2. Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) (Anglica
Ilacqua CRB-8/7057) Carson, D. A. A manifestao do Esprito : a
contemporaneidade dos dons luz de 1Corntios de 1214 / D. A. Carson;
traduo de Caio Peres. - So Paulo: Vida Nova, 2013. 231 p.
Bibliografia ISBN 978-85-275-0552-9 Ttulo original: Showing the
Spirit: A theological Exposition of 1Corinthians1214 1. Bblia
Corntios 1 Interpretaes. 2. Teologia 3. Cristianismo 4. Teologia
dos dons 5. Corntios I. Ttulo II. Peres, Caio 13-0770 CDD-227.026
ndice para catlogo sistemtico: 1. Teologia Bblia estudo
3. D. A. CARSON A MANIFESTAO DO ESPRITO A contemporaneidade dos
dons luz de 1Corntios 1214 Traduzido por Caio Peres
4. Copyright 1987, D. A. Carson Ttulo original: Showing the
Spirit: a Theological Exposition of 1Corinthians 1214 Traduzido a
partir da edio publicada pela Baker Academic a division of Baker
Publishing Group, Michigan, 49516, EUA. 1.a edio: 2013 Publicado no
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Almeida Sculo 21. ISBN 978-85-275-0552-9 Impresso no Brasil /
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Lopes COORDENAO EDITORIAL Jonas Madureira COPIDESQUE Mari Madureira
Lopes Coordenao DE REVISO Fernando Mauro S. Pires REVISO Ubevaldo
G. Sampaio COORDENAO DE PRODUO Srgio Siqueira Moura DIAGRAMAO
Luciana Di Orio CAPA Souto Crescimento de Marca
5. Ao coordenador, professores, funcionrios e alunos do Moore
College, Sidney, na ocasio de minha primeira viagem Austrlia, em
setembro de 1985.
6. Sumrio
Prefcio.................................................................................................................9
Introduo..........................................................................................................11
Lista de
abreviaturas...........................................................................................15
1. A unidade do corpo e a diversidade dos dons
(12.1-30).......................17 Consideraes sobre o contexto da
argumentao em 1Corntios
1214.........................................................................................
17 O significado da confisso crist central sobre o que ser
espiritual
(12.1-3)..........................................................................................
21 A abundante diversidade dos dons da graa
(12.4-11)................................... 33 O batismo no
Esprito Santo e a metfora do corpo: a dependncia mtua dos crentes
(12.12-26)............................................... 44
Concluso
(12.27-30)......................................................................................
51 2.O caminho muito superior ou quando vir a perfeio?
(12.3113.13)............................................................................53
O contexto do captulo
13..............................................................................
53 A indispensabilidade do amor
(13.1-3)...........................................................
60 Algumas caractersticas do amor
(13.4-7)...................................................... 63 A
permanncia do amor
(13.8-13).................................................................
68
7. 8 A manifestao do esprito 3.Profecia e lnguas: buscando o
que melhor (14.1-19).......................79 Consideraes sobre a
natureza de vrios dos (charismata)........ 79 A superioridade da
profecia sobre o falar em lnguas (14.1-19).................. 102
4.Ordem e autoridade: limitando dons espirituais
(14.20-40)..............109 A relao de lnguas e profecias com os
descrentes (14.20-25)................... 110 Ordem na adorao pblica
(14.26-36).......................................................
119 Alerta
(14.37,38)............................................................................................
133 Sntese
(14.39,40)..........................................................................................
136 Consideraes
finais......................................................................................
136 5.Poder livre e restries disciplinares: em busca de uma
teologia dos dons
espirituais..................................................................139
Consideraes sobre lnguas, milagres e batismo no Esprito em
Atos....... 139 Consideraes sobre a teologia da segunda
bno..................................... 160 Consideraes sobre
revelao......................................................................
