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A Matemática Moderna no Ensino Primário: um olhar nos livros didáticos de 1967 JULIANA CHIARINI BALBINO FERNANDES 1 ANA PAULA PEREIRA 2 Introdução Em meados dos anos 1950, o crescimento industrial, a inovação tecnológica e o processo de urbanização em vários países, impulsionaram a necessidade de mão de obra qualificada e especializada. Esses fatores desencadearam um movimento de reforma do ensino de Matemática, em âmbito internacional, para adaptar o ensino dessa disciplina à nova realidade que se colocava, o qual se denominou por Movimento da Matemática Moderna (MMM). Esse Movimento teve como objetivo a reorganização dos currículos da Matemática, bem como inovar os métodos de ensino então praticados e, ainda, estreitar a distância entre a matemática ensinada na escola básica e a matemática da Universidade. Deu-se ênfase nas estruturas matemáticas, houve valorização das ideias do desenvolvimento lógico como caminho para a compreensão, da linguagem e do rigor matemático, bem como da precisão no que diz respeito à terminologia e ao simbolismo, na questão da representação na Matemática (BORGES, 2011). O presente estudo buscou investigações já consolidadas em dissertações, artigos e teses, como de Burigo (1989), Borges (2011), Frago (2000) e Medina (2007), que permitiram a constatação da existência de poucos trabalhos de autores brasileiros sobre o MMM, que fazem referência ao ensino de Matemática das séries iniciais. Escrever a história da Educação, nestes últimos anos, tem implicado recorrer a uma maior quantidade possível de fontes que possam dar uma leitura do que aconteceu em determinado período histórico. Nessa direção, este estudo histórico buscou conhecer sobre o MMM, na Região de Pouso Alegre, e tomou como fontes essenciais manuais escolares encontrados em bibliotecas de escolas da região e em artigos de depoimentos da professora Manhucia Liberman, uma das protagonistas do MMM no Brasil, no âmbito do ensino 1 Licenciada em Matemática (UNIVÁS), Licenciada em Física (UNIS/MG), Especialista em Metodologia de Ensino de Matemática (UGF), Especialista em Planejamento, Implementação e Gestão de EaD (UFF) e Mestranda em Educação (UNIVÁS). 2 Licenciada em Matemática (UNIVÁS) e Especialista em Educação Matemática (UNIVÁS).

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A Matemática Moderna no Ensino Primário:

um olhar nos livros didáticos de 1967

JULIANA CHIARINI BALBINO FERNANDES1

ANA PAULA PEREIRA2

Introdução

Em meados dos anos 1950, o crescimento industrial, a inovação tecnológica e o

processo de urbanização em vários países, impulsionaram a necessidade de mão de obra

qualificada e especializada. Esses fatores desencadearam um movimento de reforma do

ensino de Matemática, em âmbito internacional, para adaptar o ensino dessa disciplina à nova

realidade que se colocava, o qual se denominou por Movimento da Matemática Moderna

(MMM).

Esse Movimento teve como objetivo a reorganização dos currículos da Matemática,

bem como inovar os métodos de ensino então praticados e, ainda, estreitar a distância entre a

matemática ensinada na escola básica e a matemática da Universidade. Deu-se ênfase nas

estruturas matemáticas, houve valorização das ideias do desenvolvimento lógico como

caminho para a compreensão, da linguagem e do rigor matemático, bem como da precisão no

que diz respeito à terminologia e ao simbolismo, na questão da representação na Matemática

(BORGES, 2011).

O presente estudo buscou investigações já consolidadas em dissertações, artigos e

teses, como de Burigo (1989), Borges (2011), Frago (2000) e Medina (2007), que permitiram

a constatação da existência de poucos trabalhos de autores brasileiros sobre o MMM, que

fazem referência ao ensino de Matemática das séries iniciais.

