõem de um quadro religioso superior ao do campo. Como explicar,no entanto, que a continência da quaresma seja acentuadano sudoestee ausenteno oeste? Em certos casos, uma semicontinência de quaresma pôde manter-se,não como obediência mas como sobrevivência, como hábito herdado, esvaziadodesde então de toda substânciamoral,

. O único meio de verificar o valor dessaausênciade concepçõesna tluares-mil, como índice de moralidade,é ver se ela concorda com IIS indicadores dedesvios: nascimentos ilegltimr» e ~on('ep(õespré-nupciais, Dois cornportamcntostluetrnnsgridcm II moral rcligi()~1I (nth'>lkll ou protestnntc}. Aa tllXIII 8111,em

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118 HISTÓRIA: NOVAS ABORDAGENS

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A DEMOGRAFIA

geral, fracas, em comparação às taxas de nossassociedadesindustriais, e dão aimpressão de uma disciplina moral bem grande. Mas esses comportamentostransgridem essesinterditos? Os nascimentos ilegítimos representam na França,muitas vezes, menos de 1% dos nascimentos, e ultrapassam raramente a 6%.As concepçõespré-nupciais são mais variáveis. Elas são fracas no Oeste, e, aoque parece, também no Sudoeste,elas são mais freqüentes na Bacia parisiense ena Normandia. Junto das grandes aglomerações (por exemplo, em Sainghinperto de Lille, em Soteville perto de Rouen) elas podem atingir e mesmo ultra-passar <O terço dos primeiros nascimentos, ou seja, as taxas atuais.

Seríamos, portanto, tentados a só tomar em consideração os nascimentosilegítimos, transgressãomaior da moral cristã, cuja amplitude parece dar a medidada importância dos comportamentos marginais. Será que o aumento da ilegiti-midade nas cidades do século XVIII indica uma baixa da moralidade (ou umaumento dos marginalismos sociais)? Uma grande parte das mães solteirasvêm de paróquias rurais de que tiveram que fugir, grávidas, para evitar a repro-vação pública. Como distinguir nesse aumento a parte da delinqüência urbanada parte da delinqüência rural? Pode-se indagar também se esse aumento nãodecorre, em parte, do fortalecimento da repressão. Haviam sido instituídas asdeclaraçõesde gravidez para que se iniciassem processos contra os sedutoresrecalcitrantes. Tais declaraçõessó se tornam freqüentes, no entanto, a partir doséculo XVIII. :É verossímil que a administração, até então, era mais tolerante,porque a própria sociedadeera mais indulgente: havia menos reprovação contraos bastardos e, certamente também nas comunidades aldeãs, menos dificuldadeem reconhecimentos de paternidade. Em vez de corresponder a um enfraque-cimento da moralidade, o aumento da ilegitimidade poderia corresponder aofortalecimento e à transformação da célula conjugal.

Num estudo muito minucioso da ilegitimidade em Nantes no século XVIIJ2" ,J. Depauw constata que os nascimentosilegítimos aumentam na segundametadedo século, mas que se devem cada vez menos a uniões baseadasna desigualdade(amores anciliares, mulheres mantidas etc... ), e mais as uniões feitas com oobjetivo de chegar ao casamento. De uma certa forma, tratava-se de concepçõespré-nupciais que não chegaram ao objetivo do casamento.

Se, no século XVIII, a ilegitimidade torna-se o vestíbulo das concepçõespré-nupciais, a observaçãodeve concentrar-senelas. As taxas de tais concepçõessão tão variadas que é difícil chegar a qualquer conclusão. Na Inglaterra ondetais concepçõeseram já muito numerosas, no século XVII, as concepçõespré-nupciais parecem decorrer da sobrevivência do contrato de casamento=,uma espé-cie de chancelada união carnal, à qual a cerimônia religiosa traz uma tardia con-firmação oficial. Será que uma tal explicação é válida para a França? Poder-se-ianessecaso relacionar o aumento de concepções pré-nupciais no século XVIII eo aumento do número de casamentostardios. Os dois fenômenos, no entanto,não concordam. Em Sennely, paróquia de Solognew, as concepçõespré-nupcinissãó muito freqüentes (de 10 a 14%) no século XVIII, enquanto que a idadedo casamento permanece relativamente baixa (raramente, as pessoasse rasamdepois de vinte c quatro anos).

Que nos resta do regime demográfl«. nntigo? De perto, ("lida um clON I ru~'m_que ci compõem dissoJve-Mt' numa multidão de variantes, ItN (Il\l\/N permitem IImll

69

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70 HISTÓRIA: NOVAS ABORDAGENS

multidão de combinações. Disso vem que se proponham diversos modelos regio-1I001S, exprimindo-se com força, no comportamento das populações, a diversidade.1.1 França do Ancren Régime. A um tipo de demografia de "plat pay" s caracte-rizada por uma grande fecundidade, uma grande vulnerabilidade em frente às«r iscs, c uma grande disciplina sexual, P. Chaunu opôs, anteriorrnente=, uma.lcmografia aldeã, mais rnaltusiana, mais robusta, e menos rigorosa moralmente.Na escalada Europa, o mesmo autor supõe hoje em dia, para o século XVIII,.1 existência "de uns cinqüenta tipos de comportamentos entre os quais se re-p.irtem vários milhares de moléculas de comportamento demográfico de base"'".I: inegável gue, na França do Ancien Régime, as vocaçõeseconômicas,os cos-lumes, as herançasculturais forjaram e justapuseram vários modelos demográ-Iiros , Será, no entanto, que a "teoria rnolecular", que erige em sistema a diver-sidadc, não se arrisca a tomar as condições da pesquisa pelas condiçõesda reali-.l.ule, de chamar de molécula a um simples corte monográfico? Será gue essapluralidadc não é exageradapela nossa ignorância do conjunto? Como nós nãol,odc:mosligar entre si as ilhas de uma demografia "em migalhas", postulamos a

diversidade.

AS CHAVES DO MILAGRE

DEMOGRAFICO OCIDENTAL

A um inventário sistemático das variantes, inventário esse que nos levaria.1 lima "taxinomia" interminável, tenta-nos preferir uma reflexão sobre o sen-11110 (10 modelo demográfico antigo, isto é, ao mesmo tempo, a direção de't.1I evolução c de sua significação. O interesse despertado recentemente pelas1I11~l'I1S da contracepção na França oorresponde diretamente a essa preocupa-~,111. Graças à análise estatística da fecundidade familiar, não há mais dúvidas(Iuantu à realidade do fenômeno: as práticas maltusianas se difundem na massada rupulação francesa no século XVIII. A sua interpretação permaneceproble-mática , Ora, o fenômeno que se observa no nível dos mecanismos dernográ-[icos, c que se pode observar nas curvas de fecundidade, .só adquire sentid.ona medida em que nos leva a examinar uma mudança mais profunda e mais«unplctn, ao nível das mentalidades.

Pode-se,evidentemente, isolar >O fenômeno de seu contexto histórico. A P,lS-

sagem para uma dcmografia maltusiana é uma transformação que toda socie-dade encontra, eedo ou tarde, no caminho da industrialização. Na época atual,numerosos l'aisc5 do terceiro mundo esforçam-separa organizá-Ia artificialmenterlllra apresalir () dcscnvclvimento . As re8ist~ncillS com lluC depuram dernonstrum

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A DEMOGRAFIA 71

gue o fenorneno ultrapassa a técnica demográfica, que ele coloca em causatodaa armação cultur~l de uma sociedade: perguntar por que as práticas con-traceptrvas foram Inventadas ou foram reinventadas na França do século XVIIIe por_que o seu ~onhecimentose ~ifunde, consiste,no fundo, em colocar uma sóquestão. As. pra~lCas contraceptivas na sua versão mais primitivas e maispopular: o =: mtermpt«: - eram estritamente proibidas pela Igreja e conde-nados com~ praticas contra a ~atureza28. A introdução dessaspráticas foi, por-~ant?, conSideradadurante muito tempo pelos meios católicos como um ato deImpI.edade:explicava-se o fenômeno seja por um movimento de descristianização,ll1~v~mentoc:sse<)uelevava uma parte da população a não mais respeitar a moralrel~g~~sa,~eJ~,SImplesmente, por uma decadênciageral da moralidade. Essaoprruao C~I?Cldlacom a dos "aritméticos políticos" da época, observadoresalertase melancólicos das transformações demográficas, como Moheau: a difusão dos.,seg~edosf~~estos" é prova para ele de que a corrupção moral das cidades,manifestada Ja pelo aumento de crianças enjeitadas, contamina o campo.

Nós sabemC?so quanto são difíceis de interpretar os índices de moralidade(1ue a de~?gr~úa fornece. O crescimento da ilegitimidade é imputável tanto aLImarnodificaçâo das relações pré-conjugaís quanto a um aumento do adultério:. da devassidâoe?", Q~an~D. ao.a.u~ento do número de crianças enjeitadas nasL!da~es'A~ue se atribuía a ilegitimidade, ela parece obra, em muitos casos, demat;ImonlOs que, não tendo podido limitar o número de nascimentos, limitam(I. numero de membros da farnflia-v , Parece, no entanto, sobretudo difícil ima-g.mar que,.durante muito tempo, o proibido tenha sido, ao mesmo tempo, conhe-od? e e~tCltamenteo?servado. Tud~ o que.é proibido provoca a sua transgressão.Alem diSSO,nesse nível em que ~ inconsciente, as atitudes reflexas, os impulsos~esempen?a~ um papel predominante, as condutas exigem mais do que umSImples código moral.

• . É nis.soque a interpr~tação de Ph. Ariês-", que fez trabalho pioneiro nesseterreno ~md~ pouco frequentado, oferece perspectivas muito mais satisfatóriaspara o historiador. Para ele, a proibição que a Igreja fazia pesar sobre o coiius.uterruptus t.ra~sformou-se em tabu. O que significa que ele foi, ao mesmot.:mpo, InteCl?C1zado,~ um ponto q.uenão era mais necessáriolembrar a proibi-~~o para f~ze-l~ ~espeltar,e esquecido Ele tornou-se "impensável". Tal meca-nisrno de; ~nte,C1~n~açãoé característico ~e t?~as as oondutas sociais em que ol~vre arbítrio e ltm~tado por uma moral implícita, por uma herança cultural. Astécnicas contraceptrvas não desapareceram completamente da realidade masdesapareceramda memória. Ê uma prova, entre outras, de tal esquecimento, otato .de que a palavra que serve para designar essaproibição transformou-se se-manticarnente: o pecado de Onan, que entre os teólogos corresponde ao coitusli.'lem:ptm, referente à passagemd~ ~elho Testame~to sobre a doutrina na qual.! JgreJa.fundamenta a sua condenação,acaboupor designar,em linguagem comum,11.10 mais a contracepção,mas a masturbação.

A difusão d.o,s!nétodos con.traceptivosno século XVIII não corresponde,portanto, a ~lma súbita e ge~erahzadatransgressãodo proibido, mas a uma mu-dança de atttud.e frente l vida: mudança afetiva que conduz 11 querer SlUantir·n futuro .d~~s.fIlhos,. pela. e~ucaçiio,.1\clcv~ão. do nível de vidA, o nlo «"til".{.Izê-Ius 11.ISlt r. tlue conduz Iltlllllmcnte 11 l&tClbulr valor "0 .e.unl' e 11 "dv/liur" 11.

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HISTóRIA: NOVAS ABORDAGENS

relações conjugais. li também uma transformação ética, que conduz a dissociar,110 casamento,o prazer, da geração, quando a doutrina da Igreja só justificava() primeiro pelo segundo. A idéia, que parece paradoxal, de que a limitação denatalidade possa ser encorajada por uma atenção cada vez maior com relação1\ criação é apoiada, no que se refere à França do século XVIII, por numerosostestemunhos literários ou iconográficos. "Foi quando os francesescomeçaram ainteressar-sepelas criançasque começarama ter poucos filhos", escreveuo DoutorSultcr, resumindo o pensamento de Ph. Ariês , Acrescentemos que essa idéiaronrordu com a lógica da conjuntura demográfica. O fato de que diminui amortalidade infantil conduz à limitação de nascimentospara prevenir um aumento1111 imposto sobre o tamanho das famílias; essamesma diminuição da mortalidadeinritn igualmente a investir muito mais (no plano material como no plano afe-tivo) em crianças cujo nascimento e cuja sobrevivência não são mais exatamenteresultudos do acaso.

Os homens de igreja que, na própria época, parecemter tomado consciênciadll importância social do fenômeno, confirmam esseestado de espírito. Monse-nhor Itl nivicr, bispo de Mans, constata em 1842 que as práticas contracep-tivus síío de uso corrente em sua diocese. Elas são praticadas, com muita fre-'llI~llrin. por bons católicos, que não parecem ter consciência de desobedeceràsleis dn Igreja. "Interrogados por seus confessores a respeito de suas práticas111111riruoniui«, escreve o bispo ao Papa, eles se mostram, habitualmente, grave-mente chocados". Eles sentem-sechocados,ao mesmo tempo, porque ignoravam1Iproihi~'iio<Iuerecaíasobre essaspráticas, e porque a valorização da vida conjugallevou-os a delimitar uma zona de intimidade e de autonomia na qual a Igreja11110 tem mais direito de penetrar.

Um testemunho mais antigo, o Catéchismedes grJ1]s meriés, do Padre Fé-lin«, I'lIhli, ada em 1782, explica essegrave desvio da vida conjugal por "umatolC'l'dlllia excessivade parte dos maridos para com as suas mulheres. . _ ElesI'CIlIl'illll a excessiva delicadeza das esposas"_ Essa última consideraçãopermitetorllitr ).:('fal a hipótese, permite retirá-Ia do contexto religioso da França do~6l 1110 X V 111. Se a ausência de métodos contraceptivos fosse atribuível ape-III1M1\ proihição da Igreja, compreende-semal porque tais métodos introduzi-rlll11-Me"1111 Fran~'a,país católico, bem antes do que nos países protestantes onde"M I'foihi(õ,'s religiosas eram muito menos rigorosas, e também se compreendeInlll I'llnlllc li controle de natalidade encontra hoje fortes resistênciasem .nurne-fONOM I,nlses não-cristãos do terceiro mundo. A comparação entre duas expe-rl~nrilu recentes de introdução do controle de natalidade, a da India, país não-I'rIMt~o,('11m a de Porto Ric032, país católico, tende a demonstrar que o nívelrulturul c, sobretudo, o tipo de relações afetivas que regem a vida do casal, ap()M~ihilidadcde comunicação,desempenhamum papel muito mais importante doqUe"ns proibições religiosas,

A t('Olo~ia retomou recentementeos seus direitos no campo histórico, comli pllhli(ll~'ão do livro importante de J, T. Noonan, Contracepiion et maritlge.'rAI livro mostra uma evolução muito sensivel da posição da Igreja durante oI,erlodo (11Ieestudamos (do século XVI ao século XVIII), evolução essa 'Iuetende n separar, em certos rasos, as duas finalidades do casamento, o prazersexunl c n reprodução, e que tende, no fim das contas a reconhecer o valor

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A DEMOGRAFIA 73

próprio do amor conjugal. Baseando-senas sutis distinções do casuísta jesuítaSanchez, o qual parece autorizar o coitus interruptus nas relações extramatri-moniais, para limitar o opróbrio da fornicação, embora proíba tal prática nasrelações conjugais, J. L. Flandrinê" supõe a existência, desde o século XVI,de dois comportamentos sexuais paralelos: nas relações não-matrimoniais queo atraso nos casamentostornava mais freqüentes, os homens utilizavam os méto-dos contraceptivos, Nas relações conjugais que a Igreja queria moderar (osteólogos condenavam os excessosamorosos entre marido e mulher) e queriaque fossem férteis, os homens ignoravam tais métodos, A revolução do séculoXVIII consiste na transferência para as relações conjugais dos métodos usadosnas relaçõesextraconjugais.

Essahipótese restaura,de forma curiosa, a explicaçãomoralizante de Moheauou do Padre Féline , A difusão da contracepção seria uma transgressãocons-ciente das leis da Igreja e 'sintoma de uma decadênciamoral. Ela pfoOvocaváriasobjeções. li concebível uma tal dicotomia de comportamentossexuais?Como nãosupor que os homens, alertados para tais métodos e os tendo muitas vezes utili-zado, não tenham sido tentados a introduzi-Ios nas relaçõesconjugais? A hipóteseainda se torna mais frágil pela ausênciacompleta de provas demográficas. Ê difí-cil pedir tais provas ao século XVI, Se, no entanto, as relações ilegítimas, noséculo XVII, houvessem sido tão numerosas como o sugere J. L. Flandrin,mesmo admitindo o uso de métodos contraceptivos, o registro de batismodeveriam mostrar uma porcentagem grande de "acidentes". Para o século XVI,o testemunho que J, L, Flandrin mais invoca, além dos teólogos, é o de Bran-tôme; testemunho preciso, saboroso. Será possível, no entanto, generalizá-Io?Imaginemos que o único testemunho em nossopoder quanto aos comportamentosdemográficos parisienses na segunda metade do século XVIII fosse a obra deRestif de La Bretonne , Teríamos a impressão de uma libertinagem generalizada,quando o movimento sazonário das concepçõesmostra exatamente o contrário,

Que valor, enfim, convém atribuir aos testemunhos dos teólogos? Até oséculo XIX, a Igreja sabe mais do que qualquer outra fonte o que se refereaos comportamentos sexuais, primeiro por causada atenção quase obsessivacoma qual ela os fiscaliza, e, sobretudo, pelo canal da confissão, porta que se abre,permanentemente, para a vida íntima do grande número de pessoas. A teologia,no entanto, é, antes de mais nada, um pensamento abstrato, Ela procura muitomais conformar-se à tradição da doutrina do que à realidade social. Por exemplo,os "livros de penitências" da Alta Idade Média são uma fonte preciosa de conhe-cimento da moral sexual da Igreja, mas seria arriscado considerar como umreflexo exato da época as múltiplas perversões exóticas e extravagantes quemencionam. O irrealismo, a imaginação fértil, o caráter livresco do pensamentodos padres têm um papel tão importante nessestestemunhos, quanto a experiên-cia. Quando São Bernardino de Siena,no século XV, diz que "em mil matri-mônios, creio que 999 pertencem ao diabo" será preciso compreender que aquase totalidade dos casais de Siena praticavam o coitus interrnptssw]

_ 11 ainda mais difidl apurar até que ponto os fiéis conheciam a atitude di!Igreja quanto ao casamento e quanto à sexualidade, Nesse domfnio, as fontesreligiosas "de massn' (investigações, cartas episcopais ete..,) ronstltuem ummundo 1\ ser descoberto, O público culto ocupava-sec~rn prA:.!er, Ilt6 o começo

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HISTóRIA: NOVAS ABORDAGENS

.10 século XVIII, de teologia. Alguns tratados de casuística,como o de Sanchez,Iornm populares na França, tiveram muitas edições. O. êxito de escând~lo que•IS recebia faz pensar, como o sugere Bayle, que esse tipo de obra servia tanto.'1 iniciação sexual do público quanto à sua edificação. Essepúblico é, no entan-10. limitado. O seu comportamento marginal, como o mostraram os trabalhossnhrc a aristocracia inglesa ou francesa, coloca-o fora do problema suscitado"..Ja difusão dos métodos contraceptivos no século XVIII.

O gue é mais interessantepara o historiador não é o conteúdo do pensa-mente teológico; é a sua evolução. Nas reviravoltas da doutrina exprime-ser.into o esforço dos teólogos para adaptar a Igreja às novas condições sociais'1IIIIIIt;oa pressão do "espírito da época". Na medida em que ela implica um\lstcma de valores que pode evoluir, a teologia fornece uma orientação para'11ICIllllller descobrir os comportamentos. De tal ponto de vista, o livro deNoonam pode, ao mesmo tempo, esclarecere enganar. Ele mostra uma gestaçãolenta de lima nova concepçãodo casamento e de uma nova moral dos casais,IIHI~n preocupaçãoque tem em reconstituir o itinerário que conduziu. a Igreja., NLHISposições atuais o leva a apresentar essaevolução numa perspectrva exces--ivamentc linear: ela o leva a concederum lugar privilegiado aos teólogos inova-.Iort·~, mesmo quando a sua influência imediata com o clero é menor do que ado~ rj~oristas.

Oru, na segunda metade do século XVII, na França em particular, uma(orte corrente teológica que compreendia os jansenistas mas que abrangia muitasolltrn~ pcssoasM(Bossuet, por exemplo, faz parte de tal corrente) opõe-seao Iibe-rllllAmu dos casuístas. A mesma corrente domina os seminários, controla a for-mll~ito do clero, e, mediante isso, controla também os fiéis. Como o viu muito11('111Pierrc Chaunu, é mais nessacorrente do que em Sanchezque os comporta-rncnl'OHmaltusianos do século XVIII encontraram a sua instrumentação mental.11umn filillção paradoxal, em aparência. Noonam mostrou muito bem, recente-Illrntc'lII, 'Itll' IIIn<l doutrina moral não influencia diretamente os comportamentosdt'mll~I'MilOs corno um sistema de propaganda cujas consignas seriam aplicadas,.111 imcdinlo: a doutrina, modificando as estruturas mentais, faz surgir ou faz"'IH/mir nlitlldcs 'Iue ela, por si mesma, era incapaz de prever. O jansenismo,11••1111, rrxtuuru integralmente a concepção augustiniana do casamento: o prazerwl(ulll é intrinsecamente mau. Sua única justificação, no casamento,é acompa-"Iw I1 procria~'ão().Essa recusa global da sexualidade, incitando o fiel a pro-IlIrllt, 1111 próprio interior da casamento, o ascetismo, a limitar o seu prazer,,INNc~Llrl\-lhcum melhor domínio de seus impulsos. Por outro lado, os janse-1I1.IIIMe outros riuoristas hesitam entre duas atitudes: conceder, na confissão,umaIllcn~Roinquisitnrinl à sexualidade para prevenir ou condenar os comportamentos11I11,nuos;ou, ao contrário, nunca falar de sexualidade, por medo de que a sim-p1C,1evocação do assunto seja capaz de suscitar o pecado.

A isso, acrescenta-se,no que se refere ao jansenismo tardio do séculoXVIII,tIIn1Latitude anti-sacramental, atitude essa que afasta os fiéis do confessionário.V~-.e, assim, por que essadeformação de rigorismo moral conduziu a um com-purtAmento contraceptivo, O ascetisrno, permitindo um controle maior doillltinto sexual, transforma-se em técnica de poupança e em prazer controlado.A rccusn de prestar rontas A I~rejll desenvolve urna moral Ici~II, privada, indi-

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A DEMOGRAFIA 75

vidual. A sexualidade enterra-sena intimidade da vida conjugal. O que é maisdifícil é justificar geograficamente a filiação. P. Chaunu estabelece,no quese refere à Normandia, uma correspondência entre zonas precocemente maltu-sianase refúgios jansenistas!". É de temer-se que não seja justificável, nem parao conjunto da França, nem mesmo para a Normandia, uma correlação precisa.O próprio terreno ideológico é difuso; ele ultrapassao jansenismo. O impor.tantenessa tese é que ela demonstra, como Weber o fez no caso do protestantismo,como o itinerário de uma doutrina religiosa podia agir de uma maneira impre-vista sobre os comportamentos de base. Também é importante o fato de queela possa explicar um fenômeno particular à França (a difusão precoce dosmétodos contraceptivos), não por uma descristianização hipotética, na qualninguém mais acredita, mas pela reanimação religiosa do século XVII, a qual, emseu caráter tardio, em suas orientações as mais radicais (o jansenismo), é, elaprópria, também um fenômeno privativo da França.

Para um historiador há, no entanto, alguma coisa que o embaraça,a deveradmitir que uma simples inclinação ideológica possa ser fonte de uma modifi-cação tão fundamental nos comportamentos demográficos. É claro, no entanto,que o ascetismo que impregna a teologia. moral fran,cesana se!?~r:dametadedo século XVII não saiu por acasodo craruo de um teólogo. Ele Ja Impregnavavirtualmente, a sociedade. Ele fora preparado por um dispositivo demográficoque, por seusprolongamentos afetivos, tornava-seuma verdadeira propedêutica daausteridade sexual. É o casamentotardio. Entre essaprimeira forma de controlee o controle de nascimentos,é possível que o rigorismo religioso tenha desem-penhado o papel de ligação ideológica. Podemos perguntar-nos se essa.ligaçãoé indispensável para explicar a evolução dos comportamentos demogrâficos ,

Se é difícil estabelecera data em que se inicia o regime do casamentotardio,não há dúvida quanto a sua realidade e quanto a seu continuado fortalecimentoaté o fim do século XVIII numa grande parte da Europa ocidental. Na Toscanado Quattrocento=, os homens casam-sedepois dos 30 anos (entre 30 e 32 anos,em média), e as mulheres casam-sequase todas aos vinte anos. A diferença deidades entre marido e mulher é de cerca de 13 anos. Na segunda metade doséculo XVII, numa aldeia da diocese de Parma, Riana=, a idade média parao casamento dos homens é de 33 anos, e de 25 anos, para as mulheres. Entre1700 e 1750, a idade média no casamentopassa, para os homens, a 34 anos,e a 30 anos, para as mulheres. A diferença de idades tão grande entre espososno século XV era, sem dúvida, privativa da Itália. Quase não existe essa dife-rença de idades no século XVIII (no caso de Veneza+", a diferença média deidade é de um ano no séculoXVIII). Observemosque o atraso da idade matri-monial afeta exclusivamente a mulher. A sua finalidade maltusiana é, portanto,evidente. Do século XVI ao século XVIII a atividade reprodutora da mulheré reduzida de' dez anos.

No caso da França, as numerosas monografias que se referem aos séculosXVII c XVIII atestamo caráter geral dos casamentostardios. Só subsistemalgunscnclaves onde a idade média no casamento ésensivclmente mais baixa. Nocampo, IIS pessoascasam-Secom2~ anos (no caso das mulheres) c 27 nnos (nocaso dos homens): n diferença de idade entre espososé muito peguena. NIIcidade, o l:IlNlllnenlo"tnlvez se)l\ nindu mlliN turdio . 11mLyon, IlII pl'imcirll mC'llItlC'

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711 HISTÓRIA: NOVAS ABORDAGENS

do século XVIII-il, na paróquia de Saint-Pierre, a idade média para o primeiromsnmcnto, no caso das mulheres, é de 27 anos e meio; no caso dos homens, de;H) anos. Sabe-semuito menos quanto ao século XVI. As naturais da Norman-dia rasavam-se em média com 21 anos, por volta de 1550; as naturais dal.orcna, com 22 anos, mas, um século mais tarde, elas casar-se-ãocom 25 ou 26.inos: a idade do casamento parece igualmente mais baixa na região de Paris.() 'IIIC é ainda mais notável é que podemos, em certos casos,deduzir a evoluçãonito apcnas da diferença entre os dados referentes ao século XVI e os dadosl'l'fc'rcnles ao século XVIII, mas também por uma verdadeira fotografia domovimrntn . Assim, em cinco paróquias de Vallage (Champagne) 42, onde aidudl! médi« do casamentoé de 24,8 para os homens, e de 24 para as mulheres,entre 1óHl e 1735, e de 27,8 para os homens, e de 26,3 para as mulheres noI'('~l~)do século XVIII, verificou-se, década por década, uma elevação constante.1:\ idade do casamento durante esseperíodo.

Como explicar que se tenha iniciado o fenômeno? Nós encontramos aqui1111111untinomia própria ao pensamentohistórico. Cada vez que se chega à fontedll um fenômeno complexo, não se encontra uma causa isolada, mas uma série.le r:1l1.~aspossíveis, umas misturadas às outras. Para fenômeno demográfico,',IIISÔ\delllográfica: poderíamos explicar o entardecimento dos casamentos, no'Olnc'~'()do século XVI, por um esforço para que se recuperasseo equilíbrio dofluxo dcmográfico. Enquanto a esperançade vida permanecia estável e fraca," rnsumcntn precoce correspondia a um ritmo normal de reprodução. Com o,1\1I11C'1l10da esperançade vida no fim do século XV crescebruscamenteo rendi-111(',110do rasarnento precoce. A explicação é um tanto tautológica , Por outro1.11111,ela empresta ao regime demográfico um poder exagerado de iniciativa.

. I (d, 110cntnnt0, outro efeito do aumento de esperançade vida, que parece terI!'prc~rlllado IIIll papel mais importante: o retardamento das sucessões.Em qual-'111['1'1'[',L:illlcjurídico, um retardamento brusco da idade média nos falecimentosperturhn os procedimentos das sucessões,tanto no campo quanto nas cidades.() returdmncnt» dos matrimônios pode ter sido uma resposta ao retardamento.111 ['~tllbclcril11cnto.

11I'I'('eiso, no entanto, que ° casamento assumaesse aspecto, de um esta-hdcdlllento. Em sentido paralelo ao fluxo demográfico, evoluem as mentalidades1111('O/llC~~) do século XVI no sentido de uma nova concepçãodo casamentoeri" (nmllin, Essa evolução é decifrável em vários níveis. No que se refere àtC:(llo~ill,Noonurn mostrou bem que as concepçõesliberais em matéria de sexua-lidade, cluCtriunfam na obra dos casuístasdo século XVII, tiveram sua origemnuma rcdefinição das relações conjugais, numa valorização do casal, valorizaçãoeu" 11uese esboçano fim do século XV. O nominalista parisiense Martin leMlli~lrc parece haver sido o mais importante artífice de tal renovação. Assiste-~c il(uulmente na obra dos humanistas e dos reformadores a um exame críticodo casnmcnto,como sacramentoe como instituição. O humanista alemão Albrechtvon J!yt publicou, em 1472,um tratado com o seguinte título: Ob einem M(/nn~ItI, 111Iltlmm t!Í1I ~~/i(htl.r JYI ,ib odtlr nit. Panurge faz a mesma pergunta, mas not'Ntilo rômico, Urnn tal febre litcráriu demonstra a importância da questâo c da dú-vida '(UC Iltrnvcnu todo o corpo socinl. 11tulvez IlO domínio do direito que se faz

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A DEMOGRAFIA 77

mais sentir a pressão sociaL E. le Roy ladurie mostrou, no que se refe ao Lan-guedoc, o influxo das linhagens e as diversas formas de reagrupamento familiar(como a escolha ou constituição de irmãos) que parecem ter sido a tendênciadominante, senão geral do século do "homem raro". A expansão demográficado século XVI torna essesreagrupamentos, ao mesmo tempo, mais frágeis doponto de vista econômico e mais coercitivos. Esse surto ameaça a autoridadepatriarcal, e impõe fórmulas jurídicas de emancipação.A exploração e a famí-lia fazem-se em pedaços ao mesmo tempo, fragmentam-se; passa-seprogressiva-mente do casamento que se integra na linhagem, ao casamento que funda umacélula familiar, uma nova empresa_ O retardamento do casamentoé o preço pagopor uma emancipação.

Um estudo sobre o regime matrimonial bordelês, no século XVI43, mostrao recuo progressivo, nos contratos de casamento das cláusulas rigorosas, comoa filiação, em proveito de formas associativas,"a sociedadeaquisitiva". Entre asduas, no entanto, nas duas primeiras décadasdo século, assiste-sea uma difusão,oriunda da cidade e dos meios populares, da fórmula da "comunidade universalentre esposos", forma essa que mais se opõe aos direitos de linhagem. Talcomunidade define-se, algumas vezes,nos contratos, como "trabalho doméstico",afirmação do casal, portanto, como realidade não dividida. O movimento comu-nitário do século XV favoreceu, portanto, de duas maneiras, a eclosão do casa-mento-estabelecimento. De um lado, pelas forças centrífugas, que viam nocasamentoum meio de dividir a autoridade e a propriedade; de outro, forne-cendo o modelo unitário que podia garantir a autonomia e o estabelecimentodo casal.

Na realidade, o século XVI manifesta, com relação ao casamento,tendên-cias contraditórias. Critica-se, ao mesmo tempo, a indissolubilidade que a Igrejalhe impõe e a indigência de seu estatuto social. Contrariamente a uma idéiamuito difundida, o casamentonão é no século XVI uma instituição esclerosada,mas uma instituição subdesenvolvida. A Igreja se havia limitado, no essencial,a "batísar" o casamento-contratodo direito romano ou dos costumes,e a impor-lhe obrigaçõesmorais. Ela não administra o sacramento (que é dado pela copulafarnaJis), limita-se a registrá-Io. Havia, portanto, uma desproporção, que muitoslamentavam, a começarpelo Estado, entre a leviandade do procedimento e a gravi-dade do compromisso. Disso adivieram vários abusos (como seqüestros,casa-mentos clandestinos etc... ), que violavam a livre escolha dos esposos,ou atutela dos pais. Na França, já em 1536, um édito de Henrique II atribui aospais o direito de deserdar os filhos de menos de 30 anos, e as filhas de menosde 25 que se tenham casadosem o consentimento paterno. A Igreja, por seulado, deseja fortalecer o seu controle sobre a instituição (presença obrigatóriado padre), preservando, ao mesmo tempo, a liberdade de escolha dos esposos.As decisõesdo Concílio de Trento procuram responder a essadupla exigência.Mesmo se não foram imediatamente aceitasem todo lugar - a França, em parti-miar, recusa-as- tais decisõesconferem ao casamento tardio uma base jurí-dica c moral.

Corramos o risco da hipótese de uma evolução em dois momentos: 1) oinicio do casamento tardio no século XVI corno instrurnento de uma duplaconquista: a autonomia moral do (n8111,e a ~un independêncls emnc'lmka, At6

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7H HISTóRIA: NOVAS ABORDAGENS

IIS anos de 1580, esse procedimento serve essencialmente para suportar e freara expansão demográfica, 2) A consolidação do casamento tardio como pedrafundamental de um modelo de austeridade no século XVII, Entre 1580 e 173011 cfe,li,vo demográfico. perm~ece estacionário, O casamento tardio garante ess~estabilidade, ~ austeridade Impregna os costumes como resposta do corpo sociala uma economia contraída, mas também como resposta ao ideal ascético: única)mlifiração de um hábito tão cheio de frustrações. Todos os esforços da Igrejapara fortalecer a celebração do casamento visam a disciplinar a vida sexual.~ esse propósito, a est~anha história do noivado revela perfeitamente o rigo-nsmo moral que a Igreja faz penetrar, progressivamente, nos costumes.

. . O noivado,. velha instituição do direito romano, ainda mais viva em algunsdlrcltll~ costumeiros, desagradava à Igreja por mil motivos, Tal pré-casamentoSll11!lollzava o casa~ento-oontrato, arranjo entre duas famílias: constituía para1l11111~)So ~?mento lmpo~ta~te do procedimento, em detrimento da própria ceri-lI1(\n,la religiosa, que se limitava a constatar os fatos-s . A Igreja denunciava, em

1~llrtlntlar, ~uas con~eqüências nefastas de tal instituição: o acordo entre as famí-IUS precedia e, muitas vezes, substituía o acordo entre os esposos, quando o

direito ~Ilnônico insistia sobre o consentimento dos esposos, A promessa de casa-tn~I~I() lllaugurav~ um ~eríodo de tolerância em que os noivos, muitas vezes,IIIll'lIlVIUn lima Vida conjugal, bem antes da cerimônia religiosa do casamento.Um VC'1. de atacar, de frente, o noivado, a Igreja procurou, como muitas vezes[rente a práticas pagãs, cristianizá-Io mais completamente e transformá-lo eminstrumento de reordenamento moral,

~a ~ral1ça, a .Igreja depois do, Concílio de Trento torna geral e obrigatórian (:Cfl/,n(\~l~l do nOlvad? - convertida em cerimônia religiosa, nos lugares onde11 lIutlhllÇUO permanecia popular, Ela proíbe a cerimônia ou a abandona noshll(lIrclI onde havia caído em decadência, Pode-se desenhar assim, a partir dosrNtlllllllls dlls sínodosv, um mapa dos noivados, que opõe com muita nitidez aJlrlllI~iL do norte à França meridional. O noivado torna-se um meio de verificar•• livre rollsc,~til!lento dos prometidos esposos e uma preparação ao casamento.(h ('NI,n,l,ulosrnsrstern, no entanto, o que é sinal que a regularização não se fez.CIIl dtlll'llldade -, em que os noivos não vivam juntos ou mesmo habitem sob(I mcsmu Ido. De início colocada de forma obrigatória antes da publicação<111I1pnxlnmas do casamento, a data do noivado cada vez mais se aproxima da

dltl" do, rusamcnto, até com e~sa última confundir-se. O noivado desaparecel,rowe~~I~Rm_ente, ~omo um frl~e que começa a passar em câmara lenta até1\ lm(}hll,~açllo da Imagem, o noivado austero do século XVII fossilizou-se eIrllllNforl1l01l-Se ~m rito folclórico. Uma prática como a "noite de Tobias-s",que profhc aos Jovens esposos a consumação do casamento na própria noite das/I(lprill~ c lI~cs impõe, U1~ per!odo suplementar, é, sem dúvida, um dos vestígiosde tul usrctismn institucionalizado , Esse velho costume medieval foi em reali-t1nIJco, difundido c encorajado pela Igreja, após o Concílio de Trento.' Ainda no

romcço do século, ele era encontrado em certas províncias francesas-t. Outro,rito~ pertencem ao mesmo tipo de sobrevivência, como a "casada oculta" ou "af UR" dll casada".

Será que uma instituição religiosa, um regulamento jurídico são rapazes,

Imr ~i NÓS, de manter durante tanto tempo um háhitn social como (1 cnsarncnto

o"e' ..•.. ._--,_._.-~._---._~.-

r.A DEMOGRAFIA 79

tardio? Em nossas sociedades, onde a escolha do cônjuge não obedece ;t qualquerregra oficial - a não ser as proibições por consagüinidade impostas pela Igre-ja -, uma multidão de obrigações econômicas, de costumes, de tendências ~êmobliterar a liberdade de escolha. Um desequilíbrio entre as coortes mascul mase femininas pode, bruscamente, retardar a idade do casamento, Ê o caso quese passa quando, permanecendo estáveis as diferenças de idade entre esposos,um brusco aumento de natalidade faz surgir entre os casáveis um número maiorde mulheres, Como os membros da tribo masculina pertencem a camadas deidade mais elevadas - e, por isso mesmo menos numerosas, uma parte dessasmulheres deverão arranjar-se com maridos mais novos - o que a sociedadenão permite - ou esperar que coortes mais numerosas de homens cheguem àidade respeitável e casável de acordo com as convenções. Haverá, portanto,entardecimento da idade de casamento das rnulheres+".

É possível que esse mecanismo tenha desempenhado um papel no século X~I,em países como a Itália, onde a diferença de idades entre esposos era muitoexpressiva, Ê difícil, no entanto, admitir que ele tenha desempenhado o mes-mo papel em todos os lugares, e que o tenha podido fazer durante tanto tempo,O raciocínio do historiador aqui poderá seguir o do geneticista, frente à proli-feração de uma tara congênita. Desde que uma tara mantém-se é porque, ultra-passando os seus aspectos prejudiciais, ela foi selecionada pelo meio natural oupelo meio social: ela tornou-se útil, Da mesm~ forma do que no comp~rta-mento genético, é possível que o acaso tenha criado para o casamento tardio anecessidade, O acaso é o desequilíbrio demográfico que pôde, no ponto de

partida, modificar o hábito, A. necessidad; ,é o ,fe~ô~eno de .ac?modaç~o. geralque, de setor em setor, mobilizou as práticas jurídicas, o direito cano!11c?, amoral religiosa, e criou uma verdadeira estrutura de comportamento. Ê provavel,no entanto, que, sem demanda social, sem a lenta gestação de uma nova con-

cepção do casamento, nova concepção que ~~ per~ebe, des~e o s~culo XVI, naobra dos teólogos, o acontecimento dernográfico nao poderia arraigar, de formadurável, o hábito do casamento tardio,

Estamos em presença de uma espécie de modelo demográfico weberiano.Como Max Weber, no que se refere ao capitalismo industrial, J, Hajnal lançoua idéia de que o marriage pattern49 ocidental, com o casamento tardio e bastanteelevada taxa de celibato, era uma exceção histórica. Antes do século XX, nãose encontra esse modelo, nem na Europa oriental, nem na maioria de outrascivilizações, A sua originalidade consiste, talvez, em primeiro lugar, no fatode que impõe um comportamento contra a natureza, que ace~tu: ao máximo adistância entre o instinto e a instituição. Todas as culturas Impoem uma certaespera entre a puberdade e o casamento, para ritualizar a passagem. A margemde espera é, no entanto, em geral, fraca,

A Europa ocidental, ao contrário, ingressa, a partir do século XVI, nocaminho da austeridade. ~ uma determinação no nível moral que, outra vez,.nos aproxima de Max Weber, Malgrado a hipótese de J. L, Flandrin de umduplo comportamcnt? sex~al, é: difícil duvidar, pelo ~enos no que se ~cfere aoséculo XVII, da existência de .um ascensmo generalizado que a Igrejn cxnltuc ljllC os re~istro~ pllr?CJuinis co~fjrm,nm: escassezde r,elnçl'l,e5('onjl1Kni~ fora dornsnrncntu t' de rrál'cu~ fOIlII'IICCpIIVIIS, Por 111It' IInu~lIIu I' IIC(CNNUrHllnl'1I1('

HO HISTÓRIA: NOVAS ABORDAGENS

lima escapatória sexual aos impulsos reprimidos pelo sistema social? A partir. de Freud, nós sabemos que as neurosesativas podem muito bem absorver taisimpulsos e canalizá-Ios para outros objetivos. Isso não se passa apenas com asneurosas espetaculares,a feitiçaria, a histeria e outras formas selvagensda culturacamponesa,muito bem descritas por E. Le Roy Ladurie, mas passa-setambém«om um processomuito grande de sublimação, processoque se poderia encontrar11<1 dinamismo social daquela época austera.

O outro traço weberiano de tal modelo é, de fato, a sua eficácia social.A (l'1I1 de regularização do fluxo demográfioo, o retardamento dos matrimôniosliberta um excedente de mão-de-obra barato; esse excedente feminino aumenta.I~ fOI\ólSprodutivas e favorece a acumulaçãoprimitiva. Como no caso do puri-tunismo wcbcriano, no entanto, é dos valores sociais que se cristalizam a seuredor tlue o casamento tardio extrai a sua maior eficacidade. Vimos como asl'ricdade do Ancien Régime,retardando a celebração do casamento, de maisC'/n mais o identificara com o estabelecimento. Essa autonomia materializava-se1111 flllnpo, mediante a instalação do casal numa habitação separada. Ela pressu-punha () benefício de uma sucessão(freqüente no mundo dos lojistas e dosnrrcaãos), de um patrimônio, ou, simplesmente, a posse de um pecúlio para ol'lll(llmento da instalação. Ao espírito de aliança que inspirava tradicionalmenteII'~ estrntégias familiares e a inclinação dos jovens esposos, essa autonomiasubstitufu, progressivamente, o espírito de empresa: a preocupaçãodo casal nãoIIlnNi81emais simplesmente em fabricar uma família, mas em saber dirigi-Ia,

j'ft'MCI'vl\-lac melhorar o seu statUI social, que se tornara a sua principal fina-Idade.

A nustcridade sexual tema mesma função nesseespírito de empresamatri-moniul do tlue o sentido de poupança, no espírito da empresacapitalista. Trata-

.se de uma simples analogia? A demografia histórica descobre hoje o terrenode confluênciu entre mentalidades e comportamentos que faltava a Max Weber,,,!lrll lignr, sem dcsoontinuidade, o ideal de austeridade e o capitalismo. NósI'rl Cilllll()~, nesta passagem,dizer demais ou de menos. Seria absurdo quererl'odu1.il'11 aventura industrial da Europa a uma simples opção demográfica. Seriainlufirientc, no entanto, s6 atribuir importância ao aspectomaterial dessaopçãotlC'mollrdfinl. A dcmografia européia não se limitou a colocar os primeiros funda-menlu.. (população calculada, maior esperança de vida), as pré-condições dademlARemindustrial. Ela serviu, ao mesmo tempo, corno arquétipo para os.com-portsmentos econômicos. Do casamento retardado aos métodos contracepti-Vnl, mesmo se mudamos de instância, mesmo se o sistema de valores parecepouro Il pouco inverter-se, permanecemosna mesma lógica cultural, a que inibeII vlcln instintiva para melhor marcar o princípio da realidade... e na mesmaNtrllt~J.tin: prolongar a vida, fabricar o bem-estar.

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A DEMOGRAFIA 81

NOTAS

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h ti'

'.,

i:;q.t-

A religião:

Antropologia religiosa

ALPHONSE DUPRONT

A ANTROPOLOGIA religiosa estabelece-secorno conhe~imento- ou ci~ncia -do homem religioso. É sem dúvida uma observaçãoparcial sobre a totahd~d: daexistência humana, mas uma das que mais apreendem,p.orquetoda VIda reh!?lOSa,seja individual QU coletiva, é chave de unidade. N.o.sentido ~e que ,ela ~xlf>e.ecoloca a vida do "além" - esse "além" necessanamenteligado a eXlsten~lahumana _ assim corno em sua soberana leitura do universo, implica o maiornúmero de 'participações'em todos os aspectosdo cósmico. Fin~l~~nte, ~ualquerque tenha sido o encarniçament.odo espírit~ ~o~ern.o e~ dividir, ate. q~ererseparar a religiã.o das .ou.trasformas da e.xlstenC1a,C?nSClenteo~ subl~ml~~r-mente a necessidadereligiosa, que harm.omzana medida do possível ? irracio-nal e' o racional; permanece peça essencial do equilíbr~.o_huma~.o,.a~slm co~.odo poder de testemunhar: o que é, ao mesmo tempo, cnaçao e,:l.olenC1~.Assll~,o homem na religião está, ao contrário do que pretendem anahse~.h.oJeem .dlaultrapassadas,n.o exercício .o~ em busca ~o to?.o-poderos?. O religioso expnmeo humano quase em sua mais alta e mais .ener:glca"medida, ~ o faz - o queinteressaà história --.: através de uma c.onslderavel espessura humana, tempo-ral', .O fenômeno religioso. pertence, do ponto de vista tempor~I, ao.Iong.o prazo.Mais ainda: IlN suas transformações, mesmo a SUIl evolução, sao muito lentas, no{IUC se refere 1I0~ hAbitos Ildquirido~ c l visllo do mundo,

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Mil HISTÓRIA: NOVAS ABORDAGENS

Que a religião seja cosmogonia ou religião ético-normativa, não haveriallliLIl,c.:iradc alt~rar, do modo I?'ais leve possível, o poder das chavesou do equi-llhrio l]UCdetem. Entre as diferentes expressõesda sociedadedos homens, é arcliRião a mais profundamente estável. Isso se passa em virtude dessa outraI'cillidad~,antropológica, a saber,.que ~ duração cria a venerabilidade e que essavcncruhilidade, uma vez estabelecida,ainda torna mais espessaa duração, O nossoIl'ml~), de forma legítima, interroga-se quanto à solidez das religiões; que nãonos Ilu,dam, no entanto, ~s explosões, às,vezes vertiginosas, do que se seguiuuo Vaticano lI, em nossa interpretação OCidentaldas coisas: essasexplosõessão,sem dúvida, súbitas, mas preparadas, no mundo católico, há três séculos, comouma assimilação lenta das purezas religiosas da Reforma, qualquer tenha sido avitulidade tenaz, para não dizer "triunfal", dos equilíbrios tridentinos. Através.tu l'xpc.:~i0Ilciareligiosa, 0. homeI? vive num ritmo lento, o qual oferece, quandoup~t'endldo em .seuprópr!o _mOVimento,uma extraordinária e talvez única possi-hIlldade de decifrar confissõese testemunhos,e o duplo sentido do combate deexistir e da interpretação que o próprio homem dá a si mesmo de tal combate,I>essemodo, o tempo longo e a eternidade, ou antes, a extratemporaridade sãonaverdade normalmente confundidas na mentalidade coletiva. Assim, a históriadI/li (atos religiosos pode validamente estabelecer-secomo fornecedora de materialIllltropológico.

Isso passa-secom toda história, mas no casoda história religiosa o processoi: extremamente lento. Essa massa de profundidades, de vida interior, desen-v(Jlv~-sena duração, no tempo, com uma pesadagravidade reverente. A históriaI'crl11lt~~,com,0 seu duplo desen~o!vimento,n~ espaçoe no tempo, a quantificação.<JUlIlIltllcar e o tratamento estático do maciço, ao mesmo tempo, manifestação

. deite últim~\ apreendi,daem sua "espessura" e medida de sua dispersão. O quehA de Ul1lbl~·aode universal, na velha fórmula, tão cômoda para o espírito mo.derno, do ..homem de todos os tempos e de todos os países", fundamenta-se,10111 umu oul ra força, pela quantificação. A apologética moderna, também elaunivcrsnliznntc, invocava sem cessaro consensusomnium . De todos? Quem él!lIC pode uprccndê-lo? Mas conseguir, pelas cifras, extrair a amplitude da neces-• dl"!c', da atitude, da prática ou da visão na sociedade dos homensl'IIo"lilll i 11mil maneira de ultrapassar as fragilidades de uma comparaçãoI'uoto por ponto, comparação muito naturalmente inclinada a fazer induções,11 I'lIrtir de aproximações necessariamenteocasionais. O idioma das cifras éa('Cn 118 uma perspectiva para, o estabelecimento do comum, do ponto de vistaantropológico, Mas, como sai da história, esseidioma assume uma segurançarlrtkulur, )10f(!UC a história, se ela deve abstrair o material da quantificação,l\e,I\I'.s~.in ela própria não conservando,para cada dado que fornece, as garantiasIlu arrurgamento temporal. Tudo o que ela confronta na homogeinizaçãonaturaldn númern guarda sempre alguma coisa do terreno original. A quantificação,1\ pnrtir dll história, nunca elimina completamente as singularidades. A oontri-hulçno llue ela traz é o dado sólido do "comum", que é, sobretudo visão mentalda semelhanças,a observaçãodo "mesmo' no desenvolvimento temporal da pre-.lnçn, ou melhor, talvez, da agitação humana. Para apresentaro exemplo mais(AeU, embora, 9uanto ao carãter do material, um tanto óbvio, é certo que osnumerosos estudos de "prAtica religiosa" feitos com uma particular autoridade

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por George Le Bras e por sua escola, trazem uma interpretação solidamentefundamentada dos comportamentos coletivos de religião no campo geográficofrancês. Tal interpretação pode ser conduzido segundo a diacronia, mas, quasealém das relaçõessincronia/diacronia, existem provas maciças: a prova da neces-sidade sacramental, em primeiro lugar, condicionada largamente pela pressãosocial, e, portanto, uma fixação de relações de participação entre o natural e osobrenatural; as correspondências com o cósmico da vida litúrgica coletiva e,na vida dessacorrespondênciae nos ritmos do trabalho agrícola, o conflito quasepermanente entre a festa litúrgica e o campo; oposição ou conciliação entre asociedade eclesiásticae os aspectos sagrados do cósmico, aspectosconsideradoscomo pagãos; ainda mais profundamente, os componentespsicossociaisdo confor-mismo ou da necessidade sacramental; finalmente, as diferenças de comporta-mento ligadas ao meio físico e ao meio ambiente. Tal é o material, ou umaparte do material, cuja interpretação é de uma importância fácil de medir, nocaminho de atingir-se uma certa qüintessência do bomo. religiosas; somente ahistória, isto é, o dado e a memória de base,pode permitir o tratamento refinado,fora do qual correr-se-ia o risco das generalizaçõesque tornam tudo igual ,...,..o que é, de todas as formas da abstração,a que apresentamaior perigo -, oude um verbalismo sedutor, o que dilapidaria o patrimônio das experiênciasmortas.

Essesperfis de penetraçõesrecíprocas entre a vida da religião no tempoe a história estabeleceo acordo possível e fecundo de dois caminhos do conhe-cimento ou olhares lançados sobre as realidades da experiência humana, indivi-dual e coletiva. Para melhor, no entanto, fundamentar a certeza, é útil definir,mais do que acabamosde fazer, o que quer, ou pode ser uma antropologia reli-giosa. ~ evidentemente um conhecimento do homem em seus comportamentosreligiosos. Das criações da espécie, da raça ou do meio que, em si próprios,condicionam-separa uma buscado além. ~ uma análise dos mitos ou das cosmo-ganias, das estruturas que os alimentam, do desenvolvimento de um itinerárioduplo, no qual se exprime a vontade de poder, ou seja, a própria dinâmica detoda existência religiosa, que é uma forma de ultrapassar no além ou na subli-mação a vida terrena, sendo também uma plenitude do presente na posse doinstante e fonte da carga energética necessáriaà busca. Para esseconhecimentoconcorrem todos os sinais da experiência ou do estado religioso, desde o carátermaciço dos fenômenos de prática, medida de um impacto vital coletivo, até aanálise dos mecanismos mentais, sobretudo dos postulados ocultos nas elabora-ções doutrinárias. A definição e a vida das instituições, de suas relações como meio ambiente ou mesmo, como é a paixão e o esforço do mundo contem-porâneo, a coexístência mais ou menos harmonizada no próprio homem do uni-verso religioso e de outros universos não menos absorventes,senão substanciais:ou seja, a economia mental e verbal do cerimonial litúrgico, a constituição demodelos exemplares sob a forma de santos ou de heróis, a retórica dos sermõesou a lógica catequista, tudo isso consiste em meios de compreender comporta-mentos e necessidades.iesão constituições do universo onde se descobreo misté-rio do poder do homem em sua vida religiosa. Isto é, a maneira pela qua!arranjou e~seslimites onde é possível passar de um noutro mundo, ou de mani-festar um mundo ao outro, Todo!! cues sinais, nlgumae ve~C8dClmcNurlldoN, fll1l1",

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do homem. Uma antropologia religiosa é interpretação desse conjunto; é, emprimeiro lugar, uma reunião paciente dos elementos que o compõem, depois deter encontrado a .sua_coerênci~; e é compreensão, depois, sem induções preci-pitadas ou mecanizaçoes banalizantes, do próprio alcance dos símbolos. E uma.unbição grande, embora necessári~,para cuja satisfaçãoé preciso reconhecer que,"do menos em nosso mundo OCidental, estamos ainda num primeiro tempo, oIt-mpo da elaboração do material, e de uma maneira ainda muito mesquinha -a visão antropológica é coisa nova, e também é novo o exame a que submetemos11111material certamente abundante, mas que foi, até aqui, tratado de outra ma-ucira, pela história, em particular. Pode ser assim de bom método delimitar, noI,I/npo imenso da antropologia religiosa, um setor, de exploração imediata-IIIC'ntcmais fácil. Parece possível essa delimitação na antropologia do sagrado.

No ri}{or. das palavras e das coisas, pode parecer que uma antropologia do\,,~:rad()é mais ampla do que uma antropologia religiosa.