162 Consideraes sobre a evidncia da
histria................................................. 167
Consideraes sobre o movimento
carismtico........................................... 172
Consideraes de uma perspectiva
pastoral.................................................. 186
Bibliografia
selecionada.......................................................................................193
ndice de
assuntos...............................................................................................223
ndice de
nomes..................................................................................................227
8. Prefcio A princpio, as pginas deste livro foram elaboradas
para serem proferidas nas aulas do Moore College, em setembro de
1985. Sou muito grato ao coordenador anterior, dr. Broughton Knox,
por oferecer o convite, e ao coordenador atual, dr. Peter Jensen, e
seu corpo docente pela calorosa recepo que me ofereceram. Jamais
poderia elogiar altura as diversas gentilezas feitas a mim, as
quais foram muito alm da mera cortesia. As duas semanas agradveis
que passei ali resultaram em uma amizade ainda maior com rev. Allan
e Pamela Blanch, rev. Phillip e Helen Jensen, e dr. Peter e Mary
Obrien, e em um nmero de novos amigos e conhecidos grande demais
para mencionar. Contudo, uma amiga muito especial foi a encantadora
Anne Woodhouse, de trs anos de idade. O convite para dar as aulas
se tornou o estmulo para publicar um material que tenho ensinado e
no qual tenho pensado h alguns anos. Sem tal incentivo, este
material ainda no estaria organizado. Pelo fato de os assuntos
serem to complexos e serem motivo de grandes discusses, tanto nos
crculos acadmicos quanto na igreja, inclu notas e bibliografia
relativamente extensas para os estudantes mais avanados, ao mesmo
tempo que mantive o estilo das aulas no corpo do texto. Ningum
chega a concluses como as que esto expostas nestas pginas sem se
submeter a uma vasta interao com muitas pessoas. Fico relutante em
apresentar uma lista de nomes; contudo, alm da ajuda que recebi das
extensas fontes tcnicas mencionadas nas notas, sou devedor,
particularmente, a trs pessoas: dr. Max Turner, da Universidade de
Aberdeen, cujas longas conversas comigo, h mais de dez anos,
9. 10 A manifestao do esprito ajudaram a aguar minha mente; dr.
Roy Clements, pastor da Eden Baptist Church em Cambridge,
Inglaterra, cuja srie de pregaes expositivas sobre a epstola de
1Corntios me proporcionou momentos prazerosos e estimulantes; e dr.
Kenneth S. Kantzer, que gentilmente me forneceu extensas notas de
aulas de um curso que tem ministrado h anos. Tenho certeza de que
dependi desses homens sem sequer me aperceber disso a todo momento.
Nenhum deles concordar com tudo que escrevi; mas isso significa
que, provavelmente, ainda tenho muito a aprender. Uma vez que o
debate sobre o movimento carismtico vai muito alm do interesse
meramente acadmico, tambm inclu na bibliografia e nas notas, assim
como nos tpicos discutidos, uma quantidade substancial de
abordagens mais populares, alm dos estudos tcnicos. Do contrrio,
receio que estas aulas teriam relevncia somente para o pessoal
acadmico. Meu assistente de graduao, sr. Mark Reasoner, foi
incansvel em rastrear artigos e livros difceis de encontrar; e os
funcionrios da biblioteca Rolfing, sempre prestativos e corteses,
devem estar gratos por este projeto ter chegado ao fim. Um ou dois
trabalhos apresentados na bibliografia, em particular o livro de P.
Benoit et al., chegaram tarde demais para serem usados a no ser um
ensaio escrito por James D. G. Dunn que est esgotado e me foi
gentilmente emprestado pelo dr. Scot McKnight. Sou grato tambm pelo
trabalho do rev. Dan Estes e do rev. Bruce Winter, que organizaram
os ndices para mim em um momento de minha vida em que me encontrava
extremamente ocupado. A srie de aulas foi proferida de um modo
levemente abreviado no Mennonite Brethren Biblical Seminary em
Fresno, Califrnia, e no Canadian Theological Seminary em Regina,
Saskatchewan, no outono de 1985, e isso me proporcionou novas
oportunidades para reflexo e reviso. Sou grato por todas as
gentilezas que me foram demonstradas nessas ocasies. Soli Deo
gloria. D. A. Carson Trinity Evangelical Divinity School
10. Introduo E m todo o campo da teologia crist contempornea e
da experincia pessoal, poucos assuntos em voga so mais importantes
do que os que esto associados com o que tem sido chamado comumente
de movimento carismtico. Tal designao, como veremos adiante,
relaciona-se com o termo bblico (charisma), que empregado de forma
equivocada; no entanto, por ser esse o termo usual, continuarei a
empreg-lo. Em todo caso, o que torna o assunto difcil no tanto a
designao usada, mas sim seu contedo. O movimento abrange no somente
as denominaes pentecostais tradicionais, mas tambm minorias
considerveis em muitas das denominaes da cristandade; e, em algumas
