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Maurício Rodrigues Gonçalves MAUS: UMA VISÃO METAFÓRICA DA REALIDADE ATRAVÉS DOS QUADRINHOS VERDADE Pelotas, 2005

MAUS: UMA VISÃO METAFÓRICA DA REALIDADE ATRAVÉS DOS QUADRINHOS VERDADE

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Maurício Rodrigues Gonçalves

MAUS: UMA VISÃO METAFÓRICA DA REALIDADE ATRAVÉS

DOS QUADRINHOS VERDADE

Pelotas, 2005

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Maurício Rodrigues Gonçalves

MAUS: UMA VISÃO METAFÓRICA DA REALIDADE ATRAVÉS

DOS QUADRINHOS VERDADE

Monografia apresentada à Escola de Comunicação Social da Universidade Católica de Pelotas como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel na habilitação de Publicidade e Propaganda. Orientador: Valter Sobreiro Júnior

Pelotas

Escola de Comunicação Social da UCPel

2005

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AGRADECIMENTOS

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“Nas histórias em quadrinhos, contamos com a repetição das imagens para criar atmosfera. O repórter-fotográfico está sempre atrás da boa foto – ele procura por um instante. Mas eu estou em busca de uma época.”

Joe Sacco

“Sirvo-me de animais para instruir os homens. [...] Procuro tornar o vício, ridículo; Por não poder atacá-lo com braço de Hércules. [...] Algumas vezes oponho, através de uma dupla imagem, O vício virtude, a tolice ao bom senso. [...] Uma moral nua provoca o tédio: O conto faz passar o preceito com ele, Nessa espécie de fingimento, é preciso instruir e agradar Pois contar por contar, me parece de pouca monta.”

Jean de La Fontaine

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RESUMO

Trabalho sobre o gênero dos quadrinhos verdade,

tendo como objeto de estudo o livro Maus: A história de

um sobrevivente, de Art Spiegelman. Foram realizadas

pesquisa bibliográfica e análise dos elementos que

constituem metáforas, verbais e visuais, na obra, a fim

de observar-se que as histórias em quadrinhos são meios

eficazes de representação de realidades.

PALAVRAS-CHAVE: histórias em quadrinhos – metáfora –

quadrinhos verdade

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ................................ 6

2. METODOLOGIA ............................... 8

3. ROTEIRO E PERSONAGENS ..................... 9

3.1. A história das histórias em quadrinhos .... 9

3.2. Os quadrinhos verdade, seus pioneiros e sua

evolução ..................................

16

4. BALÕES E ONOMATOPÉIAS ..................... 19

4.1. A linguagem das HQ e seus elementos ....... 19

5. LEITURA, QUADRINHOS E SARJETA ............. 28

5.1. O espírito dos quadrinhos verdade ......... 28

5.2. Maus, a história em quadrinhos de um

sobrevivente ..............................

29

5.2.1. Breve apresentação da obra ................ 30

5.2.2. Vladek sangra história .................... 31

5.2.3. Você é um homem ou um rato? ............... 33

5.2.4. Zoológico internacional ................... 35

5.2.5. Quadrinhos prisioneiros de outros

quadrinhos ................................

36

5.3. Do rascunho à arte final .................. 37

6. CONCLUSÃO ................................. 38

REFERÊNCIAS ....................................... 40

ANEXOS ............................................ 42

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1. INTRODUÇÃO

Este trabalho tem por objetivo analisar a

linguagem metafórica utilizada nos quadrinhos verdade:

histórias em quadrinhos que têm por finalidade serem um

canal de comunicação de fatos ocorridos em contextos

histórica e geograficamente localizados, levando-se em

conta o ponto de vista do autor – assim como deve ser

feito em relação à visão de qualquer comunicador dos

meios convencionais.

Como objeto de estudo, foi escolhido o livro

Maus: A história de um sobrevivente, no qual o autor, Art

Spiegelman, situa sua narrativa entre as sessões de

entrevista com seu pai e a história deste como

sobrevivente ao holocausto nazista, durante a segunda

guerra mundial. Spiegelman retratou seus pais como ratos

– e também todos os demais judeus – e os nazistas como

gatos, utilizando-se de uma interessante metáfora visual,

presente no imaginário de quase todo ser humano, como

símbolo de perseguição. Essa metáfora visual básica é o

ponto de partida para a análise de outros elementos

subordinados a ela e/ou à linguagem dos quadrinhos, como

por exemplo, o formato dos balões em relação à intenção

das palavras neles contidas.