Não se poderia fazer de uma, parte da outra, sem paradoxo ou inconsciên-( ia , Para Fazê-lo seria necessáriodeter-se em elementos de endurecimento, quelimitam .1 instituição estabelecida o conteúdo vivo e vivido da religião. A reli-~i,I~idlldl' t\ no entanto, impulso religioso, e sempre, seja busca ou consciência--lemcntur do sagrado, coloca um universo religioso ou uma maneira religiosa de.lproxim'lI;ão da existência e das coisas. Em seu conjunto, a antropologia do~,I~flld() é tlllase dado imediato; o seu material, bruto sem dúvida, é freqüente-mente manifesto, e sobretudo é mostrado de forma maciça, pois um dos terrenosd,l evidência é constituído pelos cultos populares. Ê um dado inumerável, no'11wl tiS pnil iras os gestos, os ritos aparecem como uma linguagem de expressi-vIIIlide comum, da antropologia no lugar. Essa facilidade de aproximação, na'1",11,I principal dificuldade consistena imensidade do material, não nos deveria,IlO entanto, conduzir a resumir, muito, o sagrado. O sagrado é essencialmentevlllll do objeto; há, todavia, uma criação do sagrado que precede o objeto e que

I"1Ilc- I'l'I"lIlill1Cn:r sem objeto. Ê uma dupla reverência ao total, a da arnbiva-('II( iu: a ,ria~'ãosobrenatural e tudo o que, por qualquer via que seja, é sagrado

" vem do alio; a criação coletiva, intra-humana, em que o grupo, o meio, a socie-1IIIIk rctoulux em-se no instante ou no tempo, como portadores de poder sacral.

I Jrnu unl ropologia do sagrado que, como tal, quer constituir-se deve reunir,I', IIInlrihlli~'Õcs dessastrês vias essenciaisem que se manifestam, na experiência1111111"1111.11 silwadn c a criação sacra!. No que se refere ao intra-humano c-c- quec'· muitu» vezeso t}ut: se conseguemenos discernir, de um ponto de vista cientí-fiell . o material. do reconhecido, do admitido, .do herdado, e, portanto, de um1'111rimôni« constituído no tempo, é fornecido pelo inventário dos valores ditos'~iI~rnt.lo~.das proibições, dos cultos ditos de memória, como os monumentos aosIIlllrl!>~ das últimas guerras, os hábitos de linguagem e de seususos correntes.Nii.) NC poderia, por isso, negligenciar a criação 'do sagrado no presente. AsIlImunidadcs lluC são ditas de base e que crescemhoje em dia em certos meios.J.I~Igrejas cristãs ocidentais vivem, incontestavelmente,.uma criação do sagrado,Iundamentuda em sua leitura do Evangelho, sobre a sua própria maneira dereceber a palavra e sobre as suas diferentes afinidades eletivas. Em torno doiúmulo de Chsrles de Gaulle concentra-seum culto do corpo, de memória histó-

. I'ira a de idealizllçito coletiva, em volta, sem dúvida, "de lima certa idéia da

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França". Assembléias efêmeras vivem estadosde sublimação, frente a um túmu-

10, em paraxisrnos de exigência, de te~são ou de exorcisn~ cole~i~o, quandodas grandes demonstraçõesculturais, sejam paradas ou desfiles mlltta~es: essasluzes sobre o sagrado "intra-humano" têm todas uma fonte comum, os Impulsos,a vida do irracional na alma coletiva, irracional cuja dinâmica "existencial" pro-cura o Outro, procura ultrapassar-se,satisfazer-se,procura poder, procura subli-mação. ~ essencial,com efeito, a essa realidade do sagrado nunca ser egolatria_ o ídolo pessoal é sempre separado do rebanho - e cristalização narcisísticaestéril; o sagrado procura o seu lugar natural, que é o além, mais ou menosimanente à exaltação ou ao pânico presentes. Ê uma dinâmica que desembocano encontro com a outra realidade sacral, a manifestação sobrenatural. São oslugares consagrados,desde o alto,pela tradição da história sagrada, o arraiga-mento cosmogônico, a existência humana do ser divino, a aparição ou a mensa-gem; é a presença do acontecimento ou da vida do que não é te~reno ou documprimento da promessa divina; é a consciênciac~letiva da partiClp~çãonumahistória sagrada, ou, de forma mais elementar, na VIda sagrada coletiva, neces-sidade de presença; encarnação do livro ou da palavra, realização do qu~ foiescrito ou anunciado; sejam míticas ou lendárias que unem, &0 nível da existên-

cia, a natureza e o que é sobrenatural, são outras grandes vias pelas quais o queé humano procura o caráter sagrado da presença,procura torná-Ia sagrada. Deque se passano interior do homem pode-se dizer que permanece um impulsoirracional, A manifestação do que é sobrenatural, como tal, é de uma ordemdiferente. O nosso conhecimento, o qual, quanto a essaordem, deve ter umareverência perfeita, pode apenas registrar os traços, a fertilidade e traços psí-quicos no coletivo humano, que recebe essaordem do alto ou do além. Nesseslimites entre a transcendênciae a imanência, entre a natureza e o que é sobre-natural, o fervor do sagrado conhece uma palpitante intensidade, um ardor decriação, criador e alimentador excepcional. Todos os seus sinais do humanoassumemum poder de expressividade de ambição do sagrado, desde as palavrasda aparição até as lendas inumeráveis pelas quais o imaginário humano concre-tiza o comércio quase inefável entre os dois mundos.

O material mais imediato de uma antropologia do sagrado continua a ser,no entanto, o objeto sagrado. Tudo tem o seu objeto de fixação: culto decorpos santos ou de relíquias, culto de lugares sagrados inscritos diversamenteno cosmos e na história, adoração de imagens ou de outros objetos, oratórios àbeira dos caminhos ou cruzes nas encruzilhadas, essesimpulsos de adorar oude recorrer que se agitam na alma coletiva, ~ fixação que, evidentementé, impõeconsciência e resposta. Pelo objeto, o influxo sagrado retoma ao homem emoração, multiplicando a sua energia criadora. No coração do silêncio e domistério, essediálogo de que se fala muito hoje em dia - às vezesfala-se demais,e apenas das palavras - foi sempre precedido, do fundo dos séculos, dessatroca de recursos sagrados na qual o objeto, sem palavras e fora de qualquerrazão, impõe a manifestação. :e, aliás, em seu impulso conjuratório, a linguage~da imerisa multidão à' procura de ultrapassar-se,e, portanto, a procura de reli-~iãô,A materialização ~.aqui vida cheia de profundidade, :e um caminho dedentro para fora, aoenrontro de um caminho C)uese poderia dizer de ronhe-I imento ou de cultura, que se desenvolve de fora para dentro e 'Iue tende,

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naturalmente, a suprimir o objeto. Essescultos exteriores e inumeráveis, ondel1iío há distinção entre Grego e gentio, ou entre "culto" e popular, nos quais,110ato coletivo de busca e de participação no sagrado, todos se encontramronfundidos, impõem-se como um dado antropológico elementar, mas já raizc seiva do bomo feligiostls. Tanto mais que todos, cultos de conjuração ou de re-ClIl'SO, são cultos terápicos. Essa forma de curar é a mais comum, e também amais quotidianamente tocante, do impulso fundamental da existência humanaem sua ambição de poder, e que é não morrer. As soteriologias ensinam às socie-dades humanasas maneiras de vencer a morte ou de ressuscitar.Com o recurso te-n\pico, (IUCnunca foi ensinado, mas apenasexplorado - o que mantém no im-

11ulsoo seu caráter original de necessidadevital, talvez animal - trata-se deibcrt ar do mau físico da vida quotidiana. Nessa crispação ou nessaangústia do

cquilíhrio vital, e, portanto, do poder de existir, o que é sagrado conservaumasurpreendentevirtude. O objeto sagrado cura lá onde os remédios caseiros e amedirinu popular não são suficientes, num encontro extraordinário em que in-tervém a crença no sobrenatural, algumas vezes a manifestação do sobrenatural,II C'xi,l{êl1ciahumana de integridade, do normal e do não-sofrimento e o desen-volvimento de uma energia vital sem medida. Esseobjeto toma forma humana1101l111111locristão: o que permite o recurso à palavra, mesmo muda. E orarprlu (11I"a, pedir a cura, já é curar-se. Tão comum e tão aguda quanto a doença~ u Icrapia. Para ela contribui a vida mais difusa do que é sagrado, certamenterom elemento popular dominante, mas sempreno fundo visceral coletivo. Imensomaterial (llIe se interpreta quase com facilidade, exceto no que se refere ao seumistério terápico ,

Em nossasvelhas sociedadesocidentais, o antropólogo, se quiser conhecer1I totalidade do material, deve, primeiro, constituir tal material. Pertencem àinvest i,l{a~'ã()mais ou menos etnológica, diversificada em seus caminhos e de11I1111extrema diferença de natureza e de tipo de aproximação, os dados queNt'I'virnll n estabelecero seu material. Investigação no presente, e que, em seudrNf'l1vlllvinwnlo, pode ser tentada a cristalizar-se, justamente num eterno presente,1'111'1111(',110inventário do que é sagrado, acumula-seo testemunho de coisasqueNllh~iMtcmdesde sempre. Mesmo num momento como o nosso de interrogaçãott'nn7.f' unârquirn, desde que se investigue, por exemplo, peregrinações e cultospoplIlill'c's, a resposta (Iue se obtém é banal, quanto à duração. Fora do tempo,"sempre", é li medida popular do que é sagrado. A alma coletiva não concebe,no nlrdtcr elementar de sua energia sacra, a imersão no tempo dessa realidadetlut', pllm ela, pertence à eternidade. O que é sagrado desafia o tempo, porque.jUNtllll1f'lIlcconstitui um instrumento, uma arma para vencer o tempo. Por suanatureza, recusaa história. No entanto, o inventário do que é sagrado conduz-IIOH1\ história. Isso pode decorrer do estado de usura em que se situam essesIU!lOS. A escala de continuidade estabelece-sesimplesmente de uma sobrevi-venda de memória ainda intacta a uma duração sempre maior, algumas vezesde mnis de um milênio. Isso coloca, em germe, os problemas da vitalidadeda neressidade coletiva, dos condicionamentos, ou dos mecanismos esgotadosouativos l1ue mantem essa vitalidade, do desaparecimentoou da permanência dasdrnu18tAncinshistóricas, das transferências seja no mesmo lugar, seja para outro.

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São questões ruja resposta depende da análise da vida no tempo e, portanto,histórica. No campo francês, por exemplo, um inventário exaustivo dos cultospopulares numa região determinada, cultos todos terápicos e que se exprimemsob a forma de peregrinações institucionais, individuais ou críticas, impõe umcerto número de primeiras evidências.Numa visão do tempo ao contrário, a come-çar pelo plano contemporâneo, ou seja, nosso século e boa parte do século XIX,um "modelo" de peregrinação, numa maneira de centralizaçãomental, impôs-se.Não somente cada diocese francesa tem a sua peregrinação anual em Lourdes,mas são muitos os cultos da Virgem de Lourdes reconstituídos um pouco emtoda parte, no interior da Igreja da paróquia ou fora, aproveitando, por exemplo,uma gruta natural ou uma rocha na qual se possa abrir uma gruta, quando agruta não é fabricada em todos os seuselementos. O último aperfeiçoamento daimago de Lourdes, que tende a espalhar-se mais e mais estes anos, é o diálogoentre a Virgem, em sua gruta, e, a uma distância que exprime reverência, umaBernadette de joelhos, em sua roupa de pequena camponesa pobre. Por queessemodelo, e não, por exemplo, La Sallette ou Pontmain? Só a história poderáresponder a essapergunta, levantando uma quantidade de imponderáveis e in-cluindo assim o fato no fenômeno mais amplo, patente no nível dos cultosperegrinos no período contemporâneo, de uma ação da Igreja tendente, porcaminhos conscientesmas também inconscientes, a agrupar de outra maneira asatisfaçãocoletiva da necessidadede peregrinação nos grandes centros, nem quepara isso seja necessáriodesarraigar de seus cultos autóctonesuma população atéentão sedentária. Entre as respostas da história, encontrará facilmente lugar aanálise marxista: o desenvolvimento das estradas de ferro aumentou o espaçodo sagrado, enfraquecendo-o de certa forma, transformando em seus caprichos,suas expectativas, seus valores penitenciais, a busca dos peregrinos, e talveztambém atingindo a fonte da energia da peregrinação, e, portanto, a. recepçãode graças.

O extraordinário impulso do culto de Maria no século XIX havia sidoprecedido, e preparado, sem dúvida, em profundidade, pelo surto, ao tempo daReforma católica, na primeira metade do século XVII sobretudo, de numerosossantuários que exaltavam a intercessãotodo-poderosa da Virgem, combatida pelocristianismo viril e denunciador de adorações da Reforma. ~ uma memóriapatente no dado da investigação de hoje, conservadanos escritos devocionais daliteratura de peregrinação, e muitas vezes nas inscrições da época, no mobiliárioou na arquitetura de santuário cuja data é fácil hoje em dia descobrir. ~ ime-diato, portanto, o estabelecimentoda camadahistórica, confirmado, na ampliaçãoda investigação, por concordâncias evidentes. Outra concordância, essa nascidado legendário: à maior parte dessescultos são justificados por histórias de "desco-bertas": a estátua, objeto do culto, foi miraculosamente achada numa árvore(Virgens de carvalho ou do olmo, ou de tal espécie de árvore que predominaem certa região, ou, ao contrário, que é rara), num canto do solo, ou na águacristalina de uma fonte, ou numa poça, também cristalina. E a descobertaé feitua.maior parte das vezes por um leigo, entre osmais simples, pastor ou pequenAcamponesagllardiã ele um rebanho, ou mesmo por um dos nnimai8 do rehanhn,Evidentemente, nem padre nem 11 Igreja intervêm no imediato d" ,lt·_mherlll.J'lulllól t'onsllllllçi(o 'luC impõe 1\' conrlusã« tle uma evidente l'IlmpCnlll,nll JelllR,

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(rente li instituição da Igreja, de um povo fiel que se dá a si mesmo, antes dadisciplina eclesiástica, o objeto sacro de que tem necessidade. :s uma interpre-ll\Çiill da história que se faz, assim, no presente de hoje em dia, como a inter-pretução de dois níveis de "sacralização", cristalizados na lenda de numerosasI'l're:~rinaçõcs. Uma interpretação, das peregrinações em torno das "Virgensnegras", é: a explicação habitual de uma origem no oriente da estátua, com o[nto histórico das Cruzadas, para tornar "natural" essa origem, tendo sido avirgem trazida seja por um cruzado, seja por um peregrino. São associações(IUC, para a estrutura mental do peregrino, têm a sua coerência de certeza e,portanto, a sua difusão comum. Através delas, impõe-se a interpretação de umadependência sagrada do Oriente, que é um fato banal de nossas sacralidadesoridcntuis inrracristãs, e impõe-se também o alcance "chtoniano" de todos esses('ulto~ em que se encontram ligados a negritude e a maternidade, do tipo icono-I()~i('o da Sedes sapientiae sendo, freqüentemente, o da estátua, Estamos empre"ença do mistério do nascimento e do regresso, motivo por que há a presençadll Mllhedoria. A outra associação, menos difusa, suscita toda uma história: é anceeMsidade:coletiva de situar o culto seja na altura dos tempos carolíngios, comII ~r.nde estatura mítica de Carlos Magno, seja nos episódios da mesma época,de lutu contra o Islã, Carlos Martelo constituindo a figura ou o nome expres-~IVIl. A fixação de tal nível define em nossa frente um conteúdo de tempo,rom IIlrfLter sugrado por causa de sua venerabilidade, e uma profusão de fontes.A~~illl, com :lpe:nas o inventário da atualidade, estabelece-se uma análise espectral,~, I';L~sadl) com essa escada de subida - ou de descida - às profundidades1111 tempo: Virgens de aparição dos séculos XIX e XX; descobertas de Mariado século XVII, que se prolongam algumas vezes até o fim do século XVIII;Vir~t'11S de piedade que é preciso aqui introduzir em sua epidêmica propagaçãoIHI. séculos XIV e XV; enfim, Virgens de majestades, de império e de sabe-dorlll, pilra as quais é patente o cordão umbilical do Oriente. História das pro-fwulidadl's que: transparcce no presente: o esquema que tal história descobremnvlmcnt» blocos enormes de mutações religiosas, isto é, de transformações davi,ao c' dll pari icipação sacras por massas imensas e até agora silenciosas, às'l"aIA 11 simples perfil que acaba de ser esboçado restitui já uma linguagem.

Srl'~ nercssârio multiplicar os exemplos dessa presença do passado no pre-_rlllC', 1lllvC'z presença do eterno, colocado esse em sua dimensão humana? Dois

C'xC'rnl,lo~ merecem ser retidos, pois fazem parte de nossa vida quotidiana e,I'ortllnto, de nossa menor sensibilidade, Um dos exemplos refere-se à repartição,10. lugares de culto; o outro exemplo refere-se aos titulares dos cultos. Todos

(lN dois MitO coisas inscritas em nosso terreno familiar, em nossas paisagens, da-

'1"ehl~ II"C lIão interpretamos mais,

Quunt« aos lugares de culto e sua repartição, há densidades urbanas, havendol.unhém n dispersão mais ou menos grande no campo; há igualmente, na cidadeI' 1108 (limpOS, igrejas e capelas transformadas em garagens e estábulos, algumasvrxes, mesmo, de forma menos natural, em restaurantes; há, enfim, mapas an-liROl, topõnimos, e, algumas vezes, a memória coletiva sempre cultualmente fiel1111qunisquer outros traços que atestam igrejas ou capelas desaparecidas, A colo-"!lçlo de tais fatos em evidência pode contentar-se com o plano histórico-geogrâ-firo, e nitll Illtrapn85Rr dados muitn~ vezes estabelecidos, tais (orno a urbanização

"tsd" tia

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indigente, o impulso competitivo, intramuros, das congregações novas e dasfamílias religiosas antigas, o regresso dos campos, as paixões em contraste dosgrandes e dos ricos armando nos cenários urbanos os lugares de culto e de glória,as reclamações sempre renovadas, quando o bom povo começa a exprimir-se atra-vés de seu vigário nas visitas canônicas, sobre a distância até à Igreja, as difi-culdades de chegar a ela no inverno, a imposição do lugar do culto castral oua complexa mas significativa repartição entre igreja paroquial e sucursais, e,mais longe ainda, entre igreja matriz e igrejas paroquiais ulteriores, enfim aproliferação o mais das vezes relatada em história das capelas freqüentementevotivas ou de oratórios , Para partir do mais elementar, no entanto, a densidadee a rarefação já são dados da alma, e não o são menos, na carta das repartições,os vazios. A partir do que podemos fazer a investigação da necessidade desagrado, Deus ou casa de oração próximos ou distantes, podendo um ou outroestabelecer-se em razão inversa, Avidez cultural que influirá sobre a qualidadesocial, a realidade biológica dos fiéis, os seus apoios sagrados de cristali-

zação e irá descobrir, assim, os cultos fechados ou os cultos abertos; enfim,elementar mas perfeitamente significativa confissão de u~ espaço "médio" deterreno sagrado a percorrer para atingir a casa de Deus, São esses os traçospequenos, às vezes apenas esboçados, que descobrem os impulsos da alma cole-tiva, uma necessidade de Igreja e o sentido desta como núcleo de concentraçãosocial. Ainda são mais significativos os vazios: há regiões proibidas ao sagrado,

em geral as mais cheias de intensidade cósmica, Ali intervém a interpretaçãodo incessante, dramático e muitas vezes fatal diálogo entre o homem e 'a natu-reza: intervém, portanto, uma libertação de estado profundo, um dado de gênio;no sentido em que este é natureza e uma natureza que é fundamento da exis-

tência, assim, realidade antropológica eminente. O que pode, nas sociedadeshistoricamente cristãs, permitir que se meça até onde foi a audácia ou o poder

de antropomorfizar a realidade, sendo quase sempre o batismo cristão dos lugares.de culto a antropomorfização de um locas cósmico.

Falam da mesma maneira ou tanto os lugares habituais de culto, capelas,oratórios, ou cruzes na beira das estradas. O seu número, a sua colocação, oespaço entre eles contêm uma história complexa em que se revelam a necessidadedo objeto, fundamento ou pretexto para a oração, os ritmos de um espaço sa-grado, as exigências de sublimação segundo o caminho ou o trabalho, a sacra-lização necessária a certos lugares do espaço, como as encruzilhadas ou as en-tradas de domínios, No simples inventário de tais sinais, pode-se dar umaprimeira interpretação, corrente, sobre os hábitos ou necessidades religiosas deuma terra, podendo-se fazer o mesmo para a multiplicação ou, ao contrário, aausência de nichos que abram, nas fachadas das casas camponesas ou urbanas,'a irradiação de uma estátua protetora. O enraizamento, quer dizer as formas eas localizações, desde gue possam ser analisadas com rigor, descobrem uma outraprofundidade, além da minúcia histórica : seja, freqüentemente para o oratório,um ato de exorcismo, seja, quanto à cruz, uma multidão de apelos gue ultrapassamo fundo cristão. Pode-se dizer que é sumariamente toda uma rede de proteç~e~para '1ue a natureza, embora assumida, niio reine com uma impla('hel e .olltArI.soberania, que anule o homem. As cruzes, justamente, falam dA outrA RObo.rania, a do homem, er,llllidll~ corno !fto por ohrn do homem CI ltovC'rnllndn o

_,~, ~_~k.'i

D2 HISTÓRIA: NOVAS ABORDAGENS A RELIGIÃO: ANTROPOLOGIA RELIGIOSA 93

l'~I'ól~O(embora as cruzes cristãs sejam um empobrecimento ou uma redução da<'rUi':de quatro braços, ela um verdadeiro domínio da extensão física, e talvezda psíquica}; símbolos solares, por outro lado, elas confirmam, pela sua conde-Ilução simbólica, o domínio humano do astro, que fazem irradiar até mesmoIlO gesto da pessoa em prece ou da pessoa que passa, que fazem o sinal darruz . O seu idioma é ainda mais explícito na confrontação rude entre diferentesIipos de cruz (os modelos escolhidos exprimem um estado coletivo de alma011 mostram, ao contrário, que, com o tempo, esse estado de alma foi acorno-.lndn), sobretudo na oposiçãoentre a cruz de pedra bruta e a cruz trabalhada,,hda de história. A aparição do corpo divino, curiosamente realista e de umpatéliro explorado, nas épocas contemporâneas,confere à cruz uma outra pre-sençn. Essaescolha denuncia o conformismo mental de uma cultura de igreja,,l('enhta~'iiohumano-crística e, em certo sentido, enfraquecimento do simbolismo.111cruz: toda hurnanização é um antídoto do sentido do objeto nu, essa cruz~ohernnade pedra, sem figura. Através dos lugares marcados por sinais cósmicosou dus simples cruzes de encruzilhadas aparece fortemente o dado antropoló-~I('() de nossovelho mundo cristão: a imagem antropomórfica, não menos antro-pucentrira, é elemento de constituição da sociedade sacra cristã, numa vontadeten~11 de cobrir o objeto nu. Descobrir a imensidade desseprocessotorna-se hojeumn maneira de libertação, seja do poder de uma ordem tradicional, seja deurnn reverência batismal, seja, ao contrário, de uma riqueza perdida, e, portanto,~ umu manifestação da existência humana nos próprios limites do "ser". Como invenrárlo dos titulares de cultos, nós passamosao que é antropomórfico.() poder do sagrado liberta-se aqui através de nome de homem, ou de Deusfeito homem, ou, mais raramente, de um dado teológico, às vezes histórico,relativo As pessoasdivinas. ~ evidente que o nome implica uma opção. Essaelc:lçno coletiva do padroeiro, que é, muitas vezes, acompanhado por um pa-.lroeir» scrundário - padroeiro de igreja ou de capela, e não menos padroeiro,J(' pnr6'llIia - - encerraum sentido religioso, com freqüência apagado pelo curso.10M ~~ndos, mas permanecesempre o traço da opção, e que é, justamente, ovllrAbulo imposto ao edifício religioso. II com freqüência um duplo vocábulo,por'lue II piedade popular transpõe o nome, ou, por muitas razões contingentes'111(' Il~MIII11CI11rapidamente a força de um hábito, denomina de forma diferenteo tltulnr da i~reja, ,. Simples ou duplos, no entanto, titulares e secundáriosaca-Nllllldo~, isso não impede que o inventário sistemático descubra, hoje em dia,um dorumento imenso, de dupla interpretação, segundo o tempo e segundo ol'.pAI,'O, 11 impressionante, quase que para qualquer diocese francesa, a inter-prc:tll\,ilo imcdinru de uma quantificação bruta. A Virgem e os santos competem·do maneira multissccular, e, em sentido oposto ao impulso marianista contem-pmAnco, IIS santos ocupam numericamente o maior lugar, GOma contribuiçãoiml'~()rtllntcde São Martinho, que revela a evangelizaçãofundamental do mona-'l\li~11l11flC,Llf0.Uma outra evidência que se impõe, sempre na lista bruta acimamencionada, é o fato de que os vocábulos recentes revelam-se, em sua formu-Itlçilo tclll6~ica, produtos da Igreja em transformação de seus valores teológicos,1111. pelo menos,variando em acentuação:todos referem-se,a paróquiasou lugaresde culto em zonas de extensão urbana, ou em vias de urbanização: O que se•hllmllvll nnHAamentede puro nunpo revela, e com llue força, a sua fidelidade

a seussantos. Além dessasimpressõesobjetivas, o dado: os titulares aparecem,c-omevidência, como perfeitamente estabelecidosno prazo longo. Alguns acrés-cimos ou variações atuais não alteram o caráter poderoso do monolito, comosuscitado do fundo do tempo. A tal ponto que, por confrontações sucessivasepela luz que vem de estudos históricos, destacam-secamadas de imposição decultos, descobrindo as sucessivasreceptividades dos grupos humanos religiososcompreendidos na estrutura diocesana.

Isso é uma cronologia das opções, significativa por causadas concordânciasque se estabelecem, dos grandes impulsos de apostolado, de uma dinâmicaconquistadora e de um acordo teológico-popular entre 'Ü ensinamento da Igrejae o condicionamento cultual das massas. Significa menos, sem dúvida, esseacordo do que o fato de que na liberdade implícita das peregrinações ou doscultos populares mais ou menos elaborados, públicos ou crípticos mas, de qual-quer forma, sempre no âmago dessas opções, cujos responsáveis muitas vezesa história ignora, há uma rocha da alma coletiva sobre a qual passaram osséculossem a erodir. A essarocha prenderam-se lendas ou narraçõeshistóricas,contando, com uma verdade de conto, a existência verossímil ou real do santopadroeiro, contos cuja estrutura ou coerência revelam uma data histórica, teste-munho dos critérios de sacralízação,ou do "modelo" de santidade de uma épocae de uma sociedadedeterminadas. Até no aspectoinsosso da imagem estilo SaintSulpice, mesmo se a estátua do padroeiro corre o risco de ser relegada a umcanto sombrio da igreja, ainda pairam a nostalgia ou os últimos traços do "rnode-10". Modelo que revela mais do que ele próprio no tratamento quantitativo:se, modernamente, há poucos titulares saídos de canonizações,impõem-se grandesmassasnuma classificação quantitativa, mesmo elementar. Por exemplo, o quese poderia chamar de "episcopalizaçâo" necessáriado santo padroeiro, como umacompensaçãodo poder de uma sociedade cujo elemento dominante era monás-tico; a importância relativa do padroeiro autóctone, ou como tal considerado, edo estrangeiro; a camada essencialdos santos oriundos do Oriente, ou a partedos cultos apostólicos, quiçá romanos, Essasgrandes divisões que se estabelecemde uma forma quase natural em listas numéricas fixam toda uma história depropagação ainda secreta, e a sucessãodos modelos ou dos tipos de modelosrecebidos época após época. Tudo isso está inscrito em nosso presente, emborao investigador possa, tão freqüentemente, constatar a ignorância do coletivo vizi-nho quanto à identidade do titular da Igreja, e os erros relativamente numerososque, de maneira passiva, são conservadosnos papéis da diocese.

Quanto ao espaço, o inventário dos titulares estabelece,num setor geográ-fico determinado e que convém compreendê-lo o mais amplamente possível, semp,erdade coerência histórica, irradiações, circulações,caminhos. A que seria pre-CISO acrescentar,para que a lista seja completa, estabilidades: essessantos, compés de barro que não viajam, quais são? E que condicionamentos históricos ostornam estáveis, enquanto os outros percorrem o mundo? A extraordinária diás-pora martiniana é um alicercecultual do Ocidente cristão, entre outros exemplos.

.e a diagonal Bourges-Trêvcs foi um caminho de migração de cultos, assim como-e)(ist~·um eixo rodaniano, Tudo isso são dados de inventário 'Iue 1111nllldi~õe~histórico-geográficas.podem perfeitamente explicar. Além disso h4 ums roerên-(ia das opções, os proresso8 de aculturação, e essa IIceihlçilo c:xtrllurdinArill do

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94 HISTÓRIA: NOVAS ABORDAGENS

"outro" em que se mede a distância necessária para que um determinado cole-tivo torne sagrado um titular ou um objeto. Major et longinquo reuerentia, issonito vale apenas para a literatura clássica, mas constitui uma chave para os meca-nismos pelos quais a alma coletiva torna sagrados os titulares ou objetos. Dessequadro das medidas de distâncias necessárias para conferir o caráter de sagradono objeto pode esboçar-se uma paleta das exigências da alma. Esse acesso aotlue é sagrado pelo espaço é uma forma antropológica de aproximação, entre as

mni~1seguras, para descobrir o mistério pelo qual a energia sacra encerrada nanlma coletiva concentra-se num objeto. Acresce que todo estudo das circulaçõesNacrai~;pm meio dos titulares, no campo europeu, por exemplo, revela os dados

primeiros de um comércio fundamental do sagrado, comércio esse que, em certasépolas unificava, e que em outras não tinha a virtude da comunicação religiosa.HI! nisso um sistema de linguagem religiosa que, além dos idiomas vernáculos,()II mesmo da língua sagrada, exige a decifração. Tanto mais que a propagação

,Ius cultos c esse ato fundamental que é, para um lugar de culto, a marca eletivado padroeiro estão estreitamente ligadas à circulação e à veneração das relíquias.ti 01111'0 aspecto do antropomorfismo cristão o culto do corpo do santo, que éevidcmiudo pela relíquia. Autênticas ou artificiais, essas relíquias encontram-se,

'"lluml ou psiquicamente, carregadas de sacralidades, e o seu comércio terá sido,durante pelo menos um milênio, a fome sagrada do Ocidente cristão. Nesse(()m~nio tramaram-se freqüentemente laços de filiação, ou de relações entre

~rup()s c de circulação, cuja análise deve permitir compreender certos pl-anospllhlllin)1l da necessidade do sagrado e também as vias de sua satisfação. A partir

d(l momento em que as coisas assim se materializam - seria necessário escre-ver: tornam-se humanas -, o simples desenvolvimento geográfico de uma ex-

l'IIIlNito do culto liberta proximidades de alma e, na medida em que se trata. elo ~odC'dadcs étnicas diferentes, seja um impulso irracional de unidade, sejafIInlrnNlcs (lllC fazem nascer a fábula ou formam a idéia de uma pessoa,seja,nurnu maneira do que é "comum", uma exigência de sagrado mais essencial à

•n'HIi~no cristã.

Até 1ltlui nós observamos e mantivemos o nível da investigação. Conduzidarl$lnrollllmcl1tc na superfície do presente, a investigação impõe a história. Diga-!nUM melhor: da liberta a história. Isso acontece, no entanto, segundo trêsfIIIHIi'll'lI'H. A primeira é de não se limitar ao caso particular, como muitas vezes•• 1'.1••. ,I clllul()~ia. A segunda é de não se satisfazer com comparações apressa-dlll entre (liSOS particulares, e não fazer induções a partir de semelhanças maisou I11CIl()~superficiais: essa operação mental de conhecimento rápido é de todas1\ llIais Iulsu, a (Iue mais atraiçoa. A comparação deve ser uma confrontação, e!lntes dndo associativo, COIll sugestões de ligações ou de enraizamentos do que1"II',delislI1o c:n~lInador até tlue tudo fique reduzido à mesma coisa. Depois dast'olllli~u('s negativas, a terceira condição é positiva: é a quantificação. :f: verdadeque a qunnrificnção só deve ser feita onde é possível, evidentemente, e sempre(IUC unn coisas da mesma natureza. Ela faz distinções, e, paradoxalmente, esta-belece diferenças de tom, confrontando o conjunto com o particular, e, portanto,mltllifr~tllndo as opções e o que, por outro lado, torna necessária a história: tudo() tll1(, é ~in~ular, com efeito, é objeto de história. As evidências em massa, oriun-dllM do ~rllnde número, levam a interrogaçilo histórica a um nlvel maior de

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A RELIGIÃO: ANTROPOLOGIA RELIGIOSA 95

profundidade do que a monografia recorrente. O que é "maciço" aqui nãoimpede o trabalho da história; ao contrário, obriga a história a prosseguir emsuas pesquisas. Liberta as confissões até aqui confinadas ao silêncio. Assim,as permanências atestadas quantitativamente do culto da Virgem da Piedadeestabelecem, por um lado, a longevidade do culto, e, por outro lado, obrigama encontrar novamente o nível em que apareceu, de evidência, também quanti-tativa, no século XIV - o que pode permitir, em casos' incertos, uma discretaindução, e enfim e sobretudo impõe a análise das motivações desse culto nopsicodrama coletivo das relações entre a mãe e o filho morto, ou bem a ceno-grafia de uma exaltação rnatriarcal não mais soberana mas aflita, ou talvez ojogo soberano da dor pacificada. Outro exemplo, no caso suscetível de permitir

uma indução exploratória, esse dado que se manifesta quantitativamente dasperegrinações das segundas-feiras de Páscoa ou de Pentecostes, que são pere-grinações de uma instituição muito antiga ou de hábito muito antigo. Umculto mais recente historicamente pode ter-se apoderado desse dia de festa noscampos, mas poucas pesquisas são suficientes para pôr em evidência a super-posição do moderno a celebrações mais antigas.

Nós sabíamos que se tratava de uma história do presente, no presente.Na própria multiplicidade de seus caminhos, no entanto, a história confortae aprofunda toda a análise da antropologia do sagrado. Em primeiro lugar, para

que todo o evidente possa ser colocado em seu lugar, o que nos é atestado hojeda duração de um culto procede de uma investigação histórica qualquer, de umdocumento, de uma arquitetura, de uma convergência de informações em quepassado e presente se confundem num material objetivo. O testemunho oral,

difuso, não se interessa mais do que no fato de que a duração é grande, - oque, num sentido, constitui um dado antropológico seguro da longa duração .Mas esse dado não é medida. A fixação histórica, quando ela é possível e o émais freqüentemente do que pode parecer, define hierarquias de duração. O que,em si mesmo, é um documento novo. A confrontação entre o que dura e oque passa ilumina as fontes secretas de alimentação. Porque há cultos quepassam, efetivamente. Seria um erro grave considerar como um culto vivo ode Joana d'Are, malgrado a pres~nça de estátuas da Virgem Lorena na maiorparte de nossas igrejas. Houve um tempo de necessidade, tempo curto que con-dicionou uma moda: será que desapareceu a necessidade, ou o objeto, a imagem

não satisfizeram à necessidade? e um fato que a inevitável estátua é uma estátuaquase morta. Com o seu estandarte, essa jovem de armadura, apesar de seurosto angélico e seus olhos elevados para as alturas, quando não é mostrada com

as mãos unidas sustentando a foice da morte, não desperta mais impulso reli-gioso. :f: certo que existe uma maneira de peregrinação de intelectualidade histó-rica a Domrerny-Ia-Pucelle, mas quase não se encontram ex-votos junto das está-

tuas de nossas igrejas. No confronto habitual entre as estátuas da Santa Lorcna cde Santa Teresa de Lisieux, é a religiosa das rosas que ganha, com facilidade.Será,no entanto, sempre assim? No final de hoje em dia, esses cultos contem-porâneos, de apenas meio século, parecem já gastos ou em vias de se tornaremgastos. Fragilidade de inspiração, ou, nessas criações necessirill', necessidade,peculiar ao tempo, de outra coisa e de melhor? Todos os modelosde Iflntidlldcnão contêm, como tais, umn seiva poderosa de culto. COIutatd·)1l 6 I'CUlllhcccrf

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fltI HISTóRIA: NOVAS ABORDAGENS

os uuninhos pelos quais se exprime a buscade perfeição ou de poder das profun-didades, 11 também reconhecer o seu condicionamento, pois, até que ponto o.ulto de Santo Antônio de Viennois, curiosamente ajudado, é verdade, pelo deSill110 Antônio de Pádua, corresponde ainda, onde existe, a um modelo desantidade,estando um tanto esquecidoo tempo do eremitismo? Com 0' santo que'lIl'ava o "mau dos ardentes" (as pessoasque sofriam do "fogo de Santo Antô-11io" , de gangrenas) é uma camada enorme de multissecular sofrimento humano<lIja lembrança permanece inscrita na veneração coletiva, Que importam, norntanto, as razões?Cabe à análise manifestá-Ias, O que obriga a análise a esse1 r.rhalhn é o quadro bruto dos tempos longos e dos tempos curtos, A duraçãodos cultos entende, porque há estranhas ressurreições, como a que se impõe110 (>ridente de difusão cristã de hoje, no impulso conjuratório frente aItila. a santa das causas desesperadas,religiosa agustiniana do século XV11,1l Imbria, elevada aos altares apenas no fim do século XIX, a partir de entãolonst'rvada nos altares, e particularmente por obra dessa congregação italiana,prometendo ser cada dia a santa a que recorre a angústia comum, tão curiosa-mente tocante nas mutações de nossa época. O dado bruto da duração de vene-rol!,'íloou conjuratória liberta, num determinado coletivo, o idioma do além, esse.ilém llue não é apenas a outra vida, mas que une o ato de ultrapassar-see alihcrtaçilo do modelo, a libertação do mal tanto físico quanto moral, essapleni-lude de poder que é o próprio sentido do ato religioso vivido na integridade deSUIltensão criadora, que exalta e fertiliza. A partir de então, a alma interiorde um determinado grupo humano liberta-se nessa orquestração historicamentehiernrquizada. Os oito séculos bem contados do culto da _virge,mCa~arin~, osinumeráveis altares e capelas, e não menos, as representaçoesainda tao difun-tlidn~ da santa de coroa principesca e da roda de dentes de ferro, figura de'('11111011'1í rio. impõem na consciênciacoletiva do Ocidente cristão o exemplo daIIl1hilidade feminina, cristalizada em torno do legendário de uma princesaurientul, (li jo corpo se conservamiraculosamente no Mosteiro do Sinai, Algumasvezes,1111imagem, virgem com o sabre, mais ou menos inconscientementecastra-d"I'II. 101110110gorro das pequenas Catarinas, tentação de desesperoquanto à',li i~"II~ilo sexual c à fecundidade. As investigações de demografia histórica,Iindll n~o enumeraram as formas do culto de Santa Catarina: esseculto detém,1111e1l11l1110.muitos segredosda vida sexual feminina no Ocidente cristãomedie-vil! li moderno. Da mesma forma as doençasou medos coletivos são lidos na«uuinuidadc dos cultos dos grandes terapeutas, dos santos com peste ou outrosIlllllllllhir,ltos. seja de designaçãoerudita, como os dois médicos Gervásio e Pro- .1,\Mio, seja de eleição popular, nesse caso evidentemente orientada muit~s, vezesI'd".~w'alldes estabelecimentosmonásticos, à procura de recursos matenais.

Não basta, no entanto, estabelecero quadro de durações do que é sagrado,por mais (Iue isso seja eloqüente, No interior de tais continuidades brutas, hávarinçõc«, algumas vezes, saltos, substituições ou transferência mais ou menosC'vidt'l1lcs, Impõe-se a toda antropologia do sagrado, se ela quer esposar osimpulsos da vida coletiva ao mesmo ~em~o passi~a e tradicional e cheia ~emudança«, c pronta a cansar-se,uma história da Vida do que é sagrado. Serra

. limA outru fkçiin tomar o universo rultual como outra ficção do rnultisserular .

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A RELIGIÃO: ANTROPOLOGIA RELIGIOSA 97

Os grandes movimentos e variaçõessão lentos no multissecular, no universo doscultos, mas os episódios são múltiplos.

Pode-se iluminar a prova em três níveis, pelo menos. O primeiro nível seencontra em torno de um casocircunscrito. Tal é, por exemplo, no capítulo doscultos, a fixação necessária,na medida em que os documentos o permitem, deníveis diacrônicos sucessivospara a vida dos titulares. Quando se trata de umculto antigo, de forma manifesta, de apóstolo ou de santo oriental e do qual ospapéis de diocese de hoje ainda conservam esse título, seria normal chegar àconclusão de uma estabilidade quase fora do tempo, Na diocesede Chartres, emparticular, estudos mais detalhados, temporalmente, estabelecem que, diferente-mente, durante todo o século XIX, e certamente com um recuo maior ainda, otitular de aparência imutável foi muitas vezessubstituído na veneraçãodo povofiel por um titular secundário,hoje esquecido,e que, em geral, é um santo tera-peuta. A confissão, de outra forma, dessefato teria desaparecido,e ela mostraque o fervor popular havia escolhido o seu santo de preferência ao que haviasido imposto, num nível canônico ou cultural superior. Sem o perfil histórico,os "obscuros", na expressãode seu culto, teriam sido decisivamente condenadosao silêncio.

O outro nível encontra-se no plano da criação mítica , Digamos bem:criação ou consciência, e não, vida dos mitos, pois é um truísmo apontar que,no nível da vida no tempo, não há outra forma de aproximação que não a histó-rica, A criação é um ato de confissão antropológica. Pode-se medi-Ia com oexemplo das cruzadas: cruzada-palavraou noção, senãocruzada-história, Nenhummimetismo histórico - uma vez que não se liberta mais Jerusalém- entre osepisódios históricos dos séculosXI-XIII, e talvez mais tardios e a cruzada de hojeem dia, no sentido em que o signo ou a invocação a propagam, No entanto, apartir do extremo fim do séculoXVIII, atravésdas crises revolucionárias, o nomecomum de cruzada- não mais "as cruzadas" da história - surge quasemisterio-samentecomo apoio de expressão,de cristalizaçãode impulsos coletivos confusos.13uma palavra tomada de empréstimo, segundo as facilidades de pilhagem doidioma, ou, ao contrário, é uma ressurreiçãoque corresponde a necessidadesaná-logas entre o uso presente e o passadoda memória? A despeito de desperdíciosevidentes, a língua tem os seusrigores: ela não retoma ao acaso,ou sem herança,Pelo elo tenaz do signo são unidas, de um lado, as continuidades de um fenô-meno histórico multissecular, o da cruzada para a ocupaçãocristã da Terra Santa,fenômeno prolongado pela guerra turca quase até o início da época contempo-rânea, e, por outro, a ressurreição progressiva de um sinal de apelo, quase aomesmo momento em que se esgota a influência do fato histórico. Sem que setenha a menor intenção de estabelecercontinuidades artificiais, é bastante, umavez inteiramente desenvolvida a experiência temporal, constatar a sincroniac a transferência, nesse último caso apenas do signo, Assim, a análisedo conteúdo psicossocialdo signo contemporâneo, o recurso quando fulumos ouem proclamações ao apelo da "cruzada" não é sem importância para <lllC seperceba, de urna parte; a maturação das coisaslatentes, ou seja, um episódio quenão se pode negligenciar da vida das profundidades, a qual, de outrn forms,não se deixa perceber, e, de outrn parte, a dupla indução possível ÜlII wnldldoNde hoje i1o~('()nteúdo5ele um Ato de um pnssndo longlnquo, e de j",,," pene-

9M HISTóRIA: NOVAS ABORDAGENS

tração analítica do fenômeno antigo ao que hoje não é expresso e não é cons-ricutc , Nesses dados sutis nada pode ser, por assim dizer, endurecido, nada1!lIde ser muito apoiado, mas, pela própria tenuidade d~ signo e pel~ desenvol-vuucnto diacrônico, afirma-se uma operação antropológica da necessidadecole-tiva de criação de uma "super-sociedade", da sublimação coletiva que supera asservidões, os hábitos e as coisas quotidianas', da satisfação de poder que faz acondição humana ir mais além de seuslimites, o outro mundo enfim conqU1s~ado.Na cruzada, uma dinâmica de "passagem", ao mesmo tempo, com a energia dodominio dos elementos e posse das chaves entre os dois mundos, e terapia dopdnico coletivo. E tanto sobre o apelo como sobre o a~o,a marca solar d~ cru~.11uni fato que as línguas vernaculares do extre~o Ocidente, ~o ,mundo frar:ceso do mundo anglo-saxãonão encontraram outro Signopara expnmir na comunica-,lio (UIlIl'llJporâneao que é melhor, maior, e mais capazde sublimação,no ato,cole-tivo do que aquele que foi, .tar~amente, colocadosob~e: av,entur~hierosohm~ta-1IU,UlITl'J.(adaem seuspnmeiros impulsos por uma aspiraçaoir~~sis.tIvelda rea.hza-c,-lIo salvadora. O que desejamosé encontrar novamente as vicissitudes do SignoIIK decantações,talvez as transferências dos sucessivosconteúdos no fluxo entreON séculos XI e XX. A via diacrônica era a única que libertava, a única quepermitiu compreender tanto os apel?s silenciosos e exa~tantes.de hoje, quanto11 mistério das migrações tumultuárias no corpo da antiga cristandade, Recor-re-s«, portanto, à história, para compreender ~ gestaçãodas profundidades noRio coletivo de transgressãodo mundo, ato emmente no plano humano de qual-(Iuer poder sacro.

Passa-sea um terceiro nível, talvez ainda mais profundo. Depois da criaçãomilita da toda potência coletiva, de suas pompas e de suas obras, a vida dotempo: de vários tempos, e não de um só. Em arabescos,entrelaça-se,ao tempo(IUO se pode dizer linear das con~inuidadeshistóri~as, o tempo e~otivo sacro daCII''' 1'1I, seja de profecia, ou rnais solenemente ainda da ~schate.N~ss~.tempoe'(1I1\l16~i((J,não há mais homogeneidadeaparente,mas há ritmos, perIodic~dad:.s.raio se rc~istra no volver de cada século novo, por exemI:lo, ou ~a aproximaçaodOlI milênios . Registra-se em outros exemplos, talvez, ainda mais explorados.(JwlIllo 1\ profecia, (!ue distância entre o anúncio e o acontecimento,esobr~ ~uerundo de motivações tradicionais, de crispaçõesinternas, de medos, de angusties,de vill~aIH;as.de lisura da vontade de existir estabelece-seela e sobretudo r.etorna?() iuvcnt ál'io elementar e objetivo das manifestaçõesproféticas, dos acontecu-r:entosr.l'Ill()I()~ic()s descobre uma interpretação do temp? escatológico, absor~ido .nolIivC'lalllt'lIlo histórico. Somente em seu nível, a Vida tocante da duraçao, VidaIIl1de l1ão há nem relógio, nem calendário, mas há tensão algumas vezes até re- ,bentnr, tcnsiio em que sobe,ultrapassando-sea si mesma,a energéticahumana queprol'lIl"11satisfação. Para que a promessa se cumpra, se torne fato, a uma só vezverdade do que foi anunciado e domínio humano sobre o futuro, e, portanto,oul rn libertação ou exerdcio de poder. Medir a amplitude dessascontraçõesdee.pa,~1l1()~da existência coletiva na duração, s6 a descrição historiográfica o per-mite, fixando as voltas, as escansões,a desigualdade das esperas,e fixando,portanto, nu combate da imortalidade, soteriol6gico de uma certa maneira, oexcrdrin de poder. Vencer o tempo é, com efeito, um outro aspectoe aspecto(Ulldllmcntnl dI' buscn humana de todo o poder. A dimensão do eterno é que

A RELIGIÃO: ANTROPOLOGIA RELIGIOSA 99

o tempo acabe,e atingi-Ia ou, pelo menos, tender a atingi-Ia é criação sacra emato. Nós vivemos muito sobre um comércio do objeto sagrado, exterior e comodeposto, no meio dos grupos humanos que dele se alimentam, por uma mãodo além. Examinando o ato em sua dinâmica, a tensão da criação sagrada impõe-se, e não há tensão maior, em face da condição humana, do que essedomíniodo tempo, estabelecidosoberanamenteem dependência,que a imortalidade repre-senta. É uma dinâmica que torna histórico o dado antropológico, mas extrairesse dado de sua aparente eternidade é, seguramente, a melhor maneira deincarnar, ou seja, de torná-Io mais expressivo de certas necessidadeshumanasnormalmente guardadas em silêncio. Fixar o momento em que os homens tememnão aguentar mais com elespróprios e se precipitam para sair da história, vivendoa loucura pânica de poder fazê-lo, equivale a medir a energia profunda quepossuem, e sua capacidadede aceitar, de suportar, de viver a duração, de aceitá-Ia, assim, como duração. Nesse nível do combate entre o homem e sua história,como é que esta não seria essencial? Como, do próprio seio do combate, nãodescobrir melhor a sua realidade existencial, na medida em que ela liberta, degtupo humano, a capacidade respectiva de cada um, de existir? No coraçãomesmo desseassunto, estáa opção capital entre o acontecimentoe o aparecimento.O primeiro constitui a própria trama da história; o segundo constitui o surtodo outro, que precede a saída fora de si. Iluminação ou transcendência e oaparecimento. Esse poder de aparecimento alimenta, de forma igual, as socie-dades ou grupos humanos? Ou será que,existe uma distinção entre aqueles querepetem o in illo tempore das cosmogonias originais e aqueles que, libertadosda memória dos começos - laço evidentemente edênico - ou se acreditandolibertados, vivem a esperado retorno, mais inclinados a anunciar do que a redi-zer? É uma interrogação que não classificará, uma vez que qualquer classifi-cação torna mecânico tanto o objeto quanto o autor, mas que abre apenas umoutro método de análise, impondo o concurso descritivo da história. A descriçãotorna fixo o material a partir do qual será possível avaliar proporções, varia-ções ou transferências, e o condicionamento dos mesmos, entre memória e pro-gresso, ou talvez, para falar de maneira teológica, entre fé vivida e esperança.Para as futurologias, os resultados podem ser importantes: todo conhecimentodos comportamentoscoletivos é tesouro antropológico. Sobretudo para uma antro-pologia do sagrado, onde o sentido do tempo sacro,o próprio método de sacra-lização, assim como as inversões que vêm depois são luzes sobre a criatividadesacra do homo religiosas,

O que acaba de ser dito da descrição histórica deve ser agora mais forte-mente colocado, como a terceira contribuição "evidencial" da história à antro-pologia. A história, com efeito, enquanto a convergência de documentos o per-mite, estabelececontinuidade e variação. De outra maneira, ela mostra, na frenteda cena, o trabalho elaborado nas profundidades da criação coletiva: em grandeparte, a história é a expressãodesse trabalho, e é, portanto, a sua linguagem.A ligação entre essa linguagem e o seu sentido, quer dizer, (I motivo criador,ainda não foi explorada: no presente é possível apenas colocar essa "ucstluc: saber que existe essaligação, em face de todas as nossasanAIi.e.. DaI vem oserviço pelo qual 1\ história estabeleceessa linguagem numil coerendA Aproxl.mativn, até em SUR própria desconttnuldsde. No (llle se: refere A Inlrolmlo.IA

-'..,

100 HISTóRIA: NOVAS ABORDAGENS

do sagrado, alguns exemplos mostrarão a utilidade ~esse serviço Primeiro, noIluC diz respeito ao culto de Maria, culto .que se ah~enta na epoca contem~o-rAnca sobretudo de aparições, e de aparições da VIrgem sozmha.. Em OItoséculos, operou-seuma mutação, desde que se ,:onf,ronte o culto, das Imagens del.ourdcs c as virgens negras do tipo sedessaplentlae do floresClm.:nt~ romanoA1llli a dama que brilha de pureza proclamando a sua con,cepçao,Imaculad:,fij.tura solitária e que irradia luz s~bre um. fundo, o~al de raios; ali, uma Ma,ede reino, obscura como as profundidades infernais, icone que suporta a m~nJ-Icstaçâo e impõe um culto silencioso e que sublima. Na Virgem. d~ nossosdias,encontra-seum poder de diálogo - o que se apressa a ~xpnmlr, em nossasiwcjas, a proliferação recente de estátuasd~ Be;nadette de Jo~lhos: a ~a certadisl/lncia da "Senhora" de Lourdes. Frente a estátua romana, nao ha mais do queli comércio do ídolo, ao mesmo tempo mais longe ,e ~ais próximo, segura~en~enUli~ provocador de extroversão, e, po~anto, mais libertador. ,Que coerencra(.)(i~lirá, entre uma e outra forma, atraves dos tempos? Para apura-Ia.e estabele-(~_III com segurança,impor-se-ia um inventário rigoroso de todas as l~age~~ deMllrin, por grandes setores de áreas cultu:ais, ~as das sondagens fe:tas J,a seIlivi~11uma cadeia que mostra a desagregaçãornutto lenta do grupo Mae-~nança111I scntidu de uma afirmação luminosamente virginal. Entre as duas ,fI,g~ras,II exprimindo um pr.ocessoprogressivo de separação,a Mãe d~ dor s~lttana, ~"Addolorata" que o fervor mediterrâneo, de emotividade matnarcal animal, vaiIrutur Inmbérn como Virgem das dores transpassadapor sete espadas. Mas a"Addolornta" traz em si a tristeza da criança morta, da separação. Desfaz-~e, na"pllrênria, o conjunto, mas permanecena, ~r?pria expressãoda dor. As Virgensde np:lri~'ã()contemporâneasaparecemsolttanas para dar ~ sua mensagem,agoraoral (! não mais figurada. Tais são os traços - entre muitos outros - ,querev~-11\/11 o I rabulho silencioso, que modelam a imagem a:ltual p,ara torna-Ia maisimcdinlamcnle conjuratória e que, cada um deles, compoem a l,mguagemda ~~~amlcl ivu d(~outra maneira impossível de ouvir. Só o estabelecimento~e sequen,rill. hi~l{)ri('as,agmpando de maneira objetiva as séries fortemente mutiladas que1\111rcstnm, pode permitir escrutinar, quando à Dam~ de intercessão,as profun-IlIdllde~ de um comércio de libertação da mulher, seja tendendo a representar a.1Ihlillla~'il(lpossível do pecado da carne, seja aceitando a prova mo~t~ ,da incar-1\1I~1I1l.As imagens e a sua lenta transformaç~~ mostram ?S eplsodlO~,d~ssenllnl!ille entre as duas naturezas,a carnal e a espmtual. Atraves dessesepisódios,des('ohrem-seos acentos de uma consciência de reino da Mãe chtoniana, s0Ix:-runiu quase impessoal, e de uma arte dra~tica da carne,~ortal, e de uma gene-lim "existencial" com fundamento essencialmentefeminino, e de uma recus,a.possfvel da condição humana ~~ suas li~itações p:opr!amente biológ~cas,r~a~l-,h"k sem dúvida do pecado oflgmal. Atras dos ~plSOdlOSe, ~or seu mte:medlofiguram essesdados do viver humano, tanto mais antropologlcos que, slm~l~s-mente ao perfilá-Ios, impõe-se a impressão de reencontro com.a: wandes serresde iml\gens das cosmogoniasou mitologias mais ou menos O~lgmals:.C~mo sefossenecessário atingir essesníveis de linguagem para que, enfim, o silêncio fale,

Não se esgota, nessemergulho em busca do silêncio, o capítulo da imagem

!,t'.ticlI do 'lue (: ~agrndo. Silo séries privilegiadas para que se ouçam as vozesnterlores, 1\1 repreacntnçõel dos mistérios. Isso passa-se,por exemplo, no caso

A RELIGIÃO: ANTROPOLOGIA RELIGIOSA 101

do mistério da Trindade ou nessa figura da encarnaçãoque é a Anunciação.O.primeiro ~essesmistérios, tornou-se hoje mental e teológico; a imagem detres pes,s?asIigadas ou combinadascom o laço estranho e significativo da pombado Espírito ou se desfez atualmente ou está enterrada. Só a descriçãohistóricapode estabelecercomo representaressachave divina da vida do universo, quandooutra forma de representaçãotornou-se ou impossível ou indiferente. Tanto maisque ocorreu um acontecimentonotável para impedir a representaçãodo mistérioisto é, a quase proibição de Trento da representaçãodo mistério. Esse longoprocessode não-correspondênciaatinge um segredo da alma, Somente um ma-terial constituído em séries,historicamente enraizado, pode trazer luzes sobre essanão-nec,essidadecrescente,ou sobre ° medo e a recusa de transformar em objetoo que e estranho. Esseestranho, soberano de forma extraordinária, no venerávelCodex Calixtinus de Santiago de Compostela, obra datada da metade do séculoXII, e que descreve,no cibório do altar do apóstolo, um monumento triangularcoloca~o no alt? do edifício, Virado para o ocidente, ° Pai; virado para o sule,~ oriente, o Filho; ao norte, o Espírito. Se essadisposição é produto da cons-ciencra ou do acaso, o manuscrito não o esclarece,mas a observação rigorosadesco~re uma o~dem de correspondê?cia que não se deve perder, quer dizer,um rem? d? Untverso: Com a Anunciação, a colheita documentária pode tornar-~e considerável. AqUI, de forma segura, as séries falarão, sobretudo se foreml?terrogadas ~u~n~oà permanência das estruturas e quanto ao alcancesignifica-~vo de uma infinidade de detalhes, Em primeiro lugar, os elementos que coas-tituern o quadro; ~s relações,de espaçoou de atitude entre os dois personagens;as roupas e os objetos da Virgem; sobretudo a necessidadeou não da palavraescrita nu~ dí,stico; o espaço fechado da cena ou bem a sua abertura e o qdea, abertura indica, todos essestraços, entre muitos outros, evocam tantas palavrasdl~e:s~s num esf?rç~ tocante para ,ouvir, e, algumas :ezes, para compreender omisténo, ou, mais SImplesmente ainda, para que a Imagem do mistério possas~r recebida, para que passeà memória e possa,portanto, ser sempre reconhe-cida, Essagesta da recepçãode imagens sacrasatravésdos séculosrevela esseoutroempreendimento da condição humana, a possibilidade de recepção, de comuni-cação do mistério: é uma abertura, portanto, para a oficina de Vulcano, nastrevas da alma coletiva, onde se forja, na energia dos impulsos tão fortes quantoconfusos, o vocabulário da extroversão para o equilíbrio e a terapia.