partes do mundo Amrica do Sul, por exemplo , o movimento a
principal voz do protestantismo, ao mesmo tempo que um invasor
bem-sucedido na Igreja Catlica Romana. Sejam quais forem seus
compromissos teolgicos, jovens clrigos lutaro com questes
levantadas pelo movimento carismtico de forma to frequente e, em
algumas ocasies, to dolorosa quanto qualquer outra questo que
surgir em seu caminho. medida que o movimento carismtico tem
crescido, tambm tem se tornado mais diversificado, fazendo,
portanto, que muitas generalizaes a seu respeito sejam notavelmente
reducionistas. Contudo, justo dizer que os dois grupos, carismticos
e no carismticos (continuo usando os termos de forma no bblica), se
alegram em usar timos esteretipos a respeito dos que pertencem ao
partido oposto. Na opinio dos carismticos, os no carismticos tendem
a ser teimosamente tradicionalistas
11. 12 A manifestao do esprito que no creem na Bblia e que no
tm verdadeira fome pelo Senhor. So pessoas que tm medo de
experincias espirituais profundas, so muito orgulhosas para se
entregarem completamente a Deus, esto mais preocupadas com o ritual
do que com a realidade e so mais apaixonadas pela verdade
proposicional do que pela verdade encarnada. Eles so melhores na
escrita de tratados teolgicos do que no evangelismo; so
beligerantes na argumentao, defensivos na postura, entediantes na
adorao e desprovidos do poder do Esprito em sua experincia pessoal.
Os no carismticos, por sua vez, tendem obviamente a ver as coisas
de forma um pouco diferente. Na opinio deles, os carismticos
sucumbiram ao amor atual pela experincia, mesmo que s custas da
verdade. So vistos como pessoas profundamente no bblicas,
especialmente quando elevam suas experincias com o falar em lnguas
ao patamar de um xibolete teolgico e espiritual pelo qual todo o
restante julgado. Se eles tm crescido, grande parte de sua fora se
deve ao seu triunfalismo destemido, seu elitismo populista e suas
promessas de atalhos para santidade e poder. So melhores em dividir
igrejas e roubar ovelhas do que so em evangelismo, mais
conquistados pela exaltao espiritual de um nico lder diante dos
outros crentes do que pelo servio humilde e fiel. So imperialistas
na argumentao (somente eles tm o evangelho todo), abrasivos na
postura, descontrolados na adorao e destitudos de qualquer
entendimento real da Bblia que v alm da mera citao de versculos.
Obviamente os dois grupos admitem excees notveis s caricaturas que
apresentei; todavia, a profunda suspeita mtua faz com que o dilogo
genuno seja extremamente difcil. Isso especialmente doloroso, at
vergonhoso, diante do compromisso assumido pela maioria dos crentes
de cada grupo em relao autoridade da Bblia. As posies
estereotipadas dos dois lados so to antagnicas, ainda que ambas se
digam bblicas, que devemos concluir uma destas trs possibilidades:
um dos grupos est correto em sua interpretao da Escritura sobre
essas questes, e o outro est correspondentemente errado; ambos, at
certo ponto, esto errados, e necessrio encontrar uma forma melhor
de entender a Escritura; ou a Bblia simplesmente no fala com
clareza e coerncia sobre esses assuntos, e os dois grupos em
disputa extrapolaram os ensinos da Bblia a fim de
entrincheirarem-se em posies que no so defensveis pela Escritura.
Seja qual for o caso, devemos voltar para a Escritura. Esse o
fundamento das exposies que sero realizadas neste livro. No tenho a
iluso de que o que escrevo particularmente inovador ou de que se
provar perfeitamente convincente para todos os que tm pensado sobre
essas questes; e a limitao do material a ser estudado somente trs
captulos do Novo Testamento necessariamente restringe minhas
concluses. Ainda assim, espero que o captulo conclusivo integre
suficientemente outras pores do material bblico, especialmente do
livro de Atos,
12. Introduo 13 e que as concluses no paream distorcidas. Alm
disso, por mais que grande parte de minha ateno esteja no texto de
1Corntios 1214, minha preocupao em tornar este estudo uma exposio
teolgica (como apresenta o subttulo) me forar a interagir um pouco
com outras doutrinas crists, bem como com concluses de linguistas,
antroplogos sociais e historiadores e tambm com crenas prticas e
populares da igreja contempornea, mesmo quando tais consideraes
extrapolarem o domnio do estudante do Novo Testamento; isso porque
estou convencido de que, se a igreja deseja encontrar paz quanto a
esses assuntos, precisamos considerar, imparcialmente, todas as
evidncias relevantes, ainda que insistamos que a autoridade da
Escritura deva prevalecer. Essa autoridade, obviamente, no deve ser
transferida a mim, como intrprete da Escritura; por isso, em alguns
momentos, indicarei o nvel de certeza com o qual fao julgamentos
interpretativos, a fim de que, mesmo no concordando em todos os
detalhes, talvez a maioria de ns possa chegar concordncia na maior
parte das questes centrais.