O caráter de seriedade conferido à obra analisada

– a primeira história em quadrinhos a receber o prêmio

Pulitzer – foi o principal motivo para a sua escolha como

objeto de estudo. Portanto espera-se, ao final deste

trabalho, observar que a linguagem dos quadrinhos, com

todo seu potencial artístico, simbólico e literário,

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constitua-se em um grande meio de difusão de histórias

com personagens palpáveis, extraídos da realidade, em vez

de resumirem-se apenas a revistas de super-heróis em

roupas colantes.

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2. METODOLOGIA

Serão analisadas as metáforas, tanto visuais

quanto verbais, empregadas pelo autor de Maus ao longo de

sua narrativa, bem como as abordagens dos assuntos

constantes na história e outros recursos importantes para

o conjunto da obra. Spiegelman utilizou os tipos de

metáforas acima citadas para relacionar o real com o

imaginário, centrado na grande e irônica metáfora dos

gatos e ratos representando judeus e nazistas.

Como instrumentos de análise, serão utilizadas

referências bibliográficas das áreas relacionadas com o

tema proposto, desde definições de dicionários e

gramáticas, até endereços eletrônicos de publicações

especializadas e livros de teóricos das histórias em

quadrinhos. Os autores de maior relevância que serão

utilizados são: Will Eisner, Álvaro De Moya, Scott

McCloud, Sônia Bibe-Luyten, Sidney Gusmán e Román Gubern.

Os títulos dos capítulos 3, 4 e 5 foram construí-

dos com metáforas, baseadas em elementos da linguagem das

HQ, relacionados aos temas discutidos em cada um. No

capítulo 5, após um resumo da obra de Spiegelman, os

itens analisados nos capítulos anteriores serão agrupados

e subdivididos, para que então, nas considerações finais,

possam ser expostas as conclusões de forma clara e

objetiva.

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3. ROTEIRO E PERSONAGENS

3.1. A história das histórias em quadrinhos1

Os rudimentos desta linguagem, hoje tão

difundida, tiveram seu início no ano de 1827, com o

romance caricaturado M. Vieux-Bois, do suíço Rudolph

Töpffer, cuja obra foi digna da profunda admiração do

próprio Goethe2.

A arte seqüencial foi definida por Will Eisner

como “[...] uma disciplina distinta, uma forma artística

e literária que lida com a disposição de figuras ou

imagens e palavras para narrar uma história ou dramatizar

uma idéia.” (EISNER, 1999:5). Apesar de já haver diversos

exemplos de arte seqüencial anteriores ao século XIX –

dentre eles tapeçarias francesas, pinturas egípcias,

vitrais de igrejas com cenas bíblicas e manuscritos pré-

colombianos –, justifica-se o crédito de precursor

atribuído a Töpffer, através de sua própria declaração

sobre uma de suas obras, extraída do livro História da

História em Quadrinhos de Álvaro de Moya:

1 Segundo MCCLOUD (2005:9): Histórias em quadrinhos s.pl., usado como um verbo. 1. Imagens pictóricas e outras justapostas em seqüência deliberada destinadas a transmitir informações e/ou a produzir uma resposta no espectador. Vide anexos A, B e C. 2 Poeta alemão, Johann Wolfgang Von Goethe, autor das obras Fausto e Werther. É considerado a maior personalidade da literatura alemã, seu maior poeta, grande também como dramaturgo, romancista e ensaísta.

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“Ele se compõe de uma série de desenhos autografados em traço. Cada um destes desenhos é acompanhado de uma ou duas linhas de texto. Os desenhos, sem este texto, teriam um significado obscuro, o texto, sem o desenho, nada significaria. O todo, junto, forma uma espécie de romance, um livro que, falando diretamente aos olhos, se exprime pela representação, não pela narrativa.” (TÖPFFER apud DE MOYA, 1993:9)

Outro representante do século XIX é o poeta,

pintor e cartunista alemão Wilhelm Busch, criador de Max

und Moritz (Juca e Chico, no Brasil), personagens que

inspiraram Rudolph Dirks a criar, cerca de 30 anos mais

tarde, Hans e Fritz, os populares Katzenjammer Kids, ou,

como ficaram conhecidos por aqui, Os Sobrinhos do

Capitão.

