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O Supremo Mentirão A história de uma farsa, contada a partir do caso de Henrique Pizzolato Por Miguel do Rosário

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O Supremo Mentirão

A história de uma farsa, contada a partir do caso de Henrique Pizzolato

Por Miguel do Rosário

A fuga

Três e quinze da manhã do dia 10 de setembro de 2013. A barulhenta Copacabana dorme em silêncio, cortado intermitentemente por carros esparsos cruzando as avenidas, latidos de cães mimados e gritos misteriosos, não se sabe de medo, loucura ou prazer.

À porta de um grande apartamento na Domingos Ferreira, situado no último andar de um edifício neoclássico, um casal se despede às lágrimas. Andrea Pizzolato, enfim, empurra o marido com as mãos.

“Vai, vai, vai!”

Henrique Pizzolato entra no elevador, junto com um amigo, a que darei o nome fictício de Leo, segurando apenas uma sacola de plástico, dessas de supermercado, com três garrafas de água, de dois litros cada. A mochila, com algumas cuecas e meias, e uma camisa sobressalente, já estava no carro, onde também já haviam guardado um cacho de bananas e cereais.

Quando as portas pantográficas do elevador se abrem, os dois saem e caminham até o portão. Não há zelador na portaria a esta hora.

Henrique contempla o saguão do edifício por alguns segundos, como quem lança o último olhar para um lugar que talvez nunca mais voltará a ver. A mesa do zelador, as pinturas nas paredes, os tapetes. Era uma bela entrada, austera e elegante.

Atravessam o portão como quem se esgueira para fora de uma prisão de segurança máxima. A situação era um tanto ridícula, conta Leo, rindo. Agiam como dois espiões atrapalhados de um filme de comédia. Não tinham noção nenhuma de como agir. Então segue para o lado contrário de onde estava o carro, pensando vagamente em “despistar” possíveis agentes da polícia. Dão a volta no quarteirão e chegam ao carro pelo outro lado.

Leo estacionara na Avenida Atlântica. Entram no carro, sempre em silêncio, dão partida e iniciam uma viagem que só terminaria em Dionisio Cerqueira, 1.408 quilômetros depois.

Segundo Leo, não havia exatamente um “plano de fuga”. Ele explica que Pizzolato decidiu fugir do país exatamente um dia antes, na madrugada do dia 9.

Andrea e Henrique haviam recebido quatro ou cinco amigos em casa, para uma reunião sobre a situação política e jurídica de Pizzolato. O Supremo Tribunal Federal agendara para o dia 10 de setembro o debate sobre a admissibilidade dos embargos infringentes. Seja qual fosse o resultado, havia expectativa de que a prisão de Henrique aconteceria imediatamente após a votação. Se aceitassem que os

infringentes ainda existiam, Joaquim Barbosa poderia determinar que os réus que não tivessem este direito, como Pizzolato, fossem presos logo. Se os infringentes caíssem, seriam todos presos.

O dia 7 de setembro, dia da independência, já havia transcorrido sob intensa expectativa de uma ordem de prisão para Pizzolato, pois ele já entendera que Barbosa queria usar uma data simbólica para mandar prender os réus do mensalão. Não era a primeira vez que experimentava essa tensão.

Ao fim de 2012, Pizzolato chegara a fazer uma mochila, esperando a chegada da Polícia Federal. “Foi um trauma terrível”, relata Leo. Houve ainda outro “prende / não prende” em julho de 2013, pouco antes do recesso de inverno do STF.

Após a tensão do 7 de setembro, portanto, o casal Pizzolato tinha tomar uma decisão sobre o que fazer. Desde alguns meses que eles encaravam tudo relacionado ao mensalão e a sua condenação como uma grande operação política, onde o principal adversário não era exatamente o Judiciário, mas a mídia. Era das principais empresas de mídia que vinham os ataques que então se materializavam em decisões da Procuradoria Geral da República e de ministros do STF.

O casal recebia, regularmente, amigos e militantes que vinham discutir a conjuntura política, e de que maneira se poderia reagir aos ataques da mídia.

Naquela noite de 8 para 9 de setembro, o clima ficou pesado. Os amigos que chegavam só falavam em prisão, e sugeriam que Pizzolato pedisse asilo político em alguma embaixada, de preferência de uma república latino-americana governada pela esquerda, como Bolívia ou Equador.

Politicamente, contudo, a decisão não tinha sentido. Pizzolato e esposa estavam desesperados. Despedem os amigos e decidem fazer uma outra reunião para determinar o que fazer.

“Eles perguntaram minha opinião”, diz Leo, e eu respondi que, fosse eu, me entregaria. Pizzolato chorava. Então Andrea interveio:

“Vou fazer igual vocês, homens, fazem. Vou botar o pau na mesa”. E deu um tapa bem forte na mesa.

“Ele não vai se entregar!”

A decisão estava tomada. Quem dava as ordens era Andrea. E ela havia decidido. Andrea voltou-se para Leo e perguntou: “Então você não vai nem ajudar?”

Leo rebateu rapidamente: “Absolutamente! Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Sou contra fugir, mas já que a decisão é esta, eu vou ajudar sim. E digo o

seguinte: isso tem de ser feito já!”

“Já quando?”, indagou Andrea.

“Amanhã”.

“Mas ele tem que ligar para alguém antes, para ajudá-lo a atravessar a fronteira”.

“Vamos fazer isso agora. Vamos até o centro, ligar de um orelhão”. E foram.

No dia seguinte, Leo voltou à casa de Pizzolato para darem início à operação.

Voltando à noite da fuga, Henrique e Leo, com este último ao volante, zanzaram por mais de uma hora pela zona sul, sempre procurando despistar um eventual seguidor. Parecia mais a fuga de Mr.Been.

Por fim, pegaram o túnel velho, passaram pelo centro da cidade, chegaram ao Maracanã, e seguiram junto à linha do trem, pela avenida 24 de maio. Penetraram no sertão profundo do subúrbio carioca, passando por Madureira e outros bairros, até chegarem a São João de Meriti, de onde alcançaram a Dutra.

Pizzolato vestia calça jeans, tênis, uma camisa de manga curta e tinha um casaco pendurado no ombro. Mantinha-se em silêncio absoluto. A tensão era total. Leo fumava um cigarro atrás do outro.

Ambos só relaxaram quando chegaram à Dutra. Daí começaram a conversar.

Fizeram uma parada rápida num posto de gasolina obscuro, na altura de Itatiaia. Nem saíram do carro. Não compraram nada para comer, nem foram ao banheiro. Apenas encheram o tanque e prosseguiram.

A segunda parada seria apenas no Paraná, depois de terem passado por São Paulo.

Ainda no Paraná, pegaram trânsito pesado, motivo pelo qual chegariam uma hora atrasado ao encontro combinado com um amigo de Pizzolato, em Dionisio Cerqueira, que iria lhe ajudar a atravessar a fronteira com a Argentina.

Já na Argentina, Pizzolato seguiria para Buenos Aires, onde compraria um bilhete aéreo usando o cartão de crédito de sua mulher.

Desembarcaria em Barcelona, Espanha, de onde seguiria de trem até o norte da Itália, onde iria se estabelecer.

Essa é a história da fuga de Pizzolato. Uma aventura e tanto para um burocrata que jamais correu grandes riscos na vida.

A história de uma farsa

Alguns livros já foram escritos sobre o mensalão enquanto processo político, outros tantos sobre o julgamento. Entramos agora, porém, numa outra fase bibliográfica, muito mais decisiva. Junto com as últimas defesas dos réus (os embargos), vieram à luz uma série de documentos até então subtraídos à consulta pública. Estes documentos vieram se somar à perplexidade, até hoje não superada, em relação ao sinistro circo que assistimos em 2012, quando juízes da mais alta corte rasgaram os princípios básicos do direito moderno, do bom senso e da própria jurisprudência para chancelarem um justiçamento que interessava a poderosos agentes do conservadorismo político nacional.

A mentira segue o padrão de uma doença. Ela fere o corpo com enorme virulência num primeiro momento; em seguida, o uso dos remédios certos e, sobretudo, a entrada em ação de anticorpos, gera um período de convalescença; por último, o corpo humano pode sair fortalecido. Digo “pode sair”, porque é preciso que tenha, efetivamente, vencido a doença; em caso contrário, poderá sofrer uma reincidência muito mais lesiva, ou mesmo fatal.

O processo do mensalão caminha por duas vias, que às vezes se tocam, em outras se afastam, mas desde o início interagindo intensamente. Numa, há o julgamento nas instituições. Noutra, na opinião pública. Nas instituições (STF e, eventualmente, alguma corte internacional), o julgamento se aproxima do fim de um ciclo. Na opinião pública, a última palavra não é dada por nenhum ajuntamento burocrata, doméstico ou estrangeiro, e sim por esta vetusta, calma e irônica senhora chamada História. Neste campo, o julgamento ainda está só começando.

Agora sim, as pessoas têm acesso aos documentos. Não documentos periféricos, referentes a detalhes do processo, mas documentos estratégicos, centrais, que determinam e embasam todas as acusações e todas as defesas.

Agora sim, terminado o ruflar histérico de tambores que testemunhamos em 2012, num julgamento realizado em paralelo a um processo eleitoral, podemos analisar o processo do mensalão com serenidade. Podemos escutar as versões dos réus, ler os documentos, conversar francamente sobre o que realmente aconteceu naquele período.

Temos ainda um mínimo de distanciamento histórico para entender uma série de coisas. Mais importante que tudo: entendemos hoje os resultados profundamente danosos à democracia se não levarmos esse debate às últimas consequências.

É aí voltamos a nos encontrar com o que existe de mais sólido em nós mesmos. Não apenas queremos saber a verdade, a verdade nua e crua: nesse ponto, queremos agir com a seriedade que faltou aos juízes. Queremos ler, reler e analisar os documentos, alguns deles só há pouco disponibilizados ao público. São estes

documentos que nos dão base para assumir uma postura bem diferente a partir de agora. Não mais na defensiva. Queremos encetar um contra-ataque político que vise cobrar uma parte, ao menos, do profundo dano moral que as arbitrariedades causaram a milhões de brasileiros e à democracia.

Não temos interesse de eximir o PT dos erros e dos crimes que tenha cometido. Mas a questão já não é o PT. A questão, hoje, é a discussão da verdade, a denúncia do arbítrio, da mentira, e do insuportável risco à democracia que é a conversão do Supremo Tribunal Federal num instrumento político e partidário manipulado por interesses econômicos obscuros.

Os documentos provam que a teoria do mensalão não se sustenta. Podemos admitir, com profunda tristeza, que um STF corrompido pela vaidade e pela chantagem, possa enveredar pelo arbítrio e agir na contramão da ética e da legalidade. Isso nos deixa consternados e preocupados, mas um processo político ainda é algo maior que tudo isso. O que não deixaremos passar, jamais, é a manipulação da história. Os ministros do STF, a mídia, a procuradoria geral da república serão denunciados às futuras gerações como protagonistas de uma vergonhosa página da política brasileira. A Constituição Brasileira não é apenas um punhado de leis. Ela encarna um espírito, uma visão de mundo, um destino. E nisto houve uma traição imperdoável dos juízes aos valores encorpados na Carta Magna.

O PT não é santo. Houve caixa 2 nas campanhas de 2002, 2004, 2006, possivelmente em todas as campanhas petistas. O PT foi o único partido que assumiu francamente a culpa de fazer o que todos faziam: caixa 2.

Mas o STF fez de tudo justamente para derrubar a teoria do caixa 2 e, contra todas as evidências documentais, produziu uma tese fictícia, sustentada sobre declarações vazias, testemunhos contraditórios e ilações descabidas. As maiores lideranças políticas de uma geração foram condenadas sem apresentação de nenhuma prova. A mídia conseguiu derrubar líderes eleitos para glorificar heróis no Ministério Público e no Judiciário – o que não seria exatamente um problema não fosse a quantidade constrangedora de erros crassos, contradições, injustiças, que caracterizaram o julgamento.

Lembrando o ditado popular, é hora da onça beber água. Contra o arbítrio, vamos contrapor o debate democrático, à luz do dia, transparente, feito com serenidade, amparados em documentos. Eu farei a parte que me cabe como jornalista, blogueiro e intelectual: trabalhar duro, escrever, ponderar, analisar. O Paulo Moreira Leite escreveu um excelente livro sobre o tema, mas há um manancial de informações ainda não explorado e, sobretudo, não concatenado num conjunto.

Acusações contra Pizzolato lembram Dreyfus e Kafka

Pizzolato, o único “judeu” na diretoria do BB

Para melhor entender um acontecimento que envolve pessoas, façamo-lo a partir do ponto-de-vista individual. Talvez possamos nos comunicar mais produtivamente se começarmos nossa história a partir de um personagem menos visado, como Henrique Pizzolato, ex-diretor de marketing do Banco do Brasil. Iniciar uma abordagem sobre os erros no julgamento do mensalão a partir de Pizzolato tem a vantagem de evitarmos, por enquanto, a furiosa politização provocada pelos nomes de Dirceu e Genoíno, os mais graduados na hierarquia petista. E as falhas inúmeras encontradas na denúncia contra Pizzolato tem o potencial de fazer ruir um edifício acusatorio cada vez mais condenado por suas deficiências estruturais.

A história de Pizzolato lembra a saga do tenente francês Albert Dreyfus, pintada com tintas kafkianas. Dreyfus era o único judeu entre os oficiais suspeitos de uma traição a um governo estrangeiro, e por isso foi apontado, com base em provas falsas e ilações enviesadas, como culpado de espionagem. Era inocente, mas virou um símbolo máximo do ambiente de guerra midiática que tomara conta da França ao final do século XIX, quando políticos e donos de jornais disputavam a primazia de quem melhor manipulava a opinião pública. O ódio profundo nascido das lides entre dryfusards e antidreyfusards, e o proselitismo político que se fazia em torno da questão, nos remete à deliberada campanha udenista deflagrada por setores da mídia e da oposição quando se percebeu o uso político que se poderia dar aos escândalos de caixa 2 protagonizados por Marcos Valério e PT.

O nosso Dreyfus é Henrique Pizzolato. Era o único petista numa diretoria só de tucanos, todos indicados para seus cargos na era FHC, numa instituição antes e hoje controlada e presidida por executivos identificados com o PSDB. Foi capturado a dedo. Era o único “judeu” no grupo. A maneira como tudo acontece, por sua vez, lembra uma trama de Kafka: um suceder frenético, galopante, ininterrupto de acusações vagas, mal formuladas, confusas, embora invariavelmente pesadíssimas porque expostas com grande sensacionalismo midiático.

Como se um procurador e um juiz tivessem o poder de dizer que você é chinês, e provar isso, independentemente de seu passaporte ser brasileiro, você ter cara de brasileiro e falar português fluentemente como só um brasileiro poderia fazer. Não importa, você é chinês e pronto, decreta o juiz, batendo o martelo. Os jornais todos divulgam no dia seguinte, em manchetes garrafais, que ficou provada sua origem chinesa. E ai de você se quiser protestar.

A acusação contra Pizzolato é simplesmente surreal. Diferentemente de Dirceu e Genoíno, que ao menos incorporam fantasmagóricas responsabilidades políticas pelo “esquema” de compra de apoio político, contra Pizzolato há uma acusação bem direta: de ter sido o responsável pelo desvio dos R$ 73,8 milhões que a Visanet pagou

a DNA Propaganda. A denúncia serviria para caracterizar os recursos que Marcos Valério, um dos sócio da DNA, distribuiu a parlamentares, como dinheiro público, com isso enfraquecendo a tese de caixa 2 defendida pelos réus.

Entretanto, os documentos comprovam quatro erros crassos na denúncia. A Visanet é privada; Pizzolato não tinha qualquer ingerência no contrato entre a empresa e a DNA Propaganda; ele nunca foi o responsável pela relação entre o banco e o fundo de publicidade da Visanet; os serviços de publicidade foram realizados.

A DNA Propaganda, hoje praticamente destruída, não era uma agência fictícia. Era a maior agência de publicidade de Minas Gerais, detendo praticamente todas as contas das estatais mineiras, da Telemig (então controlada por Daniel Dantas); havia crescido à sombra do tucanato. Vinha ganhando mercado, obtendo prêmios locais e internacionais, incomodando grandes firmas de São Paulo.

O contrato entre a Visanet e a DNA era perfeitamente legal. Uma empresa que opera no mercado de cartões de crédito contrata uma das maiores agências do país para realizar campanhas publicitárias. As campanhas são realizadas. As auditorias não encontraram nenhuma irregularidade nas campanhas. Há gravações e documentos que comprovam a sua realização.

Quanto aos bônus de volume pagos pelos meios de comunicação à DNA Propaganda, os quais foram considerados, irresponsavelmente, por Joaquim Barbosa, como uma transferência indevida de recursos pertencentes ao BB, também não houve irregularidade. O pagamento de bônus de volume, apesar de eticamente questionável, é uma prática regulamentada no país, e configura uma relação totalmente privada entre meio e agência. Ou seja, entre uma empresa como a Globo, por exemplo, e a DNA. O BB ou o Visanet sequer são informados sobre seus valores.

“Eles estatizaram a Visanet”, ironiza Pizzolato, que vive hoje um período de recuperação moral e emocional.

O lendário jornalista Raimundo Pereira comprou a briga de Pizzolato e vem usando a sua revista Retrato do Brasil para fazer uma denúncia duríssima, embasada em documentos, contra os erros flagrantes de Joaquim Barbosa quando analisa o caso Visanet. Alexandre Teixeira, combativo blogueiro carioca, faz o mesmo através do blog MegaCidadania.

O acordo entre a Visanet e os bancos parceiros sugeria que estes indicassem um gestor com responsabilidade para propor campanhas publicitárias da Visanet e apontar nomes de agências. Aí temos outro intolerável erro de Joaquim Barbosa, porque ele sempre teve em suas mãos, e o ignorou, um laudo com os nomes dos gestores do fundo de 2001 a 2005. Todos “tucanos”. Pizzolato não estava entre eles. Durante o período em que se celebra contrato com a DNA, o gestor era Léo Batista, que assumiu o cargo em 2002, ainda no governo FHC, e ficou até abril de 2005.

Trata-se do laudo 2828, mais um entre inúmeros documentos que, apesar de comprovarem a inocência de Pizzolato, foram sistematicamente ignorados, omitidos e até mesmo ocultos pela acusação.

Por onde se olhe a denúncia de Barbosa contra Pizzolato no caso Visanet, se vê apenas um despudorado falseamento da realidade, e a única explicação para isso seria a tentativa de ajustar a realidade à teoria.

Pizzolato, que há mais de sete anos vive um terrível pesadelo moral, acusado por um crime do qual não apenas é inocente, mas que seria impossível de cometer, procura transparecer serenidade e até um pouco de bom humor quando analisa os primeiros trovões que anunciaram a tempestade.

Para a oposição udenista, Pizzolato foi uma vítima útil, uma peça importante no jogo para derrubar o governo. Mesmo no campo da esquerda, as preocupações sempre se voltaram apenas para Dirceu e Genoíno. Mas Pizzolato também era um quadro importante no partido, com uma bela história no processo de luta que culminou na vitória de Lula em 2002. Um dos fundadores do PT no Paraná, Pizzolato foi presidente do sindicato de bancários, da CUT e candidato a governador em seu estado.

Pizzolato testemunhou muita coisa em 2002, e seu depoimento ajuda a esclarecer uma série de pontos obscuros quando se procura entender o aparecimento de Marcos Valério.

O caso Visanet

Um petista no lugar certo, na hora certa

Trazer o questionamento sobre a lisura no julgamento do mensalão para esta grande ágora pública, a internet, nos permite provocar um debate instantâneo, que nos ajuda a desenvolver nosso trabalho. Os dois primeiros textos já publicados geraram algumas reações negativas curiosas. Um internauta fez uma declaração emocionante: “O PT me fez desacreditar na política, e agora quer me fazer também descrer na Justiça”. Outro se pergunta, perplexo, como pode ser que alguém “não entender que partido político e seus governos, no Brasil, não passam de quadrilhas que vivem meramente de dinheiro público? Assim, o Executivo é o poder que estrutura a corrupção no Brasil. Resta ao Judiciário moralizar e colocar a política em seus trilhos”.

Sem se dar conta, essas críticas apenas reforçam a argumentação central que procurarei expor aqui: a acusação usou e abusou de uma lógica de “linchamento”, que serviu para desqualificar o processo político e as entranhas da nossa jovem democracia. E tudo em prol de soluções de força a serem tomadas pelo Ministério Público e pelo Judiciário, tidos aqui na conta de instâncias “não políticas”. Só que não é verdade. Onde existe poder, existe política. É claro que existe política no MP e no Judiciário, só que de maneira mais obscura do que nas esferas do Estado vinculadas ao sufrágio.

Como nasce um linchamento político? Pega-se uma comunidade revoltada com séculos de corrupção, aponta-se-lhe um culpado, de preferência uma figura pública. Que graça tem pegar um promotor corrupto ou um juiz incompetente. Como não votamos, não nos sentimos culpados por seus crimes. Já um político corrupto gera um sentimento de culpa coletiva. Como fomos idiotas em votar nesse calhorda! Daí para a catarse do linchamento, é o passo seguinte.

Não vamos negar que existam políticos corruptos aos borbotões. E a missão republicana do Ministério Público, do Judiciário, da Polícia Federal, e das próprias institiuições políticas, é combatê-los. O que fazer, contudo, quando os próprios corruptos, numa jogada brilhante, assumem a responsabilidade pelo combate à corrupção e, ao invés de pegar os verdadeiros vilões, miram apenas em seus adversários políticos; e, no lugar de uma investigação séria, se aliam aos meios de comunicação para encetarem inquéritos fajutos, sensacionalistas e tendenciosos?

Pois é, meu inocente amigo, se queres fazer alguma coisa concreta para combater a corrupção no Brasil, terás que se desvencilhar de toda ingenuidade. Existe luta de poder, política e corrupção em todas as instituições da República, incluindo MP e Judiciário. Não digo isso para sufocar a esperança do cidadão comum numa solução ética para o problema político brasileiro. Claro que há! Mas certamente não é linchando inocentes, nem manipulando inquéritos. A busca pela ética na política

passa também pela exigência de investigações rigorosas e imparciais, e julgamentos justos, além do fortalecimento da consciência crítica do cidadão, que precisa estar devidamente vacinado contra a demagogia de setores corruptos do MP e do judiciário.

Temos que pegar os corruptos, mas temos que pegar também os corruptos que simulam e manipulam investigações para desviarem a atenção da opinião pública.

E aí voltamos para o caso Visanet e para o indiciamento de Henrique Pizzolato. Todos os laudos, auditorias e documentos à disposição do procurador geral da República, Antônio Fernando de Souza, e do relator da ação junto ao STF, Joaquim Barbosa, provavam a inocência de Pizzolato e, no entanto, ele foi indiciado e depois condenado. Por quê?

Bem, o porque requer uma resposta mais complexa, pois trata de interesses políticos, e vamos discuti-la mais adiante. Por enquanto, podemos analisar outra questão: como? Como a procuradoria e o STF conseguiram a proeza de indiciar e condenar um inocente, à revelia de tantos documentos que provavam o contrário?

Para isso, há uma resposta dura e direta: omissão e má-fé. Quando apareceu o nome da Visanet na CPI e no noticiário, o Ministério Público mandou a Polícia Federal investigar quem eram os responsáveis, dentro do Banco do Brasil, pela relação com a Visanet, sobretudo quem fiscalizava, no BB, as campanhas patrocinadas pelo Fundo de Publicidade da Visanet, nos anos de 2001 a 2005. A investigação foi rápida e fácil. A parceria entre Banco do Brasil e Visanet data de 1999. A partir de 2001, a Visanet cria um fundo de publicidade, alimentado por seus bancos parceiros. Esse fundo continuava sendo propriedade da Visanet, conforme provam todas as auditorias já realizadas. Mas os parceiros tinham direito de orientar campanhas, escolher as agências que as fariam e propor o pagamento das mesmas. Executivos do Banco do Brasil integravam o Conselho de Administração da Visanet, e havia um funcionário do BB com a função de “gestor” do Fundo de Publicidade Visanet.

O nome de Pizzolato sequer aparece no laudo 2828, que reúne as informações coletadas pela Polícia Federal a pedido do Ministério Publico, sobre a relação da Visanet com o Banco do Brasil. Por uma razão simples: como diretor de marketing do BB, Pizzolato não tinha nenhum controle sobre o fundo da Visanet, cuja relação com o BB se dava através da diretoria de Varejo (que lida com cartões de crédito). Pizzolato nunca foi gestor do fundo Visanet. A investigação descobrira ainda que a Visanet mantinha relações com a DNA Propaganda ao menos desde 2001.

Todos os funcionários do BB que mantinham relações com a Visanet (funcionários do BB que integravam o conselho de administração da Visanet, gestores do fundo Visanet, diretores de Varejo, vice-presidente de Varejo, e o próprio presidente do banco) eram remanescentes da era tucana. Todos haviam chegado aos respectivos

postos através de nomeações feitas antes da eleição de Lula, e todos se alinhavam ideologicamente ao PSDB.