Escrever a história da Educação, nestes últimos anos, tem implicado recorrer a uma

maior quantidade possível de fontes que possam dar uma leitura do que aconteceu em

determinado período histórico. Nessa direção, este estudo histórico buscou conhecer sobre o

MMM, na Região de Pouso Alegre, e tomou como fontes essenciais manuais escolares

encontrados em bibliotecas de escolas da região e em artigos de depoimentos da professora

Manhucia Liberman, uma das protagonistas do MMM no Brasil, no âmbito do ensino

1 Licenciada em Matemática (UNIVÁS), Licenciada em Física (UNIS/MG), Especialista em Metodologia de

Ensino de Matemática (UGF), Especialista em Planejamento, Implementação e Gestão de EaD (UFF) e

Mestranda em Educação (UNIVÁS). 2 Licenciada em Matemática (UNIVÁS) e Especialista em Educação Matemática (UNIVÁS).

2

primário. Isso se justifica pelo fato das fontes orais também serem documentos de grande

importância para a história da educação (FREITAS, 2002).

Essas fontes documentais foram encontradas em acervos escolares mineiros visitados,

quais sejam: Biblioteca Municipal de Pouso Alegre, Bibliotecas de Escolas Estaduais e

Municipais de Pouso Alegre e na Biblioteca da Universidade do Vale do Sapucaí de Pouso

Alegre e em arquivos disponibilizados via internet.

A importância deste trabalho reside no fato de que um estudo de reformas

educacionais pode mostrar aspectos que auxiliem na compreensão de como se deram as

modificações no ensino de Matemática nesse período. Um dos subsídios teóricos desta

investigação foi o texto “Culturas Escolares Y Reformas” de autoria de Antonio Viñao Frago.

Esse autor, no ano 2000, disse que as recentes pesquisas desenvolvidas por historiadores

sobre as reformas educativas denunciam o divórcio “existente entre seus promotores, os

reformadores da Educação e a História” (2000: p.1).

Os reformadores, em geral, acreditam na possibilidade de acontecer uma “ruptura”

com “a tradição do passado” (FRAGO, 2000: p.1). Nesse sentido, atuam ignorando-as como:

[...] se ditas práticas e tradição não existissem, como se nada tivesse sucedido antes

delas, e estivessem, portanto, em condições de construir, um novo edifício a partir

do zero. É justamente a construção e este acontecimento que levam a plantar a

necessidade de romper essa „antipatia existente entre as estratégias de reforma de

currículo os estudos e a história dos mesmos‟ [tradução nossa] (FRAGO, 2000: p.1).

Estudar as reformas educativas implica considerar o contexto em que elas ocorreram,

visto que se definem como “os esforços planejados para mudar as escolas a fim de resolver,

fazer frente ou corrigir os problemas sociais ou educativos percebidos” (FRAGO, 2000: p.1).

Assim sendo, para que aconteçam as modificações necessárias, várias características intervem

nesse processo de mudanças, como “a vida dos centros educacionais e a realidade cotidiana da

atividade educativa”, o que produz dois efeitos, a constatação da existência da denominada

“gramática da escola” e o fracasso relativo dessas reformas educativas. Segundo Frago

(2000):

As reformas fracassam não porque, como é sabido, todas elas produzem efeitos não

previstos, não queridos e opostos aos buscados, não porque originam movimentos de

resistência, não encontram os apoios necessários ou não aceitam a implicar ao

professorado em sua realização, não porque, ao aplicar-se, se convertem em um

ritual formal o burocrático, sim porque, por sua mesma natureza a - histórica,

ignoram a existência da “gramática da escola”. Ignoram a existência e peso desse

conjunto de tradições e “regularidades institucionais”, sedimentadas ao longo do

tempo, “que governam a prática de ensino-aprendizagem” [tradução nossa] (p.2).

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Nessa direção, o que se nota no discurso de Frago (2000), é que reformas atingem as

culturas escolares e nem sempre causam os resultados almejados. Por não se levar em conta

essas diferentes culturas escolares, essas reformas muitas vezes fracassam. De um modo geral,

os professores frequentemente declaram faltar-lhes tempo para as mudanças e, além disso, há

certa resistência às modificações solicitadas pelo legislativo e/ou pelos reformadores, por serem

levados interiormente pela continuidade das práticas docentes já existentes.

