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1 A Literacia como uma Acessibilidade no domínio da prevenção da deficiência Cristina Vaz de Almeida Pós graduada em Marketing Mestre em Novas Tecnologias em Educação em e.learning Docente ISPA em «Literacia em Saúde» Pese embora o artigo 26.º da Carta dos Direitos Fundamentais da UE afirmar que «A União reconhece e respeita o direito das pessoas com deficiência a beneficiarem de medidas destinadas a assegurar a sua autonomia, a sua integração social e profissional e a sua participação na vida da comunidade», é certo que um em seis cidadãos da União Europeia (UE) é portador de uma deficiência mais ou menos profunda, representando cerca de 80 milhões de pessoas que, com frequência, se veem impedidas de participar plenamente na sociedade e na economia devido a barreiras físicas e comportamentais. De acordo com o Centro Regional de Informação das Nações Unidas (UNRIC) cerca de 10% da população, ou seja, 650 milhões de pessoas, vivem com uma

LITERACIA E DEFICIENCIA

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A Literacia como uma Acessibilidade

no domínio da prevenção da deficiência

Cristina Vaz de Almeida

Pós graduada em Marketing

Mestre em Novas Tecnologias em Educação em e.learning

Docente ISPA em «Literacia em Saúde»

Pese embora o artigo 26.º da Carta dos Direitos Fundamentais da UE afirmar que

«A União reconhece e respeita o direito das pessoas com deficiência a beneficiarem

de medidas destinadas a assegurar a sua autonomia, a sua integração social e

profissional e a sua participação na vida da comunidade», é certo que um em seis

cidadãos da União Europeia (UE) é portador de uma deficiência mais ou menos

profunda, representando cerca de 80 milhões de pessoas que, com frequência, se

veem impedidas de participar plenamente na sociedade e na economia devido a

barreiras físicas e comportamentais.

De acordo com o Centro Regional de Informação das Nações Unidas (UNRIC)

cerca de 10% da população, ou seja, 650 milhões de pessoas, vivem com uma

deficiência. «São consideradas a maior minoria do mundo1».

As principais causas das deficiências físicas estão relacionadas com acidentes de

trânsito, acidentes de trabalho, devido principalmente à falta de condições de

trabalho ou pela negligência dos trabalhadores quanto ao uso de equipamentos de

protecção; podem ainda ser causadas por erros médicos, pela violência urbana, pela

fome, desnutrição, entre outras. O caso da paralisia infantil deve-se frequentemente

à falta de vacinação.

Será que estas causas e consequências seriam evitáveis se as pessoas

compreendessem melhor as consequências das suas ações, entendessem as

mensagens e a extensão dos seus atos?

1 in 52010DC0636 - Comunicação da Comissão. Estratégia Europeia para a Deficiência 2010-2020: Compromisso renovado a favor de uma Europa sem Barreiras

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Será que essa compreensão da envolvência tem na base um nível de literacia baixa,

que as impediu de evitar ou de associar aos riscos?

Pela análise realizada ao longo dos anos sobre as questões da literacia em saúde, e

por teorias que se vêm reforçando na União Europeia, a problemática da deficiência

está também relacionada com a baixa literacia e consequentemente com o

incremento de problemas relacionados com a prevenção e com maior incidência de

acidentes, tendo como efeito o aumento do número das pessoas com deficiência.

Nos casos de deficiência congénita, a Literacia não terá um campo de atuação tão

preciso, mas será certamente uma ferramenta útil de enquadramento e de

compreensão para todos os envolvidos, sejam o próprio, a família, os profissionais

de saúde e a própria comunidade.

A questão da abrangência do sentido de «Acessibilidade»

Definida pela Comissão Europeia, «Acessibilidade» significa que as pessoas com

deficiência têm acesso, em condições de igualdade com os demais cidadãos, ao

ambiente físico, aos transportes, aos sistemas e tecnologias da informação e

comunicação (TIC) e a outras instalações e serviços.

A estratégia da União Europeia aponta para a intervenção na eliminação das

barreiras às pessoas com deficiência. Neste sentido, a Comissão identificou oito

grandes áreas de acção: acessibilidade, participação, igualdade, emprego, educação

e formação, proteção social, saúde e ação externa.