13. Lista de abreviaturas BAG Arndt, William F Gingrich, F
Wilbur, trads. A Greek-English Lexicon of the New .; . Testament
and Other Early Christian Literature, por Walter Bauer, 4. ed.,
Chicago; Londres: University of Chicago Press, 1957. BAGD Gingrich,
F W Danker, F W trads. A Greek-English Lexicon of the New Testa. .;
. ., ment and Other Early Christian Literature, por W Bauer, 2.
ed., Chicago; Londres: . University of Chicago Press, 1979. BDF
Blass, F Debrunner, A. A Greek Grammar of the New Testament and
Other Early .; Christian Literature, trad. e rev. Robert W Funk.
Chicago; Londres: University of . Chicago Press, 1961. TDNT
Bromiley, G. W trad. e ed. Theological Dictionary of the New
Testament, 10 ., vols. (Obra original em alemo ed. por G. Kittel.)
Grand Rapids: Eerdmans, 1964-1976.
14. 1 A unidade do corpo e a diversidade dos dons (12.1-30)
Consideraes sobre o contexto da argumentao em 1Corntios 1214 O
significado da confisso crist central sobre o que ser espiritual
(12.1-3) O uso que Paulo faz de (charisma) O significado de
(pneumatikon) A relao entre (charisma) e (pneumatikon) O
desenvolvimento do argumento em 12.1-3 O significado da blasfmia
Maldito seja [ou ] Jesus A abundante diversidade dos dons da graa
(12.4-11) O batismo no Esprito Santo e a metfora do corpo: a
dependncia mtua dos crentes (12.12-26) Concluso (12.27-30)
Consideraes sobre o contexto da argumentao em 1Corntios 1214 A
atual opinio a respeito do contexto tem sido registrada no somente
em comentrios bblicos como tambm em diversos estudos recentes, e no
se faz necessrio repeti-la aqui.1 Devo apenas resumir minhas
prprias concluses. A partir do captulo 7, Paulo parece responder a
uma srie de perguntas feitas a ele em uma carta escrita pelos
corntios: Agora, quanto s coisas sobre as quais escrevestes...
(7.1). Isso explica por que os assuntos mudam radicalmente: em um
momento Paulo lida com o assunto das relaes entre os sexos (cap.
7), em outro, com o da carne sacrificada aos dolos (8.1ss.). Ele
passa a tratar da questo de as mulheres orarem e profetizarem na
congregao (11.2-16) e prossegue para outras questes, tais como a
Santa Ceia (11.17-34), os dons da graa e do amor (caps.1214), e a
ressurreio (cap. 15). 1 E.g., John C. Hurd, The Origin of 1
Corinthians (Nova York: Seabury, 1965), 186-87; K. S. Hemphill, The
Pauline Concept of Charisma: A Situational and Developmental
Approach (tese de doutorado, Cambridge University, 1976), 45ss;
veja A. C. Thiselton, Realized Eschatology at Corinth, New
Testament Studies 24 (1878): 510-26.
