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mafia de palito

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Livro de Eleandro Passaia sobre operação Uragano em Dourados MS

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A MÁFIA DE PALETÓ

ELEANDRO PASSAIA

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Feliz o homem que não procede conforme o conselho dos ímpios, não trilha o caminho dos pecadores, nem se assenta entre

os escarnecedores; feliz aquele que se compraz no serviço do Senhor e medita a sua Lei dia e noite.

Salmos 1- 2

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AGRADECIMENTOS

Não é prudente mencionar o nome de ninguém. Não quero expor as pessoas que eu amo. Mas jamais me esquecerei de

nenhum gesto que transmitiu confiança e motivação. Aos meus familiares e amigos, muito obrigado.

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A MÁFIA DE PALETÓ

Operação Uragano*. No olho do Furacão. O dia em que a Polícia Federal desmascarou os donos do poder.

* URAGANO - FURACÃO NO IDIOMA ITALIANO.

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APRESENTAÇÃO

Às vezes me pergunto como eles sempre conseguem voltar. São denunciados, chegam a parar na cadeia, estampam as capas dos jornais e em pouco tempo renascem das cinzas. A perseverança de muitos políticos envolvidos com escândalos é no mínimo admirável. Usam a memória curta do eleitor para se deleitar com o dinheiro público. Mas até quando? O brasileiro ainda saberá dar o troco nas urnas aos abusos dos candidatos com ''vida suja''?

Talvez este dia já tenha chegado. Não com o ritmo desejado, mas com sinais capazes de acender uma luz no coração de quem quer acreditar na política. Ou acreditamos e nos envolvemos, ou sempre estará nas mãos de gente desonesta o sistema capaz de mudar as regras sociais de nossas vidas. A política determina nossos limites. Cria as leis que nos beneficiam ou incriminam. Estabelece, mesmo que indiretamente, nossa posição diante da sociedade.

Que nossas falhas sejam esquecidas. É impossível reeditar o passado, mas podemos escrever o presente ignorando os rascunhos. E tenha certeza, o futuro vai dizer quem somos hoje: editores de nossas histórias ou coadjuvantes da vida dos manipuladores do poder.

No mundo da política, ser honesto não é tão difícil. O maior esforço está em evitar a omissão e tomar as decisões que o medo nos enfraquece. A honestidade dos moradores de uma cidade não elimina a opressão, nem destrói a imoralidade de seus

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líderes. A ação sim pavimenta nossos destinos ao local que desejamos.

Mexi num vespeiro ao escrever este livro. Estou ciente dos processos que enfrentarei; das ameaças inevitáveis; do dissabor da censura. Mas não me arrependo de ter puxado o gatilho da sensatez. A vida apresentou uma encruzilhada. Local e tempo ideais para descortinar um grande esquema de corrupção. A decisão foi solitária, sem o apoio ou consolo de ninguém. Meus pais e amigos teriam dito para sair sem me envolver. Alguns colegas certamente incentivariam a me lambuzar no ''pote de mel'' dos corruptos.

Ofereço esta obra às pessoas que amo. Busquei forças no olhar confiante da minha família. Na admiração da minha filha. Na lealdade de meus amigos. Todos foram propositadamente evitados nos últimos meses. Fui cobrado, mas não pude me explicar. Agora peço perdão. O perigo passou a ser a minha companhia e não quero que ele conheça os rostos de quem levo no coração.

Preciso me desculpar também com a população de Dourados. Coordenei a campanha de comunicação que convenceu os eleitores de que valia a pena votar em Ari Artuzi. O defendi depois de eleito por mais de um ano em dezenas de entrevistas. No começo acreditava realmente no que falava. Mudei de idéia quando ultrapassei a ante-sala dos acordos políticos e encarei a ''máfia'' que se esconde nos gabinetes.

A força invisível que corrompe os ''líderes do povo'' é cruel. Muito mais venenosa do que os cartéis de drogas, de armas e de prostituição. A máfia infiltrada na política além de

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arrancar boa parte do dinheiro que deveria ser investido no bem coletivo, cria leis que beneficiam o crime e estendem um tapete vermelho à malandragem. A maior diferença é que na política os bandidos não se vestem de preto, não exibem tatuagem e não dão tiros para o alto. Eles sorriem para a gente, pregam lealdade e pedem o nosso voto.

Faço da maior reportagem de minha carreira, um pequeno livro. Não há nenhuma metralhadora de letras apontada para alguém. Não denuncio indivíduos e sim, fatos. A ausência de sensacionalismo ou qualquer tipo de romantismo, explica o porquê não me estendi, renunciando o excesso de páginas e de fotos flagrantes.

Particularmente tenho motivos para admirar algumas pessoas aqui denunciadas, mas reprovo a ação deles. Deus me ensinou a amar o pecador, não o pecado.

Que este livro encoraje mais gente a combater o desvio de dinheiro público. Do contrário, a velhice nos apresentará a fatura do silêncio. Alguém já disse que o que deixamos de fazer provoca arrependimento muito maior do que os erros que cometemos.

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INTRODUÇÃO

Se uma criança que você ama perguntasse sua opinião sobre a corrupção certamente você diria que é contra. Mas se ela também questionasse o que você tem feito para evitar a ação dos corruptos, que resposta daria? Eu particularmente penso que ainda não tenho muitos argumentos. As gravações entregues à Polícia Federal serviram apenas para que os homens da lei façam a sua parte no processo. Cabe agora a nós, população, punir com o descrédito qualquer ''profissional'' da política. Quem já se envolveu com qualquer tipo de fraude no setor público deve ser esquecido impiedosamente.

A atitude é o antídoto contra os líderes corrompidos. O abismo da desigualdade entre quem governa e quem é governado se alimenta do nosso egoísmo. Queremos resolver apenas os nossos problemas.

O homem moderno reenvia por e-mail slides que satirizam políticos, mas se recusa a participar de qualquer movimento contra a corrupção. Crucifica os políticos que desviam milhões, mas não devolve o troco dado a mais por engano. Se revolta contra os policiais que aceitam suborno, porém é capaz de pagar R$ 50,00 (cinqüenta reais) para evitar uma multa de R$ 500,00 (quinhentos reais) no trânsito.

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Percebi a incoerência do discurso do cidadão brasileiro quando assumi a Secretaria de Comunicação da prefeitura de Dourados, a maior cidade do interior de Mato Grosso do Sul. Fui bombardeado por pedidos dos mais diversos. A maioria se achava no direito de gozar dos favorecimentos do serviço público simplesmente porque votou no candidato eleito nas últimas eleições. Uma verdadeira extorsão. Casa popular ou o esquecimento do candidato nas urnas. Anistia do IPTU atrasado ou protestos mobilizados por um certo presidente de bairro que manipula as ''massas'' para defender causa própria.

A realidade é que cada civilização tem o governo que merece. Parte da sociedade alimenta a corrupção. Ao exigir benefícios ilegais o cidadão corrompe o agente público. Quando vende seu voto por dinheiro ou qualquer troca de favor o eleitor coloca no poder alguém predestinado a roubar. SIM, A ROUBAR. Assistencialismo de qualquer natureza tem custos elevados e quem o faz fatalmente vai arrumar uma forma desonesta para equacionar o problema mais tarde.

O prefeito Ari Artuzi doava caixões, passagens, cadeiras de rodas, dentaduras e até dinheiro enquanto era deputado. Os recursos vinham de empresários locais que souberam muito bem como cobrar cada real emprestado. Apesar de existir um processo de licitação que na teoria é elaborado para escolher prestadores de serviços ou fornecedores com os menores preços, na prática, ganham as empresas que o governo quer.

Os contratos superfaturados pagam dívidas de campanha e ainda engordam as contas de uma lista suja formada por prefeito, empresários, vereadores, secretários e outros colaboradores.

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Geralmente os empresários que se envolvem com a política se tornam ''olheiros''. Buscam talentos capazes de capitalizar números expressivos nas urnas. Um mesmo patrocinador de campanha financia dois ou mais concorrentes à cadeira de prefeito e, às vezes, a dezenas de candidatos a vereador de uma única vez. O mesmo pode acontecer quando as eleições escolhem governadores, deputados, senadores e, que ninguém duvide, até o presidente da república

É uma forma de perpetuar a contaminação do sistema, apesar da troca de gestores e de siglas partidárias no poder.

Não significa que todos os candidatos e partidos aceitam acordos com a ''máfia'' que dá fôlego à corrupção. Mas é preciso admitir: apesar de haver muita gente honesta no setor público, ainda é carente de homens com coragem de denunciar e tomar ações decisivas contra os bandidos de paletó.

O que vou relatar nos próximos capítulos vai aborrecer os leitores que desejam ver o Brasil como um país melhor. Em minhas viagens a Brasília, após conversar com senadores, deputados, prefeitos, vereadores e empresários de todo o país, pude concluir que casos semelhantes aos constatados em Dourados acontecem em muitas prefeituras do Brasil.

Não me cansarei de afirmar que a revolta maior deve ser contra o silêncio. Se as coisas não são como gostaríamos que fossem, é hora de lembrar: sim, nós podemos combater a corrupção, juntos.

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PRIMEIRA OPERAÇÃO

Primeiro de janeiro de 2009. Eu era o mais novo entre os 12 secretários nomeados pelo novo prefeito, 32 anos de idade. A bolsa de apostas dizia que suportaria 6 meses na pasta. Estavam errados, foram otimistas demais, ao final do terceiro mês pedi para sair. O projeto de reformulação do jornalismo da repetidora da Rede Record no estado havia me seduzido. Salário acima da média e colocação de matérias em rede nacional.

