- 1. INTRODUO A CINCIA DO DIREITO COMPNDIO DE DIREITO MARIA
HELENA DINIZ Prefcio Neste livro no pesquisamos o direito, mas a
prpria cincia que se ocupa dos fenmenos jurdicos, ou seja, a cincia
jurdica, porque a introduo cincia do direito pretende dar aos que
se iniciam no estudo do direito no s uma viso panormica e sinttica
das principais fundamentaes doutrinrias da cincia jurdica, sem
repudiar qualquer delas, mas tambm delimitar os conceitos bsicos da
elaborao cientfica do direito. Procuramos oferecer, de modo simples
e objetivo, a base informativa necessria aos estudantes do direito,
para que eles, compreendendo como se constitui e se caracteriza o
conhecimento do jurista, possam iniciar uma viagem nos domnios da
cincia jurdica e adotar uma atitude analtica e crtica diante das
questes de direito. mister deixar bem claro que este ensaio est
longe de ser um tratado completo da cincia jurdica, pois no tem a
pretenso de esgotar todas as questes relativas ao conhecimento
jurdico-cientfico. Trata-se de uma obra com cunho didtico, por isso
colocamos ao final de cada ponto um quadro sintico, para
proporcionar uma viso global da matria ministrada. As referncias
bibliogrficas auxiliaro os estudiosos na busca de leituras
complementares mais profundas e ricas em investigaes
cientfico-jurdicas. Ante o grande nmero de concepes
epistemolgico-jurdicas que pretendem explicar a cincia do direito,
cada qual sob um prisma diverso, conclumos que no se deve aceitar
rtulo doutrinrio que a circunscreva dentro de certo sectarismo, uma
vez que o jurista contemporneo tem necessidade de acolher todas as
contribuies tericas, para nelas identificar as diretrizes comuns e
essenciais, mediante um trabalho de reflexo e comparao, pois todas
as concepes surgidas na histria da cincia jurdica, por mais hostis
que sejam, trazem sua parcela para o patrimnio geral do
conhecimento cientfico-jurdico. Evitamos o monoplio de uma teoria,
visto que os problemas epistemolgicos no mais se resolvem por uma
especulao abstrata ou por um mergulho no pensamento puro, por ser
impossvel compreender, em todo o seu alcance cientficotjloslco, a
cincia do direito sem o recurso a todas as noes fundamentais con-
XVI tidas nas teorias clssicas e modernas. Todavia, reconhecendo
que h pontos discutveis e opinies provveis, confessamos que certas
posies tomadas pelo nosso esprito advieram de princpios filosficos
assentados como base, por nos parecerem mais expressivos para
configurarem a cincia do direito e os conceitos jurdicos
fundamentais. Maria Helena Diniz i CAPTULO I Natureza epistemolgica
da introduo a cincia do direito 1. INTRODUO CINCIA DO DIREITO E SEU
CARTER PROPEDUTICO OU ENCICLOPDICO A introduo cincia do direito uma
matria, ou um sistema de conhecimentos, que tem por escopo fornecer
uma noo global ou panormica da cincia que trata do fenmeno jurdico,
propiciando uma compreenso de conceitos jurdicos comuns a todas as
disciplinas do currculo do curso de direito e introduzindo o
estudante e o jurista na terminologia tcnico-jurdica. , por isso,
uma enciclopdia, por conter, alm dos conhecimentos filosficos, os
conhecimentos de ordem cientfica - sem, contudo, resumir os
diversos ramos ou especializaes do direito - e por abranger, no s
os aspectos jurdicos, mas tambm os sociolgicos e histricos.
Trata-se de uma disciplina essencialmente preparatria ou
propedutica ao ensino dos vrios ramos jurdicos, devido s noes
bsicas e gerais que visa
- 2. transmitir, constituindo uma ponte entre o curso mdio e o
superior. Poder-se-ia trazer colao, para justificar essa matria no
curso de direito, as sbias palavras de Victor Cousin, ao pleitear,
em 1814, a sua criao, em Frana, transcritas por Lucien Brun:
"Quando os jovens estudantes se apresentam em nossas escolas, a
jurisprudncia para eles um pas novo do qual ignoram completamente o
mapa e a lngua. Dedicam-se de incio ao estudo do direito civil e ao
do direito romano, sem bem conhecer o lugar dessa parte do direito
no conjunto da cincia jurdica, e chega o momento em que, ou se
desgostam da aridez desse estudo especial, ou contraem o hbito dos
detalhes e a antipatia pelas vistas gerais. Um tal mtodo de ensino
bem pouco favorvel a estudos amplos e profundos. Desde muito tempo
os bons espritos reclamam um curso preliminar que tenha por objeto
orientar de algum modo os jovens estudantes no labirinto da
jurisprudncia; que d uma vista geral de todas as partes da cincia
jurdica, assinale o objeto distinto e especial de cada uma delas e,
ao mesmo tempo, sua recproca dependncia e o lao ntimo que as une;
um curso que estabelea o mtodo geral a seguir no estudo do direito,
com as modificaes particulares que cada ramo reclama; um curso,
enfim, que faa conhecer as obras importantes que marcaram o
progresso da cincia. 4 Um tal curso reabilitaria a cincia do
direito para a juventude, pelo carter de unidade que lhe
imprimiria, e exerceria uma influncia feliz sobre o trabalho dos
alunos e seu desenvolvimento intelectual e moral". A introduo
cincia do direito no consiste apenas no conjunto de noes
propeduticas necessrias para que o estudante possa embrenhar-se,
com proveito, na selva emaranhada dos estudos jurdicos, nem no
instrumento que h de guiar o principiante no spero caminho que
comea a transitar, por ser tambm o saber que expe as linhas
fundamentais da cincia jurdica. Comparada a um mapa que guia o
viajante recm-chegado pela imensido do continente jurdico, a
introduo cincia do direito responde, obviamente, necessidade de uma
disciplina com carter enciclopdico ou geral no curso jurdico. Tal
matria j foi rotulada como: introduo ao direito, introduo s cincias
jurdicas, enciclopdia jurdica, introduo geral ao direito, introduo
enciclopdica ao direito, introduo ao direito e s cincias sociais,
introduo s cincias jurdicas e sociais, prolegmenos do direito,
teoria geral do direito etc. No Brasil, essa disciplina tornou-se
obrigatria nos cursos jurdicos pelo Decreto n. 19.852/31, com a
denominao introduo cincia do direito. Com a aprovao da Resoluo n.
3, de 25 de fevereiro de 1972, pelo Conselho Federal de Educao, a
tradicional denominao introduo cincia do direito, que era oficial
desde 1931, foi substituda por introduo ao estudo do direito,
includa entre as matrias bsicas como pr-requisito de todas as
disciplinas profissionais. Atualmente, pela Portaria n. 1.886/94,
art. 6, I, do Ministrio da Educao e do Desporto, tal disciplina
recebe a designao de Introduo ao Direito. Contudo, preferimos a
designao introduo cincia do direito, pelo seu rigor tcnico,
inquestionvel'. 1. Luiz Fernando Coelho, Teoria c/a cincia do
direito, So Paulo, Saraiva, 1974, p. 1; Francisco Uchoa de
Albuquerque e Fernanda Maria Uchoa, Introduo era estudo do direito,
So Paulo, Saraiva, 1982, p. 36-8; A. Machado Pauperio, Introduo ao
estudo do direito, Rio de Janeiro, Forense, 1981 , p. 13, 15 e 16;
Daniel Coelho de Souza, lotoduo cincia do direito, 4. ed., So
Paulo, Saraiva, 1983, p. V. IX e X; A. 1.. Machado Neto, Teoria da
cincia jurdica, So Paulo, Saraiva, 1975, p. 2 e 9; Compndio de
inflo duo cincia do direito, 5. ed., So Paulo, Saraiva, 1984, p. 3;
Djacir Menezes, Introduo cincia do dirrinr, 4. ed., Rio de Janeiro,
1964, p. 283; Abelardo 'Forre, Inlroduccirhr al drr ~ cc hr . 6.
al., Ahclcdu-1 a rot, Buenos Aires, p. 84 e s.; Amuro Orgaz,
Lecciones de intruhirridn aI k rechn r u Ias cicncius snrioles,
(rdoha, 1945, p. 8. No texto de Lucien Brun o termo.lurisynudnciu
esta sendo empregado como sincninio de cincia jurdica. 2. INTRODUO
CINCIA DO DIREITO E EPISTEMOLOGIA JURDICA
- 3. A introduo cincia do direito 2 no uma cincia, mas uma
enciclopdia, visto que contm conhecimentos cientficos (jurdicos,
sociolgicos e, s vezes, histricos), filosficos, introdutrios ao
estudo da cincia jurdica. A introduo cincia do direito no possui um
prisma prprio para contemplar o direito, fazendo as vezes de
filosofia jurdica, quando procura expor os conceitos universais do
direito, que constituem os pressupostos necessrios de quaisquer
fenmenos jurdicos; de dogmtica jurdica, quando discute normas
vigentes em certo tempo e lugar e aborda os problemas da aplicao
jurdica; de sociologia jurdica, quando analisa os fatos sociais que
exercem influncia na seara jurdica, por intervirem na gnese e
desenvolvimento do direito; de histria jurdica, quando contempla o
direito em sua dimenso temporal, considerando-o como um dado
histrico-evolutivo que se 2. Numerosas so as obras sobre tal
disciplina, dentre elas destacam-se as de: Paulo Dourado de Gusmo,
Introduo cincia do direito, Rio de Janeiro, Forense, 1959; A. L.
Machado Neto, Compndio, cit.; J. Flscolo da Nbrega, Introduo ao
direito, 3. ed., Rio de Janeiro, Kontino, 1965; Luiz Fernando
Coelho, Teoria, cit.; Francisco Uchoa de Albuquerque e Fernanda
Maria Uchoa, Introduo, cit., p. 26 e 27; A. Machado Pauperio,
Introduo, cit.; Daniel Coelho de Souza, Introduo, cit.; Andr Franco
Montoro, Introduo cincia do direito, 3. ed., So Paulo, Livr.
Martins Ed., 1972, v. I e 2; Franois Rigaux, Introduction la
science du droit, Bruxelles, Ed. Vie Ouvrire, 1974; Wilson de Souza
Campos Batalha, Introduo ao direito, So Paulo, Revista dos
Tribunais, 1967; Djacir Menezes, Introduo, cit.; A. B. Alves da
Silva, Introduo cincia do direito, So Paulo, Ed. Salesianas, 1940;
Julien Bonnecase, lntroduction /'elude du droit, Paris, Sirey,
1931; Carlos Mouchet e Ricardo Zorraqun Becu, lntroduccin al
derecho, 7. ed., Buenos Aires, Abeledo-Perrot. 1970; Legaz y
Lacambra. erNo c r /nnruluccin a Ia ciemiu del derecho, Barcelona,
Bosch, 1943 _ , Alessandro GrcPPali, Av warilc /lo Eduardo CGarcia
Mynez lmroduccin aI estudio del dereclto ctu/iode/ diruic, Milano,
Criu(Ir, 195 I; Eduurd Mxico, Porra, 1972; Gastou May, Introdaction
la science chi droit, Paris, Ed. M. Giard, 1932; J. Haesaert,
Thorie gnrale du droit, Emile Bruylant, Bruxelles, 1948; Altalin,
Garcia Olano e J. n. : Miguel RealeLi Vilanova, bvruduccin (11
derrete, 5 .. cd., Buenos Aucs, 1.1 Alcnc0I956 2 v.; M~ de.s de
direito, So Paulo, Saraiva, 1976; Hermes Linir, in!rodi ao cincia
do direito Rio de l rc luninures Janeiro Freitas Bastos 1970;
Vicente Ro, (1 direito e a vida dos direitos, So Paulo, Max
I.inionad, 1952; BenIamin de Oliveira Filho, /nnvchiu ciru ia do
direito, Tip. Jornal do Comrcio, Rio de Janeiro, 1954; Trcio
Sampaio Ferraz. Jr., Introduo ao estudo do direito, So Paulo,
Atlas, 1988. 6 Natureza epistemolgica da introduo cincia do direito
7 desenrola atravs dos tempos. Falta-lhe, portanto, unidade de
objeto, ou seja, um campo autnomo e prprio de pesquisa. No uma
cincia por no ter objeto prprio, mas, apesar disso, uma disciplina
epistemolgica, como nos ensina A. L. Machado Neto, porque: a)
Responde s seguintes questes: O que a cincia do direito? Qual o seu
objeto especfico? Qual o seu mtodo? A que tipo de cincia pertence?