Entretanto, o laudo2828, mesmo contendo informações vitais à defesa e à compreensão do processo, foi mantido em sigilo para os advogados de Pizzolato e para a opinião pública. O documento foi varrido para debaixo dos espessos tapetes da procuradoria e do STF. Quando a denúncia da Procuradoria foi encaminhada ao STF e começou a ser debatida pelos ministros, o laudo 2828 jamais foi mencionado. O relator da Ação, Joaquim Barbosa, ao arrepio das informações contidas num documento que ele mesmo havia deferido, declara em seu voto:

“Assim, Henrique Pizzolato agiu com o dolo de beneficiar a agência representada por Marcos Valério, que não havia prestado qualquer serviço em prol dos cartões do Banco do Brasil de bandeira Visa, tampouco tinha respaldo contratual para fazê-lo. De fato o contrato entre a DNA Propaganda e o Banco do Brasil não fazia qualquer alusão à Visanet. “

O voto de Barbosa merece um prêmio: conseguiu reunir num pequeno trecho uma quantidade tão grande de inverdades que pode arrumar um emprego fácil como editorialista do jornal O Globo:

1 – Pizzolato não poderia ter agido “com dolo de beneficiar Marcos Valério” porque nunca teve o poder de propor pagamentos para a DNA Propaganda. Essa função era do gestor apontado pela diretoria de Varejo; na época de que trata a acusação, esse gestor era Léo Batista dos Santos.

2 – A DNA Propaganda prestou, sim, serviços “em prol dos cartões do Banco do Brasil de bandeira Visa”, e tinha total respaldo contratual para fazê-l0, desde 2001.

3 – Havia diversos pareceres à disposição de Barbosa comprovando a relação entre a DNA, BB e Visanet.

Todas essas informações constavam em documentos vários; no caso do Laudo 2828, serviria sobretudo para provar a inocência de Pizzolato, mas o laudo foi oculto. Os advogados de Pizzolato afirmam que, na denúncia da Procuradoria para o STF, o laudo sequer foi anexado. Meses depois, após a denúncia ser aceita pelo STF, o laudo é reintroduzido no banco de dados da acusação.

Pizzolato surge nessa história da seguinte forma. Como diretor de marketing, seu nome aparece em três “notas técnicas”, que eram de circulação interna, sem nenhum poder autorizativo, tratando de questões laterais referentes aos pagamentos a serem emitidos à DNA com recursos do fundo da Visanet. O BB sugeria o pagamento, mas quem o fazia era a Visanet, mediante a apresentação de notas fiscais e comprovantes de realização de serviços por parte da DNA. E a pessoa responsável pela solicitação do pagamento, através de um documento efetivamente autorizativo, era o gestor

indicado para essa função, não o diretor de marketing.

Eram pareceres internos, e o nome de Pizzolato aparece, no mesmo grau de hierarquia, junto a outros três diretores. No total, são quatro notas técnicas, um das quais Pizzolato sequer aparece. Porque apenas Pizzolato foi indiciado? A explicação talvez esteja em sua história: tinha sido o primeiro diretor sindical eleito pelos próprios funcionários do banco, ainda antes da redemocratização. Mesmo sendo funcionário de carreira, e tendo ingressado via concurso, o talentoso sindicalista e combativo militante político do Partido dos Trabalhadores seguramente não era benvindo numa instituição dominada por tucanos de alta plumagem.

Mais tarde, contaremos porque o PT entregou o Banco do Brasil ao PSDB.

Ao menos um alto executivo do BB, um dos mais poderosos, também ligado aos tucanos, trabalhou ativamente para incriminar Pizzolato. É Antônio Luiz Rios da Silva, que havia sido vice-presidente de Varejo do Banco do Brasil em 2003, e responsável pela nomeação de todos os funcionários que tinham relação com a Visanet. Este cidadão, simplesmente, saiu do BB para se tornar presidente da… Visanet, função que exerceu no auge das comissões de inquérito que investigavam o mensalão! Um acaso não tão casual, que foi extremamente oportuno para a oposição e trágico para Pizzolato, porque Rios, como presidente da Visanet e ex vice-presidente de Varejo no BB, se recusou a fornecer os documentos que provariam a inocência do petista, nem fez qualquer declaração neste sentido. Descobriu-se também mais tarde mensagens do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Nelson Jobim, avisando Rios de que a Polícia Federal faria investigações nos escritórios da Visanet. Ou seja, todos os tucanos, em todas as altas funções da república, estavam se dando as mãos, solidariamente. (Documentos neste link)

São artimanhas como essas que explicam o indiciamento de Pizzolato. Possivelmente, em meio às turbulentas conspirações que aconteciam nos bastidores das CPIs que investigavam o mensalão, houve um decisão política sobre a trama e os personagens. O nome de Pizzolato aparece quando se projetam os holofotes sobre a relação do Banco do Brasil com a DNA Propaganda. Era o petista no lugar certo e na hora certa.

Mas tudo começa com a figura de Marcos Valério. A oposição tinha que ligar Marcos Valério, suposto “operador financeiro” do mensalão, ao desvio de dinheiro público, e como a DNA Propaganda respondia por contas milionárias junto à Visanet, que por sua vez mantinha contratos com o BB, iniciou-se o esforço para encontrar um petista no BB que pudesse “fechar” a trama já armada por oposição e mídia.

No próximo capítulo, falaremos deste personagem até hoje explosivo: Marcos Valério. De onde ele vem? Porque se torna de repente tão íntimo do PT? Pizzolato participou de reuniões com o alto comando da campanha petista de 2002, e me contou algumas histórias interessantes sobre a situação financeira do partido, e como Valério aparece como “salvador da pátria”.

As bombas lá fora

As dívidas de campanha

Em algum momento lá trás, eu mencionei o “mínimo distanciamento histórico” em relação aos fatos que produziram o escândalo do mensalão. Preciso agora enfatizar o termo “mínimo”, ou mesmo me contradizer. Não há distanciamento histórico. As bombas ainda explodem lá fora. O editorial do Globo hoje, 15 de maio de 2013, é: “Mensalão recoloca STF em risco”, onde o jornalão assevera que o tribunal “precisa ter consciência de que, ao decidir sobre novo julgamento, pode pôr a perder a credibilidade obtida com sua atuação no caso até agora”. É uma ameaça. O Globo, pela enésima vez, põe uma faca no pescoço dos ministros do STF e diz: vão em frente.

A grande ironia é que o Globo está certo. Só que ao contrário. O STF está, de fato, em risco de se desmoralizar, mas se se curvar mais uma vez aos interesses políticos e às chantagens da família Marinho.

Eu falei nas bombas que estouram lá fora porque me lembrei de um comentário de alguém sobre Jules Michelet, talvez o mais querido historiador francês. Em 1848, Michelet escrevia sobre a revolução francesa enquanto ouvia, do lado de fora de sua casa, as bombas de uma outra revolução acontecendo. Os mesmos princípios estavam em jogo: a república, a democracia, a igualdade social. Michelet era um ardente republicano e defensor dos legados da revolução francesa, mas não podia negar os erros trágicos e brutais das lideranças que assumiram o poder no auge do “terror” jacobino. Michelet, todavia, era inteligente demais para publicar uma denúncia contra a revolução que pudesse ser instrumentalizada por seus adversários políticos para atacar os princípios que ele, Michelet, acreditava. Michelet era o que, mais tarde, os marxistas chamariam de “intelectual orgânico”. Hoje em dia, a historiografia oficial francesa lê Michelet com muita cautela, tentando separar seu engajamento ideológico e seus inegáveis talentos literários dos acontecimentos históricos em si. Após um certo tempo, a academia tende a analisar os fatos com a frieza de um dissecador de cadáveres. Mas todos admitem que, se você quiser sentir um pouco do calor revolucionário que emanava das ruas parisienses, naqueles cinquenta anos a partir da queda da Bastilha; se quiser entender o que aconteceu não apenas de maneira cerebral ou acadêmica, mas apreender sobretudo suas reverberações espirituais, então você precisa ler a História da Revolução Francesa de Jules Michelet.

Ao abordar a aparição de Marcos Valério no palco da história política brasileira, começaremos a falar dos grandes erros do PT. O erro fundamental, naturalmente, foi ganhar as eleições. Um parente meu, alguns meses após a posse de Lula, quando a onda de cobranças deflagrou mais uma fornada “desencantados com a política”, me disse assim mesmo: “O PT não deveria ter ganho”. Não era ironia. Havia muita gente, na própria esquerda, que entendia que o PT não deveria ter ganho, para evitar o processo de corrosão ética e ideológica provocado pelo poder.

Quando escavamos as origens do mensalão, batemos em alguma coisa sólida lá embaixo, guardamos a pá e abrimos o baú encontrado, o que vemos?

A vitória de Lula não representa, naturalmente, apenas a vitória pessoal do ex-metalúrgico, nem somente a ascenção do Partido dos Trabalhadores às funções máximas do Executivo. Há um corte histórico, que nem o mais raivoso inimigo do PT poderá negar. Uma coisa é o que acontece na superfície dos acontecimentos. A festa do povo nas ruas. A cantoria, o choro e as bebedeiras. Outra coisa é o movimento silencioso e profundo das placas tectônicas da história.

Vamos aos fatos.

Primeiro, a campanha. Todos os crimes eleitorais acontecem na campanha. A campanha eleitoral, em si, é o crime fundamental do regime democrático.

Não por outra razão, quando os petistas começam a se recuperar do susto que levaram com o escândalo do mensalão, repetirão em coro: a culpa é das campanhas! Daí nasce o desejo de fazer uma reforma política para tampar o ralo por onde escorre toda a decência e toda a ética.

Só que não vão conseguir. As campanhas eleitorais continuarão, para sempre, sendo um crime político. Porque é nas campanhas que se mobilizam todas as forças, todos os recursos, se amarram todos os compromissos. É nas campanhas que, invariavelmente, vemos despontar no horizonte, caminhando em nossa direção, um homem manco, de rosto estranho, com um pé deformado, semelhando um pé… de cabra.

Perdoem-me a caricatura, que tentarei desfazer mais adiante, mas não posso resistir: que figura mais parecida com o diabo senão aquele risonho moço de careca luzidia chamado Marcos Valério?

A única maneira de pôr fim a este grande crime político, ao crime original, é dar fim às campanhas. Ou seja, é dar fim ao regime democrático e instalar a ditadura. De preferência, uma ditadura de juízes vitalícios. Aí sim, o país poderá respirar aliviado, as classes instruídas poderão olhar, satisfeitas, para os donos do poder, que serão homens cultos e severos, e que não chegaram onde chegaram através de campanhas políticas sujas.

Ah, mas não é somente um crime. As campanhas mobilizam uma grande quantidade de mão-obra. São milhares, quiçá milhões de pessoas trabalhando em todo país, em tudo que é tipo de atividade. A moeda mais valiosa em qualquer campanha é o trabalho. Qualificado, naturalmente. Se há dinheiro para pagar o trabalho, paga-se. Se não se tem, faz-se dívidas. Arrisca-se. As campanhas mobilizam as apostas mais temerárias que se pode conceber. Empresários, ativistas, políticos, donas de casa,

todo mundo aposta alguma coisa.

Após a vitória, Lula chama a equipe que coordenava a questão do financiamento de sua campanha. Obviamente, sempre fora a questão crucial para a vitória. E deixemos claro uma coisa: o PT não ganhou as eleições apenas por causa do amor dos companheiros à causa. A campanha de Lula foi rica em recursos. E falo do Caixa 1, contabilizado. O professor Wanderley Guilherme dos Santos fez um levantamento das eleições de 2002 e verificou que Lula ganhara mais dinheiro que seu adversário, José Serra. Os empresários brasileiros, apesar de toda afinidade ideológica com o PSDB, estavam traumatizados pela incompetência do governo FHC. O país quebrara várias vezes, a carga tributária quase dobrara, os juros atingiram níveis insuportáveis. Só quem ganhava dinheiro, em tese, eram os bancos. Mas até os bancos quebraram! O capitalismo brasileiro foi empurrado à força para a esquerda, porque entendeu que precisava de uma coisa básica para continuar produzindo riqueza: consumidores.

Pizzolato, que já participara de várias campanhas e entendia de economia, em função de seu trabalho no Banco do Brasil, era um dos que trabalhavam no núcleo de programa de governo do comitê e descreve a reunião com Lula em tons vívidos. Os cardeais estavam todos presentes: José Dirceu, Palocci, Gushiken, etc. Lula só pediu uma coisa: quero as contas de campanha totalmente ordenadas. Quero ser diplomado sem a mínima mácula. E assim foi feito. Todos trabalharam como loucos para ordenar sabe-se lá quantos milhares de notas fiscais, preencher sabe-se lá quantas planilhas. Mas tudo foi cumprido à risca e Lula é diplomado com as contas de campanha em dia.

Aí, vem uma outra reunião. A campanha nacional fora paga, mas os dirigentes regionais aparecem com enormes pendências. Dívida tem que ser paga! Ainda mais naquele Brasil em profunda crise econômica, desemprego altíssimo, como era em 2003. Ouvíamos casos de homicídios por dívidas de 15 reais. Que dizer então das milionárias dívidas de campanha?

“Então Lula fez uma coisa de doido”, diz Pizzolato. Quando a gritaria dos diretórios regionais em relação às dívidas começou a ficar alta demais, Lula chamou Delúbio Soares, tesoureiro do partido e mandou: “Resolve isso, Delúbio”. O diretório nacional do PT, por orientação do recém eleito chefe de Estado, assume as milionárias dívidas dos núcleos regionais. O PT, de uma hora para outra, mesmo tendo ganhado as eleições, se tornava uma instituição completamente falida e endividada.

O Delúbio era o cara com mais intimidade com Lula, conta Pizzolato. Quando Lula mandou ele assumir todas as dívidas, ele quase caiu da cadeira e rebateu de pronto: “No meu, não, né, presidente (ele agora já chamava Lula de presidente)! No meu arde!”

Palocci dá um risinho, bate nas costas de Delúbio e diz alguma coisa sobre o peso

de “ser governo”.

Delúbio vai atrás do dinheiro. O fundo partidário estava mais liso que a careca de Valério: tudo havia sido gasto para que Lula se diplomasse com as contas pagas, totalmente limpo. Onde está o dinheiro? Nos bancos. Segundo Pizzolato, Delúbio gostava de fumar charutos; quem trabalhava mesmo eram os dois secretários à sua disposição. Os petistas vão ao Banco do Brasil pegar emprestado. O patrimônio do PT só permitia ao partido pegar uns 2 milhões de reais. Não dava nem para encher o buraco do dente. A dívida total era mais de 50 milhões de reais. Os bancos não queriam emprestar para o PT por uma questão burocrática básica: o partido tinha um limite baixo.

Ironia quase trágica. O partido que vencera as eleições presidenciais não tinha limite. Mas o empresário Marcos Valério tinha. Ele podia pegar quanto dinheiro quisesse, porque era bem relacionado. “Hoje o pessoal fala mal do Valério, mas na época ele foi o salvador da pátria”, conta Pizzolato.

Com Marcos Valério como avalista, o PT conseguiu levantar dois bons empréstimos com o BMG e o Rural. Parte do problema estava sanado. Até aí tudo bem. Mas ainda faltava dinheiro. Então Valério faz um acerto com Delúbio. Aí nasce, efetivamente, o “mensalão”. Valério faz um empréstimo em seu nome, para pagar as dívidas do PT. Delúbio fazia assim, conta Pizzolato: conforme os diretórios iam ligando para cobrar o pagamento das dívidas, ele ligava para uma secretária de Valério para fazer os pagamentos. Tudo isso acontecia em 2003. Só que o tempo foi passando; em poucos meses, haveria outra eleição. Novas dívidas começaram a surgir…

Contrato da DNA com Banco do Brasil é de 1994

Encontrei uma informação interessante para entender as relações de Marcos Valério com o Banco do Brasil. A DNA Propaganda ganhou contrato com o BB, pela primeira vez, em 1994. É bom frisar isso porque a mídia e as algumas declarações de Joaquim Barbosa passaram a impressão que a agência de Marcos Valério era fictícia. Era real, e mantinha contatos com grandes empresas públicas desde pouco depois de sua criação. A DNA fez a campanha de Itamar Franco, de Collor e de Eduardo Azeredo. Não fosse o escândalo, possivelmente seria a agência oficial de Aécio Neves, pois um dos principais sócios da empresa era Clésio de Andrade, vice-governador na gestão de Aécio.

Em 2002, o presidente era Francisco Castilho, que permanecia no comando durante os episódios do mensalão. Porque apenas Marcos Valério foi indiciado? Porque a oposição achava que Valério tinha feito com o PT o que havia feito com o PSDB mineiro. Valério usou a DNA para realizar um Enduro (evento com motos) superfaturado, mas os patrocínios serviram para quitar débitos de campanha.

Tirem as crianças da sala

“A compra de apoio político”.

Na verdade, o famigerado mensalão correspondeu a duas necessidades de caixa. A primeira foram as dívidas da campanha de 2002. A segunda, a necessidade de investir nas eleições de 2004 e integrar estratégias eleitorais de legendas coligadas. Ué, “integrar estratégias”, ao supor partilhamento de recursos, não seria comprar apoio político? Então o STF está certo? Não. Não está certo porque a acusação do STF não é, exatamente, “compra” de apoio político, que é uma coisa genérica, difícil de ser mensurada. Os ministros acusaram o governo de comprar a consciência dos deputados, em votações específicas, e tal acusação só poderia ser feita mediante a existência de uma confissão. O que não houve. A única confissão de compra de voto, que eu me lembre, é do Ronivon Santiago (PFL-AC), que acusou o governo FHC de organizar pagamentos de 200 mil para que os parlamentares votassem em favor da emenda da reeleição.

Consolidar apoio político não é crime. O que move os grupos políticos são os interesses econômicos. Se eu dou três ministérios para um partido, estou “comprando” seu apoio político. Se distribuo tantos cargos para os quadros daquele outro, idem. Se integro financeiramente campanhas entre partidos aliados, a mesma coisa. Algumas dessas coisas podem configurar irregularidades ou uso de recursos não-contabilizados, mas o crime não é a questão política, visto que a construção de alianças em prol da governabilidade é um pressuposto necessário para estabilidade institucional.

Os R$ 6 bilhões que a Secom deu à Globo nos últimos 10 anos não configuram “compra de apoio político”? Nomear tucanos para chefiar a Procuradoria Geral da República, por exemplo, foram operações quase suicidas de Lula para “comprar” apoio político…

O crime que existiu é o caixa 2. O crime é dar dinheiro ilegalmente a uma liderança partidária. Mas então que as condenações sejam para o crime de caixa 2 e para o crime de lavagem de dinheiro e corrupção. A acusação de compras em massa de consciências só seria possível se as mentes dos parlamentares “comprados” fossem dissecadas em laboratório e ficasse provado que eles votaram porque, e só porque, receberam uma quantia para isso. Essa é a grande falha da acusação, agravada pelo fato de que os que receberam dinheiro para “votar” com o governo, já pertenciam à base aliada. Alguns eram do próprio PT!

Mas voltaremos mais tarde aos erros do STF, que são muitos e terríveis. Agora vamos nos alongar um pouco mais sobre realpolitik. Tirem as crianças da sala, por favor.

Será que foi por isso, por exemplo, que o PT também “comprou” apoio político do

PSDB? O grupo de Gushiken e Palocci cedeu várias estruturas importantes aos tucanos, em troca de apoio político no parlamento. O Banco do Brasil, o Banco Central, os fundos de pensão. Tudo relacionado a Palocci e a Gushiken foi entregue e/ou permaneceu com os tucanos.

Esse foi um debate duro que se deu bem “no seio” do governo, diz o ex-diretor de marketing do Banco do Brasil, que observou essa disputa durante a campanha – embora jamais tenha ocupado nenhum cargo de direção no partido. A decisão contou com a oposição dura de José Dirceu. “O Zé era radicalmente contra isso, e ameaçou fazer convenção e ganhar lá. Ele argumentava que os tucanos já estavam há muito tempo no governo e tinham aparelhado tudo. Se continuassem ocupando funções-chave, seria como se continuassem no poder.” Dirceu defendia uma grande aliança com o PMDB, enquanto Lula via mais vantagem em se aliar aos pequenos partidos, mantendo parcerias pontuais com o PMDB.

Delúbio chegou na primeira reunião após a vitória confiante de que seria elogiado pela vitória eleitoral e pela bem sucedida prestação das contas da campanha nacional junto ao STE. Quando recebeu a ordem de resolver um pepino de algumas dezenas de milhões de reais, referentes às dívidas dos diretórios regionais, quase pulou da janela.

“Lula tentava acalmá-lo. Está tudo bem, Delúbio. Tudo bem. É melhor a gente assumir isso do que correr o risco dessa gente fazer bobagem”, conta Pizzolato, presente à reunião.

“Quando eu fui para a campanha, a coordenação me disse: precisamos de um cara para plano de governo, para explicar isso e aquilo. Ainda durante a campanha, o Delúbio me chama e diz: estamos no negativo”.

Delúbio diz a Pizzolato que o partido precisava de R$ 1,5 milhão para capital de giro. Quem botava a mão na massa e trabalhava pra valer era o assessor de Delúbio, Paulo Martins, que depois virou chefe de gabinete do Okamoto. O Delúbio só assinava os papeis, fumando charutos. Pizzolato procedeu ao rito normal de qualquer cliente e entrou em contato com o Banco do Brasil, para marcar uma entrevista e ver o quanto o partido podia pegar emprestado junto à instituição. As regras eram rígidas, e o PT só conseguiu pegar exatamente R$ 1,6 milhão, dando como garantia o próprio fundo partidário.

Finda a campanha, todos sabiam que havia dívidas. Lula orienta o tesoureiro do partido a assumir as dívidas regionais; começa a via sacra. Cada estado apresenta a relação das dívidas.

Hoje se sabe que foi naquele momento que surge Marcos Valério. Com Valério como avalista, o PT consegue um limite maior: R$ 3 milhões junto ao Banco Rural. Mas ainda faltava muita coisa. Então Valério disse que podia “quebrar o galho”, e

pegou empréstimos mais vultosos em seu nome. Sua intenção, naturalmente, era ter o PT lhe devendo favores, e fazer com que isso representasse, no futuro, uma gorda conta estatal; essa era a a especialidade de Valério na DNA: fazer lobby junto a governos e grandes empresários, e conseguir contas.

Alexandre Teixeira, autor do blog Megacidadania e pioneiro de um movimento em defesa da anulação da Ação Penal 470, observa que a Receita Federal investigou 25 anos da vida de Pizzolato, e não encontrou nada.

Perguntei-lhe então sobre os 326.660,67 reais que foram sacados num escritório do banco rural, no Rio. A versão de Pizzolato é que não sabia que se tratava de dinheiro. Disse que atendeu um telefonema de uma pessoa que se identificou como secretária da DNA e solicitou-lhe que fosse buscar documentos em um determinado endereço. Pizzolato solicitou à secretária da PREVI que um contínuo fosse buscá-los. Eram dois envelopes, que foram entregues, segundo ele, algumas horas depois a um emissário do PT. Ele disse que achava que deveria ser material de campanha, porque já tinha informação que DNA abrira uma empresa de marketing político, e queria trabalhar na campanha do PT.

Em depoimento judicial, Valério disse que o diretório do PT do estado do Rio de Janeiro, de acordo com o então tesoureiro do PT, Delúbio Soares, tinha débitos de campanha de 2002, estava se preparando para as eleições municipais de 2004.

O tesoureiro do PT, então, solicitou a ele (Valério) que remetesse um total de R$ 2.676.660,67 ao PT do Rio de Janeiro. As pessoas indicadas para o recebimento foram Manuel Severino, Carlos Manuel e Pizzolato, disse Valério. Os R$ 326.660,67 repassados via Pizzolato seriam parte desse total.

Importante recordar que um notório tucano, o publicitário Nizan Guanaes, estava em tratativas para fazer a campanha petista na capital do Rio.

Pizzolato, condenado por supostamente “desviar” recursos da Visanet (ainda voltaremos uma última vez a este caso), explica que a CPMI dos Correios, que investigava o mensalão, não tinha incluído a questão da Visanet. As investigações vinham descobrindo, segundo consta no relatório final da CPMI, casos bem maiores de caixa 2, pegando todos os partidos. “Aquilo ia revirar a república pelo avesso. A Visanet era uma coisa mais neutra”. A oposição pensou que Valério estava fazendo para os petistas o mesmo que havia feito para eles, que era receber uma quantia superfaturada para realizar um evento. O que explicaria a mira afiada em Valério e nos contratos de publicidade da DNA com a Visanet e Banco do Brasil. Só que as campanhas da DNA junto à Visanet/BB foram realizadas. O “mensalão” não passou pela Visanet, nem pelo BB, e sim pelo esquema de empréstimos tomados por Valério junto a alguns bancos para sanar os problemas financeiros do PT.