Porém não consegui dizer não ao pedido de Darci Caldo, então Secretário de Governo. Ele solicitou que eu ficasse mais algumas semanas até contratar outra pessoa. O tempo passou rápido e ninguém apareceu para ocupar o posto. Ainda pertencia ao quadro de servidores municipais quando um clima pesado tomou conta de Dourados. Manhã da terça-feira, dia 7 de julho de 2009, a operação OWARI (ponto final em japonês) da Polícia Federal mandou para cadeia 42 pessoas. Na lista constavam os nomes do vice-prefeito, de três vereadores e de 9 funcionários da prefeitura, entre eles 4 secretários. A PF também colocou atrás das grades o patriarca Sizuo Uemura, a esposa e seus 5 filhos.

De acordo com investigações da Federal, os Uemura presenteavam funcionários públicos com viagens, objetos de valor e dinheiro. Em troca queriam favorecimento para vender produtos das empresas da família. Apenas nos últimos 2 anos teriam ganhado R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais) em licitações. Mas não tiveram tempo para se acostumar com a vida de presidiários. Passaram poucos dias detidos. Um habeas corpus deu direito a responderem ao processo em liberdade.

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A operação policial foi mais um incentivo para deixar Dourados. Arrumamos um novo secretário para a pasta da comunicação institucional do município e eu voltei à capital sul-mato-grossense. No entanto, minha história na Prefeitura de Dourados ainda não havia chegado ao fim. Artuzi insistia para que eu voltasse. Resisti ao convite várias vezes. Um detalhe apenas me intrigava: os comentários de um blogueiro maquiavélico.

O jornalista Valfrido Silva sempre quis ser o secretário de comunicação de Artuzi. Quando soube do desejo do prefeito, começou a me atacar em seu blog. Deixava nas entrelinhas a impressão de que eu seria o próximo responsável por organizar os esquemas de desvio de dinheiro da prefeitura. Uma vez por telefone perguntei por que tanta agressividade. Respondeu que era para o meu bem, queria me desencorajar. Valfrido afirmava que um dia o agradeceria muito. Para a minha carreira profissional, seria muito melhor continuar em Campo Grande atuando como jornalista.

Não acreditei nas palavras amigáveis de meu desafeto. Estava convencido de que seu desejo era apenas limpar o caminho para voltar a ser o marketeiro de Artuzi.

Ele tinha motivos para não gostar de mim. Fui contratado no lugar dele para coordenar a campanha de comunicação do PDT nas eleições de 2008. Mágoa que o bloqueio aliviava com a ponta dos dedos. Seus textos eram cada vez mais amargos. Além de corrupto, passou a me chamar de cafetão.

Por duas vezes seguidas, cheguei a redação para trabalhar e encontrei o blog aberto em páginas que me denegriam. Foi um

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golpe dolorido. Coisa da minha cabeça ou não, o clima na emissora ficou hostil. Não estava a fim de levar todos aqueles desaforos para casa.

O RETORNO

Três meses após a minha saída da Prefeitura de Dourados voltei a ocupar o cargo de secretário de comunicação. Desta vez estava convencido sobre a minha real missão: desmascarar o blogueiro que manchou a minha honra. Em minha primeira gestão, ele pediu dinheiro para não falar mal do prefeito no blog. Aceitei o pedido desde que os pagamentos fossem legalizados e que ele nos ajudasse a construir a imagem de Artuzi como um bom prefeito.

A resposta foi um ''não'' em tom grave. Valfrido queria receber às escondidas e sem nenhum compromisso. Sua única função seria não escrever mais nada contra a prefeitura. Cometi o erro de não registrar nem denunciar nada. Uma falha que não se repetiria da próxima vez.

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O desentendimento com Valfrido logo foi esquecido quando me deparei com um problema maior. O contrato com a agência de publicidade havia encerrado. Sem propaganda, o município perde visibilidade. Não há político que sobreviva à falta de aprovação popular, logo, era necessário “licitar uma nova agência”. O contrato seria de R$ 2.750.000,00 (dois milhões e setecentos e cinquenta mil reais). Números generosos que encheram os olhos do prefeito.

Ari Artuzi queria indicar uma agência para vencer a licitação. Eu sabia que isso era ilegal e perigoso. Se a intenção fosse descoberta, poderia ser incriminado, pois era o administrador da pasta para a qual a licitação seria feita.

Enviei o edital antes de ser publicado ao Sindicato das Agências de Publicidade de Mato Grosso do Sul (SINAPRO), uma forma de me blindar. A entidade apresentou uma série de erros e vícios no documento elaborado pela prefeitura e sugeriu modificações. Estranhamente o pedido foi recusado pelo setor de licitação. Fiz questão de registrar todos os detalhes.

Corretamente a diretoria do SINAPRO pediu à justiça a impugnação do processo licitatório alegando falta de lisura e transparência do edital divulgado pelo Diário Oficial. O setor jurídico do município recorreu da decisão. Semanas mais tarde, após várias tentativas frustradas, a prefeitura renovou o contrato com a antiga agência. O prefeito sabia que a volta dos informes publicitários em rádio, TV, jornais e sites era fundamental para a sustentação do governo diante da comunidade local.

Paz selada com a imprensa, ressentimento contra Valfrido revigorado. Muita gente se deixou levar pelo blogueiro

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e passou a me rotular como o malfeitor de Artuzi. Certo dia, numa lanchonete, conheci uma garota bem desaforada. Ela apresentou o prefeito da cidade e os seus secretários num altar a Baal. Disse que todos precisavam ser exorcizados. Segundo ela, a administração pública havia incorporado o demônio da ganância.

A mocinha era leitora do blog sensacionalista. Deixei a tagarela à vontade, falou bem mais do que devia. Só depois contei que eu era o secretário de comunicação de Dourados. Nunca ninguém me fez tantos pedidos de desculpas em tão pouco tempo. Hoje somos amigos. Rimos juntos do episódio todas as vezes que nos encontramos. Ela jura que não me acha mais um corrupto. Menos mau.

Senti que era hora de voltar a falar com Valfrido Silva. Queria gravar a conversa e depois desmascará-lo. Mas o destino não quisera que fosse desta vez. Alziro Moreno, que substituiu Darci Caldo na Secretaria de Governo após a operação Owari, cambaleava na função de Articulador político. O prefeito queria substituí-lo e me chamou para a função. O próprio Alziro me pediu para aceitar o convite, pois não estava suportando as pressões do cargo. Acertamos os detalhes em primeiro de maio de 2010. No dia seguinte passei a dirigir as Secretarias de Comunicação e de Governo.

Meu tempo agora era tomado pelo trabalho. O blogueiro não me saía da memória, mas eu teria de esperar mais um pouco para provar quem era o vigarista. Tinha certeza de que o dia da prestação de contas não tardaria.

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SECRETARIA DO DINHEIRO

Chefiar a Secretaria de Governo (SEGOV) foi a minha maior experiência de vida. A pasta é o cérebro da administração. Oficialmente representa o município perante as demais esferas políticas. Coordena também todas as Secretarias. Ninguém faz nada sem a aprovação prévia do Secretário de Governo, que tem a responsabilidade de fazer valer os anseios do prefeito.

Há ainda outro atributo da SEGOV conhecido por um número restrito de pessoas. Extra-oficialmente o secretário de governo paga o mensalão dos vereadores e faz os acordos com as empresas prestadoras de serviços. É o portal do inferno para aqueles que desejam ganhar dinheiro de forma rápida e fácil.

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Sempre desconfiei de que os antigos secretários de governo estavam envolvidos com negócios fraudulentos, só não sabia que essa era uma obrigação de quem ocupava o cargo.

Havia uma regra estabelecida por Artuzi. Do valor bruto pago aos prestadores de serviços e produtos, 10 por cento deveriam ser devolvidos a ele. Nem todos os empresários aceitaram tal imposição. Neste caso, só se tornaram fornecedores da prefeitura porque conseguiram furar os direcionamentos criados nos editais. Nas gravações entregues à Polícia Federal, a secretária de finanças dá a lista de alguns empresários que nunca devolveram dinheiro a Artuzi.

Nos primeiros dias como secretário de governo, tentei riscar da agenda qualquer encontro que pudesse trazer complicações com a justiça. Mas isso me incomodava. Estava sendo conivente com as práticas ilícitas apresentadas assim que assumi o novo cargo. Para a justiça, fazer vistas grossas é crime. Não sobrou outra alternativa. Teria de abandonar o barco. Já havia feito isso um dia. Não custava pular na água outra vez.

Decepção estampada no rosto. Colegas de trabalho estranhavam meu comportamento. Apesar de sentir desejo de ir embora, sabia no fundo que seria um erro para a minha reputação. Me chamariam de covarde ou inconstante e continuariam me colocando na galeria dos corruptos, caso não desmascarasse os comentários maldosos em valfridosilva.com.

Artuzi percebeu minha insatisfação. Antes que eu entregasse uma nova carta de demissão, se valeu de um recurso muito usado por ele em seus relacionamentos profissionais.

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Afirmou que em breve me recompensaria com boa quantia de dinheiro.