Como se constitui e caracteriza o conhecimento do jurista? Essas
interrogaes existem, surgem a cada momento na vida do cientista do
direito, pois concernem a um dos problemas jusfilosficos
fundamentais, tornando necessrio procurar-lhes, seno uma resposta
definitiva, pelo menos um esclarecimento altura de sua importncia
para o mundo jurdico. Compete filosofia do direito solucionar o
problema do conhecimento jurdico, na sua parte especial designada
epistemologia jurdica, que, no sentido estrito, tem a incumbncia de
estudar os pressupostos, os caracteres do objeto, o mtodo do saber
cientfico e de verificar suas relaes e princpios. Nesse sentido
a
- 4. epistemologia jurdica a teoria da cincia jurdica, tendo por
objetivo investigar a estrutura da cincia, ou seja, visa o estudo
dos problemas do objeto e mtodo da cincia do direito, sua posio n0
quadro das cincias e suas relaes com as cincias afins. A
epistemologia considerada, em sentido amplo, como sinnimo de
gnoseologia, parte integrante da filosofia que estuda crtica e
reflexivamente a origem, a natureza, () alcance, os limites e o
valor da faculdade humana de conhecimento e os critrios que
condicionam a sua validade e possibilidade. a teoria do
conhecimento em geral e no apenas do saber cientfico; a teoria do
conhecimento jurdico em todas as suas modalidades: conceitos
jurdicos, proposies, raciocnio jurdico etc. Depreende-se daqui que
a epistemologia difere da teoria do conhecimento ou gnoseologia,
visto que estuda o conhecimento na diversidade das cincias e dos
objetos, enquanto aquela o considera na unidade do esprito. Logo, a
epistemologia jurdica a teoria da cincia do direito, um estudo
sistemtico dos pressupostos, objeto, mtodo, natureza e validade do
conhecimento jurdico-cientfico, verificando suas relaes com as
dentais cincias, ou seja, sua situao no quadro geral do
conhecimento'. 3. 0 vocbulo epistemologia advm do grego epistnie
que significa cincia e logos, ou seja, estudo: e o termo
gnoseologia oriundo do grego gnosis que indica conhecimento. V A.
Franco Montoro, hnroduo, cu., v. I, p. 130; A. L. Machado Neto,
Teoria da cincia jurdica, cit., p. t; Miguel Reate, flosola do
direito, 5. ed., So Paulo, Saraiva, v. I , p. 40 e 160; Johannes
Hessen, Teoria tje'l ccmoc'imiento, Buenos Aires, Losada, p. 21;
Andr Lalande, pistmologie e gnosologie, in Vocahupure technique et
critique de Ia /rhiloso/rhie 4. e d., Paris, `PU F : , 1968, v. 2;
A. Xavier Teles, /ntrrdu(.io au estudo da filoso/ia, Atica 1965, p.
55; bury rhiloso rlt . Victor F. Lenten, Philosophy of science, in
7icentieth cu. I ! ) New York. Pd. Runes, 1943, p. 109. Ante o
exposto, fcil concluir que a introduo cincia do direito uma
epistemologia jurdica, j que alude no ao direito, mas cincia que
trata dos fenmenos jurdicos, de maneira a responder questo sobre o
que a cincia jurdica como uma introduo, a fim de que o estudante no
a confunda com direito, que seu objeto, o que levaria a uma inverso
de conceitos, comprometendo o nvel terico dos juristas. O autor de
uma obra sobre "introduo cincia do direito" deve dar, pelo menos,
uma idia do que seja a cincia jurdica, deixando claro que no est
tratando do direito, que tarefa do jurista. O professor de introduo
cincia do direito, situando-se na categoria intelectual de quase
jusfilsofo, ocupa-se, no dizer de Ortega y Gasset, com algo que tem
que ver com o direito, mas que no se identifica com ele. Quem trata
do direito est elaborando cincia jurdica, mas quem se ocupa com a
cincia do direito est fazendo epistemologia. Da o ntido teor
epistemolgico da introduo cincia do direito, que busca apresentar,
esquematicamente, os vrios problemas ou questes que se apresentam
cincia jurdica. b) Define e delimita, com preciso, os conceitos
jurdicos fundamentais que sero utilizados pelo jurista para a
elaborao da cincia jurdica. Tais conceitos bsicos abrangem os de
relao jurdica, fonte jurdica, direito objetivo e subjetivo, direito
pblico e privado, fato jurdico, sano e interpretao, integrao,
aplicao da norma no tempo e no espao etc. Sem a determinao desses
conceitos, o jurista no poder realizar sua tarefa intelectual. Este
estudo, que objeto da teoria geral do direito, segundo muitos
autores, por ser considerado o centro vital da introduo cincia do
direito, possui, indiscutivelmente, carter epistemolgico, por ser
um conhecimento de natureza filosfica. c) Apresenta,
sistematicamente, a evoluo das escolas cientfico-jurdicas que
predominaram na histria, para familiarizar o estudante com as
correntes fundamentais do pensamento jurdico'. Exige-se,
modiernamente, ante o fato de se dar normatividade do direito uma
nova dimenso, que o jurista tenha um conhecimento sistemtico do
ordenamento
- 5. jurdico, voltado jusfilosofia, para fixar toda a riqueza da
vida 4. A. L. Machado Neto, Teoria da cincia jurdica, c it., p. 2-1
Q e Compndio, c it., p. 3-9; Miguel Rca ea I Lies /rrelimin res )'
" So e, o . , cit., p. 11; M. Helena I miz, A cincio,iurlira,
Prefcio, 2. ed., Sae P.mlo, Resenha Universitria, 1982, p. I I e
12, nota 30; A. B. Alves da Silva, lmroduo, cit., p. 2; Luiz
Fernando Coelho, Teoria, cit., p. 6-12; Ortega y Gasset, Apuntes
sobre el pensamiento, su teurgia y su demiu gia, in Obras
completa.%, 2. ed., Madrid, Revista de Occidente, 1951, v. 5, p.
525; Carlos Mouchet e Ricardo Zorraqun Becu, lntroducci6n, cit., p.
83. QUADRO SINTICO NATUREZA EPISTEMOLGICA DA INTRODUO CINCIA DO
DIREITO 1. CONCEITO DE INTRODUO CINCIA DO DIREITO 2. CARTER
PROPEDUTICO DA INTRODUO CINCIA DO DIREITO 3. CARTER EPISTEMOLGICO
DA INTRODUO CINCIA DO DIREITO A introduo cincia do direito uma
matria que visa fornecer uma noo global da cincia que trata do
fenmeno jurdico, propiciando uma compreenso de conceitos jurdicos
comuns a todos os ramos do direito e introduzindo o estudante e o
jurista na terminologia tcnico-jurdica. E uma enciclopdia, por
conter conhecimentos cientficos, abrangendo, alm dos aspectos
jurdicos, por vezes, at, os sociolgicos e histricos, filosficos,
introdutrios ao estudo da cincia jurdica. uma matria essencialmente
propedutica ao ensino dos vrios ramos jurdicos, constituindo uma
ponte entre o curso mdio e o superior. A introduo cincia do direito
no cincia, por faltar-lhe unidade de objeto, mas uma disciplina
epistemolgica por: a) dar uma viso sinttica da cincia jurdica; b)
definir e delimitar, com preciso, os conceitos jurdicos
fundamentais, que sero utilizados pelo jurista na elaborao da
cincia jurdica; c) apresentar, de modo sinttico, as escolas
cientfico-jurdicas. CAPTULO II Cincia jurdica 1. NOO PRELIMINAR DE
CONHECIMENTO E CORRELAO ENTRE SUJEITO COGNOSCENTE E OBJETO
COGNOSCVEL Este item imprescindvel para a compreenso cabal deste
ensaio, pois, para entendermos a cincia jurdica, mister que
esbocemos, sucintamente, algumas noes fundamentais sobre o
conhecimento, visto que cincia conhecimento. Importa nessa ordem
preliminar de consideraes levantar a seguinte questo: o que
conhecimento? Conhecer trazer para o sujeito algo que se pe como
objeto. " a operao imanente pela qual um sujeito pensante se
representa um objeto''. Consiste em levar para a conscincia do
sujeito cognoscente algo que est fora dele. o ato de pensar um
objeto, ou seja, de torn-lo presente inteligncia'-. O conhecimento
a apreenso intelectual do objeto. , na magistral lio de Goffredo
Telles Jr., o renascimento do objeto conhecido, em novas condies de
existncia, dentro do sujeito conhecedor. Apresenta-se, portanto, o
conhecimento como uma transferncia das propriedades do objeto para
o sujeito pensante. Esse renascimento vai alterar de uma I.
Goflhedo Telles Jr., Tratado da conseqncia, 2. ed., Bushatsky,
1962, p. 7. 2. Goffredo Telles Jr., Tratado, cit., p. 7 e 8; Miguel
Reale, Filoso/u do (lireito, 5. ed., Saraiva, v. I, p. 48. O
sujeito aquele que conhece. O termo objeto advm do latim ob e
jectum - aquilo que se pe diante de ns. -Objeto- tudo aquilo de que
se pode dizer alguma coisa. Ou. como dizem Romero c Pucciarclli
(Lgica, Buenos Aires, 1948, p. 16, 2u): "Do ponto de vista formal,
denomina-se objeto tudo o que capaz de admitir um predicado
qualquer, tudo o que pode ser sujeito de um juzo. E, pois, a noo
mais geral possvel, j i que no importa que o mencionado objeto
exista ou no: hasta que dele se possa pensar e dizer algo-. Sobre
conhecimento, consulte Frmcisco Uchoa dc Albuquerque e Fernanda
Maria Uchoa, Introdu(im uo estudo do direito, So Paulo, Saraiva,
1982, p. I e 2.
- 6. 3. Goflredo'l'clles Jr., Tratado, cil., p. 7 e 8.
Conhecimento para esse autor "a traduo cerebral de um objeto''.
Salienta esse mestre que o vocbulo "conhecimento" decorre de
"conasci'', significando "cnnosrimentn" (r. 0 direito yuiuuico, 5.
ed., So Paulo, Max I,imonad, 1980, p. 204 e 189 e s.l. *
~...E.c.K..v uc truroauao a ctencia ao direito Cincia jurdica 15
certa maneira o sujeito cognoscente, porque a coisa conhecida ser
sua parte integrante. Sendo o conhecimento a representao do objeto
dentro do sujeito cognoscente, torna-se fcil evidenciar os liames
que se estabelecem entre os dois elementos inseparveis do binmio
sujeito e objeto'. No conhecimento encontram-se frente a frente a
conscincia cognoscente e o objeto conhecido. A dualidade de sujeito
e objeto uma relao dupla, ou melhor, uma correlao em que o sujeito
sujeito para o objeto e o objeto objeto para o sujeito, de modo que
no se pode pensar um sem o outro. O sujeito cognoscente tende para
o objeto cognoscvel. Esta tendncia a intencionalidade do
conhecimento, que consiste em sair de si, para o objeto, a fim de
capt-lo mediante um pensamento; o sujeito produz um pensamento do
objeto. O ato cognoscitivo refere-se a algo heterogneo a si ou
diferente de si. Todo pensamento apreenso de um objeto; pensar
dirigir a ateno da mente para algo. O objeto, por sua vez, produzir
uma modificao no sujeito conhecedor que o pensamento. Este, visto
do sujeito, nada mais seno a modificao que o sujeito produziu em si
mesmo para apossar-se do objeto; visto do objeto , como j dissemos,
a modificao que o objeto, ao entrar no sujeito, produziu no seu
pensamento. Assim sendo, aquilo que o "eu" , quando se torna
sujeito cognoscente, o em relao ao objeto que conhece. A funo do
sujeito consiste em apreender o objeto e esta apreenso apresenta-se
como uma sada do sujeito de sua prpria esfera, invadindo a do
objeto e captando as suas propriedades. O objeto captado
conserva-se heterogneo em relao ao sujeito, por ser transcendente,
pois existe em si, tendo suas propriedades, que no so aumentadas,
diminudas ou modificadas pela atividade do sujeito que o quer
conhecer. Mas, na relao cognoscitiva, segundo os moldes kantianos,
no um "ser em si", 4. Goffredo Telles Jr., O direito quntico, cit.,
p. 204. Oportuno lembrar a esse respeito o ensinamento kantiano,
segundo o qual com o conhecimento do sujeito transferem-se ao
objeto as estruturas prprias do pensamento do conhecedor e se reduz
o ser, que o simples termo do "eu" que conhece. O objeto no mais do
que um produto do sujeito, de sorte que a realidade fica
aprisionada s condies em que funcionou o pensamento. V. Manuel G.