Hoje há confirmação que Daniel Dantas, o jovem prodígio que ficou bilionário na

era FHC, era um dos principais clientes de Marcos Valério. Sua eventual participação no abastecimento do valerioduto, no entanto, jamais foi explorada pela grande imprensa. Ele até chegou a depor numa CPI, mas numa audiência a portas fechadas; a acusação contra Pizzolato e Visanet foi seu biombo perfeito. Detalhe: Pizzolato é o único dirigente do BB processado por Daniel Dantas, porque enquanto representante dos funcionários do BB na Previ, e como tal membro do Conselho da Brasil Telecom (empresa controlada por Dantas), Pizzolato proferiu um voto que desagradou o poderoso banqueiro, que imediatamente ordenou sua exclusão do Conselho.

As bombas aqui dentro

Reflexões sobre a Bastilha mental

Dessa vez eu senti a vertigem. Escrever sobre um tema tão explosivo, aproximar-se de pessoas que vivem até hoje dentro de uma usina nuclear cheia de vazamentos, me deu a sensação de estar no topo de um edifício em chamas, olhando o abismo lá embaixo.

Ou então parece que adentramos um ambiente altamente inflamável, mas escuro e acendemos um fósforo para poder olhar ao redor. A intenção é boa, mas o risco, altíssimo. As bombas não explodem apenas lá fora, como eu disse; há estilhaços que entram pela janela e podem nos atingir. A Procuradoria Geral, alguns ministros do STF e setores da imprensa tornaram-se, definitivamente, agentes políticos sem qualquer escrúpulo, e provaram desfrutar de um poder sinistro: podem colher qualquer história, inclusive textos nossos, e transformá-la em qualquer coisa. Daí o perigo, eles tem o poder de criar a mentira e condenar com base naquela mentira.

Sobretudo ainda vivemos aquele clima pesado de tribunal, em que tudo que dissermos pode se voltar contra nós. Agora sim entendi porque se precisa de distanciamento histórico para se analisar uma situação com serenidade.

Vamos esclarecer algumas coisas sobre o texto anterior. Tragam as crianças de volta para sala; eu errei ao pedir que elas saíssem. Elas têm que aprender desde cedo algumas lições de vida.

O julgamento do mensalão foi viciado e condenou inocentes. A denúncia da procuradoria foi inepta. Disso eu já sabia, porque acompanhei todo o processo, escrevi sobre ele. Não digo que os réus são inocentes de qualquer coisa. O direito moderno, desde o Iluminismo, após séculos de trevas jurídicas, entende que um processo legal deve condenar ou absolver as pessoas em relação aos crimes que estão sendo julgados. Senão vira, como virou, um linchamento. Insufla-se um ódio tão grande nas pessoas contra a política, contra o governo, contra o partido dos trabalhadores, que a culpabilidade ou não dos réus passa a ser um mero detalhe. É como se eles tivessem que expiar a culpa por toda a podridão da política brasileira dos últimos duzentos anos.

A minha experiência nova, meio que assustadora, foi conhecer pessoalmente algumas vítimas desse linchamento. Em Vigiar e Punir, Foucault descreve as torturas físicas da idade média e analisa o desenvolvimento dessa tara inominável, que é o prazer pelo sofrimento do outro. Logo no início do livro, há uma descrição pavorosamente minuciosa do esquartejamento vivo de um condenado. É uma coisa absurda; perguntamo-nos o tempo inteiro qual o objetivo daquilo?

Hoje a mesma técnica é utilizada, mas no campo psicológico. A tortura moral que a

mídia pode inflingir a um indivíduo e à sua família, ao envolvê-lo num processo político, é algo terrivelmente chocante. É chocante inclusive se ele for culpado, porque inventa-se uma forma de punição que não está prevista no código penal. Existe o mundo das leis, onde as pessoas são condenadas estritamente pelo que fizeram, e a punição vem rigorosamente prevista em acordo com a Constituição. As punições morais operam num outro universo, não regido pelos códigos escritos, mas por leis às vezes muito mais severas, porque milenares. Recentemente, um pai “esqueceu” o filho recém-nascido dentro do carro por algumas horas, e o menino morreu. O pai é culpado. Ninguém nega sua imperdoável irresponsabilidade. Mas o juiz entendeu que a culpa que esse pai teria que carregar por toda a vida já era tão terrível que não precisava sequer ir preso. O homem estava internado há dias, em estado de choque, depois de tentar o suicídio. Não imagino nenhum sofrimento maior do que o remorso de matar, sem querer, o próprio filho! Mesmo sabendo que ele é culpado, mesmo tendo raiva do homem, não consigo deixar de sentir um pouco de compaixão. Imagine então aplicar o mesmo tipo de punição moral a um inocente?

Com a transformação do mundo num espaço totalmente midiatizado, o poder da punição moral, via exposição pública, atingiu um ponto crítico. A expressão “assassinato de reputação”, muito usada nos últimos anos para descrever o processo de denúncias, muitas vezes sem substância, contra adversários políticos, não diz tudo. Não apenas se mata a reputação. Faz-se uma coisa tremendamente pior. Tortura-se, lentamente, cruelmente, sadicamente.

É isso o que Genoíno tem repetido, sempre que há um movimento como que de abutres a seu redor, tentando bicar mais um pedacinho de seu fígado: fui barbaramente torturado na ditadura, mas o que têm feito comigo agora ainda é pior.

Se a coisa é chocante quando se trata de culpados por algum crime, obviamente é muito mais quando estamos diante de um inocente. Quando é alguém distante de seu universo, você simplesmente se afasta, como quem decide não assistir a determinado filme de terror. Mas acontece às vezes de você topar com uma vítima. Falar com ela. Comer uma pizza e tomar um guaraná com ela. Então todo o esforço que você fazia para afastar a sua imaginação do tipo de tortura mental que a mídia pode inflingir a uma pessoa inocente vai por água abaixo.

Isso foi o que mais me marcou.

Eu sempre fiz uma defesa do Lula e do PT porque entendia um e outro como agentes do nosso desenvolvimento e da nossa libertação social. Se defendi ambos no momento mais crítico, quando simplesmente não sabíamos o que havia acontecido, agora que temos uma noção melhor das coisas, minha defesa é ainda mais tranquila e mais enfática. No capítulo anterior, eu descrevi de maneira superficial o processo de construção da governabilidade. Não dá para fazer um tratado sobre poder, democracia, governabilidade, ética, moral e compromisso social em dois parágrafos. Estes são temas que espero desenvolver melhor mais tarde.

O novo grau de circulação das informações está nos levando a um outro estágio: estamos saindo de um tempo em que havia as coisas que podiam ser ditas, e as coisas que não podiam ser ditas. Wikileaks, leis de transparência pública, internet, o mundo político hoje está um bocado perplexo com a nova situação, em todos os países. Há uma aflição constante no ar.

No Brasil, em particular, a situação chegou onde chegou porque a chamada opinião pública, a verdadeira, não a de meia dúzia de colunistas, é refém de um processo que começou lá em 1964. Começou até antes, na década de 50, mas somente em 1964 a mídia, esta mídia, conseguiu se tornar hegemônica. Qualquer outra opinião era criminalizada e, literalmente, morta. Durante mais de 20 anos, somente os barões pontificavam sobre política, e roubou-se da sociedade brasileira não apenas o que ela tinha de mais precioso, o direito de se expressar livremente, mas as consequências positivas dessa liberdade: entender melhor a nós mesmos e a maneira de nos governarmos; entender melhor a democracia, suas contradições e problemas.

Após a ditadura, a situação perdurou porque os desdobramentos iniciados no regime militar continuaram acontecendo. O ambiente de profunda crise econômica, por si só, mata a liberdade, de uma outra forma, pelo bolso. Assistimos a uma ou duas gerações de jornalistas, cineastas, escritores, intelectuais, que tinham algum pendor pela independência, e que podiam efetivamente contribuir com uma voz diferente, para termos no Brasil um debate político mais plural e mais avançado, assistimos a estas gerações se perderem na miséria econômica, na desesperança, na adversidade.

Com o PSDB no poder, atingimos o apogeu da corrupção moral. O Brasil jamais debateu suficientemente o problema político causado pela decisão de FHC de aprovar uma emenda para reeleger a si mesmo. A gente discutiu por anos a reeleição de Chávez, jamais a de nosso próprio presidente. Jamais discutimos as implicações morais disso, nem o obscuro processo para construir a maioria parlamentar naquela votação. Chávez fez um plesbicisto popular. Consultou diretamente o povo. O governo FHC aprovou a reeleição através de uma suja negociata palaciana.

Daí a sociedade brasileira nunca teve uma noção aproximada de como funciona o processo político. De repente, com o escândalo do mensalão, há um esforço massivo, deliberado, maquiavélico, covarde, de pegar uma sociedade fragilizada por décadas de desinformação e manipular todos os seus preconceitos em relação a política e a democracia, em prol de derrotar um projeto. Quando se abriram as cortinas dos bastidores da democracia, e vimos as lideranças partidárias fazendo acordos para se eleger, governar, pagar enormes dívidas de campanha, setores políticos viram a oportunidade de ludibriar a população com um discurso hipócrita: vejam só, que vergonha! nós nunca fizemos isso!

Não é verdade. Fizeram muito pior. E fazem algo infinitamente mais podre, repetindo exatamente o que fizeram durante as campanhas udenistas: criminalizam a

política e desqualificam a democracia. Pintaram Vargas como um bandido porque o Banco do Brasil emprestou dinheiro para Samuel Wainer criar a Última Hora, quando todos os presidentes anteriores haviam emprestado quantias ainda maiores para O Globo, para o Correio da Manhã e para os jornais de São Paulo. E agora criminalizam o PT. Não ficaram satisfeitos com o mea culpa do partido por ter feito caixa 2. Inventaram uma trama diabólica, sem base em nenhuma prova, para causar o maior dano político e humano possível no partido e em tudo que ele representa.

Eu já tinha compreendido essa questão política. Mas agora, conhecendo Genoíno e Pizzolato, eu passei a ver as coisas por um outro ângulo. Passei a ver as coisas numa perspectiva humanista. De repente, tudo o mais se apagou, e eu vi uma figura humana com braços e pernas em xis, como naquele desenho de Da Vinci.

Há tanta injustiça no mundo, no país, crianças drogadas na rua, o sistema de saúde pública é precário, mas de repente o que mais nos choca é a injustiça contra o ser humano à nossa frente. Esquecemos a política, a ideologia, os partidos, a democracia, tudo é posto de lado quando se está diante de uma arbitrariedade.

Justamente por isso, essa pode ser a chave para a gente reverter essa tremenda injustiça. O caso Pizzolato, em particular, detêm a chave para se anular a Ação Penal 470. Não sou apenas eu que enxergou isso. Raimundo Pereira, editor da Retrato do Brasil, farejou algo semelhante. Não à tôa dedicou edições inteiras de sua revista aos erros da procuradoria e do STF no caso Pizzolato. Outros jornalistas agora estão abrindo o olho.

Num dos capítulos atrás, eu mencionei a obra-prima de Jules Michelet sobre a revolução francesa. Lembrei-me agora de outro fato que nos faz pensar naquele mito do eterno retorno. As coisas vão se repetindo o tempo inteiro, o que é bom, porque nos dá chance de aprendermos e lidarmos com os monstros de maneira mais experiente. Algumas da páginas mais belas que já li em minha vida são aquelas em que Michelet descreve o processo que culminou na Tomada da Bastilha, esse evento que marca o início de uma nova era no mundo.

A Tomada da Bastilha não nasceu da estratégia de lideranças políticas. Segundo Michelet, foi um explosão espontânea, desorganizada, popular. A multidão acorreu, furiosa, desesperada, na direção daquela fortaleza que simbolizava os aspectos mais tenebrosos do regime monárquico. Como prova da espontaneidade da rebelião, Michelet descreve a enorme quantidade de mulheres, velhos e crianças que participavam.

Qualquer pessoa podia ser presa e encarcerada na Bastilha. Até burgueses e aristocratas podiam ser vítimas. Um caso comum, por exemplo, era uma mulher, mancomunada com um amante, denunciar o próprio marido, para poder usufruir livremente de seus bens. O marido apodrecia incomunicável na Bastilha pelo resto da vida.

Michelet descreve como tudo começou. Entre os fatos que levaram ao desenvolvimento de um ódio tão intenso dos franceses à Bastilha está justamente uma mulher. Uma mulher simples, do povo, que achou uma carta de um homem que jazia há muitos anos na prisão, por um crime que, segundo ele, não havia cometido.

Por trás dos grandes acontecimentos da revolução francesa, escreve Michelet, jamais poderemos esquecer este caso, que ajudou a derribar os pilares morais nos quais se assentava o regime. Ao conhecer Pizzolato e estudar seu caso, eu me senti um pouco como aquela senhora do livro de Michelet.

A senhora não tinha pretensões de derrubar o regime. Ela sentiu-se tomada por uma compaixão profunda por aquele homem, e passou a procurar as autoridades para que avaliassem o caso. Acabou ganhando notoriedade. Foi ameaçada, ridicularizada, agredida. Mas prosseguiu. Michelet não sabe o que aconteceu a esta mulher, nem ao prisioneiro. Nas semanas seguintes, o Antigo Regime ruiu. Quando o povo tomou a Bastilha e abriu os portões, libertando todos os prisioneiros, houve um momento de grande júbilo. O povo abraçava, chorando, aqueles homens que permaneceram anos esquecidos do mundo, largados numa masmorra, incomunicáveis. Havia centenas de bastilhas em toda França. Elas representavam o absolutismo, o poder que o Estado tinha para inflingir o pior de todos os sofrimentos a um indivíduo: acusá-lo das piores barbaridades, sem lhe dar a chance de se defender.

Quando eu conheci Pizzolato e sua esposa, eu pensei: temos um cidadão brasileiro e sua família sendo torturados numa bastilha ainda pior que aquela do Antigo Regime, porque é uma bastilha mental. Ao mesmo tempo entendi que o caso Pizzolato pode ser a chave para deflagrar uma reviravolta definitiva na farsa que setores políticos e mídia armaram para aplicar um golpe 2.0 na sociedade brasileira. Essa farsa vai se voltar contra os que a praticaram. Vamos tomar essa Bastilha.

A História não anda de avião

Homenagem a um jornalista

Outrora se falava que “ainda existem juízes em Berlim”, referindo-se aos derradeiros magistrados que resistiram à sanha nazista e defenderam princípios constitucionais numa Alemanha mergulhada em profunda crise. Que grande ironia assistir, num Brasil que vive o apogeu de sua democracia e goza de sólida estabilidade econômica, a inversão dessa frase. Não existem mais juízes em Brasília? Essa pergunta ainda está no ar, visto que há um fiapo de esperança de vermos o STF evitar a desmoralização de se render às forças do atraso e à arbitrariedade. Mas a frase vale para uma outra atividade crucial quando se discute este processo político e judiciário conhecido por “mensalão”. Ainda existem jornalistas no Brasil? Felizmente, sim. Endereço a frase especialmente para o editor da revista Retrato do Brasil, Raimundo Pereira, que realizou um trabalho criterioso e completo para descontruir as mentiras contidas na denúncia da Ação Penal 470.

Se durante o julgamento, as matérias de Pereira fossem publicadas num jornal de grande circulação e seu conteúdo fosse adaptado para a televisão, outro seria o destino dos réus, e poderíamos testemunhar um outro debate, bem mais consequente. Estaríamos agora discutindo, de maneira mais objetiva, um fato gravíssimo: a construção de uma conspirata política para derrubar um governo eleito, ao arrepio de inúmeros direitos constitucionais consagrados. A procuradoria e alguns ministros lançaram cidadãos na fogueira da vergonha pública apenas para provar uma tese pré-montada.

Relendo a Edição Especial da Retrato do Brasil, cuja manchete é “A Construção do Mensalão”, e a edição número 65, intitulada “A Prova do erro do STF”, senti o alívio de constatar que parte do trabalho que eu me dispunha a fazer, já está pronto, o que me deixa um caminho aberto para passar à etapa seguinte, a análise das consequências. O material coletado por Pereira derruba as teorias centrais da denúncia da Procuradoria. A demolição que faz no caso Visanet, inclusive publicando os documentos que os juízes se recusaram a ver, é particularmente arrasadora. Não sobra pedra sobre pedra.

Consulte o site www.retratodobrasil.com.br, ou ligue para 11-3814 9030 para solicitar as edições que tratam da Ação Penal 470.

Pereira faz o serviço que caberia a um juiz honrado: inocenta Henrique Pizzolato consultando os documentos apresentados pelo próprio réu à acusação. E ainda envereda por um caminho que eu também procurei trilhar nessa história: o aspecto humano. É um aspecto essencial porque nos faz pôr de lado, por um momento, as paixões políticas.

Perdoem-me insistir tanto na figura de Pizzolato. Não sou advogado dele, não

temos nenhum acordo pecuniário. Minha insistência se dá por várias razões. Primeiro, por praticidade. Ele mora perto da minha casa, é uma figura de fácil acesso, e sua vida familiar hoje tem apenas um objetivo: provar sua inocência; com toda a calma e convicção, conta o que aconteceu, mostra os documentos, esclarece e procura nos olhos do interlocutor uma explicação plausível para a arbitrariedade terrível que lhe esmagou.

Segundo, por razões de afinidade: Pizzolato não é uma celebridade, como José Dirceu, cercado de fãs e frenesi militante. É um indivíduo pacato, de hábitos extremamente simples. Seria um pouco inexato chamá-lo de “um homem comum”, porque não é fácil encontrar gente com uma história tão bonita. Uma história de conquistas, luta política, grandes sonhos. Foi o primeiro diretor sindical eleito para cargo de representação funcional na administração do Banco do Brasil. Foi um dos articuladores, junto ao Banco, da campanha contra a fome idealizada por Betinho, junto do qual viajou todo o país, iniciativa que abriria caminho para Lula mais tarde fazer suas caravanas da cidadania. Na campanha de 2002, idealizou os kits de apoio a Lula para a Classe A, as famosas estrelinhas douradas, que tanto ajudaram a quebrar o preconceito das elites contra o PT. Como diretor de marketing do BB, levou a cabo várias inovações, muitas das quais hoje passaram por retrocesso; e tinha planos de fazer inúmeras outras, que poderiam trazer benefícios à instituição e ao país.

Terceiro, porque derrubando a acusação contra Pizzolato, desmonta-se um dos suportes cruciais da Ação Penal 470, o uso de dinheiro público no mensalão, que serviu à Procuradoria e ao STF para rechaçar a tese da defesa, de que os volumes movimentados corresponderiam a um caixa 2 de campanha eleitoral.

A principal razão, sobretudo, do meu interesse na figura de Pizzolato é que sua condenação (e o linchamento moral que sofreu, ainda mais severo) simboliza o caso mais chocante de arbitrariedade que já testemunhei. Me fez pensar inclusive na diferença entre injustiça e arbitrariedade.

Uma coisa é a injustiça, para o qual sempre concorrem as agruras do destino e cujas responsabilidades se diluem por todo o corpo social e pelo tempo histórico. Uma criança famélica vagando nas ruas da nossa cidade é culpa de todos nós, é culpa da nossa história, mas justamente por essa culpa distribuir-se tanto, ela perde força em nossa consciência. Viramos o rosto e seguimos em frente. Não podemos consertar tudo.

Uma arbitrariedade é diferente. Não é, como a injustiça, uma consequência de vícios históricos; ela tem um rosto ou vários rostos, e emerge de um ambiente de violência extrema, no caso a violência covarde dos estamentos conservadores da sociedade (mídia corporativa, certa elite aristocrática do funcionalismo, setores raivosos da classe média) contra um ou mais indivíduos, sem lhe dar chance de se defender.

Eu me recuso a aceitar ser responsável pela arbitrariedade cometida contra Pizzolato; sinto-me, ao contrário, também uma vítima. Sinto-me vulnerável. O que aconteceu a ele poderia acontecer a qualquer um. Claro, o fato de ser petista e ter lutado, a vida inteira, por justiça social, ajuda a virar alvo.

Não é uma arbitrariedade que se poderia atribuir a uma confusão judiciária. Tanto os procuradores quanto Joaquim Barbosa, que desde o início tinham acesso aos documentos, dispunham de provas que o inocentavam completamente. Não só ignoraram essas provas. Ocultaram-nas! Isso é o mais chocante. Documentos fundamentais para se esclarecer a relação entre BB, Visanet e DNA foram simplesmente escondidos embaixo do tapete pela procuradoria – e igualmente ignorados por Joaquim Barbosa. Destacamos, principalmente, os pareceres jurídicos do BB em relação à Visanet e o Regulamento do Fundo de Marketing, da própria Visanet (de 2001), que derrubam a tese de que os recursos eram do BB; e o Laudo 2828, que inocenta Pizzolato.

Se falássemos de uma comarca do interior, sempre poderíamos esperar que Pizzolato, que não tem direito a fóro privilegiado, poderia apelar para uma segunda instância, ou seja, para o Supremo. Mas não. Ele foi lançado diretamente para o último círculo do inferno, sem esperança de redenção!

Temos, portanto, uma situação de absoluta ironia. O julgamento vendido à sociedade como uma vitória da ética sobre a política foi, na verdade, um espetáculo grotesco de desonestidade, tanto por parte da procuradoria quanto por parte de ministros do STF.

Joaquim Barbosa, pintado pela revista Veja como o “menino que mudou o Brasil”, entrará para história como um dos mais incompetentes e desonestos juízes que já passaram pelo Supremo Tribunal Federal. A responsabilidade de Barbosa é particularmente grave porque ele acompanhou os inquéritos desde o início, antes mesmo de se tornarem a Ação Penal 470. Foi dele a decisão de manter toda a documentação fora do alcance dos próprios ministros do STF, até pouco antes do julgamento, de maneira que estes, sem tempo hábil para estudar a contento o processo, inclinaram-se a seguir a orientação do relator, ou seja, o próprio Joaquim Barbosa.

E agora, que os embargos trazem à tôna um oceano de inconsistências, mentiras e arbitrariedades, o próprio STF se vê numa sinuca de bico. Assistimos a uma interessante mudança nos ventos. O barquinho dos réus, que se dirigia aceleradamente na direção da cascata, onde se despedaçaria nas pedras lá embaixo, prendeu-se a um galho na margem e pode vir a ganhar proteção de uma rocha logo à frente.

O que eu temo, contudo, é que a sociedade se contente com uma migalha: que os embargos façam os ministros reverem as penas de Dirceu e Genoíno, que os dois não

sejam encarcerados em regime fechado ou mesmo semi-aberto; mas os outros réus sejam lançados aos leões para satisfazer o circo romano da opinião publicada. Não penso apenas em Pizzolato, mas naquelas secretárias, algumas condenadas a penas superiores a conferidas a homicidas confessos. O que elas têm a ver com as negociatas políticas dos partidos ou, pior, com a trama ficcional inventada pela acusação e aceita pelo STF?

Estamos na Roma Antiga ou no Brasil do Século XXI?

A luta da sociedade, hoje, não é apenas evitar o dano político causado pela prisão, absurda e injusta, de José Dirceu, mas para salvar a honra do Supremo Tribunal Federal (STF) da vergonha histórica de pactuar com um golpe. Nos colégios e universidades, os professores já estão tendo que oferecer uma versão do que foi o mensalão. O Ministério da Educação terá que patrocinar livros de história que tratam do assunto. O que ensinaremos?

Lembro de Gilmar Mendes, com sua boca mole, vociferando em frente às câmeras da TV Justiça: “O que fizeram com o Banco do Brasil?” Pois é, melhor seria se perguntar: “Meu Deus, o que fizeram com o STF?”

O governo federal se manteve até agora intimidado, assistindo a tudo de camarote, mas não poderá fugir da luta final. Tem de investir pesado na disseminação das reportagens de Raimundo Pereira. Tem obrigação moral, educativa, de oferecer o outro lado dessa história. Sabemos, no entanto, que o mensalão teve como objetivo justamente pôr um cabresto no governo. Conseguiu. Jamais nenhum ministro de Estado protestou, de maneira clara, contra o desequilíbrio na cobertura do mensalão. Alguns, ao contrário, inicialmente até tentaram fazer do caso “uma página virada”, como se fosse natural, em pleno século XXI, cometermos sacrifícios humanos em prol de um projeto político.

O que, aliás, nem é o caso. O principal partido de oposição, o PSDB, incorporou de vez todas as características do antigo udenismo. Diante de um cenário econômico estável, com pleno emprego e salários em alta, o presidenciável Aécio Neves tem aparecido na TV se promovendo como o legítimo representante da ética na política. Em 2012, vimos José Serra atacar seu adversário mostrando imagens de Dirceu na televisão.

A desconstrução da farsa, portanto, deve ser feita não apenas em nome da verdade e da justiça; também cumpre um objetivo político. O povo brasileiro rechaçou um projeto que fracassou; não é justo que seja ludibriado a abraçá-lo novamente induzido por uma mentira disfarçada de “ética”. Não há nada de ético na condenação de inocentes. Ao contrário, se a corrupção política é um mal que corrói o desenvolvimento, a desonestidade judiciária desequilibra a democracia e mina o próprio Estado de Direito.

Com base nos documentos que temos à nossa disposição, estamos tranquilos que a história julgará os fatos com imparcialidade, e virá à tôna a iniquidade e covardia dos procuradores gerais e de alguns ministros do STF. O que nos preocupa, no entanto, é algo relativo à brevidade da vida humana. Por quanto tempo o STF, por submissão a interesses políticos e midiáticos, inflingirá sofrimento a réus inocentes? Por quanto tempo os juízes pretendem interferir na vida política do país mantendo acesa a chama de uma mentira?