Fui procurado também por Eduardo Uemura. Ele apresentou detalhadamente os principais negócios que tinha com Artuzi. Reclamou que alguns pagamentos estavam atrasados e me prometeu até R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) por mês para defender os negócios da família com a prefeitura. Empreiteiras como CGR, Planacon e MS Construtora também prometeram propina caso firmassem novos contratos com o município.

As propostas de ''retorno'' financeiro vieram até do vereador Junior Teixeira. Poderia ter faturado tranquilamente cerca de R$ 100.000,00 (cem mil reais) mensais se tivesse aceitado me vender.

Com tanta generosidade a vista, fiquei imaginando quanto receberia o prefeito. Ele nunca me contou. Me esforcei para chegar a um valor aproximado. Calculei uma média de meio milhão de reais por mês. Darei detalhes sobre esta conta mais adiante.

A fome de Artuzi por dinheiro se tornou tão grande que os recursos destinados à compra de medicamentos para os postos de saúde também eram desviados. Pouca coisa saía dos cofres públicos sem que parte engordasse o ''caixa 2''.

Em busca de morada, a ambição fez rondas constantes em torno da administração pública nos últimos anos. Encontrou refúgio confortável no coração de dois vereadores. Até quem conhece os porões da política se assusta com a ''gula'' do

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presidente da Câmara Sidlei Alves-DEM, e do primeiro secretário Junior Teixeira-PDT. Em conversa com Darci Caldo e Alziro Moreno, os dois últimos secretários de governo de Ari Artuzi, chegamos à conclusão de que cada um havia retirado dos cofres públicos quase um milhão de reais desde o início da gestão.

Em pouco tempo, percebi o tamanho da confusão que havia me metido. Mergulhei num oceano cheio de tubarões famintos. Precisava tomar uma atitude e não tinha muito tempo para pensar. A mente exigia que agisse pela razão e fosse embora, o coração insano clamava por justiça.

Decidi desmascarar Artuzi e seus seguidores. Foi meu único projeto de vida desde o dia 19 de maio de 2010, menos de três semanas após assumir a SEGOV.

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ACORDO COM A POLÍCIA FEDERAL

Assim que assumi a Secretaria de Governo, os primeiros pagamentos aos vereadores foram feitos por terceiros. Os próprios empreiteiros entregaram as propinas. Porém, era hora do meu 'batismo'. A grande encruzilhada surgiu impiedosa. Precisava decidir que caminho seguir. Eu sabia o que fazer, faltava apenas coragem. A decisão mudaria toda a minha vida, ou a encurtaria ligeiramente.

Imaginei a multidão dos famigerados e oprimidos pelo sistema. Isso me fez voltar aos caminhos do meu Senhor, pois sozinho sucumbiria. Deus foi a minha força, o meu refúgio e o único amigo durante todos os dias de investigação.

Peguei com um amigo jornalista o número do telefone do Delegado de Polícia Federal responsável pela Delegacia de Dourados. Bráulio José Galoni tem fama de valente. Homem da

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lei que prendeu alguns dos bandidos ou coronéis mais temidos da cidade. Mas não era o jeito durão do delegado que me tranquilizava. Doutor Galoni é um homem de princípios cristãos e isso por si só era uma garantia de que podia confiar nele.

Nove horas da manhã de uma quarta-feira. Minha terceira semana no novo cargo. Liguei de um número de celular recém-habilitado.

- Olá doutor, aqui é o Passaia, Secretário de Governo da Prefeitura de Dourados.

- Fala rapaz, como posso ajudá-lo?

- Marcando uma audiência. Pode me atender?

- Amanhã às 14 horas tenho um tempo livre.

- Apareço em seu escritório então.

- Tô te esperando.

Fiquei um pouco decepcionado. Não me saía da cabeça que ele deveria ter marcado a tal audiência para o mesmo dia. Foram 29 horas angustiantes. Ensaiei o que falar umas 3 vezes, a cada 10 minutos. Data e hora sem atraso. Às 14 horas em ponto do dia 21 de maio de 2010 subia as escadas que conduzem à sala do chefão da Federal em Dourados.

Cumprimento forte e olhar firme nos olhos do mesmo cara que mandou prender 42 pessoas, entre elas um secretário

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que ocupara o mesmo posto que o meu na administração municipal há exatamente um ano.

Sorriso fácil, quase que de um psicanalista que prepara o paciente para o divã. Bráulio Galoni foi educado. Me mediu dos pés a cabeça sem entender o que eu fazia ali. Pedi para fechar a porta, dispensei o cafezinho e falei sem rodeios.

- Estão assaltando a cidade. Eu posso ajudar a polícia a prender uma quadrilha inteira.

- Seja mais claro secretário – disparou o delegado, franzindo a testa.

Conversamos por 1 hora e 42 minutos. A enxurrada de informações parecia lavar a alma de quem investigava a administração pública há 3 anos, durante a transição de dois mandatos. Deixei claro que eu não era um bandido arrependido, ou em busca de vingança após ter sido traído pelo próprio grupo. Pelo contrário, bem larga e generosa era a porta que me convidava a entrar para o mundo do crime.

O dinheiro fácil desviado dos cofres do governo ainda não tinha passado por minhas mãos. Não havia executado nenhum pagamento até aquela data. Minha primeira ação criminosa estava marcada para o dia seguinte. Apresentei meus planos: pediria as contas naquele mesmo dia após deixar a delegacia ou, continuaria no cargo com o propósito de colaborar com a Federal. A segunda opção foi aceita.

Já não era mais possível retroceder. Uma overdose confusa de adrenalina, agonia e satisfação foram aplicadas em

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minhas veias. Os dias seguintes reservariam o período mais angustiante de minha existência.

COMEÇA A OPERAÇÃO URAGANO

No dia seguinte, um novo encontro com doutor Galoni. Desta vez veio acompanhado de dois policiais federais. Eram peritos do setor de tecnologia. Foram eles que me apresentaram alguns "brinquedinhos letais". Micro-equipamentos capazes de registrar áudio e vídeo com definição suficiente para incriminar mãos que pegam o que não devem.

Fiquei encantado ao saber que tudo o que tinha visto até hoje nos filmes americanos estava à disposição dos policiais federais brasileiros.

Decidi não revelar neste livro detalhes dos aparelhos usados para não prejudicar outras operações que possam colocar na cadeia quem ainda não tomou consciência de que, para cuidar do dinheiro público, não é preciso levá-lo para casa. Posso garantir apenas que os Federais estão bem equipados e a tecnologia se tornou uma grande aliada contra o crime.

Um aviso aos navegantes no oceano da política: fiquem longe da corrupção!

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Comecei com os vereadores da base aliada. Eram oito de um total de 12 parlamentares. Dividi os pagamentos em duas vezes, uma forma de assegurar que ninguém escaparia das filmagens. Meu nervosismo evidente encontrava disfarce. Alegava que toda a afobação era coisa de quem estava estreando como mais um ''marginal da política'', quando na verdade o maior medo era de que as gravações fossem descobertas.

Por muito pouco a Operação Uragano não foi encerrada na fase embrionária. No primeiro pagamento feito em meu escritório ao vereador Zezinho da Farmácia-PSDB, fui traído pela falta de experiência. Marcelo Hall, secretário de serviços urbanos, acompanhava o vereador. Ele se encantou por uma jaqueta que escondia uma das câmeras filmadoras, estendida em cima da mesa. Chegou a pegar a peça de roupa na mão, sem perceber o equipamento. Se o secretário tivesse sido um pouco mais curioso, eu não teria conseguido gravar tanta gente mal intencionada.

A expressão ''lavar dinheiro sujo'' nunca foi tão apropriada. No caso de Dourados a lavagem era feita com sangue. Recursos desviados da Secretaria de Saúde pagavam o silêncio e a generosidade da maioria dos legisladores municipais. E pasmem, os três membros da Comissão Parlamentar de Inquérito criada para investigar a saúde pública da cidade "bebiam'' do sangue derramado pelos pacientes nos hospitais. A CPI não passou de um teatrinho para dar à sociedade a impressão de que os vereadores são homens sérios e comprometidos com a população.

Juninho Teixeira-PDT sempre foi um dos mais apressadinhos. Como recompensa foi o primeiro a sorrir às

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câmeras da justiça, pegou R$ 10.000,00 (dez mil reais) com uma tranquilidade impressionante. Talvez fosse a força do hábito.

Zezinho da Farmácia-PSDB e Paulo Henrique Bambu- DEM, venderam a honra por um pouco menos. Eu mesmo entreguei a cada um R$ 7.000,00 (sete mil reais).

No último escalão do nada saudável mensalão, estavam Aurélio Bonato-PDT, José Carlos Cimatti-PSB, Edvaldo Moreira-PDT e Tio Julio-PRB. Receberam de minhas mãos R$ 5.000,00 (cinco mil reais) em espécie cada um. Tais valores foram repassados mensalmente aos vereadores ''aliados'' desde o início de 2009. Quase 2 anos de farra sem qualquer peso na consciência.

A base de sustentação era fundamentada ainda com a presença de um oitavo membro, o presidente da Câmara Municipal. Sidlei Alves-DEM foi o segundo mais votado nas últimas eleições. Ele me confidenciou certo dia que o sucesso nas urnas foi garantido por um forte esquema de compra de votos. O democrata sempre recebeu mais do que todos os outros pares do parlamento municipal juntos. Triste história que contarei mais adiante.