Morente. lluu/a nenlu.r de,/ileso/iu - lies preliminares, trad.
Guillertno de Ia Cruz Coronado, 4. ed., So Paulo, Mestre Jou, 1970,
p. 125. 5. Jaspers. Gururlut da ao pensamento /lusv/co, Cultrix, p.
36: Joseph Marchal. O ponto de partida da meta/iri -a, cad. V, sec.
11, cap. I. 22, citado por Goffredo ]'cites Jr.. O direito quntico.
cil., p. 204; N. Hartmann, Ontologia v fundamentos, Mxico, 1954, p.
147; Miguel Reale (Sentido do pensar no nosso tempo, XBF, fase.
100, p. 391) escreve: "O carter intencional da conscincia e a
correlao funcional subjetivo-objetiva so condies do conhecimenui".
6. Johannes Hessen, koria do conhecimento. 5. ed., Coimbra, Armnio
Amado Ed., 1970,It. 26; P Stanislavs Ladusar s t . F enontenologia
da estrutura dinmica do conhecimento. Anuis du VIU Con ,4re.cso
/uterumcrirmio de Nlasu/ia, v. I , p. 379 e 380; Manuel G. Morente.
Fundamentas de i/oso l fra, p. 145-6 e 167: Miguel Reale, Sentido
do pensar ent nosso tempo, HBF, cif., fase 100, p. 392-5. como uma
realidade transcendente; despoja-se desse carter de existente por
si e em si e converte-se em um ser "para" ser conhecido, em um ser
posto, logicamente, pelo sujeito pensante como objeto de
conhecimento. Aquilo que o objeto a conhecer , o no "em si" mas em
relao ao sujeito conhecedor'. O
- 7. objeto enquanto conhecido uma imagem e no algo do mundo
extramental. Essa imagem no uma cpia de um objeto, apesar de ser a
traduo cerebral desse objeto, no idntica a ele por ser mais pobre
em elementos determinantes'. O sujeito cognoscente sujeito apenas
enquanto h objeto a apreender e o objeto somente objeto de
conhecimento quando for apreendido pelo sujeito. Logo, todo
conhecimento envolve trs ingredientes: o "eu" que conhece; a
atividade ou ato que se desprende desse "eu" e o objeto atingido
pela atividade'. Ntida a correlao entre o sujeito pensante e o
objeto pensado. Esse relacionamento intelectual entre ambos o que
chamamos de conhecimento. H dualidade de pensamento e objeto10. 7.
Manuel G. Morente, Fundamentos de, filosofia, cit., p. 147-217, 143
e 244-63. 8. Goffredo Telles Jr. (O direito quntico, cit., p.
209-14, 217-74, 277-82) escreve: Mesmo quando o estmulo deixa de
excitar um rgo sensrio, perdura o conhecimento. Esse conhecimento a
imagem. que o que fica no crebro, de unia sensao cessada. As
sensaes que so objetos do conhecimento. Os objetos do mundo
exterior permaneceriam inacessveis ao conhecimento, pois, ao
estimularem os rgos dos sentidos, apenas produzem impulsos nervosos
sempre iguais. Esta afirmao no nega o mundo exterior isto porque o
conhecimento efeito da ao dos objetos sobre os rgos dos sentidos:
se assim no fosse no haveria explicao possvel para a existncia de
sensaes. Cada sensao a traduo individualizada de um determinado
objeto ou estmulo. A percepo individualizada de um todo - de uma
rvore, de uma msica, p. ex. - resulta da conjugao de sensaes
individualizadas das partes desse todo. Os rgos dos sentidos ao
serem impressionados por um objeto do mundo exterior lanam, pelos
nervos aferentes, um conjunto harmnico de impulsos e no apenas um s
impulso. Esses impulsos produzem, no crebro, sensaes reciprocamente
ajustadas, compondo a percepo do objeto que agiu como estmulo. A
qualidade da sensao depende do centro cerebral a que o impulso
levado. As imagens so interpretaes dadas pelo crebro a esses
impulsos. O crebro no se limita a traduzir em sensaes os impulsos
nervosos, mas tambm ordena as reaes do organismo, em resposta aos
estmulos que excitaram as clulas nervosas... A imagem no cpia de um
objeto, isto porque toda cpia cpia de um objeto j conhecido. Como
copiar o que no se conhece'?... O objeto para o sujeito sempre
diferente, segundo os aspectos com que se examina, pois muda de
aspecto conforme o ngulo em que visto, conforme a distncia que o
separa do conhecedor etc. Observa, ainda. Jolivet (Curso
de,flo.sofia, Ed. Agir, 1965, v. 3) que, deveras, a razo no uma
cera passiva onde as sensaes se inscrevem, mas um rgo ativo que as
ordena, transformando a multiplicidade catica dos fatos da
experincia em ordenadas unidades do pensamento. A coisa em si (em
oposio coisa tal qual aparece) permanece, de certo modo, uma
incgnita, segundo Kant. Admite esse filsofo a realidade do objeto
independente do sujeito pensante. As coisas em si ou no unenon.c so
incognoscveis. 9. Luiz Fernando Coelho. Teoria da cincia do
direita, So Paulo, Saraiva, 1974, p. 14. 10. A dual idade entre
sujeito pensante e objeto universal. Se pensamos uma ma mediante o
pensamento de uma ma, ambas as coisas no se identificam; a ma doce
e posso nuxd-la, o pensamento nem doce, nem tem a possibilidade de
ser mordido. Se penso um tringulo mediante o pensamento de um
tringulo, o tringulo possui trs ngulos, mas o pensamento que lhe
cor espondente carece (te ngulos (v. Carlos Cossio, Teoria egolgica
del Se echo V e/ concepto jurdico de lihertad, 2. ed., Buenos
Aires, Aheledo-Perros. 1964, p. 227). 16 Cabe salientar ainda que o
conhecimento de algo est condicionado pelo sistema de referncia
daquele que conhece, logo, no h conhecimento absoluto, pois ele s
pode ser relativo". Ao se relacionar um conhecimento a um sistema
de referncia, formulase um juzo, que o ato mental pelo qual se
afirma ou se nega uma idia. Impossvel o conhecimento sem esta
operao de enunciar e combinar juzos entre si, uma vez que o
conhecimento implica sempre uma coerncia entre os juzos que se
enunciam e, alm disso, s se poderia transmitir conhecimentos
mediante juzos''. QUADRO SINTICO
- 8. NOO PRELIMINAR DE CONHECIMENTO E CORRELAO ENTRE SUJEITO
COGNOSCENTE E OBJETO COGNOSCVEL Segundo Goffredo Telles Jr.,
conhecimento o renascimento do objeto conhecido, em novas condies
de existncia dentro do sujeito conhecedor. 1. CONCEITO DE
CONHECIMENTO Ntida a correlao entre sujeito pensante e objeto
pensado, por ser o conhecimento a representao do objeto dentro do
sujeito cognoscente, de modo que aquilo que o "eu" 2. CORRELAO
ENTRE _ , quando se torna sujeito conhecedor, o em SUJEITO E OBJETO
relao ao objeto que conhece, e aquilo que o objeto a conhecer , o
no "em si", mas em relao ao sujeito pensante, isto , convertese em
um ser "para" ser conhecido, em um ser posto, logicamente, pelo
sujeito cognoscente como objeto de conhecimento. 11. Goffredo
Telles Jr. (O direito quntico, cit., p. 284-93) entende que o
sistema de referncia produto de muitas causas: do legado gentico,
aprendizagem, experincias etc. Cada homem possui seu prprio
universo cognitivo, mas seu sistema de referncia pode no pertencer
exclusivamente a ele, por ser de unia comunidade inteira. Oriundos
das mesmas contingncias, natural que os sistemas de referncia de
pessoas de uni mesmo grupo sejam semelhantes uns aos outros. Tais
sistemas constituem um patrimnio cultural comum. 12. V. Ladusans,
Fenomenologia, Anai.c do VIU Congresso lnteranrericano de
Filosofia, cit., p. 386; Miguel Reale, Filosofia do direito, cit.,
v. I, p. 54; Gofliedo Telles Jr., O direito qucntico, cit., p. 292
e 293. Sobre conhecimento e correlao entre sujeito cognoscente e
objeto, consulte M. Helena Diniz, A cinciaJjurdica 2. ed. So Paulo,
Resenha Universitria, 1982, p. 7, notas 21 e 22; p. 168-72, nota
59. 2. CONHECIMENTO CIENTFICO A. CARACTERES E CONCEITO Chegados a
essa altura, cremos que no soaria como um despropsito respondermos
indagao: o que cincia? Antes de iniciarmos nosso estudo sobre o
tema, ouamos, pela sua oportunidade e sabedoria, a lio de Trcio
Sampaio Ferraz Jr.", que evidencia que o vocbulo "cincia" no
unvoco, se bem que com ele se designe um tipo especfico de
conhecimento; mas no h um critrio nico que determine a extenso, a
natureza e os caracteres deste conhecimento, isto porque os vrios
critrios tm fundamentos filosficos que extravasam a prtica
cientfica e, alm disso, as modernas disputas sobre tal termo esto
intimamente ligadas metodologia. Entendemos que, na acepo vulgar,
"cincia" indica conhecimento, por razes etimolgicas, j que deriva
da palavra latina scientia, oriunda de scire, ou seja, saber. Mas,
no sentido filosfico, s merece tal denominao, como veremos logo
mais, aquele complexo de conhecimentos certos, ordenados e conexos
entre si". A cincia , portanto, constituda de um conjunto de
enunciados que tem por escopo a transmisso adequada de informaes
verdicas sobre o que existe, existiu ou existir. Tais enunciados so
constataes. Logo, o conhecimento cientfico aquele que procura dar s
suas constataes um carter estritamente descritivo, genrico,
comprovado e sistematizado. Constitui um corpo sistemtico de
enunciados verdadeiros. Como no se limita apenas a constatar o que
existiu e o que existe, mas tambm o que existir, o conhecimento
cientfico possui um manifesto sentido operacional, constituindo um
sistema de previses provveis e seguras, bem como de reproduo e
inferncia nos fenmenos que descreveu 13. Direito, retrica e
connuucotdo, So Paulo, Saraiva, 1973, p. 159 e 160. 14. Alves da
Silva /ntrodu1 r no cincia lo dircei!o So Paulo, Lr1. i a s. 1940,
p. _ 5. C 'in S:dcsana suite Yulo Brando, O problema do
conhecimento e a sua exala posio, RBF, fase. 105, p. 92-8. 15.
Trcio Sampaio Ferraz Ji., A cincia do direito, So Paulo, Alias,
1977, p.
- 9. 10 e I I ; Charles W. Morris, / ur,gurr~e and brhari ir, New
York, 1955, cap. V. 18 Cincia jurdica 19 vista disso, tentaremos
ensaiar algumas de suas caractersticas primordiais. Em oposio ao
saber vulgar, que faz constataes da linguagem cotidiana, a cincia
um saber metodicamente fundado, demonstrado e sistematizado. A
sistematicidade o principal argumento para afirmar a
cientificidade10. O conhecimento cientfico no um saber que se
receba pronto e acabado; , isto sim, um saber obtido e elaborado
deliberadamente, com conscincia dos fins a que se prope e dos meios
para efetiv-lo, visando sua justificao como saber verdadeiro ou
certo". Para tanto, procura dar uma explicao satisfatria da
realidade, fundamentada em rigorosas comprovaes ou demonstraes. O
conhecimento vulgar, por sua vez, no decorre de uma atividade
deliberada; mesmo anterior a uma reflexo do pensamento sobre si
mesmo e sobre os mtodos cognitivos. , em regra, assistemtico, pois
as noes que o integram derivam da experincia da vida cotidiana: de
ver atuar, da leitura acidental, de ouvir etc. So exemplos de saber
vulgar a verificao de que ao dia sucede a noite, de que o fogo
queima, de que o relgio marca as horas etc. Enfim, so idias que se
vo depositando por aluvio, sem que nada as ordene. um saber parcial
ou fragmentrio, casusta, desordenado ou no metdico, pois no
estabelece, entre as noes que o constituem, conexes, nem mesmo
hierarquias lgicas. Tais contedos do conhecimento vulgar ou comum
no contam com outra garantia de verdade, seno o fato de serem
geralmente aceitos, porque no se procura verificar a exatido das
observaes em que se baseiam, desconhecendo, assim, as verdadeiras
causas que os explicam e as regras que os regem; e tampouco se
invoca a correo lgica do pensamento de que provieram`. O mtodo a
garantia de veracidade de um conhecimento. Mtodo a direo ordenada
do pensamento na elaborao da cincia. Logo, a cincia requer uma
atividade ordenada segundo princpios prprios e regras peculiares.
ele que guia a investigao cientfica, provando que o resultado de
suas pesquisas verdadeiro. No se deve confundir mtodo com tcnica,
pois o 16. Trcio S:unpaio Ferraz Jr., Direito, retaricu e
conuaricao, cit., p. 160 e 161, e A cincia do direito, cit., p. 10;
C'. W. Morris, Lungrwge, cil. Elyana Barbosa. O que constitui a
cincia, o mtodo ou o objeto'?, RBF, fase. 94.1). 153-7. 17.