15. 18 A manifestao do esprito s vezes (como aqui em 12.1) ele
introduz um novo assunto fazendo uso de uma expresso padro, (peri
de, a respeito de...). Todavia, trs aspectos principais se destacam
em argumentao. Primeiro aspecto: um dos denominadores comuns
identificados nos problemas em Corinto era uma escatologia
ultrarrealizada.2 lugar-comum o entendimento de que Paulo
estabelece a igreja numa tenso dinmica entre uma viso do que Deus j
realizou e uma viso daquilo que ele ainda no efetuou. O Reino de
Deus j despontou e o Messias est reinando, a vitria crucial j foi
conquistada, a ressurreio final dos mortos j comeou na ressurreio
de Jesus, o Esprito Santo j foi derramado sobre a igreja como
garantia da herana prometida e dos primeiros frutos da colheita
escatolgica de bnos. Entretanto, o Reino de Deus ainda no veio em
sua consumao plena, a morte ainda exerce um poder formidvel, o
pecado deve ser superado e poderes opositores das trevas batalham
contra ns com ferocidade selvagem. O novo cu e a nova terra ainda
no se manifestaram. Manter esse equilbrio essencial para a
maturidade da igreja. Se pensarmos somente nos termos daquilo que
ainda est por vir (i.e., se nos focarmos na escatologia futurista),
podemos no somente ficar brincando com infindveis jogos
especulativos como tambm podemos depreciar a natureza culminante da
encarnao, da obra na cruz e da ressurreio de Jesus, que j
aconteceram. Podemos, por um lado, ansiar tanto pelo futuro a ponto
de negligenciarmos servir a Deus com empolgante gratido pelo que
ele fez no passado. Por outro lado, se pensarmos somente em termos
do que Cristo j alcanou (i.e., se focarmos numa escatologia
realizada), camos nos mesmos erros que caracterizavam muitos dos
crentes de Corinto. Poderamos sentir que, como filhos do Rei, temos
o direito a todos os tipos de bnos; poderamos ir to longe a ponto
de deixarmos essa postura transformar nossa estrutura de crena e a
ponto de insistirmos que as cruciais experincias da graa que temos
experimentado constituem a verdadeira ressurreio, no havendo
nenhuma outra a ser esperada. por isso que um recente comentarista
que estuda os captulos 1214 inclui tambm um estudo sobre o captulo
15.3 A escatologia de Corinto era, provavelmente, reforada por
algum tipo de dualismo helenstico que tinha uma viso obscura da
existncia corprea presente, ao mesmo tempo que entendia
demasiadamente mal a natureza da vitalidade espiritual. Talvez no
haja nenhum outro trecho em que a escatologia ultrarrealizada de
Corinto se apresente mais fortemente do que no captulo 4: J estais
satisfeitos!, escreve Paulo com considervel veemncia e no pouco
sarcasmo. J estais ricos! Sem ns, j chegastes a reinar. Quisera eu
j reinsseis Veja especialmente Thiselton, ibid. Ralph P Martin, The
Spirit and the Congregation: Studies in 1Corinthians 1215 (Grand
Rapids: . Eerdmans, 1984). 2 3
16. A unidade do corpo e a diversidade dos dons (12.1-30) 19 de
fato, para que tambm ns reinssemos convosco! (4.8). Os apstolos,
Paulo prossegue, so tratados como escria; os corntios esto acima
disso e tm prazer em pensar quanto so cheios de conhecimento e
sabedoria. Poder-se-ia argumentar que essa escatologia
ultrarrealizada est por trs de muitas das questes pastorais que
Paulo enfrenta em Corinto e est relacionada com o tema dos captulos
1214. Segundo aspecto: a igreja de Corinto uma igreja dividida.
Isso pode ser visto no somente nos emblemas partidrios mencionados
em 1.12 (O que quero dizer com isso que um de vs afirma: Eu sou de
Paulo; outro, Eu sou de Apolo; outro, Eu sou de Cefas; outro ainda,
Eu sou de Cristo.) e apresentados nos quatro primeiros captulos do
livro, mas tambm em um estilo de argumentao que permeia grande
parte dos captulos 712. Esse tipo de argumento pode ser chamado de
sim-mas. Se as pessoas da igreja assumem posies diferentes sobre
algum assunto, o objetivo de Paulo no somente apresentar seu
julgamento apostlico sobre a questo, mas tambm reconciliar as faces
em disputa. Para tanto, ele concorda com cada faco e afirma: Sim,
sim, vocs tm um aspecto da verdade a seu favor, e eu concordo com
vocs mas... Aos que tm inclinaes mais ascticas, ele diz: [...] bom
que o homem no tenha relaes com mulher (7.1);4 mas, ele continua, o
casamento ajuda a diminuir a promiscuidade e, de qualquer forma,
tambm um bom presente de Deus (7.2-7). No captulo 8, ele reconhece
que os cristos sabem que um dolo no tem poder real e que no
constitui um mal em si mesmo, portanto a comida oferecida a ele no
passou por algum tipo de transformao maligna que a tornou um veneno
perigoso para o cristo (8.1-6). Mas, continua ele, nem todos sabem
disso (8.7), referindo-se a outros cristos na igreja de Corinto;
com base nisso, ele trabalha com alguns princpios conciliadores.
Nem todo mas em 1Corntios diz respeito preocupao de Paulo de unir
as faces rivais; e, em uma ou duas ocasies, o apstolo se coloca em
total oposio igreja (e.g., No vos elogio nesta instruo que vos dou
agora [11.17]). Ainda assim, em recurso recorrente o suficiente
para nos perguntarmos o que est por trs dele quando ocorre.