Menos de dois meses antes a lista era composta também por Dirceu Longhi-PT, de acordo com Alziro Moreno. O ex-secretário de governo afirmou que R$ 10.000,00 (dez mil reais) todos os meses garantiram por mais de um ano uma esquerda cega aos indícios de corrupção do executivo e extremamente ''companheira'' na aprovação dos projetos enviados pela prefeitura.

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Assim que assumi tive uma conversa com o petista.

- Vamos voltar à base vereador.

- Não sei cara, o prefeito quase não honra os compromissos com a gente.

- Mas você não vinha recebendo?

- Sempre atrasado né, e tem promessas ainda pendentes.

Nunca avancei nas negociações com Dirceu Longhi. Ele sempre deixou claro que estava com medo de ser descoberto e não queria mais pegar dinheiro, dizia que um interlocutor faria isso por ele. O que nunca aconteceu. Eu já tinha registros que apontavam que ele também fez parte do esquema de corrupção e para mim era o suficiente.

Quem assistir a uma sessão do poder legislativo após ler este livro certamente será bem mais crítico ao analisar cada discurso. A impressão é de que os parlamentares acreditam muito pouco no que falam. Uma afronta aos princípios pessoais compensada com dinheiro. Os ''edis'' governistas, mesmo descontentes com o prefeito, promovem juras de amor em busca de um bem maior, ou de ben$ maiores.

Já os oposicionistas mudam a rota, mas não o destino. Todos acabam sentando no colo do poder público. A divisão do dinheiro desviado elimina a função real do vereador, que é a de fiscalizar o poder executivo. O Parlamento Municipal não só pode como deve estar atento às ações do administrador

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municipal. Cabe aos vereadores, inclusive, cassar o prefeito, quando as denúncias de corrupção forem evidentes.

Gino Ferreira-DEM é famoso por seus discursos ponderados. Faz oposição, mas não raivosa. Ele assinou o pedido de CPI contra o ex-prefeito Laerte Tetila-PT e o atual Ari Artuzi-PDT, porém justificou que a decisão foi um mal necessário. Em determinada conversa me deu conselhos sobre a política.

- Meu rei, você pode até não ser honesto, mas todo mundo precisa acreditar que você é. Você pode não ser rico, mas as pessoas têm que acreditar que você é. Daí quando a gente ganhar muito dinheiro, ninguém vai desconfiar de nada.

- Ahã.

- E tem mais, é importante que pensem que tô na oposição, mas na verdade somos parceiros. Sou o melhor cara pra vocês mexerem nesta Câmara, sabia?

- Ahã.

Gino nunca passou o chapéu em busca do dinheiro ''podre'' da saúde, no entanto sempre pensou grande, como é de se esperar de um vereador fazendeiro. Ele intermediou o convênio fechado entre a prefeitura de Dourados e uma empresa de São Paulo para a compensação de tributos perdidos. São recursos que a União deixou de repassar ao município e que nunca foram reclamados judicialmente. Havendo sucesso, a empresa contratada ficaria com 19 por cento do montante, dos quais 10 por cento seriam entregues ao democrata. As previsões

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iniciais são de encher os olhos, e os bolsos. Pelo menos R$ 35.000.000,00 (trinta e cinco milhões de reais).

Outro democrata que lucra, mas com discursos mais raivosos é o vereador Marcelo Barros-DEM, conhecido como o grande adversário de Ari Artuzi na Câmara. É preciso reconhecer, ele sabe interpretar muito bem. Alziro Moreno me garantiu que pagou a ele R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) no final de 2009 para adoçar os discursos de Barros na tribuna. A quantia também teria servido para que o legislador fizesse vistas grossas ao desvio de recursos da Secretaria de Educação, denunciado pelo jornal O Progresso.

Visitei Marcelo em sua residência 4 vezes. Sujeito sempre desconfiado, abriu o coração aos poucos, até chegar a um acordo claro. Ele escreveu o que queria num papel. Uma mão trêmula deu vida ao número 10. Dez cargos para acomodar gente amiga? Valor de uma certa emenda parlamentar? Ou as cifras iniciais de mais um mensalão pago com dinheiro do contribuinte? Talvez se Lula fosse indagado a respeito, certamente diria que ''nunca na história política desta cidade houve um enigma tão fácil de ser respondido''.

No início de agosto de 2010, procurei Marcelo Barros com o dinheiro solicitado. Ele não recebeu. Convidou-me a dar uma volta de carro. Passamos em frente ao local onde eu deveria deixar o dinheiro, para um tal de Hilton. Mais uma vez o termo ''lavagem de dinheiro'' vestiu como roupa cara. Lavanderia do Lar Santa Rita. Deixei R$ 7.000,00 (sete mil reais) para o emissário. O processo de mutação aconteceu quase que imediatamente, o lobo das tribunas semanais se tornou num cordeirinho menos rebelde.

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Faltou apenas falar de Délia Godoy Razuk-PMDB. A única mulher com mandato na Câmara de Vereadores douradense tem ''ficha limpa''. É admirável a educação e o respeito usados no trato com o público. Estendo um tapete vermelho à parlamentar, mas não ao marido dela. Roberto Razuk tem fama de homem mau. Denunciado pelo Ministério Público por ter feito um empréstimo fraudulento no valor de R$ 3.500.000,00 (três milhões e meio de reais), foi condenado em 2003 a 20 anos de prisão por crime contra o sistema financeiro nacional, falsificação de documento público e falsidade ideológica. Passou três anos preso até ganhar o direito de cumprir a pena no regime semiaberto.

Em 4 de junho de 2007, Razuk foi preso novamente na operação Xeque-Mate da Polícia Federal, acusado de fazer parte do esquema da exploração de caça-níqueis no estado. Mais uma vez conseguiu autorização para pagar por seus pecados em casa, longe das celas frias.

Visitei a vereadora para pedir apoio político. Minha reivindicação se restringia à aprovação de projetos importantes para a cidade. Não falei sobre dinheiro em nenhum momento, mas Razuk não se controlou. Como lhe é peculiar, se intrometeu na conversa. O comandante do jogo do bicho em Dourados falou com ódio sobre Ari Artuzi por três fortes razões:

* O prefeito não permitiu a nomeação de 50 amigos da família em cargos da prefeitura.

* Não deu abertura para que o filho dele administrasse a Secretaria de Planejamento quando este foi gestor da pasta no início de 2009.

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* E a maior ferida: Artuzi não atendeu empresários do Rio de Janeiro trazidos por Roberto Razuk. O grupo estava interessado em ganhar a licitação de coleta de lixo da cidade. Serviço com custo médio para os cofres públicos de R$ 800.000,00 (oitocentos mil reais) por mês.

Razuk lembrou que a esposa é uma mulher honesta e que nunca pegou dinheiro da prefeitura. Afirmou também que os dois sabem de todas as falcatruas envolvendo os vereadores e o prefeito municipal. Quase pedi ajuda para cumprir minha missão, mas antes mesmo de ser convencido sobre a boa intenção daquele senhor, lembrei que Roberto Razuk já foi deputado estadual. Empossou a voz para se gabar que sabia dos esquemas de desvio de dinheiro dentro da Assembléia Legislativa do Mato Grosso do Sul. Quem não teve peito para denunciar os colegas de parlamento, certamente não fará nada para combater qualquer tipo de fraude. Admiro a postura de dona Délia. Apenas a dela.

HOSPITAL EVANGÉLICO

Alegando que os valores pagos pelo Governo Federal eram insuficientes, em 2007 a direção do Hospital Evangélico (HE) suspendeu todos os contratos com a gestão pública e passou a realizar apenas atendimentos particulares. A saúde pública de Dourados havia sido municipalizada, cabendo à prefeitura administrar os recursos destinados ao setor.

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No entanto, em março de 2009, uma reviravolta provocou diferentes reações. A notícia de que o HE voltaria a atender pelo SUS fez com que parte da sociedade e o Ministério Público levantassem suspeitas. Por que insistir com um sistema que não fazia muito tempo havia fracassado?

Com a troca de prefeito, a direção do HE desconsiderou tudo o que já havia afirmado anteriormente e tirou da câmara fria o velho projeto sobre saúde pública integrada. Com recursos da União, do Estado e do Município, o hospital assinou dois convênios e um contrato com a prefeitura para administrar os atendimentos públicos hospitalares novamente.

Na prática algumas coisas melhoraram. O mais completo hospital do interior do estado oferece especializações de alta complexidade só disponíveis na capital. Significa que diminuíram as transferências a Campo Grande e consequentemente, os óbitos. Porém os gráficos poderiam ser bem mais inclinados para cima se houvesse seriedade na administração do dinheiro destinado a salvar a vida de quem não pode pagar por atendimento médico.

Conversas gravadas com a direção do hospital, prefeito, vereadores e com a família Uemura desmascaram um esquema cruel de desvio de verbas. Dos cerca de R$ 3.000.000,00 (três milhões de reais) pagos mensalmente ao hospital, R$ 50,000,00 (cinquenta mil reais) são entregues para complementar a renda dos vereadores aliados. Esporadicamente o prefeito também se apodera de parte dos recursos que em campanha jurou que seriam usados dignamente.

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Dilson Deguti, secretário adjunto de saúde e ex-prefeito de Fátima do Sul, cidade vizinha de Dourados, disse que no final de 2009 entregou R$ 100.000,00 (cem mil reais) a Artuzi. Em agosto de 2010, fez um novo pagamento no mesmo valor ao prefeito. Dinheiro que foi usado inclusive para pagar a cirurgia estética da primeira dama. A “recauchutagem” custou R$ 9.000,00 (nove mil reais).