Expressivas , s' i ar , st hre o assunto, as palavras de Miguel
Reale (Livnac prrliminure.c de direito, Bushatsky, 1973, p. 11)1):
"Todo conhecimento cientfico pressupe unia ordenao intencional da
inlcli g yuxiu e da vontade, capaz de permitir ao investigador
alcanar um resultado dotado pelo cornos de relativa certe,a. 18. V.
Jlio Luis Moreno, Leis s'upura7as',//u.c/cn.c de la cicio 'ia
jurdica. Montevideo, 1963, p, c. Romeno y 1 ucciurelli, Lgica,
cit., Buenos Aires, 1948, p. 1..7, Liar, Lgicu, Buenos Aires, 1943,
p. 269. A. Tom. Irurodurcin til drveehu. 6. ed., Buenos Aires,
Abelalo- Pert'ut. 1972, p. 40-3. saber cientfico pode utilizar
diversas tcnicas, mas s pode ter um mtodo. "Mtodo o conjunto de
princpios de avaliao da evidncia, cnones para julgar a adequao das
explicaes propostas, critrios para selecionar hipteses, ao passo
que tcnica o conjunto dos instrumentos, variveis conforme os
objetos e temas. O problema do mtodo, portanto, diz respeito prpria
definio de enunciado verdadeiro'`'." Ensina Trcio Sampaio Ferraz
Jr. que, quanto ao mtodo e objeto, as cincias podem ser naturais e
humanas. O mtodo de abordagem, na cincia da natureza, ao estudar os
fenmenos naturais, refere-se possibilidade de explic-los, isto ,
constatar a existncia de ligaes constantes entre fatos, deles
deduzindo que os fenmenos estudados da derivam. J, ao estudar os
fenmenos humanos, se
- 10. acresce explicao o ato de compreender, isto , o cientista
tem por objetivo reproduzir, intuitivamente, o sentido dos
fenmenos, valorando-os. Logo, a cincia humana explicativa e
compreensiva medida que se reconhece a conduta humana; no tem
apenas o sentido que lhe damos, mas tambm o sentido que ela prpria
se d; exige um mtodo prprio que faz repousar sua validade na
validade das valoraes que revelam aquele sentido. Tal mtodo
compreensivo pode ser valorativo, como pretendem Gunnar Myrdall,
Hans Freyer, Miguel Reale, ou conter "neutralidade axiolgica", como
preferem, dentre outros, Max Weber20 e Kelsen. A cincia , portanto,
uma ordem de constataes verdadeiras, logicamente relacionadas entre
si, apresentando a coerncia interna do pensamento consigo mesmo,
com seu objeto e com as diversas operaes implicadas na tarefa
cognoscitiva. O conhecimento cientfico pretende ser um saber
coerente. O fato de que cada noo que o integra possa encontrar seu
lugar no sistema e se adequar logicamente s demais a prova de que
seus enunciados so verdadeiros. Se houver alguma incompatibilidade
lgica entre as idias de um mesmo sistema cientfico, duvidosas se
tornam as referidas idias, os fundamentos do sistema e at mesmo o
prprio sistema. Da sistematizao, como mais adiante veremos, decorre
a justificao do saber cientfico. 19. Trcio Sampaio Ferraz Jr., A
cincia do direito, cit., p. 11, e Direito, retrica e conuuricao,
cit., p. 161: Ernest Nagel I ('incia: nature-a e objetivo) apud
Morgenbesser, Filoso/ia der cincia, So Paulo, Cultrix, 1967. p. 19.
20. Trcio Sampaio Ferraz Jr., A cincia do direito. cit., p. I I e
12; Gaston Granger, A razo, So Paulo, Dile1 1962. .. n 85; Elyana
Barbosa. O rc e constitui a cincia RI/F cit., p. 157 Ernildo Stein,
qt Metalinguagem e compreenso nas cincias humanas, in Filosofia-l,
Anais do VIII Congresso /'item uneriruna de Filn.cu/ia e V do
Sociedade hnerunrericuno de Filosofia, 1974, p. 293-307. A. L.
Machado fiado Neto, 57, (iunnar M Il aI As RB h, u~ncias hunsmas e
a neutralidade cientfica. Kt h. Lisc. It. 19- 52; yrc (Value in
corja/ theory Routled *e and Ke gan Paul 1955 i. 54 escreve: "A
desinterested social science is, Iron this view-point, pure
nonsense. It never existed, and it will never exist. We can strive
to make our thinking rational in spite of this, but only by facing
the valuations, not by evading them", logo da iml i . i is sr. hill
dade k ~ -w ico ciolbpica de existir unia cimcia social
desinteressada MYrd:dl conclui a nebao da ~ c neutralidade
cientfica; I lans FreYer, ter sociologia, cienciade la realidarl,
Buenos Aires, Locada, 1944. 20 Cincia jurdica 21 Estas consideraes
sublinham a importncia do mtodo para a cincia, j que s ele que
possibilita fundamentar a certeza e a validade desse saber, por
demonstrar que os enunciados cientficos so verdadeiros''. Cada
cincia tem seu objeto, pois, "para que haja cincia, essencial a
unicidade epistemolgica, isto , unidade de objeto"". Logo, um saber
metodicamente fundado sobre um objeto. O conhecimento cientfico,
portanto, est condicionado pelo ser e pela estrutura do objeto,
pois visa transmitir um
- 11. enunciado verdadeiro; assim sendo, deve ter por escopo a
sua coincidncia com aquilo a que se prope conhecer. Essa relao de
mtua dependncia entre a cincia e seu objeto condio da fecundidade
da tarefa cientfica". No se julgue que o objeto de uma cincia seja
algo que o cientista encontre determinado de modo rgido antes de
dar incio a sua tarefa cognoscitiva; pelo contrrio, ele, em grande
parte, um produto de sua livre eleio. Ele elege com relativa
liberdade o objeto com que h de se ocupar, escolhendo, ainda, o
prisma sob o qual h de consider-lo. A investigao cientfica no
inventa seu objeto, ela o descobre tal como ele se mostra sob uma
certa perspectiva. Em outras palavras, a cincia escolhe, dentro dos
limites da multiplicidade de estruturas do objeto a conhecer, o
ponto de vista que tomar sobre ele''-a. A determinao do objeto e da
forma pela qual ser examinado''-5 pressupe uma reflexo sobre as
finalidades cognoscitivas, que se aspira conseguir, sobre o tipo de
conhecimento que se deseja obter'. 21. Jlio L. Moreno, Los
supuestosJilos/ico.s, cit., p. 19, 21. 27 e 28; Jaspers. Esencia y
valor de Ia ciencia, Re+t Universidad Nacional del Litoral, Santa
F, Imprenta de Ia Universidad, 1939, n. 5, p. 161; Jolivet Curso
de,/ilosofia, cit.. p. 77: Lalande. pistmologie e gnosologie, in
Vocobuloire tchnique et critique de la philosophie, 4. ed., Paris,
PUF, 1968, v. 2. p. 735 e s.; Hessen. Tratado de jlosofa. Buenos
Aires, Ed. Sudamericana. 1957, t. I, p. 392: Lastra. Que es el
derecho?, La Plata, Ed. Platense, 1972, p. 87; Van Acker, Curso de
filosofia do direito. Revista da PUCSP, 3d(65-6): 122, 1968; Juan
A. Nuno, Metodologia cientfica: e1 problema dei conocimiento, in
Filasa/a-1, Anais do VIU Congresso Interamericano de Filosofia e V
da Sociedade huerume, u anu de Filosoia, cit., p. 425-32. 22.
Machado Neto, Teoria da cincia jurdica, So Paulo, Saraiva. 1975, p.
3. 23. J. L. Moreno, Los supuestos filosvcos, cit., p. 31 e 33. 24.
J. L. Moreno, Los supuesto.r./losficos, cit, p. 33-8; Golfredo
Telles Jr. (O direiro yuiuuicu, cit.. p. 266-88) pondera que o ato
de escolha no um ato de liberdade, depende do patrimnio gentico, do
confronto de unia informao, provinda do inundo exterior, com todo o
cabedal de aprendizagem j armazenado pelo agente. 25. J. L. Moreno
(Los supuestos,lilos(;/ico.s, cit., p. 34) observa que uni mesmo
objeto da experincia pode ser considerado sob vrios pomos de vista
e cada uni deles pode converter-se em tensa de unia cincia
distinta. 26. A. Franco Montoro (Introduo d cincia do direito, 3.
ed., Livr. Martins Ed., v. I, p. 76) esclarece, em poucas linhas,
quais so os fins perseguidos pela cincia. O objetivo de toda cincia
conhecer, mus os objetivos finais so diferentes. A cincia terica
tem por finalidade o prprio conheci menk . A prtica ou normativa a
que conhece para dirigir a ao, e nas p. 8.2 e 83 apresenta as trs
acepes (te cincia: a lunssinru, segundo a qual cincia o
conhecimento certo pelas causas, aplica-se neste sentido a Iodos os
conhecimentos denlenlxtrados. abrangendo tanto as cincias tericas
como as I taUCUS; a estrita, que se refere apenas :IS cincias
tericas ou puras Untareis, culturais, formais e metafsicas); e a
e.stritssima, apenas s tericas de tipo natural e matemtico. A
operao pela qual se constitui o objeto deve ser, obviamente,
governada pelo mtodo, que, por sua vez, fixar as bases de
sistematizao da cincia 27. Importa acentuar que o fim e o objeto do
conhecimento cientfico se supem e se determinam reciprocamente, de
modo que a cincia pode ser considerada como sendo a "sntese
dialtica do objeto e do fim, porque o fim do conhecimento o que faz
do objeto um objeto do conhecimento e o determina sob um certo
prisma; e a finalidade o fim de conhecer esse objeto"25. A cincia
um saber condicionado por seu objeto e objetivo. Mas esse
condicionamento no implica marcos definitivos, dentro dos quais se
deve desenvolver o labor cientfico. A cincia no um conhecimento
acabado de seu objeto, mas o processo de investigao em que o objeto
vai sendo conhecido"'. Todavia, isto no indica que a investigao
cientfica seja auto-suficiente e completa. ela limitada, em razo de
sua natureza teortica; por ela a cincia aparece como saber do que
ou do que deve ser, sendo seu campo de ao a experincia em que o ser
se manifesta. Conseqentemente, limitar sua indagao,
- 12. se for cincia natural, ao que a realidade , sem qualquer
pretenso de verificar o que deve ser axiologicamente. A cincia
natural teoria e, enquanto tal, seu fim o conhecimento do dado e no
sua valorao. J a cincia humana, ao estudar seu objeto, pode
reproduzir, como vimos alhures, o seu sentido, valorando-o. A
cincia natural ou humana no pode conhecer nada fora do objeto, nem
dar o fundamento ltimo a seus mtodos, nem mesmo justificar as noes
primeiras que esto na base de suas construes e a sua atitude
cognoscitiva. Realmente, a cincia o conhecimento de seu objeto e no
dos modos de conhec- lo; ela no conhece seu mtodo; ela apenas o
pressupe e nele tem seu ponto de apoio, por ser ele uma garantia
para o pensar cientfico'0. Sinteticamente podemos dizer que a
cincia um complexo de enunciados verdadeiros, rigorosamente
fundados e demonstrados, com um sentido limitado, dirigido a um
determinado objeto. Para que haja cincia, deve haver as seguintes
notas: carter metdico, sistemtico, certo, fundamentado ou
demonstrado, limitado ou condicionado a um certo setor do objeto.