Nos últimos anos, estudar a história das disciplinas escolares tem se mostrado

importante para os historiadores, já que os conteúdos escolares estão associados à realidade

concreta do ensino nos estabelecimentos e às ordens vindas do legislador ou das autoridades

ministeriais. Para esse autor, as disciplinas escolares constituem-se em criações espontâneas e

originais do sistema escolar e, assim, merecem um interesse especial do historiador

(CHERVEL, 1990).

Nos periodos de reformas educacionais se dá a revolução no interior das disciplinas

escolares. O objetivo da história das disciplinas escolares limita-se à pesquisa ou à

determinação das finalidades que lhe correspondem. O historiador, dessa forma, se vê diante

de uma documentação que poderá lhe responder a finalidade da disciplina numa determinada

época podendo, então, estabelecer a diferença de uma época para outra. Assim, estudar essas

reformas pode auxiliar na construção da história das disciplinas escolares. Nesses periodos,

uma ampla documentação é produzida e pode abrigar “os vestígios deixados por cotidianos

escolares passados”, como afirma Otone (2011: p.37):

Esses vestígios, por circunstâncias as mais variadas, podem ser encontrados,

compondo um conjunto de produtos da cultura escolar. Ao lado de toda

normalização oficial que regula o funcionamento das escolas, como leis, decretos,

portarias etc., há toda uma série de produções dessa cultura: livros didáticos,

cadernos de alunos, de professores, diários de classe, provas entre outros.

Os livros didáticos não são apenas instrumentos pedagógicos, mas refletem um

determinado momento na sociedade em que determinados conteúdos foram considerados

relevantes. Assim, o livro didático é um importante objeto de análise. Trata-se de “um

conjunto de folhas impressas que formam um volume, ou seja, em definitivo, um produto

fabricado, difundido e consumido”, em constante dependência do contexto econômico,

político e regulamentário (CHOPPIN, 2000: p.110). Desse modo, reconhece-se a influência

desses manuais no ensino, já que, no momento em que o docente prepara os conteúdos

programáticos, um dos recursos utilizados é o livro didático, visto que, concretiza a proposta

teórico-metodológica a ser implementada pelo professor em interação com seus alunos.

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Por meio da utilização dos manuais no cotidiano escolar é que se procede “a

apropriação por alunos e professores de uma nova matemática escolar”. (VALENTE, 2008:

p.15). Conhecer como se deu a apropriação do ideário do MMM pelos autores dos manuais

escolares pode levar o historiador ao entendimento de como os textos apresentados, em

diferentes formas impressas, podem ser diversamente apreendidos, manipulados e

compreendidos (CHERVEL, 1990).

Nesse sentido, um estudo de como se deu a apropriação das propostas reformistas do

MMM pelos livros didáticos do primário publicados no período do MMM pode contribuir

para a escrita da História da Educação.

O Movimento da Matemática Moderna

Nos anos 1950, o cenário mundial era de um grande crescimento na área científica e

tecnológica. Tentativas de adaptação do ensino de Matemática às necessidades que se

colocavam foram efetuadas em vários países, o que se chamou por Movimento da Matemática

Moderna, como já referido.

Não se pode dizer ao certo quando a Matemática Moderna teve início, porém em

trabalhos do século XVII e XVIII já foram identificados métodos denominados modernos. A

partir da década de 1930, trabalhos de um grupo de pesquisadores matemáticos franceses,

com pseudônimo de Nicolas Bourbaki apresentaram a Matemática Moderna, que parecem ter

influenciado os primeiros anos desse Movimento em países como a França, Alemanha,

Holanda, Dinamarca e Inglaterra, priorizando uma matemática unificada, estruturada e

fundamentada na Teoria dos Conjuntos (DUARTE, 2007).