No mesmo dia em que Maria Artuzi saiu do hospital ''turbinada'', uma mãe da Vila Mari, bairro da periferia, recebeu a notícia de que o filho de apenas 6 anos de idade poderia ficar cego. Os olhos teriam de ser extraídos por causa do diagnóstico tardio de uma doença rara, mas com tratamento disponível pelo SUS. Tudo poderia ter sido evitado se a criança não tivesse esperado quase 3 meses para fazer uma simples consulta. Por mais que alguém chore de revolta ao ler esta informação, nada jamais vai se comparar à dor daquela mãe.

Os bisturis que dilaceram o sistema de saúde criado para a população de baixa renda reservam os pedaços mais generosos para o pagamento de dívidas de Ari Artuzi. A família Uemura reclama que com o credenciamento do HE deixou de fazer negócios lucrativos com o município, como a venda de medicamentos. Se lamenta que foi obrigada a fechar as empresas de distribuição de remédios e de limpeza de postos de saúde. O prejuízo teve de ser pago por alguém.

Para liquidar a fatura, ficou acordado que o Hospital Evangélico repassaria secretamente R$ 110.000,00 (cento e dez mil reais) por mês aos Uemura durante os 4 anos de mandato de Ari Artuzi. Quando a operação Owari foi deflagrada, entretanto, os pagamentos à família nipônica tiveram de ser interrompidos.

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Porém, quando falta fiscalização, sempre sobram atalhos para chegar ao pote de ouro. A Secretaria de Saúde, a direção do Hospital Evangélico e Eduardo Uemura arquitetaram mais um esquema genioso de desvio de dinheiro. O prédio onde funciona o Hospital da Mulher, pertencente à família japonesa, foi colocado à venda. Os diretores mais influentes do hospital convenceram o restante do conselho administrativo de que seria um bom negócio adquirir o imóvel. Uma das maiores transações imobiliárias da história da cidade foi fechada com cifras bem generosas, R$ 8.000.000,00 (oito milhões de reais).

Um dia durante almoço na fazenda dos Uemura, Eduardo me contou detalhes do acordo. O prédio na verdade valeria pouco mais de R$ 2.500.000,00 (dois milhões e quinhentos mil reais). O restante seria usado para saldar a conta de Artuzi. Bom para o HE que adquiriria mais um hospital patrocinado com dinheiro público, excelente para os japoneses que aumentariam o seu império e um alívio para o prefeito que já não suportava mais a pressão de quem sempre teve fama de cobrar com juros e correção cada centavo.

Ainda bem que o plano não era perfeito. Mesmo já tendo depositado R$ 1.100.000,00 (um milhão e cem mil reais) na conta do patriarca dos Uemura, o medo fez com que o HE desistisse de comprar o imóvel em agosto de 2010. Os diretores mais influentes do hospital alegaram que tinham informações de que a Policia Federal estava investigando o caso. Preferiram perder pouco mais de um milhão a continuar com o esquema fraudulento que colocaria todos na cadeia. Foram os primeiros frutos da Operação Uragano.

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A dívida do prefeito douradense havia diminuído, mas não liquidada. No início de setembro de 2010, se a ação dos federais não tivesse posto fim à farra dentro da administração municipal, mentes brilhantes já teriam apresentado uma nova fórmula para subtrair as contas da Secretaria de Saúde do Município.

COMO DEPUTADOS FEDERAIS E SENADORES DESVIAM DINHEIRO

A Secretaria de Obras é o negócio mais rentável no ''mundo do crime político''. Verbas federais, estaduais e municipais pagam contratos cheios de números, na maioria das vezes com mais de 7 dígitos. Com todos os empreiteiros e legisladores que conversei, recebi a mesma informação: para cada centavo investido, parte é rateada entre os envolvidos.

As regras já estão definidas. Pavimentação, drenagem e construção de pontes oferecem os maiores lucros. A empreiteira responsável pela obra é obrigada a devolver 10 por cento do valor bruto recebido. O dinheiro roubado é dividido entre o prefeito e o deputado ou senador que viabilizou os recursos. Já obras civis como casas populares, escolas, creches e hospitais por exemplo, rendem menos, os salteadores dos impostos pagos pela população exigem 5 por cento dos valores. O diretor do departamento de obras da prefeitura de Dourados Jorge Torraca, garante que todos os parlamentares exigem o retorno dos recursos que viabilizam em Brasília.

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Como não tenho provas, vou me ater às conversas gravadas e entregues à Polícia Federal. Sérgio Castilho assessor especial do deputado federal Dagoberto Nogueira-PDT, sempre cobrou o direcionamento das licitações. Mais 5 por cento do valor depositado nos cofres do município pelo Governo Federal a pedido de seu chefe.

Walquiner Gonçalves França, assessor do deputado federal José Carlos Biffi-PT, também fazia as mesmas exigências. Falando em nome do deputado, nunca deixou de cobrar o ''retorno'' dos investimentos garantidos através da intervenção do legislador petista.

É interessante notar que os deputados e senadores mandam comparsas para tratar dos ''esquemas''. Que ninguém tenha dúvida de que eles dirão que não sabiam de nada quando estas denúncias balançarem as estruturas de seus confortáveis gabinetes. Os assessores serão recompensados financeiramente para se calarem. Ganharão dinheiro, mas perderão a honra.

O deputado federal mais votado em Mato Grosso do Sul nas últimas eleições também não fala pessoalmente de dinheiro. Mas o funcionário público Sandro Omar de Oliveira Santos diz ser o mensageiro de Vander Loubert. O parlamentar petisca é super carismático, chega a ser idolatrado nas ruas por membros de seu reduto eleitoral. Fala de reformulação na política como poucos, convence com facilidade os desavisados. Tenho certeza de que Loubet ou Sandro vai me chamar de mentiroso quando ler este livro. Será a única maneira de tentar provar inocência.

O maior ator entre os deputados do estado na minha opinião é Geraldo Resende-PMDB. Soa tambor em praça

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pública para cobrar da prefeitura empenho no processo de licitação. Discursa que a austeridade e a agilidade dos serviços públicos precisam ser mais evidentes. Numa conversa em seu escritório em Dourados, me convenci de que seus ideais não são tão puros quanto parecem. Reclamou que precisa do ''retorno'' das verbas garantidas por ele para dar o mínimo de viabilidade a seus projetos.

No dicionário da política, “retorno” significa o dinheiro que as empresas devolvem para o prefeito e aos parlamentares depois que as obras são concluídas. Seria por isso então que Resende cobra incansavelmente mais agilidade na execução dos projetos intermediados por ele? É claro que à polícia e à população, Resende vai dar outra interpretação para a palavra retorno. Certamente vai me processar como farão outros tantos. Nada que me assuste. Terei problemas bem maiores para me preocupar do que o processo por calúnia e difamação que o deputado poderá representar contra mim.

Tentei fazer com que Geraldo Resende falasse mais sobre os ''retornos''. Mas o legislador se esquivou como o diabo foge da cruz. Disse que um assessor faria isso por ele. Dias depois Artuzi e Geraldo romperam suas relações políticas e os ''retornos'' nunca mais foram discutidos com a prefeitura. O dono da empreiteira Planacon Construtora LTDA, Geraldo Alves de Assis, afirmou que o deputado do PMDB passou a cobrar diretamente sua parte do dinheiro, sem a interlocução da prefeitura.

Sinto-me muito à vontade para falar do deputado Marçal Filho-PMDB. Um peixe grande que fatalmente vai morrer politicamente pela boca. Marçal e a esposa Keliana Fernandes

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cobraram pessoalmente o adiantamento do ''retorno'' das obras. Concordaram inclusive em desviar dinheiro da Secretaria de Saúde para pagar as despesas de um show da rádio 94 FM de propriedade do casal.

Boa pinta e voz de veludo como é conhecido, o deputado lidera a audiência nas manhãs do rádio douradense. É o queridinho das donas de casa, considerado um dos melhores críticos da cidade. Fico imaginando o que ele vai fazer para provar que são inverdades as afirmações feitas neste livro.

A lista de deputados federais eleitos em Mato Grosso do Sul tem ainda Waldemir Moka-PMDB, Nelson Trad-PMDB, e Antonio Ferreira da Cruz Filho-PP. Não tive a oportunidade de conversar com nenhum deles sobre recursos destinados a Dourados enquanto estive a frente da Secretaria de Governo. Entre os 3 senadores do estado, coletei suspeitas de desvio de dinheiro contra o simpático Delcídio do Amaral-PT. Não conversei institucionalmente com a senadora Marisa Serrano-PSDB e com o senador Valter Pereira-PMDB. Ambos ficaram longe de Dourados durante os 4 meses em que a SEGOV ficou sob a minha responsabilidade.

Já Delcídio do Amaral permaneceu próximo, mas se esquivou de conversas abertas sobre dinheiro. O mesmo cuidado não tiveram assessores do senador, empreiteiros e diretores da prefeitura. Gravações deixam entender que o petisca cobrou a sua parte num empréstimo de R$ 33.000.000,00 (trinta e três milhões de reais) feitos pelo município para o avanço do serviço de drenagem nas regiões mais pobres da cidade. Benefício para 80 mil pessoas em 40 bairros da periferia.