Gostaria que todos vs falsseis em lnguas, mas muito mais que
profetizsseis [...]. Dou graas a Deus, porque falo em lnguas mais
que todos vs. Todavia, prefiro falar na igreja cinco palavras que
se podem compreender, a fim de tambm instruir os outros, a falar
dez mil palavras em uma lngua (14.5a,18,19).5 Poucos duvidam que o
principal interesse de Paulo nesses captulos A traduo da NIV (verso
em ingls), bom que o homem no se case, est incorreta: veja Gordon
D. Fee, 1Corithians 7.1 in the niv, Journal of the Evangelical
Theological Society 23 (1980): 307-14. 5 As formas variadas de
adversativa (e.g., , ) no invalidam o que foi dito, pois o
argumento se baseia na relao lgica de um par de sentenas num
contexto, e no em uma questo meramente lexical. 4
17. 20 A manifestao do esprito aparar os excessos de alguns que
falavam em lnguas; entretanto, ao longo deles, ele primeiro se
alinha com os que falam em lnguas. Ser que existem tambm nesses
captulos aluses aos que no falam em lnguas? Acredito que sim,
apesar de no aparecerem em lugar algum numa forma anloga ao
argumento sim-mas. Ao fim de sua abordagem, Paulo pode escrever: No
proibais o falar em lnguas (14.39) certamente sugerindo que era
isso o que alguns preferiam que acontecesse. No poderiam ser
aqueles que falam em lnguas, uma vez que teriam interesses bem
contrrios a esse respeito; contudo, nada do que Paulo falou at esse
ponto exige a abolio desse dom.6 Novamente, conforme a metfora do
captulo 12, alguns parecem se sentir ameaados pelos dons de outros
e, portanto, ficam retra os de alguma forma (12.14ss.). No contexto
desses dois d captulos, o nico dom ameaador o de lnguas.7 Essas
consideraes se tornam importantes porque alguns estudiosos tm
argumentado que a preocupao de Paulo quanto s divises na igreja
chegaram ao fim no captulo 4.8 A carta enviada pelos corntios,
Paulo, da qual ele se ocupa a partir do captulo 7, deve ter vindo
de toda a igreja, dizem eles, e no de faces dela; as respostas de
Paulo sugerem que a igreja de Corinto estava mais dividida contra
Paulo do que internamente. No estou convencido disso. Primeiro,
isso parece separar os captulos 716 do partidarismo de que temos
conhecimento nos captulos 1 4. Segundo, uma carta pode vir da
igreja inteira com um tom agressivo e ainda assim fazer perguntas
que apresentam diferena de opinio dentro da igreja. Afinal, se a
igreja estivesse unida nas questes levantadas, no ficaria claro o
motivo que os corntios teriam para levant-las (com possvel exceo de
motivos meramente tericos). Terceiro, dos trs captulos que estamos
examinando neste livro, o captulo central enfatiza o amor de forma
to intensa que no difcil acreditar que a igreja de Corinto estava
especialmente em falta quanto a essa caracterstica, mais uma vez,
por causa do partidarismo. Terceiro aspecto: o foco dominante
desses captulos a conduta da igreja quando est reunida. Claro que
isso igualmente verdadeiro em relao ao captulo11; contudo, a
observao se torna especialmente importante quando tentamos integrar
essa postura na sequncia do argumento em diversos pontos cruciais
(e.g., na igreja, 14.19; quando vos reunis, 14.26). 6 O mas que
segue imediatamente 14.39 no pertence forma de argumento sim-mas,
pois imediatamente precedido por uma proibio. 7 Veja Mattie
Elizabeth Hart, Speaking in Tongues and Prophecy as Understood by
Paul and at Corinth, with Reference to Early Christian Usage (tese
de doutorado, University of Durham, 1975), cujo principal objetivo
foi demonstrar que havia tanto foras pr-carismticos quanto
anticarismticos em Corinto, enquanto Paulo adota uma postura que
est aberta a toda atuao do Esprito, permanecendo crtico diante de
muitas coisas observadas em Corinto. 8 E.g., Hurd, Origins of 1
Corinthians, 193-95; Gordon D. Fee, Tongues Least of the Gifts?
Some Exegetical Observations on 1 Corinthians 1214, Pneuma 2/2
(1980): 4-7.