27. J. L. Moreno, Las .+'upuesto.s /iluso/i os, cit., p. 38. 28. J.
L. Moreno, Los supueslo.s,/ilos%icos, cit., p. 41. 29. J. L.
Moreno, Los sunarstos /lu.vd/eos, cit., p. 41. Diz Hessen (Tratado
de/lo.cu/u, cit.. / P 389) que "por ue "por cincia costuma-se
entender ora o processo rocesso de investiba o ou conhecimento. ora
o resultado desse processo". 0. J. 1,. Me +tul r r_ r o. Lrrs.vq
~uc srr r ' s Jtlosros, cit., p. 23_ c 24; Migucl ftealc, l dr er
jru dr rhrr rta. cit.. v. I. p. 511. 22 Cincia jurdica 23 Um
conhecimento que no rena as caractersticas prprias da investigao
cientfica no cincia, matria opinvel, isto , uma questo de opinio".
B. FUNDAMENTAO FILOSFICA A apreciao que pretendemos fazer neste
livro ser restrita colocao do assunto sob o seu aspecto filosfico.
A fundamentao filosfica da cincia, como j pudemos apontar, tarefa
da filosofia da cincia, ou melhor, da epistemologia. Isto assim
porque nenhum ramo da cincia pode viver sem filosofia, porque nela
que o cientista vai buscar as linhas mestras que orientam e
norteiam o saber cientfico. Todas as cincias esto em estreito
contato com a filosofia, uma vez que possuem princpios gerais,
axiomas e supostos que no entram no objeto que investigam"-, da a
necessidade de uma considerao filosfica que permita justific-los.
Dentro desse teor de idias, parece-nos til salientar que uma
explicao cientfica no filosfica e vice-versa. Os problemas
cientficos no so idnticos aos da filosofia. Deveras, o encadeamento
dos fenmenos, como a cincia os visa descobrir, deixa intacta a
questo da natureza profunda de seu objeto, de seu mtodo, de seus
pressupostos. Uma explicao crtica sobre o conhecimento de seu
mtodo, de seu objeto de estudo, de seus pressupostos ou postulados,
no nos saberia dar a cincia. Tudo isso, portanto, tarefa da teoria
da cincia, ou seja, da epistemologia". C. CLASSIFICAO DAS CINCIAS
As cincias podem ser, sob diversos critrios, submetidas a uma
classificao. 31. a opinio a que se referem Schrcier e Garcia Mynez.
Exemplificativamente, nesse sentido que se diz que o advogado tem
tini saber vulgar da medicina, mas no conhecimento cientfico.
Enfim, o conhecimento de um objeto que tem uma pessoa sem preparo
especial sobre ele e derivado da experincia da vida prtica. V.,
sobre os caracteres da cincia, o que dizem: Lastra, Que es el
derecho?, cit., p. 107-38, 98, I(X)-4: A. Torr, Introdiu cin rd
derecho, cit., p. 44; Lourival Vilanova, Sobre o conceito do
direito, Recife, Imprensa Oficial, 1947, p. 9: Francisco Uchoa de
Albuquerque e Fernanda Maria Uchoa, huroduo, cit., p. 2-4.
- 13. 32. Jos M. Vilanova, Filosofia del derecho ~',lenontenologo
evistenciul, BuenosAires. Cooperadora de Derecho y Ciencias
Sociales, 1973, p. 50; Van Acker. Introduo , filosofei lgica, So
Paulo, Saraiva, 1932, p. 7; Francisco 1Jchoa de Albuquerque e
Fernanda Maria Uchoa, Innruluo, ci(., p. 4-13. 33. Erik Wolf Ua
carcter problernti(o v necesario de la ciencia del derecho, Buenos
Aires, Aheledo-Perrot, 1962, p. 61) transcreve o seguinte texto de
Bierling (Juristi.sche Prinzipienlelire, 1894): '.La filosofia del
derecho es cosa de filsofos... nada ms dudo.so que cuandu nu
jurista, eu su carcter de tal, quiere escribir una filosofia del
derecho'. V., ainda, Milton Vargas, Sobre a demarcao entre
filosofia e cincia, in F'ilo.co/a-/, Anais do VIII Congresso
Interanserieano de h'ilosa/iu e V dn Sociedade Interarner ana de
I'ilo.ca/a, cit., p. 309-15; Karl Popper. Conjectures sutil
re/ututions; dte ,Grou7h of rcienti/r knoule(/ge, London, Routledge
and Kegan Paul, 1962; e Yulo Brando, Digresso em torno de um
problema de sempre: a filosofia como fundamento, k/F, fase. 58, p.
2O7-25. Augusto Cocote" classificou as cincias em abstratas, tambm
designadas tericas ou gerais, e concretas, consideradas
particulares ou especiais, partindo de trs critrios: a) o da
dependncia dogmtica, que consiste em agrupar as cincias, de modo
que cada uma delas se baseie na antecedente, preparando a
conseqente; b) o da sucesso histrica, que indica a ordem cronolgica
de formao das cincias, partindo das mais antigas s mais recentes; e
c) o da generalidade decrescente e da complexidade crescente de
cada cincia, que procede partindo da mais geral para a menos geral
e da menos complexa para a mais complexa. As cincias abstratas so
as que estudam as leis gerais que norteiam os fenmenos da natureza,
e apenas a elas se aplicam os critrios supra-arrolados. Abrangem:
1. Matemtica, cincia do nmero e da grandeza, a mais simples e
universal. Realmente, a menos complexa, porque s se refere s relaes
de quantidade, e a mais geral, porque se estende a todos os
fenmenos. 2. Astronomia, fsica celeste, ou mecnica universal,
cincia que estuda as massas materiais que existem no universo. 3.
Fsica, cincia que se ocupa dos fenmenos fsicos, ou seja, das foras
da natureza. 4. Qumica, ou fsico-qumica, cincia que tem por objeto
a constituio dos corpos particulares. 5. Biologia, ou fsica
biolgica, cincia que estuda os fatos biolgicos, isto , os seres
vivos ou os corpos muito complexos que se apresentam com vida. 6.
Sociologia, ou fsica social, cincia das relaes sociais. Esta cincia
a mais complexa de todas, visto que o fato social abarca relaes
matemticas, mecnicas, fsicas, qumicas e biolgicas, e a menos geral,
por se aplicar to- somente vida social do homem. Infere-se desta
classificao que todas as cincias so do tipo fsico-natui- al,
devendo ser estudadas com o rigor e a preciso dos mtodos
matemticos. Augusto Cocote no chegou a classificar as cincias
concretas por entender que no se prestavam a uma discriminao
perfeita, por no apresentarem as condies de irredutibilidade e de
indivisibilidade das abstratas. As cincias concretas, para esse
filsofo, so as que aplicam as leis gerais aos seres naturais,
realmente existentes. A biologia cincia abstrata, explica ele,
porque investiga e descobre as leis da vida, ao passo que a botnica
e a zoologia so concretas, dependentes da biologia, visto que tm
por escopo descrever o modo de existncia de cada corpo vivo.
Igualmente, a geografia, a geologia e a mineralogia so 34. Augusto
('multe, ('ours de Irlrilo.soplrie positive, Paris. 1949. 24 Cincia
jurdica 25 cincias concretas em relao fsica e qumica, das quais
derivam. A cincia do direito e a economia so cincias concretas,
oriundas da sociologia. Wilhelm Dilthey35, adotando o critrio
dicotmico, inspirado na classificao de cincia de Ampre, tendo em
vista o seu objeto de estudo, distingue: 1) Cincias da natureza,
que se ocupam dos fenmenos fsico-naturais, empregando
- 14. o mtodo da explicao. Explicar, ensina-nos Miguel Reale,
consiste em ordenar os fatos segundo nexos ou laos objetivos e
neutros de causalidade ou funcionalidade. 2) Cincias do esprito,
tambm designadas por cincias humanas, noolgicas ou culturais, como
prefere Rickert, que se subdividem em: a) cincias do esprito
subjetivo, ou psicolgicas, que estudam o esprito humano no prprio
sujeito, isto , tm por objeto o mundo do pensamento; b) cincias do
esprito objetivo, que consideram o esprito humano nos objetos ou
nos produtos culturais, isto , descrevem e analisam a realidade
histrica e social, produto das aes humanas. Constituem as cincias
culturais propriamente ditas, histricas, morais, sociais e
jurdicas. O mtodo de estudo das cincias culturais o da compreenso.
Compreender , na lio de Miguel Reale, ordenar os fatos sociais
segundo suas conexes de sentido, isto , finalisticamente, segundo
uma ordem de valores. Na cincia humana, o cientista, por mais que
pretenda ser cientificamente neutro, no v os fatos sociais apenas
em seus possveis enlaces causais, porque h sempre uma tomada de
posio perante os fatos, que se resolve num ato valorativo. Logo,
pode e deve existir objetividade no estudo dos fatos sociais, mas
impossvel uma atitude comparvel "neutralidade avalorativa" de um
analista em seu laboratrio ante uma reao qumica. Da a clebre
afirmao de Wilhelm Dilthey: "a natureza se explica, enquanto que a
cultura se compreende". A mais famosa das classificaes da cincia a
de Aristteles36, que aqui reproduzimos com as alteraes feitas pelo
pensamento cientfico e filosfico ulterior. A classificao
aristotlica, baseada no critrio da funo de cada cincia,
subdivide-se em: 1) Cincia terica ou especulativa, que tem por
finalidade o prprio conhecimento. A cincia terica conhece por
conhecer, limitando-se a ver a rea 35. Inn'oda('tion Vende r/es
(rienr es li m .. ~ unne.c, paris, 1942, cap. 2.., In[rodureirn a
Ias c iencius dei esIrrinr Mxico, 1 ~o 1944,1). 69. V. Miguel Reale
(/,i rcs' prelintinore.c, cit.. I861 so hrc ' a distino entre
explicao e ccnnpreenso. Sobre Eduardo Spranger, discpulo de UihheY.
cons te Juan Roma-Parella S'nang~ery tas cicr tu.s de l u l ~ s/
rruu. Mxico, 1?d. Minerva, 1944, p. 240. 36. Meta/isu t, IU2-_5. b,
2.._5. W. U. Ross, ArisnNr. Ii i'aris, Iay'ol, 19 30,1). 34 e 9 . )
I Vico, .Seien;p nor'a, Padova, ('h;l)AM, 1953; Miguel Reale,
Filoxofia do direito, cit., cap. 17. lidade, reproduzindo-a como
existe. Tem sempre em vista a verdade. As cincias tericas, por sua
vez, subdividem-se, conforme o grau de abstrao de cada uma delas,
em: a) cincias fsicas ou naturais, que abrangem no s as cincias
naturais, propriamente ditas, que se referem aos seres da natureza,
considerados em sua realidade qualitativa e quantitativa, fazendo
abstrao das diferenas individuais, levando em conta apenas as
propriedades comuns a todos os seres da mesma espcie, mas tambm as
cincias culturais, que se ocupam da natureza transformada e
aperfeioada pelo homem; b) cincias matemticas ou formais, atinentes
ao mundo das quantidades, principalmente ao nmero (aritmtica) e
extenso (geometria). Abstraem as diferenas individuais e as
qualidades sensveis, para considerar tosomente a quantidade de ser,
isto , a pura relao quantitativa; c) cincias metafsicas, relativas
ao ser enquanto ser, ocupando-se com noes de causa e efeito,
essncia e existncia, substncia e acidente, matria e forma etc.
Fazem abstrao das diferenas individuais das qualidades sensveis,
dos aspectos quantitativos ou formais, para considerarem apenas o
"ser" em si mesmo.
- 15. So tambm chamadas ontolgicas. 2) Cincia prtica, que tem por
objeto o conhecimento, para que ele sirva de guia ao ou ao
comportamento. As cincias prticas podem ser: a) cincias morais ou
ativas, que visam dar normas ao agir, procurando dirigir a
atividade interna e pessoal do homem, buscando atingir o bem; b)
cincias artsticas, factivas ou produtivas, que tm por fim dar
normas ao fazer, dirigindo a produo de coisas exteriores. Abrangem
as artsticas propriamente ditas, que almejam a produo do belo
(msica, escultura, pintura etc.), e as tcnicas, que tm por
finalidade a produo do til (engenharia, medicina, arquitetura).