‘Concordo com Paulo Moreira Leite, autor de um excelente livro sobre o tema, de

que é uma ilusão achar que teremos “a volta do cipó de aroeira sobre o lombo de quem mandou dar”, no caso do mensalão tucano. Até porque não interessa ao Brasil que as arbitrariedades contra os réus do mensalão sejam chanceladas através de uma repetição da mesma injustiça com réus ligados ao tucanato. Isso não deveria acontecer, e não acontecerá. Os réus tucanos serão julgados em duas instâncias, e o julgamento foi devidamente desmembrado. Serão julgados com calma e objetividade, sem nenhum clima de linchamento.

A volta do cipó não será contra os tucanos. Será contra as arbitrariedades, leviandade, incompetência e desonestidade dos ministros do STF, caso não façam uma revisão total da Ação Penal 470. Joaquim Barbosa se tornou herói dos saguões de aeroporto, mas a História não precisa viajar de avião. A História viaja a pé, descalça, sentindo a terra e contemplando sem pressa a paisagem. Demora mais a ir onde quer, mas chega conhecendo minuciosamente os detalhes, desmascarando hipócritas, desnudando interesses, derrubando farsas.

Esperarei ansiosamente por esse encontro, que assistirei comendo pipocas, entre Joaquim Barbosa e a História…

O maior fiasco da história

A pedrinha de David

Desde o início, o processo do mensalão ofereceu um triste espetáculo de mentiras, traições, covardia. O julgamento no STF não foi diferente. Os ministros mais famosos por seu respeito ao garantismo e à letra da Constituição mancharam sua própria história ao capitularem à infame pressão de uma mídia notoriamente engajada politica e partidariamente.

Entretanto, a história registrará ao menos um exemplo de heroísmo. Um heroísmo prosaico, delicado, feminino, composto apenas de inteligência, amor, lealdade e desejo de justiça.

Falo da gentil e doce Andrea Haas, arquiteta e esposa de Henrique Pizzolato. Quando a história definitiva do julgamento for escrita, seu nome não poderá ser esquecido como aquela que lançou a pedrinha que ajudou a derrubar um dos homens mais poderosos do país, o atual presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa.

A ironia é que diversos réus contrataram os escritórios de direito mais competentes da America Latina, incluindo Marcio Thomaz Bastos, um dos maiores criminalistas brasileiros, mas ao cabo foi Pizzolato, o réu mais frágil financeiramente (seus advogados, embora bons, trabalham praticamente de graça), quem teve a defensora mais combativa e mais astuta. Sua própria esposa.

Quando o mundo inteiro parecia desabar sobre a cabeça do casal, Andrea Haas começou a estudar o caso por conta própria. Sozinha, elaborou para seu marido a mais contundente defesa que um réu jamais sonhou ter. Quase todas as reportagens, documentos e raciocínios lógicos que hoje comprovam, definitivamente, a inocência de Pizzolato, ex-diretor de marketing do Banco do Brasil, e derrubam os pilares de toda a absurda trama criada pela Procuradoria Geral da República, nasceram da luta de uma mulher indignada pela condenação injusta do seu companheiro de toda uma vida, de um homem cujos anseios por justiça social, integridade e coragem, acompanhou e admirou desde a mocidade. (Leia a emocionante carta de Andrea a seu marido: http://www.ocafezinho.com/2013/06/02/carta-de-andrea-a-pizzolato/).

A última pedrinha com que este David de saias derrubou o Golias – esse estamento híbrido formado por mídia, oposição conservadora e figuras desqualificadas da procuradoria e STF – talvez tenha sido lançada esta semana, com a divulgação em larga escala de uma denúncia gravíssima. Na verdade, essa denúncia apenas completa (ou chega bem perto de completar) um quebra-cabeça, cujo desenho Andrea Haas já conhece há tempos.

A denúncia consta de recente artigo de Maria Inês Nassif

(http://www.ocafezinho.com/2013/06/03/mensalao-barbosa-e-procurador-esconderam-provas/). A jornalista do site Carta Maior denuncia, com base em documentos coletados e ordenados logicamente por Andrea, o então procurador geral da república, Antônio Fernando de Souza, e o relator do processo antes do mesmo se tornar a Ação Penal 470, Joaquim Barbosa: eles sabiam da inocência de Pizzolato e, portanto, da inconsistência da tese de acusação, bem antes da denúncia ser discutida e aceita pelo Supremo Tribunal Federal. Não apenas sabiam da existência desses documentos, como os esconderam deliberadamente.

Os leitores então me perguntam: e agora, Miguel? O que acontece? É possível anular Ação Penal 470? Dê sua opinião, por favor!

Diante de inépcia tão flagrante, acho que é possível, sim, anular a Ação Penal 470. E se não for, agora há elementos mais consistentes para se levar o caso a uma corte internacional.

É óbvio, no entanto, que não será fácil. Como no caso Dreyfus, na França, as pessoas e entidades envolvidas na acusação enredaram-se tão profundamente nessa teia de mentiras que será difícil encontrar uma saída “honrosa”. Nada melhor do que um divertido ditado popular para definir a situação em que se encontra o STF: um mato sem cachorro.

Quem será o cachorro a tirar o STF da enrascada em que se meteu, ao se submeter covardemente ao clima de linchamento criado pela mídia?

Como explicar à nação que o tipo de prevaricação cometido pelo Procurador, por Joaquim Barbosa e por alguns outros ministros foi bem pior do que os crimes eventualmente cometidos pelos réus? Muito pior, porque se houve crime (e não posso saber se os réus são inocentes em tudo), com certeza não foi aquele da tese da acusação, enquanto o procurador e Joaquim Barbosa pactuaram com um golpe branco. Os quarenta réus acusados pela denúncia da Procuradoria foram escolhidos da forma mais odiosamente arbitrária e tendenciosa entre os 126 relacionados na CPMI dos Correios. A trama foi discutida e escrita primeiro; depois foram colhendo somente os réus, testemunhas e documentos que podiam corroborá-la. Até mesmo a dona lógica foi posta de lado quando se interpunha no caminho da acusação.

Agora temos provas de que, antes da aceitação da denúncia pelo plenário do STF, o procurador geral da república e Joaquim Barbosa conheciam o Laudo 2828 e outros documentos que inocentavam Pizzolato (e, repito, derrubavam toda a Ação Penal 470), e não só os esconderam dos demais juízes e advogados de defesa, como ainda mentiram descaradamente sobre seu conteúdo.

Vamos focar um pouco na questão das datas, porque elas são fundamentais para se visualizar o grau de sordidez da procuradoria e do ministro Joaquim Barbosa.

O Laudo 2828 (http://www.megacidadania.com.br/laudo-28282006-instituto-nacional-de-criminalistica-da-pf/) é fruto de uma investigação da Polícia Federal junto ao BB e à Visanet, feita a pedido da própria Procuradoria e deferido por Joaquim Barbosa, ao final de 2005. A PGR, no entanto, estranhamente, não aguarda a conclusão do laudo, que acontece em dezembro de 2006, para apresentar a denúncia, em março de 2006. O laudo foi mantido em segredo, inclusive dos próprios ministros do STF (à exceção de Barbosa), antes e durante a aceitação da denúncia, que ocorreu em agosto de 2007. Só foi anexado à Ação Penal em novembro de 2007, meses depois do STF aceitar (com a faca no pescoço, conforme disse Lewandowski) uma denúncia inepta, e dois dias depois da publicação do seu acórdão. Os ministros, quando julgaram a validez da denúncia, não tiveram acesso a um dos documentos mais esclarecedores da Ação Penal.

Hoje temos à nossa disposição documentos contendo datas e carimbos que comprovam a postura desonesta da PGR e de Barbosa, e há uma novidade. Há apenas algumas semanas, ficamos sabendo que os mesmos atores (PGR e Barbosa) usaram de um artifício maquiavélico para esconder os documentos que “atrapalhavam” a sustentação da tese do mensalão, entre eles o laudo 2828. Não só isso. Tudo aquilo que negaram aos réus petistas, concederam aos “tucanos”. E nem falo dos tucanos do mensalão mineiro, e sim dos servidores do BB, nomeados na gestão FHC, arrolados nas mesmas acusações que se imputaram a Pizzolato, réus num inquérito em separado conduzido na 12ª Vara de Brasília: desmembramento (não entraram na Ação Penal 470), julgamento em primeira instância, e direito a uma investigação sigilosa, sem exposição pública.

Quando se descobriu a existência desse inquérito, soube-se também de outra investigação em andamento no STF, de número 2474, para a qual desde o início foram encaminhados documentos, entre eles o Laudo 2828, que poderiam criar um estorvo para a Ação Penal 470. O diálogo entre o PGR e Barbosa (registrado nos autos), tentando explicar porque documentos e réus, referentes aos mesmos crimes que se imputavam a réus da Ação Penal 470, deveriam figurar em inquéritos em separado, entrará para a história como exemplo “supremo” de cinismo judiciário.

Diz Barbosa, em resposta ao pedido do PGR para “desmembrar” o inquérito envolvendo não-petistas e documentos incômodos, no dia 10 de outubro de 2006:

“(…) defiro o pedido para que os (novos) documentos sejam autuados em separado, como (novo) inquérito. …Por razões de ordem prática, (para não) gerar confusão…”

Não gerar confusão… Ou seja, não atrapalhar os planos de dar consistência a uma tese caduca desde a origem, e acusar inocentes.

Outros réus do BB, arrolados na mesma acusação que Pizzolato, ficaram a salvo do linchamento público promovido pela mídia. E os documentos que poderiam trazer

obstáculos à condenação dos réus da Ação Penal 470 foram guardados sob o tapete de inquéritos secretos.

Em termos de cinismo e inépcia, contudo, nada pode superar a própria denúncia de Antônio Fernando de Souza, encaminhada ao STF, e aceita pela maioria dos ministros. O PGR afirma que “Pizzolato em atuação orquestrada, desviou vultosas quantias do Fundo de Investimento Visanet, constituído com recursos do Banco do Brasil” e apresenta como principal prova documental uma auditoria feita pelo Banco do Brasil.

A acusação é do tipo barbosiano: contém tantos erros numa só frase que mereceria se tornar um editorial do Globo.

O nome do Fundo não é Fundo de Investimento Visanet. Fundo de Investimento supõe um cabedal com sócios-proprietários. O nome verdadeiro é Fundo de Incentivo Visanet, e os documentos comprovam que pertence exclusivamente à empresa Visanet. A auditoria mencionada cobre o período de 2001 a 2005. Pizzolato foi nomeado apenas em fevereiro de 2003; o petista é também culpabilizado, portanto, por um período (2001 e 2002) no qual sequer trabalhava na diretoria de marketing. Não há nenhuma prova de “ação orquestrada”. Pizzolato não tinha nenhum poder de ingerência sobre os recursos em questão. O cargo de diretor de marketing, na hierarquia do Banco do Brasil, era secundário; e os que tinham alguma influência sobre a gestão do fundo Visanet, que era dinheiro privado, eram outros servidores, não Pizzolato, conforme atesta o laudo 2828, pedido pelo próprio procurador e deferido por Joaquim Barbosa.

Quando encaminha o Laudo 2828 ao STF, já depois que a denúncia havia sido aceita, o procurador mente deslavadamente:

“Em que pese seu teor ser de leitura obrigatória…, alguns trechos do Laudo 2828/2006 merecem destaque, pois confirmam a imputação feita na denúncia de que Pizzolato e Gushiken beneficiaram a empresa de Marcos Valério.”

Mentira. O Laudo 2828 sequer menciona o nome de Pizzolato ou Gushiken.

Como se não bastasse, hoje sabemos que Barbosa, durante o julgamento, cometeu um erro crasso sobre a data da morte de um dos réus. Mais uma prova de sua incompetência e desonestidade. Em sua ânsia de impor a pena mais severa possível a José Dirceu, uma ansiedade indigna de um juiz, Barbosa informou ao plenário que José Martinez, então presidente do PTB, ainda estava vivo em dezembro de 2003; ele havia falecido em setembro. A informação foi aceita e usada para que as penas impostas a Dirceu fossem mais pesadas, visto que, em dezembro de 2003, a legislação brasileira, por orientação de Lula, se tornara mais severa contra a corrupção. E olha que o ministro Marco Aurélio Mello observou, enfaticamente, que a data era importante justamente por causa disso.

http://youtu.be/fzsYd5g-k7U

Curioso notar que nenhum meio de comunicação, apesar das centenas de repórteres e especialistas diuturnamente analisando e acompanhando o julgamento, que acontecia ao vivo na TV Justiça, identificou o vexame de Barbosa.

Agora, mais que nunca, cresce a convicção de que a população brasileira foi mais uma vez vítima. Promoveu-se, em canais de tv que são concessão pública e que recebem bilhões de reais de publicidade pública, uma mentira ao povo, de que o julgamento seria uma vitória “histórica” contra a corrupção. Foi o contrário. Testemunhamos o maior fiasco da história do STF, uma capitulação vergonhosa ao poder da mídia, ao conservadorismo e a todos os setores derrotados pelo sufrágio popular. O processo conhecido por mensalão foi a oportunidade para se obter uma revanche à vitória eleitoral de Lula em 2002, e para isso arrolaram-se todos os truques, todas as mentiras, todas as armas ainda à disposição do conservadorismo.

Derrotar essa mentira, ou este “mentirão”, conforme bem denominou a corajosa jornalista Hildegard Angel, é uma tarefa coletiva de todos os que lutam por justiça.

A corrupção tem de ser combatida duramente, e temos que aprimorar constantemente nossos hábitos políticos, mas jamais conseguiremos isso condenando inocentes e chancelando farsas.

A conspiração

O papel da mídia

Uma das virtudes fundamentais no espírito de um jornalista é a ojeriza a teorias de conspiração. É uma virtude, no entanto, que beira um vício, porque o mesmo pensamento racional, a mesma objetividade, que nos aconselha a manter distância de discursos paranóicos e teorias de conspiração, nos obriga a aceitá-los quando estamos diante de documentos e provas irrefutáveis.

A divulgação de milhares de documentos secretos da diplomacia norte-americana, pelo Wikileaks, consistiu, por exemplo, numa inesquecível vitória moral para milhares de pessoas que acusavam, há décadas, os EUA de promoverem golpes de Estado em países do terceiro mundo. Na época, um divertido argumento fez sucesso nas redes sociais: “sabe aqueles malucos que viviam culpando a CIA por tudo? Estavam certos.”

A bem da verdade, não foi apenas o Wikileaks. Algumas leis que obrigam a divulgação de documentos do governo americano com mais de trinta ou quarenta anos, também ajudaram.

Mas ser jornalista não é dizer a verdade. Essa é a função, talvez, de filósofos. Jornalistas divulgam documentos e fatos concretos, e a verdade que buscam é apenas aquela que podem comprovar com base neles. O uso da lógica, porém, não é vetado aos jornalistas. Nem a imaginação, desde que usada com parcimônia.

No processo do mensalão, todavia, a imaginação se tornou a virtude fundamental do jornalismo político. Reportagens, colunas, análises, passaram a se descolar cada vez mais de qualquer prurido factual e inagurou-se uma nova era quase psicodélica na imprensa brasileira. Teorias eram montadas e desmontadas sem qualquer escrúpulo. O fato de inúmeras denúncias serem desmentidas no dia seguinte não tinha mais importância. Um clima de total liberdade de expressão enfim se instalara nas redações nacionais.

Quando os historiadores se debruçarem, daqui a alguns anos, sobre o mensalão, o tradicional rigor acadêmico possivelmente lhes obrigue a dividir o tema em várias seções: política, midiática, partidária, jurídica.

Em meu modesto esforço para escrever sobre um caso ainda em curso, e portanto ainda influenciado pelo clima barra pesada, sufocante, de tribunal, eu vou tateando em todas as áreas, mas a corda que uso para não cair são documentos. Por isso tenho sido repetitivo quanto ao caso Pizzolato. É que me parece o caso mais surreal, kafkiano e… documentado. A sua inocência é documentada.

Se a grande mídia fizesse uma ampla reportagem sobre os erros na condenação de

Pizzolato, mostrando os documentos, apresentando-os a juristas conceituados e pedindo sua opinião, testemunharíamos uma sumária desmoralização da Ação Penal 470. Aliás nota-se hoje um barulhentíssimo silêncio nos grandes jornais e nas redes de TV sobre o debate tão aceso nas redes sociais e blogs, sobre os erros do STF. A ruptura da mídia com a sociedade se tornou completa. O artigo da Inês Nassif, por exemplo, abordando a suja história do Laudo 2828, que inocenta Pizzolato, tornou-se imediatamente o mais lido em todos os principais blogs políticos no país, mas o assunto é virtualmente proibido na grande imprensa. A mesma coisa vale para o erro crasso de Barbosa quanto a data da morte de José Martinez.

A nossa presidenta gosta de repetir o clichê supostamente pró-democrático, sobre preferir o barulho da imprensa ao silêncio da ditadura. É uma frase bonita, mas a verdade é que o único barulho que a imprensa quer ouvir, no caso do mensalão, é o da tampa de um caixão se fechando. A nossa mídia não é boba. O espaço à divergência se dá apenas em questões não estratégicas. E o mensalão é um assunto absolutamente estratégico para os grandes grupos de mídia, que se tornaram, assumidamente, o grande partido do conservadorismo brasileiro.

Entretanto, mesmo durante o julgamento, quando o assunto ocupava, diariamente, várias páginas de jornal, e hegemonizava o noticiário televisivo, havia muitos mais fogos de artifício do que conteúdo. Não havia um debate sério sobre o tema. O tal “barulho da imprensa”, tão ao gosto da nossa chefe de Estado, era apenas um ruflar histérico dos tambores da oposição. Os réus, porém, não eram só aqueles perfilados na denúncia da Ação Penal 470, mas toda a sociedade, incluindo os elementos raivosos que pagavam anúncios no Facebook para promover páginas repletas de indizível rancor. Todos são vítimas do maior processo de manipulação da informação de que temos notícia.

O mensalão foi o canto do cisne da grande mídia brasileira. O escândalo é deflagrado exatamente no momento em que a internet ainda não havia sido “apropriada” pela sociedade. Os únicos blogs políticos estavam em mãos da grande mídia de oposição: Noblat e Reinaldo Azevedo. A imensa ágora pública, caótica e democrática em que se tornou a internet brasileira não havia se constituído nos anos de 2005 e 2006. A imprensa reinava sozinha. Se hoje ela ainda tem um poder descomunal para influenciar o espírito nacional, naquela época esse poder era quase absoluto.

Uma das seções mais importantes no estudo do processo do mensalão, portanto, é o papel da mídia. É um papel que ainda está sendo desempenhado. Hoje, sexta-feira 07 de junho, uma notícia deixou inteiramente perplexa a grande nação de internautas: o único jornalista convidado pelo ministro Luiz Fux para dar uma “aula pública” aos ministros do STF sobre financiamento de campanha será Merval Pereira, colunista e membro do conselho editorial do jornal O Globo.

A promiscuidade entre a grande mídia, em particular a Rede Globo, e o STF,

parece não encontrar limites. Até mesmo os juízes mais resistentes à pressão da mídia, como Lewandowski, ligavam para Merval, no dia seguinte a sessões, para “explicar” seus votos. Joaquim Barbosa, por sua vez, liga regularmente para Merval para justificar seus destemperos.

E Ayres Britto escreveu o prefácio do livro de Merval Pereira sobre o mensalão enquanto ainda era presidente do Supremo Tribunal Federal (STF)!

Se a mídia é um poder terrível em qualquer parte do mundo, uma concentração absoluta numa só empresa empresta-lhe um ar perigosamente antidemocrático.

A maior parte da “pressão social” alardeada pela grande mídia, e usada pelos próprios ministros do STF como justificativa para a incrível criatividade com que se portaram no julgamento da Ação Penal 470, a ponto de ser qualificado, de maneira promissoramente corajosa pelo mais novo ministro, Luís Roberto Barroso, de “um ponto fora da curva”, veio da Rede Globo. Com toda certeza, os ministros se portavam no tribunal com um olho não na população brasileira, não na História, mas em como seriam caricaturizados no Globo no dia seguinte. As notinhas de Ancelmo Gois sobre Joaquim Barbosa, alardeando sessões de aplauso no metrô de Ipanema e shows da Marisa Monte, e mencionando, orgulhosamente, a criação de um site para lançar sua candidatura presidencial, parecem ter surtido um efeito narcótico poderoso no espírito de todos os juízes. Da mesma maneira, a mídia incitava agressões verbais ou mesmo físicas contra Lewandowvki, único ministro que ousou se contrapor, e mesmo assim timidamente, à agressividade inacreditável do relator.

No início do texto, eu falava na ojeriza à teorias de conspiração como importante virtude jornalística. Mencionei também que esta virtude pode se tornar um vício se nos recusamos, mesmo diante de evidências, em aceitar a existência de uma conspiração. O que vimos no processo do mensalão nos traz esse dilema. Todos os fatos, documentos, ações, discursos e posturas, apontam para uma conspirata política. Uma conspirata da qual participaram os dois procuradores gerais da república, Joaquim Barbosa, a oposição, a mídia. O próprio governo, vergado, intimidado, aterrorizado com a possibilidade de um golpe, talvez tenha pactuado, em parte, com tudo isso, sacrificando seus próprios companheiros em prol da sobrevivência. Enfim, estamos diante de um jogo político extremamente barra-pesada.

Mesmo com evidências, porém, este é um terreno que devemos trilhar com cuidado. Não podemos largar a corda que nos impede de cair no abismo. O mensalão ainda é uma história cheia de segredos, desagradáveis para todos os lados. É um processo e um julgamento ainda em curso. No próximo capítulo, faremos algumas incursões na seara propriamente política da nossa história, comentando seus desdobramentos presentes e futuros.

Pizzolato é inocente, já a Globo…Enviado por Miguel do Rosário on 06/08/2013 – 4:53 pm Comentários: 0

Wordpress | FacebookO pior conselheiro da justiça é o ódio. Quantos livros e filmes não foram feitos

sobre a injustiça de condenar um inocente? Eu me lembro, por exemplo, de um belíssimo filme do Clint Eastwood, com Sean Penn e Tim Robbins nos papéis principais. Trata-se de uma parábola que se repete a todo momento na vida real. Em português, o título do filme é Sobre meninos e lobos (Mystic River, no original). Baseado no excelente romance homônimo de Dennis Lehane, conta a história de três rapazes criados na mesma vizinhança classe média baixa de Boston. Um deles é sequestrado ainda criança por um grupo de tarados, sofre abusos, e consegue fugir. Mas fica marcado para sempre. Jamais será um “lobo”.

Os outros se desenvolvem emocionalmente. O personagem de Sean Penn chama-se Jimmy. É um sujeito autoconfiante, casado com uma mulher bonita e com três filhas fortes e saudáveis. Tem quarenta e poucos anos e, após aventuras delinquentes na juventude, torna-se dono de um pequeno mercado no bairro. A trama começa com o assassinato da filha de Jimmy. Depois de algumas horas de busca, a polícia encontra seu corpo numa vala de um parque. Jimmy, que saía da cerimônia de primeira comunhão de suas outras filhas, do segundo casamento, reconhece o carro da filha e se dirige ao parque para saber o que houve. A cena em que o policial lhe comunica, apenas com o olhar, a morte de sua filha é uma das mais dramáticas que já assisti. Vários policiais seguram o pai desesperado, que se debate e grita de dor.

Jimmy não tem paciência para esperar a polícia fazer a investigação e prender o assassino. Tomado de ódio, quer vingança imediata, e as suspeitas recaem sobre o personagem de Tim Robbins, o frágil Dave Boyle, o garoto que fora sequestrado e estuprado na infância. Jimmy mata Boyle, mas pouco tempo depois descobre que cometera uma injustiça. O assassino era o irmão ciumento do namorado da sua filha. Um garoto surdo e com problemas mentais.

Mas Jimmy é um “lobo” e o filme termina com ele ao lado de suas filhas e esposa, novamente seguro de si, forte e feliz.

No julgamento da Ação Penal 470, temos uma situção similar. De um lado, temos um imenso ódio social acumulado, contra a corrupção, contra a classe política. Parte deste ódio é legítimo, em virtude de séculos de opressão e desvios sistemáticos de dinheiro público.

Aí entra o maquiavelismo sem limites dos donos do poder. Cientes de que este ódio atingiu um nível perigoso, precisam encontrar bodes expiatórios. A sociedade precisa viver uma catarse! Com um pouco de sorte, os bilhões desviados do escândalo do Banestado, da privataria, sonegados via paraísos fiscais, serão esquecidos por um tempo. Todo mundo só pensará no “mensalão”. Os exageros são constantes. Será chamado de “o maior escândalo de corrupção da história”, mesmo que movimente

valores muito inferiores a qualquer outro escândalo.