Completando o trio das principais influências na

construção da linguagem dos quadrinhos, tem-se George

Colomb, também conhecido pelo pseudônimo de Christophe,

segundo De Moya, devido a uma brincadeira relacionada à

forma francesa do nome de Cristóvão Colombo.

Colomb criou a Famille Fenouillard, que há quem

considere como a legítima primeira história em quadrinhos

moderna. Christophe, de fato, estava à frente de seu

tempo.

“Usava ângulos inusitados, movimentos acelerados, técnicas de silhuetas. A ação ligava os quadros. Estava avançado para seu tempo e é considerado um dos que mais contribuíram para os comics no seu nascedouro.” (DE MOYA, 1993:12)

Mesmo sendo responsáveis por tantas influências

para as gerações seguintes de autores, Töpffer, Busch e

Colomb eram unânimes em um ponto: jamais fizeram uso de

balões para inserir falas nos quadros.

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Paralelamente, o italiano Angelo Agostini (que

hoje empresta seu nome para o maior prêmio brasileiro do

gênero dos quadrinhos), radicado no Brasil, criava seus

personagens Nhô Quim e Zé Caipora, publicando suas

histórias em diversas revistas, como O Malho, Dom Quixote

e, mais tarde, O Tico-Tico.

A verdadeira revolução dos comics3 ocorreu

somente com a criação do Yellow Kid, ou Menino Amarelo,

por Richard Fenton Outcault, que, além de ser considerada

a “primeira história em quadrinhos continuada com

personagem semanal [...] em cores” (DE MOYA, 1996:17),

passou a utilizar balões de falas.

Em 5 de janeiro de 1896, o menino que – por

sugestão do técnico de cores Richard Benday – passou a

vestir um camisolão amarelo, tornou-se um ícone no mundo

das HQs. A vestimenta, além de conferir o nome ao

personagem, cunhou uma das expressões mais populares do

jornalismo: Yellow Journalism, ou Jornalismo Amarelo –

termo que tem o mesmo significado de Imprensa Marrom,

aqui no Brasil - devido ao conteúdo panfletário que

costumava vir impresso nela e à polêmica disputa

judicial, da qual os direitos do personagem foram o pivô,

travada entre os poderosos da comunicação Joseph Pulitzer

e William Randolph Hearst.

Já em 1905, surgiu um personagem que elevou as

histórias em quadrinhos à categoria de obra-prima: Little

Nemo, de Winsor McCay.

“No dia 15 de outubro de 1905, num domingo, o jornal New York Herald publicava a primeira página em cores da obra-prima de Winsor McCay, Little Nemo in Slumberand. A chave

3 O mesmo que histórias em quadrinhos.

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básica da historieta era muito simples: todas as noites, o pequeno Nemo sonhava com Slumberland e todas as manhãs era acordado para a realidade.” (DE MOYA, 1996:28)

As belas páginas do personagem trouxeram

surrealismo e inovação para a linguagem, inclusive

antecipando recursos que, décadas mais tarde, seriam

utilizadas no cinema.

“Visualmente rico, espantoso, criativo, jamais repetitivo, sempre inovando na distribuição dos quadros, verticais ou horizontais, usando amplamente as cores, antevendo o futuro cinemascope, as lentes 70 mm, as grandes angulares, os ângulos insólitos, captando a vista do leitor com grandes quadros dominantes, a visão de uma página standard de jornal, com um impacto de imagens e cores sem paralelo nos outros meios de comunicação, Winsor McCay tinha próximo de si apenas Sigmund Freud e suas teorias sobre os sonhos.” (DE MOYA, 1996:28)

No mesmo ano, a editora O Malho lançou a revista

O Tico-Tico, um marco nas publicações de quadrinhos no

Brasil, que traduzia diversos personagens estrangeiros,

como o Buster Brown de Outcault, que aqui recebeu o nome

de Chiquinho, chegando a ser, durante anos, reconhecido

como um personagem típico brasileiro. Além dos

personagens decalcados do exterior, havia também os

personagens realmente criados aqui, por artistas como J.

Carlos, Luis Sá, entre diversos outros mais.

Em 1929 surgiu Tintin, criação do belga Hergé.