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A liberação dos recursos envolveu até o alto escalão do Ministério das Cidades. De acordo com Ari Artuzi um secretário influente exigiu um por cento do valor liberado. O bolo seria dividido em três partes:

Certa vez fui cobrado pela vereadora Thaís Helena-PT, de Campo Grande. Ela e o marido reclamaram do atraso do prefeito em devolver o ''retorno'' a Delcídio do Amaral. Os interesses do senador, no entanto, não foram prioridade na conversa. “Farinha pouca, meu pirão primeiro”. A vereadora lembrou de uma dívida de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) que Artuzi teria com ela. Ameaçou prejudicar o futuro político do prefeito caso a conta não fosse quitada.

Aos 25 anos de idade, a jovem vereadora quebrou o cristal da transparência que a protegia. Os constantes discursos contra a corrupção na tribuna da Câmara foram invalidados. Ela concordou desviar recursos da Secretaria de Obras para saldar o seu crédito. A dívida com a vereadora foi contraída durante a última campanha eleitoral. É o valor cobrado para que Thaís apoiasse Artuzi na disputa pela prefeitura de Dourados.

Diante das declarações e dos fatos constatados, o Governo Federal poderia rever os valores liberados para as prefeituras. Se está sobrando dinheiro para dividir entre os políticos, é preciso exigir que as obras tenham maior qualidade ou, os valores liberados sejam menores.

Foi o que fez o Ministério da Integração Nacional em junho de 2010. O preço pago para cada metro de matéria prima para a construção de asfalto foi 15 por cento menor do que o solicitado pela prefeitura de Dourados. Não demorou nada para

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que os prejudicados batessem às portas do Ministério, que neste caso, não cedeu às pressões.

SINDICATOS E CONSELHOS TAMBÉM SE CORROMPEM

Se Dourados e outros municípios castigados pela corrupção quiserem se ver livres desta maldição, terão de repensar profundamente como têm escolhido seus representantes. Políticos se corrompem e ajudam a corromper outras estruturas que deveriam defender os direitos de categorias e trabalhadores.

Assumi o Governo em plena negociação salarial. Professores estavam em greve e outros servidores ameaçavam cruzar os braços. Chegamos a um acordo. A reposição não foi como os funcionários exigiam, mas atingiu índices maiores do que pretendia a administração. Poucos dias depois fui procurado pelo presidente do Sindicato dos Servidores Municipais de Dourados (SINSEMD) Romanci Venâncio da Silva me apresentou uma conta trapaceira, mas lucrativa para os cofres do município.

Disse que ele poderia convencer os servidores a aceitar reajustes menores no próximo acordo salarial. Em troca queria um emprego para o filho e um ''mensalinho'' de R$ 1.000,00 (mil reais). Seus argumentos foram convincentes. Provou que a prefeitura poderia economizar milhões. Os prejudicados seriam

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os quase 6000 servidores municipais que deixariam de receber salários mais justos.

As exigências pessoais do presidente do Sindicato teriam custo de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) por ano. Já o reajuste de apenas 2 por cento na folha de pagamento dos servidores concursados representaria um impacto financeiro de mais de R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais) no mesmo período. Artuzi aprovou imediatamente a proposta de Romanci Venancio.

O tráfico de influência também foi o argumento usado pelo presidente do Conselho Municipal de Saúde. João Alves de Souza implorou por uma "teta" do governo. Se vendeu por R$ 1.000,00 (mil reais) mensais. Enquanto a saúde pública da cidade experimenta uma de suas maiores crises, o conselheiro que deveria fiscalizar faz de conta que é míope.

Meio a tantos escândalos, parabenizo a diretoria do Sindicato dos Trabalhadores em Educação (SIMTED). Nenhum diretor jamais fez qualquer insinuação sobre o pagamento de propinas ou deleite de vantagens. José Carlos Brumatti preside a entidade há vários anos. Gente assim deveria ser eleita para as cadeiras da Câmara Municipal. Quando faltam vereadores que fiscalizam de verdade o poder executivo, os ''ratos'' tomam conta da casa.

No balaio da desonestidade, cabem ainda muitos líderes comunitários. Alguns custam R$ 500,00 (quinhentos reais) por mês, outros querem um emprego fantasma, tem até quem se contente com cestas básicas. Quanto maior o bairro que

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representam, mais valiosos devem ser os presentinhos oferecidos.

Para a administração pública, o investimento vale a pena. É a certeza de que os protestos cessarão, afinal há sempre um presidente de bairro ‘’amigo’’ amenizando os ânimos da população enganada por promessas sem respostas.

FUNCIONÁRIO DO TRIBUNAL DE CONTAS SE VENDE

Dois de julho de 2010, 15 horas e 45 minutos, o país lamenta a destruição de um sonho. Os holandeses vingaram as desclassificações impostas pelos brasileiro nos mundiais de 94 e 98 . A falta de confiança na seleção de Dunga era gritante, mas no fundo, todos queriam acreditar no Hexa. Quanto choro. O sofrimento dos torcedores não me atingiu. Eram tensos os dias que antecediam as prisões inevitáveis da Operação Uragano. Minha imaginação estava encarcerada na ação dos federais.

As duas colheres de sal colocadas na nossa laranjada descortinaram um paralelo: uma derrota nacional no esporte é mais lamentada do que as perdas diárias que sofremos para a corrupção. O resultado de 2x1 favorável a Holanda foi imperdoável. As lágrimas derramadas feriram uma nação inteira que exigiu o ‘’impeachment’’ de Dunga.

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Mas e os bandidos de paletó, quando vão ser vaiados de verdade e expulsos definitivamente dos gramados da política? O que nos faltam são as vuvuzelas. Falta barulho, muito barulho. Somos coniventes todas as vezes que nos calamos. Da mesma forma que as cornetas africanas tiraram a comunicação dos jogadores dentro de campo, a cobrança pública e sistemática da sociedade desarticulará qualquer jogada ensaiada dos quadrilheiros.

E já que o futebol esta metaforizando este capítulo, vamos reforçar a equipe de Artuzi. Quinze minutos após o encerramento da partida entre Brasil e Holanda, um funcionário do Tribunal de Contas do Estado (TCE) fez contato através do vereador Junior Teixeira. O vereador propôs a contratação de mais um defensor para a seleção do prefeito.

O encontro aconteceu no dia seguinte, 8 horas e 45 minutos, em frente a um hotel da cidade. Trechos do diálogo deixam bem claro que seria excelente para a administração municipal negociar o passe do novo ‘’jogador’’.

- Sou o amigo do vereador JuninhoTeixeira, do TCE.

- Opa, o Juninho pediu pra te dar R$ 20.000,00 (vinte mil reais).

- Sim, sim. É a prestação de uma camioneta que vendi pra ele.

- Ele me disse também que você quer conversar sobre o Tribunal de Contas. Você faz as vistorias das obras, certo?

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- Faço sim, se a prefeitura for minha parceira nunca vai ter problema comigo. Não quero ferrar ninguém.

O primeiro contato foi apenas para combinar o jogo para as próximas vistorias de obras. O funcionário do TCE deixou entender que se déssemos dinheiro a ele, seus relatórios jamais apontariam qualquer tipo de irregularidade durante as fiscalizações.

Algo dito pelo conselheiro do Tribunal de Contas me chamou a atenção. Ele poderia encontrar ‘’problema’’onde não tem ou, fingir que não viu irregularidades realmente existentes. A gravação está em poder da Polícia Federal.

Creio que, a título de vingança, alguém do TCE poderá reprovar a contas da Secretaria de Comunicação durante o período em que eu administrei a pasta. O tempo dirá.

A DECADÊNCIA DE ARI ARTUZI

Ele era a esperança dos oprimidos. A certeza de que vale a pena acreditar em dias melhores. Muitos apostaram suas vidas que Ari Artuzi seria um administrador diferente. Humanista, perseverante, guerreiro. Adjetivos não lhe faltavam. Vontade de

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trabalhar também não. Assim o conhecemos, assim o colocamos no poder.

Os mais chegados perguntam: o que aconteceu com o nosso menino travesso? Será que a arrogância e o orgulho o aprisionaram? Ou sempre foi assim e nós nunca havíamos percebido? Onde está o homem simples que pedia votos de chinelo de dedo e prometia justiça para todos?

Vi pessoas chorando de decepção nas ruas. Ouvi gritos de revolta na porta de hospitais. Fui cobrado exaustivamente em meu gabinete por credores cansados de acordos não cumpridos. Senti vergonha de ser chamado de o homem de confiança de Ari Artuzi. Inevitavelmente precisei trair alguém. Ou seria o prefeito que me deu a oportunidade de administrar uma cidade fantástica como Dourados, ou seria a população desta cidade. Traí Artuzi. Mas Artuzi traiu a todos nós.

No primeiro mês como chefe da SEGOV, criei uma série de ajustes administrativos que foram do remanejamento de pessoal ao corte de despesas. Estabeleci uma meta de economia de gastos de 20 por cento. Mas o dinheiro continuou desaparecendo, só que por outro ralo. Tudo o que sobrava nos cofres, Ari Artuzi dava um jeito de desviar. O ex-motorista de caminhão se tornou um homem muito rico. Aprendeu rápido como arrancar merenda de crianças, remédios de doentes e cestas básicas dos pobres. Nem a Secretaria de Assistência Social escapou de suas ações criminosas.