O golpe principal, contudo, é atribuir-lhe um valor simbólico libertador. Pela primeira vez, o Brasil verá poderosos sendo condenados! O fato destes poderosos serem pessoas sem posses, ou seja, sem poder real nenhum, não interessa. A ficção se impõe sobre a realidade. O Brasil não pode mais voltar atrás. Foram anos de investimentos numa determinada narrativa, enterrando-lhe bem fundo na mente de milhões de brasileiros.

Só que há um problema. A denúncia é inepta. A mídia brasileira jamais deu espaço para que os réus defendessem seus pontos de vista; se o fizessem, todos ficariam chocados com a desonestidade gritante da Procuradoria e do relator do processo, o ministro Joaquim Barbosa.

Entretanto, é um processo grande, deliberadamente bagunçado, discutido no meio de uma atmosfera de intolerância. Os protestos de rua agora estão sendo usados para acentuar o clima de linchamento. Em editoriais, ou disfarçadamente via publicação de cartinhas neste sentido, os jornais fazem ameaças veladas aos STF, dizendo que as “massas” chegarão às suas portas caso haja revisão das penas ou anulamento de alguma condenação. Voltamos à barbárie.

Por outro lado, nem todos são massa de manobra. Nem todos aceitam o destino de rebanho obediente que a mídia tenta nos impor. As ruas também protestaram contra os meios de comunicação. Os mesmos meios que pretendem pressionar o STF a cometer uma das maiores injustiças de sua história.

O trabalho de debate e contraponto que milhares de internautas vêm fazendo há algum tempo, tentando oferecer à sociedade uma visão alternativa sobre o processo do mensalão produziu também uma massa crítica. Nunca um processo penal foi tão estudado, de forma tão coletiva. Além disso, o fator tempo nos beneficiou, pela primeira vez. Tivemos a oportunidade de examinar os documentos, alguns deles disponibilizados apenas há pouco tempo. Tivemos tempo de raciocinar.

Mais que nunca, está claro que o mensalão é uma abominável ficção, em que se pegam alguns casos de caixa 2 nas eleições de 2002 e 2006, juntam-se com outros fatos que não tem nada a ver, e se cria uma história onde já não importa a verossimilhança. Manda quem é dono da bola e do campo. Um conluio ideológico e político, que ainda está por ser esclarecido pela história, entre a Procuradoria Geral da República, membros do STF e a mídia, produz as condições ideais para criar uma realidade paralela e condenar os réus.

A denúncia toda, porém, tem uma falha estrutural. Há um ponto no casco que ficou desguarnecido e pode ser rompido a qualquer instante. Na verdade, já foi rompido pela blogosfera, e um dia vai chegar à massa. Um dia, o gigante vai descobrir que foi enganado, e aí quero ver quem vai segurar a sua fúria contra quem o enganou. O caso

de Henrique Pizzolato é esta falha. É onde se pode romper o casco do navio e afundá-lo.

Qualquer estudante de direito que tiver acesso aos documentos entenderá que Pizzolato é inocente. E no entanto, foi condenado por unanimidade por todos os ministros do STF.

A denúncia contra Pizzolato é totalmente absurda. Diz o relator, Joaquim Barbosa, em seu voto, onde seguiu integralmente a orientação da Procuradoria:

Quanto a esses recursos, o Procurador-Geral da República apontou quatro repasses principais, que somam quase R$ 74 milhões de reais, sem que houvesse sido prestado qualquer serviço (…)

Mentira! Os serviços da DNA foram prestados. A revista Retrato do Brasil apresentou provas de todas as campanhas de publicidade realizadas pela agência. A DNA prestava serviços ao Banco do Brasil desde 1994. Era a principal agência de publicidade em Minas Gerais. Sua ascensão se dá na era tucana. A última sequência de contratos da DNA com o BB começa em 2000. Alguns meses antes de Pizzolato assumir a diretoria de marketing do BB, uma diretoria inteiramente composta por funcionários nomeados no governo FHC, sem nenhuma ligação com o PT (muito pelo contrário) decide pela renovação do contrato. A DNA recebe as melhores notas dos altos executivos do BB, incluindo Claudio Vasconcelos, gerente de Propaganda e Marketing, o único com poder real para interferir na transferência de recursos de marketing do BB para o Fundo Visanet e deste para as agências de publicidade. Quando Pizzolato assume o cargo de diretor de marketing, no dia 17 de fevereiro, recebe em sua mesa toda a documentação contendo a decisão favorável de seus superiores para renovação do contrato. A ele coube apenas assinar, dias depois, um simples parecer sobre o tema, como lhe competia.

Os documentos mostram, ainda, que o Fundo Visanet jamais foi público. Tinha sido criado na era FHC por uma das maiores empresas do mundo no ramo de cartões, e contava com a colaboração dos principais bancos do país. Mas o seu controle final, por regulamento, pertencia à Visanet.

O BB participava do fundo Visanet como acionista e não fazia aportes financeiros – toda verba vinha de uma porcentagem sobre cada compra realizada com os cartões Visa. A gestão do fundo era feita por um comitê independente e o representante do Banco do Brasil nesse comitê era o funcionário Léo Batista dos Santos, jamais citado na Ação Penal 470.

A afirmação da Procuradoria, chancelada pelo relator, é absurda:

O Procurador-Geral da República salienta que “O valor que compõe o Fundo de Incentivo Visanet é público, de propriedade do Banco do Brasil”

A mídia jamais discutiu ou ofereceu aos leitores um debate minimamente equilibrado onde pudéssemos apontar esses erros grosseiros para o grande público.

Outro trecho do relatório de Joaquim Barbosa:

Segundo o Procurador-Geral da República, “o crime consumou-se mediante a autorização, dada por HENRIQUE PIZZOLATO, de liberação para a DNA Propaganda, a título de antecipação, do valor acima referido de R$ 73.851.000,00. HENRIQUE PIZZOLATO, pessoalmente, assinou três das quatro antecipações delituosas (…). Os recursos foram transferidos para a DNA Propaganda sem a comprovação, entretanto, dos serviços que teriam justificado tão vultoso pagamento.

Mais mentiras. Os três documentos assinados por Pizzolato não são “antecipações delituosas”, e sim pareceres internos sem nenhum poder deliberativo. E Pizzolato assinou junto com outros três diretores, cujos nomes sequer são citados na Ação Penal 470. Tudo é absurdo. O dinheiro da Visanet NÃO era público e Pizzolato não tinha acesso a ele. Os únicos executivos do BB com algum poder sobre o Fundo Visanet era a vice-presidência do Banco e a gerência de Propaganda e Marketing.

A procuradoria e Joaquim Barbosa não se preocuparam sequer em evitar contradições lógicas. Pizzolato é acusado pelo desvios do “bônus de volume” para a agência de Marcos Valério.

Os desvios teriam sido praticados de duas maneiras. Primeiramente, através de violações a cláusulas do mencionado contrato, que teriam permitido a apropriação, pela DNA Propaganda, de valores correspondentes ao bônus de volume, que supostamente deveriam ter sido devolvidos ao Banco do Brasil. O réu HENRIQUE PIZZOLATO, na condição de Diretor de Marketing do Banco do Brasil, teria permitido as mencionadas violações contratuais (…)

Ué? Se Joaquim Barbosa diz que os serviços da DNA não foram prestados, como então foram pagos bônus de volume?

O casco do mensalão está furado. A Ação Penal 470 envergonha a Justiça Brasileira. Pizzolato é inocente, mas ele não é um “lobo”. Não é um cara agressivo, astuto e maquiavélico como tantos outros, que hoje sorriem, autoconfiantes, sem ligar para a assombrosa injustiça que ele e sua esposa vem sofrendo há anos. Quanto à Globo, bem. O Cafezinho acaba de descobrir com quem Joaquim Barbosa aprendeu a montar “corporation” na Flórida… Mas isso é assunto para o próximo post…

O STF pôs a culpa em Mame

“Nunca houve mulher como Gilda”, era o slogan do famoso clássico noir de Charles Vidor. Quando Rita Hayworth aparece numa boate de Buenos Aires, bêbada, alegre e cheia de más intenções, cantando Put the blame on Mame, entende-se facilmente o sentido da frase.

http://youtu.be/prfwOvj4cOQ

Sem saber como abordar a patacoada final do STF, num julgamento com tantos furos, decidi me aproximar do assunto usando a letra da canção de Allan Roberts e Doris Fisher, feita especialmente para a personagem de Rita, a “ultimate femme fatale” Gilda.

Até porque pode-se dizer que “nunca houve um julgamento como o mensalão”.

Put the blame on Mame (Ponha a culpa em Mame) cita as grandes catástrofes naturais dos EUA. Num jogo irônico, o narrador diz que a verdadeira culpada de tudo é Mame, uma mulher tão atraente que seus beijos causam incêndios espetaculares, suas recusas produzem terríveis nevascas, e quando ela dança ocorrem assassinatos e terremotos.

Me parece ser justamente o que a mídia tentou fazer nesse julgamento. Procurou-se, a todo custo, transformá-lo no bode expiatório de séculos de corrupção e desequilíbrio judicial. Assim como na canção, porém, criou-se uma caricatura.

E a montanha pariu um rato. Depois de sete anos de campanha pesadíssima para condenar os “mensaleiros”, qual foi o resultado?

O resultado foi: condenou-se os “mensaleiros”.

Mas não houve nenhuma comoção nacional.

Ao contrário, viu-se um espetáculo deprimente, com o presidente do STF, Joaquim Barbosa, protagonizando a mais vergonhosa performance da história da instituição: xingando o plenário, xingando seus pares, xingando o procurador-geral.

A tentativa de colar no PT a pecha de o partido mais corrupto de todos falhou desde que se descobriu o mensalão tucano, anos atrás, e a eclosão de sucessivos escândalos partidários de lá para cá, envolvendo a oposição.

Tivemos o mensalão do Distrito Federal, liderado pelo próprio governador, José Roberto Arruda (DEM). Mais tarde, um dos principais verdugos do PT, inclusive durante os inquéritos parlamentares que tratavam do mensalão, o senador Demóstenes Torres (DEM), se viu desmascarado como um bandido aliado ao bando

de Carlinhos Cachoeira.

Descobriu-se que a Veja participava dos esquemas de Cachoeira. E com elas, todos os grandes jornais.

Descobriu-se que a Globo cometeu uma fraude milionária contra a Receita Federal.

Veio o escândalo do trensalão tucano paulista. E agora o Brasil assiste, estarrecido, o desbaratamento de uma quadrilha de fiscais da prefeitura de São Paulo, responsável por desvios superiores a meio bilhão de reais.

O grande incêndio de Chicago de 1871, o terremoto que arrasou São Francisco em 1906, e a tempestade de neve em Nova York de 1988, foram causados por Dirceu e mensaleiros?

Sim, diz a mídia, dançando sensualmente no meio do salão: a verdade é dura. Mame é culpada de tudo.

As pessoas assistem, fascinadas, a performance de Gilda. Batem palmas. Só que uma quantidade crescente sabe que nada disso faz sentido.

Porque não foram reunidas provas suficientes. Por isso a insistência num suposto simbolismo da condenação e prisão dos réus.

“Pela primeira vez, o STF está condenando ricos e poderosos”, repete a Globo, em seus editoriais, numa inacreditável manifestação de cinismo.

O resultado da Ação Penal 470 enseja uma interpretação oposta daquela ventilada pela mídia. Na verdade, testemunhamos, mais uma vez, que somente os amigos dos poderosos da mídia conseguem se salvar da prisão. Aqueles que a mídia considera adversários são perseguidos até os confins do mundo. E, no Brasil, os principais adversários da mídia são políticos ligados ao trabalhismo. Vargas, Jango, Lula e Dirceu. Os barões da mídia brasileira só aceitam o esquerdista inofensivo, purista, cheio de idealismo acadêmico. O revolucionário cuja maior vitória política é publicar um artigo na Ilustríssima.

No entanto, a ação midiática para botar na prisão os “mensaleiros”, na minha opinião, saiu cara demais.

Foi uma vitória de Pirro. Sim, porque o objetivo da mídia era derrotar Roma, ou seja, derrubar o PT, mas terá que se contentar com derrubar somente algumas casas no monte Quirinal: a prisão de Dirceu, Genoíno, João Paulo Cunha e Pizzolato. O PT cresceu, ganhou a principal prefeitura de São Paulo e pode ganhar, em 2014, mais quatro anos de governo federal.

Num último ato de arbítrio, e mais uma vez rompendo com a jurisprudência, Joaquim Barbosa conseguiu impor a prisão antes da hora aos réus.

Mas a que custo? A imprensa brasileira produziu uma ficção para si mesma e para um grupo decrescente de leitores. As suas verdades não estão se expandindo. Em 2005, quando o escândalo explodiu, a mídia ainda exercia uma hegemonia completa.

Não mais.

Se você navegar pela internet e monitorar as redes sociais, verá que há um debate aceso no país. Não há mais um consenso submisso às teses dos barões da imprensa.

Por exemplo, hoje o Globo traz uma notinha positivamente babaca que, na minha opinião, apenas envergonha o jornalismo brasileiro.

Reparem como o jornal tentou cercar Pizzolato e se deu mal. Encontrou uma vizinha que o elogiou e, não satisfeita, ainda mostrou ao repórter a revista Retrato do Brasil, que traz uma série de reportagens que demolem o julgamento do mensalão. Mas o Globo, com o mau caratismo habitual, não se aprofunda. Apenas desqualifica levianamente a revista mostrada pela vizinha: “a publicação diz que o processo do mensalão é uma criação da mídia e que a decisão de o BB não ter contrato para operar o Visanet é de 2001.”

A distorção da Globo é tosca, tanto que não dá nem para entender. O título é ambíguo e equivocado: “Pizzolato e sua versão do golpe na Visanet”. A versão não é de Pizzolato, e sim da revista Retrato do Brasil. Para Pizzolato, não é uma versão, é o fundamento de sua defesa, com base em documentos que, aliás, o Globo sequer menciona.

Esse papel ridículo da imprensa tende a se aprofundar cada vez mais, porque uma mentira puxa a outra. Por quanto tempo a Globo acha que conseguirá bloquear a informação de que o dinheiro da Visanet, por cujo desvio se acusa Pizzolato, acabou, na verdade, nas burras da própria Globo?

Os advogados dos sócios da DNA reuniram documentos que provam que a campanha da Visanet foi regularmente realizada, com distribuição dos recursos para veículos de mídia.

O Grupo Globo recebeu, portanto, R$ 5,5 milhões da Visanet, na campanha publicitária feita pela DNA em 2004, usando o mesmo dinheiro que, segundo Barbosa, teria sido desviado.

Por quanto tempo a Globo acha que vai esconder que o regulamento do Fundo Visanet deixa bem claro que aqueles recursos eram privados? Eles não saíam da caixa do BB, nem do Tesouro. Tanto que o BB não abriu nenhum procedimento para

recuperar o dinheiro perdido. Porque ele entende que não o perdeu, pois a campanha de publicidade foi realizada, incluindo aí o patrocínio a um congressos de juízes do qual participaram os ministros do STF.

Relatórios da auditoria interna do BB, em diversos momentos, sempre reafirmaram que os recursos do Fundo Visanet não pertencem ao BB e, portanto, não constituem dinheiro público.

O problema do julgamento da Ação Penal 470 é que se trata de uma denúncia inepta, que a pretexto de condenar supostos crimes de caixa 2 do Partido dos Trabalhdores e legendas aliadas, atropelou os autos e o devido processo legal. Não estou dizendo que os réus são inocentes. Ninguém é inocente. Há setores da esquerda que vêem no mensalão a oportunidade de um acerto de contas com as divergências ideológicas e política para com o PT e, sobretudo, com a teses de José Dirceu.

Isso não é democrático, nem honesto, nem ético. Acerto de contas político tem de ser feito pelo debate político, e não através de condenações sem provas.

A mesma coisa vale para a teoria, também aventada em setores da esquerda, de que o PT está pagando pelo caixa 2 que fez na campanha de 2002. Ora, essas pessoas não acompanharam o julgamento da Ação Penal 470? A tese da procuradoria, aceita acriticamente pelo STF, é justamente de que não houve um crime de caixa 2, e sim um grande esquema para corromper deputados e aprovar leis. Só que não se comprovou a compra de votos, e a teoria de que houve desvio dos recursos da Visanet é totalmente equivocada. O dinheiro da Visanet não foi desviado, e não era público.

É tudo tão bizarro, que a acusação sequer se preocupou em sanar uma contradição absoluta. Se os recursos do Visanet foram inteiramente desviados, conforme afirma Joaquim Barbosa, como é que a DNA recebeu Bônus de Volume? O BV é um prêmio que os veículos de mídia pagam às agências de publicidade, e corresponde a um percentual sobre os recursos que os veículos recebem. Ou seja, se os veículos de mídia deram BV à DNA Propaganda é porque eles receberam, devidamente, recursos de uma campanha de publicidade.

Por onde se olha a acusação, se vê furos e mais furos. Nada se encaixa. Se o Brasil quisesse investigar os problemas de caixa 2, tanto na campanha de 2002 como em outras, teria que esquecer essa história ridícula da Visanet, absolver Pizzolato, e sondar as finanças das empresas controladas por Daniel Dantas, que teria sido o grande homem do caixa 2 das campanhas de 2002, tanto para o PSDB quanto para o PT. As grandes empresas costumam agir como a CIA na América Central dos anos 50: apoiavam o governo, de um lado, e os rebeldes, de outro. O que ganhasse, estaria com ela.

É mais fácil, porém, botar a culpa do terremoto de São Francisco na bela e imprevisível Mame. Afinal, não é ela, quer dizer, não é o PT, o culpado de todas as

atuais inseguranças vividas pelas empresas de mídia?

Só que a roda da fortuna gira. E a história desse erro judicial, num primeiro momento tão trágica para os personagens diretamente envolvidos, será tratada, no futuro, com a necessária mordacidade daqueles que sentiram, mesmo que apenas indiretamente, a violência de seu arbítrio.

Mídia apostou alto demais. E perdeu.

Por que a mídia apostou tão alto na recusa aos embargos infringentes?

A resposta é simples: arrogância.

A mídia vive de símbolos e imagens, e queria mostrar a imagem de José Dirceu sendo algemado e preso. Vai ter de esperar um pouco.

A espera é desvantajosa para a mídia, porque dará mais tempo para que a opinião pública possa se informar melhor sobre os fundamentos da Ação Penal 470.

Teremos tempo para explicar à sociedade civil que o julgamento foi repleto de exceções, erros e arbítrios.

Mais importante que tudo: a pressão histérica da mídia sobre o ministro Celso de Mello demonstrou fraqueza, por um lado, como se os barões tivessem medo de uma revisão criminal dos fatos; e covardia, de outro, ao pretenderem jogar no lixo 300 anos de tradição jurídica, apenas para aplacar um sentimento de vendeta.

A próxima luta é anular esse julgamento de exceção, que incorporou teses inteiramente falsas, como a existência de dinheiro público.

Lembremos que alguns réus, como Henrique Pizzolato, não serão beneficiados pelos embargos infringentes. E, no entanto, Pizzolato é o mais inocente de todos. Seu caso também terá de ser revisto.

Mas agora é o momento de comemorar uma importante vitória da democracia. As forças obscuras da mídia, e seus tentáculos sociais, queriam remover um dispositivo constitucional em favor dos réus para validar uma acusação inquisitorial.

Celso de Mello, quando discursa sobre política, é um desastre. Desta vez, porém, ateve-se a pensamentos de ordem jurídica, e teve um desempenho brilhante.

Ressalte-se que Mello usou todos os argumentos trazidos pelo blog: desmontou a pegadinha do Globo que serviu como tábua de salvação à Carmen Lúcia, lembrando que STF é diferente do STJ porque somente ele é última instância; lembrou que a questão dos embargos infringentes foi discutida pelo Congresso em 1998, e os parlamentares defenderam expressamente a manutenção dos mesmos, incluindo aí as lideranças partidárias do PSDB, DEM e PT.

Mello respondeu a todos os críticos, no próprio STF e na mídia. Questões fundamentais, tocando às liberdades e direitos civis, não são meras “tecnicalidades”, disse o ministro, referindo-se ao termo usado por Veja para descrever os embargos infringentes.

Merval e Sardenberg vão beber um vinho azedo

Os golpistas e suas marionetes togadas fingiram ignorar nossas advertências sobre os erros grotescos da Ação Penal 470.

Quando não puderam mais abafar nossa voz, passaram a nos ridicularizar e agredir. O Globo publicou vários editoriais duramente ofensivos à blogosfera.

Ao invés de investigar corporações bilionárias que se consolidaram recebendo ajuda ilegal de governos estrangeiros, apoiando golpes de estado, e praticando uma vergonhosa sonegação de impostos, o líder do PSDB no Senado, Aloysio Nunes, também preferiu nos agredir.

Há uma frase de Gandhi que venho guardando há tempos para citar em momento oportuno. É chegada a hora.

“Primeiro eles te ignoram, depois caçoam de ti, depois tentam te sabotar. E então você ganha”.

O histórico voto de Celso de Mello em favor de um recurso consagrado há séculos na tradição jurídica brasileira não apenas evitou um inconcebível retrocesso dos direitos e liberdades civis; foi sobretudo uma vitória da razão sobre a barbárie.

Uma vitória da democracia contra o golpe.

O Brasil não saiu às ruas no dia 7 de setembro para pedir “prisão dos mensaleiros”.

O Brasil não saiu às ruas nesta quarta-feira para pressionar o STF a negar um último recurso aos réus da Ação Penal 470.

O Brasil tem saído às ruas, aí sim, para acusar a Globo de ter apoiado a ditadura.

O Brasil tem saído às ruas para dizer, em alto e bom som, que o maior mensalão de todos é aquele praticado diariamente pela Globo.

E não adianta agora pedir desculpas.

Embargos infringentes valem apenas para quem acredita na democracia.

Não há embargos infringentes para quem apoia golpes de Estado, e se locupleta com eles.

Os brasileiros querem o fim da impunidade, mas não são tão bobos como a mídia achou que fossem.

Queremos o fim da impunidade, mas não a troco de reduzir os direitos civis.

Queremos o fim da impunidade, mas não validando um processo viciado, repleto de erros e injustiças.

O fato de Celso de Mello ser um homem de ideias conservadoras deixou claro que a nossa mídia está abaixo do conservadorismo. Ela é a barbárie, a ditadura, o golpe.

Aristóteles ensina que a virtude da justiça consiste na moderação, regulada pela sabedoria.

Nossa mídia não tem moderação, nem sabedoria, nem virtude, nem justiça.

Ela vive de jogar o Brasil contra si mesmo, de incitar o ódio ideológico contra as forças do trabalho, de criminalizar a política e santificar o mercado.

Nesta quarta-feira, essa mídia infecta, delinquente, sonegadora de impostos e informações, sofreu um duro revés. E a sua representante mais poderosa e boçal, a Globo, não conseguiu esconder seu desespero e decepção.

Do alto de sua ridícula soberba, a Globo achou que Celso de Mello poderia “evoluir”, ou seja, vender uma tradição jurídica de séculos em prol de uma vendeta política.

Por um breve momento podemos sonhar com uma Justiça que, ao invés de perseguir heróis da resistência democrática, irá botar na cadeia os grandes sonegadores, a começar pelos proprietários da Globo Overseas Investments BV.

Por um breve momento podemos sonhar que a impunidade no país será combatida não através da prisão de inocentes, como Genoíno, Pizzolato, publicitários e secretárias, mas pela condenação de figuras contra as quais existem provas concretas de corrupção, como Demóstenes Torres, Carlos Cachoeira, Arruda e Marconi Perillo.

A mídia sabe que o Brasil clama por justiça, e por isso mesmo é tão grande a infâmia de manipular a justa indignação dos brasileiros e afastar a Justiça dos verdadeiros criminosos.

O que foi o mensalão senão uma cortina de fumaça a esconder os verdadeiros escândalos nacionais?

O mensalão foi um caso chinfrim de caixa 2, um esforço de Delúbio Soares para pagar dívidas de campanha do PT.

Enquanto isso, o PSDB roubava bilhões em licitações fraudulentas do metrô de São Paulo e pontificava no alto de todas as listas dos partidos mais corruptos no país.

Enquanto isso, o DEM praticava a mais descarada corrupção no governo do Distrito Federal.

Enquanto isso, a Globo patrocinava, como patrocina até hoje, um abominável pacto de silêncio sobre a sua bilionária sonegação de impostos.

Enquanto isso, a Veja compunha, com Demóstenes Torres e Carlos Cachoeira, uma quadrilha criminosa para espionar ilegalmente adversários políticos e praticar um eficientíssimo tráfico de influência.

Após a decisão, a repórter da Globonews foi entrevistar dois parlamentares.

De um lado, Nazareno Fonteles, deputado federal (PT-PI), lembrou que a justiça não pode ser servil à opinião publicada e a setores reacionários da imprensa. Lembrou que a decisão de Celso de Mello não representa nenhuma impunidade. Os supostos crimes serão julgados conforme a lei.

Do outro lado, estava Ronaldo Caiado, também deputado (DEM-GO), com um discurso profundamente demagógico, falando em tiro na esperança do povo.

Quem é Ronaldo Caiado para falar em esperança?

Quem é Ronaldo Caiado para falar em povo?