Trabalhando em um jornal católico, Hergé escreveu a

primeira história do escoteiro loirinho de catorze anos,

Tintin au Pays des Soviets, com um tema anticomunista,

baseado em algumas leituras sobre a Rússia. A aventura

seguinte já se passava no Congo Belga, com uma história

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de fundo colonialista, porém o autor não estava sendo

muito fiel aos locais retratados em suas historietas.

“O anúncio de uma terceira obra, a ser passada na China, teve a assessoria de um padre que a visitara e alertou o jovem autor para cuidar melhor de conhecer o país retratado. A partir daí, suas pesquisas de texto e visualização dos países envolvidos nas aventuras de Tintin passaram a ser cuidadas e realistas.” (DE MOYA, 1996:61)

Após a quebra da bolsa de valores de Nova York em

1929, com a entrada na década de 1930, inaugurou-se a Era

Dourada, que trouxe para os quadrinhos personagens como

Buck Rogers, ilustrado por Dick Calkins e Tarzan, de

Edgar Rice Buroughs, que acabou sendo desenhado por

diversos artistas, dentre eles Hal Foster, que também

criou, alguns anos mais tarde, a obra-prima O Príncipe

Valente. Em 1930, satirizando a depressão que assolava a

América do Norte, Chick Young criou a tira4 familiar

Blondie, na qual um personagem abastado casa-se, contra a

vontade de seus pais, com uma moça pobre, sendo

deserdado. Segundo Álvaro de Moya, “Milhões de americanos

se identificaram com essa família”.

Durante o mesmo período, surgiram e fizeram fama

também diversos personagens e autores, respectivamente:

Dick Tracy, de Chester Gould; Betty Boop, de Max

Fleischer; Henry (Pinduca), de Carl Anderson; Alley Oop

(Brucutu), de Vince Hamlin; Brick Bradford, de William

Ritt e Clarence Gray; Flash Gordon e Jungle Jim (Jim das

Selvas), ambos de Alex Raymond; o Agente Secreto X-9, de

Dashiell Hammett; Terry e os Piratas, de Milton Caniff;

Rádio Patrulha, de Eddie Sullivan e Charlie Schmidt; o

4 Formato de narrativa gráfica comum em jornais, formada normalmente por três quadros, podendo contar uma anedota ou história curta ou compor uma série com continuação.

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Reizinho, de Otto Soglow; Red Barry, de Will Gould;

Mandrake, de Lee Falk e Phil Davis; Li’l Abner

(Ferdinando), de Al Capp; Oaky Doaks (Tererê), de R. B.

Fuller; Cuto, de Jesus Blasco; o Fantasma, de Lee Falk e

Ray Moore; o Príncipe Valente, de Hal Foster; o Pato

Donald de Walt Disney até chegar ao Super-Homem de Jerry

Siegel e Joe Shuster, o primeiro super-herói criado.

Ainda surgiram, na mesma época, Batman e Robin, de Bob

Kane e o Capitão Marvel, de C. C. Beck.

Enquanto isso, no Brasil, era criado o Suplemento

Juvenil, por Adolfo Aizen5 e ainda: Roberto Sorocaba, de

Monteiro Filho; Paulino e Albina, de Belmonte; A Garra

Cinzenta, de Francisco Armond e Renato Silva; e Audaz, de

Messias de Mello.

Em 1940, o gênio Will Eisner criou a sua mais

famosa obra: The Spirit (O Espírito):

“Uma das melhores criações das histórias em quadrinhos. Obra absolutamente genial. Está, para os comics, como Cidadão Kane para o cinema. Obra antológica. Tomadas, fusões, cortes, ângulos insólitos, uso do som e das sombras, em linguagem revolucionária visualmente. Apoiada em textos e situações que lembram Maupassant, Tchecov e O. Henry.” (DE MOYA, 1996:142)

Na esteira do clima de guerra que predominava na

indústria e na sociedade, surgiram novos heróis patriotas

e personagens apoiados em cenários políticos, como o

Capitão América, de Jack Kirby e Joe Simon; Jim Gordon,

de Roy Crane; e Johnny Hazard, de Frank Robbins.

5 O editor Adolfo Aizen [...] começou a trabalhar como jornalista em O Malho. Ganhou uma viagem para os Estados Unidos e travou contato com o King Features Syndicate, de onde trouxe para o Brasil os principais heróis de aventura, com os quais lançou o Suplemento Juvenil. (DE MOYA, Álvaro. Autores e ilustradores. Disponível em: <http://www.mre.gov.br/cdbrasil/itamaraty/web/port/comunica/quadrin/autilu/adolfoa/index.htm> Acesso em: 3 out. 2005.)