Em 1950, por iniciativa da comunidade matemática, foi criada a Commission

Internationale pour L’Etude et L’Amelioration de L’Enseignement dês Mathematiques

(CIEAEM). Essa comissão coordenou um trabalho de cunho metodológico, psicológico e

prático, visando contribuir para a melhoria do ensino da Matemática. Ainda nesse período,

inúmeras iniciativas de estudos e realizações de projetos na área de ensino de Matemática em

vários países, financiados por entidades internacionais, foram concretizados. Nos estados

Unidos da América destacaram-se os trabalhos do School Mathematics Study Group, que

incidiam na ideia dos conjuntos como um conceito unificador (BORGES, 2011).

No Brasil, o primeiro curso relacionado à Matemática Moderna foi criado em 1961,

sob a supervisão dos professores do Grupo de Estudos do Ensino da Matemática (GEEM)

recém-criado em São Paulo. As professoras Manhucia Libermanm, Anna Franchi, Renate

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Watanabe e Lucília Bechara; docentes do Ensino Primário participaram desse Grupo de

estudos (LIMA, 2006). Todos os cursos oferecidos pelo GEEM aos professores primários

contaram com o apoio do professor Osvaldo Sangiorgi, que defendia a relevância do caráter

estrutural da matemática moderna desde a escola primária (BURIGO, 1989).

No ano de 1963, o GEEM, em convênio com o Departamento de Educação do Estado

de São Paulo, ministrou um curso para 300 professores primários, sob a responsabilidade das

professoras Manhucia Libermanm e Anna Franchi. Esse curso teve como foco levar a

atualização e a introdução da Matemática Moderna aos participantes, com ênfase na relação

da psicologia com o processo ensino aprendizagem, priorizando os novos conteúdos,

propondo instrumentalizar os professores participantes para o ensino da matemática moderna.

(NAKASHIMA, 2007).

Nesse período do MMM, a teoria Piagetiana foi amplamente utilizada pelos

reformistas do Ensino de Matemática no primário, sendo considerada como um elemento de

convencimento para que as metodologias experimentais fossem empregadas no ensino da

matemática. Acreditava-se que a renovação do ensino da Matemática deveria ter início na

escola elementar, devido à formação e desenvolvimento dos aspectos cognitivos das crianças.

Nessa mesma época, os trabalhos de Piaget passaram a influenciar os planejamentos escolares

dos professores das escolas primárias, evidenciando as tendências estruturalistas deste

período. Nessa direção, segundo Medina (2007), os integrantes do GEEM acreditaram que

quando a Matemática Moderna fosse compreendida pelos alunos, as tecnologias seriam

adequadas e a demanda por profissionais com formação de qualidade seria atendida.

No ano de 1965, no Brasil, ocorreram diversas ações em relação à Matemática

Moderna. O GEEM continuou com os cursos para professores e publicou um livro de caráter

experimental e direcionado à capacitação de professores, intitulado Introdução da Matemática

Moderna na Escola Primária.

Em 1966, ocorreu o V Congresso Brasileiro de Ensino da Matemática, em São José

dos Campos/SP, com o tema: “Matemática Moderna na Escola Secundária: articulações com

o Ensino Primário e com o Secundário”. Esse congresso contou com a presença de 450

professores, dentre eles brasileiros e estrangeiros (BURIGO, 1989). Ainda nesse ano 1966,

com a criação do Instituto de Matemática do Rio Grande do Norte (IMURN), a Matemática

Moderna foi oficializada em Natal, Rio Grande do Norte. Esse Instituto firmou convênio entre

a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e a Superintendência de

Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), com a finalidade de realizar um curso de

aperfeiçoamento do pessoal docente dessa Universidade (BRITO; ROSAS, 1996).

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Nesse período, a inovação dos currículos do Ensino Primário se fundamentou nas

orientações dos acordos MEC-USAID, pautados na rentabilidade, na utilização de menos

recursos, na expansão e melhoria da qualidade do ensino. Nessa direção, foram tomadas três

grandes providências com relação ao Ensino Primário: a modificação da seriação do ensino,

não havendo mais reprovação dos alunos entre duas séries de um mesmo ciclo; a

reorganização do currículo e dos programas; e da orientação pedagógica (MEDINA, 2007).