Quem é Ronaldo Caiado para falar em justiça?

Caiado simboliza o novo udenismo dos velhos hipócritas.

Em 1954, tivemos que dar um tiro em nosso próprio coração para evitar um golpe.

De 1964 a 1984, tivemos que enfrentar a tortura, o exílio e o insuportável arbítrio.

Em setembro de 2013, fomos salvos pela integridade de alguns juízes.

O desespero da mídia é porque ela pensava o seguinte: “hum, estamos perdendo uma eleição atrás da outra; esses petistas ganharam até a cidade de São Paulo; o mensalão será nossa vingança”.

Investiram milhões e milhões numa campanha de oito anos.

O voto de Mello teve para eles, portanto, o significado de uma amarga derrota.

Aloysio Nunes, líder do PSDB, declarou que está “decepcionado com Celso de Mello”.

Os colunistas estão de luto. Merval Pereira e Sardenberg planejavam, com sarcasmo e arrogância, beber um vinho caro em comemoração à tragédia de um líder da esquerda democrática. Terão que esperar muitos meses e agora temem beber um vinho azedo.

A democracia brasileira, todavia, amanheceu mais forte, mais severa, mais jovem e mais bonita.

Celso de Mello nos ensinou, a todos, que um juiz, antes de ler os jornais, deve ler a Constituição.

Agora falta os ministros do STF examinarem o laudo 2828 e o regulamento da Visanet, documentos que Joaquim Barbosa escondeu de outros ministros, que inocentam Henrique Pizzolato e desmontam toda a tese de acusação.

Informem-se melhor sobre o bônus de volume pago pelas empresas de mídia à DNA. Reanalisem tudo com serenidade.

Em nome da transparência, liberem para o distinto público o inquérito 2474, onde figuram Daniel Dantas e Rede Globo.

Esqueçam os holofotes e as diatribes de Merval Pereira. Lembrem que a Constituição proíbe, expressamente, “juízo ou tribunal de exceção”.

Aceitar os embargos infringentes não foi mais que uma obrigação constitucional do STF. O próximo passo dos ministros é fazer o que até hoje não fizeram: rechaçar definitivamente a pressão espúria, quase chantagem, da imprensa, reler os autos com isenção, e fazer justiça.

O STF não leu Cesare Beccaria

Num dos momentos mais tensos da Ação Penal 470, quando Ayres Brito, então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), conseguiu a proeza de fazer o julgamento mais decisivo de todo o processo, o de José Dirceu, cair exatamente na véspera das eleições de 2012, o ministro Ricardo Lewandowski fez um belo discurso em favor dos princípios fundamentais da justiça moderna, entre eles a presunção da inocência. E citou Cesare Beccaria, possivelmente inspirado por um artigo de Wanderley Guilherme publicado no dia anterior, que mencionava o autor do clássico dos clássicos da filosofia penal iluminista, “Dei Delitti e delle penne”. Dos delitos e das penas.

Eu não conhecia Beccaria e anotei mentalmente o nome do autor, à espera de uma oportunidade para suprir essa lacuna. O tempo passou rápido e somente ontem, num passeio à Biblioteca Nacional, pude ler a obra deste sensível pensador italiano. Beccaria foi um dos primeiros humanistas a defender a inutilidade da tortura e o fim de todos os costumes penais bárbaros que ainda existiam em boa parte da Europa. Mais que isso, Beccaria é um dos primeiros a pensar, com sensibilidade, nos direitos civis dos réus, dos condenados.

O pensamento de Beccaria é um dos principais inspiradores do modelo penal europeu, notoriamente o mais moderno, civilizado e bem sucedido do mundo. Uma parte da Europa vive uma crise hoje. Milhares de jovens tem saído às ruas, exigindo empregos e mudanças no sistema político, mas jamais observamos qualquer queixa popular ao sistema penal europeu, fundamentado no respeito absoluto aos direitos civis de todo e qualquer cidadão, condenado ou não pela justiça.

O sistema penal brasileiro, por sua vez, ainda tem traços medievais, não pelo texto da nossa lei, que é relativamente moderna, mas pela precariedade da estrutura judiciária. É lamentável, portanto, ver a grande mídia ao lado das forças que defendem o desmantelamento das garantias legais que os indivíduos, condenados ou não, culpados ou não, ainda detêm contra a violência do Estado.

A capa do Globo no dia seguinte à decisão do STF em favor da admissibilidade dos embargos infringentes é histórica. E a participação sabuja de Chico Caruso, idem.

A asserção é profundamente injusta e implica uma desumana ausência de imaginação. Dirceu, Genoíno, Cunha, Pizzolato, estão em estado de “impunidade”? Ou estariam antes no pior dos mundos, naquela bastilha moral que a mídia ergueu em torno deles?

Beccaria, há mais de 300 anos, tinha uma sensibilidade infinitamente superior aos neomedievalistas da nossa mídia. Ele entendia que qualquer demora na definição de um processo apenas implicava em sofrimento desnecessário aos réus, e por isso

defendia soluções justas, brandas e rápidas para todos os casos.

“A pena será mais justa quanto mais próxima e rápida seja do crime, e digo mais justa porque poupa aos réus os inúteis e ferozes tormentos da incerteza, que crescem com o vigor da imaginação”.

Como alguém pode achar que os réus do mensalão estão “felizes” e “impunes” se estão sendo massacrados pela mídia há oito anos?

Beccaria faz uma observação ainda que deveria tocar profundamente alguns ministros do STF, que pelo visto esqueceram completamente as lições do italiano:

“Que contraste não é mais cruel do que a indolência de um juíz e as angústias de um réu; e das comodidades e prazeres de um magistrado, de um lado, e as lágrimas e desolação de um prisioneiro?”

Sim, de um lado, Joaquim Barbosa, presidente da Assas JB Corporation, frequentando o camarote VIP de Luciano Huck, fazendo um banheiro de 90 mil reais para si, pontificando em pesquisas eleitorais; de outro, Dirceu, que lutou contra o arbítrio político, exilado em seu próprio país, praticamente proibido de aparecer em público.

É isso que a mídia chama de “impunidade”?

Beccaria, quando escreveu sua obra, não podia conceber que a modernidade inauguraria uma nova forma de tortura, e novos castigos; numa sociedade totalmente midiatizada, que pena seria mais terrível do que ser massacrado diuturnamente pela mídia, por anos a fio, ad eternum?

Num capítulo de sua obra especialmente dedicado à defesa da suavidade das penas, Beccaria expõe o que será talvez a definição mais avançada do direito penal contemporâneo. Até hoje, a modernidade de Beccaria nos impressiona, diante das manifestações constantes de brutalidade medieval que a toda hora vemos emergir na sociedade, e não apenas junto ao populacho, mas até nas classes mais esclarecidas.

“Os gritos de um infeliz desfariam as ações já consumadas, através do tempo, que não retrocede? O fim, portanto, é impedir que o réu faça novos danos a seus concidadãos e impedir que os demais cometam iguais. Devem ser, portanto, escolhidas aquelas penas e aqueles métodos de aplicá-las que, guardadas as proporções, exerçam impressão mais eficaz e duradoura sobre os ânimos dos homens, e menos tormentosa sobre o corpo dos réus”.

A preocupação de Beccaria vale para condenados por qualquer crime. Pensando na Ação Penal 470, a dosimetria das penas obedeceu a um medievalismo absolutamente estarrecedor. Qual o sentido em condenar Marcos Valério a 40 anos? Em que isso vai

ajudar o Brasil? E por causa de quê? Porque ele ajudou o PT a pagar suas dívidas de campanha, e de seus aliados?

Nem o monstro que matou dezenas de jovens, na Noruega, foi condenado tão duramente. Que perigo Marcos Valério oferece à sociedade? Por acaso alguém tem receio de que ele possa emprestar dinheiro ao PT novamente?

O mesmo raciocínio vale para quase todos os réus. Qual o sentido, político ou jurídico, em condenar Cristiano Paz, ex-sócio de Valério, a uma pena de 25 anos? Por que ele participou de uma operação para pagar dívidas do PT e partidos aliados? Ou porque a procuradoria acha que ele ajudou a comprar deputados? É quase risível, não fosse trágico: qual o interesse de um publicitário de sucesso em ajudar o PT a aprovar a reforma da previdência?

Beccaria diz que a grandeza das penas deve ser relativa ao próprio estado da nação. Quanto mais bárbaro e atrasado for um país, mais duras devem ser as penas.

“Devem ser mais fortes e sensíveis as impressões sobre o ânimo de um povo que apenas saiu do estado selvagem”.

Esse tipo de argumento, por outro lado, não faria muito sucesso num país como o Brasil, por causa do complexo de vira-latas de sua elite. No entanto, apesar de nossas deficiências como país, seria injusto que nos considerássemos um povo “que acabou de sair do estado selvagem”. O povo brasileiro é famoso por sua cordialidade, gentileza e bom comportamento. Não precisa de leis medievais para ficar impressionado. No caso de criminosos do colarinho branco, uma gorda multa e bons anos na cadeia, após um processo justo, limpo e rápido, seria suficiente. É ridículo, contudo, condenar alguém a 40 anos de prisão e pagamento de multa de 2,8 milhões, apenas porque a classe média teleguiada assim o deseja.

A dosimetria absolutamente insana das penas aplicadas aos réus da Ação Penal 470, reflete o desequilíbrio geral que permeou todo o processo. Ele foi conduzido sem nenhum bom senso, tocado por um ódio ideológico irracional, sob o impacto de uma publicidade midiática violentamente opressiva.

As consequências negativas de tudo isso é nos impor um retrocesso ideológico, moral, político, penal. Precisamos sim combater a corrupção, mas não desse jeito. Isso é tentativa espúria de ludibriar o povo brasileiro via criação de bodes expiatórios. A corrupção se combate com aumento da transparência, fortalecimento das instituições de controle, polícias bem equipadas e bem remuneradas, e processos penais justos, limpos e rápidos.

É absurdo que o publicitário Ramon Hollerbach seja condenado a quase 30 anos, multa de R$ 2,8 milhões, afora a humilhação midiática que vem sofrendo há oito anos, enquanto Demóstenes Torres, com todos áudios e provas contra ele, até pouco

tempo ainda sequer tinha sido exonerado da função de promotor público.

A farsa do mensalão foi criada para enganar o povo. Os jornais alardeiam que, se não forem presos, será passada a impressão de que a justiça não prende “ricos e poderosos”. Ora, Genoíno e Pizzolato não são nem ricos nem poderosos. Os publicitários condenados a 30 ou 40 anos de prisão podem até ser ricos, mas jamais foram poderosos. Ricos e poderosos são os proprietários da Globo, flagrados tentando enganar a Receita Federal.

As “ruas” responderam as convocações da Globo para protestar pela prisão dos mensaleiros com um silêncio eloquente, civilizado. As pessoas, tacitamente, mandaram um recado aos donos da mídia. Elas disseram o seguinte: “entendemos que nossa Justiça não é perfeita, que os mais ricos e poderosos costumam se dar bem, temos muitas reclamações neste sentido, mas nem por isso vamos nos tornar um povo de linchadores, de vivandeiras de tribunal. Magistrados, sobretudo no caso da corte suprema, devem julgar conforme os autos, com tranquilidade, sem pressão das ruas ou da mídia!.”

A pesquisa Datafolha, divulgada na véspera do voto de Celso de Mello, representou uma ridícula tentativa de pressão sobre a consciência de um magistrado. Ridícula e desonesta. A pergunta feita aos entrevistados, se eles achavam que os réus deveriam ser presos, corresponde a uma manipulação tosca da própria resposta.

Suponham que o Datafolha fizesse a seguinte pergunta às pessoas: “Vocês acham que o STF, em nome de um processo altamente polêmico, acusado por muitos de ser um julgamento de exceção, deve eliminar uma garantia individual secular?”

O fato é que, do início ao fim, este “case” político chamado mensalão teve um protagonista, este sim rico e poderoso, o grupo mais rico e poderoso do Brasil, que são os donos da mídia. Eles apostaram milhões no processo, pensando no lucro político que daí adviria. Só que o resultado foi aquém do que eles esperavam. Os réus foram condenados, mas a que preço? A que custo?

Hoje, os lacaios da mídia podem até encher a boca para afirmar, cheios de si, que petistas importantes foram condenados. Mas percebe-se um travo, mal disfarçado, em sua voz. Não conseguiram provas. Tiveram que apelar para uma teoria nazista anacrônica (e ainda interpretada equivocadamente) para condenar Dirceu. O juiz que elegeram como herói, Joaquim Barbosa, se revelou uma besta fera ensandecida, incapaz de entabular uma discussão jurídica ou política sem apelar à mais rasteira brutalidade verbal.

O fracasso da mídia ficou patente na campanha patética que fizeram para mudar o voto de Celso de Mello. Puseram-se todos ao lado de um sinistro obscurantismo legal. Em seu radicalismo político desvairado isolaram-se inclusive da comunidade jurídica. Velhos constitucionalistas ligados historicamente ao PSDB, como o Dr.José

Afonso Silva, e a maior parte da OAB, defenderam a importância dos embargos infringentes, última garantia individual em Ações Penais Originárias.

E ainda arrastaram o PSDB para esse buraco, vide a declaração dos líderes tucanos, “decepcionados” com Celso de Mello.

E tudo para quê? Para levar 30 pessoas a protestar em frente ao STF? As únicas figuras públicas que se arriscaram a fazer o jogo da mídia, um grupinho infeliz de atrizes globais, viraram chacota nacional. E por que viraram chacota? Porque a sociedade identificou, em seu protesto, uma grande hipocrisia. Ninguém até agora viu uma mísera prova de que Dirceu tenha cometido qualquer ato ilegal enquanto ministro de Estado. Já a Globo, o Brasil viu uma série de documentos provando que ela cometeu uma fraude fiscal nas Ilhas Virgens Britânicas. Todo mundo sabe que a Globo apoiou a ditadura, foi contra a redemocratização, manipulou criminosamente o debate entre Lula e Collor. Todo mundo sabe que a Globo fez campanha para eleger Collor, e depois que Collor fez as reformas impopulares que a Globo queria, numa jogada espertíssima, se descolou dele e defendeu seu impeachment. O povo sabe disso tudo. Por isso as pessoas tem ido às ruas com cartazes contra a emissora e entoando um refrão hipnótico sobre uma dura verdade.

O primeiro supremo tribunal da república, criado a partir da Constituição de 1891, tinha 15 juízes. Isso num país com 15 milhões de habitantes. A Constituição de 1934 definia um número mínimo de 11 ministros, podendo ser elevado a 16 membros. O número 11 é fechado em 1967, quando os militares dominavam tudo, inclusive pela violência. Com uma população já superior a 200 milhões de habitantes, e um STF dotado de enorme poder constitucional, não seria a hora de pensarmos em ampliar um pouco o número de juízes, e talvez instituir métodos de nomeação mais democráticos que não a simples indicação política?

Não é qualquer juiz que pode fazer o que fez Celso de Mello. Diante do que vimos ao longo da Ação Penal 470, essa pressão bem sucedida da mídia sobre um diminuto corpo de juízes, não seria a hora de pensarmos em democratizar o STF? Com a palavra, o parlamento e o povo.

Quem pagará pelos erros judiciários contra Pizzolato?

Os argumentos da defesa de Pizzolato, neste segundo embargo de declaração, podem ser compreendidos por uma criança. É incrível que o Supremo Tribunal Federal tenha chegado a este ponto. Nem o ministro que mais ousou enfrentar a mídia, Ricardo Lewandowski, escapa do festival de arbitrariedades, incongruências, contradições e omissões que caracterizou toda a Ação Penal 470. A peça chegou viciada da Procuradoria Geral da União, e assim permaneceu durante todo o julgamento.

O escândalo que se fez em torno da simples aceitação da admissibilidade dos embargos infringentes foi porque se interpôs um grão de racionalidade num processo que se caracterizava como um turbilhão de arbítrio. Mas foi só um grão. O arbítrio continua lá, intocável, ferindo a democracia, a Constituição e a jurisprudência da suprema corte.

Enquanto isso, o presidente do Supremo, Joaquim Barbosa, eminente presidente da Assas JB Corporation, afirma que recurso da OAB não pode mudar julgamento da Lei da Anistia. Ou seja, ele julga antes do auto, e sempre na contramão do interesse popular.

Vamos ao caso de Pizzolato e ao segundo embargo que sua defesa interpôs à condenação. A íntegra do documento pode ser lida ao final do post. É tão simples, e redigido de maneira tão clara, que nem precisaria convertê-lo em texto jornalístico. Mas façamo-lo mesmo assim.

A defesa se concentra em dois pontos. Há mil contradições em sua condenação, mas é preciso focar em alguns pontos mais facilmente inteligíveis a juízes, comunidade jurídica e opinião pública.

O primeiro ponto é o seguinte: quatro diretores do Banco do Brasil assinaram as notas técnicas pelas quais Henrique Pizzolato foi condenado. Essas notas são a única prova material apresentada pela acusação para condenar Pizzolato, apesar de serem apenas notas técnicas, ou seja, pareceres internos sem poder deliberativo. Nelas, os quatro diretores avalizam o aporte de recursos do Fundo Visanet na empresa que tinha vencido a licitação para gerir a publicidade dos cartões do Banco do Brasil que levavam a bandeirinha Visanet.

Importante ressaltar que esses recursos eram privados, pertenciam à empresa Visanet, não ao BB, mas pelo regulamento, o BB escolhia a agência de publicidade que cuidaria da campanha de marketing e avalizava a transferência dos recursos do Fundo para a agência. Os recursos não eram apenas para a agência, mas principalmente para pagar a inserção dos anúncios nos veículos de comunicação. Por isso, a maior parte dos recursos do Fundo Visanet que, segundo a acusação, teriam sido desviados (acusação falsa), na verdade foram parar nas mãos de empresas de

mídia, sobretudo a Globo.

O questionamento da defesa de Pizzolato é o seguinte. Se quatro diretores assinaram as notas técnicas, porque somente Pizzolato foi “pinçado” para integrar a Ação Penal 470? Por que os outros três diretores estão sendo investigados em inquérito em separado, em primeira instância e com direito a sigilo, num processo que ainda mal começou?

O advogado de Pizzolato, Dr. Mathius Savio Cavalcante Lobato explica, didaticamente, que não se pode julgar autores do mesmo crime em separado, sobretudo se a prova material usada para condená-los é a mesma, e o crime do qual são acusados é o mesmo. Isso agride frontalmente vários códigos do processo penal, a começar pelos artigos 76 e 77.

Art. 76. A competência será determinada pela conexão:

I – se, ocorrendo duas ou mais infrações, houverem sido praticadas, ao mesmo tempo, por várias pessoas reunidas, ou por várias pessoas em concurso, embora diverso o tempo e o lugar, ou por várias pessoas, umas contra as outras;

II – se, no mesmo caso, houverem sido umas praticadas para facilitar ou ocultar as outras, ou para conseguir impunidade ou vantagem em relação a qualquer delas;

III – quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influir na prova de outra infração.

Art. 77. A competência será determinada pela continência quando:

I – duas ou mais pessoas forem acusadas pela mesma infração;(…)

Pela legislação brasileira, portanto, não se pode abrir dois inquéritos diferentes para réus acusados da mesma infração e contra os quais se aponta a mesma prova material, a qual, no caso em questão, são as quatro notas técnicas do BB que tratam de pagamentos à agência DNA Propaganda. Sendo que a assinatura de Pizzolato consta em apenas três das notas e ele é condenado pelas quatro.

Porque os outros três diretores que assinam as notas estão sendo julgados em primeira instância, em inquérito em separado?

A própria CPMI dos Correios, em seu relatório final, acusou os quatro diretores do BB. Mas a Procuradoria pegou apenas Pizzolato porque ele era o único petista, e serviria, portanto, para fechar a trama que se queria montar.

Os outros diretores que assinaram as notas técnicas eram Fernando Barbosa de Oliveira, Claudio de Castro Vasconcelos e Douglas Macedo.

Dr.Savio, advogado de Pizzolato, observa que a atitude do STF agrediu ainda o artigo 29 do Código Penal, pois a existência de co-autoria num crime pode mudar substancialmente a qualidade do mesmo.

Se Pizzolato fosse julgado conjuntamente com outros três diretores que assinaram as notas técnicas, isso ajudaria tremendamente a sua defesa, porque o crime de co-autoria enseja uma substancial redução da pena.

O ministro-revisor não aceitou esse argumento alegando que a questão não foi abordada antes pela defesa do réu. Ora, não foi porque os inquéritos que investigam os outros diretores estavam sob segredo de justiça. A Ação Penal 470 foi caracterizada, desde sua origem, por esses vícios. Os réus só tiveram acessos a documentos e informações relevantes para sua defesa quando já era tarde demais.

O advogado de Pizzolato apenas teve conhecimento de que os outros diretores do BB eram réus de inquérito em separado, em primeira instância judicial, através da imprensa, no dia 31 de outubro de 2012, ou seja, após a sustentação oral da defesa.

O argumento do ministro-revisor, portanto, de que a defesa está sendo “intempestiva”, a saber, usando só agora um argumento que deveria ter usado antes, não procede, porque antes a defesa não tinha conhecimento do fato, justamente porque o Judiciário manteve em segredo o inquérito que trata dos outros três diretores que assinaram as mesmas notas técnicas.

E aí ficamos sabendo, pelo próprio ministro revisor, que a denúncia contra os outros três diretores do BB ainda não foi sequer recebida pela Justiça em primeiro grau, estando ainda em “frase instrutória”. O advogado se insurge particularmente contra essa desculpa, com todo respeito, esfarrapada.

Aí vemos o cúmulo do arbítrio que marcou a Ação Penal. Quatro diretores assinaram a mesma nota técnica. Um deles foi levado ao Gólgota, torturado por sete anos de exposição pública, até ser condenado sumariamente pelo STF, sem direito sequer aos infringentes. Os outros três, acusados pela mesma infração, ainda não tiveram sequer sua denúncia recebida pela Justiça, além de terem direito pleno à segunda jurisdição, pois serão julgados em primeira instância e poderão apelar em seguida ao STF; e foram por todo este tempo protegidos pelo segredo de justiça. Por que Pizzolato foi tratado de forma diferente, se a única prova contra ele era a assinatura das mesmas notas técnicas? Por causa de sua posição política? Por que ele era peça fundamental para a Procuradoria e depois o STF montarem a sua “historinha”?

Na segunda parte do embargo, a defesa mostra que houve erro do STF em condenar Pizzolato por ter assinado uma nota técnica pela qual se autorizou o adiantamento de recursos à agência DNA, responsável então pela campanha dos cartões BB com bandeira Visanet.

Entretanto, esse tipo de adiantamento já havia ocorrido em gestões anteriores à entrada de Pizzolato no cargo de diretor de marketing. O adiantamento era regular, diz a defesa, com base em abundantes provas.

A condenação de Pizzolato está eivada de contradições do início ao fim. É uma peça de ficção. A DNA atuava junto ao BB desde 1994. O seu mais recente contrato havia sido aprovado pelo BB antes da entrada de Pizzolato, que assinou um memorando burocrático favorável à DNA dois dias após assumir o cargo porque todos os requisitos da DNA haviam sido aprovados por seus superiores, nas semanas anteriores. E o cargo de Pizzolato, apesar do nome (diretor de marketing), era subalterno em se tratando de transferência de recursos para agências ou gestão do fundo Visanet. Quem tinha responsabilidade direta sobre essas questão era a vice-presidência do BB e a diretoria de Varejo, além do presidente do banco. Nenhum desses foi responsabilizado por nada.

O que a Procuradoria, o STF e a mídia fizeram com Pizzolato foi um crime. Torturaram por sete anos um inocente, um cidadão brasileiro que tinha uma história de vida sem máculas. Depois o condenaram sumariamente. Em momento algum, se permitiu a Pizzolato se defender perante o Brasil. Quando a mídia o abordava, era sempre para ferrá-lo ainda mais.

Pior, documentos que ajudariam a esclarecer sua inocência foram sistematicamente ocultados pelas autoridades, e só liberados depois de esgotados os prazos legais para sua defesa. Tudo porque a sua presença e condenação eram cruciais para sustentar toda a Ação Penal 470.

Algum dia, isso terá que ser revisto, e os responsáveis por esse crime terão que pagar por ele.

Link da íntegra do segundo embargo da defesa de Pizzolato:

http://www.slideshare.net/slideshow/embed_code/27502132#

A falsa vitória dos golpistas

Finalmente encontrei a imagem que eu vinha buscando, há dias, para entender um paradoxo.

Por que a vitória da mídia, da direita e dos coxinhas psicóticos, no caso do mensalão, teve um resultado tão melancólico?

Como alguém pode subir ao podium, estourar uma champanhe, receber uma medalha, e ao mesmo tempo ser observado, por outros, como alguém que está sofrendo, sem disso ter consciência, uma derrota acachapante?

O julgamento do mensalão, da maneira como foi conduzido, noticiado e finalizado com as prisões de Dirceu e Genoíno, talvez tenha sido o canto do cisne da mídia. A sua última vitória. Última não no sentido de a mais recente, mas de derradeira. O início do fim.