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A década de 1950 veio com um pouco mais de humor,

trazendo consigo o Recruta Zero, de Mort Walker; Peanuts

(Minduim) de Charles Schulz; e a revista MAD, de Harvey

Kurtzmann. No ano de 1959, no Brasil, Maurício de Souza

publicou Bidu, a primeira tira do jornal Folha de São

Paulo.

A louca década de 1960 abriu precedentes para

temas de ficção científica com toques de erotismo, como

Barbarella, de Jean-Claude Forest e os devaneios do

francês Moebius (pseudônimo de Jean Giraud); para o

erotismo puro de Valentina, de Guido Crepax e para o

erotismo pornográfico-bestial-antropomorfizado-drogado do

Gato Fritz, de Robert Crumb, considerado o Papa do

movimento underground6.

Contrapondo-se a essa liberalidade que avançava

na Europa e nos Estados Unidos, a América Latina começava

a sofrer com a onda de golpes militares que a assolaram

por aproximadamente 20 anos. Essa situação criou um

espírito de revolta em alguns artistas, que responderam

com páginas e mais páginas de protestos, velados ou

escancarados, como foi o caso do argentino Quino, com sua

pequenina e inconformada Mafalda.

Em 1978, Will Eisner criou a primeira graphic

novel7 da história: A contract with God (Contrato com

Deus).

6 Underground – Este termo da língua inglesa, que significa “subterrâneo”, passou a ser utilizado para designar aqueles artistas que estavam fora do circuito das grandes editoras, aqueles que pertenciam ao submundo dos quadrinhos e da arte de uma forma geral. O extinto jornal O Pasquim chegou a cunhar uma expressão, popular até hoje, originada deste termo: Udigrudi. 7 Eisner [...] decidiu [...] desenvolver novos projetos na área de histórias em quadrinhos, iniciando o que se poderia chamar da terceira e última fase de sua carreira, voltada para o aprofundamento e divulgação do potencial da linguagem dos quadrinhos e à criação de produtos especialmente dirigidos ao público adulto, que buscavam também explorar a capacidade literária das histórias em

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As décadas de 1980 e 1990 foram recheadas de

obras que redefiniram a forma de se fazer quadrinhos,

dentre elas: O Cavaleiro das Trevas, de Frank Miller;

Sandman, de Neil Gaiman (série que ficou famosa pelas

fabulosas capas do artista Dave McKean); Elektra, de

Frank Miller e Bill Sienkwicz; Akira, de Katsuhiro Otomo;

Watchmen, de Alan Moore e Dave Gibbons; Liberdade, de

Frank Miller e Dave Gibbons; além dos quadrinhos verdade8

Palestina, de Joe Sacco e Maus, de Art Spiegelman, que

foi a primeira – e durante muito tempo a única – história

em quadrinhos a receber o prêmio Pulitzer9.

3.2. Os quadrinhos verdade, seus pioneiros e sua

evolução

A iniciativa de Will Eisner de produzir, em 1978,

sua obra Contrato com Deus, considerada a primeira

quadrinhos como meio de comunicação. A essas obras, ele genericamente denominou de graphic novels. (VERGUEIRO, Waldomiro. O legado de Will Eisner. Disponível em: <http://www.omelete.com.br/qua drinhos/artigos/base_para_artigos.asp?artigo=2438> Acesso em: 3 out. 2005.) 8 “Nesses trabalhos, o leitor pode ter certeza de que não encontrará uma coisa: o chamado ‘final feliz’. Por serem baseadas em fatos, as histórias não têm ‘mocinhos’. Não há supertipos uniformizados capazes de reverter a dura realidade mostrada a cada página.” (GUSMAN, 2004:25). Vide anexo D.

9 “O Pulitzer é patrocinado pela Universidade da Columbia e é

oferecido a jornalistas, escritores e músicos que tenham feito algo significativo para a sociedade americana. O prêmio existe desde 1917 e foi criado pelo empresário norte-americano Joseph Pulitzer.” (SOCIEDADE LITERÁRIA PROMETHEUS. Editor: Marcos A. Pizzolatto Disponível em: <http://www.geocities.com/slprometheus/html/news2.htm> Acesso em: 3 out. 2005.)