No ano de 1967, o GEEM ofereceu cursos de férias para os professores. Nesses cursos

constaram diversas palestras, como: “Aplicações do Conceito de Espaço Vetorial”, com o

professor Roberto Barros Lima e “O novo Ensino Primário e sua articulação com o Ensino

Secundário” com a professora Manhucia Liberman (BORGES, 2011). Também em 1967,

como resultado das experiências efetuadas pelo GEEM, foi publicado, pela Companhia

Editora Nacional, de autoria das professoras Manhucia Perelberg Liberman, Anna Franchi e

Lucília Bechara, o livro “Curso Moderno de Matemática para a Escola Elementar”. Essa obra

foi resultante da união de educadores e matemáticos com intuito de renovação do ensino de

Matemática. De modo geral, esse primeiro volume era constituído de fatos matemáticos não

fazendo grandes referências ao uso de material concreto.

As autoras desse livro defenderam a necessidade de renovação dos métodos e

objetivos da educação, na direção de acompanhar o progresso nas áreas da técnica, da ciência

e do pensamento, o que vem de encontro com as justificativas apresentadas pelos reformistas

do MMM em todos os países. No prefácio deste livro, as autoras evidenciaram que essa

renovação deveria se dar na escola elementar, uma vez que consideraram a Matemática como

responsável direta pela formação e desenvolvimento dos aspectos cognitivos da criança, que

reflete as tendências estruturalistas dessa época, em que os trabalhos realizados por Piaget

passaram a influenciar os professores, especificamente os da escola primária (LIBERMAN,

FRANCHI, BECHARA, 1967).

No segundo volume da coleção “Curso Moderno de Matemática para a Escola

Elementar”, as autoras defenderam que a obra abrangia o ensino de Matemática como um

todo no curso elementar e se configurava como resultado do trabalho em escolas de São

Paulo, coordenados pelo GEEM (LIBERMAN, FRANCHI, BECHARA, 1967). Segundo

Medina (2007), esses livros podem ser considerados como diferenciados de todos os livros

que circulavam no Ensino Primário nesse período, pois não havia livros desse nível de ensino

escrito por matemáticos.

Com essas ações, o GEEM passou então a respaldar todos os projetos que foram

realizados com o Ensino Primário para crianças. Com a conclusão dos trabalhos nesse

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segundo livro, a professora Anna Franchi, embora continuasse no GEEM, organizando e

ministrando cursos para professores primários, não participou mais da autoria, embora a

coleção “Curso Moderno de Matemática para a Escola Elementar” continuasse sendo

publicada até 9ª edição, sendo foi extinta no ano de 1973 (BORGES, 2011).

Em se tratando dos trabalhos do GEEM nas escolas de Ensino Primário, a ênfase foi

na compreensão, em acordo com as propostas da Matemática Moderna. Um dos obstáculos

enfrentados na ascensão da Matemática Moderna foi às dificuldades apresentadas pelos

professores em ministrar esses novos conteúdos. Nessa direção, as ações do GEEM para

auxiliar os professores continuaram sendo efetuadas. Foram realizadas no Ginásio Vocacional

experiências privilegiando a inovação metodológica. (BURIGO, 1989).

No ano de 1968, a professora Manhucia Libermam assumiu a coordenação do Curso

Primário no Colégio Experimental Peretz, dando inicio as experimentações em novas

metodologias de ensino da Matemática, ocasião na qual tomou um maior contato com as

inquietações apresentadas pelos professores primários no que tange as aulas de Matemática

Moderna (BORGES, 2011).

Para veicular e disseminar as propostas do MMM nos currículos de matemática no

Brasil foram oferecidos, ainda, cursos que auxiliariam a formação de professores, por meio

televisivo. Segundo palavras de Medina (2007: p. 84):

...como estratégia para a formação dos novos professores, nas novas propostas

curriculares, em convênio firmado entre a TV Escola, o GEEM e Departamento de

Educação, os cursos pela televisão intensificam-se em 1968, visando atender a um

maior número de professores primários, visto que, o conhecimento da linguagem de

conjuntos tornou-se imprescindível em função da incorporação desses conteúdos, nos

modernos livros didáticos.