Quando ficou sabendo que sobravam R$ 400.000,00 (quatrocentos mil reais) no orçamento da Secretária de Serviços Urbanos (SEMSUR) o prefeito fez um acordo com uma empresa

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credora. A Financial Construtora Industrial LTDA cobrava uma dívida de R$ 370.000,00 deixada pela antiga administração. Foi o restante da última fatura do serviço de coleta de lixo da cidade. Como o valor poderia virar precatório, possibilitando que o pagamento se estendesse por anos, Artuzi decidiu tirar vantagem. Pediu R$ 120.000,00 (cento e vinte mil reais) como ''retorno'', dos quais R$ 20.000,00 (vinte mil reais) seriam entregues ao vereador licenciado Marcelo Hall-PR, responsável pela SEMSUR. O negócio foi concretizado.

Outro exemplo de como Ari Artuzi arrebanhava dinheiro está na compra de um terreno no jardim Novo Horizonte. A prefeitura pagou R$ 560.000,00 (quinhentos e sessenta mil reais) pela área de 8 hectares para a construção de casas populares. O antigo dono concordou em devolver R$ 80.000,00 (oitenta mil reais) a Artuzi. Quando contrariado sobre o ''retorno'' desejado, o prefeito chegou a tomar medidas duras. É o caso de uma área nobre ao lado da BR 163. O município desapropriou 10 hectares por um preço bem abaixo do mercado. Pagou apenas R$ 300.000,00 (trezentos mil reais), deixando o antigo proprietário enfurecido.

Nem a morte amedronta a ganância de Artuzi. O empresário Ronei Dutra Sanches, interessado em explorar o serviço funerário na cidade, recebeu a proposta imoral de Sidnei Donizete Lemos Heredias, um dos ''laranjas'' do prefeito, de trocar o alvará de funcionamento pela propina de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais). Só assim Artuzi se sentiria encorajado a estremecer o seu relacionamento com Sizuo Uemura, o homem que há quase duas décadas cuida sozinho de ''nossos mortos''. Mas Ronei Dutra enterrou qualquer possibilidade de comprar o

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alvará. Briga na justiça até hoje para que a prefeitura libere a documentação.

A abertura da concorrência aliviaria o fardo das famílias mais pobres. Com o monopólio das funerárias concentrado nas mãos dos Uemura, os caixões mais baratos custam em Dourados R$ 1.200,00 (mil e duzentos reais). Os mesmos modelos valem pouco mais de R$ 200,00 (duzentos reais) em outros municípios. A família japonesa oferece todos os demais produtos necessários para o funeral. Das velas, ao aluguel da capela, passando inclusive pela locação do carro que transporta o caixão. Os preços são de ''matar'' e nada pode ser comprado em outra empresa.

Uma amiga no início deste ano precisou enterrar a tia. Contratou o pacote mais simples oferecido pela Funerária Bom Jesus. Pagou R$ 2.950,00 (dois mil, novecentos e cinquenta reais). Fez um empréstimo no banco sob a ameaça de cobradores que exigiam a liquidação da fatura. Esporadicamente a funerária dá caixões às famílias mais miseráveis. Uma forma de marketing para aliviar a fama de mau de Sizuo Uemura, o homem mais temido e perigoso da região.

Nos últimos 20 anos, em Dourados, apenas 2 empresários tiveram a audácia de combater o monopólio do serviço funerário. Misteriosamente ambos foram assassinados. Ronei Dutra Sanches é a nova esperança. Encontrou um prefeito corajoso, disposto a enfrentar seus patrocinadores de campanha. Pena que Artuzi precise de 300 mil motivos ''reais'' para mostrar que quer ajudar a população a usufruir de serviços e produtos mais baratos.

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Sem saber que estava prestes a ser traído por Ari Artuzi, Sizuo Uemura me procurou no início de agosto de 2010. Pediu para impedir o andamento de qualquer documentação que beneficiasse o grupo concorrente. O filho Eduardo ofereceu, inclusive, propina para os funcionários responsáveis em liberar os alvarás. A vida de uma cidade inteira sofre os efeitos da corrupção de uma família até na hora da morte.

O prefeito douradense descobriu outro caso de amor entre o dinheiro e o poder. Percebeu que a sua assinatura era capaz de abrir os bolsos de muitos empresários. Em julho de 2010 recebeu R$ 20.000,00 (vinte mil reais) do usineiro Celso Dal Lago. Foi o valor cobrado por Artuzi para sancionar a lei municipal que deu permissão às usinas de álcool para queimar a palha da cana durante a colheita. O usineiro reclamou que a lei havia ficado cara demais, pois também foi obrigado a recompensar a generosidade dos vereadores, que cobraram R$ 70.000,00 (setenta mil reais) pela criação do projeto de lei.

- O Ari e o Sidlei Alves vieram aqui na minha casa combinar o jogo. Tá fácil fazer o esquema, é só não dá importância à pressão dos ambientalistas - aconselhou Dal Lago.

Depois que mediu o peso de ouro de sua rubrica, o ''chefão'' de Dourados ficou cada vez mais ousado. Para renovar por mais 1 ano o contrato com a GWA Transportes LTDA, responsável pela condução dos estudantes da zona rural, Ari não fez cerimônia. Exigiu a quantia de R$ 200.000,00 (duzentos mil

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reais) por sua assinatura no contrato com valor mensal de R$ 680.000,00 (seiscentos e oitenta mil reais) para os cofres públicos. Adilson Osiro dono da GWA, reclamou na véspera da Operação Furacão que desde o início de 2009 deu R$ 1.500.000,00 (um milhão e meio de reais) ao prefeito. Por razões como estas, boa parte das prefeituras prefere terceirizar o transporte escolar, ao invés de comprar ônibus e realizar os serviços.

Coincidentemente a empresa responsável pelo transporte coletivo de Dourados também precisou estimular a boa vontade de Artuzi. A Medianeira Transportes limitada solicitou em agosto de 2010 a renovação por mais 5 anos da concessão pública que dá direito a exploração do serviço. Paulo e Marcelo Saccol, donos da empresa, me garantiram que deram dinheiro a Ari Artuzi e aos vereadores, porém sem especificar os valores.

Ao abrir a sua mala preta, Paulo Saccol tinha dois maços de notas de R$ 100,00 (cem reais) com o meu nome. Me entregou R$ 20.000,00 (vinte mil reais). A propina foi comunicada a Polícia Federal e depois usada para o pagamento dos vereadores. Foi com parte deste dinheiro inclusive que paguei a benignidade de Marcelo Barros.

MAIS DE 20 ANOS DE CORRUPÇÃO

O limite real de tolerância de uma comunidade termina quando a indignação ocupa seu espaço. Em Dourados os eleitores já deram sinais de que clamam por mudanças. Procuramos pessoas capazes, com disposição para alcançar o sucesso. Trocamos

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nomes e partidos, mas continuamos tropeçando na busca por um líder. Talvez aí esteja o nosso grande erro. Precisamos de lideranças com valores, e não pré-dispostas ao sucesso.

Um breve tour pelo passado mostra o quanto já fomos enganados. Os primeiros negócios dos Uemura com a Prefeitura de Dourados foram assinados na época em que Braz Melo era prefeito, entre 1988 e 1991. O cargo foi entregue a Humberto Teixeira em 1992. O filho, vereador Junior Teixeira, sempre deixou entender que o pai também entrou na fila dos gestores corruptos. No mandato de ''Teixeira Pai'' o município recebeu dinheiro para a construção da Perimetral Norte. A obra foi orçada recentemente em R$ 30.000.000,00 (trinta milhões de reais). Sem explicação os recursos desapareceram dos cofres da prefeitura e nenhum metro de estrada foi pavimentado.

O mandato seguinte foi ocupado mais uma vez por Braz Melo, que até hoje responde a processos por improbidade administrativa.

Laerte Tetila-PT surge como o novo comandante municipal em 2001. Homem ponderado, de voz mansa e estilo refinado, ficou no poder até o final de 2008. Estaria acima de qualquer suspeita não fossem os deslizes cometidos pelo filho. André Tetila foi preso pela Polícia Federal durante a Operação Owari. As investigações o apontam como um dos líderes do esquema que fraudava licitações enquanto o pai era prefeito.

Gravações feitas com o empresário Eduardo Uemura, ex-secretários da prefeitura e empreiteiros também colocam Laerte Tetila em saia justa. Ele é reverenciado por quadrilheiros. Eduardo Uemura chegou a afirmar uma vez que nunca viu

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homem tão sério quanto Tetila. Seriedade neste caso tem uma interpretação diferente do que entende a justiça. No mundo do crime é a pré-disposição a repartir os recursos disponíveis para o desenvolvimento da cidade.

Ari Artuzi jogou no lixo a chance de ser herói e virar uma página manchada da história do município. A soma de todos os mandatos mencionados anteriormente totaliza quase 22 anos de escravidão financeira.

Casas luxuosas no lugar de moradias populares. Carrões modernos em vez de viaturas para a Guarda Municipal ou ambulâncias. Fazendas adquiridas com o dinheiro que deveria ter sido usado para o desfavelamento da periferia.

Viagens ao exterior patrocinadas com o dinheiro retirado do treinamento de servidores. Perdemos bastante, porque ''combatemos'' pouco. Muitos morreram à espera do atendimento médico. Outros, sem a honra da casa própria. E alguns sufocados pela pobreza.