Apesar da estratégia da CE apontar para a o desenvolvimento das áreas da

educação e formação, e a literacia abranger este domínio, a UE fala das

acessibilidades «ajuzante, isto é, a posteriori à deficiência», quando ela já existe e

não como forma de evitá-la.

Talvez fosse útil acrescentar a esta definição, as questões de «implementação e

desenvolvimento de uma melhor literacia nas áreas da saúde e segurança» e da

importância da educação e comunicação, com uma melhor adaptação dos processos

e dos suportes de comunicação para melhorar a compreensão das pessoas sobre a

sua envolvente, a fim de evitarem muitas vezes os acidentes que as conduzem a

situações de deficiência.

A «Acessibilidade» é assim um conceito, pela sua natureza, posterior ao «estado de

deficiência», mas acreditamos que a literacia é de fato uma acessibilidade anterior,

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para uma maior compreensão do mundo em que vivemos e por isso,

compreendendo e prevenindo melhor o acidente e a deficiência adquirida.

Sabemos, no entanto, que muitas destas acessibilidades estão apenas cumpridas num

documento impresso e sem aplicabilidade real. Veja-se o caso dos sítios Web públicos

na Europa dos 28, onde em média, apenas 5% cumprem totalmente as normas de

acessibilidade definidas para a Internet, ou dos passeios, junto de ruas ou estradas que

não possuem rampas de acesso, ou os automóveis que estacionam em cima dos

passeios, ou a falta de acessos aos transportes públicos, ou aos multibancos, ou, segundo

o Centro Regional de Informação das Nações Unidas (UNRIC), no Reino Unido, um

total de 75% das empresas (do Índice FTSE) que estão cotadas na Bolsa de Londres e

que «não satisfazem os níveis mínimos de acesso à Internet, o que lhes causa prejuízos

superiores a 147 milhões de dólares».

Pobreza, Baixa Literacia, Desemprego e Deficiência

A Organização Mundial da Saúde (OMS) vem reforçar o conceito e definir a

literacia em saúde como o conjunto de “competências cognitivas e sociais e a

capacidade dos indivíduos para acederem, compreenderem e usarem informação de

forma a que promovam e mantenham boa saúde».

Compreender adequadamente o ambiente envolvente para se viver melhor em

sociedade parece ser de fato a chave, conduzindo a uma reflexão em que as

variáveis Pobreza, Baixa Literacia, Desemprego e Deficiência poderão estar de fato

interrelacionadas e ter uma interligação numa relação de causa-efeito.

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Um documento redigido pelo Parlamento Europeu (PE 305.708   A5-0009/2002)

sob a orientação da Eurodeputada Marie-Thérèse Hermange, sobre a iliteracia na

Europa e a exclusão social relata que «A iliteracia provoca uma clivagem crescente

entre os privilegiados e em relativa segurança e os desfavorecidos e

marginalizados, que não têm acesso ao emprego e são afectados por uma

insegurança financeira, um isolamento e uma não participação na vida social».

Ainda de acordo com este documento, «de um ponto de vista económico, a

iliteracia traduz-se em custos para as empresas e para a sua modernização:

sobrecargas ligadas às taxas de acidentes graves, sobrecarga horária devido à

necessidade de um enquadramento pessoal suplementar, com os efeitos da não

produção de riqueza, ligada à ausência de um nível de qualificação adequado.

Os adultos com literacia limitada gerem pior as suas doenças crónicas e são mais

hospitalizados do que as pessoas com competências fortes de literacia em saúde.

São algumas das conclusões do Institute of Medicine (IOM), Comité para a

Literacia em Saúde EUA, em 2006.

Segundo o Banco Mundial 20% das pessoas mais pobres têm uma deficiência e, em

geral, são consideradas como as mais desfavorecidas pelos membros da sua própria

comunidade.

Nos países membros da Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Económicos

(OCDE), de acordo com o seu Secretariado, a proporção das pessoas com deficiência é

nitidamente mais elevada nos grupos com menos instrução.

Voltamos a tirar algumas ilações sobre este quadruplo constante que se repete e associa:

Baixa literacia – Pobreza – Desemprego- Deficiência.

Fonte: OCDE «A proporção

das pessoas com deficiência é

nitidamente mais elevada nos

grupos com menos instrução»

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Um estudo muito completo realizado em 2009 sobre A Dimensão Económica da

Literacia em Portugal: Uma Análise, refere que o défice de literacia gera níveis

indesejáveis de desigualdade com consequências importantes, nomeadamente, na

educação e na saúde.