Nesse sentido é de fundamental importância analisar os manuais escolares publicados

no período do MMM, para a escola primária, visto que são “produtos de grupos” (CHOPPIN,

1992) e que “espelham os acontecimentos da época do Movimento, por incorporarem

inovações e transformações no ensino da Matemática.” (OLIVEIRA, 2008: p.2). Os livros

didáticos estão em constante dependência do contexto econômico, político e regulamentário,

que se dá na época de sua publicação e utilização pelos professores e alunos.

O MMM nos livros didáticos

Com o MMM, os manuais escolares não mudaram apenas a maneira de trazer os

conteúdos, mas também ganharam um novo aspecto. Valente (2008: p.30) salienta que:

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O novo livro didático, para a nova matemática, foi também novo em sua

materialidade. Nova diagramação na apresentação dos conteúdos escolares, no uso

de tipos de letras e números de diferentes tamanhos e formas; inclusão de cores nas

páginas internas, fotografias, desenhos. Para trás ficou a estética dos livros de

matemática dos anos 1950. A nova coleção, dentre outros elementos, adotou,

também, a cor como informação.

Para verificar a apropriação do ideário do MMM no ensino primário, escolhemos o

livro intitulado “Curso Moderno de Matemática para a Escola Elementar” volume 1 e

volume 2 das autoras Manhúcia Perelberg Liberman, Anna Franchi e Lucília Bechara. Estes

manuais escolares são exemplares da coleção “Curso Moderno de Matemática para a Escola

Elementar (02/1967 a 05/1974)”, composta de quatro ou cinco volumes destinados às quatro

primeiras séries de escolaridade.

A coleção Curso Moderno de Matemática para a Escola Elementar é o resultado de um

trabalho de três anos em escolas de São Paulo que, segundo as autoras, vem “somar-se ao

esforço dos trabalhos, experiências, cursos, artigos e livros” que marcam esse ensino com

“novas características” (LIBERMAN, FRANCHI, BECHARA, 1967).

Esses manuais escolares foram editados pela Companhia Editorial Nacional e

trouxeram inovações quanto à materialidade como capa colorida com desenhos para as

crianças, folhas soltas, atividades com desenhos coloridos e uma nova distribuição dos

conteúdos, características dos livros didáticos dessa época. Segundo Medina (2007: p.76) esse

livro “pode ser considerado como diferente de todos os livros que circulavam nas escolas

primárias da época”. Não havia ainda um livro para o ensino primário feito por matemáticos,

pois geralmente utilizavam-se um livro escrito por professores primários ou pedagogos.

Figura 1 – Capa do Livro Curso Moderno Figura 2 - Capa do Livro Curso Moderno

de Matemática 1º Volume de Matemática 2º Volume

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Liberman, Franchi e Bechara (1967), descrevem como foi o começo da escrita dos

livros destinados ao Primário:

O primeiro livro que escrevemos... Era de folhas soltas, o de primeira série. Eu fiz

um livro de folhas soltas porque eu via as professoras carregadas, cheias de material

para corrigir em casa... Porém as professoras não gostaram porque tinha que

organizar as folhas. É difícil agradar todo mundo. (apud MEDINA, 2007: p. 76).

No prefácio desse livro, as autoras falaram da evolução industrial e tecnológica que

ocorria nessa época do MMM e da influência desse contexto no ensino de Matemática:

A evolução a que assistimos nos campos da técnica, da ciência e do pensamento

reflete-se, como é natural, e profundamente, na educação, renovando-lhe métodos e

objetivos. Assim sendo, tal renovação impõe-se na escolar elementar e

particularmente no ensino da Matemática, tão responsável pela formação e

desenvolvimento dos aspectos intelectuais da criança. Matemáticos e educadores

uniram-se em boa hora para repensar o problema do ensino da Matemática.

Trabalhos, experiências, cursos, artigos e livros vêm marcando esse ensino com

novas características. (LIBERMAN, FRANCHI, BECHARA, 1967: Prefácio).