, , ~ na, ela?oração .dayn~ua li~rgica e na hist.ór~ada liturgia que o perfilhistórico e, ainda mars, indispensâvel. Com a liturgia nós ficamos, com efeito,no coração da cerimônia sacra. A língua e os ritos compõem o condicionamentosacr,o, Nenhuma língua, segundo parece, adere melhor ao ato, ao objeto ou àconJuraç~odo que ,a,lí~gu~ da prece litúrg!c~. Cada palavra é essencial,porqueela contem ° exercicro inteiro. Em tal matena, o trabalho dos séculosfoi neces-sariamente, de infinita delicadeza. Além da língua, do vocabulário, do ritmoda f~ase modul~da ou cantada, há a composição dos tempos, dos atos, do reri-~onlal. No universo católico, de fundamento monástico antigo, as horas cnnõ-nl~as,são um livro de vida,. e, até bem adiante no século XVII,a irrndinçi111do livro de horas nos meios leigos com alguma religião testemunham uma pro-funda obediência a ('S5nordem de vida, (1uetambém é urna formR ele elnmlnnre de suntificnr o dia, c, portnnto," o tempo. 1'! aN8imuma viII I1IlVII\1Arll11AI1AliMI'

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HISTóRIA: NOVAS ABORDAGENS

antropológica do combatedo home~. c~m o teI?P.oou das ~~n~aste~ápicas,talvez(onjuratórias, definidas pela expenenClamonástica, expenen~la.eminente ~e so-ciedade comunitária monossexual. Para além do bloco monástico, que fOI edu-rador do Ocidente e em cuja criatividade enorme e fértil a pesquisa históricaestá longe de haver penetrado, na própria composição da lectio divina, nasrelaçõesentre a prece e a leitura dos Salmos, na. iluminação das antíf.onas, na<II'(lucstraçãosutil e contrastada dos salmos de piedade e. dos salIn:0~de espe-rança ou de glória, no extraordinário progresso purgat~vQ e pacificador ,d~sCompletas - uma vez terminado o dia, com a Salve Regina das trevas, refúgioIIlI seio protetor da mãe - e, enfim, na constituição ~e~seprocessos,ac~o,desco-hrc-sc uma ordem de relações entre o humano e o divino, um comercio e uma(,lIcrgia sacros ao mesmo tempo, quer dizer, uma maneira de agir para adq~irir" poder ou a paz de Deus. É uma arte dramática ou cênica do que é um JogoS.ll'1'0, pelo qual se transcende a condição h.u~a~a'.1; r~velação ou a desco.bertasomente das motivações entremeadasna história litúrgica de uma determmada~Ol:il.dadccoloca o homem em sua mais nobre ambição, ou liberta os segredosIIldnticos de seu equilíbrio. Como a festa é um~ confissão que aumen~aos im-pulsos de existir nunc et semper, é uma nostalgia .ou espera ~e cumprimento e,em profundidade, retorno às fontes, nem que seja a~enas as fon~es de umaIIIlVll carga física. A época das festas, o seu desenvol~lment? e~p,aClal,as com-posiçõesdas massasou dos grupos, a integração_ou nao do mdlv:.duo _na festa,11 disciplina ou a purgação pânica~ a orquestra~aod~ representaç~o,sao tantosoutros aspectosque enlaçam os meros pel?s qUaISconJl;~tos ou sOCl~dadeshum~-IIl\lI celebram, quer dizer, encontram-secriadores de glória, de ~le~C1a,e, n? mais1,lto, sem dúvida, de paz. Nesses domínios complexos, no limite do dl~cursod" etcrninade, e, sobretudo, sem problema de comunicação,- sendo a língua-~el1l litúrgica e a festa atos de si para consigo -, as mutaçõesrevelam ° trabalhode fundo dos subterrâneos. Assim, na experiência do Ocidente moderno, as"Rcforllla~" e, no mundo da Europa Central, de forma muito expressiva,as reivin-di('uçõ~Msucessivasdo eclesiasticismo, ou, numa outra perspectiva não menosihuninndoru, a elaboraçãoda festa revolucionária. ° perfil histórico dessasaven-luru essenciais,os sincretismos que se esboçam,as recusas, as impotênc.ias, os"h,,"do"DS sÓ esseselementos revelarão a luta dramática, sagrada, da Vida doI(',"pu 1I11l'1lllsociedade determinada, o dinamismo necessáriopara a elaboraçãode uma (esta e que valores, imagens ou ritos d~ ~esta dev~m,~ermanece.r,,:;e!amdispcnsâvcis, seja bloqueados num fundo d~ hábitos. A história d~ c,e~lmon~ar. 1\ história da festa ainda estão para ser escntas,e nenhuma outra história seria110 essencial à tarefa de descobrir a vida coletiva silenciosa do Ocidente, assuas invençõescatárticasou o seu ernpirismo popular: o que constitui uma grandeI amudn da experiência humana.

Se, da festa, volta-se à Iiturgia, há fornecimento de "modelos" no arranjointerno dos livros Iitúrgicos, e na história do comportamento coletivo .. Em pri-meiro lugar, modelos de escrita, que se encontram 'nos versos dos livros d~ssalmos, e que vão influir sobre a alma colet!va e ~e~xartra.ço~.Nada. mostrariamelhor as associaçõesou os impulsos da Vida religiosa cristã ?O .Ocldente d.o'Iue lluRntificar, época após época, os versos, as.pa..ssagens.da ESCCItu~ae, .malsI'"rticularmciltc, do, Salmos, retidos para a meditação coletiva nos mais variados

A RELIGIÃO: ANTROPOLOGIA RELIGIOSA 103

escritos. Em suma, um decodificador do Espírito, revelando imagens, palavrasou representaçõespor meio das quais qualquer coisa filtrou-se, da necessidadeou d~ espera a~é,en.tãosilenciosas,- levando-se em conta, é evidente, as épocasde h~bI~o, de inercra ou de esclerosee, portanto, passivamente repetitivas, liga-das indissoluvelmente a toda vida sacra, sobretudo quando ela se estende larga-mente na duração. Seria, no entanto, uma obra imensa, que revelaria nossoscaminhos de religião num milênio e meio de impregnação escriturária. Comonão se decifrar, se um dia a história for feita, mecanismosaté aqui não atingidosda alma coletiva na sua alimentação de energia sacra. Além das palavras, encon-tram-se as im~gens com f~rma humana', Já foi dito o quão revelador é o tipodo santo da Imagem, ou unagens coletivas de poder, porque é preciso inter-pretar o santo em sua obra de poder, muito mais do que como exemplo ético.Além da diversidade histórica dos processosde canonizaçãoe da própria maneirapela qual foi ou é conduzido o processo - essesatos coletivos que instruemquanto à realidade possível do santo, oferece-seum material considerável, aindainteiramente histórico, mediante os calendários litúrgicos e os breviários. Ê encar-niçada, com efeito, no progresso dos séculosmodernos, a revisão dos calendáriose dos breviári.~s,para expurgo d?s santos que.se tornaram hipotéticos ou simples-mente indesejáveis, como excessivamenteantigos ou heteróctones, algumas vezesmesmo ultramontanos. A paixão da verdade desencadeou-sesobretudo nas ter-ceiras lições dos breviários. Tanto na própria redação das lições, quanto em suaestrutura mental, impõem-se quadros de uma apreensão do "modelo", segundouma apresentaçãoa um tempo comum e singular. Os conteúdos acentuam a visãoc é possível, época após época, determinar o combate de um espírito historica-mente racionalista e do lendário excessivamente tradicional, fixando assim asconq~lÍsta~da. verdade dos santos por uma história que recusa grande parte desua irracionalidade , Ao mesmo tempo, portanto, a história e a análise dessasrevisões, desenvolvimento de um caminho mental 'em que a história torna-seuma serva da razão, essa,naturalmente, contra o sagrado, e galeria de modelosem que meios e almas vêm reconhecer-se,contentar-se e florescer na certezanãoconfessadade uma capacidade de santidade.

Ainda e sempre, a revelação das profundidades só na manifestação das se-qüências históricas. A história, nos limites de seu material sempre fragmentário,descobreo "fazer" e os acidentesdo "fazer". Assim, atrás do sinal, descobreo atoe os gestosque compõem o ato. A confissão diacrônica desembocano trabalho pro-fundo e, até então, misterioso da alma coletiva. Episódios, constituição de voca-bulário ou de "discurso" de qualquer forma que seja, mutações lentas, impulsosabortados são outros tantos elementos do que se poderia chamar de vias de co-municação, atalhos, entre a fixação histórica dos "sinais" e a gestaçãosilenciosa.Tornando fixas as opções e a obra das opções, a história empresta voz ao gênioprofundo do grupo humano, revela o seu trabalho interior e mostra o trabalhodo coletivo em sua afirmação de existir, e o equipamento do mundo quc lhedaria, ao mesmo tempo, a sua certezae, como as certezasguardam limites, a suaprof!1essade ultrapassagem. Será que é necessárioacrescentarque, em Iacc dosagrado, II grupo, na aproximação ou na recusa, vive uma de ma! mniN nlhutcns~es?Na afirmnçl1o,h~lml1nll,o. sa~rnd() é o poder "outro": " poder llue ~prenso, pdo mCnOH, IIllIl,l(lr. 11umn cmuluçãu ou umu ('(lInpcti\il.Il, c. pelo lI\enUN,

pu

104 HISTóRIA: NOVAS ABORDAGENS

(: II ambiçãode Prometeu, onde o homem mostra o que há de maior em si mesmo.r1 um campo privilegiado, portanto, para conhecer nele uma física e uma meta-física de sua grandeza. Nas representaçõesfiguradas que faz dos deusesou dossantos, na organização da fé, doutrina ou imagem, do sobrenatural e de todosos reinos do além acessíveisou capazesde equilibrar, a sociedade dos homensrevela os movimentos incoercíveis de sua busca de imortalidade, quer dizer, desua vontade animal e espiritual de conquistar o ser. Penetrar nas oficinas de talIrubalho, mediante os produtos da história, equivale a iluminar as vias da cria-<;ão.dos impulsos, do silêncio, tudo o que não é dito pelo dado antropológico.

O último e evidente aspectopelo qual a história se mostra indispensável auma antropologia do sagrado é a consciênciae o tratamento do caso singular.Dizendo tudo, para a história o que existe é o casosingular; é uma outra maneirade dize,: llue a história é uma ciência do relativo. De fato, no domínio da histó-ria, II l\lle é singular impõe-se tanto pela unidade, fato único, obra ou criaçãoindividual, a vida de um homem, do que pelo quantitativo e pela massa. Nãodevemosconcluir que O' singular representa a qualidade, em face da quantidade,i~so seria um paralelismo capaz de paralisar. O singular é um, e isso basta.Ele impõe-se como um e se faz objeto. A reverência necessáriado historiador110 recllnhecimentü do objeto tem alguma analogia, e talvez mesmo parentesco,rom« se viesseda mesmafonte, com o que se passano encontro com o sagrado.1IIHa c outra coisa exprimem um contato individual de participação. Nesse sen-tido, I\Ue não é dos menores, a história é uma educadora: a sua escola do objetoilumina a interpretação da experiência sacra e alimenta, possivelmente, a riqueza,[ustnmcnte de interpretação, de que vive essa última. Essa obra a história aftlz, ainda l\Ue se limite a descobrir no objeto os aspectossagradosimplícitos nadunu;ão do tempo. Sendo conhecimento do singular, a história é inteligibilidadedo pânico, sem a menor alteração ou racionalização dessesúltimos. Ciência do111Il~ foi, da abre a plena presença do que é. Terapia mental da maior impor-IAIII i;\ \,;\r;\ 'lua\lluer tentativa de experimentar os poderes da condição humana, -o '1l1l' (: a própria antropologia , No encontro com o sagrado, a história, justa-meu«: \,ol'(luCela é recusada,como parece sê-lo, na vida do instante, essaoutraI'fCSI'Il<;;,da eternidade na vida da história humana, encontra-se implicitamente,mns lIecessariamentepresente, Em face do individual, não parece haver sagradoI'0ssrvd scrn uma impregnaçãodifusa, quer dizer, uma realidade histórica,

A isso devemos acrescentar,mesmocorrendo o risco de parecer que estamosdizendo um truísmo, que a história, na medida em que conhece o singular,pronlfa a raiz,' O que equivale a mostrá-Ia no tempo, na duração, ato elementarpel() Ilual () "porquê" é substituído pelo "como" e pode, no conteúdo desse úl-

Iimo, encontrar a sua resposta,Enfim, de uma forma ainda mais evidente, o que é próprio da história é

o falo de conter uma trama de acontecimentosou de fatos que se pode dizerqllt' não têm dia seguinte, e, portanto, que são eminentemente singulares, masl\lIe vão prolongar-se em conseqüênciasinfinitas. Por memorizaçãoe transmissãocoletiva. com as narraçõescosmogônicas,a história é essaexplicação da existên-riR (\lIC ilumina toda duração criadora, Ou bem ela procede pela inclusão e re-rep<;itllna. vidn do tempo da atividade criadora, Assim, procede ela no caso daRnrllrnllC;nll nistl: hA li CriNto histórico; há () fenômeno de fixação eVlll1~élic;,.

b. .

A RELIGIÃO; ANTROPOLOGIA RELIGIOSA 105

?epois de _um bom século ~e intervalo; há a elaboração do mistério de que alllterpret.aç~~ deve s~r ,a ~celta~? do que não é temporal no temporal; o gênioextraordinário do cnStIa~ISmo,Ja se disse, consiste no consentimento divino aotempo dos home~s, e, Simultaneamente,a dramatização humana e divina dessetempo,. O cumpnmento do mistério é acontecimento, singularidade histórica cum maior ~oder <:u.virtude do mistério, sem dúvida, de tornar-se acontecime~t().<;2uantoI?~I~ for unICOo acontecimento, mais ele se torna mistério e contém emSI a possibilidade ~e marcar os tempos, O exemplo exigiria uma análise muitoprofunda. Que seja bastantedizer que a Anunciação é um acontecimentosituadono tempo, e que, de outra forma, não teria havido, do ponto de vista daquilo emque humanamente se po~e crer, a Encarnação. O acontecimento singular trans-cende o tempo e o _domIna, Com o Mistério, portanto, estamosem presença deum drama de ;e~açoesentre o tempo e a eternidade; o que parece, depois detudo, a graça unica de todo acontecimento singular, sobretudo na medida emque se t~r~a .sagrad?, A saíd~ p~ra fora do tempo encontra-se, com freqüência,no que e unl~O, sep esseanuncro de graça ou promessa de retorno, Em faced.aant:opo~o~la do sagrado,.não era,P?ssível omitir o seu poder incomensurável,a.mdamsuflClentementemedido, O UnlCO,o singular, no campo do conhecimentohumano, e,~ma ~re~a fav~rita da história, à condição de que esta última viva a~ureza espiritual indispensável para reconhecê-Io, situá-Ia, analisâ-Io , Pois o únicoe~nenhum outro; não há maneira possível de aproximação de seu segredo, senao se faz a descoberta,novamente,

No capí~l~ de hi~tória,}or que não termi~ar com a intuição do poeta? Naseg~n~a ~emona, de intenção certamente erudita, que introduz o Itinéraire deParIS.a Jerusalem, Chateaubriand, acentuando a consciência das tradições quelocah:am f:~os. n.~ Terra Santa, reflete da segu~n~emaneira, acima de qualquertentaçao crítrca: ~ certo que as lembranças religiosas não se perdem tão facil-men~e con::o as I;~branças puramente históricas: estas últimas, em geral, sãoconfiadas a memona de um ~~queno grupo de homens instruídos, que podemesquecer a verdade ou fantasia-Ia, segundo as suas paixões; as primeiras sãoe?tregues a tO?O,~ povo" 9~e ~s transmite, de maneira maquinal, aos seusfilhos. Se o ~nnC1p!Oda religião e severo, corno acontececom o cristianismo' se° menor deSVIOde um fato «;>u,_de uma idéia ~orna-seuma heresia, é provivelq.ue tudo o que toca essareligião conservar-se-a,de época em época com umanpor?s~ ex~tidão", ~ u~a discrim~nação,em termos globais, de Ch;teaubriand,dlscnml~açao que necessita ser refinada, ou talvez corrigi da, mas fica colocadaa, necesslda~ede. um conc:ursode co.nhecimentose,ntre o temporal, o parcial, osm~lar existencial e a mistura coletiva, os mecanismossociais de autocontroleo ngor da memória até na, ati:i~ade de criação de fábulas ou na imaginação:que. fazem co~ que o que e distinto e deve assim permanecer possa, num pro-gresso respectivo, de forma orgânica, "em espírito e verdade" também concorrerp.~ra.a de~inição de uma das ciências humanas mais indispen;áveis ao homem, acrcncra, digna de Prometeu, de viver com os seus deuses.

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A religião:

História religiosa

DOMINIQUE ]ULIA

AH MIJllAN(.:ASreligiosas só se explicam, se admitirmos que as mudanças sociais pro-"u~"rn, IlUS ficis, modificações de idéias e de desejostais que os obrigam a modifica.r ~s.lIvnrNlu Jlllrll's de seu sistema religioso. Há uma continuidade de ida e volta, uma iníi-11111111111ti.. n~II~1)(,S entre os fenômenos religiosos, a posição dos indivíduos no ín-

I!'rlll r 1111soclr-dndc e os sentimentos religiosos desses indivíduos. A densidade.!e

lIoJlulAÇnll, AS comunicações mais ou menos extensas,_a ~~~ de ra,ças:as OPOSI~S

dI' 11'1(111M,d., !l:crnçÍles,de classes,de nações, de invençoes científicas e tecmcas, tudo ISSO

.IIlG Iklbro o sentimento religioso individual e transforma, assim, a religião ... Entre ~sIHlc&N. Ilouells parecem oferecer um terreno mais fértil em resultados d~ ~ue o nosso pal~,IIl1da A881~llmoNprecisamente a uma espécie de crise dos sistemas religiosos e do senti-

mnntn rellgloso ...

Snhr.mos, Ilproximadomente, o número de igrejas que são construídas, o número de

"IIpc!lnftque silo abertas; o crescimento do número foi acasoproduzido e~ razão direta douumentn rlll~ populacões? Sabemos, mais ou menos, as somas despendidas com o culto,IIIR fAhrll-lI~, as importâncias de certos benefícios eclesiásticos, os legados autorizados:

,,,dnR nssnsIorrnns trnduzem necessidadesou atos. Também sobre as peregrinaçõespode-.~, reunir documentos do mesmo gênero, e tambén sobre as missões; da mesma maneira,

POOIl-1IO medir o Ietlchlsmo du mossas,c o prcselltlsmo dos cristãos. Em todas as partes,

I,,'. nhundAndll ti., nNNuntoHprrclHos pnrn estudo. Poderlam, portnnto, npurerer translnr-

A RELIGIÃO: HISTóRIA RELIGIOSA 107

mações. O estado da religiosidade francesa poderia ser analisado com segurança,da mesma

forma que o estatístico estuda a condição da moralidade, através das estatísticas moraise crímínaíst.

Marcel Mauss propôs esseprograma de investigação, decididamente moder-no, desde 1903, aos leitores do Année sociologiqae. Será que podemos dizer,setenta anos depois, que o apelo foi ouvido? A crermos no cronista da rubricahistórica do jornal Le Monde - que, ainda por cima, é especialista de históriareligiosa -, na sua apreciaçãoda mais recente obra universitária sobre a religiãocatólica na época modernas, "é enorme, é demasiada, é excessivaa parte reser-vada à sociologia religiosa ... com exclusão de outros assuntosde interesseessen-cial, como o movimento de idéias ou da arte", Teriam os métodos sociológicos,assim, invadido o horizonte histórico, a ponto de modificar o seu caráter espe-cífico? Para dizer a verdade, instaurado nesse plano, o debate entre a históriae a sociologia corre o risco de parecer vão. Os desafios entre disciplinas só têmsignificação, desde que elucidem os procedimentos específicos de cada uma.Antes de concluir, convém descrever um percurso e estabelecerum balanço dosresultados adquiridos.

Descrição do percurso

Desde 1900 alterou-se completamente a paisagem que organiza as ciênciashumanas. O debate fundamental que obscurecia o campo epistemológico para ageração da volta do século era o debate sobre as relações da ciência com areligião, a saber, o de uma contradição insuperável entre fé religiosa e pensa-mento científico. Que se trate de Durkheim, de Pareto ou de Max Weber,todos três têm como primeira ambição a de serem cientistas ou sábios, e sechocam com as "teologias" que ocupam o terreno onde pretendem colocar-se".Por isso mesmo, seu discurso testemunha a situação que tornou possível escre-vê-lo , Pois, querer explicar em termos científicos uma religião já constitui umaconfissão de que esta deixou de fundamentar a sociedade, significa defini-Iacomo uma representação, tratá-Ia como um produto cultural despido de todoprivilégio de verdade com relaçãoaos outros produtos. ~ chegar, em prazo maisou menos longo, a um código diferente daquele que organizou a Idade Médiae a época moderna, a um código em sentido inverso. No entanto, essaopera-ção de despir a religião de seu privilégio estava duplamente limitada: por umlado, havia um limite exterior, na medida em que, opondo-se às ortodoxias, elaprocurava tratar ob;e~oú"religiosos", sobre os quais as Igrejas haviam, at6 então,tido um direito exclusivo, em termos científicos; por outro lado, o upecto 1'011•tivo do exame conferiaao fenômeno religioso uma rldlidtUl, CJueconvinha nloapenns afirmar, rnasde]' ender, ,POi8 eis () rnrntloxo aparente: 01 lodólollClI docomeço do "«"li? mn8tnhwllIn 11dcmd&lnll dU8 crença_tradldonal. (rente ao

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IOH HISTóRIA: NOVAS ABORDAGENS

desenvolvimento do pensamento científico, mas retomavam, ao mesmo tempo,de maneiras variadas, a velha idéia de Augusto Comte, segundo a qual as socie-dndcs só podem manter estrutura e coerência por meio de crenças comuns quereúnam os membros da comunidade", Uma atitude, certamente, lembra asituação sócio-cultural na qual se desenvolvia a pesquisa intelectual na volta dosérulo". Gostaríamos apenas de sublinhar aqui a parte atribuída à consciênciaI'di~iosa como uma fato de maior importância, dominando a ordem de toda umasoriedudc. Essa transparência da consciênciaera então um postulado inabalável:da se encontra da mesma maneira na história".

As ciências humanas recusam, hoje em dia, essa limpidez da consciência,F 11percurso que seria necessáriodelimitar é o que conduz do sujeito consciente,10 ,sistema"à. regra, à norma como campo próprio da investigação, Não se podeuuus sustentar o postulado teológico que fazia crer ao historiador do catolicismoI\IIC ü~ cOl1he~imentosou as,p~áticas religiosas do século XVII são as mesmasI c ho]c , Lucien Febvre delimitava bem o problema, escrevendo sobre a feiti-~,ll'ia do século XVI:

11 nrucis« que, em sua estrutura profunda, a mentalidade dos homens mais esc/are-

I';,/IJ,',lu fim do século XVI e do começo do século XVII tenha sido radicalmente dife-

''''''11 tia numtalidadc dos homens de nosso tempo; é preciso que, entre nós e eles, se11'11111I/11 /IflS.lIII/O revo/uções7,

h~o niio (Iuer dizer que o historiador, o sociólogo ou o psicólogo da religião

IHI~~111llpretender colocar-se, no ponto de vista de Sírius. O objeto das ciênciasrumunns, no entanto, é agora a linguagem, as leis segundo as quais se organizam

.I~ lin~lIa/o(el1ssociais, históricas ou psicológicas, A consciêncianão é mais, nessast IllldiçÕ'r'sdo lluC uma represent'ação - o mais das vezes,falaciosa - dos deter-InilliM/llOSl(llC a organizam, Ela não pode ter a pretensão de constituir o real,1l~1J11pode mais, O que uma análise histórica ou sociológica revela sãoas regrastllI [unrionumcntos sociais". Isso admitido, será permissível continuar a falar doI MAlcr (',~pL'dficodas "ciências religiosas?"? Na realidade, os fenômenos religiosos11411"1111Imiados de forma diferente do que os objetos profanos pelas ciênciashUIl1111ltlN1II,Eles entram como elementosnos cortes que pratica uma análisehistó-rifR ClI\ sociológica, destacando as unidades que julga pertinentes com relação110 modelo de interpretação que se adotou, O que interessa ao operador, ao,II1RliMIII,não é a condição de verdade das afirmações religiosas que estudar', masti relnçlo (llIC mantêm essasafirmações, essesenunciados com o tipo de socie-dadc ()ll de cultura, CJueos explicam, Tornaram-se, assim, sintomas, sinais de11m"coisa diferente daquela que pretendem dizer, Quer se trate do clero, querJII~ I)tÁticas dc piedade ou das teologias, nós interrogamos os fenômenos reli,I(iolos em função daquilo que são suscetíveisde ensinar-nos de uma certa condi-çlo soriul, quando, justamente, essasteologias eram, para os contemporâneosopróprio fundamento da sociedade, Entre eles e n6s, desde o tempo deles e on0880, (I que é explicado tornou-se o que nos faz compreender as suas explica.~ôeNta, Dois exemplos de investigações recentes esclarecerãoessa inversão deordem, A invcstigaçiio Ieitn por [ncqucste Goff sobre o apostolado das ordensmendIrRnte~,do século XIII no XV, nlo tem r~or finalidade escreveruma nova

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A RELIGIÃO: HISTóRIA RELIGIOSA 109

história, do apostolado dominicano ou franciscano, mas tem a finalidade dedescobrir, ~través,do apostolado, as etapas de urbanização da França medieval>".Quando Pierer Vllar e~tuda os teólo~os ~spanhóis?o século XVI, ele o faz paraencontrar neles, extrair deles os pnmelfos conceitos de uma teoria econômicaainda balbuciante'<.

Se o ,caráter esp:cífico das ciências lleligios~s ,c~nsideradasà parte desapa-r~ce no nIvel, dos metodos q~e ~mpregam, subsistirá essecaráter específico no~tvel, d~s objetos q~: e~sas,cienctas,pretendem estudar? Na realidade, se o que~ propr,lO de ~a "Cl~nc~ae construir o se~ objeto, é preciso reconhecer que od~mllllO religioso e SIngularmente ampltavel, desde que não se fale mais de

sociedadesglobalmente religiosas: tal domínio pode estender-se até os socialis-mos do ,sécu,loXIX con,sideradoscomo messianismos ou religiões profanasw .Em sentido mver~o, Lucien Goldmann, estudando a ideologia jansenista, nãolhe ~eco,n~ecemars,do <;rueum alcance puramente sociológico, o de ser, para osfunc~on:nos do r~I, ,o,rmnda d~ uma ~p~sição desprovida de qualquer poder:a crraçaodos corrussanosdo rei que eliminava a nobreza de toga teria condu-zido estaúltima a adotar uma ideologia que afirmava a "impossibilidade radicalde realização de uma vida válida no mundo", conduzindo a um retiro fora dequalquer função socialw, O mesmo se passa quando Freud estuda uma neurosed~moníaca no século XVIp7; ele procura discernir, sob formas sócio-culturais~ferent~, os si~to~~s suc~ssivosde uI?a mesma estrutura psicológica: quer op~ntor bavaro Cristóvão Haitzsmann assine pactos com o diabo, trocando a suavld:, corpo ea:ma, depo!s ~e,no~e anos, quer ingresse, em seguida, na Congre-g,açaodos Irmaos da Misericórdia, trata-se para ele, privado de seu pai fale-Cl~O,,?e conseguir, mediante a submissão a uma pena, o benefício de ter outropai: No fundo as duas fases de sua doença tinham o mesmo sentido, Ele nãoprocurava outra coisa do que assegurara sua existência-"." A decifração de Freudconsisteem ~ncontrar nu~ discurso (nesse caso religioso) a indicação de regrasclue o organrzam, a despeito mesmo daquele que o pronuncia,

A definição do religioso não é, portanto, jamais o resultado de métodoscientífi~os que a priori postulam um domínio diferente, E a ambigüidade deum ob!eta. que sempre escapafaz pensar nas condiçõeshistóricas que permitirama apanção de um~ his,tória que não é "santa", O que tornou possível uma socio-logIa (ou u~a história) religiosa é essa distância, essa separação estabelecidaspor uma soc~edadeque nã~ pensa mais em si mesma de uma maneira religiosa,Surgea seguill~eillterrog~çao: com? compreendercom asnossascategoriasmentaise nossosconceitos de hoje o que e fundamentalmente difrerente, o que é funda-mentalm~~te o,utro? Analisar os fenômenos religiosos (uma prática, uma ordem,ll~a esplC1t~al1dade),armar as séries, descobrir os ritmos e os cortes que per-rnitern explicar os fenômenos, não implica o sentido a dar à ideologia consi-derada,

, C_olocar-se-áo ,"sentido" do lado do sujeito historiador ou sociólogo e dasI~tenç~~sCJueo:..animam? :e esqu<;.cercompletamente que os procedimentos porcle ~tthzados ?ao guardam relaçao com a escolha que o pom, ligar IL umllr~r~Ja,um,a se~t~~~ um grupo espiritual, mas são métodos guladol p.lol prtn-lIplOS da mtel18lbll~dl1deql1e regem a rede científica produzlda pela locl.dada:I que pertence, DCllS exemplos mostrario bem A vnidade de umlL t.1 lIullo, No

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11(1 HISTÕRIA: NOVAS ABORDAGENS

mesmo texto sobre a feitiçaria que nós citamos acima, Lucien Febvre repetian fórmula de Cyrano de Bergerac: "Não se deve crer todas as coisas que digaum homem, porque um homem pode dizer todas as coisas. Não se deve crer, deum homem, mais do que aquilo que é humano", e Febvre acrescentava,numaespécie de confissão discreta, que esse texto "permite-nos celebrar, enfim, onascimento de um novo sentido: o que .eu batizei de sentido do impossível'w .Mas de onde retira o historiador o direito de definir o que é "humano"? Daconvicção que a razão moderna, oriunda de Descartes e do Iluminismo, traz11 prowesso e a liberdade? Não representaria isso, a pretexto de objetividade,endossardivisões que hoje são discutidas, pelo retorno do que era reprimido?A etnologia e a descolonizaçãoensinaram-nosa ser menos triunfantesê?. Quanto~ histórin religiosa, ela permaneceu na França o campo de investigação privile-~illdo de historiadores católicos ou protestantes. Sem dúvida, as suasconvicçõesnito podem mais influir sobre a própria operação científica: elas influem nacsrolhu do objeto e no objetivo final do estudo,Essaenquadramento"apologétiro"110trnbulho histórico proOvocadistorções que repercutem sobre a própria investi-/o&1I~ilohistórica. Assim, serão retidos no discurso científico apenas as práticasortodoxas c os enunciados doutrinários. Ou então, quando se revela a realidadede um cristianismo popular?", retornar-se-ão os cortes instaurados pela Con-tra-Reforma católica no século XII entre fé e superstição, e classificar-AC" corno ..pagã" ou "mágica" toda mentalidade religiosa não conforme. Assim,11historio~rafia fecha-se, conferindo a um modelo teológico um valor de de-eili'lo, endossandourna eliminação operada pela hierarquia, e condenando ao si-lendo ou :LO folclore todos os que foram excluídos da cultura erudita?". Não éI'nrtunto certo C]ucsociologia religiosa e sociologia pastoral, exegese e históriadOI primeiros séculos possam tão facilmente abstrair os postulados que pressu-põem, quando se pretende reconciliá-Ias num terreno dito "neutro">",

Voltamos, portanto, ainda uma vez, às condições de produção da pesquisa.() hi~toriadlll' descobre, no interior de seus métodos de análise, limites que oorllnni~1I111c 'Iue têm raiz num passado bem anterior a seu próprio trabalho.A duddll,iio historicgráfica é, portanto, a ferramenta por meio da qual assumir11ht'rllll~'u llllC pesasobre o domínio preciso de que nos ocupamose traçar os seusIhnltc": unnlisar os postulados que fundamentam os seusprocedimentos constitui,l'"fIl li historiador, confessar simplesmente a localização de seu discurso num es-1'lIço"()('io·nrllllral preciso, e medir o que determina a sua diferença com relação11(11 diN('ur~nsprecedentes.

IIm,1 triplicc herança

A história religiosa, a esserespeito, situa-se'hoje na confluência de três movi-menlo~ cujo caráter estanque era asseguradopela heterogencidadc de seus pres-IUroftl~~. Pe uma parte, a história literária da~ d?utri~as, ~ue conhec~tl o seul"lmelrol'C'rfodo Aureo com n monumental Histoire litürair« fi" sentiment rt·

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A RELIGIÃO: HISTõRIA RELIGIOSA 111

Ligeux do abade Bremond= e os livros de Étienne Gilson= sobre a filosofia daIdade Média, queria tecer o seu comentário sobre uma superfície puramenteideológica pelo recurso implícito a um princípio organizador que ligasse, numarede de relaçõeshomogêneas,todos os fenômenos de uma época: do que resultaa importância conferida às noções de influência, ou de "mentalidade", para esta-belecer uma comunidade de sentido. No mesmo momento em que confessaa in-suficiência de seu método, o abade Bremond descobre a chave do mesmo, o seusegredo:

Essas verdades da fé ... será que os crentes do século XVII as assimilavam seria-mente, obedeciam a elas, em uma palavra, viviam-nas? Sim, responderia eu, porque

procuravam vivê-Ias, o que vem a (lar exatamente no mesmo. No entanto, devo confessar

aqui, Ulna vez mais, a insuficiência de meu método. É um método que não repousa

em estatísticas, é um método que procura criar novamente uma atmosfera espiritual.

A cada um o seu trabalho; o nosso limita-se à escolha e à manipulação de indicadorespropriamente literários, quer dizer, de textos religiosos26•

Na mesma ótica, Lucien Febvre podia, com razão, censurar em ÉtienneGilson o fato de que este permanecia inteiramente impermeável aos novos pro-blemas que coloca o capitalismo mercantil no século XIV27• Com essacensura,ele sublinhava a necessidadede elucidar a relação entre infra-estruturas econô-micas, formações sociais e ideologias, e recusava a tradição historiográfica que,do Iluminismo até os dias de hoje, faz da marcha do espírito humano o fatorexplicativo fundamentalw,

Nascida mais recentemente, a sociologia religiosa - sobretudo em seucampo francês de aplicação - ainda conserva os traços de sua origem. O seuaparecimento coincide, com efeito, com o momento em que o catolicismo tomaconsciênciade sua posição minoritária no interior de uma sociedadesecularizada.Não foi, sem dúvida, obra do acasoo fato de que ela, primeiro, caracterizou-sepor uma hipertrofia da sociografia das prâticas=, enquanto, em sentido inverso,o sistema teórico das representaçõespermanecia muito freqüentemente à margemdo estudo. Estabeleceu-seaí um quiasma com a etnologia. Enquanto esta consa-grando-se às religiões longínquas, ateve-se, longo tempo, aos ritos, às prescri-ções, aos textos, sem preocupar-se de determinar em que grau esseseram vivi-dos30

, a sociologia religiosa, ao analisar o catolicismo contemporâneo, deixouem suspenSloaté os últimos anos o problema do discurso teórico do mesmo.É revelador, a essepropósito, o texto com que Gabriel Le Bras prefaciava, em1954, o primeiro balanço das investigaçõesfeitas na Françaê-:

Há setores que o católico não se permite explorar, como o da Revelação.Pois, se os

mitos rios povos arcaicos são uma invencão, uma explicação, uma réplica (ou, desde qU(~

se Queira. uma hipótese) da tribo, do clã, os mistérios cristãos são um ditado de Dru.,ao homem, que se limita a traduxir >« a sua linl(Ulll(Cmn2• Mas a part« do homllm oomel'llnasexeacscs, na.' escolas i/e teoloP;/rJ que surp;emnos meios obseroovel. dI! ql.Ul .xprlmrma/Rumas das partlcularlrlarlcfS. O culto p~nt1(l-sl! mais ()s asplraclJtt., A. lIatrutura. d,.mcll~dfl(ll' humanll. li mal. alndll 'o (IIZ /I IlIr/1/10 oan6nlclO.

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11:.a HISTÓRIA: NOVAS ABORDAGENS

Além da reverência confessional, que sublinha a força de que dispunhaainda recentementeuma estrutura de poder sobre a investigação científica, esbo-'"I,se lima arqueologia. A sociologia religiosa encontra novamente, Com efeito,I ransformada em critério de tipo científico, a divisão decisiva que foi efetuada110'1 tempos modernos entre gestosobjetivos e crençassubjetivas: dissociaçãoque. omcçou no momento em que a fragmentação de um mundo cristão unitário emv.irius l()llfissões:J~acarreta um descrédito das verdades doutrinárias gue se opõemlimas .\s outras e traz o registro objetivo para a adesãopublicamente manifes-1:111:1 :111 grupo religioso. Do fato da decadência dos valores, o critério da féfoi menos, desde então, a assimilação interior de uma verdade do gue uma~rrie de comportamentos capazes de atestar uma dependência social. Mas essa"i~jIlJl~'ii(1praticada entre sociedade e religião, a partir do século XVII, veiorr-Iorçnr a desvalorizaçãocientífica da significação dogmática da prática. Pois,'1110 se mede, em definitivo, quando se constata uma baixa da prática? Será o'1110 h~ de social numa prática em aparência religiosa, ou o que há de religiosouumn prática social~,J?

Alimentada por modelos de análise marxista, a história econômica e social,jo~ últimos anos viu-se rapidamente confrontada pelos problemas de estratifi-',I\Ro s6riH-profissionais nas civilizações pré-industriais-". O estudo dos antago-l1i~m()~sociaisconduziu-a a interrogar-se quanto à validade do emprego da noçãode ('(ln~riênciade classeem todas as épocas,e depois a elucidar, de uma maneiramaill elaborada, a relação entre níveis de cultura e grupos sociais. Se a sirnpli-rkll~R() nbusiva que via na ideologia um reflexo puro da sociedade não desa-p.rccclI totalmente, os historiadores tomam consciência da dificuldade que en-Illnlrnm em formar conceitos quanto à relação entre infra-estrutura e superestru-

, IlIrn~, As análises recentes de Louis A1thusser condenaram esse "hegelianismodOM pohrcx'"!", (llle consistia em conceber essarelação em termos de causalidadeIrAnsiliYIl no seio de uma mesma homogeneidade ternporalê". Refutar, no en-Illnto, 11111 tipo de encadeamentoequivale só a postular uma necessidade,não é!lindA definir () tipo de relação que se estabelece entre os diferentes níveis.Nt'MNC' c~I~~i(), o historiador das sociedades,mesmo quando não quer renunciar.\ Amhiçilo de totalidade, confessahoje a sua aporia38, na medida em que nãoIIi.pl'lr mnis de lima teoria geral que lhe permitiria explicar o todo histórico pelaIIIIt'rYe,,~illI de tal ou qual fator determinante. E as questões abertas pelosm~tollo~estruturais em lingüística ou em etnologia tornam aleatórios a localizaçãotI "rlr)r) de tal ou qual fenômeno do lado "infra", em vez de ser no lugar"super" cstruturaê'". Elas levam o historiador dassociedades a lugares até então.lrsronlrecidos: o estudo da linguagem e a análise dos mitos.

(),/(I,.> /,",I',l'IIr,l;(' fi 'lI/e foi eliminado

Nl[o IICprocurara agora apresentarum panorama exaustivo das pesquisasemhi.t(,rill religio5a40, No quadro restrito da épOCAmoderna e contemporânea, no

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113A RELIGIÃO: HISTÓRIA. RELIGIOSA

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entanto, procurar-se-á evocar alguns trabalhos que se situam nessajunta proble-mática entre ideologia e sociedade.

Em seus próprios progressos,a história retoma hoje a objetos que ela nãocomprende mais, e vê ressurgir nos limites de seu enunciado aquela "inquie-tante estranheza", que lhe designa o que foi, antigamente, familiar e que foi,

.progressivamente, eliminado pela razãc-' moderna. Cabe aqui perguntar se hápossibilidade de escrever-seuma história de exclusão (que se trate do milagre,da feitiçaria ou da mística, por exemplo). A obra de Michel Foucault, ao escrevera Histoire de Ia folie, é talvez a mais fértil para nos permitir identificar as arma-dilhas que o historiador encontra, a cada momento. Por um lado, o historiadorconta fazer uma história não da psiquiatria mas da própria loucura em sua viva-cidade antesmesmo de "qualquer captura pelo saber=". Essa"louca" tentativa defazer da loucura o sujeito de seu livro choca-se,logo de início, com o problemada linguagem. Pois, como diz ° autor, entre a razão e a loucura ...

não existe linguagem comum, ou melhor, não existe mais: a constituição da loucuracomo doença mental no fim do século XVIII representa o termo de um diálogo que serompe, concede a separacõo já adquirida, e coloca no esquecimento todas essaspalavrasimperfeitas, um pouco balbuciantes, sem sintaxe fixa, por meio das quais fazia-se acomunicacão entre a loucura e a razão. A linguagem da psiquiatria, que é monólogoda razão a respeito da loucura, só pôde estabelecer-segraças a esse silêncio. Não foiminha intenção fazer a história dessa linguagem, mas fazer a arqueologia dessesilênciov',

Mas, como observa Jacques Derrida, será suficiente colocar as armas dapsiquiatria num armário para encontrar novamente a inocência e para perderqualquer cumplicidade com o arsenal da repressão:

Toda nossa linguagem européia, a linguagem de tudo o que participou, de perto ou

de longe, na aventura da razão ocidental é a imensa delegaçãodo projeto que Foucaultdefine como a captura e a objetivação da loucura. Nada nessa linguagem e ninguém,entre os que a falam, pode escapar à culpabilidade histórica de que Foucault parecequerer fazer o processo. . .. A infelicidade dos loucos, a infeliCidade interminável de seusilêncio ... consiste em que, quando se quer falar dessesilêncio, já se passou para o

inimigo, já se está do lado da ordem, mesmo se, na ordem, se combate contra a ordeme se a coloca em dúvida em sua origem44•

No entanto, se essa"arqueologia do silêncio" pôde ser tentada, é porgue oconceito de loucura como falta de razão, como contrária à razão perde a suaunidade, não sendo mais a psiquiatria simplesmente policial+". Torna-se, então,possível uma pa.lavra sobre a loucura:

. , . o estudo estrutural do conjunto hist6rico - noções, instituições, medidas [url-IJiCaJe TJoliciaiJ, conceitos cicntlfic05. - que retém prisioneira uma loucura culo /l.tado5dool(em jamalJ podnrd ser rcstltaldo em si mesmo; em falta rl/lSla InaOf'lIluol pul'tlaprimitiva, o t'ltu(ln "struturaZ r/(",r I'nlltlr /wpumrnlr r\ tire/til" (114r111,," ", /I() mll.-n"

tempo, !flpara a ral40 o ti loucura.' .

114 HISTóRIA: NOVAS ABORDAGENS

Aqui indica-se um caminho que convém seguir. Em se tratando de reli-gião, a ruptura definitiva do catolicismo de depois do Concílio de Trento e daprimazia romana e o desenvolvimento dos movimentos de protesto na Igrejalevam o historiador ao estudo dos fenômenos reprimidos e marginais. Mas, damesmaforma que Michel Foucault recusa-sea utilizar o arsenal da razão clássicapura falar da loucura, o historiador do catolicismo não pode usar critérios teoló-Akos para explicar as crenças populares. A resistência que se manifesta hojefrente a um aparelho de poder e de doutrina corroído coloca a questão do silên-do de ontem: adesão ou recusa às definições da elite41? Nessas condições, ométodo, por assim dizer, regressivo talvez seja o menos prejudicial: primeiro,Inzcr modestamenteum inventário e uma rnorfologia dos cultos populares queainda subsistem,antes de escrevera sua história a partir do traço ambíguo quenos deixaram os arquivos da repressão- os únicos arquivos, muitas vezes, quepossulrnos , A essepropósito, é exemplar em seu método o estudo de Ernesto deMurtino sobre o "rarantismo't= nos Pouilles:

Para reconstituir, em acontecimentos motivados e compreensweLS,o panorama desa-""Mlla/lo, ca6tico c contraditório que a vida religiosa do Sul oferece, logo de princípio,'IU ohsenxulor, o caminho a seguir é o das pesquisas"moleculares". que analisam os dadosrrtllll/Crdf icos atuais para descobrir neles, com a ajuda de outros métodos, de outrasIdcnloas ele investigação o que, no passado,foi autenticamente pagão, e, ao mesmo tempo,01 aoontecimentos Que se seguiram na época cristã, as tentativas feitas pelas principais(Ilrma., culturais que se sucederam, os êxitos, os fracassos dessastentativas, e os motivostlr Im.~ c de! ()Iltros'0.

J'l bem nisso que reside a principal dificuldade: só percebemosda piedadepopulllr restos freqüentemente inorgânicos cujas formas superpostas ou defor-IllAJlIs no curso dos séculos não permite uma interpretação imediata: no lugar,10 ohjetivismo tranqüilo dos folcloristas do passado,que coligiam dados50, somosIIhriltudllS a colocar a interrogação que nos dirigem essas"índias do interior'?",Nem por isso pretender apagar a história da repressão. Nesse sentido, o estudodu pNt'~/"ina~·õt:sé um terreno particularmente rico52• Já se fazem, desdeagora,illvclt'ill"çõeN sobre os santos terapeutas!". Seria o caso de empreender-se= umatlllAliACdn festa, de sua proibição ou de sua redução pela hierarquia, no curso dos.~1lI10Nmodernos.

Nc:~snhistória dos limites, nesse estudo do método pelo qual uma culturale define na exclusão, outros terrenos começam a ser amanhados. A análisedll pobreza, desde a Idade Média até os nossos dias55, mostra como se passoudll imagem do pobre "membro de Jesus Cristo" à repressão de um elementoIlldllllllt'nte perigoso. De sujeito que participava de uma sociedadereligiosa opobre tornou-se objeto de assistência- o mais das vezes,municipal - de umaAulNtenrÍa (Iue tende a colocá-Ia num lugar à parte. Numa sociedade que seorgllnizn leigamente e que procura, de mais em mais, à sua coerência humana,Iltrllv~~ dl\ exaltação do trabalho e da riqueza, o pobre é aquele que, pelo carátererrllnte de sua vida e por sua ociosidade mostra uma recusa e indica o defeito'lua prejudica o conjunto. O "outro mundo" intolerável que ele representa éreduzido, nos tempos modernos, por uma dupla violência: de uma parte, a

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A RELIGIÃO: HISTóRIA RELIGIOSA 115

expulsão de todos os "estrangeiros", ou seja: ~e todos os,não-nativos.- al~~svezes,mesmo, a sua deportaçãopara as colônias, o que e uI?a mane~rade env!a-los para fora - de outra parte, o seu encerrament~ eI? ~stl~s gerais.dos autoc-tones a sua colocaçãoem trabalho forçado. No propno mtenor da CIdade,esta-belece-se uma dicotomia social, que concede priv~légios aos .no~r~s~empobre-cidos com relação aos pobres vergonhosos. Submetidos a uma jurisdição extraor-dinária, os pobres não passamde objetos sob a v~~tad~s zela~~res~~e os"gover-nam e que procuram discernir, soberanamente,os bons e o~ . maus ,~ verda-deiros" e os "falsos" pobres. A essa topografia~que.os apnslOna loc~hzando-os,colocando-osem lugares definidos, os pobres opoem just~~ente o c~rater errantede suasvidas, quer dizer, a ruptura com. o espaçoquotidiano ~ a incerteza querepresenta.Ninguém se.surpre.en~e,por lSSO,de encontrarA f~equentementeentreeles eremitas ou peregnnos, smais que se tornaram anacrorucos de uma esperaescatológicano interior de uma sociedade burguesamentedevota.

Também não surpreende o fato de que, em certas épocas, ~s ~otins po-pulares utilizem uma linguagem messi~nica58..Mo;imentos messlâ~lCOSe he-réticos suscitaram recentemente a atençao dos historiadores, na medida em querevelam, no terreno religioso, as resistênciasque provoca a instauração .de umaordem, sobretudo quando essa ordem sofre uma crise g.rave.~Haveria, pa~acada época, um "sistema da transgressão"?", com a sua ,:onftguraçao, as suas leis

próprias, e de que a heresia seria apenas u.m caso particular? ?e repente,,umalinguagem até então tida como certa, funciona "de ~or~a eqUlv~ca e .amblgu~.Tratar-se-ia de uma formulação - em termos arcaiCOS,que nao seriam maisdo que um revestimento - de uma. mutação sóci~-cultural mais fund~ental?Os movimentos milenaristas não seriam mais, entao, do que levantes prepo-líticos "que conviria ider:tificar como tais58. Trata-se,59~elocontrár,~o,.de "mo~mentos de afloramento VIOlentosde crenças populares em que atitudes coletivas latentes" podem enoontrar um ponto de re~surgência p~~pício, :om r~-lação às instituições oficiais? Nos dois casos, ~ linguagem .u:Iltz.ada~nao s~flamais do que uma aparência destinada a encobrir ou uma reivindicação de ttp,opolítico, ou uma experiência subte~rân~ain?izível. Na verdad;,. uma ta! ana-lise arrisca deixar de lado o essencial, isto e, a estrutura espeClfl.cad: tais ~~-virnentos marginais60• Pois essesmovimentos inscreve~-s:e em situações SOCiaiSdeterminadas: perda da individualidade por uma socle~ade glob~l, .por .causade urna ocupação dominante (situação colonial), op~e~sao,.n? p~opno seio dasociedade das camadas inferiores pelas camadas SOClalSprivilegiadas, desorga-nização que ameaça a configuração de todo ~~ c.onjunto sócio-cultu~al~. Sen-do reação contra a desagregaçãode um equilíbrio e a dest~turaçao ~e umacultura, os movimentos messiânicos têm uma forma proporcional ao tipo desociedadeem que se incluem?".

·Por exemplo, nos movimentos messiânicos que se seguem à, colonizaçãoespanhola, as combinações que se elaboram entre ~lementos~extraldo.s da tra-

. dição indígena c unidades retiradas da. cultura do l~vasor nao. constituem un~simples sincretismo passivo, ou uma ~Istura hetet;>gcneaa partir de elementosdíspares. Verifica-se um reemprcgo criador com vistas à. constru~ilo de uma so-ciedade nova, de uma tentativa de solução em. face b, destrul~lSe. (X·~ltrldlll.