Também as mulheres são mais sujeitas a um índice maior de deficiência. A OCDE

revela que a incidência da deficiência é mais elevada entre as mulheres do que entre os

homens. «As mulheres com deficiência sofrem múltiplas desvantagens, incluindo a

exclusão devido ao seu sexo e deficiência. As mulheres e raparigas com deficiência

estão particularmente expostas a maus tratos. Um estudo realizado em Orissa (Índia),

em 2004, mostra que quase todas as mulheres e raparigas com deficiência eram

agredidas fisicamente em casa, 25% das mulheres com uma deficiência mental tinham

sido violadas e 6% das mulheres com deficiência haviam sido esterilizadas à força».

Um estudo do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) de 1998,

refere que, a taxa de alfabetização mundial dos adultos com deficiência não excede os

3% e é de apenas 1%, no caso das mulheres com deficiência.

Pessoas com dificuldades em ler e compreender informação básica em saúde em

grande risco de morrer prematuramente.

Também nos dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), o número das pessoas

com deficiência está a aumentar. Tudo isto porque se verifica um constante crescimento

demográfico, além de haver uma forte influência dos avanços da medicina e o

envelhecimento ser cada vez mais significativo, conduzindo a uma inversão da pirâmide

etária, em particular nos países mais velhos, como os da Europa.

De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), nos

países onde a esperança de vida é superior a 70 anos, cada indivíduo viverá com uma

deficiência em média 8 anos, correspondendo a 11,5% da sua existência.

A Comissão Europeia refere também que «mais de um terço das pessoas com mais de

75 anos tem deficiências mais ou menos limitativas, com mais de 20% a serem

consideravelmente afetadas, e que estes números deverão aumentar, à medida que a

população da União Europeia envelhece».

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Um estudo, publicado em Março 2012, no British Medical Journal, descreve e evidencia

que as pessoas que têm dificuldades em ler e compreender informação básica em saúde

estão em grande risco de morrer prematuramente.

A pesquisa incidiu nos comportamentos de 7.857 adultos mais velhos (mais de 52 anos)

num estudo entre 2004 e 2005. As mortes foram registadas até 2009.

Nos termos da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com

Deficiência, as pessoas com deficiência são todas aquelas com incapacidades

prolongadas de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, as quais, em conjugação

com diversas barreiras, podem obstar à sua participação plena e efetiva na sociedade,

em igualdade de condições com os demais cidadãos.

NÚMEROS FATOS

80% A maior percentagem de pessoas com

deficiência vivem nos países em

desenvolvimento,

19% Percentagem das pessoas menos instruídas

que têm uma deficiência, em comparação

com 11% das mais instruídas.

20% Percentagem das pessoas mais pobres que

têm uma deficiência e são consideradas

como as mais desfavorecidas pelos

membros da sua própria comunidade

Fonte: Centro Regional de Informação das Nações Unidas (UNRIC

Clareza e simplicidade na informação e assertividade

Como gerar um crescimento inteligente, sustentável e inclusivo numa Europa de

crescente problemática do envelhecimento, da pobreza, do desemprego e da deficiência?

Como ultrapassar as enormes barreiras em termos de acessibilidades para este conjunto

de cidadãos?

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Estarão os cidadãos conscientes do seu papel em termos de responsabilidade social e

individual?

Estão os organismos da saúde e da segurança no trabalho concientes dos efeitos da

problemática de uma baixa literacia?

A economia dos Estados tem permitido soluções de apoio a posteriori às pessoas com

deficiência, nomeadamente através dos sistemas de financiamento da Segurança Social,

colmatando de alguma forma a necessidade imediata de um produto de apoio para o

indivíduo, mas deixando para trás algumas pertinentes questões relacionadas com a

integração desse mesmo indivíduo na sociedade e com a sua maior aprendizagem e

compreensão da vida em sociedade, a priori.

A mudança deve passar pelo esforço conjunto das instituições da sociedade para

criarem, desenvolverem e implementarem sistemas de incremento da literacia como

forma de aumentarem não apenas a maior compreensão do indivíduo sobre a sociedade

onde se enquadra, mas também do seu papel como Cidadão responsável.