O primeiro volume da referida coleção, destinado ao primeiro semestre da 1ª série do

ensino primário, foi publicado em 1967. Os conteúdos abordados nesse volume foram:

“Período preparatório para conceitos matemáticos”; “Conceito de número”; “Relação de

igualdade e desigualdade”; “Adição e subtração”; “Estudo dos fatos fundamentais da adição e

subtração com total menor ou igual a 10”; “Representação decimal dos números maiores que

10 e menores que 100” e “Leitura e escrita dos números até 20”. No que se refere aos

conteúdos, foram expostos de maneira intuitiva, sempre com ilustrações ou figuras

geométricas, para posteriormente introduzir a definição escrita e a linguagem matemática. Um

exemplo a se tomar é a apresentação do conceito de número que vem representado utilizando-

se conjuntos, como apresentado nas figuras 3 e 4:

Figuras 3 e 4 – Exemplos da apresentação do conceito de número.

Fonte: Liberman, Franchi e Bechara (1967: p 48-52).

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Nesse manual escolar, pode-se destacar o ensino das operações fundamentais: adição e

subtração, ensinadas com a abordagem da Teoria dos Conjuntos. A operação adição é definida

como a união de dois conjuntos, combinada em um único conjunto. Elas usam objetos de

conhecimento das crianças, como os membros da família (figura 5) para demonstrar a

operação da adição. E assim, somente após várias atividades que trabalham o conceito da

adição e subtração, utilizando peças de roupas que serão colocadas em cabides, figurinhas que

podem ser coladas em livro de figurinha, utensílios de cozinha para serem colocados em uma

caixa de brinquedos (figura 6), é que esse manual escolar define a operação realizada e traz o

sinal que a representa como nas operações de adição e subtração. Após a introdução da

operação adição na linguagem matemática, esse manual escolar traz uma série de atividades

para a fixação desse conceito (figura 7). As autoras ao propor essas atividades sugeriram

praticar a nova operação aprendida sem a necessidade da utilização dos conjuntos.

Figuras 5, 6 e 7 – Conceitos sobre a operação de adição e operação subtração.

Fonte: Liberman, Franchi e Bechara (1967: p 60-88-79).

No segundo volume da coleção “Curso Moderno de Matemática para a Escola

Elementar”, publicado também em 1967, para a primeira série do ensino primário, as autoras

defenderam que a obra abrangeu todo o ensino de Matemática no curso elementar e se

configurava como um resultado do trabalho coordenado pelo GEEM, em escolas de São Paulo

(BORGES, 2011).

Consta nesse livro didático, que atendia ao programa do segundo semestre do primeiro

ano primário e abordava aos seguintes conteúdos: “Adição com três ou mais números; Leitura

e escrita dos números de 20 a 99; Multiplicação e divisão; Fatos fundamentais da

multiplicação e divisão com produto igual ou inferior a 20; Conceito de metade, dobro, terça

parte, triplo; Quarta parte, quádruplo; e Reconhecimento de forma” (LIBERMAN,

FRANCHI, BECHARA, 1967). Do mesmo modo do primeiro volume, acompanhou o Guia

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para o Professor, com instruções e observações pedagógicas.

O primeiro conteúdo apresentado nesse segundo volume é a operação da adição com

três ou mais números. Percebe-se que, para a aprendizagem foi introduzido o conceito de

associação de elementos e, posteriormente, apresentada a Propriedade Associativa da Adição,

por meio de desenhos. Por meio de ilustrações, a ideia de associação é introduzida e depois

são associados três ou mais números de maneiras diferentes, mostrando que a soma será a

mesma, o que explica essa propriedade. Foram propostas várias atividades para a fixação

desse conceito como mostram as figuras 8 e 9:

Figuras 8 e 9 – Exemplos da apresentação da propriedade associativa na operação de adição.

Fonte: Liberman, Franchi e Bechara (1967: p 08-10).