Conscientes da iml'0ssihilidad,. -de voltar à aociedade tribal IIntl~A. reru•• ndo

JW HISTÓRIA: NOVAS ABORDAGENS

ílceitar a inferioridade em que os confina a invasão branca, os grupos índioscllIC escolhem a aventura messiânica procuram encontrar novamente uma ex-pressãoprópria. Daí vem o papel fundamental que a religião representa, namedida em que fornece a uma sociedade em vias de transformação, uma sim-holização global de sua infelicidade, e na medida em que lhe permite tomarronsciência de sua unidade e lhe fornece, com os seus instrumentos sobre-hu-manos, um instrumento suficientemente eficaz para absorver a crise (inter-/111 ou externa) que sofre. Daí vem também essacrispação quanto às origens,esse recurso à tradição "autêntica" que caracteriza todos os movimentos mes-sidnicos africanos= ou americanos. Essa referência à pureza primitiva é ummeio de defesa contra o ocupante, é a afirmação de um regresso às fontes, é.1mnnci ra pela qual é recusada a presente situação de decadência. O arcaismodeve esconder o corte, em nome de uma continuidade mais profunda: ele res-tuurn lima linguagem comum, que permite uma evolução. As análises dos fe-nómcnos históricos de aculturação são, desseponto de vista, um caminho aber-10 1\ pesquisa?",

Tais análises levam-nos de novo ao estudo dos processosinteriores às socie-chltlesocidentais: o profetismo das Cevenas= ou os convulsionários jansenistasdo~ckulo XVIIIOO podem ser interpretados da mesma maneira. ~ mais difícil de-limilllr cssn outra "heresia" que é a feitiçaria na medida em que um saber, oNAber do médico, apoiado num aparelho de repressão, pretendeu reduzi-Ia, aomesm« tempo mediante grandes tratados e mediante os asilos. Um cineasta daO.lt'l'.JI., da organização da rádio e televisão francesa (pensamos no filme dePlltrkk Pesnot, Sorciers de village, O. R. T .F ., 1971), pode muito bem partir~ 1"'Cll'1I1'íldos feiticeiros do Berry para apresentar ao francês médio, enterradoem suu poltrona, essas "curiosidades" muito estranhas em seu século de saté-lite": como ele não tem tempo a perder, o seu interrogatório torna-se policial;11mmut ismo pontuado de monossílabos responde ao aparato pseudocientíficoelll(' lhe ill1põt: o seu "saber" parisiense. ~ mais fácil conversar com o castelão,e11m 11 cxorrista ou com o psiquiatra, os quais têm quanto aos fenômenos a dis-14111'i~1 nercssária, do que com um feiticeiro que se recusa a revelar as suas téc-1Iic'IIH,(;rtl~'as, no entanto, ao poder singular das imagens, aparecem rostos delimA j.trnlldt' beleza, de onde toda palavra estava ausente. O fracasso da agres-Nltll rrvclu lima experiência à qual foram retiradas mesmo as palavras. O si-1~lIdo ele hoje interpela o historiador e o convida a uma outra interpretaçãocio PIlNNndoIl7•

lluns palavras, que não podemos rnais ouvir, esseslábios que se abremhllje sobre o vazio, são os lábios e as palavras que, no fim do século XVI eII~I N~ndo XVII, quando da imensa epidemia de feitiçaria que atravessou aHuropll inteira, os magistrados - no curso de debates longos de que RobertMandrou nos descreveua história - combateram e fecharam, fornecendo, paraum fenômeno social que para eles se tornara aberrante, uma racionalizaçãoIIccitAvd, mediante a colocaçãode critérios científicos no lugar da leitura outro-rn transparente dos sinais que indicavam a presença imediata de forças sobre-nlturnis: 115 "provasw" antigas não bastam mais, o testemunho as substitui e,JUIIU, a dúvida quanto ao pr6prio testemunho. Frente ao diabólico como frente110mllagre, o papel do médico torna-se prlmordinl'". Scré tluc não tinham lima

·"1

A RELIGIÃO: HISTóRIA RELIGIOSA 117

consciência confusa dessa vacilação cultural os magistrados do parlamento deRouen que, em 1670, contra o seu primeiro presidente "esclarecido", ClaudcPellot, defendiam a jurisprudência tradicional contra os crimes de feitiçaria, "omaior crime que se possa cometer, uma vez que ataca a divindade e causatan-tos males ao mundo", e, ligando com uma segurançatranqüila a manutençãoda féno Reino à repressãomais rigorosa das coisas diabólicas, rogavam a Sua Majes-tade Muito Cristã não suportar "que se introduza durante seu reino uma novaopinião, contrária à religião"v"? Pois, adotando a solução racional, que faziada feitiçaria apenas superstição, os juízes de Luís XIV garantiram, sem dúvi-da, a ordem, mediante uma mudança do registro em que tal ordem se mos-trava, mas, por isso mesmo, endossaramo terremoto que, de uma forma arcai-ca, os feiticeiros haviam significado, de início. Estava em jogo uma relação detorças: o feiticeiro, imaginário ou real, ameaçavaum poder político: esse po-der defendeu-se ao preço de uma mutação decisiva em s~a configuração. A i.n-versão, com efeito, edificando uma espécie de contra-unrverso, que reproduzia,traço por traço, a ordem, com os seus sabats Çaantimissa), suas'rela~õe~hi.erá~-quicas ou sexuais contra a natureza, constituía um lugar onde fugir as msti-tuições estabelecidas: ela atingia o seu prestígio, sublinhando a sua impotência.Daí veio a violência da repressão. Daí também procede a necessidadeda con-fissão, a qual, como diz Michel Certeau, representa a volta do feiticeiro à socie-dade de que emigrou, pela restauraçãodo

contrato social que se quebrou um momento, na medida em que a confissão, de certaforma, costura, pela palavra pública, a linguagem que desfez o contrato com o diabo, e

submete à lei do grupo o exilado que se retirou desse grupo por desconfiança ou por

insegurança71•

Permaneceo fato de que 5% dos acusadosnão confessam'<. Será isso si-nal de que recusam os critérios impostos pelos juízes? Há indícios contempo-râneos que tenderiam a confirmar essahipótese?".

Há outras migrações interiores que revelam a instabilidade de uma so-ciedade e de sua linguagem: a possessãoou a mística. Quem fala, no interiorda possessa74? A religiosa virtuosa ou um demônio? Que critérios usar paradistinguir a verdade da mentira? A possessaengana e perturba, subitamente,todas as garantias tácitas da linguagem. Um lugar mostra-se não conquistá-vel pelo saber do exorcista ou do médico: através da multiplicidade das taxi-nornias - cada uma sendo, aliás, bem conhecida - que utiliza, através damobilidade das máscarasque coloca, a possessarecusa escolher um índice par-ticular de referência mediante o qual o exorcista ou o médico poderiam tomaruma posição segura. Por isso mesmo, ela obriga o saber a confessar-serepres-sivo. O conflito que opõe a razão à possessãonão é unicamente teórico; é tam-bém o conflito do mais forte15•

Depois de haver definido alguns .temas t6picos da pes'1u~saatual, gosta-damos de falar brevemente em operaçocs que se mostram, hoje, neceuárla8 cfecundas. Tiradas da sociologia, da antropologia ou da lingUbtka, elu abremhoje ~ hi.tóril1 rellgioslI novos' caminhos, que foram npenll' trllhlllloN,

11K HISTóRIA: NOVAS ABORDAGENS

I >" bom uso da sociologia

Com o risco de parecer paradoxal, é preciso confessar que os métodos~'II iológicos penetraram pouco até agora na história religiosa. A primeira defesa\k lima história serial para essedomínio data de pouco mais de cinco anos'",;\N teses dos discípulos de Gabriel Le Bras datam de pouco mais de dez anos?". 'Restam, no entanto, numerosasterrae incognitae, sem a descobertadas quais nãot' pussiv«] qualquer tentativa de articulação entre os diversos níveis de análisehistórica. Revela-se indispensável um estudo sociológico dos grupos religiosospllf:\ determinar a relação que possa existir entre essesgrupos e a sua espiritua-lidade ou sua teologia. A respeito desse ponto ainda são patentes as lacunas,.Ipesar das pesquisasem curs07S• Para dar um exemplo, seria necessáriopodermedir, na época moderna, as diferenças que separam o recrutamento do clero

secular das ordens religiosas antigas (Beneditinos ou Cisterciences) das novaswngrcgações (Jesuítas, Oratorianos, Ursulinas, da ordem da Visitação) 19.

Du mesma forma, as redes de devotos ou de pessoasespirituais entre as'11I>li"circulam as ideologias devem poder ser analisadascom a finura que caracte-rizu () belo livro de René Taveneaux sobre o jansenismo na Lcrena=. Como eJ1l1t\Iue se é jansenista no século XVIII? Que laço estabelecerentre os convul-NIOIII\riosde Saint-Médard, os teólogos da Sorbonne e os bispos "apelantes"?Mil~ também, num nível mais modesto, que foram as confrarias do AncienUJgill/IIH1 c que novas cargasou transferências perpetuaram tais confrarias a longo(lrllw~ A análise precisa de Maurice Agulhon mostra até que ponto as formas

, 110 NI)t:iubilidadetriunfam sobreos conteúdos ideológicos dos grupos: daí procede'I trlllllliçilo, sem choques, da confraria à franco-maçonaria e às sociedadespopu-1.ltC'1I de t 71)2"". Coloca-se,assim, em dúvida uma história religiosa que se inte-1<'~~IIVIIunicamente pelos conteúdos teóricos, assim como é posto em dúvida oIIlrle trudirioual CJucsepara a época chamada "moderna" do período "contem-(lllrAncll". lisboçum-se, nas curvas de cada fenômeno quantificado, ritmos, conti-IHliJudl'S t' rupturas; formam-se processos de degradação ou de transição, queIlIllvir4. passo a passo, interpretar; elabora-seuma geografia social das repre-Nl'lIll1çl'iellreligiosas, unindo-se à sociologia culturals-. Na mesma ótica, seriade empreender-se uma tipologia dos modelos de religiosidade=, para cada1·'I'"IUon• ,Por pOIlCO que se tenha vontade de pesquisar, não falta material bruto,IIO~ dcp(lsítos dos arquivos.

.'/1 tllillltlt'J [rente cI uida e frente à morte

A vidn C a mortc> - problemas essenciaispara toda sociedade-- pcrmanc--rrum ul{o lima dutu recente dt'~l'(Jnht'(·idus pura o historiador. Que (J transtorno de-

:i\

A RELIGIÃO: HISTóRIA RELIGIOSA 119

mográfico, provocado pela guerra e pelos anos que a ela se seguiram, tenha incita-do o historiador a interrogar-se muito depois de seusconfrades etnólogos ou de-mógrafos, não é o paradoxo menor de uma disciplina científica que, postula quoti-dianamente a morte em sua prática. Será resultado de um velho reflexo cienti-ficista universitário que elimina de seu campo de observação, por reserva oupudor, o que poderia interessar-lhe de forma mais direta? Abstenhamo-nos dejulgar. Mas falta ainda fazer essahistória das profundidades que Lucien Febvrepedia desde 194186. Phillipe Ariês foi um dos primeiros a interrogar-se quantoàs razõesestruturais que permitem explicar o movimento maltusiano da primeirametade do século XIX81 , É uma revolução fundamental, a da mudança de ati-tude frente à vida, que foi feita em silêncio e que repercutiu, sem nenhumadúvida, no campo dos comportamentos religiosos; seria necessáriopoder destrin-char, com precisão, o percurso dos mecanismos.psicológicos que, do gesto rudedo coitus iuterruptu, aos modernos métodos contraceptivos, levou o homema um domínio total da vida. Pode-se, como Pierre Chaunus'', perguntar se amoral néo-agustiniana da pureza, pregada no século XVIII, e a prática ascéticaimposta por certos prelados jansenistas, em suas dioceses,não teriam acarretadoum sentimento de culpabilidade quanto ao ato sexual, considerado como im-puro; de onde proviria para práticas destinadas a evitar a geração: "na medidaem que a materialidade do ato é estabelecida pela geração,a ausênciade geraçãotermina por apagar a impureza do atoS9." O uso exclusivo da contracepçãopela retirada masculina nasceu,sem dúvida, num clima de ética de continência.O aumento espetacular de nascimentos ilegítimos nas grandes cidades no fim doséculo XVIII90 é como o reverso dessamesma medalha. Fruto das ligações queunem, de passagem, um estrangeiro nômade a uma moça pobre cujo círculofamiliar se rompew, o filho ilegítimo trai, às margens de uma sociedadeque ocondena à rnorte'", ainda mais do que o aumento de relações sexuais fora docasamento,a instabilidade afetiva a que são reduzidas as camadassociais urba-nas mais deserdadas.

Pois o casamento é, em primeiro lugar, uma associaçãoeconômica fundadasobre a repartição das tarefas entre os sexos: é uma associaçãoque exige ummínimo de economias para a sua fundação, um lugar no campo, uma loja ouuma oficina na cidade. Disso vem a idade tardia no casamento,daí vindo tam-bém o tempo longo que separaa pmmessa, do casamento,das núpcias, e, igual-mente, a "decência" necessáriana freqüentação pré-nupcialw. "Montar casa"é um ato sério no qual pede-seao cônjuge menos a paixão amorosa- o quenão exclui a sólida "amizade" - do que a saúdefísica e as qualidades de ordemmora! ou profissional. Nessa regularização ascética do instinto que precede aunião conjugal vem à luz uma organização calculada da vida. Será que o im-pulso cndogâmico que multiplica os casamentos consangüíneos em fins do

st:;ulo XVIII não indica uma retração para a segurança,ao mesmo tempo, cconô-mica.e sexual que implica u escolha familiar ?Para os que silo excluldos de••••cspc:rançn!lcstáveis, o rclibatn é n única 50lução posslvel, ° 11UAI, IC nKo forconventual, pode: conduair A ooncubinagemv•.

120 HISTóRIA: NOVAS ABORDAGENS

A morte? Os demógrafos mostram hoje abertamente as taxas de morta-lidade, os médicos falam de terapêutica e de sintomatologia. No entanto, numasociedadeque pretende dominar tudo em termos científicos, que fez desapa-recer as grandes epidemias dos séculos passadose fez recuar os limites da vida,:I morte não é mais "próxima" como para o trabalhador de La Fontaine; elatOl'nou.seaquilo que não se pode dizer?". O silêncio rouba hoje ao enfermo a,~II;~ pn'll'ri:', morte?"; ousar falar na morte seria criar uma situação excepcional,I1 c,"Il(i~sã(l de um fracasso do médico, a angústia para o condenado. Os his-

íorindorcs participam do silêncio dos homens de hoje, que se esforçam por

('s\llIIdl'r essafalha vergonhosa.M irhcl Vovcllc, no entanto, numa tese fundamental, acaba de apreender

11111.1 so.icdadc em sua relação para com a morte?". Analisando cerca de vintemil testamentos provençais do século XVIII, em lugares escolhidos de umamnncira pertinente, ele consegue, com a precisão quantitativa a mais segura,d('c; Irnr as di [crenças sociais e geográficas dos comportamentos religiosos.Mnstrn-sc uma falha no interior da elite marselhesa: se aumenta o fervor donobre no (urso do século (80% dos autores de testamento pedem missasno fimdo sérulo, contra 50% no começo), o fervor do negociante segue uma curvadif crente (")()f(r, no fim, contra 100% no começo) e a do burguês'" ou dolojisllI. depois de ter sido reanimadapela reconquistacatólica até os anos de 1750,

dcrni violentamente na segunda metade do século. Uma homogeneidade dorumportumcnto burguês da grande cidade - o qual, tanto quanto ao nobre,OprIC.SCao comportamento mais tradicional dos homens importantes das pequenas\ idades ou dos burgos?" - manifesta-se num distanciamento progressivo coml'c1n~ii(lIlUS ~cst()Srituais. Em todos os meios marselheses,acentua-seum "dimor-fiMlilo sexual", sublinhando a piedade religiosa feminina; essedimorfismo é maiorentre os nssalariados"!": à empregada doméstica'?', que imita sua devota patroahllr~lIesa ou aristocrata, opõe-seo artesão, afastado desde 1720 das velhas soli-

tlllrit'!lndeslU~.

A análise permite medir a curto prazo o impacto real de um acontecimentotomo 11 peste de 1720 que dizimou a metade da população marselhesa. Se 93%

dOI testadores {lue o notário Fabron recebe entre julho e setembro de 1720 -

1 111M. Ht'mnnnsem que se contam mais de mil vítimas por dia - pedem missas,um uno depois, a cifra descea 61% (julho-setembro de 1721), quer dizer, mais011 11Il"1I0S. a mesmacifra anterior ao drama: a tensão pânica não durou. A evo-luçilll a lon~() pra~()mostra, através de uma série.de indícios (pedidos de missa,escolhu de sepultura, legados para as confrarias e para caridade, número deC'dl',~i{lstimsna família do testador) agrupadosem feixes, como um cerimonial de~t,st\)Sc de ritos 'IUl: cercavam a passagemda morte' para o além, modificou-seprofundamente, assim como se modificaram as visões a que correspondia esse

cerimonial. "Não se sabe se o homem parte mais isolado, menos seguro doalém em 1780 do que em t 700; ele decidiu não (l dizer mnis""!" conclui o autor.tom prudência , Desfee-sc, em todo ,(liSO, uma estrutura fundamenta) da sensibi-

A RELIGIÃO: HISTóRIA RELIGIOSA 121

lidade coletiva. Só os historiadores de amanhã poderão dizer se o modelo pro-vença! é válido para toda a França do século XVIII.

A língüísticcl

Só se falará aqui em lingüística por al~são. De fato, as pesquisas sãomuito recentespara que elas tenham podido atingir, em profundidade, os traba-lhos.históricos: na verdade, a iniciação em métodos que nunca fizeram parte docttrrtc~lum da formação histórica constitui uma das maiores dificuldades para opesquisador-v". Os estudos de vocabulário e de campos semânticos em relaçãocom as estruturas sociais ainda são pouco numerosos-?". Podemos citar, no entan-to, no domínio preciso que nos interessa, a obra recente de André Godin-?"sobre o pregador franciscano Jean Vitrier, discípulo de Erasmo. A quantificaçãolexicográfica permite ao autor elaborar um filtro semântico que conduz à análiseda "paisagem mental" de seu personagem: a quantificação sublinha as raizescósmicasda pregação, a atençãoconferida aos odores, aos sabores,às impressõesvisuais, táteis e auditivas, e a freqüência, numa polivalência de sentidos, dotermo "coração". Tais estudos permitiriam restituir as coerênciasde uma espiri-tualidade, as suaspermanênciase suas deformações,as suas transferências e suasinovações.Na mesma ótica, as pistas de pesquisa aberta por Miche1 Foucault,para uma análise das formações discursivasv", deveriam reter toda a nossaaten-

ç~o'. São caminhos novos que podem libertar a história espiritual de um impres-srorusrno freqüentemente perigoso.

Restaria, no fim desse passeio singularmente parcial, nos dois sentidos dapala:ra: .interrogar-se quanto à significação da moda atual de história religiosa.A história que se forma nunca é independente do tempo que a fez nascer. Damesma forma que a história econômica conheceuum florescimento fabuloso emseguida à crise de ~929, que a obrigou a redefinir conceitos e métodos, podemosperguntar se o reoiual, da história religiosa não está ligado aos problemas (]u<.:

.colo~a o aparecrrncnto do imaginário em nossa sociedade. O pedido de ums~ntldo que as instituições desvalorizadas não contêm mais demonstra a f ragi.lidade das convençõessobre as quais repousa uma linguagem social. Um sistema

.vê-se.prej~dicad() pela irrupção do simbólico, que o contesta. ScrA qllt: 11 IInli li Kl'

do sl.mbohsmo passado _.:..assim como a etnologia, no [lIml'O da Altc:ridl\dres~aclal _.. tornou-se pllrll lIm~ sociedade que deixou de ler rdilliu •• li meio drrerntegrur uma '11It"slilullllC 11 pc:r(urhil? Certamente.

HISTóRIA: NOVAS ABORDAGENS

NOTAS

A bibliografia citada não vai além de 1971.

I. Aprccinçilo do livro de L. Arréat, Le sentiment religieux en France, Alcan, 1903,por Mnrccl Mauss e Henri Hubert, Année Sociologique, 1902-1903, pp. 212-214.

" Andró Latrcille, "Les égliseschrétiennes de Luther à Rousseau", apreciação do livrotil! [enn Delumeau, Le catholicisme entre Luther ct Voltairc, P.U.F., 1971, LeMonde, 12-13 de setembro de 1971,

.\ Vr-r (,milc Durkheim, Les [onnes élémentaire de Ia vie rcligicuse, Paris, 1912, 5' ed.,r.U. F., 1968, pp. 613-614: "Durante muito tempo a idéia de submeter a vida psí-qulen ú ciência parecia uma espéciede profanação. Mesmo em nossosdias essaidéialt repugnante para muitos espíritos. No entanto, instituiu-se a psicologia experi-montnl c comparativa e é preciso levá-Ia em conta. O mundo da vida religiosa emurnl permanece, no entanto, ainda proibido. A grande maioria dos homens con-(Inuu li ucreditar que lá existe uma ordem de coisasem que o espírito só pode pene-Irnr por vias muito especiais. Daí vem as vivas resistênciasque se encontram quando~lt quer trutur cientificamente dos fenômenos religiosos e morais."

4, ••A~ IIrnlu.lescoisas do passado,aquelas que entusiasmavam os nossospais, não excí-lwn muis em nós o mesmo entusiasmo, seja porque passaram ao uso comum aoponto de se tornarem para nós inconscientes, seja porque não correspondem maisn 110SSllSaspirações atuais... A idéia que o cristianismo faz da igualdade e daIrnternldnde humanas parece-nosdeixar muito lugar a desigualdadesinjustas. A suaplrdndl' pnrn com os humildes parece-nos excessivamenteplatônica. Preferiríamosuma plcdudc mais eficaz... Numa palavra, os deusesantigos envelhecem ou mor-rem, outros deuses ainda não nasceram. Um dia virá em que nossas sociedadesI'IIl1hl'I'I'I'OOnovamente horas de efervescênciacriadora no curso das quais surgirãoIIIIVII,~hlr-nis. uparecerâo novas fórmulas que servirão, durante um tempo, de guias(lnrn 11humnnidnde" (Emile Durkheim, op. cit., pp. 61O-611).

!t V~r Hnymonrl Aron, Les élapes de Ia pensée socilogique, Gallimard, 1967,1111.'107-'\Hj.

li I'lIrll mem-ionar apenas um exemplo entre mil, citemos a pergunta que fazia Dom(:hIl1l1ll1'(1.no começo de seu livro, Les origines et les responsabilités de l'insurrec-l/1m 'lI'lIdél'lIl1C, Paris, 1898: "Será que a insurreição da Vendéia foi produzida por('onMplrll~'õcsou pelas excitaçõesreacionárias dos padres e dos nobres contra o regime('Ntllht.II'l'Ido.ou ainda será que resultou das reiteradas vexaçõese perseguiçõescon-trll /I llbcrdudc de consciência religiosa de todo um povo, o qual, após haver ten-tadn por todos os meios legais obter essa liberdade cansou-se,enfim, de ver as suasJUNtONrelvlndlcações ignoradas e maltratadas, e acreditou que o meio de conseguirII/Mllell de SIHIS carrascosera conquistá-Ia com as armas na mão?" (p. 7). A hístó-ria [ncoblnu não era mais isenta de tais pressupostos.

7, Lueícn Febvro, Au coeur rcliKicux du XVI" ;iecle, Paris, Armand Colin, 1957,

PIl. 301-300.

M. Ver Cllude L6vl-Strauss, "Introductlon à )'ocuvre de Mnrcel Mauss", in MareeiMau••, So%lollla aI anlhropolol/e, 1950, Jtp. XXX-XXXVIIj Michol Foucault, I.•••

A RELIGIÃO: HISTóRIA RELIGIOSA 123

mots et les choses, Paris, GaIlimard, 1966, pp. 355-398, e L'archéologie du savoir,Paris, Gallimard, 1969, pp. 3-38 e 259-275.

9 Ver Michel de Certeau, "La rupture instauratrice: le christianisme dans Ia culturecontemporaine",Esprit, junho de 1971, pp. 1177-1214.

10. Ver [ean-Pierre Deconchy,"Du théorique au stratégique en psychologie des relígions",Politique Aujourd'hui, fevereiro de 1970, pp. 43-50, e a coletânea de contribuiçõespublicada pela Section des Sciences Religieuses de l'Ecole Pratique des Hautes Étu-

des, intitulada Problêmes et méthodes d'histoire des religions, P. U. F., 1968, prin-cipalmente os textos de Pierre Nautin, pp. 177-191, e de Jean Orcibal, pp. 251-260.

11. Ver Roland Barthes, "L'analyse structurale du récit. A propos d'Actes, X-XI", inRecherches de sciences religieuses, 1970, pp. 17-37; e [ean Starobinski "Consídé-ratíons sur l'état présent de Ia critique littéraire", Diogêne, n? 74, pp. 62-95.

12. Ver Michel de Certeau, "L'histoire religieuse du XVIIe síêcle . Problêmes de mé-

thodes", in Recherches de sciencesreligieuses, 1969, pp. 231-250, p. 954.

13. Jacques Le Goff, "Apostolat mendiant et fait urbain dans Ia France médiévale:implantation géographique et sociologique des ordres mendiants aux XII-XVe sie-eles", Annales E.S.C., 1968, pp. 335-352, e "Ordres mendiants et urbanísatíon dansIa France médiévale", ibiâ., 1970, pp. 954-965.

14. Pierre Vilar, "Les primitifs de Ia pensée économique. Quantativisme et bullionisme",in Mélanges Marcel Btuaillon, número especial do Bulletin Hispanique, 1962,pp. 261-284.

15. Henri Desroche, Marxisme et religions, P. U. F., 1962; Socialismes et sociologie reli-gieuse, Cujas, 1965; "Genêse et strueture du nouveau christianisme saint-simonien",Archives de Sociologie des Religions, n" 26, julho-dezembro de 1968, pp. 27-54.

16. Lucien Goldmann, Le Dieu caché, estudo sobre a visão trágica nos Pensées dePascal e no teatro de Racine, Gallimard, 1955, pp. 115-156.

17. Sigmund Freud, Essais de psychanalyse appliquée, Gallimard, coleção "Idées", 1971,pp. 221-251. Ver a análise que Michel de Certeau faz do texto, Annales E.s.C.,1970, pp. 654-667: "Ce que Freud fait de l'histoire".

18. Freud, op. cii ., p. 249.

19. Lucien Febvre, Au coeur religieux du XVIe siecle, Paris, Armand Coliu, 1957,pp. 301-309. Ver também Le problême de l'incroyance au XVIe siêcle. La religionde Rabelais, Paris, Albin Michel, 1942, pp. 473-477, onde se encontra a seguintefórmula: "A crítica do fato começará no dia em que, para todos os espíritos, onOIl posse acarretará o non esse.

20. Ver Claude Léví-Strauss, Tristes tropiques, Paris, Plon, 1955, IX parte, XXXVIII:"Para nós, europeus e rurais, a aventura no coração do novo mundo significa, emprimeiro lugar, que não foi nosso essemundo e que somos culpados do crime desua destruição". Ver sobretudo Robert Jaulin, La paix blanche, introduction ill'ethnocide, .Paris, Le Seuil, 1970, principalmente o capítulo IX: "L'cthnologle néo-coloniale", pp. 251-335.

21. Ver o belo livro de [cnn Delumeau, já-citado, ou o de Froncal~ Lehrun, L'hommlfet Ia mort cn Anjou, Paris, Mouton, 1971, pp. 395-415.

22. Ver Jennne Favret:' "Lc malhcur blologlquc ct sa r6p6tltlon", Anncal•• B,S.C" IG'PI.pp. 873-888: 110 camponês, quando IC dlrlga a um otnó.r.ro, f.l. do .1 cnmo li

fOlllO do outra pONMOII: corno fi módico, o prorclIIIOr 11 o otnó.r.ro r.l.m d,I,,"

124 HISTÓRIA: NOVAS ABORDAGENS

2'\. A esse propósito, é difícil hoje em dia endossar as posrçoes de Gabriel Le Bras,"Réllcxions sur les differences entre sociologie scíentifique et sociologie pastorale",ArchivC's de Sociologie des Religions, julho-dezembro de 1959, pp. 5-14, e de XavierLéon-Dulour, "L'cxégete et l'événement historique", Recherches de Sciences Reli-

p;ic'wl's, n" 58, 1970,pp. 551-560.

:.!·I. Hcnri Brcmond, Histoire littéraire du sentiment religieux en France depuis Ia fin

d('~ gucrrcs de religion jusqu'à nos jours, Paris, Bloud et Gay, 1941-1933,11 vols.,in octrll!o, reedição de Armand Colin, 1967-1968.

:.!:i. fitll'llnc Gilson, La philosophie au Moyen Age des origines patristiques à Ia fin du

XIV" .~ic\cle, Paris, Payot, 1946.

:!ti. l lenri Brcmond, op- cit., t. XI, p. 29l.

~~'I 1.1Il'Í!'r1Fchvre, Combats pour l'h isto ire, Paris, Armando Colin, 1953, pp. 284-288;upreclnçíl« do livro de Étienne Gílson, La philosophie au Moyen Age des origines

/lUtr;s/.iqu('s ti Ia fin du XIVe siecle, 1946. Será que a própria apreciação nãolncldo no mesmo erro que Lucien Febvre censura em Étienne Gilson? Pois quando111111 do "di ma", diz: "Trata-se de mostrar que as grandes catedrais góticas, o mer-cado do Ypres, uma dessasgrandes catedrais de idéias que Étienne Gilson descreveern NtlUS livros, são filhas do mesmo tempo, são irmãs que cresceram no mesmolar". Se'ró que isso nos faz progredir? A metáfora é muito bonita, mas ela colocamnlN prohlcmus do que resolve.

:.!H, A tlSS(' propósito, ver Benedetto Croce, Théorie et histoire de l'historiographie, tra-

dução Iruncesn, Genebra, Droz, 1968, particularmente as pp. 157-168,e as reflexõesdu Mlchêlo Duchet, in Anthropologie et histoire au Siecle des Lumiel'es, Paris, Mas-poro, ImI. sobre a concepçãovoltariana da história, pp. 302-320.

:lU, VI'r lIenr! Dcsrochc, Sociologies religieuses, Paris, P.U.F., 1968, capo VI, "Socio-IOKhl rC'1l~i('lI~eet sociologie praticienne", pp. 117-149, e Gérard Cholvy, "Sociolo-Kln r!'lll(iC'usC'ct hístoire", Revue d'Histoire de l'Église de France, t. LV, 1969,

fll'. !I-2H.'UI Ao ('01111'11rio, 11 experiência de Robert [aulin, La mort sara, Paris, Plon, 1965.

'11 1'1'1'11111111Hnulnrd, Prcmiers itinéraires en sociologie religieuse, prefácio do professor1.11IlrnM, Pnris, [,do Ouvriêrcs, 1954, pp. 7-8.

'I:.!, (;nhrh'l 1.(' liras vai acrescentar em nota: "A própria linguagem é um fato social,nUIH 111\0tem nenhuma parte no conteúdo do dogma da Redenção ou da Encar-IIU~nCl",Além dessa concepçãoda linguagem, anterior à difusão das categorias lín-

• UINII,'nN do Saussurc na França, e da idéia discutível de que a linguagem é aICClxprcssl\o" de UIl;1grupo social, Gabriel Le Bras recusou-sesempre a deixar-se apri-

Mlonur npenus na sociografia da prática. Ver o seu discurso na Société d'Hístoírelkclóslusllque ern que descreve,com bom humor, o seu itinerário, Revue d'Histoire

ri" 1'lIl1,lisf' rle France, t. LV, 1969, pp. 432-446. Para conhecer a obra de Gabriel1,(1 IIru~ b preciso ler Éuules de sociologic religieuse, Paris, P. U.F., 1956,e o artigode! Prnnçol» Isnmbert, Cahiers Internationaux de Sociologie, XVI, 1956, pp. 149-Ili!l. "Dévcloppcment ct dópasscmcnt de I'ótude de Ia pratique religieuse chez G.

Lo Bras".

1'), Ver Alphense Dupront, "Réílexlons sur l'héresle modcmc", in Héresies et sociétésdan.1 l'liurop« préinclustriellc, XI"-XVIII' sicclc, Pnrls-La Haye, Mouton, 1968,pp. 291-302,

4l.

42.

43.

44.

45.

46.

47.

.~

48.

A RELIGIÃO: HISTóRIA RELIGIOSA 125

34. Quanto ao catolicismo contemporâneo, a evolução rápida a partir do Concílio doVaticano II joga o problema para o lado da história.

35. Ver [acques Dupâquier, "Problêmes de Ia codification socío-professionnelle", inL'histoire sacia/e, sources et méthodes, Paris, P.U.F., 1967, pp , 157-18l.

36. Louis Althusser, Prefácio à edição Gamier-Flammarion do livro I do Capital,

t. I, p. 22.

37. Ver ibid., Pour Marx, Paris, Maspero, 1965, "Contradiction et surdétermínatíon",pp. 87-116; e Lire le Capital, Paris, Maspero, 1965, esboçodo conceito de história,pp, 35-71. Ver também a leitura crítica de André Glucksmann, "Un structuralismeventriloque", Les Temps Modernes, 22Q ano, março de 1967, pp. 1157-1598.

38. Ver Georges Duby, Des sociétés médiévales, Paris, Gallimard, 1971, pp. 45-49, e"Histoíre sociale et histoire des mentalités", Nouvelle Critique, n" 34, maio dede 1970,pp. 11-34.

39. O pequeno livro de Lucien Sebag, Marxisme et structuralisme, Paris, Payot, 1964,coloca os problemas com acuidade no capítulo "Idéologies et penséescientifique".

40. Outros fizeram-no recentementemelhor do que o permitem os limites concedidos aopresenteartigo. É preciso citar Mircea Eliade, La nostalgie des origines, méthodalogie

et histoire des religions, Paris, Gallimard, 1971; Francis Rapp, L'Église et Ia vie reli-

gieuse en Occident à Ia fin du Moyen Age, Paris, P.U.F., 1971; e [ean Delumeau,op. cit., 1971. São de interesse os números especiais de certas revistas: o n? 57 deConcilium. (setembro de 1970) consagrado aos problemas de metodologia da históriada Igreja; os dois "Bulletins d'hístoíre du catholicisme modeme et contemporain" de[acques Gadille, Revue Hisiorique, t. CCXLIV, n.OS 495 e 496, 1970; nQ 4 (outubro-dezembro de 1970) do t. LXIII de Recherches de Sciences Religieuses sobre as rela-ções entre a história e a teologia. O pequeno opúsculo Le groupe de sociologie des

religions, Paris, Éd. du C.N .R.S., 1969, redigido por Émile Poulat, estabeleceobalanço de quinze anos de trabalho.

Ver Sigmund Freud, "L'inquiétante étrangeté", in Essais de psychanalyse appliquée,

Paris, Gallimard, coleção "Idées", 1971, pp. 163-210.

Michel Foucault, Folie et déraison. Ristoire de Ia folie à I'Age Classique, Paris,Plon, 1961, p. VII, reedição da Gallimard, 1971.

Michel Foucault, op. cit., p. lI.

[acques Derrida, L'écriture et Ia différance, Paris, Le Seuil, 1967, 11. "Cogito et his-

toire de Ia folie", pp. 51-97.

É preciso, no entanto, ler as obras pungentes de Antonin Artaud, nas Lettres deRodez, in Oeuvres completes, t. IX, Paris, Gallimard, 1971,pp. 179-238.

Michel Foucault, op. cit., p. VII.

Ver François Lebrun, op. cit., p. 403: "O estudo do empirismo no Anjou, do XVIIao XVIII séculos,coloca um problema de método. Com efeito, o silêncio dos textose dos arquivos é quase total sobre essaspráticas misteriosas que se supõe. no en-tanto, serem muito comuns, em todo lugar."

Erncsto de Martíno, La terre du remords, Paris, Gallimard, 1966, Trlltll-I. do prA-ticas rituais, nas quais intervêm música. dança e simbolismo cromâtlco o qloll tam.por finalidade curar I1q~elcsque a mordlda de uma "tarQntulll" mlUclI torla tornadodoentes..

126 HISTóRIA: NOVAS ABORDAGENS A RELIGIÃO: HISTóRIA RELIGIOSA 127

"-'

49. Ibicl., p. 26.

50. (.lunnto aos pressupostospolíticos do folclorismo do século XIX, ver Michel deCertcau, Dominique Julia, JacquesRevel: "La beauté du mort: le concept de cuIturepopulairc", Politique Aujourd'hui, dezembro de 1970, pp. 3-24.

~l. H o termo que empregavam os jesuítas italianos para designar a Itália do Sul: ';Asmontanhas da Sicília poderia servir de índias àquelesque, em seguida, devem seguirpara essespaíses" - carta de 1575 citada por Emesto de Martino, op, cit., p. 18.Encontra-se a mesma expressãonos Capuchinhos francesesno começodo século XVIIn propósito das missões que tinham no Languedoc. Ver [ean-Robert Armogathe,Missions et conversions dans le diocese de Mende au XVIIe (1629-1702), tesede ciências religiosas, École Pratique des Hautes Études, V seção, 1970, exemplaresdatllogrnlados.

52. Reler-so-á com proveito o estudo pioneiro - uma vez que escrito em 1912! - deRobcrt Herz, in Sociologie religieuse et [olklore, Paris, P. U .F., 2' ed., 19, pp. 110-IGO: "Saint Besse,étude d'un culte alpestre". A investigação de Alphonse Duprontnll VI seção da École Pratique de Hautes Études abre a análise para a psicologia dasproíundldudcs: ver "Formes de Ia cuIture des masses:de Ia doléance politique au pê-

lerlnugo pnnique (XVIlIe-XXe siecle)", in Nioeaux de culture et groupes sociaux, atado colóquio reunido de 7 a 9 de maio de 1966,na École Normale Supérieure, Paris-1.11 I Iuyo, Mouton, 1967, e, do mesmo autor, "Psico-sociologia del pellegrinagio",Stlllll Cuttulici, n9 89-90, agosto-setembro de 1968, pp. 675-680 (número especialNobre a religião popular).

111, VC'r a tesede terceiro ciclo sustentada em 1969 em Montpellier por Madame Vemet,Nobro (J culto dos santos curadores no "bas-Rouergue",exemplares datilografados.tlmn pesquisa sobre os santos terapeutas, na região renana, está sendo feita. É muitoIURr.Ntlvauma pequena obra de Serge Bonnet, Histoire de l'ermitage et du pêlerinagedl1 SClint-Rouin, Librairie Saint Paul, 1956.

114, ElIl'Onl.rnm-scelementos em L. Perouas, Le diocese de Ia Rochelle de 1864 à 1724.

Sovi%/f,ic ('t pastora/e, Paris, S.E.V.P.E.N., 1964, pp. 286-291, 470; [ean Delu-

menu, nfl. cit., pp. 256-261; Maurice Agulhon, La république au oillage, Paris, Plon,1\l70. pp. 14!J-i87. Ver sobretudo as reflexões sugestivasde Serge Bonnet, La com-

ItIlmlnn solmncllo [olklore paieri ou fête chrétienne, Paris, Le Centurion, 1969,pp.2'1!'i·~R!l; I' o ensaio de Harvey Cox, La fête des fous. Essai théologique sur les

nutlUlu de (foll! ct de [aruaisie, Paris, Le Seuil, 1971. Para uma análise do estilo devkln rIns dnsst's populares, a partir do interior, ver Richard Hoggart. La eulture du

paU/II'I·. 1'11rls, t'd. de Minuit, 1970, capo V, "La bonne víe", pp. 183-217.

M, Aa tx''"JulslIs conduzidas sob'a direção de M. Michel Mollat em seu seminário sobrea -puhrezu lliio margem cada ano à publicação de um volume em ronetipo. Sobre(!N~II IJlIl'stilo, ler-so-á com proveito o número especial "Recherches sur Ia pauvreté"da R"pur. d'Hlstoírc de l'Eglise de Franee, t. LII, 1966, e o caderno coletivo "Lapauvreté. Des socíótés de pénurie à Ia société d'abondance.", nv 48 de Reeherche

I/ [')el/mts riu Ccntre Caiholique des lntellectucls Français, Paris, Arthême Fayard,dll7.l'mbro de IDG4. Colige os elementos do problema a tese de [ean-Pierre Gutton,1./1 sCJchltr" ,'t /(',\ paUllrcs, l'exemplc c/c Ia ~i~néralité de Lijon, 1534-1789,Paris, LesBellen Lettres, 1971. No que se refcrc no século XIX, o maior estudo dc históriacontinue a acr o de Louls Chcvnllcr, Classes laboricllses et classes dangcreuscs d Paris

p.ntlant Ia prcmMrc mollié du XIX' sicele, Parls, Plon, 1958.

56. Boris Porchnev, Les soulevements populaires en France de 1625 à 1648, Paris,S.E.V.P.E.N., 1963, pp. 303-327, e Madeleine Foisil, La révolte des nu-pieds et

les révoltes normandes de 1639, Paris, P.U.F., 1970,pp. 179 e 192. [ean Nu-Piedsse dizia "enviado de Deus". No estandarte dos revoltados, foi representadaa imagemde São João Batista e, nela, pode-se ler a inscrição: Fuit homo missus a Deo eui

nomen erat [oannes. Ver, igualmente, Emest Bloch, Thomas Miinzer, théologien deIa réoolution, Paris, [ulliard, 1964.

57. A expressãopertence a Míchel Foucault, "Déviations relígieuses et savoir médical",in Hérésies et sociétés .dans l'Europe préindustrielle, Xle-XV111e siêcle, Paris-La HayeMouton, 1968, p. 19.

58. Ver Eric J. Hobsbawn, Les primitifs de Ia révolte dans l'Europe moderne, Paris,Fayard, 1966.

59. Ver Georges Duby, in Hérésies et sociétés, op. cit., pp , 403-404.

60. A literatura sobre os messianismos foi recentemente enriquecida por uma serre deobras particularmente notáveis. Uma das obras mais interessantes é, sem contes-tação, a de Maria Isaura Pereira de Queiroz, Réforme et révolution dans les sociétés

tradiiionnelles, histoire et ethnologie des mouvements messianiques, Paris, Anthro-pos, 1968. Ler-se-á com proveito VV. E. Mühlmann, Messianismes révolutionnaires

du tiers monde, Paris, Callímard, 1968, que gostaria de reconciliar os métodos his-tórico, sociológico e psicológico. Ver também Vittorio Lantemari, Les mouvements

religieux des peuples opprimés, Paris, Maspero, 1962; Henri Desroche,Dieux d'hom-

mes, dictionnaire des messies, messianismes et milléranismes de l'êre chrétienne,

Paris, Mouton, 1968, instrumento precioso de trabalho. Para os movimentos messíâ-nicos da Idade Média ver o colóquio Hérésies et sociétés, já citado, e o livro clás-sico de Norman Cohn, Les fanatiques de l'Apocalypse.. Paris, Julliard, 1962. Ver,enfim, revistas que consagram ao messianismo números especiais: Archives de So-ciologie des Religions, nQ 5, janeiro-junho de 1958, e Rivista Storica Italiana.

t. LXXX (1968), fasc. 3, pp. 461-592.

61. Retomamos aqui as categorias de M. I. Pereira de Queiroz, op. cito

62. Será que tudo foi dito quanto às estruturas sociais particulares um movimentomessiânico? A história religiosa coloca aqui à historiografia inteira a questão doindizível que ressurgeem todo lugar, e cuja marginalidade escapa as redes que seestendem para o apanhar.

63. A propósito de Dona Beatrice e da seita dos Antonianos, no começo do século XVIII,no Congo: J. ChevaJier, Relations sur le Congo du Pêre Laurent de Lucques (1700-

1717), Institut Royal Colonial Belge, Section des SciencesMorales et Politiques, t.XXII, fase. 2, 1953; Louis [adin, "Le Congo et Ia secte des Antoniens. Restaurationdu royaume sous Pedro IV et Ia Saint-Antoine congolaise (1694-1718):, Bulletin de

l'lnstitut Historique Belge de Rome, fasc. XXXIII, 1961, pp. 411-615; Alfredo Mar-garido, "I movimenti profetici e messianici congolesi" no número da Rivista Storica

Italiana, iá citada, pp. 538-592.

64. Ver Alphonse Dupront, "De I'acculturatíon", no XII Congresso Internnclonal clrCiências Históricas, Rapports I, Grande thêmcs, pp. 7-36,Vfeno, Berger, 1065, Olivro de Nathan Watchel, La Ilision dcs vain.cus, lcs Indlem du P~r()u d.vanl ln

conqu~te cspagnolc, 'Pllrf5, Galllrnard, 1971, II excelente. Seria cnnvonlonto altar I

abril completa doAlfród Mótrllux: algum de /IOUNnrtlRoNforllm rounldOl IImR,fI·gio", oe maal". l"dlllnnClI d'Am6rlquo du Sud, PArIM, Galllmard. IoeT.

l~B HISTÓRIA: NOVAS ABORDAGENS

65. Ver Emmanuel Le Roy Ladurie, Les paysans du Languedoc, Paris, S.E.V.P.E.N ..I!}{i(i, 1. I, pp. 607-629. A fonte essencial é A. Misson, Le théatre sacré des Cé-

/lcnnes, Paris, 1847.

66. Louis B. Carré de Montgeron, La vérité des miracles opérés par l'inlercession de

M. de Paris, contre M. l'archevêque de Sens, Utrecht, Libraires de Ia Compagnie,

1737, in quarto.

/)7. () livro fundamental é o de Robert Mandrou, Magistrats et sorciers en France au

XV/J" siiscle, Paris, Plon, 1968. Poderão ser lidas também duas apreciaçõesda obra:/I de Michel de Certeau, "Une mutation culturelle et religieuse, les magistrats devantII's xorciers", Recue d'Histoire de l'Eglise de France, t. LV, julho-dezembro de 1969,111'. :l()()-31!l, 1"0 de [eanne Favret, "Sorciêres et lumieres", Critique, t. XXVII, abrilde 1U71, pp , 351-376. Ver também Entretiens sur l'homme et le diable, sob a dire-~'ilo01: Mux Milner, Paris-La Haye, Mouton, 1965, e Carlo Ginzburg, I benandanti,

rtecrch» sulla strcgoneria e sui culti agrari tra cinquecento e seicento, Turim, 1966.

fiM. () punctuni diabolicum, marca imposta pelo diabo e suas criaturas e a prova pú-

hlleu 00 banho frente à multidão, o feiticeiro, jogado à água, flutua com pés emau:. ntadus ~ ver Robert Mandrou, op. cit., pp. 101-102.

fm, Ver l lenri Platcl lc, Les chrétiens face au miracle. Lille au XVIle siêcle, Paris, Ed ,

du Cerl', 1!J68; Carré de Montgeron, op. cito

'111, fluhrrt Mundrou, op. cit., pp. 449-458.

71, Mklwl de Ccrteau, art. citado, p. 316.

7:1., llohert Mundrou, op, cit., p. l l l . Ver também os dois artigos de Étienne Delcam-hre: "1.11 psychologie des inculpés Iorrains de sorcellerie", Revue Historique du Droit

J:rUll('ais I>t Etranger, IV série, t. XXXII, 1954, e "Le preces de sorcellerie en Lor-ralnc: psychologie des juges", Revue Historique du Droit, t. XXI, 1953, fase. 1.

'TI. Plrrn: J)1!y'Jn,em Délinquance et répression dans le nord de la France aux XVIle

'" XV/IJ" si,)dcs, comunicação apresentada à Société d'Histoire Moderne em 7 denuvrmhr» de: 1971, sublinha, a negação obstinada dos acusados. Segundo os ar-Clulv",~ele Châtclct e do Parlamento de Paris, no século XVIII, os autores de roubosullml'llllln'~. mesmo presos em flagrante, recusam até o fim responder. O silêncioIIU 11 1I1!/(II,íioseriam para os pobres a única maneira de recusar a justiça de umaNIlC'll'dclIlt! di! que se sentem excluídos? Freud via na recusa judia de adotar a dou-trlnll (·rlsli\. quer dizer, da recusa de confessar o assassinatode Deus, a origem daMlII"ru,no d" povo judeu com relação ao resto do mundo e a fonte de sua origi-nalldllCla, Ver Moisc et le monothéisme, Gallimard, 1948, pp. 197-199.

7~. Vor Mlchcl de Certeau, La possession de Loudun, Paris, [ullíard, 1970, e na ediçãopraporada pelo mesmo,Jean-JosephSurin, Carresporidance, Descléede Brouwer, 1966,

pp. 1721-1748.

71S, Vor Mlche! de Ccrtcau, "Le langage de Ia possédée,discours de l'autre ou discoursAhlorM" li ser publicado no volume Manieres de lire, apresentado por J. Cuisenier,

Mil me: ,

76. Vllr Plerre Chaunu, "Pour une histoire religieuse sérielle-. A propos du diccêsede1.11Rochello (1648-1724) ct sur quelques exemplos normands", Revue d'Histoire Mo-

domo cl Conlemporainr., t. XII, 1965, pp, 5-34.71. M, .(.. Fracard, La fin cle Z'Andon Régime à Niort, Paris. Desclée de Brouwer,

1056: 1AcquoN'fouuaort. ú! 't'ntiment rr./illicux cn Flandre c} Ia fin de Movem Age,

A RELIGIÃO: HISTÓRIA RELIGIOSA 129

Paris, Plon, 1963; Christiane Marcilhacy, Le diocêse d'Orléans sous l'episcopat de

Mgr Dupanloup, Paris, Plon, 1962; Louis Perouas, op, cit., Paris, S.E. V .P. E. N .,1964; Gérard Cholvy, Geagraphie religieuse de l'Hérault contemporain, Paris,P.U.F., 1968.

78. Os estudos recentes de história social e urbana comportam, geralmente, uma ru-brica de sociologia religiosa: ver Pierre Goubert, Beauvais et le Beauvaisis de 1600à 1730, Paris, S.E.V.P.E.N., 1960, pp. 198-206; Pierre Deyon, Amiens, capituleprovinciale; étude sur Ia société urbaine au XVIlo siêcle, Paris-La Haye, Mouton,1967, pp. 361-425; Bartolomé Bennassar, Vallado/id au siêcle d'or, une ville de

Castille et sa campagne au XVIe siêcle, Paris-La Haye, Mouton, 1967, pp. 379-404;Maurice Garden, Luon et les Luonnais au XVIIIe siêcle, Paris, Les Belles Lettres,1970, pp. 471-486; Jean-Paul Coste, La vil/e d'Aix em 1695, structure urbaine et

société, Aix-en-Provence, La Pensée Universitaire, 1970, t. lI, pp. 731-747.

79. Ver John Mac Manners, Frenc7i ecclesiastical society under the Ancien Régime. A

studg 01' angers in the eighteenth century, Manchester, University Press, 1960.

Quanto ao episcopado: Norman Ravitch, Sword and mitre, govemment and

episcopate iri France and England in the age of aristocracy, La Haye-Paris, Mou-ton, 1966.

Quanto ao baixo clero, ver Charles Berthelot du Chesnay, "Le clergé diocésainfrançais et les registres d'insinuations ecclésiastiques",Revue d'Histoire Modeme et

Contemporaine, t. X, 1963, pp. 241-269; Marc Venard, "Pour une sociologie duclergé au XVIe síecle: recherches sur le recrutement sacerdotal dans Ia province

d'Avígnon", Annales E.S.C., 1968, pp. 987-1016; Y.-M. Le Pennec, "Le recrute-ment de prêtres dans le díocêse de Coutances au XVIII e síêcle", Revue du Départ-

ment de Ia Manche, t. XII, 1970, pp. 191-234; Philippe Loupes, "Le clergé paroissial

du diocêse de Bordeaux d'aprés Ia grande enquête de 1772", Annales du Midi, t.LXXXIII, 1971, pp. 6-24.

Quanto às ordens religiosas, ver F. de Dainville: "Le recrutement du noviciattoulosain des jésuites de 1571 à 1586", Revue d'Histoire de l'Église de France, t.XLII, 1956, pp. 48-55; Bernard Plongeron, Le réguliers de Paris devant le serment

constitutionnel. Sens et conséquence d'une option, Paris, Vrin, 1964; Xavier La-

vagne d'Ortigue, "Les religieux de Saint-André aux Bois", Anna/ecta Praemonstam-

tens ia, t. XLV, 1969, pp. 249-267; Joachim Salzberger, Die Klôster Einsiedeln und

Sankt Gallen im Barockzeltalier, Historísch-soziologische Studie, Beitrãge zur Ges-

chichte des alten Mõnchtums und des Benediktnerordens, Heft 28, Münster, Aschen-dorf, 1967.

80. René Taveneaux, Le jansénisme en Lorraine, 1640-1789, Paris, Vrin, 1960. Vertambém Yves Putet e J. Roberts, Les assemblées secrêtes des XVIIe et XVIIIe siêcles

en relation avec l'A. A. de Lyon, Piacenza, Collegio Alberoni, 1968. O recentecolóquio que' se passou em Grenoble, sob os auspícios do Centro d'Histolre du

Catholicisme de Lyon, esboçou uma primeira sociologia dos católicos liberal".

81. O belo livro de' Maurice Agulhon, Pénitcnts et franc$·maçons do .Z'anoJllnnll Pro·.,llCncc, Paris, Fnyard; I!l68, renovou Iundnmentalmente a qUClJtDo,O Iutor rlallll.

hoje em dia uma .VAltA 'nvc~i1gaçDosobre as confraria. meridional. nl 'pn!'1 canotamporAn••.

,..----

180 HISTÓRIA: NOVAS ABORDAGENS

82. A dupla ligação não é mais posta em dúvida. Poder-se-ia, inclusive, perguntar: pOIque tnntos membros regulares da Igreja (beneditinos ou oratorianos) entre os franco-maçons, que, sem crise aparente, na hora da opção revolucionária, da escolha, serãopelo juramento e aceitarão depois a sua redução ao estado ou à condição leiga?

H'l. Não tratamos aqui da sociologia retrospectiva do livro e de sua difusão que trouxe

tanta contribuição à história religiosa, uma vez que esse problema é tratado, de

forma específica, no artigo de Daniel Roche e de Roger Chartier.

H4. A esserespeito ver a obra clásica de Max Weber, Wirtschaft und Gesellschaft, que6 hoje acessívelao leitor francês sob o título Économie et société, t. I, Paris, Plon,1!l71. A sociologia da religião encontra-se nas pp. 429-632. São particularmente

sugestivasas hipóteses do parágrafo "Ordres, classeset religion", pp. 491-534. Per-manece um estudo exemplar o livro de Bemard Groethuysen, Origines de Tesprii

bOllrgcois cn France: 1. L'Église et Ia bourgeoisie, Paris, Gallimard, 1927. Funda-seo livro, no entanto, numa fonte muito particular, as coleçõesde sermões.

8~, A esse respeito, ver o livro de F. Graus, Volk, Herrscher und Heiliger im Reich

dCl' Merowinger, Praga, 1965; Pierre Delooz, "Pour une étude sociologique de Iawalntetll cano~isée dans I'Églíse catholique", Archives de Sociologique des Religions,

nV 13, Janeiro-junho de 1962, pp. 17-44, e Sociologie et canonisations, La Haye,

1961J.

88. Luclcn Fcbvre, "Comment reconstituer Ia vie affective d'autrefois? La sensibilité etl'hlstolre", republicado em Combats pour Thistoire, Paris, Armand Colin, 1953, pp.221-238. Ver também o programa proposto por Alphonse Dupront na Encyclo-

ptlclic Françalse, t. XX, Paris, Larousse, 1959, capo IlI, "Histoire de Ia psychologíecollcctlvc et vie du temps".