Portanto, a arte considera as coisas exteriores, sob o aspecto da
beleza, e a tcnica, sob o da utilidade'. Como se v, h vrias
classificaes de cincia, cada qual observando certo critrio, pois
cada filsofo defende sua tbua classificatria sob o prisma que lhe
for mais conveniente. 37. Sobre a classificao das cincias, e.: A.
Franco Montoro, In[rorlno, cit., v. I, p. 65-8_5; L. van Acker,
lnrrodu i o llosn/ia - lgica, cit., p. 28 e s.; Fausto E. Vallado
Berrn, Teoria general dei deres/to, Mxico, Universidad Nacional
Autnoma de Mxico, 1972, p. 228-33; Francisco Uchoa de Albuquerque e
Fernanda Maria Uchoa, Inlroda o, cit., p. 14-7;AhelardoTorr,
Inhvdaerion al dereelia, cit., . 46 ~ e ~ I s. Para Luis Mendichal
y Martin (citado por Miguel Sancho liyuierdo, Princpios de rlerc-
< lio nunuzd a) Ca 5)d 0.9 o - E U , 5-o m o E W Cn -o _ U .
o
- 18. U N ~ C C 0 = .0 '~ ~ as E 2 o c 0 U O 7 O~ M O .. E co _O
O rn cn ~ E ~~ C O o d d co E cn 0 0 N a) N d (o .c6 co 10 O .a) O
-0 E rA -0-0 C 2 C U s2 U " -- cn cri 5 c). 1 I II E M .~ r~- OU ~
E C U 'M U C C 1 1 1 O O a) O ro o O ~CV ~( I M IEc U) =3 o U) o.o
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N a) ~ `~ O O ~ Z o o EE Eco~ (D 2 E U U) m 22'~.5.5 ~co o .~ coo
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m~ E c~ E at U E _ o N E . Hil m~- Q Q C= W w cn N N N cn D O N a
Uco, I I I I I < I I I I I II 1 I I I I I I I 3. CARTER
PROBLEMTICO DO TEMA "CINCIA JURDICA" Importa, numa ordem preliminar
de consideraes, levantar a seguinte indagao: que a cincia jurdica?
Sobre essa questo encontramos todas as respostas possveis e
imaginveis, porque o termo "cincia" no unvoco e porque h uma
surpreendente pluralidade de concepes epistemolgico-jurdicas que
pretendem dar uma viso da cincia jurdica, cada qual sob um critrio
diferente. A cincia do direito distingue-se pelo seu mtodo e tambm
pelo seu objeto.
- 19. A determinao do objeto o problema central da especulao
jurdicocientfica. A cincia do direito, como todo conhecimento,
pressupe um objeto. O objeto de conhecimento , em sua origem, como
nos diz Jos M. Vilanova 38, a coisa descircunstancializada pela
atividade teortica. E aquilo "a que a Cincia tende ou que ela
conhece"". Seria impossvel compreender a pesquisa jurdico-cientfica
sem considerar o ponto capital: qual o objeto em torno do qual
desenvolve o jurista o seu estudo? primeira vista esta indagao
parece ser das mais simples, porque o nico objeto da Jurisprudncia`
o conhecimento do direito, mas, na verdade, traz em seu bojo grande
complexidade. 38. Piloso/a del derecho, cit., p. 22,86e 100. 39.
Gilles, Perr.cr c fornrelle et sciences de l'honune (prefcio),
1967. 40. Verifica Miguel Reale (Lies preliminares, cit., p. 62)
que "a Cincia do Direito durante muito tempo teve o nome de
Jurisprudncia. que era a designao dada pelos jurisconsultos
romanos. Atualmente possui unia acepo estrita para indicar a
doutrina que se vai firmando atravs de uma sucesso convergente e
coincidente de decises judiciais ou de resolues administrativas.
Pensamos 9 p para tudo deve se feito para manter a acePo clssica
dessapalavra I , to densa de sit,nificado. cuc Pe ent realce uma
das virtudes primordiais que deve ler o jurista: a prudncia, o
cauteloso senso de medida das coisas humanas'. A. Franco Monturo
1/nos dutdo, cil., v. 2, p. 90) vislumbra trs significaes da
palavra "jurisprudncia" - pode indicar a ..cincia do direito", ent
sen/ido amphssin o: pode referir'-se ao conjunto de sentenas, cut
sento/o angrlu, abrangendo tanto a jurisprudncia uniforme conto a
contradilbria: e, em swnlido estrito, apenas o conjunto de sentenas
unilornies. F na primeira acepo que enyn'eganuts neste item esse
vocbulo. ('onsulte tambm Luiz I ratando Coelho, euria, ciL, p. 19 e
51. O I< CA W Z a O U H W W U. W Q Q U) U Z r Z O U LL r N C-i O
ta t) a ou L
- 20. 41. Jlio Luis Moreno, Los supuestos,filosficos, cit., p.
54; Lourival Vilanova (Sobre o conceito do direito, cit., p. 76 e
88) assevera que a questo gnoseolgica no elimina o aspecto
ontolgico, mas o implica como fundamento necessrio. Goffredo Telles
Jr. (Tratado, cit., p. 325) diz: "De grande valor a definio na
investigao cientfica; ela demarca o objeto a estudar". A filosofia
do direito compreende trs temas fundamentais: 1) o problema da
essncia do direito (ontologia jurdica), investigando o que o
direito, para chegar a defini-lo e precisar seu conceito; 2) o
problema do conhecimento do direito (epistemologi(ijurdica), que no
sentido estrito a teoria da cincia jurdica, pois tem a incumbncia
de estudar os pressupostos, os caracteres do objeto, o mtodo do
saber jurdico-cientfico, sua posio no quadro das cincias e suas
relaes com as cincias afins. A epistemologia jurdica considerada em
sentido amplo como sinnimo de gnoseologia jurdica, que estuda
crtica e reflexivamente a origem, a natureza, os limites e a
veracidade do conhecimento jurdico-cientfico e os critrios de
possibilidade e de validade do saber jurdico; 3) o problema da
justia e dos valores do direito (a.rio/ogia jurdica), indicando as
finalidades do direito. V. A. Franco Montoro, Introduo, cit., v. I,
p. 130-2; Machado Neto, Teoria da cincia jurdica, cit., p. 4;
Johannes Hessen, Filosofia dos valores, 3. ed., Coimbra,
ArmnioAmado Ed., 1967, p. 19; Carlos Mouchet e Ricardo Z. Beco,
buroduccin a/ cie recho, 7. ed., Buenos Aires, Abeledo-Perrot,
1970, p. 75. 42. Ernst von Beling, La science du droit, sa fonction
et ses limites, in Recueil d'tudes sor les sources du droll, en
honneur de Genv, t. 2, p. 150; Dei Vecchio, holosofa del derecho,
p. 267 e s.; Slanunler, Economia v derecho seg(tn la concepcirr
nwterialisto de la historia, Madrid, 1929, p. 102 e s. 43. Lourival
Vilanova, Sobre o conceito do direito, cit., p. 28 e 29. No se nata
de formular uma definio nominal do direito, que consiste em dizer o
que unia palavra significa. Neni convm empregar una definio real
descritiva, que utilizada, cru regra, nas cincias naturais, pois
aquela que falta dos caracteres essenciais enumera os exteriores
mais marcantes de uma coisa, para permitir distingui-la de todas as
outras; nem unia definio acidental que revela to-somente uni
elemento acidental, prprio do definido, asas contingente. A definio
que se deve buscar a real-essencial, que consiste em dizer o que a
coisa , desvendando as essncias das prprias coisas que essa palavra
designa (e. Rgis Jolivet, Curso de,lilovofia, cit., p. 36). 44.
Para Hegel, o pioblensa do conceito unia questo filosfica
(ontolgica) e no lgica ou gnoseolgica IIilusvrfi de/ derecho, p. 37
e 45-62; L.cr phnunrcnulogie de I'e.sprit e Filo.vofta de la
historia s universal . 86- IUU I ). Dcl Vecchio I Le;,ioni di
jlusu/n
- 21. discernir o mnimo necessrio de notas sobre as quais se deve
fundar seu conceito. Isto assim porque a palavra direito no unvoca
nem equvoca", mas anloga, pois designa realidades conexas ou
relacionadas entre si. Deveras, esse termo ora se aplica "norma",
ora "autorizao" dada pela norma de ter ou de fazer o que ela no
probe, ora "qualidade do justo" etc., exigindo tantos conceitos
quantas forem as realidades a que se refere. Em virtude disso,
impossvel seria dar ao direito uma nica definio. Mas, devido ao
princpio metdico da diviso do trabalho, h necessidade de se
decompor analiticamente o direito, que objeto de vrias cincias -
sociologia jurdica, histria do direito, jurisprudncia -
constituindo assim o aspecto em que ser abordado`. 45. V. as
observaes de Manuel G. Morente, Funrlumenw.c rle jiloso/u, cit., p.
119. 46. Alexandre Volansky, Ls.vai d'une d nition
ec/rres.siveduc/roil baile stir I'idee de bonne joi / - etude de
doctrine,juridique, Paris, Lihrairie de Jurisprudence Ancienne et
Moderno/Edouard Duchemin, 1930, 1' parte, cap. 2, sec. 11, lu, n.
29 e s., p. 65 e s. 47. V. Fausto E. Val lado Berrn, Teoria general
del derecho, cit., p. 7; Morente, Fundamentos de /ilo.sofia, cit.,
p. 76 e 96. 48. Sobre o conceito do direito, cif., p. 64-7. 49.
Termo unvoco o que se aplica a uma s realidade e equvoco o que
designa duas ou mais I realidades desconexas (Goffredo Telles Jr.,
Tratado. cit., p. 329-31; A. Franco Montoro, Introduo, ci(., v. I,
p. 35-8). 50. Lourival Vilanova, sobre o conceito do direito, cit.,
p. 41), 50 e 57. o uonipencno ae tntroauao a ctencta ao direito
Cincia jurdica 31 No se julgue que o prisma sob o qual a cincia
jurdica h de considerar seu objeto seja algo que o jurista j
encontre determinado', pois a escolha da perspectiva em que se vai
conhecer est condicionada, como vimos, pelo sistema de referncia
daquele que conhece o objeto''- e pressupe uma reflexo sobre as
finalidades cognoscitivas que ele aspira conseguir e sobre o tipo
de conhecimento que pretende obter". Tem a cincia jurdica uma
atitude terica ou prtica? Ou ambas ao mesmo tempo? Teria uma funo
crtica? Este outro problema a solucionar: o carter terico, prtico
ou crtico da jurisprudncia depende da posio e do objeto de cada
autor ou cientista do direito. A cincia jurdica considerada ora
como scientia, pelo seu aspecto terico, ora como ars, pela sua funo
prticas. Outros ainda do ao problema uma soluo eclticas". Fcil
evidenciar os liames que se estabelecem entre o sujeito e o objeto,
pois o sujeito cognoscente (jurista) tende para o objeto (direito).
o critrio filosfico adotado pelo jurista que determina seu objeto.
Essa operao pela qual se constitui o objeto deve ser, obviamente,
governada pelo mtodos', que fixar as bases de sistematizao da
cincia jurdica. 51. J. L. Moreno, Los supueslos_filosficos, cit.,
p. 33 e 38. 52. Golfrcdo Telles Jr., O direito quntico, cit., p.
284-93. 53. J. L. Moreno, Los supue.stos filosficos, cit., p. 34.