Não quero me iludir ou dourar a pílula. Admito a derrota. O nosso campo conseguiu vencer a mídia em várias frentes, nos últimos anos. Por isso mesmo, o mensalão tornou-se tão importante para a mídia. Era um ponto de honra para ela vencer essa batalha. E quando falo “mídia”, refiro-me a todo um bloco de poder, um dos mais fortes no país, liderado politicamente pela grande imprensa, mas que reúne diversos setores sociais importantes, na classe média, nas elites e até mesmo junto ao povo.

No caso do mensalão, perdemos.

E, no entanto, vencemos.

A imagem que eu, no início do post, disse ter finalmente encontrado é a cena que abre e fecha um clássico do cinema italiano: o filme C’eravamo tanto amati, de Ettore Escola, ou Nós que nos amávamos tanto.

A cena traz um paradoxo. Três amigos, dois homens e uma mulher, param um carro velho e cheio de defeitos (o volante só funciona para a esquerda) junto a uma mansão situada num bairro de ricaços, no subúrbio de Roma. Eles saem do carro e caminham ao longo da murada. Vêem um homem sair da casa, vestindo um roupão, e dirigir-se à beira da piscina. O homem escala um trampolim, estica os braços e mergulha. A cena congela com o homem parado no ar.

À primeira vista, estamos diante de um vencedor. Um homem de meia idade, atlético, bonito, rico, proprietário de uma linda mansão com piscina num dos melhores bairros dos arredores da capital italiana.

Entretanto, acontece uma coisa estranha. Os três amigos que assistem a cena

observam o homem com estupefação e melancolia.

“Pobre Gianni”, diz a moça, contemplando tristemente o seu ex-amigo. Os outros também fazem comentários parecidos e todos voltam ao carro, para ir embora.

Qual o mistério? Como assim, “pobre Gianni”?

É isso que o filme irá explicar. Apesar de toda a riqueza aparente, Gianni (interpretado por Vittorio Gassman) era um homem destruído moralmente. Não tinha mais alma. Para chegar onde chegou teve que se vender a um político corrupto da direita, admirador de Mussolini, inclusive casando com sua filha, que não amava, abandonando seu grande amor, a linda Luciana, interpretada por Stefania Sandrelli.

Antes que um coxinha confunda as bolas, esclareço um ponto: Gianni não era um político de esquerda que se alia, politica ou eleitoralmente, a um quadro conservador com vistas a vencer um adversário ainda mais à direita, ou formar uma coalização de governo. Gianni largou o emprego de assessor de um político de esquerda para se tornar empregado de um parlamentar de inclinações fascistas. Mais ainda: ele ingressa na própria família do parlamentar, e assume o comando de suas negociatas e golpes, adotando um discurso cínico e antipovo.

Gianni não se alia ao diabo; ele toma o seu lugar.

A sua vitória, portanto, é falsa, porque foi paga com a sua alma.

O seu antípoda é o ultrapolitizado Antonio, vivido por Nino Manfredi, um enfermeiro de hospital que, aos poucos, se vai emancipando economicamente. Conforme os anos se passam, Antonio se torna uma espécie de operário aburguesado, que vota na centro-esquerda e rechaça o radicalismo vazio de Nicola, o terceiro do grupo de amigos que haviam lutado juntos na Resistência contra o fascismo. Nicola era um professor falido e amargurado, com ideais puros. Antonio se casa com a musa do filme, Luciana, e, pese as dificuldades econômicas que ainda enfrenta, é um homem feliz.

O filme é uma grande metáfora da história política italiana. Mas a imagem que eu procurava estava ali, naquela cena paradoxal, onde um homem rico e esbelto, saltando na piscina, representa o derrotado.

A mídia, em especial a Globo, conseguiu prender os “mensaleiros”, mas ao custo de vender o prestígio que vinha, com muito esforço, tentando recuperar após a redemocratização.

A prisão dos mensaleiros fez os coxinhas psicóticos terem orgasmo. Sentem prazer com a desgraça dos réus, condenados num processo notoriamente político, onde tudo foi de exceção. Mas eu os vejo como derrotados, porque se submeteram a um circo

vergonhoso. Chancelaram um julgamento farsesco.

O Datafolha pode até afirmar que a maioria apoia a prisão dos “mensaleiros”. Claro, a informação que chegou ao povo, inclusive aos simpatizantes do PT, é de que houve uma série de crimes. Em alguns casos, até houve crimes, mas não os crimes mencionados pela acusação.

Neste sentido, outro grande derrotado é o Supremo Tribunal Federal (STF).

Confira essa fala de Ayres Brito, por exemplo, durante o julgamento do mensalão, onde ele diz que a Companhia Brasileira de Meios de Pagamento, a Visanet, uma empresa multinacional, é “pública” porque traz o “Brasileira” no nome… Brito diz que a Visanet é como a Embrapa… É simplesmente inacreditável.

http://youtu.be/_Bbm3Ikk9pw

Como alguém pode ser tão ridículo? E pensar que este homem, dias depois de se desligar do STF, após cumprir a missão imposta pela mídia, assinou o prefácio do livro de Merval Pereira, colunista político da Globo. Eles nem disfarçam!

O julgamento está cheio de erros grotescos desse tipo. A mídia é cúmplice dos erros porque jamais os denunciou. Dezenas de comentaristas contratados pelos grandes meios de comunicação acompanharam o julgamento e ninguém teve a coragem de apontar seus erros. Erros lógicos. Erros de data. Erros de números. Erros de nome. Erros crassos sobre o funcionamento de campanhas eleitorais. Erros monumentais sobre o que são acordos políticos e partidários.

A mídia explorou todos os preconceitos populares contra a classe política e conseguiu transformar os réus nos bodes expiatórios de séculos de corrupção. Ao adotar a fórmula clássica do linchamento, porém, jogou no lixo qualquer imagem de referencial democrático que pudesse aspirar. Abandonou todos os escrúpulos éticos que acalentava após o fim da ditadura. E não obteve ganho político significativo. Ao contrário. Dirceu e Genoíno foram presos de braços erguidos. Importantes juristas e mesmo associações de magistrados se indignaram contra as ilegalidades. A classe política ainda está em estado de choque com o show de sadismo de Joaquim Barbosa e mídia na prisão intempestiva de um homem doente como José Genoíno.

Mais importante que tudo: a mídia e seus correligionários perderam eleições em 2012 exatamente em meio aos momentos mais sensacionalistas do julgamento do mensalão. E correm o risco de perder ainda mais poder em 2014, conforme já apontam as pesquisas de intenção de voto.

Além disso, o caso do mensalão vive o seu anticlímax. Agora que os réus foram presos, que a justiça “foi feita”, a novidade virá dos próprios condenados. Afinal, justa ou injustamente, eles já começaram a pagar a sua dívida com a sociedade. Não

estão mortos. A decisão de proibir Genoíno de dar entrevistas, por exemplo, é só uma tentativa ridícula e desesperada de adiar o inevitável. Eles terão oportunidade de dar sua própria versão sobre o acontecido. A novidade agora não é a condenação, que já aconteceu; não é a prisão, que já aconteceu. A novidade são os erros do processo.

A novidade é que agora temos todo o tempo do mundo para analisar esses erros, destrinchá-los, denunciá-los, e apontar os perigos de uma corte suprema ultrapoderosa (a mais poderosa do mundo, segundo Canotilho, constitucionalista português) vergada à pressão da mídia.

E conforme formos ampliando o acesso a estas informações a um conjunto maior de pessoas (e não só brasileiros), estaremos cada vez menos sozinhos nessa luta.

Queremos que todos os corruptos sejam punidos, do PT, do governo, de qualquer partido. Mas exigimos uma corte suprema livre de pressões espúrias, e que os julgamentos se dêem de forma limpa, isenta e objetiva, fundamentados em provas e não em ilações e preconceitos.

O julgamento do mensalão teve importância histórica, sim, porque marcou um dos momentos mais indignos do STF, e nos alertou para os perigos de uma aliança conservadora e golpista entre mídia e ministros do Supremo.

A “vitória” da mídia foi prender um homem sem uso de provas, como é o caso de Dirceu; e que usará este fato para construir uma resposta histórica e avassaladora contra o neogolpismo judiciário que emergiu no país.

A “vitória” da mídia foi cometer a vileza inominável de inflingir uma tortura desnecessária a um político a quem o Estado já havia torturado uma vez, como é o caso de José Genoíno.

A “vitória” da Globo foi terminar o ano com a menor audiência de sua história, e ainda manchada com uma grave denúncia de sonegação feita por um humilde blogueiro.

No fundo, eles sabem que perderam, e talvez seja essa a explicação para seu sadismo contra Genoíno e Dirceu: não aceitam que eles tenham se entregado à polícia de cabeça erguida, os punhos erguidos em sinal de vitória. E também por isso Dirceu e Genoíno ergueram os braços. Ambos sabem que a própria injustiça da qual são vítimas é o louro de seu triunfo. O que perderam em liberdade, ganharam em honra.

Deixemo-los, portanto, aos barões da mídia, aos coxinhas psicóticos e raivosos, darem seu último mergulho na piscina de suas indignidades e vilezas. Deixemo-los se comprazer com sua efêmera vitória, e comemorarem o sofrimento de um homem íntegro como José Genoíno.

Eles não poderão jamais matar a paixão com a qual travamos o bom combate político. Eles não tem tanto poder assim. Nem nos persuadirão, como às vezes tentam fazer com suas provocações, a ultrapassar o marco democrático e apelar à violência. Não. A nós, interessa a paz e a democracia. Foram eles que defenderam a ditadura, a truculência, a censura. Fomos nós que lutamos pela democracia, pela paz e pela liberdade.

Iremos vencê-los nas urnas, e esmagar seus ímpetos golpistas com leis democráticas e universalizantes. E todos os seus golpes de hoje serão cobrados com juros e correção monetária.

Mensalão dá um baile em House of Cards

(Os documentos citados neste artigo, encontram-se no post: http://www.ocafezinho.com/2014/02/19/mensalao-da-um-baile-em-house-of-cards/)

Ontem eu terminei de ver a segunda temporada da série House of Cards, estrelada por Kevin Spacey, que interpreta o ambicioso deputado democrata Frank Underwood. As tramas políticas, os golpes, as artimanhas para ganhar votações, derrubar adversários, são de tirar o fôlego.

Só que no quesito trama política, alguns brasileiros não deixam a desejar. O que os donos da mídia fizeram no caso do mensalão deixaria até mesmo o brilhante e maquiavélico Frank de queixo caído.

A mídia embolsou a maior parte das centenas de milhões que o Fundo de Incentivo Visanet aplicou em publicidade, via DNA, de 2001 a 2005, e mesmo assim fingiu que não viu nada, e deu uma rasteira em Marcos Valério. Foi o maior gesto de ingratidão dos últimos mil anos.

A maneira como Marcos Valério lidava com o dinheiro do Fundo de Incentivo Visanet se dava de um jeito que facilitou à Procuradoria, aparentemente mais interessada em chancelar uma farsa do que descobrir a verdade, produzir a delirante ficção que veio a se tornar a peça de acusação da Ação Penal 470.

Desde 2001, o Banco do Brasil adiantava à DNA o dinheiro do Fundo de Incentivo Visanet. Ou seja, a DNA recebia antes de prestar o serviço. Era uma prática do BB com todas as agências de publicidade com que trabalhava. Não sei se outras empresas fazem isso, mas não podemos esquecer que o BB é um banco. Interessava ao BB adiantar recursos a DNA, até porque a DNA fazia aplicações financeiras em contas do próprio BB (conforme o próprio Zampronha irá detectar, no inquérito 2474). Havia uma relação comercial vantajosa para ambos. E a DNA era confiável, pois trabalhava com o BB desde 1994.

Marcos Valério recebia o dinheiro da Visanet, via Banco do Brasil, e começava imediatamente a aplicá-lo, em operações financeiras, em outros negócios, e em campanhas políticas. Ele não fazia isso apenas com o dinheiro da Visanet. O inquérito 2474 mostrou que Valério agia assim normalmente. Ele recebia um pagamento, por exemplo, da Assembléia Legislativa de Minas Gerais; pegava o dinheiro e aplicava numa campanha política do PT em Petrópolis. Isso não quer dizer que a verba da Assembléia mineira, dominada pelo PSDB, estava sendo desviada para uma campanha petista. A DNA prestava (a maioria deles, pelo menos) os serviços para os quais era contratada. Mas Valério fazia o que queria com o dinheiro em suas contas. Ele tinha autonomia para isso.

Com a Visanet, foi a mesma coisa. Ele pegou o dinheiro e aplicou em várias coisas, inclusive em empréstimos ao PT. Mas ele presta os serviços. O dinheiro não é desviado. A maneira pela qual Valério ganhava dinheiro era muito mais sofisticada do que uma jogada grosseira e imbecil como desviar 100% de um contrato estratégico de publicidade que envolvia a maior instituição bancária do país e a maior operadora de cartão eletrônico do mundo.

As provas de que os recursos da Visanet não foram desviados estão no processo, mas escondidos nos apensos, desorganizados, e a mídia jamais fez referência a elas enquanto caprichava no sensacionalismo, nos infográficos, nas charges, nos joguinhos interativos sobre o mensalão.

Vale lembrar que a denúncia da Procuradoria foi realizada às pressas, pois ainda não estavam disponíveis quase nenhum dos documentos referentes à Visanet: o regulamento, os laudos, as auditorias.

A revista Retrato do Brasil já trouxe uma relação dos eventos bancados pela campanha Visanet em 2003 e 2004.

Agora eu trago notas fiscais, comprovantes de transferência e planilhas de inserção da publicidade na TV. São apenas alguns dos comprovantes presentes do processo. Eu separei os pagamentos da DNA à Globo e à Abril.

Todos os documentos estão catalogados como referentes à campanha de publicidade do Fundo de Incentivo Visanet, nos anos de 2003 e 2004.

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Abaixo, planilha com a programação de anúncios do cartão Ourocard/Visa do Banco do Brasil na Rede Globo. Vão indicados os programas nos quais foram veiculados. Observe que vem escrito Fundo de Incentivo Visanet. Os anúncios foram veiculados em 2005, mas os recursos foram recebidos pela DNA em 2004, dentro do período durante o qual o Fundo teria sido desviado, segundo a acusação.

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E agora mais um documento bombástico, e que prova a deliberada má intenção da Procuradoria. É um pedido do então procurador-geral, Antônio Fernando de Souza, para indeferir (não aceitar) o pedido de alguns réus para que houvesse apuração se as campanhas publicitárias referentes ao Fundo Visanet haviam sido efetivamente realizadas. A procuradoria, já então, não queria saber da verdade, e já tinha iniciado o que, hoje sabemos, uma série interminável de armações para ocultar documentos, paralisar investigações incômodas, abafar inquéritos que saíam do script (como o 2474), focando todas as energias no chancelamento de uma das maiores farsas jurídicas da nossa história.

O procurador, com anuência de Joaquim Barbosa, que chancela a decisão, nega o pedido dos réus alegando que já havia laudos contábeis em relação ao uso do Fundo Visanet. Só que eram, como o nome dizia, apenas laudos contábeis, e que não tinham como objetivo verificar se as campanhas foram realizadas. E esta verificação tinha de ser um dos primeiros procedimentos adotados pela Procuradoria, para poder tomar uma posição correta sobre o desvio ou não do Fundo Visanet.

No documento abaixo, fica bem claro que o funcionário do BB responsável pelo relacionamento com todas as agências de publicidade que prestavam serviços para o Banco do Brasil, durante o período em que Henrique Pizzolato foi diretor de marketing, era Claudio Vasconcelos. O documento é uma resposta do próprio BB à uma solicitação do Tribunal de Contas da União. Mais uma prova que inocenta Henrique Pizzolato e derruba uma das vigas mestras do mensalão, o de que um petista “infiltrado” no BB desviou R$ 74 milhões para “comprar” deputados.

O mensalão e as três cabeças de Cérbero

Uma das razões pelas quais eu me interesso tanto pela Ação Penal 470 é porque eu sempre fui um aficcionado por filmes e livros sobre polêmicas judiciais.

Perdi a conta dos filmes que assisti, em alguns casos inúmeras vezes cada um, sobre processos e julgamentos. E devorei vários romances de Jonh Grisham, um ex-advogado que se tornou um dos escritores mais vendidos nos EUA, sempre com histórias envolvendo questões judiciais.

É uma das razões, não a principal.

A razão principal, naturalmente, é a suspeita de que o Brasil viveu mais um golpe político, travestido de ação penal.

Nas histórias sobre polêmicas judiciais, o suspense recai sempre sobre o arbítrio de um julgamento. Repare no termo: arbítrio. A raíz é a mesma de árbitro, sinônimo de juiz. O juiz é um árbitro, e de sua decisão decorrerá um arbítrio, para o bem ou para o mal.

Uma decisão judicial é quase sempre uma violência. Pegue-se o exemplo de Pinheirinho. Uma juíza decidiu expulsar mais de 6 mil pessoas de onde moravam há anos, determinando que suas casas fossem completamente destruídas por máquinas de demolição. A razão não era a construção de uma nova estrada. Nem o espaço fora requisitado para obras de um grande evento esportivo. Nada disso. O terreno estava abandonado antes, e continua abandonado hoje, e pertencia a um notório fraudador do mercado financeiro nacional, Naji Nahas.

Não houve nenhuma campanha na grande imprensa em favor das populações de Pinheirinho. A blogosfera uniu-se, como poucas vezes se viu, em torno do tema. Mas não adiantou. As famílias não apenas foram expulsas, como agredidas e depois amontoadas sem higiene num galpão erguido às pressas nas redondezas.

Digo tudo isso para ilustrar que o judiciário não é perfeito. Ele reflete os valores das camadas mais ricas da sociedade, aqueles que detêm os principais meios de comunicação.

O povo consegue eleger alguns representantes, nunca juízes. A prova disso novamente está em Pinheirinho, ou melhor, em São José dos Campos, onde o prefeito que apoiou a remoção da comunidade, que era do PSDB, perdeu as eleições seguintes para um prefeito do PT, que agora está comandando a construção de uma nova grande comunidade para abrigar os expulsos de Pinheirinho, com apoio do governo federal.

Por que há tantos filmes e livros de ficção sobre o tema? Por que em cada decisão judicial há um suspense. Como dependemos de um fator subjetivo, a consciência do

juiz, ou dos jurados, é evidente que existe sempre o risco de um erro.

Por isso, a questão das provas é tão fundamental. Porque juízes podem errar. Mesmo com provas abundantes à sua disposição, eles podem errar, porque as provas também enganam. Há vários filmes em que a pessoa é presa porque se encontraram suas impressões digitais na arma do crime, só que ela não era culpada. Ela apenas tinha pego na arma, depois do criminoso, ou, em alguns casos, foi vítima de uma armação.

Quando se condena uma pessoa com base em provas, contudo, reduz-se em muito a probabilidade de erro. E se há erro, não se pode culpar tanto assim o juiz ou o júri.

Hoje em dia, após a experiência traumática do julgamento do mensalão, onde assistimos, estarrecidos, as mais altas autoridades do judiciário pronunciarem barbaridades medievais como: “não tenho provas para condenar Dirceu, mas a literatura me permite fazê-lo”, hoje em dia eu sinto uma alegria maligna ao assistir um filme em que um assassino é solto por “falta de provas”.

Por que alegria maligna? Maligna porque sabemos que o sujeito é um assassino, então é um sentimento ambíguo, quase doentio. Alegria porque é um testemunho de rigor democrático no cumprimento da lei. Não importa se o sujeito tem nariz de assassino, orelha de assassino, mãos de assassino, voz de assassino. Não importa se ele tem um histórico lamentável de roubos, tráfico, estelionato, etc. Se não houve provas do homicídio, ele é absolvido. Ponto final. Não se pode condenar ninguém porque isso seria “melhor para a sociedade”, o que é uma fórmula fascista.

Entretanto, o que fazer quando um juiz, ou um colegiado de juízes, condena uma pessoa sem base em provas, ou que é pior, contra as provas?

O que fazer quando nos deparamos com um monstro de três cabeças, qual o Cérbero pintado por Blake, representando STF, Procuradoria e Mídia, trabalhando juntos para aplicar um golpe político?

Este é o caso dos réus do mensalão. E volto a mencionar de uma das figuras mais controvertidas desse escândalo: Henrique Pizzolato. Digo controvertida porque Pizzolato foi o cordeiro perfeito a ser imolado: era petista, mas sem ligação com nenhuma corrente, portanto desde sempre isolado dentro do partido; colecionava adversários dentro do BB, porque sempre fora o “petista” dentro de uma instituição dominada por tucanos e/ou servidores que acreditam no Globo (o que para mim é a mesma coisa). A vitória de Lula, que alçou Pizzolato ao cargo de diretor de marketing, certamente não contribuiu para aplacar a inveja de seus colegas tucanos. Um deles era Roberto Messias, hoje secretário-executivo da Secom, à frente da qual ajudaria, com verbas e “mídia técnica”, a fazer o cerco midiático contra os “mensaleiros”.

Alguns membros da cúpula do PT, que passou anos lavando as mãos para todos os réus do mensalão, certamente com medo de uma contaminação que prejudicasse eleitoralmente o partido, hoje começam a se movimentar, embora timidamente, quase à susto, em defesa de Pizzolato.

Há pouco tempo, por exemplo, jamais imaginaríamos ler uma declaração tão enfática de um quadro tão graduado do PT, como esta que Ricardo Berzoini, deputado federal por São Paulo, deu em favor de Henrique Pizzolato, alguns dias atrás. Berzoini se manifestou em favor de uma petição online para que a Itália não extradite Pizzolato sem antes ler com muita atenção os autos do processo do qual ele é vítima.

Berzoini não é apenas um deputado federal pelo PT. É um prestigiado quadro político, ex-ministro no governo Lula, e um ex-funcionário de carreira do Banco do Brasil, que conhece profundamente a burocracia da instituição.

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Confrontada pelos questionamentos contra a Ação Penal 470, a nossa grande imprensa esquece todo o seu discurso sobre isenção e imparcialidade, e tenta tratar a questão como fait accompli. Arrumaram até uma pesquisa com esse objetivo. Fernando Rodrigues, colunista da Folha, diz que se trata de um “caso perdido”, porque mais de 80% dos brasileiros, segundo o Datafolha, acham que os condenados tinham mesmo que ir para a cadeia. O percentual é o mesmo entre simpatizantes do PT. Chegou-se ao mundo perfeito da mídia: ela julga e condena seus desafetos, fazendo uma campanha violentíssima para criminalizá-los, pressiona os juízes, depois faz pesquisa para perguntar à população se aprova que os réus – que ela passou oito anos satanizando – sejam presos. Como se a manipulação da opinião pública não fosse aqui o cerne do problema. Como se a lógica da turba fosse mais importante que uma análise equilibrada e sem paixão do processo penal.

Todo o processo do mensalão foi costurado apenas com sensacionalismo. A opinião pública jamais teve a oportunidade de ver e discutir os autos do processo. Alguém aí ficou sabendo, por exemplo, que um graduado diretor das Organizações Globo, um dos grandes especialistas em Bônus de Volume no mercado publicitário, foi testemunha de defesa de Henrique Pizzolato? Eu mesmo, que estudo o caso Pizzolato há meses, só fiquei sabendo disso dias atrás. Otavio Florisbal declarou, em juízo, que o bônus de volume dado pelos veículos de comunicação à DNA, no caso Visanet, durante o período no qual Pizzolato era diretor de marketing do BB, era regular. A procuradoria menciona uma cláusula do contrato segundo a qual o bônus deveria voltar ao BB, e Pizzolato foi condenado por isso. Florisbal explica, contudo, que essa cláusula aparece em vários contratos com empresas públicas, é sempre contestada junto às autoridades competentes, e a mídia invariavelmente consegue derrubá-la. E afirma, categoricamente, que este foi o caso do contrato entre Visanet/BB e DNA. Entretanto, esse depoimento jamais veio à luz. Assim como fez

Barbosa com vários documentos, a mídia também selecionava apenas aqueles que interessavam à acusação.

A imprensa agora quer fechar o caixão e esquecer o assunto. Só que ela esquece que, dentro desse caixão, ainda há pessoas vivas. Aliás, esse é o maior incômodo para aqueles que lideraram a farsa. Não é por outra razão que Joaquim Barbosa parece tão desesperado para manter Dirceu preso em regime fechado, e obrigou Genoíno a assinar um documento em que ele se compromete a não dar entrevistas. Não é por outra razão que Barbosa, em mais um de seus surtos de medievalismo, disse que à pena prevista se devia acrescentar o “ostracismo”. O que é uma aberração incrível. Há casos inúmeros de presos que publicam livros. Jean Genet, um grande escritor francês, ficou famoso ainda dentro da cadeia. Jornalistas conseguem fazer entrevistas até com presos em Guantanamo. E Barbosa vem falar que a imprensa brasileira não pode publicar entrevistas com os condenados da Ação Penal 470? Por que tanto medo?