87. Phlllppo Ariõs, Histoire des populations françaises et de leurs attitudes devant Ia

•,Ie clC!PUi.1 te XVIIIe siêcle, Paris, 1948,2" ed., Le Seuil, 1971;,Hé1eneBergues, "Lapréventton des naíssances dans Ia famille", I.N.E.D., Travaux et Documents,nY :35, Paris, P. U. F., 1960; [ohn T. Noonan, Contraception et mariage, Paris,

nd. du Cerf, 1969; [ean-Louís Flandrin, "Contraception, mariage et re1ations amou-raUHIlHduns l'Occídcnt chrétien", Annales E.S.C., 1969, pp. 1370-1390.

11I. Plorro Chaunu, La civilisation de I'Europe des Lumieres, Paris, Arthaud, 1971, pp.132-135. Nn diocese de Lisieux, uma queda no número de concepçõesno mês de

maio nllo está ligada à economia, mas ao renascimento de uma abstençãoperiódicaUlada ao culto de Maria.

lU. Plorro Chaunu, op. cit., p. 133.

110.Niu vésperas da Revolução, são ilegítimos 30% dos nascimentos em Paris, 17%

em Bordenux, 25% em Toulouse ,

01. Ver Alaln Lottin, "Naissances ilIégitimes et filles mêres à Lille au XVIlIe siêcle",

RC!I!UCl d'Llistoirc Modernc ct Contemporaine, t. XVII, pp. 278-322.

U2. A mortalidade Infantil das crianças enjeitadas atinge os níveis recordes do século:

no asno de Reims, a mortalidade atinge, segundo os trabalhos de Antoniette Cha-

moux, na década de 1780 a 1790, a cifra terrível de 480 em mil.

83. S" como observa Plerro Chaunu, op. cit., 6 preciso Incluir de 15 Q 20% de con-

cePÇOOI pró-nupcla.1Nno. primeiros nascimentos dos casais, como também dissociar

A RELIGIÃO: HISTóRIA RELIGIOSA 131

tais concepçõesdos nascimentos ilegítimos. Ver também o capítulo XII, os excessosefetivos, séculos XVII e XVIII, baseado nas pesquisas de [ean-Marie GouesseemHistoire de Normandie, sob a direção de Miche1 de Boüard, Toulouse, Privat, 1970,pp. 347-361. Ver Restif de Ia Bretonne, Monsieur Nicolas, quarta época, É. [ean-Jacques Pauvert, 1959, t. lI, pp. 435: "Eu já observei que guardam muita reservaos rapazes quando se encontram com moças com que se desejam, sinceramente,casar".

'94. Entre 1715 e 1744, na paróquia de Saint-Sulpíce, em Paris, morrem 15% de mu-lheres celibatárias e 20% de homens.

95. Ver o artigo principal de Philippe Ariês, "La mort inversée: le changement desattitudes devant Ia mort dans les sociétés occidentales", Archives Européennes deSociologie, t. VIII, 1967, pp. 169-195.

96. Ver os romances recentes de Anne Philipe, Le iemps d'un soupir, Paris, Julliard,1963, e de Simone de Beauvoir, Une mort três douce, Paris, Gallimard, 1964.

97. Michel Vovelle, Piété baroque et déchristianisation en Provence au XVIIIe siêcle.Les attitudes devant Ia mort d'aprês les clauses des testaments, Plon, 1973. Vertambém Gaby e Michel Vovelle, "Vision de Ia mort et de l'au-delà en Provenced'apres 1es autels des âmes du Purgatoire XVe-XXe siecle", Cahiers des Annales,

n" 29, 1970; Ch. Carriêre, M. Courdurié, F. Rebuffat, Marseille vil/e morte, IaIa peste de 1720, Marselha, Maurice Garçon, 1968. Ver também Francois Lebrun,op, cit., pp. 391-495, e F .-A. Isambert, "Coordonnées socíales des enterrementscivils et religieux. Paris depuis 1884", in Christianisrne et classe ouvriere, Toumai,Carterman, 1961, pp. 73-114.

98. No que se refere aos pedidos de missas, para os homens 60% em 1710, 82% em1750, 37% na véspera da Revolução.

99. O autor baseia-seem sondagensfeitas em Cucuron, Manosque, Roquevaire e Salon.JOO. É possível perguntar se se trata do mesmo meio.

10!. 1700: 65%; 1750: 85%; 1780: 55% de pedidos de missas.

102. 1700: 50%; 1750: 30%; 1780: 23%.

103. Michel Vovelle, op, cit., p. 614.

104. Ver Régine Robin, "Vers une histoire des idéologies", Annales Historiques de IaRévolution Française, 1971, pp. 285-308. Certos números recentes de revistas apre-sentam os campos abertos à pesquisa: Langages, nv 11, setembro de 1968, "Socio-

linguistique", sob a direção de J. Sumpf; Revue d'Histoire Littéraire de Ia France,ano 70, n? 5-6, setembro-dezembro de 1970, "Méthodologies"; Langue Française,nv 9, fevereiro de 1971, "Linguistique et socíété", sob a direção de J.-B. Mar-cellesi.

105. Ver Régine Robin, La société [rançaise en 1789: Semur en Auxois, Paris, Plon,1970.

106. André Godín, Spirituaiité française en Flandre au XVI" sic!cle; /'homélialre do[ean Vitrier, texto, estudo temátlco e semântico, prefúcío de Alphonsc Dupront, O,.nebra, Droz, 1971.'

107.Mlchcl Foueault, L'archclolog/o.du ,avo/r, paris, Galllmard, 1969.

A literatura:

.O texto e o seu intérprete

JEAN ST AROBINSKI

AIlMITAMOS (!ue a escolha de um objeto de estudo não é inocente, mas~IIIC NUpÕC já uma interpretação prévia, inspirada por nosso interesse atual.ItclllnheC;lIlllos llue não se trata de um puro dado, mas de um fragmento dounivers» llllC se delimita por nossa maneira de olhar. Confessemos tambémll\lCl 11 linguagem em que assinalamos um dado já é a linguagem em que, ulte-rlurment«, o interpretaremos. Isso não impede que, a partir de um desejo de_1I1)(:fc de encontrar, a nossa atenção se divida em duas direções distintas: aprimeiru quunío ;\ realidade a apreender, o ser ou o objeto a conhecer, os limitesdll CilIIlpO rI:l investigação, a definição, mais ou menos explícita, do que convém"xplorar; :I outra quanto à natureza de nossa resposta: as nossas contribuições,o~ nosslls inxt rumcntos, as nossas finalidades, - a linguagem que usaremos, ostOsl rUI11C'.1Iosde que IlOS servimos, e os procedimentos a que recorremos.NÓs somos, sem dúvida, a fonte única dessa dupla escolha: é por isso que("\Colhemos com tanta f rcqiiêruia os nossos meios de exploração em função doo!ljdo 11 explorar, e, reriprorumcntc, os objetos em função dos meios. Nada~ tno 11l'(,css~l'i(),no entanto, do lllle assq;~lImr o mais alto ~rall de independênciarl·dprOnltlltl·(· ohjeto c meios. Se é. desejável 'lue () estilo dapes(luisa seja

A LITERATURA: O TEXTO E O SEU INTÉRPRETE 133

compatível com o objeto da pesquisa, não é menos desejável que, entre nósmesmos e aquilo a que aspiramos ~elhor conhecer, entre o nosso "discurso"e o nosso objeto, a diferença e a distância sejam marcados com o maior cuida-do. Só há encontro com a condição de uma distância anterior; só há adesãopelo coQnhecimento~ ao preço de uma dualidade encontrada, em primeiro lugar,e, depois, sobrepujada. Toda fraqueza, todo debilitamento na relação diferen-cial entre a nossa própria identidade e a do objeto estudado, entre os nossosr~~~rs?s instrumentais .e a configuração "objetiva". da obra, terão por conse-quenCI? um enfraquecimento do resultado, uma diminuição de energia e deprazer na exploração e na descoberta.

A primeira preocupação será, portanto, garantir ao objeto a sua mais fortepr~sença e a sua maior independência: que se consolide a sua existência pró-pna, que ele se ofereça a nos com todos os caracteres da autonomia. Que eleoponha a sua diferença e marque bem as suas distâncias. O objeto da minhaatenção não está em mim; ele opõe-se a mim, e o meu melhor interesse nãoconsiste em apr~priá-lo sob o aspecto que lhe empresta o meu desejo (o queme deixaria catrvo de meu capricho), mas de deixá-I o afirmar todas as suaspropriedades, todas as suas determinações particulares. Os métodos que sãoditos objetivos, aquém mesmo do verdadeiro diálogo, fortificam e aumentamos aspectos materiais do objeto, emprestam-lhe um relevo mais preciso, umaconfiguração mais clara, prendem-no a objetos contíguos no espaço e no tempo.O afluxo documentário, malgrado o que parece às vezes ter de inessencialou ~e e~terior com relação a um grande texto, acrescenta-se a tudo o que, emseuinterior, lhe confere uma personalidade distinta. Pois a vontade de conhe-ciment? .deve começar por acompliciar-se com o objeto no poder que este temde .reslstlr-nos. Antes de toda explicação, antes de toda interpretação compre-ensrva, deve ser o objeto reconhecido em sua singularidade, quer dizer, no queo subtrai a uma anexação ilusória. Por uma espécie de paradoxo, é à forçade enriquecimentos objetivos que a obra estudada pode oferecer-nos uma resis-tência análoga à que nós encontramos diante de uma subjetividade estranha:a obra furta-se a qualquer tentativa que não consinta a pagar o preço da traves-sia do espaço interposto.

. A restituição tradicional acreditava haver terminado a sua tarefa quandohavia desembaraçado o texto dos acréscimos e das corrupções que o desfigura-vam. Ela acreditava ter encontrado uma fisionomia autêntica, um traço nãosuspeito, como se limpam as pinturas esfumaçadas e sobrecarrega das . De umamaneira ideal, assim a obra deveria ser reestabelecida em seu primitivo estado,ser legível na forma desejada pelo autor. Forma laboriosa de leitura, não tinhaa restituição outro objetivo do que libertar uma obra de tudo o que a impediade atingir-nos em sua integridade. Supunha-se que, uma vez afastados osobstáculos interpostos, a obra apareceria em sua verdade, aberta a nosso prazere a nossas interrogações.

Logo9uc se coloca a idéia de uma obra acabada, dclimitadn em seus lincn-rnentos originnis, eis que surgem ~ISquestões e as incertezas. A invt~ti/o(nçao qUt·

restitui, n curiosidndc do historiador vão Fazer trnnspurercr, nn ohrl\ RrllbAdll,'

tndo fI seu pn8~ntlo disrcrnlvcl, 5U:l8 versões precedentes, "eu" ('.hOÇON, U'UN

modelos t'ol1fé •• "d.OM ou jl1('Ol1(cs~ndo8. Esse plIu"do em 'Iue a ubrl\ nlu .rl

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b

HISTóRIA: NOVAS ABORDAGENS

ninda o llue vrna a ser, lhe pertence, a alimenta, sustenta-a. As variantes delima obra fazem aparecer os estados sucessivos de um desejo e de uma vontadelluC não puderam estancar nas formas primeiras em que apareceram. Assim, oser <Iue é próprio do texto revelar-se-á diferencialmente, pela distância que~el'ara o seu estado final, da série de estados que a precederam (se eles che-~aral1l ao nosso conhecimento ) . Ter-se-á sob os olhos os gestos da pesquisa,di\ insatisfação, e depois da recusa, que vêm duplicar a presença positiva daversão "final". Poder-se-é talvez perguntar se essa versão final não é, emlt:rlas ocasiões, uma solução de compromisso, destinada a tornar possível a publi-I ;I~'ãll de uma obra excessivamente audaciosa na sua redação anterior. Serápossível, em muitas ocasiões, constatar que a obra que chegou a nossas mãos(. 11 que resta de um projeto interrompido. Quantas vezes a morte, a inter-vellção de um editor póstumo (que trabalha sobre muitos rascunhos) impõemlima Iorrnu arbitrária a uma expansão inacabada! Assim, a pesquisa que restitui,com () 'llIe tem de positivo e de objetivo, termina por colocar em dúvida a'Iwtlidadt' de objeto acabado de que tal obra parecia poder prevalecer-se: essa(11I'1I1i1 foi obtida por acidente, e a nossa atenção, a partir dessa constatação,deve ser levada, ao mesmo tempo, para a massa (muitas vezes, confusa) de'/O('llll1Clllos disponíveis, e para a intenção que testemunham, mas que não es-"IVII d('sl illada a cumprir-se neles. A pesquisa objetiva faz ressurgir os traçosde UIl1 !,ercurso subjetivo.

Esse percurso subjetivo, no entanto, para a investigação restitutora, nãocllconlm em si mesmo a sua origem única. Se partirmos para os projetos mais11111 i~w" pcrrcbcr-sc-á como a obra, em seu começo, opõe-se e combina-se comIc.'xIO!1untcrcdcntes, assimila e transforma livros precursores: a sua originalidade,II i'lUII individualidade destacam-se contra um fundo constituído pela massa cole-livll Ôt· rcrursos ele linguagem, das formas literárias recebidas, das crenças,do!, r nnluximcntos, <lue ela reativa, critica, e ao qual se acrescenta. Sâo outrasIIIIIIII!I ramadas e acidentes do terreno (com fontes, afluentes, elevações), em

'111(' 1\ obra escolheo seu local e as suas vizinhanças. Se, de um lado, são, emcoIlNc'llil(\llria, menos claros os limites de uma obra, por outro lado, a obra passai\ !'C'v{·lal·, por suas múltiplas ligações, um horizonte que não se deixa mais~I'plll'ilr dl·b. A pesquisa histórica, se não for unicamente motivada pela atraçãodll IlI'hlldo ocasional, tem essa conseqüência benéfica de aumentar a informação

I'clll '1"111 um mundo se acrescenta a uma obra, - um mundo talvez exteriorIi eln, 11111 mundo em que, face ao objetivo alcançado, multiplicam-se os atos e1'_ puluvrus frustradas, as tentativas inacabadas: .nesse terreno estranho a obrahlll~'1I raiz t' declara-nos a sua riqueza dependente; ela se revela por meio deNilll!l li~;IC.ÕCS,e desarma a esperança de uma definição excessivamente fácil.

À rcstituiçiio, que sobe o curso do tempo ou que alarga o espaço perce-hhlo (st',L1ulldo as vias previstas ou imprevistas que se oferecem à pesquisa),pode muito bem associar-se uma restituição que se esforça por descrever e pôrem evidencia os caractercs internos da obra. Não é difícil demonstrar que al'ca(llIislI histórica e a descrição estrutural são interdependentes. O movimento('cntrl(u,L1o, '1uc vai da obra a seus antecedentes ou a suas vizinhanças, seráIll'cnM IIml\ rota de nCI\SO,se não for guiado pelo conhecimento dns estrutu-riu internas dn obra. Redprocnmente, 1\ análise interna das idéias e das palavras

h. ,

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A LITERATURA: O TEXTO E O SEU INTÉRPRETE 135

na obra nada lucra em ignorar a sua provel}iência e a sua harmonia externas.Até um certo ponto, antes de que se prolongue em interpretação, a análise esti-lística restitui: ela reestabelece o texto na plenitude de seu funcionamento, per-cebe-o em sua diferença própria e na sua existência completa; faz justiça a cadaum de seus pormenores; esforça-se por formular as suas relações numa lingua-gem precisa (sendo o ideal conferir a essa linguagem descritiva uma instrumen-tação rigorosa) .

Que consiste, com efeito, prestar atenção, a não se conceder um privilégiode presença continuada ao que, na proximidade nunca suficientemente assegu-rada, expõe-se e reserva-se, manifesta-se e recusa-se, constitui-se em objeto,mas não se deixa possuir? Frente a nossa atenção, o objeto é portador de umaintenção própria, que se declara mas não se entrega inteiramente, provocandoa obstinação de nossa espera, e o desejo dobrado de um melhor saber. A nossaatenção só se mantém pela resposta que não acaba de dar a um desafio per-sistente.

Um primeiro encontro começou por despertar o nosso interesse e prendero nosso olhar. A partir desse primeiro contato, o despertar da atenção persua-de-nos gue tudo ainda resta por fazer em vista de um encontro mais completo.Que se esteja, como Georges Poulet (ver particularmente La consciencecritiqueParis, Corti, 1971) desejoso de praticar uma crítica da identificação, é forçosopartir de uma primeira situação de não-identidade: a identificação é um esforçopara unir-se àquilo que, no início, não é mais do que um apelo ou uma pro-messa percebidos num ser diferente de nós. A adesão que identifica não nosé, portanto, dada logo de início: ela é uma coisa que se consegue, ela se con-segue ao fim de um trabalho e de um movimento de aproximação. Nada lheseria mais contrário do que a convicção muito apressada de já se a ter atingido,e de já se ter tudo conseguido com a primeira impressão.

O risco que se corre, se o objeto não é percebido, mantido e consolidadoem sua diferença e em sua realidade próprias, é de que a interpretação nãoseja mais do que o desenvolvimento de uma fantasia do intérprete. Falo aquide risco para designar o que comprometeria o valor do conhecimento desejado.O risco assim evocado pode muito bem acompanhar-se de uma sedução denatureza muito diferente: o encanto de um discurso livre e imaginativo, quese deixa ocasionalmente inspirar por uma leitura. Desse discurso sem nadaque o prenda, digamos que tende a tornar-se ele próprio literatura, não contandomais o objeto de que fala do que como pretexto, ou a título de citação ocasio-nal. Por isso mesmo, enfraquece-se o papel do objeto: a intenção de conheci-mento é posta de lado por causa de uma outra finalidade, de expressão pessoal,de jogo de propaganda etc. .. Isso não exclui, em absoluto, a possibilidade de,por acaso, apontar com justiça tal ponto singular, de passagem, e de maneiraoblíqua. Mas é a exceção. Vê-se isso com freqüência: se o objeto é mal defi-nido, mal assegurado, o '1ue dele se afirma será despido de pertinêncin; nloserá decisivo. Os representantes qualificados da história literária (Lnnson ) e &

Universidade até os dias de hoje (depois da moda estruturalista, ainda mAl. doque antes) encaram com ironia o ensalsmoe a "crltlca de ~~nio"j e••• Ironl.~ plenamente justl(icaJa quando ~rocurn invnlidnr umn ta~nrel"gcm que •• qu.rimpor com lU.. intuiç15e. por .1 ',6, sem prcocupaçlto com a pnqult. pacl.nte

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136 HISTÓRIA: NOVAS ABORDAGENS

que, ela, faz justiça a toda a complexidade do objeto. Quando a presunção(1I••.-sc passar por ciência, vale a pena chamá-Ia à ordem. Para quem quer sabermais sobre uma obra, nada há de mais irritante do que ler um ensaio cuja vozcobre a voz da obra. Procurava-se a proximidade, e se é mantido à distância:as palavras que lemos não nos falam verdadeiramente do que mais desejaria-Jn(l~ conhecer. A loquacidade do ensaísta constitui uma barreira: não se percebe.urás dela mais do que um fantasma nebuloso.

Ser,i necessário, no entanto, testemunhar a mesma desconfiança, quando ot'm,IIO se mantém em seu próprio domínio, e não mostra qualquer pretensãoIIslIrl'adora? Não se o pode acusar de desenvolver um monólogo, a menos quese cspl'ra~se ouvir distintamente duas vozes. O ensaio reivindica o direito deolK'dcl\'j' a um projeto autônomo; o seu objetivo não é o conhecimento dostextos do passado ou do presente: esses, percorridos, evocados por alusões,IIldll..ldüs ao sal~or das necessidades, serão tudo mas não objetos de estudo.A rdll'X:ill <jue os toma como testemunhos não pretende esgotar o seu sentido.1:111vai para outro lado, prosseguindo a sua intenção numa linha independente,IluC Sl' limitu aos interesses de sua própria interrogação. Assim passam-se asmi~lIs desde Montaigne: nos Ensaios está em todo lugar presente a relação comnul rus ohrus, mas ela é múltipla, fugitiva, caprichosa, deixando perfeitamentelivre, entre as riquezas da "biblioteca", o seu preguiçoso utilizador.

A fra111leza relativa do objeto dissolve a relação epistemológica. Não seIrutu muis do conhecimento: o sujeito que discorre permanece com plena evi-d~1ll ia, mas, certamente, na solidão ou sem destinatário, mas abandonando comoponlo de referência o texto de um outro. Prossegue a atividade mas, qualquerlluC seja, ela não pertence mais ao domínio da história ou da crítica.

A recíproca é verdadeira: toda insuficiência do lado do leitor, do sujeito,é flllul, não li é menos fatal, para a eficidade do trabalho crítico. Não que seJllt~.~il intcirnnu-ntc afastar o sujeito interrogante: tudo desapareceria com o seu.rl'Nllplll't( imcnto , Quero sobretudo lembrar que a energia da interrogação, amvcuuvid.ule desenvolvida na própria investigação restituidora, devem ser rnan-IidllN setu Vil( ilaçiio, desde que se queira manter viva a relação crítica. l! pelal'lll'r~il\ de nossu intenção pessoal que o objeto (a obra) é chamada à presença.(JIIC suhru para a crítica, se a nossa interrogação é tímida, se nossa linguagem" eNlncoti pada? Se nossos conceitos são inseguros? O próprio objeto torna-sehlllHII c Se enfraquece, por falta de uma vigorosa solicitação. Os que ensinamI'IlIlhecelll bem essa situação" em que a fraqueza da interpretação acarreta a Ira-111lt'~11do objeto: Produz-se um eco desclassificado do texto: a paráfrase. O (Q-

JlIt'Jlllldor, nesse caso, não ousa falar por sua própria iniciativa: nada tem adizc'r, faltam-lhe os meios. Ele comprendeu, talvez, mas não observou. Eleddx.h'iC confusamente invadir pelo rumor da página em sua frente, ele sirnpli-'1(;\ em lermos mais fracos: reiteração gue dissolve a forma multiplicando os("I"ivall'Jlles inferiores do sentido. A essa dissolução constitui um paliativo aIII1i\Jist: ~ramati(al -,,- hoje em dia, análise estrutural -, sob a forma de ummerunismo capaz de pontos de constatação de fatos, de estilo e dos meios em-prC~lldllS no texto. Desde, no entanto, gue a análise se limite à técnica descri-tiva, desde llue não faça mais do que transcrever os dados literários IlOS sinaistia umn mctalingungcrn, prevalece st'mpre a reiteração, menos ingênua e menos

. it

A LITERATURA: O TEXTO E O SEU INTÉRPRETE 137

simples, mas sempre cativa do horizonte limitado da tautologia. .. A crítica nãoé a representação fiel de uma obra, a sua reduplicação num espelho mais oumenos límpido. Toda crítica completa, depois de haver sabido reconhecer aalteridade do ser ou do objeto para os quais se volta, sabe desenvolver a seupropósito uma reflexão autônoma e encontra, para exprimi-Ia, uma linguagemque marca, com vigor, a sua diferença. Por estreitas que sejam ou que tenham

sido, num momento central da pesquisa, a simpatia e a identificação, a críticanão repete a obra da maneira como essa está enunciada. A obra crítica consti-

tui-se segundo a sua própria necessidade, em seu nível particular de realização,dócil a seu objeto, mas independente por sua ambição,

Os dois casos extremos que acabamos de evocar - fraqueza do objeto,fraqueza da energia interrogativa - têm o defeito comum de nada mudar, àcolocação inicial: não se instaura qualquer relação, não se faz qualquer trabalho,r, port:lllbo, nenhuma luz vem transformar, ao mesmo tempo, a obra e o nosso

olhar. Penso irresistivelmente na cena do filme em que Grouch Marx, caixeiro

numa loja, mete-se embaixo do balcão, a fim de cortar, na própria saia dacliente, a peça de fazenda que ela pedia para colocar em seu vestido. Faz as

vezes de demonstração a pura e simples repetição de um pressuposto qualquer:embora o autor creia ter confirmado a sua hipótese, não faz mais do que repe-

ti-Ia em outros termos,

. O interesse pelo texto

II desejável, portanto, manter entre o objeto e a resposta que se lhe dáurna distância suficiente, um espaço em que se possa produzir o acontecimentodo encontro, e onde se possa iniciar e fazer progredir o trabalho, Só há traba-lho em função de uma oposição. Ao mesmo tempo, só há trabalho na medidaem que há contato e em que se estabelece uma relação. Pois a oposição nãopode permanecer estática: ela se desenvolve no laborioso confronto, ela pro-gride no sentido de um objetivo, ela desenvolve-se com vistas a uma finalidade,

Falamos em encontro e, também, em trabalho, Assim, falávamos há poucoda obra, designando-a como um ser, e, ao mesmo tempo, como um material,Ela é uma coisa e outra: um ser que espera o encontro, um material, ele pró-prio trabalhado, que aguarda um trabalho; ou ainda melhor: uma intensão quemediante uma forma, destina-se a nossa atenção. Ter respeito pela obra é nelaobserva]', juntamente, a sua finalidade intencional e a sua forma objetiva (asua estrutura material), Ú para fazer justiça a esse duplo aspecto da obra llul'a critica deve.vela própria, possuir uma dupla capacidade: conhecimento instru-mental e animação Finulista, todas as duas capazes de enfrentar li presençll dllobra, sem com ela confundir-se, O uspcrto instrumental da rrlticn rorrcNlmnltC'ao aspecto mntcrinldu nhrn: 11nnirnnção fiualistu du crlliclI ('Ilrre~ponde l fil1l1o

lidade dll ubrn, ~I"e dn lIilo NC rontentu em perceber c re~illtrllr,

13H HISTÓRIA: NOVAS ABORDAGENS

Tais são as condições da interpretação, desde que se queira garantir-lhetodas as suas oportunidades e desenvolvê-Ia da maneira mais consciente.

Seria bom imaginar que as etapas do trabalho crítico se sucedemde maneiradistinta c ordenada. Seria bom imaginar, em particular, que a restituição precedeII interpretação, e que ela trabalha no reestabelecimento dos textos para, emseguida, confiá-los à atividade de interpretação. A interpretação, no entanto,corno já o vimos, já está subterraneamente em ação na escolha do objeto deinteresse; ela mistura-se aos esforços que visam à restituição dos documentos,sob todos os seus apectos; não se pode traçar uma fronteira precisa entre °Irubalho gue gostaria de limitar-se à percepçãomais viva de seu objeto, (texto,dUlllll1cntos etc... ) e a interpretação que, não permanecendo nos dados assimronstntados, retoma-os para incluí-Ias num plano mais vasto. Para observar, nointerior de lima obra, correlações de formas, de imagens, de fatos estilísti-nl' ctc , .. é preciso, de maneira necessária,colocar-se fora de obra e submetê-11\1\ uma leitura cuidadosa; além disso, para enunciar os fatos observados, épreciso recorrer à linguagem descritiva de uma outra época (a nossa), e deuma outra categoria intelectual (a de nosso saber contemporâneo). Quantom.j~ nôs procuramos atingir as obras na configuração que têm "em si", mais1\6~desenvolvemosos laços que as fazem existir "para nós". Assim, as estru-lurll~ intrlnsecas só se tornam evidentes se aceitamos abordá-Ias de fora, ilumi-nandn as suas formas próprias com uma luz extrínseca, fazendo-lhes perguntaslJlle das estão longe de fazer elas próprias. A interpretação deve ser, assim,f inulmcnte reconhecida como aquilo que, logo de início, anima a escolha doohjeto c () trabalho de restituição; ela está presente até no desejo sincero de.atenllnr o papel do intérprete e de fazer justiça aos "fatos objetivos".

J'! o leitor-intérprete, na sua situação histórica particular, que prefere talIIl1m 11 tal outra, (Iue decide interessar-se por Bouget, por Lados, em vez deMnrrnontcl. 11 ainda o intérprete a quem cabe decidir se fará a sua investigação,0h,'C'11mp"t'ma, de um livro, ou da obra inteira do escritor; é o intérprete que to-Il1nr~ li pnrrido de tudo relacionar com a personalidade do autor, ou de atribuirIIml\ il1lportllncia maior à épocahistórica em que se inscreve a obra, ou ainda ao gê-ncorll lilt'fihi., de (Itll: essaconstitui lIm exemplo. Cada vez, o intérprete deve livre-mente lI~stlmir os seusriscos, escolhendo a categoria dos fatos, os termos de refe-r~n!'iil C'os pontos de comparaçãoque parecemadequados.Segundoasescolhasfei-IIU nntcriormcnr«, o trabalho de restituição muda de natureza, aplica-sea um outro,""terllll, II um outro espaço,a urn outro tempo. Cabe a nós estabelecera extensãoIln perl{llllta: a resposta, sem dúvida, cobrirá sempre a extensão do quadro que'lha houvermos atribuído. Isso não constitui, no entanto, uma justificação doIIrhil rúrio , J'l evidente gue todos os métodos de aproximação não se equivalem,e lluC ulguns permanecerão menos "fecundos" ou, menos "esdarecedores".' Aque' indírios reconhecemosnós que o campo explorado foí melhor dividido,que 11 confrontação e o relacionamento foram objeto de um grau maior de1'C!rtin~nria?Os critérios no assunto não são de fácil' formulação: se fossemfacilmente enunriâveis, não se registrariam tantos equívocos como se registram.Sempre que um intérprete nos parece ter conseguido o seu objetivo, a nossaIl&tI.(açno lhe é Rrata por ter chegado mais perto de uma totalidade, de nost'.r melhor feito ver os elementosque 11 compõem e as relaçõesque 11constituem,

A LITERATURA: O TEXTO E O SEU INTÉRPRETE 139

e de haver, ainda por cima, respeitado em seu objeto a parte reservada a outrasaproximações, a parte do que continua presentemente fora de alcance: tais sãoprovavelmente sinais os mais seguros de lima interpretação, bem empreendida,'luer dizer, de uma interpretação que soube escolher e .delimitar o objeto comfelicidade, que se aproximou dele por meio de uma restituição escrupulosa,e que desenvolve a seu propósito uma palavra ao mesmo tempo livre e con-vincente.

Uma tendência muito forte da crítica e da história literária inclina-se, háalgum anos, a atribuir uma importância predominante ao estudo do texto.Porque essa preferência? Eu seria tentado a crer que a interpretação - semdizê-Ia claramente - encontra no texto o objeto que melhor convém ao desen-volvimento completo de seu exercício: o texto deve ser escolhido, "restituído",comentado. O recurso ao texto é, portanto, a melhor maneira de evitar o riscoque apontamos,um pOllCOabstratamente,quando falamos na "fraqueza do obje-to". O texto é um objeto vigoroso; ele provoca, em resposta, de nossa parteuma resposta vigorosa, perfeitamente distinta e independente, mesmo se o nossodesejo é' de preencher a distância e de aproximar-nos daquilo que nos fala naobra. Um texto é uma totalidade relativamente limitada, cujos elementos cons-titutivos podem ser legitimamente relacionados uns com os outros: ele exigeassim uma análise interna cujos resultados, ainda que muito variáveis segundoos fatores e os níveis considerados, são sempre passíveis de um controle bas-tante preciso. Pois o texto tem direitos sobre o que se diz a seu respeito; elerepresenta, para o discurso interpretativo, um ponto de referência que é impos-sível abandonar. Quando o cita, o intérprete compromete-se a dedicar-lhe amais completa atenção. O recurso permanente do retorno ao texto permite aoleitor verificar se são justos a análise e o comentário. li fácil ver, segundo ocaso, que o texto não foi suficientemente observado, ou que, ao contrário, ele .foi mal interpretado ou excessivamente interpretado. Em qualquer momento,mediante uma atenta confrontação, será possível verificar se o que se querdizer do texto é autorizado por ele. Certamente, uma das correntes da modaatual permite ao "oomentador" improvisar livremente e dizer o que quiser arespeito de um texto; isso não impede que o texto, por mal tratado que tenhasido, guarde intacta a possibilidade de desmentir; basta, ainda uma vez, voltarao texto para saber onde começam as projeções, os fantasmas, as manipulaçõesarbitrárias do leitor abusivo. Porque, mesmo se o texto diz mais do que deixaperceber o seu sentido declarado, é preciso admitir que o grau de probabilidadedo sentido latente <jUC lhe é atribuído decrescerapidamente, na medida em queo leitor se distancia do sentido patente inscrito nas palavras e no, enunclados.

. A nnálise interna, tal como se pratica num estudo de texto, nlo lmpldt'qUI! se considerem os dados externos, Por um efeito que nlldA tem de rar.dn~xal, n e~colhRde um texto, ao.fn7.cr existirumn re,qillo intrfttextunl, dotormlna.1\0rnesmo tempo, A exi8l~ncill de um mundo que lhe ~ exterior, Nlnau.m poo

140 HISTóRIA: NOVAS ABORDAGENS

,lerá contentar-se em buscar a lei que reina no interior de um texto; explorandoo mundo interior, necessárioserá perceber todas as contribuções, todos os ecosexternos. Há uma incitação ao ir e vir .. A atençãoque se presta ao interior nosIrtl1. ao exterior. Pelo seu próprio feitio arbitrário, o caráter fechado do textotorna inevitável o movimento de abertura. É possível que a estrutura decifradamediante uma grande ampliação, no nível de uma articulação sintática, revele11 seu hornólogo em outro nível, não mais no texto de uma página isolada, masna escala de uma obra inteira, de um mundo imaginário, ou de um momento11;\ história: Esse movimento, com tudo o que tem de produtivo, só se tomapossível porque, para começar, a escolha do texto coloca-nos de posse de umiudicudor preciso, de um termo fixo de comparação, e obriga-nos a prestar111('n«;ão ao (Jue se passanos dois lados de um limite provisório.

A atração exercida pelo estudo dos textos compreende-se melhor, desde'Iue se pr\.:steatenção ao gênero de trabalho que dele mais difere, e que acres-1't'llllll'{l para nós o complemento de uma definição por contraste. Os textos pro-põem ao intérprete um objeto particular, único, especificado em sua forma ecom~C:lIS pormenores; por contraste, encontramos a reflexão especulativa que,sobre a base: de um material documentário mais ou menos extenso masMemprl' múlí iplo e disperso, pmcura definir entidades ou essências: Iitera-turn, poesia trágica., romantismo (e, bem entendido, classicismo)., , Vê-seentilo construir-se, em todas as peças, uma definição conceitual. Nessa cons-Irução, pressupõe-senaturalmente a experiência da leitura, mas ela é logo co-10l'llda ao serviço de uma elaboração teórica, em que o ensaísta ajeita umaidéil\ ou um modelo que declara aplicáveis a um conjunto muito amplo deClhril~ particularcs. Freqüentemente, nesse trabalho, o teórico se encerra numaromhinutóriu intelectual de que é o único proprietário: os exemplos a quen'mrr" limitam-se a algumas obras emblemáticas; algumas vezes, desapare-Irl11. O resultado será, ao mesmo tempo, sedutor e não verificável. A defini-~all proposta, em seu caráter geral, cobrirá um espaço excessivo, sem invalidar,1111 entunt«, uma definição concorrente. São termos de referência cuja utilidademede-se Ihluilo (llU: são capazes de nos fazer perceber nas próprias obras,H.NA utilidade - . confessemo-Ia - pode ser considerável, Nesse caso, a defi-nlç«o ronrcitual terá assumido o caráter de "instrumento interpretativo"; esseinNtrumcnto pode: ser modificado, tornado mais eficaz e mais independente,llJa aNã precioso para o intérprete, quando este voltar-se para o "objeto ainterprernr", (1Ut'"dizer, para o texto. A elaboração de conceitos-padrõese deronrcitos-inslrurncntos assumirá todo o seu sentido na medida em que, partindocln próprin da leitura, colocar os seus resultados à disposição de uma pesquisallllO os utiliza c tlUCos coloca à prova, confrontando-os com o texto. Sem taisLUnl'citos ~e:rais (ruja lista inclui o vocabulário descritivo da lingüística, da~rlll11a\tkn,da retórica antiga e moderna), a interpretação não terá armas; sem,nu entanto, o trabalho efetivo de uma ativa interpretação do texto, essescon-ceitos viveriam uma existência estéril e separada,na 'luaI nada distinguiria ash0l19chaves de interpretação <Ias más, todas se equivalendo enquanto não selU empregl1.

A LITERATURA: O TEXTO E O SEU INTÉRPRETE 141

A 'interpretação garante uma ,passageme uma integridade

A acreditarmos nos historiadores da língua, a palavra interpres, em suaorigem, designa aquele que é intermediário em uma transação,aquele cujos bonsofícios são necessá:iospara 9ue um objeto passede mão em mão, mediante pa-gamento do preço Justo. O mterpres garante, portanto, urna passagem;ao mesmotempo, assegura o reconhecimento do valor exato de objeto transacionado econtribui para a transmissão de maneira a constatar que o objeto chegou, emsua integridade, às mãos do adquirente.

. Na ordem verbal, mesmo quando não passa de um simples tradutor,ainda aí. o intérprete é o agente de uma passagem (de uma a outra língua), eresponsávelpela integridade de uma mensagem que não deve sofrer, em prin-cípio, qualquer alteração.

Quando, em outro momento, o intérprete se vê confiar o trabalho de umaleitura alegórica, novamente intervém a passagem:ela aparece como um deslo-camento,no interior da mesma língua, de uma mensagemformulada num códigoconsiderado metafórico a uma mensagem formulada num código consideradocomo o veículo do sentido próprio. O intérprete executa essa"transcodificação",ele se encarrega de substituir um contexto léxico por um outro; ele coloca, emlugar das palavras do texto, outras palavras (ou grupos de palavras), de formaque a mensagem inicial, embora conservando a sua sintaxe, o seu movimento, asua organização próprios, assumeum segundo sentido: é o outro sentido de ummesmo texto, e é o outro texto de um mesmo sentido. Ainda aqui, o intér-prete garante uma persistência e uma integridade, enquanto executa uma pas-sagem. Nesse caso, no entanto, o intérprete presta uma contribuição própria,ainda que não pretenda fazer mais do que uma decifração. Na realidade, eleé, em grande parte, o produtor daquilo que descobre no texto, uma vez queescolhe, conforme as suas necessidadesintelectuais e as necessidadesde suaépoca, o código em que inscreverá o "sentido próprio", Saberno-Io,com efeito:é freqüentemente o desnível e o distanciamento históricos que tornam neces-sários, como foi o caso para Homero e para a Escritura, a intervenção inter-pretativa e o ajustamento alegórico. A passagemno caso, não visa somente aalcançar um destinatário estrangeiro, ou um outro nível de sentido; ela implicauma dimensão temporal, O destinatário estrangeiro é um homem de outraépoca; o segundo nível de sentido enuncia-se segundo uma linguagem, umamoral, um sistema de valores adequados às exigências de um presente outro,diferente, O intérprete procura então anular o efeito da distância, ele trans-porta a obra da margem distante de que é originária para a margem onde nasce.0 discurso interpretativo, em sua relação atual com os seus destinatários. Emnossos dias (será necessário dizê-Io P) a interpretação toma um asperto mni~total; da não se limita mais a uma tradução ou à passagemde um pnrn outrocódigo. li um ato de conhecimento. Designa-se, sob o seu nome, n Romll deJodos os atos diri~ido~ I\I(l objeto.. ConstatemosCJl1eda tem sempre 11 prcO('Up••ção de preservar uma integridade: é o motivo pelo. qual todll interrrot.~.o ('"m.pleta pre~NupOeurnn ntividnde de re~titlljçilo, umn vontade de ulvllllullrdar •integridndo do texto original." fuo não exclui (lua (J objeto " ••1m rOltlt\lldD •

HISTÓRIA: NOVAS ABORDAGENS

lUA identidade mais forte seja enriquecido por uma palavra nova, que o chama'A seu nível, que o carrega e o faz participar em seu próprio movimento. Entreo momento de escolha do objeto a interpretar e o momento, sempre provisório,em que termina a obra de interpretação, a transição feita não apenaspossui todos05 curactercrcs que já assinalamosna tradução e na alegoria, mas faz ingressaro resultado no discurso do conhecimento. Não se trata de uma simples "assimi-lação"; é uma metamorfose completa: o objeto a interpretar foi acrescidode todaR contribuição da atividade interpretativa.

Quando o intérprete debruça-sesobre os textos e os interroga, a primeirarcsposta é a emergência, em evidência mais clara, de uma forma mais freqüenteou mais imperiosa: disposição arquitetural, perspectiva narrativa, categorias delrnagens, procedimentos habituais, homologias entre doutrinas professadas econstantes estilísticas etc. .. ~ possível que varie, do conjunto aos pormenores,• ordem de grandeza da forma percebida, e o seu lugar entre os elementos queconstituem o tcxto , Em qualquer caso, a resposta só será plenamente resposta,,! eSSA forma for lida em sua inteira significação, segundo tudo o que ela temo poder de designar. Transparece nela um sentido, que, juntamente, evoca on.)I'o reconhecimento (porque estava presente antes de nossa leitura ou inter-l,retAçj[o) e a nossa livre reflexão (porque, para revelar-se inteiramente, requerum complemento de significação que deve vir do leitor atento). O objeto ainterpretar e o discurso que o interpreta, se são adequados, ligam-se para nãomAis ~e deixar. Formam um novo ser, composto por uma dupla substância. Nósno~ npropriumos do objeto, mas também é possível dizer que ele nos atrai, que1101 ntrai n sua presença aumentada e tornada mais evidente. O objeto compre-endido pertence a essaparte do mundo que podemos considerar nossa: nós nelevoltnmon n encontrar-nos. O paradoxo que transpareceé que, ao mesmo tempot\ua recebe confirmação de sua existência independente, o objeto devidamenteinterpretado passaa fazer também parte de nosso discurso interpretativo, torna-

. lIe um dos instrumentos com a ajuda dos quais podemos procurar compreender,1111 mesmo tempo, outros objetos e a nossa relação com os mesmos. A compre-onl«o mohiliza os objetos, sem tirá-Ias do lugar: uma vez nomeados segundoI) .entitlo l1ue nos fizeram perceber, eles chegam, por sua vez, ao poder denomenr o

JnNi~ti.muitas vezes, sobre a escolha que o nosso interesse executa,visandoA 'OUN objetos. Parecia que éramos os senhores absolutos de tal escolha.A noun liberdade, no entanto, não se separa dos instrumentos e da língua deque tlill'lIc o II tosses.instrumentos, essa linguagem, vieram-lhe do passado, deumn histÓrin: A história de nossa própria atividade, que se liga à história dosobjeton '1ue outros interpretaram antes de nós e que, a partir de então, ocupamIURArentre os recursosde nosso saber. Eis, portanto, que a história nos alcança.um" vez mais. Quando, hoje, mesmo, voltamo-nos-para os nossos horizontes(pClr exemplo: a literatura; que queremos inventar, a crítica, '1ue desejamosmelho( definir), quando escolhemos os nossos objetos, quando procuramosapreende.los~om uma ciência m~is viva e mai~ alegre,.não podemos fazer maisáo que perrmtem os nossos meioso Essesmeios - linguagem e pensamento,conceito. e métodos - que siio eles? São "objetos" do passado, que se torna-nlfam nOllo. atrav~s da interl'rc:tnçilo dos que nos precederam, e de que:somos

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hoje os herdeiros mais ou menos satisfeitos. Por maior que seja a liberdadecom que pretendemos escolher os nossos objetos e os nossos métodos, s~ .0

podemos fazer recorrendo à linguagem e aos instrumentos que nos .transm~tJ~a história. Cabe-nos preservá-Ios, na medida em que queremos contl.nuar CIVI-

lizados; cabe-nos também aperfeiçoá-Ias, na medida em que acreditamos najustificação do progresso.

A arte

HENRI ZERNER

A IllsTónlA da arte, o discurso sobre a arte, está preso, para não dizer'111t' ('sl{1 romprimido, entre a história e a crítica. Empírica e positivista, ahiNt,'II'i;JIradicional da arte mostra-se extremamente desconfiada para com todatC'nriu t' mesmo para com toda interpretação aprofundada das obras. A crítica,por N('II lado, toma quase sempre como postulado que aquilo que procura defi-nir, ihuninar na obra, o que faz com que ela seja obra de arte, escapaao tem-po e, em conseqüência, à história. Já se afirmou, no entanto, já se demonstrou,NNin ('11 tentado a dizer, .que uma reflexão bem fundamentada sobre aurre, lima "ciência" .da arte teria que ser, ao mesmo tempo, histórica e teórica'.

Um outro obstáculo consiste em que a crítica choca-se,logo de princípio,contra o (ato de:que '0 visível não se pode dizer, não se reduz a um discurso.I!NNil di Iiruldade, (jue:pode parecer insuperável, constitui, na verdade, o interessedu hist{,ria da arte. Os filósofos, os psicólogos, os etnólogos vêem na arte o mode-Ju de. lIlll meio de expressão não verbal, e - por motivos que não podemosprocurar clucidar aqui -- as artes plásticas ocupam, a esserespeito e hoje emdiA, o lugur que a música ocupava na estética romântica. A história da arte.no entanto, que há meio século sofre de uma profunda estagnaçãoteórica, nãote encontra crncondição de responder ns perguntas que lhe são feitas.

A ARTE 145

A história tradicional da arte continua, entretanto, a funcionar, Com umaatividade particular na França e na Inglaterra, ela renovou as suas técnicas.Ela quer ser restituição do passado artístico, e soube definir o seu objetivo:fazer o inventário das obras, estabelecer a biografia dos artistas, decifrar 3

autoria e a data das obras a partir de sinais exteriores (assinaturas, documentosde arquivos, tradições antigas etc, .. ), dizer a data e a autoria mediante oestilo a partir dos dados exteriores, e, enfim, reconstituir, pelo estudo dos textos,a maneira pela qual as obras foram vistas e foram compreendidas.

São impressionantes os resultados dessahistória da arte: ela descobre, res-taura, salva, O museu e as exposições oferecem-lhe um espetacular campo deação, "La Tour é o triunfo da história da arte e a sua justificação", pôde es-crever JacquesThuillier num catálogo de exposição que serviu como um verda-deiro manifesto>. La Tour, com efeito, inteiramente esquecido durante doisséculos, e mais, não é uma conquista insignificante. Poderíamos citar muitasoutras conquistas, transformações de museus, grandes exposições acompanhadasde monumentais catálogos, exposiçõesque se multiplicam na França e na Itália.

Por que não se contentar com uma disciplina que se mostra tão eficaz?Se ela encara com reticência a. interpretação, não é melhor deixar que as obrasse exprimam livremente? De fato, o que se censura a esseempirismo não é asua desconfiança, mas sua ingenuidade, real ou fingida; o que se lhe censuraé que ele traz, de maneira sub-reptícia, uma interpretação, um sistema de va-lores, uma ideologia. A forma pela qual essa escola se exprime com maiorprazer, porque parece a mais inocente, é o catálogo, e essa forma não escapaà mesmacrítica: a classificaçãoque propõe - por artista, por escolasnacionaisou regionais, por gênero -, a seleção de informações que fornece, inclusivedaquilo que motiva '0 catálogo, implicam uma concepçãoprecisa da arte e umainterpretação.

Essaconcepçãotem uma história que vem do Renascimento.Ela tomou for-ma na própria arte, mas projetando, também, um discurso teórico e histórico>,DesdeVasari até os teóricos da arte pela arte e mesmoalém deles,uma corrente deidéias quer isolar a arte dos outros aspectosda vida, Trata-se, sem dúvida, de umdesejo, de um ideal que a realidade da arte, da sua história e da sua críticaultrapassa constantemente, Assim mesmo está constantemente implícito na his-tória da arte, na história tradicional, a qual, em seus fundamentos, nada mudoudesde Vasari. Para isolar a arte, para conferir-lhe o seu caráter específico,imginou-se um sistema em que a arte colocava os seus problemas propriamenteartísticos. Adolph Hildebrand- deu a essa idéia uma forma muito elaborada,ligando expressamenteo problema artístico ao caráter não histórico da arte.A repercussão de sua obra na história da arte nada tem de surpreendente.~ uma obra que se apóia em fundamentos idealistas algumas vezes mal escon-didos: a arte, em si, independentemente do tempo só tem história pela contin-gência de seu envóltório físico e de seus procedimentos.

Assim, durante quasecinco séculos, a arte definiu-se no mesmo temflo que~sefazia, deu realidade; a suas reivindicações de autonomia, e A hist6riA élA Irtaà arte ~e nliou. Vnsnri' empresta l\ sua obra um eS'lucmA blolôglco: nllclmonto(ou renascimento), . juventude c maturidade dn arte, em t'r~. IlrAnd •• otlpll,aendo A 6Jtlml em dAtA CAtAderixadA pelo domínio do c.tUa (tlmanl"I"), •

t, j

.)

f

146 HISTóRIA: NOVAS ABORDAGENS

partir de Leonardo. É essa, em resumo, 'em suas grandes linhas, a história da'definição da arte, do aperfeiçoamento cada vez mais preciso de seu sistema.Aquém disso, para Vasari, a história da arte é a história dos artistas, corno osl'rh para Charles Blanc, e como o é ainda. "Os olhos grandes míopes de Vouet,

~II:\ boca sensual, os traços de Poussin, esculpidos de uma maneira sólida emsun Iisionornia, a cabeça de camponês hirsuto de Claude larrain: presenças,necessárias à compreensão de sua obra, necessárias à arte francesa">. A biografia

é cxpliração "necessária à compreensão". Mesmo a arte nacional justifica-se por

intermédio do indivíduo; a arte francesa é a arte feita por artistas franceses,devendo-seadmitir que esses indivíduos possuem traços nacionais mais ou menosfixos, de ordem espiritual, como a clareza ou o equilíbrio do espírito francês,

trnço» (11Iese expressarão por certa forma da arte como uma "paleta francesa?".

O:: esforços concentraram-se assim na atribuição. A história da arte incor-porem a ciência dos connaisseurs, a qual, até o meio do século XIX, havia

permanecido independente e transmitia-se oralmente. Ela deu tratamento siste-1111\1iro a suas técnicas de atribuição, e submeteu o olho a um treinamento extra-ordinariamente especializado. Essa insistência obsessiva com a "mão", essa ne-cC'uidadc de descobrir o artista atrás da obra impõe uma interpretação. ~ difícil

I »mprccndcr isso, enquanto se permanece no domínio da arte que a fez nascer,o lluC just i fica parcialmente a sua prática. Ela mostra-se bem no que é, quando,por exemplo, disseca-se a Transfigllração de Rafael em pequenos pedaços oupcdll\'o:: executados pelos diferentes membros da oficina do mestre.

Mostrar-se-ia facilmente que a teoria implícita na história tradicional daarte não é coerente. A ideologia artística que transmite é, no entanto, bem de-finidll em seu centro: a arte é coisa de inspiração individual, de inspiração, de

.~~nio. A arte é um mundo em si, com as suas leis, bastante flexíveis parapermitir as mudanças de gosto; bastante precisas para separar, entre as formasIrilldlls () IlllC é arte, do que não é. Uma tal concepção faz da arte o privi-l~,Ilio de uma sociedade bem determinada. Pensa-se em Ruskin, o qual afirmavaIluO é npt'll:ts no Ocidente cristão que "existe uma arte antiga pura e preciosa,pui" 11~(J h{l nenhuma arte assim na América, nenhuma na Ásia, nenhuma na'«rkn" .

A partir de Hegel, no entanto, alguns conceberam a arte como uma ativi-IIItdc pl'ópri;l da humanidade, postulando que o homem era naturalmente pro-

dutor de arte, como é, naturalmente, falante. A partir daí são outros os pro-blemll~ <1110tem que enfrentar a História da arte. Foi novamente posto em

t,lue~tno o sistema de valores elaborado durante vários séculos. Foi-se obrigadoA tomar em consideração o ornamento como uma das formas importantes danrtl', uma vez que muitas sociedades não conhecem outra forma. No fim do"c!culo passado, Alois Riegl teve a audácia de explorar todas as conseqüênciasdessn idéia, de negar, pelo menos em teoria, qualquer sistema normativo dosvalores, de denunciar a noção de decadência, de renunciar à segregação entre a"arllnde arte" e as artes ditas menores",

Foi a propósito da arte "industrial" da "baixa" antigüidade que ele soubemostrar que, onde não se via mais do que uma degencrescência da tradiçãoareco·romll!1a. novos valores apareciam, o ponto de partida de um novo dcsen-

A ARTE 147

-volvirnento , ]j claro que não foi uma simples coincidência o fato de que essa-iniciativa de Riegl ocorreu no momento preciso em que a arte punha seriamente.ern dúvida o sistema dominante".

A história da arte assim aumentada não podia ser mais uma crônica dos.acontecimentos artísticos. Em falta de um sistema estabelecido de valores (oumesmo de um sistema a estabelecer, uma vez que é isso, com efeito, que propõe

.a história tradicional da arte) era necessário ordenar, de maneira inteligível, amassa de fenômenos. Contra o determinismo materialista de Semper e de seusalunos, que viam na técnica a causa do estilo, Riegl afirmou de maneira cate-górica a liberdade de uma arte não determinada. Ao contrário de Claude Ber-nard, ele pretendeu substituir o "como" pelo "porque", e erguer, sobre essa

.base mesma, o caráter científico de seu método. No centro de seu pensamento,encontra-se o conceito de Kanstu/olien, termo difícil e que se pode diferente-mente traduzir por vontade, querer, ou mesmo intencionalidade artística. O termoserve antes de tudo para mostrar que a arte não é determinada por fatores =-riores, mas é motivada e dirigida a partir do interior, explicando-se as an~loglas.corn outros fenômenos mediante ligações comuns com uma ordem supenor deconsiderações, mas tornando bem preciso que as outras séries de fenômenos(sociais religiosos etc ... ) são estritamente paralelos-v. Esboça-se assim umahistória interna da arte, em oposição aos sistemas que fazem da arte um reflexo.

Mas, se a história da arte deve ser a história de um Kunstu/ollen, que se-deve entender por isso? Riegl não é explíci~o. Os seus discípulos mais. pró-ximos dedicaram-se à análise das estruturas internas das obras que expnmema estrutura do mundo tal como a "quer" a arte estudada; essa escola de análise

-estrutural é muito importante na Alemanha, onde conhece uma renovação-".Panofsky propôs uma explicitação que pode12 ainda servir de ponto de par~ida

para uma história da arte. Ele quer despir o c~mcei~o de to~o conteúdo p~ICO-'lógico (ao contrário do que, por exemplo, havia feito Wornnger). Para .ISS<:'-ele critica três interpretações: a primeira identifica o KUl1stw.olI~ll. à vontade I?dl-vidual do artista; a segunda, liga o Kunstu/ollen à vontade individual do artl~ta;a segunda, liga o Kunsttoollen à psicologia de uma época como vontade coletiva,consciente ou inconsciente'": a terceira, enfim, pretende atingir o Kunstioollenpela experiência estética do espectador atual e "acredita poder definir a tendên-cia que se exprime na obra a partir das reações que suscita em nós, quando aolhamos". Panofsky define o Kunstuiollen como o "sentido objetivo imanente"dos fenômenos; a história da arte será a história da significação da arte.