A clareza na informação veiculada, a simplicidade na linguagem escrita e oral, a

linguagem assertiva, a melhoria dos níveis de comunicação entre profissionais e entre

estes e os seus públicos-alvo são alguns dos caminhos que têm demonstrado ter algum

sucesso na melhoria dos níveis de literacia da população.

Está provado que mesmo as pessoas com elevada literacia preferem textos mais simples

(Doak).

Legibilidade e Lecturabilidade para uma maior acessibilidade

Quando por exemplo as pessoas não compreendem um texto tendem a saltar as palavras,

colocando em risco a compreensão do texto. Assim imagine-se que uma pessoa está a

ler um rótulo sobre determinado produto tóxico e que não compreende nem o texto nem

o seu risco.

A sua falta de compreensão poderá colocá-la em risco e o acidente que poderá resultar

pode transformá-la num cidadão com deficiência, engrossando a fileira dos mais de 650

milhões que já existem no mundo.

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Está provado que a capacidade que um individuo tem para ler ou analisar qualquer tipo

de rótulo nutricional requer as mesmas competências analíticas e conceptuais que são

necessárias para compreender e cumprir instruções médicas. Estas competências

constituem a literacia em saúde e incluem a compreensão e aplicação de palavras

(prosa), números (numeracia) e formulários (documentação), revela o Newest Vital

Sign, um teste que usa um rótulo de gelado para medir a literacia. Este teste foi

traduzido para português por Vitor Jesus, Docente da Faculdade Medicina Dentária de

Lisboa.

Apesar de conseguirem descodificar palavras, frases e até textos, muitas pessoas não

conseguem compreender a informação escrita contida em livros, jornais, folhetos, etc.

Além disto, apesar de conhecerem os números, grande parte das pessoas não consegue

fazer cálculos simples. 

Dois aspectos centrais em literacia são os conceitos de: legibilidade (ou legibility) e de

lecturabilidade (readability).

A Legibilidade relaciona-se com a percepção visual e a Lecturabilidade com a

compreensão intelectual do texto. Autores como Gerrit Ovink definiram a legibilidade

como "a facilidade e precisão com a qual o leitor percebe os textos impressos". A leitura

eficiente de uma página impressa requer que o leitor converta, o mais rápido possível,

símbolos tipográficos ou caracteres, em palavras.

A legibilidade corresponde à facilidade em realizar esta descodificação e a capacidade

de distinção das letras, distinguindo umas das outras. É uma propriedade intrínseca da

letra, que lhe permite ser percebida como a letra que é. No entanto não basta somente

descodificar, sendo necessário que o leitor a contextualize na sua leitura.

Quando se fala de 'lecturabilidade' (ou 'apreensibilidade') esta muitas vezes é definida

como a capacidade que um texto tem de suscitar apetência para ser lido, de atrair o

leitor, mas acima de tudo de facilitar a compreensão do seu conteúdo.

Os números têm crescido e em 2006 o Institute of Medicine (IOM) e o Comité para a

Literacia em Saúde referiram que mais de 90 milhões de adultos não tinham

competências em literacia para aceder aos sistemas de saúde.

Destacavam ainda que apenas 12% de adultos tinham proficiência em literacia em

saúde, e, de acordo com o National Assessment of Adult Literacy (NALS), «9 em 10

adultos poderão ter falta de competências para gerir a sua saúde e prevenir a doença».

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O relatório destacou ainda o fato de haver um desnível entre o nível de informação em

saúde e os níveis de competência de leitura do público, assim como um desnível entre as

competências comunicação deste público com o dos profissionais de saúde.

Capacitar as pessoas

A capacitação torna o indivíduo mais autónomo, mais zeloso e capaz de auto-cuidados,

assim como a prestação dos profissionais ganha credibilidade e eficiência e o próprio

sistema de saúde diminui os seus custos.

Capacitar significa empoderar, atribuir também a responsabilidade de decisão ao

cidadão, depois de o dotar de competências que lhe permitirão, mediante o livre arbítrio

e uma racionalidade coerente, decidir qual é o melhor passo a seguir, qual o caminho a

percorrer. Neste processo, a literacia e o aumento da capacidade do indivíduo se integrar

melhor na sociedade, e especialmente, compreende-la, é de fato uma consistente

acessibilidade para uma vida mais saudável e segura.