A operação subtração é abordada neste livro de Liberman, Franchi e Bechara (1967)

como operação inversa da adição e no próprio enunciado das atividades pode-se perceber que

as autoras traziam essa ideia ao solicitar que se completassem as sentenças, propostas em duas

colunas contendo operações para os alunos solucionarem, sendo a primeira coluna de adição e

a segunda coluna de subtração, com os títulos “Fazer” e “Desfazer”, respectivamente. O

método é semelhante ao da operação de adição, só que ao invés de adicionar dois conjuntos, o

aluno deveria retirar de um conjunto outro conjunto para obter o conjunto final.

Outro conceito abordado por esse manual escolar é a operação de multiplicação. Para a

introdução dessa operação, inicia-se com uma questão problema (figura 10), na qual o aluno

necessitaria de uma operação para uma resolução mais rápida. Desse modo, a introdução do

conceito de multiplicação é feita utilizando o Princípio Fundamental da Contagem. As autoras

apresentam exemplos de objetos que podem ser contados como botões, rodas, trajes, jogos e

pregos, de modo que o aluno compreenda que a adição possui relação com a multiplicação.

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Tudo é apresentado com desenhos, linguagem escrita, linguagem matemática e tabelas para

complementar (figura 11).

Figuras 10 e 11 – Exemplos da apresentação do conceito da operação de multiplicação.

Fonte: Liberman, Franchi e Bechara (1967: p 58-66).

Na sequência são apresentados exercícios para aplicação desse conceito. Esses

exercícios envolvem muitos desenhos coloridos e conjuntos de objetos.

Analogamente, a operação de Divisão é trazida nesse manual como as outras

operações, ou seja, como uma operação inversa ou que “desfaz”, como apresentado nas

figuras 12 e 13:

Figuras 12 e 13 – Exemplos da apresentação do conceito da operação de divisão. Fonte: Liberman, Franchi e Bechara (1967: p 79-81).

Assim, o que se percebe as autoras desses livros didáticos, possuidores de

características físicas que chamavam a atenção dos alunos, coloridos e inovadores; trouxeram

uma nova maneira de apresentação dos conteúdos, com uso da linguagem matemática, do

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simbolismo, uma variedade de desenhos representativos e figuras, no estudo dos conceitos

matemáticos.

Considerações finais

Nos anos de 1950, pensou-se em reestruturar o ensino de Matemática em busca de

auxiliar em uma formação dos estudantes para acompanharem a evolução tecnológica o que

culminou no Movimento da Matemática Moderna (MMM), que intentou uma modernização

nessa disciplina.

O que se viu neste estudo é que a organização de grupos de professores como o Grupo

de Estudos do Ensino da Matemática que foi um dos divulgadores das propostas do MMM

contribuiu para a formalização do MMM, no Brasil.

No que tange ao Ensino Primário o que se percebe é que os professores envolvidos no

MMM exerceram ações como os cursos de professores no sentido de auxiliar os professores

desse nível de ensino nas aulas de Matemática.

As publicações referentes ao Ensino Primário começaram em meados de 1960 e se

destaca a coleção: Curso Moderno de Matemática para o Ensino Primário de autoria de

Liberman, Bechara e Franchi em 1967.

Este estudo permitiu ainda conhecer esses dois livros impressos em fichas soltas que

trouxeram várias características das propostas reformistas do MMM como a preocupação com

a linguagem matemática, o rigor na representação dos conceitos, o uso dos conjuntos e ainda

o uso de recursos que revelavam essa época como os desenhos, as cores fortes, em atividades

e situações presentes no cotidiano dos alunos.

Outro ponto a ser tocado é o uso das propriedades e da simbologia, como agentes

facilitadores para o estudo dos conceitos pelas crianças. As autoras, sendo personagens

importantes na divulgação e promoção do MMM na escola primária, buscaram apresentar o

nesses manuais a matemática moderna com todas as suas características, uma forma de

auxiliar os professores que usavam esses livros em suas aulas.

Em suma, pode-se dizer que as autoras dos manuais escolares, aqui analisados,

incorporaram aspectos defendidos pelo MMM, o que deve ter influenciando nas práticas

pedagógicas dos professores primários, um tema para próximas investigações.

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Referências

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