Como, então, atingir essa significação? Eis colocada, com uma urgência agora-cxtrerna, a questão da interpretação, condição tornada necessária da história daarte.

Antes deexaminar as vias que se abrem hoje em dia o. umn interprctlçlo,.gostaria de evocar o problema do. passRAem que se faz freqUentemente d. Intlr.pretação o. explicnçito ,T~m·se o c,ostume de ~~simill\r ° sentido e a ~'nOlI d.obra; 0\1, se o preferirem, de ,pro)etllr o sentido na ~~eae, de conlldel'lr qUIúm estA no out~,a o principio da explicAçllo bio~r'flclI que lup8, qUI I vida

148 HISTÓRIA: NOVAS ABORDAGENS

ti", autor explica a obra. Da mesmamaneira, uma visão determinada vê na obra() rt"fft-x~ d.asociedadeque .a criou. Os estudos que se pretendem marxistas _li lIlIC nao Implica que o sepm14 reduzem-se,o mais das vezes, como a obra deAnlal sobre o Renascimentoitaliano, a um estudo da instituição do rnecenato-".() fl"IIC>l~leiloOartístico determina-se,então, por uma classeou um grupo social que,~lIh~trt~l,o ~1rtlstano seu papel de criador. Enfim, é sempre tentador procurara sl~nlflraçao da arte em o~tra parte do que nas obras, por exemplo, na litera-rura, 11;1Vida sO~lalou religiosa da época, fundando-se no postulado da coerênciada cultura. Assim, procurar-se-ána Deuotia moderna o sentido da pintura fla-11Il'llJ,:a, e (I sentido de certos quadros de Rafael no Oratorio dei Divino Amore .Não se deve abandonar a possibilidade de ligações: há constantemente influên-lia de um a outro domínio. Trata-se, no entanto, de fenômenos circunscritos e'Itil: Sl~ referem à gêneseda obra, gênese que o intérprete levará em conta, mas'pie ',I;hJ pode, de qual~ue~ ~a?eira,. fazer as vezes de interpretação. Se, ao111111rurro, cxrstc uma coincidência mais ou menos feliz e sugestiva entre duas~él'i,l':lparalelas de fenômenos, não se imporá por isso o sentido de uma a outra.() "1~('l'pn:te~Ie:,erá,en~ão,.na linh~ de Riegl, convencer-seda idéia de que anrtc l: 11111;1atividade pnrnerra, que Impõe uma ordem ao mundo.

Apenas os métodos e as técnicas de interpretação permitem atingir o sen-IIdo. ~sslln deve compreender-seo desenvolvimento de Panofsky. Ele procurouaperfeiçoar um método de interpretação, de leitura, limitado aos temas artísticos(! vdli.dwl apen~spara.o.Oc~dentecristão. A sua ambição é o nível "iconológico",ou sejn, o sentido_ob)etlv? rmanenrew. Tendo os seusdiscípulos perdido de vistaII~ Nuasprcocupaçoesteóf1~as?preocupaçõesque ele próprio parece ter progressi-vumcnte abandonado, a disciplina que estabeleceutransformou-se numa técnicaisolndn de decifração. A. própria ambição do nível iconológico é geralmente posta

. ele lndll v, o que é rnars grave, a decifração iconográfica ocupa muitas vezes o11IRnr do sentido.

Jlnr,il1'C'I,lOvar.os seus méto~os, a história da arte encontra no pensamento11111111dOl.spr~nClP:llsmod<:losde interpretação e de análise: a lingüística estruturale n "'!lU,S,' I rC,I~dlana.Digarno-Io imediatamente: não é porque essasdisciplinaspnrC'1eru p,'lIlact'las'1uese d~ve recorrer a elas,maspor motivos específicos.Juntas,ClIM runsuruem, hoje em dia, a base mais satisfatória para uma teoria da repre-.t'nlnç~n, '

, ,Se dr-vc I~averlima semiologia, ou seja, uma ciência ou um estudo geral dosIIlnnl~, parcccl'la -(e sempre se supôs) que a arte faria parte de tal semiologia.1'1 mesmo surpreendente que não se tenha desenvolvido mais uma semiologia ,daarte, qunrulo (l modelo da lingüística mostra-setão fecundo em outros domínios.))(! re~~o,desde o SéCll~OXI~, el1~MoreIli e em Wolflin, quer dizer naquelesllua qurseram, de maneira muito diferente, mas aparentada, estabelecero estudoI n,llrtc corno ('i~ncia17,a idéia de tratar a arte como uma linguagem é uma verda-dt'lrI\ oh~t'~siio. Mos da não segue adiante. Ora, a análise glle, justamente nomesmo momento, Saussurcpreparava, permite cluridnr aquilo com que se choca1\ nnl\lHItÍlI' entre n~ nrtes rld~tirn~ e n, lingungem: enquanto se pode tratar os

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A ARTE 149

sinais verbais como se fossem inteiramente arbitrários, fundados apenasna con-venção, os sinais da arte são, pelo menos parcialmente, naturais, sustentadosporuma relação de analogiaw. 13 essapossibilidade de estudar a linguagem fora dequalquer motivação do sentido que permite a Saussurepropor, ao menos comohipótese de trabalho, um estudo estritamente sincrônico da linguagem e opor alíngua, quer dizer um sistema de valores, à palavra que é a execuçãodo sistemanum discurso singular. Se a arte pode ser uma espécie de linguagem, não háuma língua da arte.

A construção de uma semiologia da arte encontra ainda uma dificuldademaior: a distinção de unidades de análise. As tentativas semiológicas têm ten-dência li. tomar as unidades de análise no sentido figurado, como o fazia Morelliquando isolava a mão ou a orelha como unidades formais. No mesmo momento,prende-se a atenção ao assunto, e se reproduz, embora de um diferente pontode vista, as pesguisas iconográficas. Ao contrário do que se poderia esperar,depois de várias dezenasde anos em que a crítica de arte concentrou-sena formacomo o seu domínio privilegiado, a história da arte sofre de uma notável carên-cia de termos e técnicas para a análise formal.

A lingüística beneficiava-se aqui de uma vantagem enorme: a transcriçãográfica e111 que consiste a escritura fonética implica uma análise aprofundada da~;agua. Assim considerado, o estudo da gravura poderia ser útil'" , Seria neces-sário chegar a comprender o que transmite a estampados originais que reproduz,e como chega a essatransmissão; como, por exemplo, foi possível, sob a direçãode Rubens, chegar a um método de branco-e-preto capaz de propiciar equiva-lentes da cor, mediante a variação da textura gráfica para uma mesma intensidadeluminosa. Isso ajudaria, talvez, a distinguir o que na cor é sistema de oposi-ções,c o que é gama de tons.

É justamente por essesaspectossistemáticosque a arte prestar-se-áà semio-[0gia. Se não é possível estabelecerum código da arte (para uma época deter-minada, seja entendido), há sem dúvida, códigos parciais: num croquis, umafigura desenhadaem silhueta não é compreendida como uma escultura feita comfio de ferro; um tapete persa é "lido" como um campo dividido em diversasregiões, umas se opondo às outras, com regras de distribuição dos motivos quesão, eles próprios, freqüentemente, quase "pictogramas". Uma das tarefas, e,talvez, a tarefa mais urgente de uma semiologia da arte, consiste em estabeleceros limites e as relações entre o que é convencional e 00 que é natural.

O caminho é indicado por Meyer Schapiro, que se dedicou a alguns aspectosFundamentaisw. Ele mostra que a superfície plana e lisa, os limites do campopictural, a moldura, são aquisições culturais cuja história é possível retraçar:mostra que a esseselementos ligam-se significações convencionais que podemvariar (a superfície pode ser compreendida como um fundo ou como uma trans-parência para um espaço fictício). As diversas partes do campo (a direita, aesquerda, o alto c o baixo) também são suscetíveis de conter significações.

Schapiro observa (lue certos traços são de muito f:h:il deC'Í(ra~'ii(),mesmopara um cspertndor <lllCconhece mal o c6di~o, mas lllle não deixnm \\()r iAAO

de ser convencinnnis, T! lima observação útil para que se compreenda n t'ondiçln;o estatuto di' per:cp('rl'iVII, que, de mnneirn muito inespcrudu, Sl'hApirn ('onlidorllnatural, enquanto Itlgunl, NohreluJu Pierre l,'rnnrllltc:l. inli.tirnm lubr. a lua

rir

150 HISTÓRIA: NOVAS ABORDAGENS

natureza convencional de código'" . Voltemo-nos um instante para essa observa-ção clássica: se temos duas figuras de grandeza desigual numa imagem, umapt'tluena e uma grande, o sentido será completamente diferente desde que setrate de uma obra medieval, ou de uma representaçãoem perspectiva. Obser-var-sc-á que o sistemamedieval que proporciona o tamanho à importância pare-ce-nos muito mais convencional; mas ele também tem um fundamento natural,uma vez que não se encontra nunca, e que se imagina com dificuldade, o sistemainverso, em 'lue a importância seria proporcional à pe'luenez. A análise semio-lógica não poderá es'luecer, por outro lado, que a representaçãoem perspectivanâo exclui a ligação entre a importância e o tamanho, mas o submete a umcódigo mais forte. Não 'luero falar das representaçõeshíbridas como as 'luediscutiu Francastel, mas do fato de que os artistas que dominaram inteiramentea perspectiva fizeram arranjos nos quais o objeto mais importante ocupa umgrande espaçona superfície do quadro. Essemétodo é o suficientemente geralc convencional para 'lue a sua não-aplicação,por exemplo, nos quadros fIamen-~()S do século XVI, nos quais o santo é uma figura pe'luena no fundo de umapaisagem, cause um efeito desejado de surpresa e de "natural". Ainda nesseruso, no entanto, o artista respeita a regra da centralidade, em oposição à damarginalidade.

Convém ainda considerar o papel do conteúdo expressivo. Será'lue as coresI~m um natural ·efeito expressivo? Será 'lue amarelo repercute e que o azul é(rio? Será tlue a horizontal e a vertical têm um valor fixo, ligado, por exemplo,A~ experiências universais das posições deitada e em pé? A resposta é prova-vclmentc afirmativa, mas esses valores são muito rapidamente absorvidos ouucurralizados pelo sistema da arte. De uma maneira geral, mesmo quando os~t'IIS aspectossistemáticossão particularmente acentuados,a arte confere às con-Vt'll~Õt':1lima aparência de motivação, graças ao princípio da analogia; enquantoI' ('ollvt'n~'ii()afeta os setores em que a arte parece o mais "natural", como nos1I'II'IlICS(lllC enganam a vista.

Fnf'im, desde t]ue se espere chegar a resultadosúteis, será necessárioencarar1(1)1'(''I"C Icoria do sinal deverá estabelecer-seuma semiologia da arte. A teoriade Pcirn~:l" tem a vantagem de afastar a referência( quer dizer, a relação com11111111111,(,exterior) da definição do sinal. O próprio sentido do sinal apareceIIn~a It'(,ria como um sinal. Estabelece-seassim uma cadeia limitada de sinais,Por exemplo, () sentido da palavra árvore não será ligado a uma árvore ou a,\rvorl'~ da natureza, ou a uma imagem mental da árvore, mas a um outro sinal,mnlO 41 cnuncindo de uma definição, com remissãoa outros enunciados. O sinal11'1I1.implfcilo todo o sistema que o suporta>.

I Imn tal concepçãodo sentido do sinal pode também ajudar a encarar oarrunjo em discurso, 'lue é o principal dever da interpretação da arte. E aquilluc intervém Frcud.

. '0 uso quc a cxeaese da arte pode fazer do ensino freudiano complica-sellOgulnrmente por causa do fato de que o próprio Freud escreveusobre a arte.Um particular, um longo debate cerca o texto célebre sobre Leonardo da Vinci.Preud havia fundamentado a sua análise sobre certos dados falsos, e as suaswnclusões biogr6.ficas foram, ao menos em parte, contrariadas por documentos

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A ARTE 151

de arquivos=. Travou-se a controvérsia, sobretudo, quanto à validade tios resul-tados de Freud, validade que alguns defenderam contra toda a verossimilhança.

Na realidade, o problema não está onde foi colocado. Trata-se para lrcud,sobretudo, de uma psicanálise retrospectiva, através das obras'". Um trabalhodessa nautreza pode, em parte, iluminar a gênese das obras, na precisa medidaem que essa gênese depende do psiquismo individual. Freud, é verdade, nãoabandona a ambição de assim explicar o sentido ou o efeito das obras. Parti-cularmente, seria o sorriso da mãe, novamente encontrado, que conferiria umpoder estranho à Gioconda. Encontra-se aqui um "intersubjetivismo" 'lue nãose deve necessariamenteexcluir dos mecanismos da percepção da arte, mas quedificilmente poderia servir de base à interpretação.

A verdadeira pergunta seria a seguinte: será que uma análise como a quepropõe Freud em seu Leonardo, muito bem conduzida, passa através da obra,sem afetá-Ia, ou ilumina, ainda que parcialmente, o seu sentido objetivo? Quando~e reconstituern as cristalizações e os deslocamentos a que são submetidos os,Impulsos de origem biológica, quando se sobe por essacadeia simbólica em queo desejo é sublimado, será que se descobrem significações suficientemente vin-culadas à obra que delas resulta? Será que essassignificações entram com osoutros conteúdos (formal, religioso, moral etcv . . ) numa relação de ação recí-proca para formar aquilo que me desculparão chamar de uma estrutura semân-tica? A resposta não poderá ser simples. Um ensaio de Schapiro sobre "Asmaçãs de Cezannew" mostra a que ponta a carga emocional e as conotaçõeseróticas estão, por assim dizer, institucionalizadas, tanto pelas referências inter-nas entre as obras do artista, como pelo contexto de uma tradição artística ecultural mais ampla. Um estudo de Leo Steinberg sobre a Pietà de Michelan-gelo27na Catedral de Florença também permite pensar 'lue um tema erótico-místico tradicional liga-se nessaobra, intimamente, a preocupaçõesindividuais,e que a projeção pessoal inscreve-se na obra e em sua mutilação final peloescultor.

Os próprios artistas sentiram muito bem o que a teoria de Freud, e, emparticular, a interpretação dos sonhos, podia representar para eles. Freud, noentanto, sempre conservador e tradicionalista, condenou violentamente a artemoderna, tanto expressionista como surrealista, que se orgulhava de seu ensina-~e?to. Além disso, na Interpretação dos sonhos, e, portanto, desde 1900, Freudil"lS1~teno fato de que o sonho não tem valor como composição, não tem coe-rencra como obra de arte, como se houvessesentido o problema e querido fechara porta que abria28 Rorschachw, ao contrário, filho de pintor, ao corrente daarte moderna, sentiu o valor artístico das manchasde seu teste. Indicou, mesmo,que para a eficácia do teste era necessáriamanter uma certa coerência estética,conservando-se,bem entendido, um máximo de indeterminação figurativa.

Freud, no entanto, dá-nos, ele próprio, as razões que permitem esperar al-guma coisa de sua Traumdeutnng para uma exegese da arte, observando 'fue a

. "c,e~Rdo sonho" é. um mundo de imagens em oposição ao discurso. e 'fue aatividade mental que se desenrola nl é di ferente do pensamento discursivo,Conceder-se-é facilmente, .além di~~o. c)ue 08 imnlten5 da arte têm um conteúdomuito rico, nl\n t~m ums ~illllifi'II\'mCl, mll~ vdril1~8illnifirnç/'lC'N.em vdrioN nfvel".Piiren'o l'0rhll1l0, Ipllf.llmo trlllllt A Ilhrn ele nrte' romo um Alinho ou um (_nt••ml.

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.152 HISTóRIA: NOVAS ABORDAGENS

o l]UCFreud oferece é o modelo da articulação em discurso de um sentido queprolifera c nunca se esgota inteiramente. Essa proliferação faz-se por desloca-mentos do sentido, deslocamentosque agem na imagem, tomando-se o que ésignificado significante num movimento que só se pode parar de maneira arbi-trária. Isso não nos surpreende nem nos inquieta, porque a natureza analógica

. do sinal de arte coloca-o, imediatamente, numa cadeia metafórica sempre des-locável . .

Em Frcud, a interpretação é controlada, parcialmente, pela coerência dopsiquismo do sonhador. li possível, no entanto, servir-se do modelo de inter-prctnção sem limitar-se aos conteúdos psicológicos, sem encarar a interpretaçãocomo lima decifração da psicologia do artista através das obras, mas como umaexploração dos sentidos possíveis,a partir da obraê?. Supor-se-àque os conteúdosproliferam, então, indefinidamente, sem jamais esgotar-se,no interior, no entanto,de (l'rtos limites sem os quais o sentido perder-se-ia numa completa indetermi-nação. Pode-se admitir a priori que a estrutura da obra é própria a regular o

jogo do sentido.Três fatores podem definir o campo da significação: o produtor, o Intér-

prete, a cultura. Voltemos, por um momento, ao teste de Rorschach. li claroIllI!: a estratégia consiste aqui em eliminar, na medida do possível, dois dos fato-rcs indicados· para que a interpretação pertença o mais possível ao intérprete.Indica-se bem à pessoaque é sujeita ao teste o fato de que se trata de imagensfortuitas. No entanto, as interpretaçõesprendem-se à imagem, para o intérprete(do llul' resultam as brincadeiras sobre pacientes que, tendo visto obscenidadesnus manchas do teste, pedem para levá-Ias, a fim de mostrá-Ias aos amigos).Por outro lado, essasinterpretações podem comunicar-se mais ou menos: nãollucro dizer somente que a pessoa sujeita ao teste as exprime verbalmente demnnciru inteligível, mas que aquele que a escutapode "ver" na mancha aquilo1111l:(I paciente indica, segundo o grau mais ou menos grande de analogia visual('111re os fantasmas projetados e os signos gráficos.

Será lllle as imagens de Rorschachteriam um sentido imanente? Sem dúvida,IUI medid« em que o cultural e o social penetram em toda a parte. Poder-se-iam()~1rar (llIl' essasmanchas entram no campo da história da arte, que elas per·tenrem ;l uma tradição bem definida de produção de imagense- . Quanto aointérprete, não se aproxima delas apenas com o seu psiquismo, mas com umequipamento, interiorizado mas aprendido, de decifração?". De um lado, asmnnrhas do teste pertencem, de fato, ao mundo da cultura, por seu modo deprmllU,:ão;pol' outro, a partir do momento em que são propostasa um intérprete,elas pertencem, como a arte e como o fantasma, ao domínio da representação.

l'rcud propôs um modelo de interpretação ativa e dinâmica. Percorrendo etornando a percorrer a sua obra, os textos críticos trabalham sobre ela, marcam-nn sem parar= . O papel de uma semiologia será de articular e organizar essediscurso. Um estudo semiológico, no entanto, só pode ser feito num contextohistórico específico. Se se quer fazer uma história do sentido, o sentido sóIIparece na história. E, na realidade, as tentativas de separar a arte do tempo.111 museus imaginários só resultam em prendê-Ia no presente, em sujeitá-Ia àctt6tkn atual.

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A ARTE 1M

Tomemos o exemplo do retrato. A história tradicional o define com difi-culdade' porque procura fazê-lo no absoluto. Ela supõe que, todo o tempo, oartista tem a sua frente indivíduos que ele escolhe representar ou não. Começa-remos, ao contrário, por constatar que há períodos em que existe o retrato, dife-rentemente de períodos em que não existe. Isso permite colocar o retrato comoindividualização, ou como instituição do indivíduo na arte e através da arte.Aliás, o sentido do retrato, definido pelo lugar que ocupa no sistema da arte,por aqueles de que se faz o retrato em oposiçãoàqueles de que não se faz, parasua função etc... varia consideravelmente segundo as épocas. Na Grécia, atéAlexandre, só há retratos de homens ilustres (fundadores de cidades, grandespoetas, filósofos, estrategistasetc... ); além disso, a semelhançafísica, tal comoa entendemos, não pode representar tais retratos um papel importante, porqueuma boa parte dos personagens representados já estavam mortos, sem que setenha pedido registrar a sua aparência (como no casode Homero, cujos retratossão muito numerosos). Aliás, todos essesretratos, mesmo os de personagensmais recentescomo Alexandre, são visivelmente de tipo generalizado, e em nada,dão a impressão de uma semelhançafísica. O retrato é a expressãofisionômicadas qualidades intelectuais e morais de um homem exemplar. No antigo Egito, aocontrário, individualizava-se pelo registro exato da aparência, ou, mais exata-mente, pela diferenciação minuciosa entre alguns personagens (Faraó e seu cír-culo) , que se opõem por essa diferenciação a uma massa humana indistinta.A partir do Renascimento, o retrato generalizou-se e diversificou-se: o formato,o tamanho, a apresentaçãodo quadro, a pose, tudo tem um sentido diferenciado.Um busto não tem o mesmo valor do que um retrato em pé. O lugar que oselementos ocupam no quadro é significativo. li, assim, capital o tamanho dacabeça e a sua posição relativamente central com relação ao resto do corpo eaos acessórios,porque a roupa contém indicações quanto à posição social, en-quanto o rosto é a sede privilegiada das indicações sobre o psiquismo e sobreo ser íntimo. De resto, tais convençõesalteram-secom rapidez. No século XVI,na França, reservam-seos retratos em pé às figuras reinantesw, No século XVII,na Holanda, o retrato em pé é acessível aos burgueses. Enfim, o código doretrato torna-se tão exato que permite efeitos inesperados. Existem diversosquadros de Rembrandt que uma pessoa culta identifica imediatamente como"retratos de Jesus Cristo". O formato, a apresentação, o tratamento marcamessesquadros como retratos, e o conhecimento desses quadros, em particularoutros Rembrandt, permite neles reconhecer Jesus, embora não marcado porqualquer acessóriosimbólico. Evidentemente, essasobras contêm toda uma con-cepção do cristianismo e da humanidade de Jesus, concepção em que não sepode aqui penetrar. Para dizê-lo simplesmente, é apenas no interior de umsistema muito elaborado e estritamente interrelacionado que podem apareceressesquadros um pouco anormais e a riqueza de sentido que neles se encontra.

O sentido, portanto, não pode ser compreendido a não ser num contextohistórico específico. As técnicasusadas deverão ser adaptadas ao objetivo parti-cular l]UCse tem em-mentc. O historiador terá uma atenção especial para como nível de gencrnlidade em llue se coloca. Não se pode USar() mesmo métodoparn interpretar a 'J'rtlfl,rfiWlrilfão de Rafncl, n paisagem na ClIl"Olll holande," nolI&ulü XVH (pllillllllt'm '11It'III!llhém tem IIIll sentido, em conjunto), um t"l,dl:'persu, ou uni HrL~POde (,C'I'AlllknNncollt inu .

154 HISTóRIA: NOVAS ABORDAGENS

Se admitimos, ao mesmo tempo, com Riegl, que toda arte quer representarII se« mundo, nós só o conhecemos mediante diferenças em relação ao nosso.Isso 6 evidente, mas exige repetição. Vemos os retratos egípcios, gregos e doRenascimentocom olhos que conhecem a fotografia: a história organiza-se numsistema de diferenças e de discontinuidades que articulam a duração. É por essapreocupaçãocom o tempo ou com 05 tempos que a história da arte tem umaproblemática comum com a história em geral'" , A particularidade da história daarte 6 que ela se ocupa com objetos materiais. A existência física das obrassubmete-as a um tempo próprio que as marca, as degrada e as enriquece. Pois,se é verdade, como o escreveu Focillon que "a madeira da estátua não é maisa madeira da árvore", isso não quer dizer que a madeira não continue a secar,ou a queimar, ou a rachar-se ou a envelhecer-". Somos forçados a admitir quea Gioconda não é e nunca seráa pintura nova que Vasari descreve,mas ela nemsempre foi, e talvez não seja apenas a estranha "divindade subrnarína"(K. Clark) que nos sorri do interior de seu aquário no Louvre.

Não se trata, portanto, de abandonar a crítica histórica e as técnicas filo-Ib~icns, nem de abandonar as conquistas da história da arte. Gostaríamos, nocntunto, de colocá-Ias a serviço de uma interpretação mais consciente e menoslonstrangedora do que a que se pretende impor em geral sem o mostrar. Pode-,\1) perder a coragem, é verdade, em face da dificuldade e da relativa pobrezados resultados obtidos por algumas tentativas dispersas, sobretudo em relação à("ficária da arte estabelecida.Mas, se gastássemosos tesouros de perseverança,de('I1~enhosidadce de imaginação que permitiram atribuir tantos quadros a tantospintores, talvez se atingisse um resultado positivo, talvez se alcançasseêxito.Nilo é verdade que toda interpretação é uma violência? Não é o respeito pelaobra uma palavra pia para cobrir a violência cometida? Sem dúvida. Fechadas,110entanto, em seu silêncio", as obras de arte permanecem mudas se não se asinterroga .

NOTAS

Tenho o prazer de agradecer aqui a Jean-Claude Lebensztejn e Charles Rosen

com quem me foi possível discutir os principais pontos desse artigo, e a Gérard

Rudent, que teve a gentileza de ler o manuscrito.

I,' Pnnolsky, "Ueber das Verhâltnis der Kunstgeschichte . zur Kunsttheoríe", in Zeits-

ohrifl lür Aesthetik um Alli(emeine Kunst~issneschaft, XVIII, 1925; e, recente-mente, Bernnrd Teyssõdre, "La réflcxion sur l'art - aprõs Ia déroute des systêmes

r.Mlhlltlques", in I.C's scimcés humainl'S (!t loeuure d'art, Bruxelas, La Connnissance,

1969, pp. 7-47.

A ARTE 1515

2. Jacques Thuillier, "La Tour. Énigmes et hypotheses", em Georges de La Tour,catálogo da exposição, Paris, maio-setembro de 1972, p. 27. Acrescenta o autor:"Compreendemo-nos bem: trata-se dessa história tradicional da arte, hoje em diaridicularizada e vilipendiada, reduzida ao estrito necessário, e cujo nome ousa-seapenas pronunciar, mesmo na Universidade ou nos Museus". Vinda da históriamais institucionalizada da arte, e numa publicação oficial, a queixa não deixa deter a sua graça. Faço, aliás, questão, para evitar qualquer mal-entendido, de ex-primir a minha admiração para o mais brilhante representante da "história tradi-cional da arte" renovada.

3. Quanto aos textos antigos de teoria e de história da arte, convém reportar-se à obraclássica de [ulius von Schlosser,Die Kunstliteratur, Viena, 1924; utiliza-se de pre-ferência a tradução italiana, La letteratura artistica, reimpressão de 1956, com su-plemento bibliográfico por Otto Kurz. Entre as recentes contribuições, assinalemos[acques Thuillier, "Temps et tableau: Ia théorie des 'péripéties' dans Ia peinturefrançaise .du XVlle síêcle". Stil und Ueberlieferung (Actes do XXI Congresso inter-nacional de História da Arte, Bonn, 1964), 1967, vol. III, pp. 191-206, que mostra,a partir de um exemplo, que a teoria da arte na França no século XVII é muitooriginal, ao contrário do que havia adiantado Schlosser.

4, Adolph Hildebrand, Problem der Form, Strasburg, 1893. Conhece-se a impressãodecisiva que esse livro produziu sobre Wôlflín.

5. J. Thuillier, "La Tour ... ", op. cit., p. 29.

6. Étienne Souriau, "Y a-t-i! une palette française?", Art de France, 11, 1962,pp. 23-42.

7. Giovanni Morellí, na introdução metodológica à edição de 1890 de seus Kunst-kritische Studier iiber italienische Ma lerei, insiste ainda na separaçãoentre connais-

seurs e historiadores da arte. Mas trata-se de uma situação um pouco ultrapassada,exagerada com fins polêmicos. Nem por isso deixa de ter um fundo de verdade.MoreIli quis sistematizar o método dos connaisseurs e fundar sobre ele uma históriacientífica da arte. Na muito oportuna renovação de interesse em torno dele, con-vém assinalar, sobretudo, uma crítica muito fina do método por Richard Wollheim,"G. M. and the origins of scientific connaísseurship", in O~ art and the mind,Londres, 1973, pp. 176-201; e uma análise da teoria que implica o método deMoreIli por Hubert Damisch, "La partie et le tout", Revue d'Esthétique, XXIII,1970, pp. 168-188.

8. As principais obras de Ríegl (1858-1905), depois de uma série de publicações sobreos tecidos, são Stilfragen, Berlim, 1893, com reedíção em 1927; Die spiitriimische

Kunst lndustrie nach den Funden in Oesterreich-Ungarn, Viena, 1901-1902; "Dashollândische Gruppenportrat, in Jahrbuch der kunsthistorischen Sammlungen dcs

AllerhOchsten Kaiserhauses, 1902; os seus artigos importantes foram recolhidos emGesammelte Aufsiitze, Munique, 1929.

9. Bem entendido, Ríegl não se encontro inteiramente isolado nu hIstórIa dn arte.Sabe-seem particular que, entre Stilfragen e Dle spiitriimisohe Kunst Indwtrlo, Pran7.Wlckhoff publicou Dic Wicncr Gmiesis, em que sustentava tee. multo •• mllhanloMsobre a arte romann.· Sobre o lugar de Rlegl na elcola vl.n.n •• dl hllt6rl. daartQ. conv6rn ",porl.NO, a [ullus von Schlo.~r, "DI e wltnar Schul, d., lCun.t••• •chlchte" /n. M/IIr/hmllrn tlr. o."I'W'lohlll'ht'l1 Imt/tut (llr a,..(·lIIvhl./r",p"Uft •• Rr·

1M HISTÓRIA: NOVAS ABORDAGENS

glínzungsband XIII, Heft 2, Innsbruck, 1934. :É preciso citar, na França, um ensaiomuito precoce e curioso de Jules Renouvier. "Idées pour une classification généraledes monuments", in Mémoires de l'Académie de Montpellier, I, 1847, pp. 91-118.

111.Isso i: muito claramente exposto na introdução dos holliindische Grupperportriit.11. Os seusmestres principais foram Guido Kaschnitz-Weinberg, Theodor Hetzer e Hans

Sedlmayr, cuja introdução aos Gesammelte Aufsiitze de Riegl, em 1929, é uma

espéciede manifesto. Essesautores nem sempre estão ao abrigo dos malefícíos inte-

lectuais do racismo e de um extremo nacionalismo. A análise estrutural conhece

uma renovação não apenas na Alemanha, mas também nos Estados Unidos.

I:~."Der Begriff des Kunstwollens", in Zeitschrift für Aesthetik und Allgemeine Kunst-

wimnschaft, XIV, 1920.

I\. f, II versão dada por Max Dvorák, em particular nos ensaios coligidos sob o títuloKun.ltgeschichte ais Geistesgeschichte,Munique, 1924. No entanto, essa história es-plritual através da arte não se afasta seriamente da história da civilização na tra-dição de Burckhardt. O seu comum hegelianismo (bem apontado em Burckhardtpor E. H. Gombrich, in search of cultural history, Oxford 1969) explica que sepllSSII,quase sem transição, de um a outro.

1·1. I\s(J('m-seou aguarda-se ainda uma história marxista da arte. A obra recente deNII'OS Hadjinicolaou (Bistoire de l'art et lutte des classes,Paris, 1973), embora faça

1111I bom processo marxista da história da arte existente, é decepcionante em sua

purte positiva. Nessa parte, Antal parece ser o seu principal modelo (apesar de uma

turmlnologia com uma nova vestimenta), e a sua história da arte consiste em rela-

cIunur os fenômenos artísticos com fenômenos sócio-econômicosque se supõem esta-

bolecldos ,

Uma história marxista da arte deveria repousar sobre as doutrinas fundamen-tuis do materialismo histórico: a superestrutura (a arte), é, em última instância,

dl'llmninada pela base sócio-econômica; a superestrutura tem uma autonomia rela-IIvlI; 1'[11 exerce um efeito de retomo sobre a realidade (o sócio-econômico). Se ahlstórlu marxista da arte, como "ciência regional", deve insistir, para produzir o('OIlI'('lIo de seu objeto, na autonomia relativa da superestrutura e no efeito de re-torllO, corno me parece ser o caso, ela tem relação com o pensamento de Ríegl epod(' tlrnr partido deste. Nos dois casos opera-se um isolamento metodológico que(, preciso opor ao isolamento ontológico imaginado pela arte a partir do Renasci-nu-nto (' pela história tradicional da arte. Essa distinção muito importante não serlevo perder de .vista nas páginas que se seguem.

AlUIS, uma .histórla autenticamente marxista da arte não pode deixar de ser"comprometida" e militante, e exige que se renuncie aos atuais valores da arte, querdlzer, 1\ arte. tal como nós a entendemos, Walter Benjamin, no célebre ensaio"L'oeuvre d'art à l'êre de sa reproductibilité technique" (Poésie et révolution, Paris,I !Y7I, pp. 171-210) sentiu-o e exprimiu-o claramente, mas com toda a nostalgia 'deum homem ligado aum mundo que vê condenado. Jean-Claude Lebensztejn("L'cspacc de l'art", Critique, 1970, pp , 321-599) encara ao contrário essa agoniacom uma certa alegre antecipação. Para uma tentativa séria de estabelecimento deuma teorln marxista da arte (no sentido geral, literatura incluída) convém lerA. Budlou, "L'nutonomle <lu processuscsthétiquc" ( Cahicrs MarxisLes Iéninistes,

lurhcHIUIUhro c[t' Infir.. 11P. 77-R!l), !l'SCquo " preciso colocnr em provu.

.. -

.1

A ARTE 157

15. Antal, Florentine painting and its social background, Londres, 1948. Mostrou-se queo raciocínio de Antal foi, muitas vezes, tautológico, circular, não se conhecendo ogusto, tido como dominante, do mecenas a não ser graças à obra encomendada(R. Salvini, "Significato e límiti di una storia socialle dell'arte", Actes do XXIICongresso Internacional de História da Arte, 1969, Budapeste, 1972, I, p. 492).

O estudo do mecenato não é, necessariamente, de caráter' marxista ou deter-minista , Em seu belo trabalho, Patrons and painiers, Londres, 1963, Francis HaskeIlfez, das condições sociais da arte no século XVII na Itália, um estudo característicodo empirismo inglês e de uma extrema prudência nas conclusões.

16. Ver a introdução aos Essais d'iconologie, Paris, Gallimard, 1967, cuja publicação in-glesa data de 1939, e o artigo anterior de que essa introdução é, parcialmente, arepetição modificada, "Zum Problem der Beschreibung und InhaItdeutung von Wer-ken der bildenden Kunst", Logos, XXI, 1932, pp. 103-119.

17. Sobre a relação entre Morelli e Wõlfflín, ver as observaçõespenetrantes de HubertDamisch, op, cit., pp , 178-188.

18. Bem entendido, essa observaçãode Saussurenão é nova; ela se encontra na Lógicade Port-Royal. Sabe-se,aliás, que a noção de Saussure do arbitrário do signo dálugar a importantes discussões.

19. O livro de WiIliam Ivins, Prints and visual communication, Cambridge (U.SA) ,1953, pode servir de ponto de partida, mas permanece muito carregado de precon-ceitos epistemológicos e estéticos.

20. Meyer Shapiro, "On some problems in the semiotics of visual arts; field andvehicle in image-signs", Semiotica, I, 1969, pp. 223-242; tradução francesa emCritique, 1973, pp. 843-866.

21. Ver, sobretudo, a esse respeito, Pierre Francastel, Peinture et société, Lyon, 1951.22. Charles S. Peirce, Collected papers, vol , Il, Cambridge (U.S.A.), 1932, pp. 134-

173, sobretudo o fragmento 274, pp , 156-157.

23. Wilhelm von Humboldt já pensava que a palavra põe em questão toda a língua e,em conseqüência, todo o conjunto cultural a que pertence. Da mesma forma, osentido imanente de Panofsky é uma visão do mundo (Weltanschauung) e implica,globalmente, a cultura que o suporta.

24. Meyer Schapiro, "Leonardo and Freud: an art-historical study", [cumal of theHistorç of Meas, XXVII, 1956; reeditado em Renaissanceessays (editado por P. O.Kristeller e P. P. Wiener), Nova Iorque, 1968, pp. 303-336, extrai as conseqüên-cias dessasdescobertas. Schapiro mostrou também que a idade mais ou menos amesma da Virgem e de Santa Ana no quadro do Louvre, assim como no desenho deLondres, repousa sobre uma longa tradição iconográfica, e não constitui uma inova-ção de Leonardo, como o acreditou Freud, que via nisso a projeção de uma situaçãofamiliar: a presença,na infância do artista, de duas mães, a verdadeira, Catarlna, ca mulher do pai. No entanto, a escolha dessa tradição e a maneira pela qual oUma é tratado podem ser indicativos da psicologia do artista. Da mesma forma, otexto dos cadernos de Leonardo que Freud interpretou como um vcrdndelro fAnlA"prcsentudo corno .lcmhrança de infllncia e, na realidade, tlnR )XIQuanl fAhul1 tluJosentido explíclto Schaplro revela' perfeitamente: dizendo qUC!,quando m,nlno, um

.mllhníro vllirll lntroduelr n NUIl rllu~n em Nua boca, J.(Ionartlo I!xprlmll QUI •• IIVI

u(,~tlnlltlo A fnírr ImporlulltC'H.urNl'OharlnNqUICI110Ali vl'lo dll" J1ÂNN"rnN, Nu IIlItonco,

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HISTÓRIA: NOVAS ABORDAGENS

Q fábula pode perfeitamente apresentar-se como um motivo sobredeterminado e darlugar ao trabalho psicanalítico para fazer emergir conteúdos psicológicos diversos.Desde que se tenha em mente a expressãopopular sempre em uso, prendere Z'ucelloin bocca, é difícil não acompanhar Freud. Aliás, Schapiro não pretende que aanálise de Freud não seja legítima (propõe mesmo ver-se na substituição de São[oüo pelo cordeiro, na Santa Ana do Louvre, uma projeção narcisística homosse-xual); mostra apenas que há erros na análise proposta por Freud, e que ela deveriater sido completada por conhecimentos filológicos mais extensos.

:~;,. Richard Wolheim ("Freud and the understanding of art", in On art and the mind,Londres, 1973, p. 205) tem razão, ao que me parece, de pensar que a principalfinalidade de Freud em Leonardo é uma biografia psicanalítica. W olheim mostra(J que há de disparatado nos escritos de Freud sobre a arte. A conclusão de Wo-Ihcim é importante: Freud não revela e não explica a parte do inconsciente na artede maneira satisfatória, porque, na época em que chegou à maturidade a sua teo-riu do inconsciente, ele não escreveu mais sobre a arte.

[ean-Claude Bonne ("Le travail d'un fantasme", Critique, 1973, pp. 725-753)propõe uma elaboração ou "interpretação" teórica do texto de Freud; desse estudodecorro um conceito talvez útil de trabalho figurativo. Bonne viu muito bem que(J Importante é estabelecero estatuto e a legitimidade do método de Freud em Leo-Illlrdo, mais do que a correção'de sua aplicação. É, infelizmente, difícil não emba-TII(,'ar-Sl!com os· erros de Freud que Bonne resolve perpetuar, para simplificar adlsl'ussiio. No texto, não me foi possível levar em consideração esse artigo, publi-vudo muito tarde.

:!Ii. Moyer Shapiro, "The apples of Cézanne: an essayon the meaning of still-life", TheAIJtlnt Gardc, Arte News AnnuaZ, XXXIV, 1968, pp. 34-53, tradução francesa na

R"l!ue de Z'Art, nQ I.

:!7. l.rn Stclnbcrg, "Michelangelo's Florentine Pietà: the missing leg", Art Bulletin, 1968,

pp. ~141-1!i1.

~!'l. Nno convém esquecer a distinção de Sarah Kofman (L'enfance de l'art, Paris, 1970)I'ntw I) que Freud diz e o que faz. É inevitável levar em consideração também o'11IeI ek- di:.:.

~~II,11. Rorschurh, Psijcliodiagriostik, Berna e Leipzig, tradução francesa, Paris, P.U.F.,

1\147,

'ltI. J }t.Nl'I1hrir() conteúdo da obra é também o propósito de Freud, no ensaio sobre oMo"!!! de Miguelângelo. Como o sublinhou E. H. Gombrich ("L'esthétique deFrnud", PrculJcs, abril de 1969, pp. 21-35), Freud utiliza ao ensaiar um tipo tradí-donlll de excp;ese.·Gombrich, seguindo Ernst Kris, 'propõe Le mot d'esprit. .. "comou modelo original de toda descrição da criação artística numa perspectiva freu-dIAna". .

'11. )\. lI. Gomhrich, L'art et l'illussion, Paris, Gallimard, 1971, pp. 235-243.

'I~l,E. H. Gombrich, L'art 'at l'illusion, 3' parte, passim.

:1'\. 1111 que tentou [enn-Louis Schéfer em Scénographie d'un ·tableau, Paris, 1969, livro

lmportante, talvez muito ambicioso e muito difícil. Ler-se-á também a seu res-

peito, Louls Marln, Btudes sémiolClgiques,pp. 45-60, "Le díscours de Ia figure"

que mil pUI'C!I'C' retomar os pontos prlru-lpuís do livro. Ao contrário de Marin, que

A ARTE

faz intervir Freud em segundo lugar, parece-me que Traumdeutung (Inteorprctaçllu

dos sonhos) é o modelo de base sobre o qual trabalha Schéfer. Notar-se-à que nDuse faz alusão ao livro na obra, enquanto as referências semiológicas e lingUINtlcllHsão constantes e expressasnuma terminologia e num ecletismo exuberantes,

34. Não vejo, como exceção,mais do que o retrato dos três irmãos Coligny dcsenhnd«e gravado por Marc Duval. Um quadro como a Diana caçadora do Louvrc, mesmose representa bem Dianne de Poitiers, pertence a um outro gênero, uma vez que 11

Duquesa de Valentinois não faz mais do que emprestar a sua fisionomia a urnu

deusa antiga.

35. A multiplicidade dos tempos (o fato de que um objeto pertence a seqüênciastem-porais diferentes) é o aspecto interessante do livro de George Kubler, The shapcof time, New Haven, 1962. Os enunciados de Fernand Braudel, no entanto, perma-necem mais claros e mais firmes. e o historiador da arte terá proveito em consi-

derá-los.

36. Quanto à maneira pela qual a pintura é afetada pelo tempo físico, ver o livro de[acques Guillerme, L'atelier du iemps, Paris, 1964. Ligado à estética da criação, oautor mergulha na angústia por causa do destino físico das obras. A restauraçãoapresentação como redenção inevitável e impossível.

37. Ver, em particular, Pierre Bourdieu e Alain Darbel, L'amour de l'art. Les musées

et leur public.Paris, 1966.

As ciências

MICHEl SERRES

PItIM HIHA pergunta: como definir a formação cultural que se chama ciência,I 0111 rdll~'ão a outras formações culturais, e depois com relação a outras forma-\c"lt'~ em ~eral: econômicas,sociais e políticas ... ? Qual é o seu lugar, quais~nll IIN relaçõesque a reúnem a esseconjunto ou que a fazem emergir do mes-1II0? Questão de direito e, sobretudo, questão de fato: como é que isso se passa1111P('()( csso histórico? A pergunta é global e não lhe conheço mais do querr~poNIIISteóricas. Quero dizer com isso que ninguém jamais me fez ver con-I retameutc llue foi em tal lugar e em tal intervalo, nem me demonstrou como'r desmontam precisamente tais relações no trabalho, nem me definiu exata-mente 11 III~ar. Pode-sesempre dizer que devem existir caminhos de determi-unçilo entre a forma cscravagistada sociedadegrega e o milagre da geometria,'I"t' devem existir diversos condicionamentos entre a economia mercantil daI~uropamoderna e o aparecimento das ciênciasaplicadas na idade clássicaete. ; .Pmlc-se dizer isso e tem-se razão para fazê-Ia. Não obsta isso a que não seIrl1h~1(, ll1ap:\ desses caminhos, que não existe a descrição aproximada de taisWIl<liçiits. Pode-sedemonstrar a coisa; não é possível mostrá-Ia. Não há hi.rtó-ri, <!t'SSt' problema; conheço apenas o quadro especulatioo .

Várias mzões concorrem para o fracasso. A menor dessasrazões não é 11

o oIivi~j(o do t rnhlllho intclertual, divisão atrás da qual se dissimulam perigosos

b

AS CI1!:NCIAS 161

fantasmas, quer dizer, realidades sócio-políticas de dominação e de manipu-lação; que os historiadores, que os filósofos ignorem a ciência, que, ao contrário,os cientistas não conheçam a história nem a filosofia, nos dois casos, salvoexceção,inclusive infantil, isso tem um sentido que será necessárioelucidar umdia. Assim as formações a que me referi acima parecem distintas ou reunidasmediante relações pretendidas, menos por que o são, do que pela incapacidadedos que as olham. Essenão é ainda o terreno exato da crítica: tão amplo quantoé global a demanda. Uma outra divisão está, com efeito, em melhores condi-ções de explicar diretamente o insucesso prático de um empreendimento, noentanto, fácil, na previsão teórica.

Todo o mundo fala na história das ciências, como se existisse tal história.Não conheço história dessetipo. Conheço monografias ou associaçõesde mono-grafias sem ligação. Há histórias das ciências, de maneira distribuitiva. Histó-ria da geometria, da álgebra, um pouco das matemáticas, da ótica, da terrnodi-nâmica, da história natural, e assim por diante. Que hoje em dia a monografiade uma disciplina ou de uma região ocupe o lugar da monografia de um autor,genial ou secundário, como se dizia, isso não muda muito o assunto. Em vezde separar-seum grupo de indivíduos, corta-se um mapa em regiões. A geo-metria ou a ótica passama criar-se por si próprias, a si próprias, como se exis-tissem independentemente e se desenvolvessemem sistema fechado. Tudo sepassa como se fosse proibido interrogar-se quanto à classificação das ciênciasem setores. Ora, essa divisão, na medida em que decide alguma coisa quantoaos objetos do saber, quanto a seus métodos e quanto a seus resultados, antesmesmo do processo hitórico em que esseconjunto vai desenvolver-se,é ideoló-gica por essência. Assim, toda monografia ou toda associaçãode monografias,que seja posterior a ou que seja vítima de uma classificação, transporta, semvariações,as suas fraquezas, as suas lacunas, as suas decisões.Seria talvez neces-sário começar por fazer a história crítica das classificações. A própria história,no entanto, pertence a uma classe.

Como querem, já que existem ciências no plural, bem repartidas, cuidado-samenteseparadas,imaginar alguma relação entre a história geral e a das disci-plinas, uma vez que não há relação entre os campos particulares do saber? Aquestão já está resolvida e resolvida pela negativa. O fracassono terreno globalresolve-se anteriormente, no terreno local. Enquanto não houver história dasciências, quer dizer, história do caminho geral do saber como tal, e não desin-tegrado, não haverá qualquer possibilidade prática de se elucidarem as relaçõesentre essa formação, uma vez que ela não existe, e as outras. Soluçõessempreespeculativas, uma vez que um de seus elementos é sempre virtual.

Já se fez ver que em certos momentos( lXlrque tais momentos?) da histó-ria, recompunha-se() conjunto do saber científico. A idéia nos vem de Corntc,através de Brunschvig , Ora, essequadro ~Iobal e as múltiplas interligaçõe~ qUt'

exibe "II"C,' J fim acontecimento,exlst« sempre, Pode-sesempre desenhnr urnaporção de rochas em fusão, ela deixa de correr numa !Intl! determtnads, nrbl-

o IrArin: dll não ~ sempre Ji8lli(jrnlivn. Bem entendido. eln nlu f e.trllllmenle

j"r

162 HISTÓRIA: NOVAS ABORDAGENS

perpendicular ao eixo do percurso, o seu perfil é cheio de dentes, irregular,disperso, quando visto de perto, como dizia Perrin. A irregularidade aleatóriade pCtluena escalae a significação regular da grande escala é a marca do real,em história como em tudo. A história das ciências descreve o progresso dessaporção de rochas em fusão, da variedade a mais ortogonal a qualquer possível,./.túsific.clfão, ou antes da distribuição real q1te funcionou nesse momento precisosobre () saber do tempo.

../ oariedede clássica do mi-lieu"

Mostrei no passado, ou, pelo menos, acreditei tê-Ia feito, que, na idaderlássicn, as ciências, temporariamente definitivas ou ainda em momento de aven-tura, exprimiram, cada uma em sua região, em sua língua e por seus meiospróprios, um tema único, que repercutiu no conjunto da cultura, ideologias delodll ordem, morais, religião, técnicas de tomada ou de conservaçãodo poderI'0lltico, teorias do conhecimento etc... Não foi à toa que leibniz, o maiorvíajnntc enciclopédico de sua época, concebeu a teoria harmônica em que tudo~Cl {II~ de um só coro, sem que cada parte saiba alguma coisa da vizinha.A unidade, ou melhor, a homogeneidade da formação cultural chamada ciênciaII~O foi, então, um preconceito especulativo de filósofo, mas uma invariávelestrutural reencontrada no trabalho da experiência, prática ou imaginária, daproVII, definitiva ou parcial, da hipótese, explicativa, forjada ou arbitrária, todas

. IINcoisas tomadas em seu conjunto caótico. De minha parte, não forjei qualquerhlpóresc sobre o local a partir do qual o tema teria podido espraiar-se: julgo1IIll'IlNSivddesignar essafonte, creio errado procurar localizá-Ia, tanto estou certo,I) Im<;a de trabalho, de que não há fonte. Se o mar estiver abaixo do pontode nllI~da~·ã(),não se forma o gelo: jogai uma pedra e eis que o mar endurece,dlul\li nlc." o horizonte, num momento: jogai seja o que for, seja onde for, seja'IUlllldo for, incerto loco, incerto tempere. Não há ponto de difusão como para" CI,fé, para as cerejas,ou para os produtos cítricos. Ou melhor, se tal pontoexiste, [I sua colocação é aleatória. Isso dito, entre limites históricos muitoIlutuantes, o tema faz-se presenteem todo lugar, eficaz, repetido: ele é a ciênciadbsim. Não o seu dado geométrico, mas o seu dado que não varia. Trata-sed~1 1/(iIIlo fixo e do ponto de referência. Interrogai, peço-vos, o vocábulo grego"'li.l/t'1IIe1, de significa isso, precisamente. Analisarei, aliás, com mais vagar,I.'NNC encontro dei saber antigo e das disciplinas clássicas.

Daí () balanço, desordcnado como o arbitrário da história e as constelaçõesda língua, mas agrupado em torno de um centro ou de uma concentração.

• Ilt.lxIIU-N(· no orlj!lnnl rssl' jOllo com ns palnvrns mi (meio, metade) e lieu (lugar,I'ONIc;nn), qll(' rOrm"," 11 pnlnvrn milirii (mrlo, centro, nmblentr-) . (N. do R.)

AS CIÊNCIAS 183

Balanço, balança que se inclina por seu ponto de apoio: Roberval. Mecanismode relógio, tempo, peso, harmonia, inquietação: Huyghens. Estática do pontobaixo o mais baixo: Pascal e os licores. Descartes e as máquinas simples, ala-yancas, cabrestantes, roldanas, tecnologia do ponto de apoio a partir do quelé comunicada a eficácia. Mecânica dos centros de grandeza, dos centros degravidade: leibniz e Bernoulli recuperam Arquimedes. Os geômetras das elip-sese das seçõescônicasencontram novamente Apolônio, os centros e os núcleos.Desargues escreve a metafísica da questão e remonta, como Kepler, ao própriocume do cone: daí, os jogos e deslocamentos do ponto de vista e da fontede luz, do olho e do sol, fazem a geometria voltar aos sonhos de Milet: projeçãode sólidos, interseção de volumes, teoria das sombras, todo o sistema da repre-sentação, difundida em iconografia, no teatro, nas teorias do conhecimento.Onde estou eu, eu que vejo, eu que falo e que penso? E de onde vem a luz?E por que a luz, no século XVII, e as luzes, no século seguinte? Uma fonteou várias. O sol e a pluralidade dos mundos. Volta aos eixos cartesianos, aseu encontro, origem da medida, da ordem, da geometria algébrica; aqui, comodiz a palavra, a referência é uma volta, e a invenção uma repetição: a linguagemmatemática não se enganará e chamará o centro de uma origem. Da mesmaforma, a grande álgebra das séries,na Inglaterra e no Continente, trabalha sobrecadeias de leis fixadas num prego, como a cadeia de razões que se costumadizer, na França, que é própria de Descartes. As seqüências têm leis, como omovimento, de consecuçõesracionais: mas elas não são reais, e a razão só seconcretiza pelas condições iniciais e pelo primeiro termo. Parece-me que oshistoriadores nunca perderão de vista essemodelo simples, excessivamentesim-pIes: a série linear. Passaiao que se seguiu, agora, e vede as roscas das fecha-duras com segredo: o cômputo das combinaçõesé tornado possível pela caput'[Jal'iationis, elemento estável em torno do qual se esgota um primeiro conjuntode elementos discretamente distribuídos, com a possibilidade de tornar cons-tante, cada um por sua vez, cada elemento desse conjunto, e tornar variáveisos elementos que, há pouco, eram fixos: idéia matriz de uma invariaote paraa totalidade das variações possíveis; a ars combinatoria vai permitir novos trata-mentos em aritmética ou álgebra, e o nascente cálculo das probabilidades. Re-torno à referência para medir, distribuir, ordenar, ver; essa volta pode ser semfim, e há pontos limites. Ou melhor, que se os chame de centros, cumes, pólosou origens, eles podem ser concebidos como outra coisa do que um ponto departida: uma concentração; e o círculo tem um centro único porque é o limitede uma elipse, e o repouso é o limite do movimento; assim concentra-se otriângulo característico, no desaparecimentoem direção a zero de todo elementoespacial mensurável, aproximação sem esmorecimento de uma aderência quepropicia o primeiro grande tratamento do contínuo, o cálculo infinitesimal.O qual, por um retorno normal, distribui os centros de gravidade ou os pontosde tangência.: mede, retifica, eleva ao quadrado, e obtém os cubos, A ~rande,geometriaRrega das similitudes, cem vezes reencontrada. de proporções l modade Descartescomo à luz de Desargucs, é retomada, sabe-se,na teorl... d. repro·dução dos vivos, pré-formação, pré-existência, a teoria le~ndo A qUII O Indl·víduo cshí representado em miniatura no ~erme: quem nlo .Ib., d•• d•• ntlo,Ilue exi8tc um ponto filCill para uma semelhança? Quem nlo va R"umu" nu

. I r••balho du termometrl«, procurando uma ("NCRIII ('(l/11 doi. \1onlo. IIxOl p.r.