Ter uma maior literacia permite uma melhor compreensão das questões de saúde e

segurança no trabalho, da vida em sociedade, onde é possível, pela compreensão do

enquadramento, diminuir-se o nível dos erros e da falta de entendimento que, em tantos

casos, levam ao acidente e a situações de deficiência.

Literacia também se coloca ao nível dos profissionais de saúde. Não apenas para se

seguirem mais adequadamente as regras de segurança na gestão da saúde dos doentes,

mas para compreenderem essas regras de forma clara e inequívoca. Muitas vezes os

documentos técnicos que têm de passar pelas leitura de vários profissionais, não está

adaptado em termos de linguagem. Neste casos, está provado que quem não

compreende, tende a saltar as palavras, acabando por não entender de forma global o

significado e a importância do conteúdo de documentos, em particular os que estão

associados à segurança do doente.(DoaK).

O Plano Nacional de Saúde de Portugal de 2011-2016 vem realçar que (…) «não basta

haver políticas articuladas para promoção dos cuidados de saúde. É, igualmente,

necessário promover a literacia em Saúde, ou seja, criar as condições para que os

cidadãos percebam integralmente as indicações que lhes são dadas pelos profissionais e

que, por esse meio, se tornem cada vez mais conscientes das suas obrigações e dos seus

deveres e dando assim, consistência a uma cidadania em Saúde.

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Nesta referência, talvez tivesse valido a pena introduzir que também existe

responsabilidade por parte dos próprios profissionais que «dão as indicações», pois

aqui, também a forma como estes comunicam e tornam mais ou menos acessível os

conteúdos da informação, podem contribuir para uma grande parte do sucesso da

diminuição dos riscos em saúde, da melhor saúde da população e do menor

probabilidade de um cidadão se tornar numa pessoa com deficiência. Veja-se por

exemplo a incompreensão sobre a toma de medicamentos, ou os erros que acontecem

nas mudanças de turno nos hospitais. Este último problema foi abordado no documento

«Nine life-saving patient safety solutions» da Organização Mundial da Saúde (OMS)

em 2005, pela Joint Commission International Center for Patient Safety onde um destes

nove desafios e soluções diz respeito à comunicação, no caso particular de transferência

de turno.

A importância da comunicação é realçada nas dez áreas de intervenção identificadas

pelo «Desafio global para a segurança do paciente» (The Global Patient Safety

Challenge) pela OMS.

As questões de literacia colocam-se também ao nível dos determinantes da saúde.

Sabemos que existem comportamentos e estilos de vida que aumentam a probabilidade

do aparecimento de determinadas doenças ou acidentes.

É o conjunto de factores pessoais, sociais, económicos e ambientais que influenciam o

estado de saúde do indivíduo

O que torna umas pessoas saudáveis e outras não?

Como podemos criar uma sociedade onde todas as pessoas têm a oportunidade de viver

mais tempo de forma saudável e onde o risco de acidentes que podem conduzir à

deficiência pode ser mais controlado?

Para o desenvolvimento da saúde da população é importante trabalhar os determinantes

no tradicional cuidado em saúde, mas também em sectores como a educação,

transportes, agricultura, ambiente, urbanismo, entre outros. Algumas políticas implicam

a população na sua globalidade durante um grande período, e ajudam a mudar

comportamentos.

É importante compreender para agir preventivamente. E quanto mais cedo, melhor,

onde o papel da educação para a saúde onde a literacia tem um destaque importante.

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Deficiência e Eficiência

O Centro Regional de Informação das

Nações Unidas (UNRIC) informa que

milhares de pessoas com deficiência são bem sucedidas como pequenos empresários,

nos dados do Ministério do Trabalho dos Estados Unidos. «O censo de 1990 revelou

que a percentagem de pessoas com deficiência que trabalham como independentes ou

têm experiência na gestão de uma pequena empresa (12,2%) é superior à das pessoas

sem deficiência na mesma situação (7,8%).

A Associação Salvador organizou em 2012 um workshop intitulado «Aumente o Seu

Potencial» onde descreveu sucintamente as características para uma melhor integração

social e no domínio do trabalho. Estas sessões demonstraram que embora as

qualificações sejam importantes, as atitudes são, de fato, determinantes.