Bem, eu sei porque tanto medo. Porque Barbosa, como juiz responsável na fase de investigação do Ministério Público, quando a Ação Penal ainda era o Inquérito 2245, agiu deliberadamente contra o direito de defesa dos réus. E aí está, aliás, a razão pela qual, segundo qualquer tratado internacional de direitos humanos, a mesma autoridade que trabalha na investigação contra um réu, jamais pode ser também o seu juiz. E Barbosa foi juiz investigador, juiz de instrução, juiz relator, juiz presidente e juiz de execução. Nunca se viu isso na história do judiciário brasileiro!

O procurador, em conluio com Joaquim Barbosa, ocultou, deliberadamente, provas que podiam ajudar os réus em suas defesas. A criação do Inquérito 2474 teve dois objetivos: livrar Daniel Dantas de qualquer envolvimento com o valerioduto, apesar do relatório da Polícia Federal mostrando que foram empresas controladas por ele as principais fontes de recurso de Marcos Valério, e esconder as provas que inocentavam Henrique Pizzolato e Gushiken, esvaziando a teoria de que o suposto desvio do Fundo de Incentivo Visanet foi feito por um petista, sob ordens secretas de Dirceu, para comprar deputados.

Observe o quadro abaixo. Ele mostra que a dupla Antonio Fernando e Barbosa escondeu o Laudo 2828, resultado de uma investigação da Polícia Federal feita a pedido deles mesmos. Escondeu-o dos próprios ministros do STF, pois o documento foi anexado à Ação Penal 470 após a aceitação da denúncia. O laudo foi mantido em segredo de Pizzolato e Gushiken por muito tempo, apesar de ser um documento essencial para a defesa de ambos.

O fato é que o procurador-geral da República tinha escrito uma denúncia apressada, sem esperar o resultado de algumas investigações fundamentais da Polícia Federal.

Ele apresenta a denúncia em março de 2006.

Quando essas investigações ficaram prontas, como o Laudo 2828, e uma série de investigações sobre as movimentações financeiras de Marcos Valério (que seriam resumidas depois no relatório-resumo do Inquérito 2474), ao final de 2006, o procurador, ao invés de anexá-las à denúncia, eventualmente corrigindo-a, resolve pô-las dentro de uma gaveta secreta, onde ninguém mais poderia vê-las a não ser ele mesmo e Joaquim Barbosa.

E trechos selecionados seriam vazados à imprensa, como veríamos com a matéria tendenciosa da Época tratada em post anterior.

O Laudo 2828 seria anexado à Ação Penal 470 dois dias depois da publicação do Acordão que aceitava a denúncia da procuradoria e criava a AP 470. Ou seja, um documento fundamental para se entender o processo foi escondido dos ministros e da opinião pública, para que as informações neles contidas não fossem objeto de debate nem no plenário nem na sociedade!

Os outros documentos contidos no Inquérito 2474 são mantidos em sigilo até hoje. Semanas atrás, Lewandowski liberou o 2474 para Henrique Pizzolato, mais uma prova de que a decisão anterior, de mantê-los em segredo, foi um arbítrio ilegal de Joaquim Barbosa.

Só que, ao aceitar essa manobra, Joaquim Barbosa pode ter cometido o mais grave crime cometido por um juiz: cerceou a defesa. Talvez seja essa manobra o que, efetivamente, venha a obrigar o STF, no futuro (distante?), a anular a Ação Penal 470.

O argumento de que os “réus tiveram todos os seus direitos de defesa respeitados” se tornou ridículo. Esses direitos foram vergonhosamente, sistematicamente, violados.

Talvez seja por entender que já descobrimos o que ele fez, que Barbosa esteja tão desequilibrado emocionalmente e falando em “alerta à nação”… Barbosa tenta se blindar invocando novamente todos os demônios do histerismo lacerdista e midiático, que tanto lhe ajudaram ao longo do julgamento.

Antes de encerrar, mais alguns comentários sobre a cobertura da nossa grande imprensa ao mensalão. Seus áulicos vivem tentando justificar sua postura de oposição ao governo federal com o argumento de que a imprensa deve ser crítica. Lembro-me que uma frase de Millor dita no contexto da ditadura começou a ser repetida pela mesma imprensa que foi, durante décadas, chapa-branquíssima: “imprensa é oposição, o resto é secos de molhados”.

Pois bem, se o STF é um poder, o jornalismo também não deveria ser crítico a ele? Aliás, diante da constatação, chancelada inclusive pelo constitucionalista português José Canotilho, de que o STF brasileiro “é o mais poderoso do mundo”, e sendo um

poder vitalício, isso não justificaria termos uma posição crítica às suas decisões?

Não seria democrático que nossa grande imprensa, que tanto dinheiro recebeu da ditadura, com um de seus membros inclusive alegando que “errou” ao apoiar o golpe de 64, desse mais voz aos que questionam as condenações da Ação Penal 470?

Barbosa, a marionete do golpe, morreu pela boca

O escritor argentino Ricardo Piglia, num de seus ensaios, propõe uma tese segundo a qual um conto oferece sempre duas histórias. Uma delas acontece num descampado aberto, à vista do leitor, e o talento do artista consiste em esconder a segunda história nos interstícios da primeira.

http://youtu.be/2u3rQfH33fo

Agora sabemos que não são apenas escritores que sabem ocultar uma história secreta nas entrelinhas de uma narrativa clássica. O ministro Luís Roberto Barroso nos mostrou que um jurista astuto (no bom sentido) também possui esse dom.

Esta é a razão do ridículo destempero de Joaquim Barbosa. Esta é a razão pela qual Barbosa interrompeu o voto do colega várias vezes e fez questão de, ao final deste, vociferar um discurso raivoso e mal educado.

Barbosa sentiu o golpe.

Houve um momento em que Barbosa praticamente se auto-acusou: “o que fizemos não é arbitrariedade”. Ora, o termo não fora usado por Barroso. Barbosa, portanto, não berrava apenas contra seu colega. Havia um oponente imaginário assombrando Barbosa, que não se encontrava em plenário, mas ele sentiu sua presença enquanto ouvia Barroso ler, tranquilamente, seu voto.

O oponente imaginário são os milhares de brasileiros que vem se aprofundando cada vez mais nos autos da Ação Penal 470, acompanhando os debates do Supremo Tribunal Federal, ajudando alguns réus a pagar suas multas, dando entrevistas bem duras em que denunciam os erros do julgamento, e constatando, perplexos, que houve, sim, uma série de erros processuais e arbitrariedades.

Barroso contou duas histórias. Uma delas, no primeiro plano, era seu voto. Um voto tranquilo e técnico. Só que nada na Ação Penal 470 foi tranquilo e técnico, e aí entra a história subterrânea, por trás do cavalheirismo modesto de Barroso.

E aí se explica a fúria de Barbosa.

A história secreta contada por Barroso, com uma sutileza digna de um escritor de suspense, de um Edgar Allan Poe, com uma ironia só encontrada nos romances de Faulkner ou Guimarães Rosa, é a denúncia da farsa.

Aos poucos, essa história subterrânea virá à tôna. Alguns observadores mais atentos já a pressentiram há tempos.

O novo ministro, antes mesmo de ingressar no STF, entendeu que há um muro de

ódio e violência à sua frente, construído ao longo de oito anos, cujos tijolos foram cimentados com preconceito político, chantagens, vaidade e uma truculência midiática que só encontra paralelo nas grandes crises dos anos 50 e 60, que culminaram com o golpe de Estado.

Sabe o ministro que não é ele, sozinho, que poderá desconstruir esse muro. Em entrevista a um jornal, o próprio admitiu que estava assustado com a violência da qual já estava sendo vítima: o médico de sua mulher, sem ser perguntado, disse a ela que não tinha gostado do voto de seu marido, e suas filhas vinham sendo questionadas na escola por colegas e professores.

O Brasil vive um tipo de fascismo midiático cuja maior vítima (e algoz) é a classe média e os estamentos profissionais que ela ocupa.

É a ditadura dos saguões dos aeroportos, das salas de espera em consultórios médicos, dos shows da Marisa Monte.

Nos últimos meses, eu tenho feito alguns novos amigos, que tem me dado um testemunho parecido. Todos reclamam da solidão. A mãe rodeada de filhos “coxinhas”. O pai que é assediado, às vezes quase agredido, pelas filhas reacionárias. A executiva na empresa pública isolada entre tucanos raivosos. Alguns, mais velhos, encaram a situação com bom humor. Outros, mais jovens, vivem atordoados com as pancadas diárias que levam de seus próximos.

No entanto, o PT é o partido preferido dos brasileiros, ganha eleições presidenciais, aumenta presença no congresso e pode ganhar novamente a presidência este ano, até mesmo no primeiro turno.

Por que esta solidão se tanta gente vota no partido?

Claro que voltamos à questão da mídia, que influencia particularmente as camadas médias da sociedade, à esquerda e à direita. A maioria da classe média tradicional, hoje, independente da ideologia que professa, odeia o PT, idolatra Joaquim Barbosa, e lê os livros sugeridos nos cadernos de cultura tradicionais.

Eu conheço um bocado de artistas. Hoje são quase todos de direita, embora a maior parte se considere de esquerda. Todos odeiam Dirceu, sem nem saber porque. E me olham com profunda perplexidade quando eu tento argumentar. Como assim, parecem me perguntar, com olhos onde vemos rapidamente nascer um ódio atávico, irracional, como assim você não odeia Dirceu?

Eu tento conversar, com a mesma calma de Barroso, mas não adianta muito. Eles reagem com agressividade e intolerância.

Pessoas em geral pacatas se transformam em figuras raivosas e vingativas. O

humanismo, que tanto fingem apreciar nos europeus, mandam às favas ao desejar que os réus petistas apodreçam no pior presídio do Brasil.

Eu mesmo costumo usar os mesmos termos de Barroso. “Respeito sua opinião”, eu digo. Às vezes até procuro elogiar o interlocutor, numa tentativa ingênua e canhestra de quebrar a casca de ódio que impede qualquer diálogo. Não adianta. Qual um bando de Barbosas, eles respondem, quase sempre, com grosserias e sarcasmos.

Quantas vezes não vivi a mesma situação de Barroso? Às vezes, inclusive, aceitei teses que não acreditava, violentei-me, num esforço desesperado para transmitir uma pequena divergência, uma singela ideia que foge ao script da mentalidade de um interlocutor cheio de certezas.

Entretanto, a serenidade estóica e elegante de Barroso significou uma grande vitória para nós, os solitários, os que arrostamos as truculências diárias da mídia e de seu imenso, quase infinito, exército de zumbis.

Porque encontramos um igual.

Encontramos alguém que sofre, que tenta expor uma ideia diferente, e recebe de volta uma saraivada de golpes de quem não aceita ser contestado.

Não confundamos, contudo, elegância com covardia. Não se pode exigir a um homem que derrube sozinho uma muralha desse calibre. Esse trabalho não é de Barroso. Será um esforço coletivo, que já estamos empreendendo. Barroso encontrará forças em nossas ideias.

Mesmo que ele tenha de fazer algum recuo estratégico, como aliás já fez, ao condenar Genoíno, será para avançar em seguida.

Mas a função de um juiz do STF não é defender uma classe. Não é defender a rapaziada que frequenta o show da Marisa Monte e lê os editoriais de Merval Pereira. Não é se tornar celebridade ou “justiceiro”. A função de um juiz é ser justo e defender tanto as razões do Estado acusador quanto os direitos dos réus.

Quando Getúlio deu um tiro em si mesmo, ele deixou um recado, no qual há referências algo misteriosas a “forças” que se desencadearam sobre ele.

Como que antevendo o que continuaríamos a enfrentar, durante muito tempo, o velhinho ainda tentou, em sua dolorosa despedida, nos consolar:

“Quando vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado.”

E cá estamos, Getúlio, diante das mesmas forças obscuras. Diante da mesma truculência, das mesmas arbitrariedades, que dessa vez encontraram voz na figura,

trágica ironia, de um negro. Do primeiro negro que nós, o povo, nomeamos para o STF, mas que preferiu se unir aos poderosos de sempre, aos donos do dinheiro, aos barões da mídia, à turma do saguão do aeroporto…

É positivamente curioso como os ministros da mídia demonstram auto-confiança, arrogância, desenvoltura. Gilmar Mendes, Barbosa, Marco Aurélio Mello, dão entrevistas como se fizessem parte de uma raça superior. São campeões de um STF triunfante, que prendeu os “mensaleiros”.

Enquanto isso, os outros ministros agem com humildade, discrição, prudência. Barroso lê seu voto com voz quase trêmula, e pede reiteradas desculpas por cada mínima divergência. Nunca se ouviu um ministro pedir tantas vênias como Barroso. Nunca se viu um juiz fazer tantos elogios àquele mesmo que o destrata sem nenhuma preocupação quanto à etiqueta de um tribunal.

Mas o que Barroso pode fazer? Não faríamos o mesmo? A situação de Barroso é quase a de um sertanejo humilde, argumentando em voz baixa diante de seu patrão.

Sintomático que Luiz Fux, que aderiu também à Casa Grande, tenha citado Lampião para designar a “quadrilha dos mensaleiros”. O mundo dá tantas voltas, e retorna ao mesmo lugar. Virgulino Ferreira da Silva, o terror do Nordeste, o maior dos facínoras, quem diria, seria comparado a José Dirceu! É o tipo de comparação que não dá para ouvir sem darmos um sorriso triste e malicioso.

Não foi Virgulino igualmente o maior herói do sertão? Não foi ele o maior símbolo das injustiças e arbitrariedades que se abatiam, dia e noite, sobre um povo sofrido e miserável?

Evidentemente, não existe comparação mais idiota. Dirceu é um homem de paz, que acreditou na democracia e na política. Lampião foi um bandido que desistiu de qualquer solução política ou pacífica para seus problemas.

Mas também Fux, sem disso ter consciência, trouxe à baila uma história subterrânea, soterrada sob sua postura covarde de um juiz submetido aos barões de sempre: Lampião provou ao Brasil que não existe opressão sem resistência, mesmo que na forma de banditismo. Esta é a lei mais antiga da humanidade. A resistência e o heroísmo nascem da opressão e da arbitrariedade, como um filho nasce da mãe e do pai.

A campanha de solidariedade aos réus petistas foi a prova disso. Mas não vai parar aí. Ao chancelar uma farsa odiosa, arbitrária, truculenta e, sobretudo, mentirosa, o STF produziu milhares de Virgulinos. Só que não são Virgulinos por serem bandidos ou violentos. São Virgulinos exatamente pela razão oposta: a coragem de lutar de maneira pacífica e democrática.

É a coragem, sempre, a grande lição que o mais humilde dos cidadãos dá aos poderosos. É a coragem que faz alguém se insurgir contra a opinião do ambiente de trabalho, da família, do condomínio, dos saguões dos aeroportos, e assumir uma posição política independente, inspirada unicamente em sua consciência.

É a coragem, enfim, que faz os olhos de Barroso irradiarem um brilho de confiante serenidade. Sua voz pode tremer, mas não por medo. Treme antes pelo receio de escorregar um milímetro no fio da navalha por onde caminha, entre o desejo de falar duras verdades a um tratante e a determinação de manter uma elegância absoluta.

Barroso sequer consegue usar o pronome “seu” ao se referir a Barbosa, com medo de cometer um deslize verbal. Se Barbosa fosse uma figura serena, amiga, Barroso não teria esse escrúpulo. Tratando-se de um oponente sem caráter, sem moderação, e ao mesmo tempo tão incensado e blindado pela mídia, Barroso tem de tomar um cuidado máximo. Tem de tratá-lo com respeito até mesmo exagerado. Barroso sabe que Barbosa é vítima de megalomania e arrogância messiânica, que sofre de uma espécie de loucura, uma loucura perigosíssima, porque protegida pelos canhões da imprensa corporativa.

Ao contestar tão ofensivamente o teor do voto de Barroso, ao acusá-lo, de maneira tão vil, Barbosa disparou um tiro no próprio pé. Ganhará um bocado de palmas dos saguões aeroportuários, mas haverá mais gente erguendo a sombrancelha, desconfiada de tanta fanfarronice e falta de modos.

Barroso deixou que Barbosa morresse como um peixe, pela boca.

Foi a vitória da serenidade sobre o destempero, da delicadeza sobre o chauvinismo, do respeito à divergência sobre a intolerância.

Perdeu, Barbosa! Presidente do BB reitera que Visanet não é público

Insisto: o problema maior da Ação Penal 470 é o mérito. A quantidade de provas, presentes na própria ação penal, que contradizem as acusações e condenações, é estarrecedora.

Com ajuda da mídia, alguns ministros do STF conseguiram uma proeza incrível: ir na contramão dos autos e das provas e condenar com base apenas em argumentos de colunistas de jornal.

O PT, enquanto principal prejudicado político, deveria contratar os melhores juristas do país para escrever um parecer definitivo sobre os erros da AP 470. No entanto, não é preciso ser jurista para observar as chocantes arbitrariedades cometidas não apenas contra o direito de defesa dos réus, mas contra a própria verdade.

O Brasil foi vítima de uma mentira imposta à opinião pública de maneira estarrecedoramente articulada.

A Procuradoria Geral da República e alguns ministros, em especial Joaquim Barbosa, esconderam provas descaradamente.

A imprensa foi cúmplice.

Todos os documentos, integrantes da própria AP 470, afirmam que os recursos do Fundo Visanet eram privados. Não houve desvio de recursos públicos.

Esse é o pilar da AP 470, porque sem a presença de dinheiro público, a acusação perde densidade política.

Já caiu o crime de quadrilha, agora vai cair o dinheiro público. Logo, a AP 470 irá se desmilinguir inteiramente.

Essa é a causa da histeria carcereira de Joaquim Barbosa. Ele sabe que perdeu. É só uma questão de tempo.

Barbosa sabe que seu nome será ridicularizado pela história e merecerá ser ridicularizado, por ter sido aquele que cumpriu o papel mesquinho de marionete de uma conspiração articulada entre oposição, PGR e mídia, com objetivos notoriamente políticos.

Apresentamos abaixo um documento, assinado pelo atual presidente do Banco do Brasil, Aldemir Bendine, onde ele afirma, com toas as letras, e de maneira redundante, que o dinheiro da Visanet é exclusivamente privado. Bendine não é nenhum petista. Ao contrário, é um sujeito que ascendeu no Banco durante a era FHC, e que sempre foi mais ligado ao PSDB do que ao PT e, portanto, não teria

nenhum interesse em ajudar, tanto na época das investigações quanto hoje, os réus da AP 470.

Destaco um trecho do documento:

“Esse fundo de incentivo, reitere-se, é constituído com recursos da própria sociedade e não com recursos próprios de seus acionistas. Particularmente no caso deste Banco [do Brasil], dada a sua condição de ser sociedade de economia mista, impõe-se destacar o fato de não estar em causa a utilização direta ou indiretamente de recursos públicos de qualquer origem ou natureza“.

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DOCUMENTO INÉDITO, BB DESMENTE JB

Por Alexandre Teixeira, no Megacidadania

Mais uma vez o blog Megacidadania disponibiliza documento inédito demonstrando que Joaquim Barbosa errou na condução da AP 470.

Aldemir Bendine é o atual presidente do Banco do Brasil e o currículo dele não deixa qualquer dúvida: Presidente do Banco do Brasil e Vice-presidente do Conselho de Administração. Bacharel em Administração de Empresas, cursou MBA em Finanças e em Formação Geral para Altos Executivos. Atuou como Vice-presidente de Varejo e Distribuição, Secretário Executivo do Conselho Diretor e Gerente Executivo da Diretoria de Varejo da área de Cartões, entre outros.

No ano de 2005 ele era o secretário executivo da Diretoria de Varejo da Área de Cartões do Banco do Brasil, exatamente a diretoria que tinha estreita relação funcional com a Visanet. Aldemir Bendine também integrava o Conselho da Visanet. E foi nesta condição que ele enviou importante documento ao Tribunal de Contas da União-TCU cuja íntegra você lê a seguir.

Observem que tanto é afirmado que o dinheiro era da Visanet, bem como que não poderia o BB disponibilizar antecipadamente os planos estratégicos, citados resumidamente, pois caso contrário poderia incorrer em quebra de sigilo comercial permitindo nítida vantagem aos concorrentes. Bendine também destaca que não havia necessidade alguma, conforme garante a legislação vigente nos artigos 436 e 438 do Código Civil, de existir contrato específico entre a DNA e a Visanet. Exatamente por este motivo as contas do Fundo de Incentivo Visanet não eram auditadas pelo TCU, pois não se tratava de dinheiro público.

Este documento integra a AP 470.

https://www.slideshare.net/alexandrecesarcostateixeira/4-oficio-915-ap-420-bb-

tcu-dinheiro-do-fundo-no-pertencia-ao-bb-1

Abaixo, a prova de que Bendine integrou o Conselho da Visanet e, portanto, sabia muito bem do que estava falando (documento inédito na internet!):

http://www.slideshare.net/slideshow/embed_code/34675415#

Bomba! O vídeo que pode derrubar Joaquim Barbosa!

Prestem atenção nesse vídeo. Nele, Joaquim Barbosa fala inúmeras inverdades, além de seus ataques de praxe aos direitos dos réus.

É uma votação de 12 de maio de 2011. Julga-se exatamente se o STF deve liberar ou não os autos do Inquérito 2474 a alguns réus da Ação Penal 470. Barbosa vinha mantendo o Inquérito 2474 em sigilo desde que o recebeu, em março de 2007. No início de 2011, vazou uma pequena parte à imprensa, e vários réus da Ação Penal 470 solicitam ao STF para terem acesso à íntegra do inquérito, que tem 78 volumes. Barbosa, então relator da Ação Penal 470, recusa, e o caso vai a votação. Ao final, Barbosa vence, com ajuda de Ayres Brito, que desempata a votação.

Barbosa afirma que inquérito 2474 trata de outros réus e assuntos não relacionados ao mensalão petista.

Mentira.

O relatório do Inquérito 2474 trata dos réus que também estão na Ação Penal 470, como Marcos Valério e seus sócios, e Henrique Pizzolato e Gushiken. E traz documentos, logo em suas primeiras páginas, dos pagamentos do Banco do Brasil à DNA, referentes às campanhas da Visanet. Ora, o pilar do mensalão foi o suposto desvio de recursos da Visanet, no total de R$ 74 milhões, para a DNA, sem a correspondente prestação de serviços. Como assim o Inquérito 2474 trata de assuntos diferentes?

Barbosa diz que a Polícia Federal tomou cuidado para “não apurar, no Inquérito 2474, nada que já esteja sendo apurado na Ação Penal 470″.

Mentira.

No inquérito 2474, um dos documentos mais analisados é o Laudo 2828, que investiga o uso dos recursos Visanet, que é o tema principal da Ação Penal 470.

Celso de Mello dá uma belíssima aula sobre a importância, para a defesa, de conhecer todos os autos que possam lhe ajudar. E vota contra o relator, em favor do pedido dos réus.

Barbosa se posiciona, como sempre, como um acusador impiedoso e irritado, sem interesse nenhum em dar mais espaço à defesa.

Observe ainda que Celso de Mello dá sutis estocadas irônicas na maneira “célere” com que Barbosa toca esse processo (a Ação Penal 470), “em particular”. Ou seja, Mello praticamente acusa Barbosa de patrocinar um julgamento de exceção.

Celso de Mello alerta que a manutenção de sigilo para documentos que poderiam ajudar os réus constitui um “cerceamento de defesa”.

Barbosa agiu, como sempre, como um inquisidor implacável e medieval. Ayres Brito e Luis Fux, para variar, votam alinhados à Barbosa.

É inacreditável que o Supremo Tribunal Federal (STF), um lugar onde supostamente todas as garantias individuais deveriam ser asseguradas aos cidadãos perseguidos pelo Estado, de repente se transfigurou num tribunal de exceção, de perfil inquisitorial, no qual os direitos da defesa foram tratados, sistematicamente, como meras “chicanas”, “postergações inúteis”.

Todas as regras foram quebradas, mil exceções foram criadas, para se condenar sumariamente.

Nesse vídeo, temos a prova de que Barbosa agiu deliberadamente para cercear direitos à defesa. Isso é o pior crime que um juiz da suprema corte pode cometer, e que justifica um pedido de impeachment.

Entretanto, se pode verificar no vídeo o nervosismo de Barbosa para afastar qualquer possibilidade de trazer as informações do inquérito 2474 para dentro dos debates.

Celso de Mello lembra, então, que o plenário ainda estava na fase de apurações, e que portanto era o momento adequado para enriquecer o debate com mais informações, ao que Barbosa responde, com sua prepotência de praxe, que a fase de investigação estava “quase no final”. Como quem diz: “não me atrapalhe, quero terminar logo esse circo; vamos condenar logo esses caras os mais rápido possível; temos que dar satisfação à Rede Globo.”

http://youtu.be/B1olh0VKbSw

Como alguns estão reclamando que o som do vídeo não está muito bom, disponibilizo abaixo a íntegra das falas dos ministros, num Slide Share.

https://pt.slideshare.net/MiguelRosario/fala-dos-ministros-em-votao-sobre-sigilo-do-inqurito-2474

Obs: o vídeo foi garimpado originalmente pela competente Conceição Lemes, editora do blog Viomundo. Eu resumi os debates para um tamanho mais amigável (o vídeo original tinha quase 50 minutos).