164 HISTÓRIA: NOVAS ABORDAGENS

medir as temperaturas? Ponto de apoio, ponto de equilíbrio, centro de grande-za, de movimento, de forças e de gravidade, para a mecânica e as mecânicas,pólo de uma revolução, referência pontual da medida e origem das coordenadas,ponto inicial de uma cadeia, ponto de vista e fonte de luz, núcleo, centro, con-rcntração, limite de desaparecimento,elemento dominante numa variação, co-IIll'ÇO c fim de uma escala," Eis o mundo, tal como ele é ou vai ser, em quetudo se projeta de um só golpe: discussão astronômica entre os que defendemli heliocentrisrno e os que defendem >O geocentrismo, os quais estão, aliás, em(1IIl' pese o que se tenha dito, do mesmo lado, uma vez que querem, privadosuindu de demonstraçãodefinitiva (de onde vem a violência das discussões), queo cosmostenha um centro, aqui, lá ou em outra parte, na Terra, no Solou em'lual(luer outra l~ .(~a pálida luz de ?rion), e, de outro lado, os desesperados,c: um universo infinito sem ordem, polo ou repouso, Gomo acontececom maisfreqüência, a astronomia é o modelo maior, em que se projetam o maior núme-1'0 de coisas, tão dilatadas que é impossível não vê-Ias, Assim, a ordem clássicaf: o ponto fixo, a razão clássica é a ponderação que uma referência tranqüilaequilibrn c torna concebível. Eis o desenho frontal das ciências, escondido comtrcllUêllcia pelas dispersõesclassificativas; despida de qualquer grade de divisão,dI! li coerente com sua instalação grega, mas sobretudo, pelo que nos ocupa,.nm os elementos culturais de sua época e de todas as ordens, éticos, religiosos,meuulsicos. 11 possível daí deduzir Pascal com certa facilidade, Descartes,comrclnlivn clareza, a monadologia, não muito mal, embora seja mais sofisticada.Arrependo-me, imediatamente ap6s dizê-Io, do vocábulo deduzir: ele é indu-zido pelo molde cultural, pelo século da geometria. Todas as deduções sãomergulhadas, elas próprias, nessaconstelaçãoanárquica de uma ordem desejada,for\'lIda, imposta, Vide o cristianismo: ele só retoma forças, depois de sofrer

. WI abalos I]Ue se conhecem, quando se mostra, com os Pensamentos,que Jesus(:rislll é, no centro, o centro, ou quando se mostra, com Bossuet, que os seusdctrutorcs estão submetidos às Variações. Assim, o Rei-Sol é a fonte, em Ver-Nllille1i,('llllll<lnto ela não transporta as suas luzes para outros lugares, luzes das(1llIlis l'rcderico 11 e outros receberãoas suasclaridades: do monarca que escla-rero A~ monarquias esc1arecidas,o ponto fixo passa do Rei às leis. Como emIINtTII!lOmin,a ideologia política desloca o centro, mas mantém um centro, e éIIt'IlI i~s() li essencial da questão. Do geocentrismo ao heliocentrismo político:111"" 11 poder está sempre concentrado ou centralizado, Todos, assim, cada umpor suu vez, procuram dar nome ao pólo, tentam seqüestrâ-lo, ter acessoa ele011 entrar em sua posse. Sob as formas da razão rigorosa ou dos pattern cultu-rll.iM,perdura o arcaísmo irnemorial das religiões primit:ivas ou a animalidadeNC(.'tetn do nicho ecol6gico: todas as cargas passionais de angústia levam ahahitur novamente um solo sagrado, desaparecidoou sempre oculto, que se voltali cmontrnr ,I custa de iniciações ou de viagens pelo deserto profano, ccmoTerra prometida ou umbigo do mundo,' cume da montanha santa, santo dos~Ilntos 011 pilastra do céu; lugar de tangência do temporal e da eternidade.

I,onto de v~sta,definitivo, cen~ro de p.az, pont.o ?e apoi? para a tranqüilidade,lalnnçn da Justiça, origem e fim da história, limite sublime do desaparecimento<lu coisas tais como são, referência universal de todo destino humano. AsdenCÍnsfalam com uma s6 voz, c existe lima variedade ortogonal a toda classi-fjnl\iln; e~~11variedade extrupoln () seu pcrrllrso homogêneo no horizonte da

AS CImCIAS 16,'1

cultura, De qualquer lugar que venham, os poderes têm a mesma língua, quersejam de conhecimento, de concessão,de direito, como sed:iz, ou de opressão,A idade clássica ou a variedade do mi-lteu.

Donde se conclui, imediatamente, se a análise local pode ser extrapoladaa outros lugares, que a questão prejudicial se dissolve, quando s7 põe.. entreparêntesesa classificação, na variedade ciência. Descobre-se,que a .1mbeC1l1,dadeda divisão é origem do problema, ao mesmo tempo que e o maior obstáculoà sua solução prática. Que haja tantos e tantos camin~os. ~tre uma e ou~ravariedade indica, provavelmente, que não há uma multiplicidade das meneio-nadas variedades, mas que há uma só, multiplamente conexa. ° que se tema fazer é descobrir o desenho de tais conexões.

A variedade do plano 110 século XIX

A idade clássica procura uma referência pontual; pensa, demonstra, com-bina, experimenta, organiza as suas representações,ordena, vê o mundo e viveo seu patético, por ancorageme remissão a um ponto fixo. Essa idade distribuiaos dezesseisventos das" disciplinas" e das práticas a velha idéia grega da nãovariabilidade e da estabilidade racional expressa pelo vocábulo epistemê. Essaestática geral perdura, em direito, quer dizer, em ciência, até o primeiro terçodo século XIX, na realidade até os nossos dias ou quase, transportada peloensinamento repetitivo e pelas línguas acadêmicasdo fundamento, do solo, eda base, Havia por que, é verdade, perpetuar as coisas; havia r:or que encerrartodas as pessoas,por muito tempo, no interior do sonho lap~aC1ano.0, q~e osséculos XVII e XVIII haviam preparado, os começos da Idade romântica ocoroam de tal forma inesperada que, para praticamente todos os filósofos ulte-riores, é essetriunfo temporário que constitui a ciência, a imitar ou a cri.ticar,mesmo se mil novidades de grande conseqüência tornam logo vão essetriunfoe irreconhecível essecoroamento. Aos olhos de muitos, o desenho frontal defi-nido sob a revolução e o império continua a ser o ideal científico: bloqueio,complexo, inconsciente racional, que sei eu.

. A partir de Clairaut, a geometria cartesiana genc:raliza-s~dl1llS vezes: dealgébrica, ela se torna analítica; de plana, ela passa a tr~s dlmemOes,' Buler,.Lagrange, Monge, Plücker terminam um monumento, nos doli! lentldOl 4111

palavra: edifício perfeito, testemunho olvidado como CII~O ,lnRUI.r d. formu-laçõesmais gernil. A1lui, o pl?n<l tem 11 sun cCl.unçllo,11 mAl. ,lml,IClIIna IIrrltll,ela se tornÁ, .p(~r lUA ves, ponto de rdereOC'I", Ponto li" rer.r'nda rllr• (I

lIiti HISTóRIA: NOVAS ABORDAGENS

sislernn de coordenadas,como se diz, e para os sistemas de transformação. Osm.ucmáticos pensam, então, em termos de espaço, como os engenheiros ou os.rrquitctos: triunfo da ciência aplicada, no próprio limite da abstração, ComteI'pdcrá dizer dessa geometria que ela é uma ciência natural, e terá razão.() plano, aquilo sobre que se escreve ou projeta, é o conjunto de traços parae IS acontecimentos sólidos: não é o lugar dos fenômenos, mas o conjunto de~e'IIS traços. Ê a página do livro. Desde então, e de uma só vez, congela-se a'dII'L'rfícic:, c: a variedade mais normal à classificaçãoé a do plano fixo. A inva-l'i;lIIlc atravessa o espaço, geométrico ou mecânico, a invariante atravessa as

e itncias. As interrogações colocadas em todo lugar resumem-se às seguintes:"lide está o plano fixo, oomo determiná-lo, que está escrito sobre essa tábua?Vl'lIL' as coisascomeçarem: Desargues, Pascal, La Hire esboçamuma geometriaprojctiva, uma teoria das sombras, o estudo das transversais; ao fim dessaépoca,M C111~ecanoniza os seus esforços fundando uma geometria descritiva, na qual,jllsl':lInentc:, tudo é relacionado com dois planos e, mediante rotação, com umsó, aquele em que eu desenho, à espera dessageometria ainda mais ingênua, a~l"Omd'ria descritiva em que as figuras são projetadas num só plano horizontal.I:i~ as ciências puras reduzidas ao desenho da geometria descritiva. O mesmoMon~c, quando procura classificar as superfícies, confessa não o poder fazeril não ser com a ajuda das característicasde seu plano tangente, como se fossemelhor seguir os traços do que as próprias coisas. Época de revolução industrial,l"I'0(,;1 dos engenheiros, ou a variedade do plano. Os exemplos são inumeráveis,mas, como sempre, o modelo mais largo e mais legível é o sistema do mundo,romo é descrito por Laplace e Poinsot, a partir das lições mecânicas de La-~rar~J.(c.O belo trabalho Tbéorie et détermination de I' équateur du systême,IIJ,jJrt! conta, em primeiro lugar, as variações do elemento que não varia, antesde' I hegar ;10 último, o plano equatorial, que é, ele também, um mi-liea,

A primei ra questão refere-se às rotas dos planetas, e às desigualdades de"'lt,~ movuncntos, Supondo-se que os planetas percorram círculos, como o pen-S.IV.I\I modelo ptolomaico, existem vários elementos fixos: o centro da figura", pllr·la~lto.do movimento, o raio entre essee o astro e a velocidade angulardo movuncnto . A observação obtém logo diferenças bastante notáveis entret",~C' eStlucll1<le a realidade. Para anular essasdiferenças, foi durante muitoII'mpo suficiente deslocar o centro: a teoria do excêntrico colocava em causa,Ibdc ~O~(), questão do p~nto fixo. Sobretudo a nova geometria de Kepler.tom c!Cito, desde que o pala do mundo não se encontra mais no centro de umI Irrulo, mas no núcleo de uma elípse, nada se conserva do que era fixo ante-riormente, nem o 'raio vetor, sempre variável, nem o ângulo de rotação, porum tempo dado. De onde provém a idéia de fazer reaparecer uma constânciapdo produto de dois novos elementos variáveis. Trata-se da lei de conservaçãod,IS (Ircas: a área elítpica, que o raio vetar do planeta traça, é sempre idênticaem tempo igual . Newton demonstra que essalei de Kepler é característica delodo corpo atraído por um centro fixo. Dito de outra forma, observar nummovimento qualquer, a lei das áreas,é uma prova de que o corpo é atraído aocentro dos raios vetores. Daí por diante, a não variação, a fixidez podem serlidll~ indiferentemente no pólo e na superfície assim descrita. Novamente, noentanto. u proposição conserva-se teórica e aparecem as desigualdades. l! quctlilll M IIp(nll~ um planeta girando em torno de um núcleo; há vários A úlca

AS CIÊNCIAS 167

descrita por cada um em particular não é constante,uma vez que U Sl:Upl:rcursoé perturbado, a cada instante, pela presença de outros astros do mesmo sistema.Eis colocado o célebre problema dos corpos "n". Os primeiros que formularam,em sua generalidade, foram, no meio do século XVIII, o cavalheiro d' Arcy.Daniel Bernoulli e Euler. Quais são a figura e o movimento de um sistema?,evárias massassubmetidas a quaisquer forças dirigi das para um mesmo pontotJxo,e as suas ações recíprocas, variáveis, bem entendido, a cada instante, le-vando-se em consideraçãoas mudanças contínuas de distância? Assim formu-lada, a questão é muito mais fiel ao que se passa na realidade, e é tambémmuito mais complicada. Na realidade, cada corpo do sistema é atraído nãoapenas para um só centro, mas por todas as moléculas do espaço. O termo"perturbação" é uma palavra fóssil: não é por acidente que a Terra sofre in-fluência da Lua e dos planetas vizinhos, da mesma f.orma que a influência doSol, mas em virtude mesmo da lei de Newton. Em virtude da mesma lei, oseu movimento tem o traço de sua forma, da disposição de sua própria ma-téria, atraída para o seu próprio centro, e tem o traço do equilíbrio móvel dosgasese dos líquidos que foram o seu revestimento viscoso. Não há, por umaparte, um ponto privilegiado, sede da atração ativa, 'e de outra parte, o restodo sistema, passivamentereceptivo: não há um motor e um movido. Bem enten-dido, a repartição das massase o predomínio do Sol dissimulam a verdade:parece que é assim, que as desigualdades são perturbações com relação a umalei central. Na verdade, a lei de Newton é uma lei de atração mútua, e cadaponto do sistema, cada parte da matéria distribuída no espaço, cada moléculaatrai, é atraída, é estável. Cada um dá a atração, recebe-a, equilibra-a. Cadacorpo, segundo sua massa, e segundo as suas distâncias respectivas, em cadamomento, é um ponto de troca de forças. Cada ponto é um centro: o problemados corpos "n" é monadológico. Isso dito, é interessante observar que, se osistema solar não é perturbado por forças exteriores, se ele é fechado e é sede,apenas, de movimentos relativos, ele comporta um ponto como se fosse fixo,o seu centro geral de gravidade, o qual se encontra, como é possível adivinhar,b_astantepróxi~o do centr~ do Sol. Eis, portanto, a última encarnaçãoda ques-rao do ponto fixo: generalizado, tornado relativo.

Para a idade clássica, só há sistema com relação a um ponto, a partir doqual se desenvolve a ordem. Só há saber racional, coerência e razão, de umavariedade hierarquizada , O mundo é um sistema porque o feixe das forçasc.entraisreúne os seus elementos em torno de seu arcbê o Sol. Em comparação,o universo está em desordem, as estrelas estão disseminadasanarquicamente.No~eio do século XVIII, Thomas Wright lança a idéia de que existe um planof lXO em torno do qual se ordena essa distribuição. As estrelas são tanto maisnumerosas quanto mais se aproximam desseplano, são tão mais raras, quantomais dele se distanciam. Kant faz passar esseplano por nosso ponto de vista, oSol, e a coroa exterior da Via-Láctea. A Teoria do Céu expõe uma cosmogoniaem que todo sistema nasce de uma distribuição pela formação de um centro,c de uma ordem com relação a um plano. Esse plano é único, é múltiplo.Lugar das órbitas das .partlculas em torno de seu núcleo, já ~o esquema deBohr, equndor de uma musa fluida em rotação; já é resultado de Bernulll ede Buler, plano equatorial do Spl. em que, aproximadamente, 10 delenham li

.)rbes planetár'iIlN; .lugAr Ilcnérim tluw8mollonill de Laplace c tAhu. fiXA plrA

168 HISTóRIA: NOVAS ABORDAGENS

a teoria dos pares de Poinsot; plano de distribuição da Via, ~áctea~previsto p~}!Thomas Wright, repetido em todo universo por cada galáxia, elíptica ou cir-miar. Do átomo elementar ao espaçoglobal, toda variedade, todo corpo, todacoisa existente pode ser pensada com referência a um plano, o qual deve serúnico para a totalidade do real. Esse processode extrapol~çã?( extrap.lanação)também é obra de Poinsot, salvo que ele não atravessao Iimite da unidade doplano comum, à totalidade das coisas. Mas faz melhor: mostra que, para todosistema concebível, a posição do plano é independente da forma que assumealei das interações interiores ao sistema. Com efeito, para obter um elementoinvariável. para todas as variações, como nos tempos de Ptolomeu, e, depois,de Kepler, basta projetar as áreas keplerianas de todos 0'S astros e de .todosos pontos materiais sobre um plano, multiplicá-los por sua massa e realizar asoma. Ela é nula para uma infinidade de planos de projeção; só existe umplano onde ela é máxima. :g.o plan.o fixo equatorial do si~temasolar. O cálculonunca fez intervir a forma newtoniana das forças centrais: ela pode ser qual-I\UCi", e a designaçãodo plano que não varia é bem independente dela. Newton,coroado por Laplace, é objeto de agradecimento por Poinsot , Na aurora doséculo, o sistema mais geral, estável e concreto refere-se a um plano, tábua eml\Ue se encontra escrito o par geral da teoria de Poinsot, duas forças opostas,t\lIC é (J motor desseplano. A arcbê toma-se um solo, em que estão traçadas,rorno num plano, as formas projetadas das causas,dos motores.

o plano não é sempre uma idealidade geométrica, o de Monge ou o deKunl, de I.aplace, de Poinsot, o da luz polarizada ou da simetria em estereo-qulmira, os enfim, já menos ideais, que organizam as redes de cristalografia:Jlllliy, Bravais, Delafosse e Romé de l'Isle. A representaçãoprojeta-se aí, comoo fllZ, para uns, o sistema do m~ndo, ou o orde~am~n~odas co~s:s.loca!s,para118 outros. Programa, projeto, smopse. A arquitetôruca das ciencias e tabu-ludu, pelo positivismo, como os animais e vegetais são classificadospelos autores

de sistemas e pelos taxinomistas. A rubrica ~ão!mais uma ~a~eia,é ~ esp.açorom duas entradas. Tábua ou folha de combinaçõesque multiplica as politornias:novu lógica em que desaparecea unilinearidade da frase, a série monódrom.ados acontecimentos, em proveito da nova escritura, bidimensional. Deterrni-nantc, matriz, tábua de verdade, mas também as faixas do espectro, mas tam-bém o quadro das equações diferenciais. de um sistema:A E~sas novas t~buas~Il(lplanos de; funcionamento ou de arquitetura para as ciencias que terminamem -logia, biologia, epistemologiaetc ... ; são volumes de planos. colocados unsNobreos outros, como as folhas de um livro - isso matará aquilo - para asriêncins (lue terminam em -gonia , E o. sécu~oXIX, inventa u~a epistegonia,com Comte, uma geogonia, ou uma biogonia , DaI vem a leltur.a. dupl~ doquadro de Mendeléíev, como de todo o sistema: seja como malha bld~men~lOnalU sinopse com duas entradas, seja como encadeamentoem que a terceira dimen-alo pode ser o tempo ou a lógica numeral do simples ao co~plexo, um evolu-elonlsmo. O plano único de Geoffroy ou os planos de CU~ler, pelo elclpentoinvAriAvel c pclllS variações, cllrrcgnm bem esse duplo índice, ele organização

AS CI~NCIAS 169

e de produção, de gênese e de sistema, de espaço e de tempo, de geometriac de história.

Uma cosmogonia, uma gêneseem geral só são possíveis e pensáveis se umestado de coisas, depois de ter sido apreendido nas invariantes de seu funcio-namento, quer dizer, em suas leis, é considerado nos invariantes de seu própriotempo, quer dizer, como fóssil. Portanto, os fósseis da Laplace: equador solar,fraca inclinação sobre ele dos planos orbitais, pequena excentricidade das elípses,anéis de Satumo, são todos variedades do plano. A cosmogonia começa poruma estratigrafia do céu. Da mesma forma, quando se calcula a idade domundo a partir da irreversibilidade do esfriamento, todo corpo celeste em trêsestadostem três camadas,de importância variável, sólido, líquido, gasoso, enve-lopes superpostos que são indicações de sua idade. A rigor, isso não está tãolonge de Boucher e de Perthes, da pré-história das camadascom ossos, ou deBrongniart, da paleontologia estratigráfica. Toda formação é avaliada segundoformações. Superfícies empilhadas, conjuntos de elementos definidos como restosou traços, tábuas em que permanece escrito o tempo da história, como sobre aspelículas que se folheam, de um palimpsesto ou os pedaços cortados de umapedra da Roseta. O tempo da série animal projeta-se e desenvolve-seinteiro,pelas túnicas envolventes de um único embrião. O mundo concreto torna-selivro e os tecidos tornam-se textos. Historiografia: as rochas escarpadas, aobordo do mar, as suas estratificações superpostas, são apenas, para Michelet,bibliotecas. Quando a referência é um plano, coleção de traços projetados,todo corte do real é alguma coisa como um livro: anúncio da solução das coisasem palavras, do predomínio da língua. Isso matará aquilo, isso matará tudo.É o perfil que abafa o assunto, a ecologia faz-sehistória. Em resumo, o modelopropaga-se rapidamente por todas as regiões da enciclopédia, e não deixa ne-nhuma intacta. Ele invade logo a meditação filosófica, em que a época dossistemas planifica as totalidades, em que Fichte descola as películas da cebola,a sua capa. Ele perdura até Husserl da Krisis, Eis o campo das pesquisas: épreciso revelar, folha depois de folha, os planos ou camadas ou formaçõessucessivasdepositadas a partir das origens, e isso, até o solo, até a primeirapágina, à tábua arcaica, à infra-estrutura, ao alfabeto original. A archê primi-tiva era um ponto, ela começaa tomar-se um conjunto, mas a hierarquia conser-va-se pela fascinação da base, dos limites essenciaisà determinação: funda-mento da fundação, base. Alfabeto primitivo escrito na arena arcaica: axiomasou sonhos, Hilbert e Freud. Questões que se referem a um quo nihil retro

dici vel seribi possit. Filosofia que procura um derradeiro lugar, atrás de tudoo que é passado. Não poderia então haver erro.

A questão prejudicial só era possível, há pouGO,por causa da imbecilidadeda divisão. E, por causada divisão, era impossível de resolver. me .I;Ó /,o(/tI .Ir/"

[ormnláoel, agorcl, 110 meio de ilmrJriallte.r reconhecidas, a part ir do momentoem CjUC as classificações ficam entre parênteses. O saber scriu IIpCl1118umllformação entre outras, cujo problema é de situá-Ia relativamente 11'''''I ,'.m."

. das, num sistema global que ipcrrnanece hierárquico. O, c1C:llIentOlqUI nluvariam são st'mpre (Ircbú.r. A nova ciência dcstró! esse velho reMldun '.ntAl·tiro, A (luestão (lullntn 1 hi~l6rjll dllN dl-nlins csh\ cnvnlvlda mlmll mnlhçluhislól"irll dlui dendlll,

f

170 HISTóRIA: NOVAS ABORDAGENS

.: l'dt'ié{I"de 10go-mlvem

o universo de Laplace é privado de matéria, salvo uma coesão hipotética\' variável: ele reduz-se às figuras e aos movimentos, à geometria e à mecânica.I\k é privado de vida, e submetido unicamente às forças da gravitação. Ele éprivado de história: as suas variações percorrem, do elemento que não varia aoIIll'SmO, segmentos temporais fechados, desigualdades anuais ou seculares; oIclllpO não é irreversível, ele gira em torno de si mesmo, ele é uma revolução:., acontecimentotipo cometa é sempre periódico; só se prevê o passado. Mundo,'sLivd, fechado, imortal em seu gênero e seu balanço sensível, a nossa segu-rallça baixo o fIagelo. É o relógio dos clássicosem seu mais alto coroamento.

Imprevisto em cena: não é apenas a gravitação que é universal. O calorr.unbém o é: nenhum corpo é neutro a esserespeito, nenhum corpo escapaa,'SSi\ romunicação. O século XIX ouve três vezes, e longamente, a repercussãodrssa deflagração, as três batidas que precedem a nossa modernidade. TrêsI'·,'relllas atravessamtrês regiões sem deixar resíduo, na totalidade do ser e doI unhercr . Existe matéria porque existe calor: a física dos átomos vai nascerdesseforno, em que dança a sua agitação aleatória. A gravidade não é mais do'IlIl' urna força de interação entre outras. Existe vida porque existe calor: oprincipio vitalista é despido de seu mistério pela energia e pela informação.Fxistc história porque existe calor: a sua origem, a sua causa, o seu curso irre-v-rsívcl c seu fim. Com Kant ,e Laplace, a cosmogonia tem origem nohr.isciro solar, o esfriamento conta o tempo; ela não deixará mais as fornalhasrstelnrcs c galáticas. Na outra extremidade das coisas (mas não há mais nemsrric, nem extremidade) só há transformação da matéria pelo ser humano vivo,metamorfose técnica e prática, mudança de condição, transubstanciação, pelo(oito. Pelo calor, um sujeito, cujo princípio é o calor, age sobre um objeto,'11Ie'é uma sede de calor: breve será necessáriodizer de outra forma essa frase'111e'lima língua envelhecida tornava repetitiva, escrever apenasuma vez calor,r suprlmir o par sujeito-objeto, impertinente. Mundo que nasceu sob váriosil~,.,cct~,~,cuja origem começaa se multiplicar, e que morrerá, de um golpe, com" sol, Ierhado ou aberto, é a questão, em formação sem retorno na drama-IlIr~ill do irrevcrsivel, o nosso mundo em perigo sob as tochas: a revoluçãoinduslriul .

O sol era antigamente o ponto fixo, afogado no plano fixo equatorial;ínmudo, antigamente, núcleo estável de uma elípse; ele é um núcleo que queima,nriJ.:em.mudança, degradaçãoe morte; e há milhões de sóis, dispersos.

o calor é universal. Comte o repete, como eco de Fourier. A trigésimalição do conrs de pbilosopbie positive resume, com austeridade, em suas pri-meirl8 linhas, uma rapsódia mundial sobre a primeira grande idéia perigosada épocaromântica: o Discours préliminaire à Tbéorie analytiqlle de Ia chalea«.No segundo dos textos, a universalidade do fenômeno térmico é extensiva, dasrntranhas do solo no regime tios ventos. No primeiro, ela é compreensiva.Comte: elA tratn dnNmodlflcações profundas dos corpos reais em geral, de seu

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AS CIÊNCIAS 171

estado de agregação,da composição íntima das moléculas: íntimo, profundo, eletrata do interior. Geometria, mecânica, astronomia, barologia, o sistema dosaber positivo convinha ao sistema do mundo; podia-se pensar, uma vez feitoo balanço, que ele só havia sido formado para conhecer a gravitação que, deseu lado, constituía o universo. Ora, essasciências vêem sem tocar, descrevemsem intervir, deixam intactas e sem modificação a superfície fenomenal dascoisas, a manifestação das forças em trabalho, a forma da aparência, a comuni-cação dos movimentos. Exteriores, por sua discreção metódica, elas não vãoaté o interior, salvo nessemoinho, esse relógio, no qual funciona, partes extra

.,partes, o equipamento clássico de roldanas com dentes, de cordas, de pesos,e de cadernais, Na realidade, o mundo gravitacional, como o viu Comte, per-manececartesiano, além de Newton; conduz a uma fenomenologia, essetermode astrônomo, concebido por Lambert para o céu e para o olhar. O calorconduz, ao contrário, à tentação ontológica: o calor modifica as condições damatéria, perturba os edifícios moleculares, pesquisa o interior das coisas e oaltera. O calor é anticartesiano, e, para dizer tudo, antipositivista; daí procedea confissão que trai o professor do Curso; o calor é o antagonista da gravitação.Quem não vê, aliás, que a cosmogonia de Laplace é ortogonal, no tempo, àclassificação mecanicista dos corpos materiais, no espaço, que o fogo e o frioatravessamnum momento os gases,os líquidos e os sólidos estratificados noscorpos celestes? Que a termologia explica as diferenças entre mecânica dos só·lidos e hidrodinâmica ou mecânica dos fluidos? Só se tem acessoà naturezamediante a sua transformação: ora, ela própria se transforma. Isso passa-se com a matéria, passa-secom o interior. Isso passa-se,em segundo lugar, coma ação do homem sobre a natureza. O ferreiro pratica a transubstanciaçãoquea cosmologia tem em vista, enquanto o mecânico só sabe ou só pode transmitir,transferir, transportar. As coisasnão permanecemintactas, sob o poder do fogo.Caminhos usados para a passagem das coisas que se movem, elas se tornamlugares em que é suscitado o trabalho. A intervenção suplanta o olhar, ~ trans-formação do objeto suplanta o objeto transferido. Daí procede a reputaçãonascente da prática e 00 crepúsculo da teoria. A velha fenomenologia mecani-cista descreve apenas a topografia pela qual o calor é dirigido, conduzido; osórgãos de transmissão obedecem como conseqüências,a forma é uma conse-qüência, um complemento, não é mais o essencial. O que domina está no níveldo núcleo. O antagonismo de Comte será um combate terminado com a agoniada questão "como"? Dessa mesma questão que, no passado,substituíra a ques-tão "que"? O mecanismo será apenaso lugar da questão "por onde"? A gravi-dade, que lhe conferia a sua força principal, só pode ser explorada por quema sofre, só pode ser dominada por uma obediência prévia; ela não pode ser

capitalizada, ela só deixa tocar a sua receita, aqui, num ponto de seu campo,na corrente da água, na direção do vento. Quanto ao calor, ao contrário, todomundo sabe.concentrá-Io, capitalizá-lo, acelerar ou retardar os seus proveitos.Fourier o diz muito bem, e tesponde de uma vez só às quatro quc8tões de'praxe: todo corpo contém o calor, recebe o calor, transmite-o, condus o calor.Coisas que só conviriam à ~ravitação para a cornuniceção e 1\ trOCA, c nl, Ipara o conteúdo e paro: a questão "onde"? O calor pode ler 8uard1do, ti dlpo."extraido e quase do modo que se quiser, Cadn lugar do mundo, cada parte dllmatéria 6 o Arbu~tode Promcku,l1o (IUIII 11nuturczn (u-"C obedlente, N •• r.ndC'

HISTÓRIA: NOVAS ABORDAGENS

p,ll'liJa de xadrez conduzida sem truques e sutilmente desde antes do períodoucolitiro, o empate a que se refere o Chanceler Bacon é um falso prognóstico;,I IIIll dos jogadores foi dado xeque-mate. Será necessário um tempo muitogrande para descobrir-seque a regra do equilíbrio é deontológica e não fatal.A universalidade do fogo, que é a nossa melhor jogada, é compreendida nos,orpo~, está encerrada em todos os corpos. Nenhum dos corpos é quente oufrio. Só existem bancos térmicos: será que toda economia funciona como má-'Iuina cncrgética de seu tempo? Em terceiro lugar, eu sou, eu próprio, como servivo, sededo calor ,e duplo pólo de suastrocas: trata-se, para terminar, da vitali-dade, da qual Comte anuncia tranqüilamente que ela, por essência,estásubordina-,b ao calor. As três batidas de teatro repercutiram bem: 'O inerte, o vivo, a sualaboriosa relação. Encontrar-se-á novamente um mundo unitário, no dia em'IIIC se encontrar o fogo.

A variedade fogo atravessa o saber, de forma repetida, fecunda-o nova-mente e () reúne, de uma a outra parte, uma tão distante como se queira daprimciru, como o faziam, na época clássica,a variedade do ponto, e, na épocaromânticn, a variedade do plano. Essasvariedades tinham em comum a fixidez,II relnção e a referência, em torno do que se concebia o reversível. Há a está-I ira, há os elementos invariáveis que se conservam. Revoluções tranqüilas er irrulares: entre o a favor e o contra, em caminhos muito freqüentados, as se-'11I~llciasbalançam. Sob o império do fogo, o empíreo, a sua revolução semretorno, nasceo irreversível, e depois o desgastepululante da matéria analisada,{' del}()is a probabilidade "estocástica": ~ob as figuras estáveis e os movim~t?Sdominados ~-- Descartes ou a aparenCla atravessada,reencontrada, o cenario.10 cenario, e assim por diante - jaz um novo real, suscitado pelo fogo, objeto

.do temia. madjuvante de práticas, um real que não é mais racional. Do mundorel6Riu passa-seao mundo forno. O relógio é o milagre do forno, onde sefundam os seus órgãos. Eis a palavra da revolução: o real não é racional; orlldolllll. IlO entanto, inevitável, é realmente impossível lá. A partir de então,Indo ~nhC'r,do mundo e do universo, das coisas e de suas entranhas negras,,ICJN ~ert'Nvivos até o() elementar de seu encadeamento, segue o velho caminhodo (ORO,c, ao fazê-Io, descobre o racional, estabilidades, elementos que nãovurlam, ntrás do que o real desordenado faz o seu ruído sem nome. A nossaciéncin do mundo é cortada, de forma ortogonal, pela ciência do calor.

A ciência contemporânea constitur-se nos domínios proibidos por Auguste(:ornl'e mais do que em seus planos. Ele condenava a lógica, a teoria dosnúmeros, a matemática abstrata,como tagarelice, e elas predominaram; ele conde-IInVIl () nilculo de probabilidades, e ele se revelou como o mais forte instru-mento nas ciências exatas. A cosmologia devia restringir-se ao mundo solar,mal 1\ astroflsica, a partir de Herschell e Savary, pesquisa o universo das estre-IAI, B assim ror diante, Na realidade, os espaçosproibidos pelo espírito posi-

AS CmNCIAS 173

tivo são separados de seu espaço próprio, como as distribuições o são dosistema. De uma parte, uma arquitetônica sólida e planificada, de outra, multi-plicidades de escolhas, de caminhos, de objetos, talvez de ciências possíveis.E é o fogo, o fogo da revolução industrial que dispersa, pela explosão, o velhoedifício regular, consistente, uniforme. O progresso linear ou a série clássicadava idéia, no passado, da genealogia das ciências. O espaço tabular em quese preenchem as lacunas passou a representá-lo, depois. As ciências passamagora a dispersar-se por uma multiplicidade de dimensões. Elas rebentam. Oobjeto do saber torna-se a multiplicidade como tal, uma distribuição, a mesmaque se dizia original e que o tempo, lentamente, recobria com uma ordem.Não se trata da negação do antigo monumento, trata-se de sua pluralização.Os que compreenderam o novo espírito em oposição ao antigo, dizem sempreespírito e tornam simétrico o positivismo. Eles caem novamente em suas proi-bições. Fora do ponto, há uma nuvem de pontos; fora do plano ou pilhasde pratos, existe um universo aberto de variedades. Conjuntos que variam aoinfinito, espaçosque sempre se continua a descobrir; a multiplicidade não carac-teriza apenaso objeto de uma região, mas a própria região: há lógicas, geome-trias, álgebras, matemáticas. Sabe-se enfim por que motivo essa palavra estáno plural, e como fazer para passar as outras para o plural.

Pela tematização dos conjuntos, pela topologia dos espaços,pelo .campodas probabilidades, pelo estudo das energias, pela física das partículas, pelasnuvens estelares ou galáticas, pelos quanta e pela indeterminação dos trajetos,pela bioquímica genética, pelo tratamento das grandes populações, pela teoriada informação, por toda mensagem que mergulha no mar imenso do barulho ...por mil regiões ligadas de perto ou de longe à velha termologia e a seusdescendentes,todo objeto, todo grupo de objetos, mas também todo domínio,toda coleção de domínios são, a rigor, nuvens. Nuvens cujas bordas carregamos problemas. Tudo se passa como se o essencial fosse uma epistemologia daultra-estrutura ou das interestruturas, Bordas, aderências, membranas, conexões,vizinhanças, regulações. Os lugares de passageme da comunicação: as encru-zilhadas de Herrnes,

o teorema de Brillouin

A exatidão só se consegueao preço de uma infinita quantidade de infor-mação. Obter, por exemplo, uma medida precisa, acabar, mais geralmente, coma moeda do conhecimento aproximado, custariam uma quantidade infinita deinformação. Esse resultado de Brillouin coincide com mil e três teorernas delimitação entre as outras disciplinas. Isso se passa como se o saber contempo-râneo pudesse, a partir de então, reconhecer os seus limitei. ResultA umAcompleta alteração das teorias possíveis do conhecimento, enio unlcament.cientlfico: do conhecimento imediato, estético no sentido prôprlo: Que umdemônio tão louco quanto Fnusto, mas tão desejoso de IClltir-se rico, tlllh.dcddido pn~!lr UI111111 preço Illlrll COIllluistllr C5HI\ Ildelldade, IUI'llnhn t.jUI lho

l74 HISTõRIA: NOVAS ABORDAGENS

~t'rá ncccssarro contar com a infinidade dos tempos para pagar a sua dívida.O inferno da perfeição e o discurso que não termina. .

Por tê-lo analisado em outro texto, com pormenor, não retomo aqui esseresultado de que as condições de possibilidade do conhecimento histórico não~il(} diferentes das condições do conhecimento físico. Não no sujeito, mas nopróprio objeto. Trata-se, nos dois casos, de sólidos que contêm, inscrita, aUI formação. Isso, por si só, justificaria a importância de uma lei física nodomínio da história, se um princípio universal de troca não constituísse a orga-nj;~Il~·ãode todo método de conhecimento. Houve um tempo em que o ChancekrBucon indicava que só se domina a natureza, obedecendo-lhe. Tratava-se deIIIllIl versão da troca energética em termos de domínio jupiteriano ou de combatemarcial. A lei física e a ordem das coisas eram compreendidas corno decretopolltim ou palavra de rei; por uma astúcia de mestre, o comandante, primeirovencido, na batalha, ganhava por fim a guerra contra um adversário chamado1i ruu 11reza, o escravo. Um adversário leal, que se escondia sem dúvida, masI(UC não podia enganar ou roubar no jogo. O esquema da guerra e do domínioNrl'vill de mrse-en-scêne e de modelo ao conhecimento do mundo. Nós aindaflilo salmos dessa brutalidade inicial, induzida pelas linhas de força do compor-Inmcntu animal no nicho ecológico. A nossa ciência continua a ser hierárquica,f'llIho!'ól o adversário esteja morto, para sempre. Eu entendo por essa morte oflllo de t\ue as macroenergias em reserva estão domesticadas ou são domesti-l4vci~. Não haverá mais a guerra do ChacheIer. O seu modelo vem do tempodo nicho terminado. Marte ou Júpiter, como deus ex machina, é uma imagemperi~osu, para fazer medo às crianças das escolas ou àqueles que reinam n05I'"láci(~~, um tigre depapeI. Restam as microenergias. A frase de Bacon traduz-~c então sutilmente e a troca, nua, aparece em sua verdade, frente ao antigot.rntl'O. lIcrrncs ou Quirinus substituem os antigos deuses. Sim, domina-se aIHltlll'C'ZU, mas no sentido em que se lhe faz uma encomenda, no sentido em(1'1f' Nt' lhe pede que dê, contra retribuição; ainda melhor, no sentido em que'w Il'Il1 lias mãos os órgãos de controle, servocomando ou telecomando. Então,111\ l'('r~1I111a c resposta. Isso pressupõe que ela possa responder, que ela possa1'~IIlIM. Isso pressupõe que se lhe possa responder, que se lhe possa e queira1'~1ll1111', 1)(' on.le provém obedecer, quer dizer escutar: Ú 7fax o ÍJ €L v, diziamIIN Wl'~os. A pesquisa física passa a não ser mais do que a descoberta progres-~iVII de um diálogo. Ela põe em movimento trocas energéticas, e a sua teoriaIt'dll~.·~t' ao alfabeto do código que as torna possíveis. Só se fazem perguntas1\ nnturczn, no momento em que se sabe escutá-Ia. O' que ela pede, por suaVt'~, (o IlpenilS () preço do que oferece. O código do diálogo diz a moeda dessa1I'IX'tl. Hrillouin, portanto, é Bacon, é a verdade de Bacon, desembaraçada dostrllpos do drama pré-histórico . :É sua verdade, seu limite, a sua generalidade:11rt'l(ru é válida para todo conhecimento físico, mas também para todo conhc:-drncnto de todo objeto Não levando em consideração o sentido, a qualidade,;1 vll!or da informação, a regra vale a [ortiori quando intervêm esses limites.SlIlidt:L1 informação; será necessário pagar em termos do teorcma de Brillouin .No fim das contas, solicita i a precisão ou a exatidão, procurai determinar umlimite rigoroso, um corte exato, isso equivale a que se vos dê uma quantidadede' informação infinita, c, portanto, a exigir de vós uma despesa infinita emlermo. do teorema de Brillouin , Todo conhecimento tem um pn:,'.(), um custo.

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marcados com etiqueta. Qualquer que seja, pode-se sempre avaliá-Ia, ele é conta-bilizável num balanço global do devido e do recebido. A teoria do conhecimentoé o quadro desse balanço. Se toda observação, se toda experiência pode avaliar-se, então a teoria do conhecimento é uma ciência, como a aritmética ou a está-tica ... ou a economia. Retorno a Bacon: quereis dominar como um Senhor,de forma definitiva? Isso significa desequilibrar o balanço, recusar o pagamentodo preço justo, a tomar, sem nada dar. É necessário, nessas condições, quehaja falência em qualquer lugar. Ora, o falido, aquele que deve abrir falência,é o senhor da teoria do Chanceler, o determinista. No seu sonho gigante, aquelenão queria contar o custo da experiência, das aproximações e dos erros, passavao limite do interminável de direito (o volume que se prolonga indefinidamentena discussão do teorema de LiouvilIe por Borel-Perrin ) e reduzia a zero assuas dívidas. Ele colocava uma lei matemática de sonho, e deixava de lado oserros prátioos. Ora, a lei exata é a negação do débito. Quando é preciso pagaras dívidas, a lei feita pelo determinista se destrói . A lei só existe no interessede alguém: aquele que quer tudo tomar e nada dar, aquele mesmo que expulsaMonsieur Diamanche para fora de casa. As leis exatas, rigorosas, são falsas einjustas, falsas porque injustas, injustas para a justiça-balanço. A balança, fla-gelo da lei. Toda a lei é in-justa, a do aristocrata e a de Laplace. Pelas mesmasrazões. O determinista, o legislador encerra, termina a coluna do deve; dodébito. Por sua própria iniciativa. O real não tem lei. O real é e não éracional.

Em virtude, portanto, da regra universal de troca, em virtude dos custos

e dos balanços energéticos da experiência em geral, eu tenho o direito de colocarBrillouin em todos os domínios em que se trate do objeto. A matemática, aoque me parece, escapa inteiramente a essa extensão; ou melhor, o objeto mate-mático poderia ser definido como aquilo que. escapa à regra. Daí se vê, de

forma nova, o motivo porque a matemática pura é um jogo gratuito. Tales oua graça, Tales ou o milagre. Será necessário voltar a isso. Isso dito, seja dadoum conjunto de monumentos, restos, traços e marcas daquilo que se chama ummomento dado da história. Esse momento é identicamente, para nós, esseconjunto, essa. nuvem documentária. Trata-se bem de um conjunto objetivo:materiais sólidos portadores de uma informação inscrita sobre eles de umamaneira. ou de outra, segundo tal ou qual código. Brillouin diz então que ()conhecimento exato dessa nuvem, e mesmo a sua divisão precisa, custaria umaquantidade infinita de informação. Seria necessária uma fortuna insuperávelpara pagar a. transformação da nuvem num conjunto dominado 'de parte ernparte. Daí provém esse teorema, banal à força de evidência, mas obrigatório,constrangedor: o conhecimento exato de um segmento determinado do pas.fcu!ocustaria o infinito. do tempo POI' vir. Porque é preciso a infinidade do tempo

para pagamento de uma dívida sem limite. A história como ciência tem l!lIl'ser paga com o resto infinito da história como tempo. O ideal do conhecimcntuexato, terminado, fechado, definitivo, implica que se afaste, Indefinidarnemc.() horizonte do futuro: falando estritamente, não há diferença entre tI.el doi.mundos. A história a saber custa a história tempo, Nunca se I\cAbarA, portlnto,de conquistar 11 Butilha ou de enterrar O~ membros da COmUllII, li eome ., 11

história fosse t'~N" eNtrAnha deC'iNlo dl\ pnixi'io fi(()~en6tkn, de 1'.11"r, ror um

\7(; HISTóRIA: NOVAS ABORDAGENS

pre~:oinfinito, por um discurso interminável, os fragmentos dispersos de seuI'rúpl'io passado. Doença ou terapêutica, quem o dirá?

Levando tudo em consideração, já se sabia disso, sem dúvida, mas não~,r sabia, talvez, que era uma coisa demonstrável e necessária. O interesse deI\l.lhclecê-Io clara e distintamente reside, como acontece,em seuscorolários. Umalei implica a exatidão e a precisão das observaçõese das ex~eriên~ias;.elaunplira llue sejam eliminados os erros e as aproximações,o que f01, mais acima,rh.unado negação ou recusa da dívida. Quem pretende ter encontrado umalei pretende à exatidão no próprio momento em, que exib~ ~ lei: ou .is:o é.ihxurdo pois pretende ter encerrado a coluna do débito do direito interminável,(111 l: decisivo, pela recusa de assumi-Io. Ou não existe lei, ou ela é arbitrária,I orno o é a dispensa que a pessoase dá de pagar o resto da conta. Daí provém" segundo teorema, com um poder superabundantemente corrosivo: é uma emesma coisa pretender mostrar uma ou várias leis históricas e decidir que ahistória terminou, ao menos a termo. Quem disse ou dirá que descobriu umaII·i histórica faz parar, por isso mesmo e por sua decisão, o tempo da história.1\ legislação coincide com o fechamento. Em seu nascimento, o século XIXIcpele o gesto de Josué: Laplace e a estabilidade do sistema solar, Hegel e o'1'11 fechamento. Não dizei mais lei; dizei, antes, parada.

Isso posto, quem tem interesse em estabeleceruma lei da história, a não\('1 aquele que quer suspender o tempo? Ora, quem procura o poder, em(',onomia, em política ou em filosofia tem sempre intere~seem fechar ~ gên~s~,.1 'luc vem em sua direção. Ao menos, para não .ser ?br:gad~ a taga; ~ndef~11l-.l.uncnte aquilo de que se apossa. Submeter a história a legislação, e identica-mente submetê-Ia a quem toma conta da legislação. A lei é o roubo.

Mas, llue é conquistar a Bastilha ou defender Montmartre contra os habi-tantes de Versalhes? 1l um segmento da história. É preciso poder oortá-Io,J1 IHt'ciso um ou vários cortes, o corte de um fenômeno. Ora, essadissecação{ I t' uma precisão (cortar, em latim, implica precisão, decisão, concisão) ultra-111111. Por isso, essaprecisão exige uma neguentropia infinita, quer a infinidadedlt história por vir. Cortai: é uma decisão. Ou gastareis nisso um tempo inter-nunávcl . E toda decisão para ser expelida, qualquer que seja. Não é a inter-\'t'nçiio do sujeito ou do grupo que arruina a objetividade. É a própria matériadll afirmnção . 1l o seu objeto. Um materialismo conseqüentediz isso, sobre omundo e sobre a história. O corte é uma operação matemática, uma decisãodll razão, um impossível físico, nos limites da experiência. Fora dos limitesdóI planta.

Essesresultados evocamnão uma concepçãoda história, mas uma concepção.111 ciência. Quer dizer, ao menos pelo momento, uma concepçãoda ordem edn desordem, do conjunto aleatório, do grande número e da determinação.Nesse sentido, os contemporâneos, quero dizer, os trabalhadores que fazem aciência, não os cabalistas que repetem os textos, destruíram inteiramente a ideo-logia de seuspais e ligaram~senovamente à.fi~osofia de.seus a;,ós, filo;o.fia ,:!ue[nmais se deveria ter esquecido,a dos materialistas de nossa mae, a Grécia, ~Im,11 desordem precede a ordem e s6 ~ pri~meiroé real; s!m,. a nu~em, CjuerdIze:,(\ grande número precede a determl~açao, e só os, prImeIros .sao rears , A leI,.1 rndein, 1I ordem são sempre cxceçoes,alguma coisa como milagres, A proba.

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bilidade rarrssima tomou o lugar do inevitável. Se há uma ordem das coisas,há sempre um cálculo subjacente que mostra até a evidência que não deveriater havido essa ordem. Essa revolta radical com relação ao concreto-objetivo,que deveria ter transformado os nossoshábitos há muito tempo e transformadoas nossasmaneiras de pensar, não vêm de ontem: Brillouin está entre os últi-mos de uma genealogia que sobe, ao menos, até Boltzmann. Ele arruina parasempre as esperanças serenas dos laplacianos, dos positivistas e outros ordc-nadares. A mania da limpeza tem, no entanto, vida tenaz, e a concepção ro-mântica, quero dizer laplaciana, perdurou entre os historiadores, os quais sópodem conceber a sua disciplina como ciência se ela leva a encadeamentosdeleis. Ora, se a história quer ser uma ciência, ela deve começar por renunciar atais encadeamentos. Ela deve fazê-Ia, se ela quiser ser ciência e para sê-Ia.Essesresultados não são, portanto, contrários à concepçãocientífica da história:eles contribuem para fundar tal concepção.

Voltemos por um momento ao que dissemos,há pouco, dessahistória dasciências concebida de·maneira compacta. Talvez encontremos aí traço de umapré-história da história. Os esquemas da mecânica, racional ou celeste, erammodelos fiéis e claros de duas grandes estruturas sincrônicas, ponto e planofixos. Para as duas disciplinas, a questão consiste, gLobalmente, em descrever eexplicar um movimento qualquer. As condiçõesiniciais, o balanço das forças empresença,o percurso, o lugar terminal. .. e, para acabar,a lei precisa do traçado.Como preliminar, ao menos para a segunda disciplina, uma massa, que logose torna gigantesca, de observaçõesmais ou menos finas, e, para as duas, aprocura de um número mais ou menos elevado de parâmetros. O problematoma pouco a pouco essa forma, mas essa forma canônica impõe-se, mais oumenos conscientemente,a todo saber que opera o tratamento de 11m conjunto dedados variáveis pelo tempo: Sabia-se,há muito tempo, que, de várias maneiras,ti história era tributária da astronomia: técnicas de estabelecimento de datas,idéia de um "modelo" fiel para um conjunto de fenômenos aparentes etc...Aqui ela é tributária da astronomia pelo deslocamento, nem sempre dominadode forma distinta, dos métodos da mecânica. Os estadossucessivosdessameto-dologia marcaram, profundamente, a nossa concepçãoda história. As duas estru-turas acima mencionadas têm, em comum, em primeiro lugar, a fixidezde um elemento ponto ou plano, de maneira que é sempre preciso encontraro elemento invariável por certas variações, em resumo, sempre preciso referiro movimento ao repouso. Vão assim suceder-seas denominações do que nãovaria; o ponto de referência, o ponto de vista, o pontoOinicial e o ponto final,os pontos correntes, ordinários ou singulares, considerados eles próprios comoestados de equilíbrio na trajetória, estaçõesou estágios. Em outras palavras.o sistema das situações, o corte do fenômeno e de seus limites, tl descriçlodo movimento, ponto por ponto. A partir do momento em que cxi.tc umponto fixo (ou váriós)o conjunto de dados forma uma cadeia: Il concAtenlçlndos acontecimentos implica 11 idéia de cama e ti id~ia de efeito, I referfndaimplica a idéia de condições, Além disso, n idéiu dos ponto" 11111,11"11 1\ unldAdatlu cansalismo. CRdeitl~ unrV()CII~.·num tempo monôdromo, viu de um panttl

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a outro. Eu tenho apenas um pai, .que tem apenas um pai ... figura arcaicada questão. Passemosao plano fixo, que projeta sobre um elemento que nãovaria O grande problema dos três corpos. E o problema dos três corpos é ummodelo maior, universal, que reside há dois séculosna parte que não é pensadade nossa razão. O número de parâmetros aumenta, a cadeia unívoca não émais do que um subconjunto: o gráfico é uma rede gigante. Multiplicidadede condições, pluralismo em estrela. Não existe mais fenômeno de que sepossa dizer que é univocamente determinável. Ê uma confissão que não rompecom o causalismo. Não é porque as sériesse cruzam, sobem uma sobre a outra,coincidem, que desaparecea determinação: ao contrário, ela vai até a sobrede-terminação. Basta desenhara rede por posições,movimentos, relações de forças,escrevero quadro das equaçõesdiferenciais, ou projetar o todo sobre um plano,ól grande tábua do mundo, em que Poinsot escreveo seu par de duas forçasopostas,síntese e motor de todos os pares do mundo. E a grande lei da sobre-determinação fechada pela rotação sobre si mesma permanece esquematizávelpelo par à moda de Poinsot, a dialética da tese e de sua contradição. Essemovi-mcnto não tem motivo para parar: a história está aberta à direita. Indefinida.l!is os dois estados do causalismo, da determinação, do tempo sem fim; elesvão do um ao múltiplo, do Deus dos filósofos ao deus de Laplace. Só há nissogrades geométricas e esquemasmecânicos. Que se diz quanto ao real? Ele éIIpenas,pelo momento, racionalidade, Ora, na realidade, ele é um conjunto emforma de nuvem.

o grande Pan morreu. Os sistemasde totalidade sem exterior, de explica-~ílo ou compreensão universais e sem lacunas, estruturados por diferença, leis~criais ou quadros sinóticos, hierarquizados por referências e funcionando porum motor, ou com planos ordenados como camadas ou estratos, caíram forade moda como aconteceucom seusmodelos mecânicosde funcionamento, varie-,llIdes ortogonais para uma ciência morta. O interesse de uma história dasd~ndas é mostrar constantes repetitivas e não percebidas do saber rigoroso ouexato, transbordar o seu quadro enciclopédico ordinário e espraiar-seem todososIugarcs em que passam como razão. Essa razão, pela ignorância entretidadaqueles 'lue não podem habitar o quadro, perdura muito tempo depois quede explodiu. Daí um desnível, um atraso, às vezes seculares, entre técnicas,'·"Irlltégias c métodos que se dizem, em todo lugar, racionais e que não seplLrco.:mmais. A obsolescênciade que se fala é dessa ordem: essessistemasSólo racionais, eles só são racionais no sentido daqueles de que o saber con-temporâneo despediu-sehá mais de cem anos. A proliferação do real dispensa,ugora, essas grades, e não é sem motivo que, no começo deste século, JeanPerrin recorria aos materialistas da Antigüidade. Voltar às próprias coisas, àsmultiplicidades misturadas, às dispersões, tomando-as como tais, não mais asencadear em seqüências lineares ou planos múltiplos tecidos em redes, mastrat'·las diretamente como grandes números, grandes populações,nuvens. Ondeo tecido regular torna-se exceção c não mais, norma totalizante. A lei não émal., lei, d", (: o limite. Produzido pela nuvem, c não pela razão de

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AS CIÊNCIAS 1711

quem o possui, o sabe, o contempla. Restituir às coisas a totalidade de seusd!reitos, antes de intervir. Todas as nossasdivisões e os nossoscortes, as nossasdiferenças, as cadeias, as séries, as seqüências, as conseqüências,os sistemas,as,ordens, as f~~~a?ões, as .hier~rquias e arcbês, são eleição, poder, arbitrário, omilagre probabilitário do historiador-deus, e devem ser dissolvidos, devem serfundidos, devem ser misturados, como conjuntos móveis, no fogo an-árquico.O :eal-nuvem é privado de arcbê, esseresíduo de idealismo que se denominavaantigamente a razão, e que é apenas a sede do dominador ou sua ordem.

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A política

JACQUES JULLIARD

A HISTÓRIA política tem má reputação entre os historiadores francesesCondenada, faz uma quarentena de anos, pelos melhores entre eles, um MarchB1o('h,.um Lucien Febvre, vítima de sua solidariedade de fato com as formasilN mais tradicionai~ da. historiografia do começo do século, ela conserva hojeum perfume LanglIs-Selgnobosque desvia dela os mais dotados, todos os inova-dores entre os jovens historiadores franceses. O que, naturalmente, não contri-hui para melhorar as coisas.