Além desta as outras assentam em ser proativo, tomar a iniciativa, ter pensamento

positivo, valorizar-se e apostar na formação. Estas são as palavras-chave sempre que a

meta é conseguir emprego.

E é esta convicção que está embebida nesta associação cuja missão é promover a

integração de pessoas com deficiência motora e promover a sua qualidade de vida.

Rogério Roberto, um cego que fez o curso de Direito, no Brasil afirmou em junho de

2013: "Há pessoas que têm deficiência e acham que não têm capacidade. Eu queria

dizer a cada um deles: todos nós podemos, só de acreditar em si. Não tem que precisar

sempre das outras pessoas. Tem de pensar: ‘eu sou capaz, vou lá e vou fazer». A edição

digital onde a sua entrevista é publicada sublinha que «Para Rogério, aquilo que os

olhos não vêem, o coração acredita. A inteligência realiza. A julgar pela força de

vontade, o horizonte de Rogério vai mesmo muito além do que qualquer vista pode

alcançar». (www.jsconcursos.net/2013/06/casos-de-sucesso-diante-da-deficiencia.html)

A «Deficiência» pode então gerar «Eficiência»? Ou serão as características genéticas e

sociais onde a pessoa se insere que a estimulam a uma melhor adaptação e superação

dos obstáculos? Será que a deficiência confere uma maior resiliência, motivação e

necessidade de ultrapassar e de fazer frente aos desafios e obstáculos?

Parece-nos que para além das características pessoais, o ambiente externo tem de ser

minimamente propício, assim como as estruturas políticas, económicas e sociais.

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Mas a capacidade de compreender e viver em sociedade é uma ferramenta importante

nessa superação, e aí o trabalho e empenho para a melhoria dos modelos

comunicacionais têm de se tornar uma preocupação das entidades decisoras, pois este

processo poderá melhorar o nível de compreensão da população no seu geral e aumentar

o seu nível de literacia diminuindo o risco de acidentes e consequentemente da pessoa

com deficiência.

A literacia é uma verdadeira acessibilidade a priori.

Associado a este investimento, a preparação dos profissionais, em particular os das

áreas da saúde, para a utilização de linguagem mais acessível e das técnicas da

assertividade e de outras que fazem parte do incremento da literacia da população,

conduz a uma significativa melhoria no entendimento das questões relacionadas com a

saúde da população.

Com a promoção da literacia em

saúde pretende-se que a informação

e educação em saúde possam

conduzir a uma maior capacitação

(empoderamento) dos cidadãos para

a gestão e promoção da sua própria

saúde, sendo este fator promotor de

uma menor taxas de acidentes e

consequentemente de um controlo

da deficiência adquirida, refere

Anders Olauson, Presidente do Fórum Europeu dos Doentes.

Anders Olauson reflete ainda que «Através da melhor compreensão e assimilação da

informação em saúde, obtem-se resultados: no plano social (mais equidade no acesso à

informação e maior qualidade de vida); na saúde (redução das causas evitáveis de

morbilidade) e em estilos de vida saudáveis quanto a determinantes da saúde.

No relatório sobre a Cidadania da União Europeia de 2013 onde são anunciadas as 12

novas ações destinadas a reforçar os direitos dos cidadãos, o ponto 3 está diretamente

relacionado com as pessoas com deficiência referindo o seguinte: «Proteger as pessoas

mais vulneráveis na UE: Conceber um cartão de pessoa com deficiência da UE que

deverá ser reconhecido mutuamente em toda a UE, de forma a garantir que os 80

milhões de pessoas deficientes também possam tirar partido das vantagens inerentes aos

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cartões de pessoas com deficiência nacionais (por exemplo, acesso aos transportes,

turismo, cultura e lazer) ao exercerem o seu direito à livre circulação.

Há um longo caminho a percorrer.

A acessibilidade assumida também como um desenvolvimento de uma maior literacia e

de uma abertura ao conhecimento e à compreensão da vivência em sociedade, pode ser

uma ferramenta importante para não se engrossarem os números da deficiência, que

provavelmente nesta altura já terão ultrapassado os 650 milhões de pessoas, neste

planeta ainda pouco ajustado de uma forma global.

Bibliografia

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13. Youtube - http://www.youtube.com/watch?v=b8rdofYXHQo