54. Miguel Reale (Filosofia do direito, cit.. v. 2. p. 336)
explica: a obra do jurista persegue trs propsitos fundamentais: a)
cientfico ou teortico, mediante a anlise e sistematizao dos
preceitos jurdicos vigentes, podendo encontrar princpios gerais; h)
prtico, pela exposio do ordenamento jurdico e interpretao das
normas jurdicas, para facilitar a tarefa de aplicar o direito: c)
crtico, quando se afasta do comentrio e sistematizao para julgar
suajustia ou convenincia e sua adequao aos fins a que o direito
deve perseguir, emitindo juzo de valor sobre o contedo de uma ordem
jurdica. 55. No Digesto, p. ex., encontramos,jurisyrruclentia est
dirinarmn arque hunanarutn rerun nolitia iusti cuque iniusti
scientia (lnst. I, [);,jus es! ars
- 22. honi ei aequi (Celso, I D, I, I ). 56. V. as observaes de
A. Torr, intruduc
- 23. Induo generalizadora o esprito procede do particular para o
geral, constituindo um processo de descoberta de verdades gerais. E
na induo analgica o pensamento percorre uni ou mais casos
particulares para chegar ao particular; a deduo a argumentao que
conclui por intermdio de um elemento total; l intuitivo, quando a
apreenso do objeto se efetua de modo direto e imediato; o que se
projeta sobre . o objeto sem elite nada se interponha entre o
sujeito que conhece e o ohjelo que se procura conhecer (Torr,
huruduccirn rrl derecho, cit., p. 441; Jos Cretel la Jr., Conto de
flusu/a do direito, l3ushalsky, 1967, ~ 7, p. 51; M. Helena Diniz,
Canteiro de narina como problema deessncia, So Paulo, Revista dos
Tribunais, 1977, p. 9 e 10). 58. Luiz Fernando Coelho, Teoria,
cif., p. 72; Valdour, Les nu%ihodes eu science sociale, Paris, A.
Rousseau, 1927, p. 12; Trcio Sampaio Ferraz Jr., A cincia do
direito, cit., p. IS. 59. V. Jos Salgado Martins, o mtodo no
direito, Reiisla da hiu uldade de Porto Alegre, /:903 e s., 195 1,
ano 3. 32 Cincia jurdica 33 A finalidade de sistematizao tem sido
negada por alguns autores, como, por exemplo, Esser, e defendida
com veemncia por outros, dentre eles Kelsen, Engisch, Larenz,
Coing, Giovanni, Legaz y Lacambra, Miguel Reale`0. Cabe-lhe, sem
dvida, como veremos, a tarefa de sistematizar o ordenamento
jurdico. H, ainda, quem duvide da viabilidade de um conhecimento
cientfico do direito, negando a cientificidade da Jurisprudncia.
Existe ou no possibilidade de se submeter o direito a qualquer
conhecimento cientfico? a Jurisprudncia uma cincia? Para uns",
adeptos do ceticismo cientfico jurdico, o direito insuscetvel de
conhecimento de ordem sistemtica, afirmando com isso que a cincia
jurdica no , na realidade, uma cincia, baseados na tese de que o
seu objeto (o direito) modifica-se no tempo e no espao, e essa
mutabilidade impede ao 60. Hans Kelsen, Teoria pura do direito, 2.
ed., Coimbra, Armnio Amado Ed., 1962, v. 1 e 2: Engisch, Introduo
ao pensamento jurdico, 2. ed., Lisboa, Calouste Gulbenkian, 1964;
Larenz, Metodologia de Ia ciencia dei derecho, Barcelona, Ed.
Ariel. 1966, p. 35; Coing, Fundamentos de la filosofia dei derecho,
Barcelona, 1961; Giovanni, Dai sistema sopra ai sistema, R1FD, 1965
v. I e 2, p. 71 e s.: Legaz y Lacambra, Filosofia dei derecho, 3.
ed.. Barcelona, Bosch. 1972, p. 87; Miguel Reale, Filosofia do
direito, cit., v. l, p. 57. 61. Erik Wolf (El carcter problemtico,
cit.) e Bobbio (Teoria delta scien:a ,rgiuridica, Torino,
Giappichelli, 1950, p. 53) citam os que assim pensam, dentre eles
Chamberlain (Grumdlogen des neun,ehnten jahrhun(lerts, 1890), que
afirma: -A jurisprudncia unia tcnica..."; Nussbaum (Ueber aufgabe
und Wesen der Jurisprudenz, Zeitfr So iuhriss, v. 9, fase. 17),
para quem a cincia jurdica no uma verdadeira cincia, mas uma
tcnica, por estudar normas apenas sob o ponto de vista formal e no
como fatos determinados pela vida espiritual da sociedade; Max
Rumpf (Volk and Recht, 1910, p. 93 e s.) que pondera que a cincia
do direito no cincia, nem tcnica, mas uma organizao; Franz W.
Jerusalem (Kritik der Re
- 24. Mxico, UTEHA, 1962, p. 12-5; e Vincenzo Palazzolo, La
filosofia dei diritto de .latias f3inrler, Milano, Giutfr, 1947, p.
51-7, 126-3 1. Theodor Viehweg (ldeologie und Rechts(lontatik, iii
Ideolot+ie anel Rec/n, Frankfurt, Ed. Maihofer. 1968, p. 90-6)
entende que a cincia do direito no cincia, porque a cientificidade,
apesar de se fundar na possibilidade de objetivao, deve pressupor
uma referncia atividade intencional da subjetividade e a
jurisprudncia, embora ligada ao mundo real, no se volta
subjetividade. A cientificidade exigiria unia neutralidade
axiolgica, em conseqncia da dcssut lurvaao da ntchxlologia, visto
(][te o mtodo axiolGgico requer uma relao dia lgica a uni sujeito.
A cicntiltcidade requer a eliminao da dialogicidadc, logo a
possibilidade de unia cicntifizau da jurisprudncia levaria a sua
desideologiza:o. Nesse ntesnw tcor de idias v. Ballweg. Science,
prudence et 1Iuloui phic du druit. AKSP, 5/(4):550-3, 1965, e
Re
- 25. distingui-la da psicologia, da histria e outras. 63. Trcio
SantIcaio Ferraz Jr. A cincia do direito cit., p. 13. Convm repetir
que a expresso cincia jurdica'' empregada pai-a designar a /ln
i.s/rrudncia isto o ramo especial do conhecimento I l que (rata do
a dc lulnuno )'ul'dicu sob um ponto de vista nico, idntico a si
nlcs o e , que no ~ r s . confunde onde com o r das demais cincias
que se ocupani do direito (Luiz Fernando Coelho, 7nria, ciL, Ii. I
) e 51 ). I 64. Cossio Teoria de Ia nerdad jurdico Buenos Aires
Lesada 1964, p. 22, e Las actimde.s Ir r ilosJ'. . c (/V r. Buenos
lu dei vcv hr .,ru. ciencia deve< u. n Aves. La Ley, 19.56,
Machado Nelo, 7ec u da cincia Jurdica, cif., p. 80 e 85-1 18. 65.
(;ranger, A ra:o, cit., p. 83. 34 ficas no se escondem". A crise da
cincia do direito consiste, exatamente, nessa grande inexatido, da
a aporia do conhecimento cientfico-jurdico, que persistir enquanto
os juristas no se puserem de acordo sobre o objeto e mtodo de sua
cincia. A apreciao, que pretendemos fazer nesta obra, ser restrita
a uma reflexo filosfica. a epistemologia jurdica que se ocupa da
cincia do direito, estudando os seus pressupostos, analisando os
fundamentos em que repousam os princpios que informam sua
atividade, bem como a delimitao de seu objeto temtico, procurando
verificar, ainda, quais os mtodos, ou melhor, os meios lgicos que
do garantia de validade aos resultados tericos alcanados. De
maneira que no o terico do direito, ou seja, o jurista, quem vai
estabelecer as condies de certeza ou de verdade dos juzos
formulados, fixando os requisitos de coerncia, mas sim o
epistemlogo. Por isso nosso ensaio situa-se no mbito da
epistemologia jurdica que fundamenta filosoficamente a cincia do
direito', j que, no dizer de Van Acker, "sem jusfilosofia a cincia
jurdica cega; sem cincia jurdica a jusfilosofia v"". QUADRO SINTICO
CARTER PROBLEMTICO DO TEMA CINCIA JURDICA 66. Trcio Sampaio Ferraz
Jr., A cincia do direito, cit.. p. 16. 67. J. M. Vilanova, Filosofa
de/ derccho. cit., p. 50: Van Acker, Introchr'do filosofia -lgica,
cit., p. 7: A. B. Alves da Silva, Introt uo, cit., p. 143: MigueI
Reale, () direito como e.vperincia - introdu'do
episrernologia.jurdica, So Paulo, saraiva, 1968, p. 87: Bohhio,
7i'orio della siien,a giuridica, cit., p. 6: Machado Neto, Teoria
da cWncia Jurdica, cit., p. 168. Sobre a problemtica do tema
cilncia jurdica, consulte: Antonio Hernndez (Jil, Problemas
episteinolgicos de Ia ciencia jurdica, Madrid, Fd. ('ivitas, 1976:
Maria Helena Diniz, A cincia jurdica. cit., p. I-I I. 68. Leonardo
van Acker, lxperincia e epistemologia jutdica. RRF, /9(74): 154,
1969. Karl 1958,1). ... ;) Ja u l dr sr 5 rsu ,,alac~ i ~ncwm
uumIiuulc p 1 /rn rle lu e.~isnncin, Madrid, cscrcvc: "Sin Id
- 26. .SociedadeInMrunirri(anu de l dcrsr r Jra, crl., 1).
409-14. 4. CONCEPES EPISTEMOLOGICO-JURDICAS RELATIVAS
CIENTIFICIDADE DO CONHECIMENTO JURDICO A. PROBLEMA DA
CIENTIFICIDADE DO SABER JURDICO COMO QUESTO EPISTEMOLGICO- JURDICA
, portanto, a filosofia do direito, enquanto epistemologia jurdica,
que vai tratar dos problemas da cincia do direito, procurando
dirimi-los, delimitando o sentido de "cincia", a especificidade do
objeto e do mtodo da especulao jurdico-cientfica, refletindo sobre
o carter terico, prtico ou crtico da Jurisprudncia, distinguindo a
cincia do direito das outras que, igualmente, tm por material de
pesquisa os fenmenos jurdicos, indagando acerca da natureza
cientfica do saber jurdico. Este ltimo problema o central da
epistemologia do direito, pois se houver uma filosofia ou teoria da
cincia jurdica que possibilite uma jurisprudncia como rigorosa
cincia do direito, as demais questes sero, satisfatoriamente,
respondveis. Vrias so as teorias epistemolgico-jurdicas,
principalmente as do sculo passado e do atual, endereadas aos
problemas da cincia do direito, inclusive ao atinente sua
cientificidade. A fim de nos orientarmos na grande selva das posies
epistemolgicas, procuraremos esquematiz-las, ordenando-as, tendo em
vista os problemas versados por elas. Para isso tomamos por base,
com algumas variaes, a sugesto de Carlos Cossio, concentrando as
doutrinas epistemolgicas que justificam teoricamente a cincia do
direito ou que procuram dar investigao do direito um carter
cientfico, em seis direes fundamentais: racionalismo metafsico ou
jusnaturalista; empirismo exegtico; historicismo casustico;
sociologismo ecltico; racionalismo dogmtico e egologia
existencial". Este 69. Machado Nelo, 7i'oria da cincia.juridica,
cit., p. 77-81 : ('arlos ('ossio, Las actinales filo.s /cu. c ~ c.j
cil. hrciu Sanyrriu I~errai. Jr. (A ('ilnriu dodireiro, ciL, p. 3 )
c I8-~ I ) uhscrva yuc a cxprcssui n ncia do dircilo" rclativamcnlc
rcccnlc, icndo sidu uma invrnS'u> da csa>la histricai alcni,
nu PROBLEMAS EPISTEMOLGICOS - DA CINCIA JURDICA delimitao do termo
"cincia" da cincia do direito determinao do objeto da especulao
jurdico-cientfica especificidade do mtodo da cincia jurdica reflexo
sobre o carter terico, prtico ou crtico da jurisprudncia distino
entre cincia do direito e outras cincias que tm por objeto o estudo
dos fenmenos jurdicos consideraes sobre a "cientificidade" ou
"nocientificidade" da jurisprudncia fundamentao doutrinria da
cientificidade do conhecimento jurdico 36 Cincia jurdica 37
panorama - e no histria - das teorias jurdicas nos demonstrar
tendncias que no nos daro uma viso ordenada do que se poderia
chamar cincia do direito, mas que delinearo os problemas bsicos da
teorizao do direito. Passemos a analisar as teorizaes jurdicas que
se preocuparam com o pensamento jurdico enquanto cincia. B.