Não está e~ ~ossa i~tenç~o e.xaminar novamente, uma a uma, as peças deum processocuja mstruçao fOI feita mil vezes, e bem feita. Como todos sou(l~vor{~vcIà cond<:nação. Os fatos invocados pela acusaçãosão daqueles que ol.ust()rJad~rde hOJ~não tem v~nt.ade ?e desculpar; as únicas dúvidas que tenhot. às quals voltarei referem-se a identidade da acusada,e sobre a oportunidadede manter, a seu propósito, a interdição de permanência a que foi condenada..Contentemo-nos, no momento, em sumariar os principais considerandos do jul-gamenro,

A história política é psicológica e ignora os condicionamentos' é elitistaIIl1v~1.biogrãfica, c ignora. a sociedade global e as massasque a c~mpõem; équulitntiva ~. Ignora ns.sénes;.o seu objetivo é o particular e, portanto, ignora11 comparnçao; é narrntiva, e Ignora annálisc: é idealista e ignora o material; é

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A POLíTICA 181

ideológica e não tem consciênciade sê-Io; é parcial e não o sabe; prende-se aoconsciente e. ignora o inconsciente; visa os pontos precisos, e ignora o longoprazo; em uma palavra, uma vez que essapalavra tudo resume na linguagemdos historiadores, é uma história factual. Em resumo, a história políticaconfunde-se com a visão ingênua das coisa:;,.que atribui a causados fenômenosa seu agente o mais aparente, ° mais altamente colocado, e que mede a suaimportância pela repercussãoimediata na consciência do espectador. Uma talconcepção, como é evidente, é pré-crítica; ela não merece o nome de ciência,mesmo enfeitada com o epíteto de "humana", e sobretudo não merece o nomede ciência social. Pois agora, segundo todos pensam, só há história social, querdizer, coletiva, pondo em ação grupos e não indivíduos isolados". Já em 19lL,quando Henri Berr criticava a história tradicional", opondo-lhe a "síntese histó-rica" que tinha a ambição de elaborar, o que se visava era bem principalmentea história política, a dos Seignobos e dos Lavisses, que ocupavam os postos decomando na Sorbonne: uma história passo a passo, uma história de costurapequena, uma história de "pequenos pontos" (Annie Kriegel), para a qual todaa elaboraçãohistórica consistia em enfiar no fio de um tempo maravilhosamenteliso e homogêneo os acontecimentos-pérolasde todos os calibres: batalhas etratados, nascimentos e mortes, reinos e legislações.

Abramos os Combats pour l'bistoire, esse livro sempre jovem de LucienFebvre; está cheio de condenaçõesà "política antes de tudo" que é a doutrinaimplícita da escola dominante, e que define perfeitamente uma "forma de his-tória" que "não é a nossa!". É a história que ignora que, nas ciências do homem,como em biologia ou em física, os "fatos" não são "fatos acabados"; que elesnão são essaspeças de um mosaico desfeito, que seria suficiente ao historiadorreoompor; que eles são o resultado de uma elaboração intelectual, a qual supõehipótesescomo pontos de partida e o tratamento prévio do material experimental.

"A história historizante exige pouco. Muito pouco. Demasiadamentepoucoa meu ver, e na opinião de muitos outros além de mim. É a nossaqueixa, masé uma queixa sólida. É a queixa daqueles para quem as idéias são urnanecessidade'."

Tudo tomado em consideração,a história política pereceu, vítima de suasmás amizades". Ela não desapareceu. Sob a forma narrativa, biográfica, psico-lógica, ela continua a representar, quantitativamente, uma fração importante,possivelmente dominante da produção livresca consagrada ao passado. Ela con-tinua a constituir a base do sistema mais aceito de estabelecimentode períodos:"o reino de Luís XIV"; "a república de Weimar"; "a URSS depois de Sta-lin" ete... Há muito tempo, no entanto, ela deixou de produzir uma proble-mática, e de inspirar trabalhos inovadores. Uma revista como os Anmtles podepermitir-se, sem muita injustiça, ignorar largamente a sua produção.

. No entanto, digamo-Ia logo, essasituação não pode perdurar. Em primeir .••.lugar, porque não se ganharia nada em continuar a confundir as insuficiênciasde um método com os objetos a que se aplica. Ou bem existe, comefeito,lima natureza próprio dos fenômenos políticos, que os limita à cutegori«dos futos -'- simples espumll das eoisu!!, espuma lluC se pode deixnr de 11,,10sem prejuízo _.-j ou bem, IlvwnlrAri.n, li polltiro, corno li eronômirn, o Noclul,() cultural, li r.diaio.o. acomoda-seUOM rn~t()d(). UII Illlli. diveraoll, inclualve 0"

_ .• -_.~-.LJi-..... ~ __...,.~---..:_~3..;.__-"",•. ~ ÍIIII_"_

IX:! HISTóRIA: NOVAS ABORDAGENS

mais modernos, e, nesse caso, é tempo de aplícã-los ao político, Como o obser-vava recentemente Raymond Aron "nunca houve razão, lógica ou epistemológi-la, de afirmar que o conhecimento histórico dos fenômenos econômicos ouS( xiais apresenta em si um caráter mais científico do que o conhecimento dosr:gi~es polí!icos, das gue~ras o,u das revoluções?". E Fernand Braudel, quena? e con~eC1do por uma simpatia exagerada com relação à história política, nãodeixa por ISSO de observar, em sua crítica do curto prazo - o tempo do aconte-Cimento - que o acontecimento existe em todos os domínios, e não unicamenteIHl político, Também diz Braudel que o domínio político pode escapar ao aconte-rimento: "Daí procede, entre alguns dentre nós, historiadores, uma viva descon-fiança com relação à história tradicional, dita história [actual, confundindo-se acuqueta com a etiqueta da história política, não sem alguma injustiça: a históriapolirica não é forçosamente uma história faetlial, nem é condenada a sê-Io"."

Justamente, está tomando o sentido inverso o movimento de desapreçodos pes,qUlsadores com relação ao campo político, Considerado até aqui comdesconfiança ou desprezo, esse campo toma novamente os seus direitos, à medida

em que os ~ossos contempo~âneos tomam consciência de sua importância e desua autonomia, Durante muito tempo, com efeito, os historiadores, franceses('111particular, puderam julgar que não havia para eles maior inconveniente em.k-sintcressar-se da vida política: havia tantos novos campos que se abriam a suaruriosidade, dos quais a escola de Annales mostrava o caminho: em primeiro

IlIgar, essa história econômica e social, tal como a praticava Marc Bloch, emS('uS grandes livros; ou a história intelectual renovada, história das mentalidadest: da instmmentação mental e não mais, apenas história das idéias, à qual LucienFdwrc consagrava tantas obras novas, cheias de vida e de inteligência. Que sequeira ou não, no entanto, essa orientação da historiografia é contemporânea deI1l11a certa visão marxista das coisas (ou que como tal se apresentava), quefazia dos fenômenos da consciência e da vontade, portanto, dos fenômenos

1'01íI'iCOS,um reflexo da ação mais fundamental das forças econômicas e sociais;('SSólorientação também era contemporânea de uma conversão à primazia donllllômiw, primazia que vingava nas sociedades ocidentais, a despeito de umi vrto atraso na França, O que há de comum entre essas duas visões é umr crto desprezo pelos fenômenos políticos; é a convicção, que se diria emanadade Saint Simon, de que um problema político não é mais do que um problema

('(onômico mal colocado, Que nos compreendam bem: não se trata, de uma'HI outra f,or~a, de fazer dos fundadores de Annales adeptos de não se sabelllle materialismo vulgar, de não se sabe que ..espiritualismo econômicos", delima espécie de sansimonismo epistemológico tendente a escorraçar a política

d.o universo .social , Não: é o contrário que é verdadeiro. A história total, quedesejaram, teve, entre outros méritos, o mérito de introduzir novamente oshomens, com a sua carne e o seu sangue, numa história que parecia algumasvezes um teatro de marionetes,

Ora, hoje em dia, dissipou-se a ilusão de que se pode fazer desaparecer() universo político, colocando em seu lugar aquilo que ele esconderia, Existem,

nós o sabemos, problemas políticos que resistem às modificações da infra-estru-tura, e <lue não se confundem com os dados culturais que prevalecem num mo-mento dndo. No dizer de Paul Ricoeur", a autonomia do político consiste em

...._....._..•.__ .•.._...••.•..._--._"-.....;.----~..•..._..•..~-,~-~~~---,._---_._-~~

A POLíTICA 183

que o político "torna real uma relação humana irredutível aos conflitos declasse e às tensões econômicas e sociais da sociedade"; consiste em que, poroutro lado, o político cria "males específicos", Em outros termos, isso equivalea traçar limites ao otimismo organizador, sublinhando que a natureza das trans-formações introduzidas na sociedade mediante intervenções voluntárias, quer,dizer, o mais das vezes, burocráticas, não reage necessariamente sobre os agentesdessa transformação, burocracia ou poder político, Desde que se queira, a todopreço, estabelecer a data exata da inversão da curva para a consciência ocidental,daremos como ano o de 1956, ano do relatório Kruschcv . Era, com efeito, na-tural que a confissão da impotência da sociedade soviética a controlar o desen-volvimento de seu próprio poder político fosse acompanhado por uma inca-pacidade de explicar, teoricamente, esse crescimento autônomo,

Num nível completamente diferente, a nova interpretação do marxismo

que Althusser e 05 seus alunos propuseram, estabelecendo a distinção das "prá-

ticas" ou das "instâncias" autônomas no seio de um modo de produção dadocontribui, ela também, para restituir à política um caráter específico que ela

parecia ter perdido 11'0 interior de uma corrente de pensamento, Essa nova

interpretação encoraja pesquisas não apenas sobre o modo de articulação da

"instância" política com o conjunto da formação social, mas também sobre as

estruturas internas dessa instância!".

Ê preciso, no entanto, ir mais longe e perguntar se essa "volta do político"não é a conseqüência de um crescimento de seu papel nas sociedades modernas,Se, inspirando-nos numa fórmula de Trotski sobre a revolução, definirmos ahistória política como a história da intervenção consciente e voluntária doshomens em todos os domínios anele são resolvidos os seus destinos, podemosconsiderar os esforços crescentes da humanidade para dominar um destino queela até agora, sobretudo, sofreu, como uma extensão do papel e do campo deaplicação da política, li possível, por exemplo, que, além das diferenças naapropriação dos meios de produção, os esforços para dominar e orientar odesenvolvimento econômico constituam um dos fatos maiores das últimas dé-cadas, Em outros termos, a passagem de uma economia "natural" ou "espon-tânea" que repousa sobre os mecanismos do mercado, a iniciativa do empresá-rio c a lei dos lucros, a uma economia planificada, fundada na previsão e nadefinição dos objetivos será, desde clue se confirme, um fato maior na históriada humanidade, que consagrará a preponderância das opções políticas sobreos mecanismos naturais!". A mesma evolução é previsível em matéria demo-gráfica: a passagem de um ritmo demográfico sofrido passivamente a uma pla-nificação do nascimento e da saúde é um fenômeno previsível, tornado, aliás.necessário pelo formidável crescimento da população. Da mesma forma, a noção

de planificação cultural impõe-se, cada vez mais, como Lima necessidade, Que([ll<:1' isso dizer a não ser (Iue a "política econômica" (: uma parte importante,cada vez mais importante dos estudos econômicos: tlUt' a "política dcmográ-fica" tornar-se-à, em pouco tem!10, um elemento essencial dos estudos de popu-lação; Cjlle o meslno. i1l'onlercrá em matéria cultural cll'",? À medida que 11sociedade natural cede -Iuger lquilo (ltlC Aluin Tourainc durma de "sociedadeprogramada", o estudu dll~ l,ullticlls ~t'loriai~ ussumeimpurtAnriu crescentecornofutllr de explicllc,;lo; c II pu Itkll em si, 11pulltil'll uun um "P" Imllúll.'ulo nlo

184 HISTóRIA: NOVAS ABORDAGENS

(; mais um setor separado, epifenomenal da vida .das sociedades, mas é a resul-tado de todas essas políticas setoriais. O que caracteriza a dominação burocráticasobre a mundo moderno, tal corno a descreveu Max Weber, é a sua universa-lidade: a cidadão francês sente infinitamente mais a peso do aparelho da Estadodemocrático contemporânea da que sentia o súdito de Luís XIV ou de Luís XV(l~ efeitos da "monarquia absoluta"; a vida do camponês chinês contemporâneoé infinitamente mais influenciada pela "política de Mao Tsé-Tung" do que avida de seus antepassados foi influenciada pelo despotismo dos Ming.

Acrescentemos, enfim, que o desenvolvimento dos meios modernos de co-municação e de informação torna imediatamente políticos um grande número deacontecimentos, conferindo-Ihes uma repercussão pública, uma singularidade, tal-vez um caráter de exemplo que não existiriam sem tais rncios!-. Não há aconte-cimento que seja político por natureza, mas que tal se torna pela repercussãoljue alcança numa sociedade; o conhecimento imediato do acontecimento rnodi-fira radicalmente a sua natureza, quando não cria todas as suas peças: é porguese espera que haja muita gente numa manifestação cJue muita gente de fatovai à manifestação. Estarnos no domínio daquilo que Merton chama de [nll-ji//illg pro,tJhec)', ou seja, da predição que se auto-realiza.

Assim, o fenômeno duplo da revolução das massas e da programação dosgrand<:s setores da. atividade social conduz-nos a uma concepção da políticainfinitamente mais ampla do que a que foi, geralmente, admitida. Se agora asoma do poder não reside mais no monarca, mas num "príncipe coletivo"( iramsci ), seja ele partido, sindicato, administração, grupo de pressão, então,a política deixa de ser assunto de psicologia e moral, para ser assunto de~1)lllllogl~l" e de praxeolngia. Não se trata mais de saber se a história política11Illk ser inteligível, mas de saber se, agora, pode existir uma inteligibilidade dahisrória, fora da referência ao universo político. Se agora a política ocupa oI'''slo de comando (MaO' Tsé-Tung), a instância política, embora condicionada,n,ill dcix,lrápor i-sso de ser a mais significativa. Estarnos longe de uma históriade J,;II:t1has, sem outro objetivo do que o de narrar; estamos longe, mesmo, deIIlIla história setorial que esgota a sua ambição numa inteligibilidade pura-IIll'lllt- Instrumental; estamos no começo de uma história t]ue se esforça no~,I'1I1i.h, de relacionar fragmentos de explicação no interior de uma interpretação1,,1ai.

I": natural que os cientistas palíticos e os sociólogos tenham precedido oshistoriadores na reavaliação do fenômeno palítico na época contemporânea, por-IluC os trabalhos mais notáveis da historiagrafia francesa referiam-se à épocamoderna, do XV ao XVIII séculos; seria impossível, no entanto, satisfazer-se1II111 um corte, ao mesmo tempo, cronológica e epistemológico entre a históriae as outras ciências humanas. .

11 por isso clue a renovação da história política será feita - está' sendoIcitu ..'-' em contato com a ciência política, disciplina ainda jovem e em estadoexperimental, mas em plena expansão, e cujas pesquisas o historiador não podeignorar, assim como não se pode desinteressar das conquistas da economia poli-rica, da dcmografia, da Iingüística ou da psicanálise. Basta considerar, porexemplo, os dois volumes muito sugestivos llllC René Rérnond, IluC ensina [un-tanwntc:, uqu~ não ~ umll~asu, na Universidade de Nunterre c nu Instituto de

a

A POLíTICA 185

Estudos Políticos de Paris, consagrou à vida política na França, entre 1789e 18791

'. Abandonando de propósito deliberado a narração dos acontecimentos,o autor escolheu estudar quase um século da história francesa contemporâneacom uma problemática e instrumentos de análise que são os usados por cien-tistas, polít~cos: quadros institucionais, é certo, mas sempre confrontados coma pratica; torças em ação que não compreendem apenas o "pessoal político" nosentido estrrto do. termo, - o que Mosca chamava de "classe política" - mascompreende os diversos círculos concêntricos que definem a influência de umaorganização ou de uma - doutrina. Foi a mesma coisa que GabrielLe Bras e~eus discípulos fizeram em sociologia religiosa; foi. o que Maurice Duvergcrt~z com relação aos partidos políticos contemporâneos, distinguindo eleitores,srmpatizantes, . aderentes, militantes, permanentes. Ê certo que não se trata deà!JIICar me~a11lcamente aos partidos políticos embrionários e informais do prin-CIpiO do seculo os conceitos que valem para máquinas tão complexas e tão arti-culadas quanto,. por exemplo, o partido comunista de nossos dias. Mas a uti li-zação de tais escIuemas, esquemas a que recorre René Remond, permite' intn;-dum' na história política uma dialética da continuidade e da transformação, daestnltl~ra e. da conjuntura,. dialética que lhe faltava até aqui , Numa ordemde idéias ligeiramente diferente, a análise (llle Annie Krigel consagrou aopartido comunista francês. merece a atenção dos historiadores tanto quanto adas cientistas pollticos!". Vindo depois de uma série de obras de natureza maisdássi.:a sobre ~s origens e a evolução do P. C .F ., essa obra considera a orga-ruzaçao comunista como uma verdadeira contra-sociedade, com a sua hierarquiae as su~s próprias regras de funcionamento, seu código, seu ritual e sua liuguu-ge~: ~rata-se, como_ o indica .o s~btítulo, de um ensaio de "etnografia poll-tica . E certo que nao era a pflmelfa vez que se encarava o P. C. F. como umaverdadeira sociedade autônoma; mas foi a primeira vez que esse exame etno-sociológico propiciou um estudo tão sistemático e tão novo. Não é exageroaf rrnar que o fato de que Annie Kriegel é uma historiadora contribuiu par;lo êxito Sob muitos aspectos, esse livro é o resultado, a coroação de seus livrosanteriores em que a minúcia do pormenor concreto, a investigação empí rica, apreocupação de correlacionar a ordem de permanência e a ordem da trunsfor-mação são a marca que distingue a história.

São apenas dois exemplos, e poderíamos citar tantos outros! Que se I r.uc

de regimes eleitorais, das próprias eleições e de seus resultados, de manifesta-ções espontâneas, de grupos de pressão, da peso e da medida da opinião pública,

em todos esses setores o campo está aberto para estudos novos, fundados nasserres, na comparação, estudos tIue dariam enfim à história política uma respi-

ração mais profunda, mais ampla, em lugar da respiração curta a lJllC parcriudestinada por causa de sua dedicação aos aroutccimcnros .

Isso é, apena,s, um começo, l1uC coloca mais problemas. fel iZI11C:'llte, do <IUl'

rl'~~olvc:. Chega de. lima história p()Iíti~'a l(UC:'tinha resposta par.'l tudo por')UlInau Iuzia perguntas a 11~ldan(.'m a I1tn,liluém. QUl' é, em pnrticulur, 11 "vidupolítica"? 11 um nlliçei~o nindn murro vllJolil, 110dizer do próprio René Rémcnd,~Ü() (I incorporemos, ~C'11linuis exame, 110 11101l1C'1I111em llllC ~)~ ricl1ti~hl. J,ulf.Ilms comcçum n pCl-lo C'1ll llll'e~tao, <JIIC I: 11hi~lóriu polftirlt, t'~tritllrnC'nlC', o.dc'lua c:11& n«ll 10JIl'n1lli. OMlC1IIIIhu da hiMlórill, rol~_"'.\1l I'Cllo. rruf~••lun.l. 10

186 HISTÓRIA: NC>VAS ABORDAGENS

inferno das mass media c das revistas que distraem? Nós o veremos bem, coma prática, Enquanto isso, que nos seja bastante constatar o proveito para ahistória política de uma mudança de perspectivas que, em muitos casos, consis-tiria para ela em recuperar o seu atraso, e refazer o caminho já percorrido poroutros,

Colaqnemos em primeiro lugar ri qlleJ/ão do prazo, O historiador políticoera até aqui um corredor de 100 metros, Ser-lhe-â necessárioagora treinar para1500, talvez para 5 mil metros, Alguns já começaram, mesmo se {)S seus livrosnão estão colocados na prateleira dos livros de história, Sob muitos aspectos,Peu» et gllerre entre les nations'", livro que inicia uma sociologia das relaçõesinternacionais, é um livro de história política, como uma grande parte da obrade Max Weber pertence à história profundamente compreendidav . Um dosprincipais interesses desse livro de atualidade política que termina por umareflexão sobre as condições da ação internacional no contexto nuclear é desen-volver uma atualidade em profundidade, que vai procurar as suas origens naGrécia do IV século, na Alemanha de Bismarck e na Rússia de Stalin, "Emboraesselivro trate sobretudo do mundo presente, a sua intenção profunda não 'estáligada à atualidade dessemundo, A minha finalidade é compreender a lógicaimplícita nas relações entre coletividades politicamente organizadas'8"," Umavez tlue se trata, com deito, de compreender um sistema de relações, perde asua importância a separaçãotradicional entre o passado e o presente; tambémperde a sua importância a lei sacrosantada continuidade histórica, Desde quese trate de levar o mais longe possível a exploração de uma estrutura inteli-~ível, não se vê como, a propósito de cada problema, não se desenvolveria, namedida do necessário,o método regressivo, método que é, tudo considerado,o mais característico do historiador; não se vê, além disso, como uma história,qualquer (jue seja, deixaria de ser contemporânea, ao menos em seu objetivof undumental . Que seja possível parar numa determinada data, por motivos outrosdo <llIl: de comodidade, o exame de uma questão tenderia a provar que se tratade lima (juestão pobre, de um problema sem interesse, Só há história contem-por:lnea quando politic«, <fUerdizer, (lue coloque problemas de decisão, A ilusãode lima história sem política repousa num material morto e sem interesse,

O historiador político deverá, portanto, fazer cada vez mais apelo aoIOllgo prctzo, quer dizer, encarar a temporalidade em que trabalha sob o ânguloda permanência, e não apenas,da mudança, Ser-lhe-á necessáriotambém renun-ciar a essacontinuidade histórica que se desenvolve ao longo de um tempo ho-mogêneo, continuidade de que havia feito um dogma, para reunir, por meioda comparação,os elementos de uma estrutura que o acontecimentooculta, atrásde sua singularidade, Assim, no que se refere à reoolução : por muito tempo,ela foi consideradacomo uma espéciede bastião inexpugnável da singularidade;(orno uma espéciede momento demiúrgico em que a história, alterando as suaspróprias normas, procede a uma nova distribuição autoritária das cartas entreos jogadores, Durante muito tempo, portanto, a hist6ria "revolucionária" fi-gurou entre as mais conservadorastlue existam, as mais presasao acontecimento,Eis llu<: isso muda, De mais em mais, os sociólogos e <oshistoriadores voltam-separa ocsludo comparado dos Jt'lIâmi'1I0J rerolncionàrios, escapando assim àtirilniu dupla do al"ollll'dll1l'lIto (lIli(u e: da routinuidudc cspaço-temporul . Num

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A POLíTICA 187

livro recente, Roland Mousnier analisou as cóleras camponesas19 no século XVIIIem três países com estruturas sociais tão diferentes quanto a França, a Rússiae a China, Sublinha-se nesse estudo o papel da pressão fiscal e dessa formade imposto indireto muito pesado, que constitui a obrigação de fornecer aloja-mento e manutenção para os exércitos, por habitante; sublinha-se o papel dasgrandes calamidades atmosféricas e dos dados climáticos de longo prazo, estu-dados no passadopor E, Le Roy Ladurie, com o seu cortejo de fomes e epi-demias; sublinha-se, portanto, numa palavra, o papel da conjuntura, Alémdisso, Roland Mousnier, cético quanto ao caráter de classe dessesmovimentos,sublinha, principalmente para as revoltas camponesasda França no século XVII,o papel dos privilegiados, e considera que elas foram, antes de mais nada, rea-ções contra o Estado, em razão do fortalecimento de seu papel na França e naRússia, ou em razão da crise da dinastia dos Ming na China da mesma época,Que se aceitem ou não as conclusões do autor, é certo que as análises compa-radas dessegênero são as únicas capazesde fazer-nos progredir na compreensãodos fenômenos revolucionários, Pois a revolução não pode ser considerada pormais tempo como um ponto, um simples parêntese, por essencial que seja, nofluxo histórico, Considerada pelo ângulo mais amplo das estruturas mentais,do comportamento social ou do projeto, ela constitui um dado endêmico emnumerosas sociedades,

Num brilhante ensaio sobre os "Primitivos da revolta" 20, concentrado naItália e na Espanha, Eric Hobsbawm dedicou-se a descobrir a significação dos

movimentos arcaicos que têm por quadro principal o meio rural, e por motivode ser a enfermidade social criada pelo confronto dos gêneros tradicionais devida com a sociedade industrial; movimentos diversos, imprevisíveis, contradi-tórios: o milenarismo>' de alguns é uma maneira de escapar a uma realidade(Iue desconcerta,mediante a fuga no imaginário; para outros, ao contrário UIIJci

sicilianos dos anos de 1891 a 1894) a visão social é muito mais positiva; ()comunismo camponêstende a aparentar-se ao socialismo operário, em seus mé-todos e em seus objetivos,

É por isso que a pesquisa empreendida nas sociedadespré-industriais deveencontrar o seu prolongamento a propósito dos fenômenos revolucionários daépoca industrial. Estudar os fenômenos revolucionários no que eles própriossão, constitui renunciar à velha problemática da causalidade linear (do tipo:as causas intelectuais, as causaseconômicas das revoluções, ou da revolução),constitui recusar ver na revolução, como fato político, um simples subsistemadeterminado do exterior por qualquer outra instância, Renunciando às facili-dades da história-totalidade e da história que despe véus, trata-se de trazer ~\luz as leis de funcionamento interno dos fenômenos revolucionáriosw. Ver-se-á,particularmente, o quanto () projeto revolucionário, em seu caráter global _.e em sua irrealidade _.- é essencial à reflexão do historiador, por motivo duescanção rpartirular lllle >ll projeto introduz IHI tcmporalidude , Na maneira portllle é vivida por seusautores, a revolução não é um simples "tempo forte", ummomento privilegiadn da hislól'in, mlls é urna retomada du história .l!lobal, pll~.sado, presente c futuro, um "insrunte lln eternidude", pnrll UNIU1\ fórmula ttue:Proust IIrlkllvn 1\0 mccunisrnn tln memc'lrin nfetivl\ul1, A despeito de umn du-rtlçilu tjUC podc .• er multo (url", nllJIi f('1U li rcvIIJ~I~.ilu I1 ver com o cfemero •

A POLíTICA 189HISTÓRIA: NOVAS ABORDAGENS

não aproveitou ainda, na medida do possível, o estabelecimento de monogra-COI11 o transitório; ela é vivida como um corte, uma vontade de transformar a fias relativas à evolução do comportamento eleitoral numa determinada área

história. geográfica. O mesmo acontece quanto ao comportamento dos eleitos: procedeu-O acontecimento, principalmente sob a sua forma política, não pode, por- do a uma análise de fatos dos principais escrutínios realizados na Câmara de

tanto, ser considerado como um simples produto; ele não é o grão de areia que Deputados, no curso da legislatura de J 88 1-1885, Antoine Prost e Christianxe tornou pérola no corpo da ostra-estrutura; ao contrária, na medida em tllle Rozenzveig chegaram a conclusões interessantes>". Fizeram aparecer a ausênciamaterializa um ponto de retrocesso da história, ele se torna, por sua vez, um de espírito de partido nessa assembléia, na qual é o comportamento dos depu-produtor de estrutura. A propósito do livro de Paul Bois sobre os Pays.tn: de tados quando dos escrutínios que determina as orientações políticas, e não, otOnest>, Emmanuel Le Roy Ladurie chamou recentemente a atenção para a contrário. A demonstração não deixa de ter importância para os princípios darcuvaliação que se faz do acontecimento político, c sobre o seu novo modo de vida política moderna, num momento em que é possível perguntar-se se os par-inclusão numa história social de longa duração=': sem (Iue nos seja possível in- tidos existem anteriormente ao seu reconhecimento legal pela lei de 1901 sobre~ressar aqui no pormenor da análise, indiquemos somente que, para o autor, as associações, ou se, ao contrário, foram as medidas institucionais que .accn-

" movimento dos cbouans (revoltosos de Vendéia ) , no espaço de dois anos, tuaram as separações em partidos.

«.locou estruturas políticas e mentais que se conservaram aproximadarncnte es- Nunca se acabaria, no entanto, de enumerar os domínios em que o rc-t.ivcis até os nossos dias, e que resistiram à erosão de outros acontecimentos. curso ao quantitativo está renovando os métodos e, com freqüência, o próprioComo o aparecimento do movimento dos ChO/ltlJIJ cxpl ira-se pela estrutura dife- l',rmpo da história política. Citemos, no entanto, um caso particularmente signi.rcnto da produção camponesa no oeste e no sudeste da Sarta, no curso do ficativo: o estudo da opinião pública.

~ú'Ld(J XVIII, é uma outra história, assim como é outra história como cssaes- T(jdo mundo conhece o papel crescente que as sondagens de opinião têmlrutura diferencial é geradora de uma tomada de consciência da classe campo- sobre o curso dos negócios contemporâneos, e mesmo na na maneira pela qual ancsa e de um antagonismo cidade-campo: ou melhor, é a mesma história tomada própria opinião percebe as suas tendências. Estamos em frente a um caso típicono sentido contrário: depois de seguir-se o caminho que leva da estrutura CCl11- de modificação da natureza do fenômeno por sua observação, e pela difusãoIcmporânca ao acontecimento revolucionário (ou contra-revolucionário), desce- dessa observação. É por ISS«) (lue as sondagens mais discutidas e mais suspeitas

se desse último à estrutura precedente; em resumo, estabelecem-se os marcos são as que se referem às intenções da população considerada (intenções de voto,,ft: lima verdadeira dialética entre a estrutura e os acontecimentos, ou entre o intenções de compra etc ... ) Ao contrário, quando se trata de medir simplessocial c <o político. O acontecimento, por assim dizer, cristalizado, também é pontos de vista sem incidência imediata sobre um comportamento preciso, pa.11111 acontecimento gerador. A parte de imprevisível, se não de incondicionado rece que a investigação ganha em solidez o clue perde em possibilidades denesse assunto reside no fato de que foi esse acontecimento (o movimento dos verificação experimental. Assim, no fim do ano de 1971, o Instituto Frand~II1I1/MIII) e não, um <outro que se encontrou na origem, claramente perceptível, de Opinião Pública publicou'" um balanço fundado num conjunto de sondagens

di' lima longa cadeia posterior. particulares, da maneira pela qual os franceses sentiram os acontecimentos de

Rcronriliada com a longa duração, a política reconcilia-se também, cada vez 1971, e de seus julgamentos quanto à maneira pela qual são governados. QuemlIIais, WIIl () quantitativo . Ainda nesse setor, foi a ciência política cjue abriu poderia negar, mesmo tendo em vista as reservas habituais em casos como esseII caminho: há muito tempo, os pesquisadores esforçam-se por quantificar a e das dificuldades de interpretação que acompanham todas as sondagens, (IUC

polflira, alacando com predileção o domínio cjue mais facilmente se presta a temos à nossa disposição, um material infinitamente mais sólido do que asI!;S(), a ~c()grafia eleitoral. Há uma quinzena de anos, não se passa eleição habituais sínteses dos relatórios de prefeitos, executadas pelo Ministério do Intc-

IIlIjlorlanlc na França que não dê origem a um volume de análises em cifras, de rim, com as quais o historiador é, com muita freqüência, obrigado a contentar-uutoriu da Fundação Nacional de Ciências Políticas. As facilidades que os se, para os períodos anteriores>"? Ê por isso que o historiador político que sepkilos eleitorais oferecem ao tratamento qualitativo c à comparação tiveram, interessa pela condição da opinião pública num período anterior à instauraçãomesmo, corno resultado dar um lugar privilegiado a esse gênero de comporta- das investigações por sondagens - quer dizer, toda a história anterior à Se-monto polítjro com relação a outros, não menos significativos, porém mais difi- gunda Guerra Mundial - olha com inveja os materiais de clue dispõe o ricn-rilmcntc mensurávcis como, por exemplo, a crise ou a revolução. Segundo tista político ou o historiador contemporâneo imediato. Será (Jue ele não temlima observação do Senhor Bertrand de [ouvenel-", a ciência política, na França nenhum meio de recorrer do irrevcrsível e do irremediável atraso da técnica{' 1105 Estados Unidos, tende a conceder lugar de privilégio aos acontecimentos com relação a sua curiosidade? Não é intei rarncntc assim. Ele pode procederpoli Iims [mros corri relação aos acontecimentos políticos [ortes ou dramáticos . à análise. do conteúdo de diversos escritos, livros, brochuras, jornais dc vqucAI~lIl1s descobrirão nessa preferência lima inclinação ideológica não oonfes- dispõe para o período; pode examinar, ~ra~'as, em particular, aos recursos dasudu; pode-se também ver nisso o resultado de facilidades metodológicas parti- sClllânticacluílntilaüva, tllll: rda<;iio o escritor ou 'os t'~,:rilores mantem com 11

rulnrcs , Bem entendido, tais dados políticos só adquirem todo o seu sentido sociedade de seu tempu ,NiIo hli dúvidll quanto à fertilidade dCSlIClImétudus,pnrll os histnrtndores, no interior de urna dimensão temporal; no último século Niu deixam de resistrar.sc· diflcei. problem.~ de: método"" c intc:rt'oHIIC;&N fun •

•w~ ll_U_O~VJ.'v_e_m_O_I_,_••é_CU_I_O~<I_u_e~(_'!_lr_re:_~_p_()_n_d_C__a_()~t~r_il_ln~(_Il~d_()~S_'l_lf_r_á8_i~()__1I_n_iv_c~'r~s.~1I_,_a~h~is_,t~6r_i_a~-~__ ~>~ ~~~~~ __ .JlL~" __ ~'~'~'~~ ~'~'~w'~.~~~ __ .ft__ ~~ •• ~ ••••• h •• ~

190 HISTÓRIA: NOVAS ABORDAGENS A POLíTICA 191

damentais: como apurar o grau de representatividade de um escrito "e, mesmo,de um conjunto de escritos? De gue opinião o jornalista é um reflexo? Da sua?Da opinião de seu jornal? Da opinião de seus leitores? O recurso a critériosobjetivos (contagem de palavras, exame das freqüências, cálculo das super-fícies por assunto) constitui uma garantia suplementar; tais métodos, no entanto,

" não dispensam a interpretação, pois nada prova que a importância de um tema,de uma opinião, de um conceito seja proporcional à sua freqüência; um casoextremo como o da imprensa submetida à censura seria suficiente para persua-dir-nos disso. Ora, quando não há censura política, será que não existe semprelima censura social, uma resistência ao aparecimento de idéias novas?

Em falta de verdadeiras sondagens para um determinado período, o histo-riador pode preparar a sua própria documentação, com recurso ao método dassondagens retrospectivas. Foi o gue fez [arque Ozouf, endereçando a vintemil professores aposentados um questionário quanto a suas situações e opiniõesantes de 1914:>1. Esse método deu resultados apaixonantes. A sua aplicação énaturalmente limitada no tempo: não se pode ir além da duração média de umavida humana; é limitada também pela maior ou menor propensão dos grupossociais a responder a semelhantes questionários; é limitada, enfim, por causa datransformação pelo presente da ótica das lembranças. Pode, no entanto, prestar~randes serviços em história contemporânea, e pode incitar historiadores ecientistas políticos, em falta de poder sempre utilizar os arquivos do passado,11 preparar, desde agora, os arquivos do futuro, suscitando sobre os aconteci-mentos presentes ou recentes, investigações e testemunhos que serão materiaispreciosos para o historiador de amanhâ= .

O tllle até agora sublinhamos é a necessidade da recuperação de um atraso.Não há razão alguma, fora das razões circunstanciais gue evocamos, para gue11 revolução (lue conheceram, a partir de 1930, os outros ramos da história, emsua metodologia e em sua divisão por períodos, não se estenda à história polí-t iru , 11 (I tlue está, aliás, se produzindo.

Não í: possível, no entanto, ficar nisso. A história política, como a socio-IOJ.:ia política, tem necessidade de uma problemática: de uma maneira cada vezll1ili~ sistemática, a história política de amanhã será o estudo do poder e desua repartição.

Sen\ (Jue existe alguma coisa de radicalmente novo, com relação às concep-~'oes tradicionais da história política e da ciência política? Não, desde que porpoder entenda-se exclusivamente o fato do Estado, gue reteve por muito tempo11 atenção dos juristas e dos historiadores. Sim, desde gue se retenha do poderuma noção muito mais ampla, na qual o Estado, essa "instituição das institui-ções", seria !lpenas um caSo particular, um caso limite mesmo; para MauriceDuvcrger, "{) conceito de soberania é um sistema de valores gue teve e conservaurna "Rrandl: importância, mas que não tem fundamento científico"!". Para ele,11 instituição do Estado e a sociedade nacional que caracterizam os países oci-dentais não são de uma natureza diferente dos outros grupamentos humanos, eprestam-se aos mesmos métodos de análise. Encontra-se o mesmo ponto devista em Gcorgcs Balandier, o qual, esforçando-se por fundar uma antropolo-~ill poli tira a partir de uma reflexão baseada na comparação entre Fenômenospolftko! nos países desenvolvidos e nas sociedades segmentárias, constata que

a "análise do fenômeno político não se confunde mais com a teoria do Estado ...Os progressos da antropologia, os quais impõem o reconhecimento de formaspolíticas 'outras', e a diversificação da ciência política gue teve que interpretaros aspectos novos da sociedade política nos países socialistas e nos países queresultaram da colonização, explicam, em parte, essa evoluçâo":".

Qual é, a esse respeito, a posição dos historiadores? Por muito tempo, amaior parte dentre eles seguiram o passo dos juristas, e abordaram o problemado poder do Estado pelo caminho da análise da soberania. Examinando asrelações da comunidade política e da comunidade étnica na Idade Média (POP"-/u.r et Iltltio), Bernard Guenée estima que, até agora "atribuiu-se demasiadaimportância à noção de soberania na definição do Estado=": ele constata queos construtores do Estado dedicaram-se também a construir uma nação e que,desde o século XIV, esta revelou-se o melhor apoio daquele; ponto de vistaque é o da sociologia política e que nos afasta das construções puramente' jurí-dicas que gravitam em torno da soberania.

Será necessário dizê-Io? A preocupação de fazer aparecer as relações entreas instituições políticas e as formações sociais subjacentes afirma-se ainda maisclaramente, à medida em que o observador se aproxima da época contemporânea;essa preocupação é uma das bases essenciais da sociologia dos partidos políticos.sociologia que se desenvolveu muito há uma vintena de anos?". Combatia pelasexplicações de tipo funcionalista, ela não deixa por isso de conservar uma grandeimportância. Desse ponto de vista, n esforço de Nicos Poulantzas para pensarteoricamente, numa perspectiva marxista, as relações entre o poder político e asclasses sociais= merece ser assinalado. A pesar de uma certa tendência à sofis-ticação, esse esforço não deixa por isso de constituir um movimento interessantepara restituir à noção de poder político, no seio de uma problemática geral daluta de classes num modo determinado de produção, um estatuto de autonomiarelativa gue 0()5 fatos sempre lhe haviam conferido, mas que a concepção trivial-mente marxista da política-reflexo obstinava-se a negar-lhe.

Quer seja marxista ou não, o historiador não pode desinteressar-se do pro-blema da natureza social do poder político. Nesse domínio, o recurso aos méto-dos estatísticos, aplicados, por exemplo, ao estudo dos conselheiros gerais (10

curso do século XIX, aprofundaram o nosso conhecimento do pessoal político,e permitiram escapar ao ocasionalismo ingênuo com o qual se contentou, durantcmuito tempo, a história política38• Nesse domínio, resta a fazer tudo ou quasetudo: gue sabemos nós da composição social dos partidos políticos, das assem-bléias eleitas da lU República? Sabemos pouca coisa, em realidade; é por issoque, a despeito de muitas obras de valor, ainda falta escrever a verdadeira

história política desse período,

l!, no entanto, provavelmente das análises funcionalistas ou sistêmicas (IUC

vêm, hoje em dia, para a história política os desafios mais sérios c os cstírnu-Ios mais fecundos. Concebidas e postas em aplicação nos Estados Unidos, elastendem atualmente a conquistar a ciência política francesa, com um atrasoque se deve atribuir antes ao nosso provincianisrno cultural do tlue à nossa ori~i-nalidade ideclóglca . . Em primeiro lugar, (Orno estimulo: a fraca capacidadeoperativa de nOls. hi.tória" polltica decorre, principalmente, de ~ua repulJnlndaem forjarnl.lvOl ll>nl'eitm e em prnlml'-~e modelos explil'lllivo:l. O IlCJUC> empi-

192 HISTóRIA: NOVAS ABORDAGENS A POLíTICA 193

rismo positivista chegou ao fim de suas forças. Seja o caso de instituições taiscomo partido, sindicato ou regime político, consideradas em seu conjunto, em.um determinado momento: há um interesse heurístico evidente em considerá-Ias como um sistema coerente que reage a uma série de tensões externas pelabusca de respostas que se adaptem à recuperação de seu equilíbrio. Tal é a idéiade base do sistema cibernético aperfeiçoado por David Easron-". Os efeitos domeio ambiente sobre o sistema (iJljml-r) e as respostas do sistema (out'putJ)constituem um conjunto de trocas e de transações que é possível reduzir a umpequeno número de tipos elementares. Esse modelo já foi objeto de aplicaçõesparticulares na França por Daniel Lindbcrg, no caso da Comunidade européiaconsiderada como um sistema político, ou por Georges Lavau, nu caso. doPartido Comunista Francês 10 . b certo que o resultado de um tal método não étransformar a condição dos conhecimentos sobre uma questão. Não é esse, aliás,() seu objetivo. Esse método, no entanto, permite colocar em termos sistemáticosuma questão essencial: como [uncion« o P. C .F .? E, talvez, também uma. se-~lInda questão, clue eu Formularia da seguinte maneira: que fâz Clnde/ro P.C.F.?

Nada. se opõe, teoricamente, a que os historiadores apliquem semelhantemétodo ao objeto de suas próprias pesquisas. Sugiro, por exemplo, que umaanálise sistêrnica do partido radical sob a Terceira República poderia conduzir

a lima interpretação global interessante desse partido movediço e polimorfo.

Falei, também, de desafio, de um desafio que convém aceitar. Está deacordo com a tendência natural, se não está com a intenção profunda de tais.m.ilises representar os sistemas em condição de permanente equilíbrio. Nãodcrorrc isso de que tais análises sejam incapazes de explicar a transformação.Ao contrário. justamente, no entanto, as mudanças 110 sistema impedem deronrcbcr a mudança do próprio sistema, :e aqui que pode ser capital a interven-~'ão específica do historiador para aperfeiçoar modelos clue levem em oonside-r:t(ão o desenvolvimento, e para passar-se das estruturas estáticas a estruturasdinúmiras , "O setor político, escreve Georges Balandier, é um xlaqueles quemais são marcados pela história, um daqueles em que melhor se apreendem.1'1 inromputibilidadcs, as contradições e as tensões inerentes a toda sociedade.Nesse sentido, um tal nível dá realidade social tem uma importância estratégicapara lima antropologia e uma sociologia que se desejaria fossem abertas à his-rórin, respeitosas do dinamismo das estruturas e tendentes à apreensão dosrClltHllcllOS sociais totais!"."

() ponto. de vista da antropologia, tal como se expnme al]UI, alia-se demaneira notável ao do historiador moderno, que é o de instalar-se deliberada-mente na dialéfica do imóvel e domutável. Confinada durante um tempo exces-sivo ao estudo das modificações de pormenor que afetam a superfície social,fascinada c como se estivesse cega por causa do brilho superficial, Clio haviaterminado por abandonar a outros o estudo geológico da sociedade; havia ter-minado por capitular frente à sua. tarefa principal, que é a explicação das rnu-dunças em profundidade -- da mudança IltIJ' pro.flt1ldidtules. Ainstábilidadcpermanente da superfície tinha, por contrapartida, a imobilidade quase defini-tiva das profundidades. Habitando em andares diferentes, Heráclito e Parrnê-nides continuaram a ignorar-se reciprocamente. Estrutura oersus conjuntura: a-opusição é muito fádl e nada explica, Se a história deseja realmente ser a

ciência do porvir das sociedades, é preciso que passe a considerar a vaga e aonda, e não apenas o marulho que se lhe havia abandonado. Como passa umasociedade de uma estrutura a outra estrutura, de um equilíbrio a um outroequilíbrio, tal é a questão essencial para o historiador de hoje em dia, noconcerto das ciências humanas.

Ocorre com freqüência aos países em desenvolvimento tirar partido e forçade seu atraso, seguindo logo para as técnicas as mais modernas, e deixando delado as clássicas. O atraso da história política coloca-a em situação análoga cconvida-a não somente a queimar etapas, mas a fazê-Io com a maior rapidezpossível. Como Balandier, pensamos que a história política poderia representar,hoje; um papel de importância capital: instruída por uma longa hesitação nocaos dos acontecimentos, ela poderia evitar ao conjunto dos historiadores a longatravessia do deserto sistêmico, trazendo-lhcs, enfim, uma contribuição essencialà interpretação global da mudança.

NOTAS

1. Já Tocqucville: "Pode-se opor-me, sem dúvida, os indivíduos; eu falo de classes.Só elas devem ocupar a atenção da história" (L'Ancien Rdgime ct Ia H6uu/II/i"I/ •

1. l, Gallimard, 1952, p. 179).

2. L'histoire traditionelle et Ia synthese histcriquc, Paris, 1921. O cap, 11, "Dis-cussionavec un historien historísant", data de 1911.

.3. "A política em primeiro lugar! Não é apenas Maurras quem o diz ... Os /1<JSSflS

historiadores fazem mais do que dizê-Ia; eles o aplicam. E é um sixtcma."

(Combats pour l'histoire, Colín, 1953, pp. 71-72).

4. lbid., p. 118. Pensa-se em A1ain: "É preciso ser muito sábio para aprender 1111I

fato."

5. Faz ainda pouco tempo, na rubrica dos "livros recebidos" de Annales, existiu 1111I11

subseção"história política e hístoríante", significava do almálgama que nssinnlumns,

G. "Comment l'historicn écrit l'épistémologie", a propósito do livro de Paul Veyne,

Comment on écrit l'histoire, Le Seuil, 1971, em Anna/(,.I, novembro-dezembro til!

1971, p. 1350.'

"I. "La longue. durée", Annalfls, outubro-dezembro de W5H, recditudo em 8cri!s 5url'hlstolre, Flammarlon, 1969, p. 46.

Por seu lado,-Mlln: Bloch IIlzIII: "Huverla mlllloM ('otnlmIArloN 11 rQ7.Clr Nobtl' •.paJa.vra 'polltlcc': Por CCUI!motlvo CUlt'r' deMNu pul.vru, fUluhnt'lllll, 11 Nlnflnlmo d.

,..

t5 ·r.

, ~

24.

25.

26.

.~..

27.

28.

29.

30.

3l.

32.

194 HISTÓRIA: NOVAS ABORDAGENS

superficial? Uma história que se concentra, como é perfeitamente legitimo, sobre a

evolução das formas de governo que tem como missão, procurar compreender, a partir

do interior, os fatos que ela escolheu como objeto de suas observações" (Annales,I ~)44, p. 120. Citado por René Rémond, La vic politique cn France, t. I, 1789-'

1848, Colin, 1965, p. 21).

.~ Segundo a expressão de Frcdcric Rauch citada por Lucicn Febvrc, op. c,o;., p. 11.

!J. "Le paradoxo poli tique", Esprii, maio de 1957, p. 722.

111. Poder-se-à a respeito desse ponto referir-se aos trabalhos de Nicolas Poulantzas,

que se esforçou por definir, a partir das obras de Marx e de seus discípulos, instru-

mentos de análise política de uma formação social. Pouuoir politique et classes so-

cialcs de l'État capitalistc, Maspcro, 1968. Para uma tentativa de aplicação a um

l:I\SO histórico concreto, ver, do mesmo. Fascismc ct diclature, Maspero, 1970.

11 Vrr a respeito desse ponto as observações de Mal: Callo em Tombcau pOUI' IaCllmm.unc, Laffont, 1971, que fala de uma passagem de um "funcionamento na-

tural na história da humanidade a um funcionamento natural da história da hu-

manidade a um funcionamento controlado" (p. 154). Ver também as observações

de Benjamin I. Schwartz: liA brief defense of political and cultural history withparticular refercnce to non-wcstern culturas", Daedalus, inverno de 1971, pp. 98-

112, que define a história política e a história intelectual como dois domínios da

vida consciente

12. Ver Picrre Nova, "L'événcrncnt monstro", Cummunications, n'' 18, 1972, pp. 162-

'172, retomado aqui em forma remanej ada.

1'\. (:ollsuliar-sc-<Í a respeito desse ponto a introdução à Sociologie politique de Mauricc

I )uvl'rJ.:('r, P. U. f., que considera que ciência política e sociologia política são dois

II:rlTlflS sinônimos

1·1. l u "i(' pulitique en Fruru:e, t. 1, 1789-/848, Colin, 1965, t. ll, 1848-1879, Colin,

I~lfi~). Aguarda-se a publicação do t. III.

I:i. ,.,. c"",mw1Ístes fmnçais, ensaio de etnografia pclítica, Le Scuil, coleção "Poli-

ti'lIU"', I Dó8,. nova edição, 1970.

Iti 1)1' Raymond Aron, Calmann-Lévy, 1962.

1'1. "A obra histórica a mais exemplar de nosso século é a de Max Weber, que apaga

11.1 [routeiras entre a história tradicional, de que tem as ambições, e a história

rumpurada, de que tem a envergadura", escreve Paul Vcyne (Comment on écrit('hi.\loin·, Le Seuíl, 1971, p. 340).

I hirl .., prefácio, p. 8.

I!). ',"trI·ur., paysanhes, les paijsans dans les révollcs du XVII" siéclc (France, Russie,C:hirw). Calmann-Lévy, 1967, coleção "Les Grandes Vagues Révolutíonnaíres".

/,'1' prímitiis de Ia révolte dans l'Europe moderne, de Eríc Hobsbawm, traduzido por

H('ginald Laars, Fayard, 1966.

O 'estudo dos milenarismos não diz respeito diretamente à história política; o re-

.rursn 110 método comparativo, no entanto, aproxima-se de nosso objetivo. Ver

Hérésies (!t socíétés dans l'Europe préirulustrielle Xl'-XVUe siêcle, sob a direção de

[seques Le Goff, Mouton, 1968.

P. fi que propõe Iean Baechler em seu estimulante ensaio.

tI()nnulr,~. P.lJ.F., 1970. Inlellzmente, Il tipoloJ(ia a que

IH.

/

:.!Il.

21.

Les phénomênes réuolu-

chega é bem arbitrária.

A POLíTICA 195

23. Ver a respeito desse ponto as análises de André Deeouflé, em seu livro Sociologiedes révolutions, P. U. F., 1970, que cita (p. 43) Michelet a propósito da Revolução

'Francesa: "o tempo não existia mais, o tempo havia morrido", e ainda "tudo era

possível, o futuro 'estava presente ... quer dizer, não havia mais o tempo, vivia-se na

eternidade" .

Iouton, 196C, edição de bolso abreviada: Flammarion, 1971.

"Evénerncnt et lnngue duréc dans l'histoírc sociale: l'cxcmple chouan", Cammunica-

tions, nv 18, 1972, número especial já citado, consagrado ac acontecimento.

Ver a sua intervenção nas "conversaçôes do sábado", de lU de março de 1969, sobro

L'état de Ia scicnce politique CIl. France, relatório gravado em. muitas cópias da

Association Française de Science Politique, p. 22.

"La Chambre de, Députés (1881-1885), analyse lactoricllc des scrutins", Revuc Frun-

çaise de Science Politique, voI. XXI, fevereiro de 1971, pp . 5-50.

Lc Monde, de 1'.' de janeiro de 1972.

Hoje em dia, a revista Soudages tornou-se uma fonte essencial para o estudo dAFrança contemporânea.

Que [acques Ozouf examinou, "Mesure et dcmesurc: l'étudo de l'opinion", AIlIlCll"s.

março-abril de 1966, pp. 324-345.

Ver o seu livro Nous les maítre d'écolc, [ulliard-Gallimard, coleção "Archivcs", 1!J67.

Há preocupação a respeito tanto na França quanto nos Estados Unidos. Ver o

artigo acima citado de [acques Ozoul. O cinema pode representar nesse domínio um

papel importante e original. Agora mesmo, o filme Le chagrin el Ia pitié ~ umdocumento notável para o historiador do período da ocupação.

33. Sociologie poliiique, introdução, P. U. F., coleção "Thémis".

34. Anthropologie politique, P.U.F., 1969, pp. 145-146. [ean-Willíam Lapierrc (E.,.mi

SUl le [ondemeni du pouvoir politique, publicações da Faculté dcs Lettres ct Scicnces

Humaines d'Aix, '1968, p. 33) parece adotar uma posição média, ao recusar-se /I

assimilar puramente e simplesmente a ciência política à sociologia: "A ciência polí-

tica parte do Estado, das instituições, e procura apurar como afetam a sociedade; /I

sociologia política parte da sociedade e procura apurar como ela afeta o Estado."

35. "État et nation au Moyen Age", Revue Historique, t. CCXXXVII, janeiro-março de

1967, p. 18.

36. Ver a coleção de textos de [ean Charlot, Les partis politiques, Armand Colin, 1!J71,e a Pierre Bírnbaum e François Chazel, Sociologie politiquc, t. II, Colin, 1971.

37. Op. eit.

38. Ver, por exemplo, a tese complementar de A.-J. Tudesq: Les eonseillers J.(ertI'I'IIUX11ft

temps de. Guizot, 1840-1848,2 vol. datilografados, 473 pp .• e () estudo de L. Clrurd,

A. Prost, R. Gossez, Les conseiilers généraux cn 1870. P.lI.F., 1967.212 pp.

39. Cujo ·lívro, A s!lstems analllsis af poliucal /ire, será proximamente traduzíd» 1'01

francês. .

40. lIA Ia recherehe d'un ('.dre théorlque pour )'6tude du Parll (;Onlmun)Nln Prançal.",

R."u~ Franpali. dC!S~/~nc/l Pol/tlqul', Junhu de 1968. pp. ~.466,

196 HISTóRIA: NOVAS ABORDAGENS

41. "Réílcxions SUl' le fait pol itíquc: le cas dcs sociétés africaincs", Cahiers Internatio-

/lallX de Sociologie, XXXVII, 1964. Reeditado em Anthropologie politique, op. cit.,

p. 227. Ver também o número especial de Annales, Histoire ct Strl1ctlll'e, maio-agos-

to de 1971.que advoga um "estruturalismo aberto", que permita uma melhor análise

da mudança.