Os medicamentos formam um dos grandes gargalos por onde desce muito dinheiro. Mesmo amparadas pela lei federal que permite a compra diretamente dos laboratórios, e sem licitação, todas as administrações mencionadas neste capítulo preferiram adquirir de distribuidoras a maioria dos remédios que abasteceram hospitais, postos de saúde e farmácias populares. Além da obrigação do processo licitatório, o que quase sempre é demorado, os custos nestes casos chegam a ficar 400 por cento mais caros, já que as distribuidoras revendem o que compram dos laboratórios.

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Se o fornecimento fosse feito apenas pelos laboratórios, os recursos seriam suficientes até para os medicamentos de alto custo. Não haveria mais falta de remédios, o que seria um grande alívio para quem está sempre acompanhado da dor. O fator desmotivante, no entanto, é que os laboratórios não dividem o lucro, nem aceitam superfaturar as notas fiscais. Em Dourados, várias campanhas eleitorais foram pagas com dinheiro das distribuidoras. Em 2008, na gestão de Laerte Tetila, as empresas da família Uemura negociaram mais de R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais) em medicamentos com o município.

O quadro pendurado na história vergonhosa de Dourados também é pintado pela Câmara de Vereadores. No final de 2009 o presidente Sidlei Alves-DEM, gastou muito dinheiro com publicidade ao divulgar a devolução de R$ 3.000.000,00 (três milhões de reais) para a prefeitura. Dizia a lenda tratar-se de uma gestão séria e transparente que havia conseguido economizar recursos destinados ao legislativo nos últimos 12 meses.

Na verdade o que houve foi um acordo criminoso firmado no início do ano passado entre o secretário de governo Darci Caldo e o presidente da Casa de Leis. Ao vereador foi assegurado de que receberia por baixo dos panos 30 por cento do montante devolvido. A Secretaria de Obras "lavou" o dinheiro. Os esquemas eram concentrados nas obras de tapa-buraco e recapeamento. Por este mesmo motivo o município nunca gastou tanto com os serviços, que chegaram a atingir valores próximos a R$ 800.000,00 (oitocentos mil reais) por mês.

Sidlei Alves levou a sua parte estabelecida no acordado e ficou R$ 900.000,00 (novecentos mil reais) mais rico. Artuzi

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garantiu várias vezes que fez um excelente negócio, afinal comprou o apoio do vereador do DEM usando o dinheiro que ''pertencia'' aos próprios parlamentares. Diante de todos estes fatos fica uma certeza, se está sobrando verba, os vereadores devem ser obrigados a se explicar melhor sobre como gastam o nosso dinheiro.

O amigo leitor deve ter ficado enojado ao saber como certos gestores tem administrado os impostos e tributos recolhidos sistematicamente. Que os relatos, no entanto, não sirvam para desanimar e sim, encorajar cada brasileiro a exigir mudanças. Há uma esperança. Não está num homem. Muito menos num partido revolucionário. Se escolhas mal tomadas nos provaram que não podemos confiar no individualismo, podemos então apostar na coletividade de nossas idéias e ações. Podemos ser o gato que vigia a dispensa. Não há rato que encare os olhos atentos de um bichano faminto.

NOVO JEITO DE GOVERNAR

O velho ditado que afirma que quem vê cara não vê coração, se encaixa perfeitamente com a política. A sabedoria popular mostra que é impossível para o homem esquadrinhar o que realmente pensam os candidatos. Resta-nos então dar uma olhada na ficha de cada concorrente e analisar as propostas de trabalho.

Aprendi na Secretaria de Governo que tipo de procedimentos torna as licitações mais transparentes e justas. Havendo preocupação com os gastos públicos, as compras

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podem ser feitas através do pregão presencial. A modalidade de licitação reúne, em data e local pré-definidos, todas as empresas interessadas em fechar contrato com a prefeitura. Uma espécie de leilão entre os concorrentes determina os vencedores. Ganham as propostas com os preços mais baixos. Grande parte dos processos que solicitam a compra de produtos ou a contratação de serviços, pode ser feita através do pregão presencial.

Mas as administrações corrompidas evitam este tipo de modalidade licitatória. Deixam claro que o desejo não é comprar pelo menor preço, e sim, favorecer os ''parceiros'' que inflacionam os valores cobrados e repartem os lucros. Para certificar o sucesso de processos fraudulentos, os responsáveis pelos setores de licitação fazem tudo para esconder informações. Artuzi chegou a ordenar que o site da prefeitura fosse tirado do ar por 3 dias, apenas para impedir o acesso ao Diário Oficial online, onde são publicados os editais.

Um bom exemplo de como rejeitar estas práticas criminosas vem de prefeituras da região sul do país. Moradores criam conselhos comunitários responsáveis por acompanhar bem de perto cada processo licitatório. Do início ao fim de cada processo, a marcação não dá espaço para os mal intencionados. Até a entrega dos produtos é acompanhada para conferir quantidade, qualidade e preço discriminados nas notas fiscais.

Proponho que a ideia dos conselhos comunitários seja adotada por todas as prefeituras do Brasil. O administrador que dificultar a participação dos moradores deve ser considerado suspeito. É hora de despertar para uma nova postura dos líderes comunitários brasileiros. Presidentes de bairros devem se

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preocupar muito mais em se infiltrar no setor público para dar pitaco onde devem, do que incitar a população a crucificar seus governantes.

Quando há cobrança sistemática de como são investidos os recursos para a manutenção da rede de iluminação pública, por exemplo, dificilmente um grupo de moradores precisa protestar contra a escuridão. Que xingar político em praça pública, jamais seja confundido com combater a corrupção. Mandar prefeito e vereadores para cadeia também não significa moralização. Prender os corruptos é apenas uma questão de justiça. Vamos mudar o jeito de governar dos nossos administradores, quando repensarmos primeiro, o nosso jeito de participar das gestões públicas.

Fomos vítimas de Artuzi, dos vereadores e de seus antecessores. Mas eles também foram vítimas de nossa omissão. O silêncio pode ter encorajado aqueles que não se arriscariam tanto se tivessem sido fiscalizados. Nossa grande missão será apresentar uma nova plataforma aos eleitos pelo povo. Que se sintam vigiados. Motivados a ousar, mas com o dever de prestar contas de seus atos. Se forem tímidos, poderemos encorajá-los. Se faltar instrução, provaremos que é a hora de pedir conselho aos anseios da comunidade. Só não temos o direito de cobrar nada disso, enquanto formos meros espectadores.

O combate à corrupção está em nossas mentes.

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FINAL

Não fui bom o bastante como investigador. Descobriram minhas gravações 3 semanas antes da Operação Uragano. Todos se afastaram de mim, menos Artuzi, imaginando que a minha intenção era apenas usar os vídeos para aliviar a extorsão dos vereadores. Ninguém suspeitou que as gravações já estavam em poder da Polícia Federal.

O vice-prefeito Carlinhos Cantor conversou comigo a respeito do assunto.

- Cuidado meu irmão. Vai ser o seu fim na cidade se você realmente estiver gravando a gente. Pensa bem - Alertou Cantor.

Ele disse ainda que eu não encontraria mais emprego no meio político e as portas dos veículos de comunicação se fechariam para mim.

Carlinhos está equivocado. Ainda restam políticos éticos. Quanto à imprensa, apesar de colegas desleais como Valfrido Silva, acredito na maioria dos meus companheiros de trabalho. O vice de Ari também desafinou quando disse que seria o meu fim em Dourados. Não é. Prefiro ficar e olhar nos olhos de meus desafetos, do que viver fugindo sob a sombra da covardia.

Não encerraria esse livro sem desfazer toda a confusão semeada por Valfrido Silva Melo. Erra quem pensa que não o

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perdoei. A mágoa já foi lavada, mas preciso encarar a sociedade lá fora de cabeça erguida.

Procuraria Valfrido onde estivesse, mas ele veio até mim. Chegou sem avisar. Procurou a mim em minha sala, na prefeitura.

- Quanto tempo Passaia!

- Verdade Valfrido, só nos vemos em seu blog não é?

- Ha sim, mas as coisas podem mudar.

Conversamos por quase meia hora sobre política. Ele reclamou que o filho bateu o carro e precisava de um novo. A mensagem não deixou dúvida, ele queria se ''entregar". Precisava de dinheiro e estava disposto a negociar seus textos. Foi uma gravação tensa, me provocou mais nervosismo do que os registros feitos com a "máfia nipo-brasileira".

- Mas e aí Valfrido, quer que o Artuzi te pague o carro.

- Sim, o Tetila me deu um carro na administração passada.

- Por isso então você era tão bonzinho com ele? - perguntei num tom irônico.

- Eu era amigo do Tetila, posso ser teu amigo e do Ari também poxa!

- Então vamos deixar claro: eu pago o carro e o seu blog não ataca mais a gente?

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- É isso - confirmou Valfrido.

Disse a ele que pensaria a respeito. Nos despedimos e nunca mais atendi as suas ligações. Não irei processá-lo por calúnia ou difamação. Não me importarei mais com novos ataques. Já provei quem é quem na triste história da era Artuzi. Minha conversa derradeira com Valfrido Silva me devolveu o que havia perdido há alguns meses: um coração livre.

Antes de ser calado pelo ponto final, preciso lembrar que não fiz tudo isso por vingança. A vida pode até ser curta, mas precisa ter uma bela história. E uma bela história não depende de um personagem cheio de sucesso, precisa apenas estar cercada de pessoas com valores morais. Se vivermos com justiça, morreremos com honra. Vida longa a todos nós.

Obrigado Dourados!