JUSNATURALISMO "Desde as representaes primitivas de uma ordem legal
de origem divina, at a moderna filosofia do direito natural de
Stammler e Del Vecchio, passando pelos sofistas, esticos, padres da
Igreja, escolsticos, ilustrados e racionalistas dos sculos XVII e
XVIII, a longa tradio do jusnaturalismo se vem desenvolvendo, com
uma insistncia e um domnio ideolgico que somente as idias
grandiosas e os pensamentos caucionados pelas motivaes mais
exigentes poderiam alcanar"70. Na Idade Mdia, sob o imprio da
patrstica ou da escolstica, a teoria jusnaturalista apresentava
contedo teolgico, pois os fundamentos do direito
27. natural eram a inteligncia e a vontade divina, devido ao
fato de a sociedade e a cultura estarem marcadas pela vigncia de um
credo religioso e pelo predomnio da f`. Na era medieval prevalecia
a concepo do direito natural objetivo e material, de esprito
tomista7-, que estabelecia o valor moral da conduta pela considerao
da natureza do respectivo objeto, contedo ou matria, tomada como
base de referncia a natureza do sujeito humano, considerado na sua
realidade emprica, mas enquanto reveladora do seu dever-ser real e
essencial. No , observa Van Acker, um direito natural puramente
objetivo, mas objetivo-subjetivo, tomando o objeto como ponto de
partida e o sujeito como termo da relao de convenincia ou do valor
moral, nem direito natural puramente material, mas material e
formal ou hilemrfico, porque a matria da conduta no fato ou objeto
indiferente, por ser, necessariamente, carregada de sentido ou
valor humano, positivo ou negativo. Alm disso, a natureza humana no
pura matria nortevel por valores transcendentes ou ideais, mas
matria dinamizada por uma forma imanente ou natural, que a orienta
sculo passado, que se empenhou em dar cientilicidade investigao do
direito. Entre os romanos no havia tal preocupao, pois suas
teorizaes jurdicas ligavam-se prxis. No se preocupavam com a questo
de saber se sua atividade era unta cincia ou unia arte.
Interessantes so as observaes de Enrico Opocher (Li,, ione di
filosofia del rlirino-il prohlenua della nanara delta giurisprude
n7a, Padova, CEDAM, 1953) sobre a questo da cientilicidade da
cincia do direito. 71). Machado Neto, km-ia ela cim ia jurdica,
cit., p. 82. 71. Machado Neto, Teoria da cincia jurdica, cif., p.
83. 72. Ariskteles, L'daica Nicomucheu. I, 5; Tontis de Aqui no,
De,jus(itiale, II, in 1)ecem libras 1illri(*oram, Arisiotele.s anel
Na'onaaclmna ~.rursitio e e Stan,au Naa nlo,t,u 2 ae,, y. . 57 e .
5 . 8, Ia, 2 e I a. 2a, te, q. 94-97; Jos Maria Rodriguez Panigua,
Historia del pen.cumienm juridiro, Madrid, 1976, p. 73-80. para
fins convenientes, excluindo os inconvenientes. Logo o bem, no
sentido do valor ou da convenincia a certos fins, inerente natureza
humana73. Portanto, o jusnaturalismo dos escolsticos concebia o
direito natural como um conjunto de normas ou de primeiros
princpios morais, que so imutveis, consagrados ou no na legislao da
sociedade, visto que resultam da natureza das coisas e do homem,
sendo por isso apreendidos imediatamente pela inteligncia humana
como verdadeiros. Deveras, os primeiros princpios da moralidade
correspondem ao que h de permanente e universal na natureza humana,
por isso perceptveis, de imediato, pela razo comum da generalidade
dos homens, independentemente de sua cultura ou civilizao. Abrangem
tais princpios os deveres dos homens para consigo mesmos, para com
os outros homens e para com Deus. O princpio fundamental "o bem
deve ser feito" e, portanto, o mal evitado. O homem h de querer o
bem pela sua vontade, que iluminada pela razo. Os demais princpios
referem-se aos deveres diretamente impostos pela natureza humana,
relativos s tendncias naturais do homem, que so: a) deveres do
homem para consigo mesmo, como "o homem deve conservar-se, deve
perseverar no ser, no deve destruir-se"; b) deveres do homem para
com o primeiro grupo social dentro do qual vive, isto , para com a
famlia: "o homem deve unir-se a uma mulher, procriar e educar seus
filhos"; c) dever de respeitar sua racionalidade, ou seja, sua
inteligncia: "o homem deve procurar a verdade", isto , deve buscar
o conhecimento da realidade; d) deveres do homem para com a
sociedade: "o homem deve praticar a justia, dando a cada um o que
seu"; "o homem no deve lesar o prximo". A lei natural imutvel em
seus primeiros princpios. O direito natural, imanente natureza
humana, independe do legislador humano. As demais normas,
construdas pelos legisladores, so aplicaes dos primeiros princpios
naturais s contingncias da vida, mas no so naturais, embora derivem
do direito natural. P. ex.: do princpio de direito natural de que
"o homem deve conservar a si prprio" decorre que "no permitido
matar", "so proibidos a eutansia e o aborto" etc., e mais
remotamente ter-se- a proteo sade dos trabalhadores em local
insalubre. Para a concepo aristotlico-tomista o 28. direito natural
abrange todas as normas de moralidade, inclusive as normas
jurdico-positivas, enquanto aceitveis ou tolerveis pela moral. Com
essa doutrina dos escolsticos, o saber jurdico comeou a ter as
aparncias de uma idia cientfica74. 73. Van Acker, ('urso de
filosofia do direito, Revista da P1/CSP, cil., 35 (67- 8): 355-6.
74. Gol I edo Tclles ir., 1)ircito natural (anotaes das aulas do
cesso de mestrado, proferidas na I I DUBP em 1973 -- Iu semestre) e
/miada(-do cincia elo direito fase. 2, p. 141)-( i (pai istila):
Van Ack , _ _ cr, Curso de lilosolia do direito, Revista da
P//('SP, cit., 5 (67-8): 381); Toms de Aquino, S7anma theo/ogica,
cif., la, 2ac, q. 94, art. 4 e 5; la. 2ac, q. 95, art. 2; la, q.
19, art. 7; q. 21, art. 3. 38 Cincia jurdica 39 A concepo do
direito natural objetivo e material (sculo XIII) foi,
paulatinamente, substituda, a partir do sculo XVII, pela doutrina
jusnaturalista de tipo subjetivo e formal, devido ao processo de
secularizao da vida, que levou o jusnaturalismo a arredar suas
razes teolgicas, buscando os seus fundamentos de validade na
identidade da razo humana. O direito natural tornou-se subjetivo
enquanto radicado na regulao do sujeito humano, individualmente
considerado, cuja vontade cada vez mais assume o sentido de vontade
subjetiva e absolutamente autnoma. Nesta concepo jusnaturalista a
natureza do homem uma realidade imutvel e abstrata, por ser-lhe a
forma inata, independente das variaes materiais da conduta. Ntida a
feio dedutiva desse jusnaturalismo, que levado a propor normas de
conduta pelo mtodo dedutivo, por influncia do racionalismo
matematicista, to em voga na poca; assim, a partir de uma hiptese
lgica sobre o estado natural do homem, se deduzem racionalmente
todas as conseqncias. Nesta teoria que encontrava sua legitimidade
perante a razo, mediante a exatido matemtica e a concatenao de suas
proposies, a cincia jurdica passa a ter uma dignidade metodolgica
especial. Foi nessa poca (sculo XVII) que se deu a ligao entre
cincia e pensamento sistemtico, pois, segundo Christian Wolff,
sistema o "nexus veritatum", isto , agregado ordenado de verdades,
que pressupe a correo e a perfeio formal da deduo. Lambert, em
1787, delimitou os caracteres desse conceito ao afirmar que sistema
um mecanismo, isto , partes ligadas umas s outras; um organismo, ou
seja, um princpio comum que liga partes numa totalidade e uma
ordenao, por ser inteno fundamental e geral, idnea para ligar e
configurar as partes num todo. O conceito de sistema, no entender
de Wieacker, foi a maior contribuio do jusnaturalismo moderno".
Nesta segunda concepo jusnaturalista a natureza do ser humano foi
concebida": 1. Como genuinamente social, por Grotius, Pufendorf e
Locke. 75. Machado Neto, Teoria du ciencio jurdiru, cit., p. 83;
Van Acker, Curso de filosofia do direito, Revista da /'(ICSI',
cit., 35 (67-8): 357, 359 e 384: Trcio Sampaio Ferraz Jr., A cincia
do direito, cit., p. 23 e 24. Wolff, Philosvopltia ntoralis vive
ethica, 1750, p. 440; Franz Wicacker, Petruu'ecln.c,Se.cehichtr der
Neueit, Cttingen, Vandenhoeck & Ruprecht, 1967, p. 275, citados
por Trcio Sampaio Ferrar. Jr., A cincia do direito. p. 24. 76. Van
Ackcr, ('urso de filosofia do direito, Revista da PH('SP, cit., 35
(67- 8): 359-61, 363-6, 368-70, 386 e 387: Machado Neto, /rocia da
cincia junlica, cia., p. 83-4; Trcio Sanipaio Ferrar. Jr., A cincia
do ,/irrito, cia., p. 24- 6: Direito natural ou racional, in
/meielo u dia Saraivo do Direito, v, 27, p. 376: Alexandre Correia,
Direito natural-I, in Lnciclopedia Saraivo do l)reilo, v. 27, p.
343-69: Jos Maria Rodooguez Panugua. Historia, cit., p. 97-135.
Grotius dividiu o direito em duas categorias: jus voluntarium, que
decorre da vontade divina ou humana e jus naturale, oriunda da
natureza do homem devido a sua tendncia inata de viver em
sociedade. Para Grotius, o direito natural seria o ditame da razo,
indicando a necessidade ou repugnncia moral, inerente a um ato por
causa da sua convenincia ou inconvenincia natureza racional e
social 29. do homem. Da ser moralmente necessrio e conveniente a
celebrao de pactos sociais, em que o povo livremente escolha a
forma de seu governo, sem se ater s qualidades objetivas do regime,
mas sua preferncia subjetiva, de modo que a livre escolha o critrio
do ordenamento jurdico, mesmo que este escravize o povo. Logo o
preceito fundamental do direito natural, para essa escola, observar
fielmente qualquer contrato celebrado livremente. Grotius libertou
a cincia do direito de fundamentos teolgicos, cedendo s tendncias
sociolgicas de seu tempo, e intuiu que o senso social, to peculiar
inteligncia humana, fonte do direito propriamente dito. Locke"
chega a afirmar que a lei natural mais inteligvel e clara do que o
direito jurdico-positivo, que complicado e ambguo e justo apenas se
fundado na lei natural. Segundo a lei natural, cada homem tem, sem
recorrer ao Poder Judicirio e Executivo, o direito de punir
qualquer ofensa a um direito natural a bem da humanidade e o
direito de ressarcir-se dos prejuzos que lhe foram causados
pessoalmente. Para Locke s o pacto social pode sanar as deficincias
do estado de natureza, instaurando o governo do estado civil ou
poltico, com trs poderes: o legislativo, o executivo e o
federativo; este ltimo o poder de declarar a guerra ou a paz, de
concluir pactos e alianas (foedera). Reconhece, ainda, Locke, o
individualismo do direito natural moderno, pois, para ele, a nica
sociedade poltica condizente com a natureza humana o Estado
liberal-democrtico, cujo fim garantir os direitos naturais ou
liberdades individuais, mormente o direito intangvel e irrestrito
posse e ao uso dos bens adquiridos pelo trabalho. Samuel Pufendorf
apresenta em suas obras um sistema completo do direito natural,
dando um carter sistemtico ao processo de secularizao desse
direito, iniciado com Grotius, s que para ele a lex naturalis no
era a voz interior da natureza humana, como pretendia Grotius, mas
resultava de foras exteriores, ligando os homens em sociedade. Para
Pufendorf as prescries do direito natural pressupem a natureza
decada do homem, por isso, todo direitocontm uma proibio, e seu
carter fundamental repousa em sua funo imperativa. A principal
propriedade do homem , para Pufendorf, a imbecillitas, 77. Essays
on the hut of nature, Oxford-('huendon, lid. Leyden, 1954. 38
Cincia jurdica 39 A concepo do direito natural objetivo e material
(sculo XIII) foi, paulatinamente, substituda, a partir do sculo
XVII, pela doutrina jusnaturalista de tipo subjetivo e formal,
devido ao processo de secularizao da vida, que levou o
jusnaturalismo a arredar suas razes teolgicas, buscando o