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graphic novel publicada, contribuiu muito para a

viabilização de diversas outras publicações, graças ao

caráter sério que ela conferiu ao gênero dos quadrinhos.

Além de uma mudança de percepção por parte de editores e

leitores, o formato de uma história inteira dentro de um

livro fez até mesmo com que jornalistas passassem a

considerar a publicação de suas reportagens dessa forma.

Apesar de, no final da década 1970, no ocidente,

estar sendo revolucionado o jeito de contar histórias,

nos anos de 1972 e 73, no Japão, Keiji Nakazawa já havia

publicado, de forma seriada, em uma das maiores revistas

de mangás10 do mundo, a Shonen Jump, sua obra clássica

autobiográfica Gen – Pés Descalços, sobre o lançamento

das bombas atômicas sobre as cidades de Hiroshima e

Nagazaki. Apenas muitos anos mais tarde é que essa

história foi publicada em forma de livro, em quatro

volumes, somando quase 900 páginas.

Também o próprio Eisner criou uma obra

autobiográfica, chamada No coração da tempestade. No

início dos anos 1980, Art Spiegelman publicou seu

premiado Maus, baseado nas entrevistas feitas por ele,

com seu pai Vladek. Outro grande expoente do gênero dos

quadrinhos verdade é o jornalista Joe Sacco, natural da

Ilha de Malta e radicado nos Estados Unidos, que publicou

os livros Palestina – Uma nação ocupada; Palestina – Na

Faixa de Gaza; Área de segurança Gorazde – A guerra na

Bósnia Oriental 1992-1995 e Uma história de Sarajevo,

todos eles sobre conflitos étnicos, divergências

políticas e intolerância. No caso de Sacco e Nakazawa,

eles estiveram presentes nos contextos retratados,

10 Mangás são os quadrinhos japoneses, que são feitos para serem lidos no sentido da direita para a esquerda, o que para nós, ocidentais, pode se dizer que são lidas “de trás para frente”.

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diferente de muitos outros autores, que apenas coletam

informações de testemunhas. A obra de Spiegelman é um

caso à parte, pois grande parte dela mostra a interação

entre pai e filho, de forma autobiográfica, em vez de

apenas contar, de forma meramente biográfica, a história

de seu pai durante o holocausto.

Hoje em dia, basta olhar para os lados para ver a

profusão de trabalhos em quadrinhos que vêm sendo feitos

com o propósito de contar histórias reais. Pode-se

encontrar histórias sobre a Comuna de Paris, sobre a vida

de Lucrécia Borgia, a queda do Xá da Pérsia e até mesmo

sobre a Revolução Farroupilha e sobre revoltas envolvendo

portugueses, franceses e índios potiguares no Rio Grande

do Norte.

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4. BALÕES E ONOMATOPÉIAS

4.1. A linguagem das HQ e seus elementos

As páginas das histórias em quadrinhos são

recheadas de elementos únicos, signos próprios de sua

linguagem e, entre eles, estão os balões e as

onomatopéias, além de vários outros que ficam, muitas

vezes, subentendidos nas entrelinhas, ou, melhor dizendo,

nos “entrequadros”.

Sônia Bibe-Luyten, em seu livro O que é história

em quadrinhos, define a linguagem dos quadrinhos da

seguinte forma:

“Elas são formadas por dois códigos de signos gráficos: a imagem e a linguagem escrita. O fato de os quadrinhos terem nascido do conjunto de duas artes diferentes – literatura e desenho – não os desmerece.” [sem grifo no original]. (BIBE-LUYTEN, 1985:11)

E ainda segue defendendo seu ponto de vista:

“Ao contrário, essa função, esse caráter misto que deu início a uma nova forma de manifestação cultural, é retrato fiel de nossa época, onde as fronteiras entre os meios artísticos se interligam.” (BIBE-LUYTEN, 1985:11-12)

Essa afirmação, feita mais de uma década antes da

popularização da internet, principalmente como um meio de

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difusão das HQ, faz-se ainda mais verdadeira nos dias de

hoje.

A autora ainda traça um paralelo com outras

formas de arte ou expressão mais populares:

“É infundada a crítica que se faz aos qua-drinhos, principalmente aquela que os considera subliteratura ou ‘sub arte’. Isso porque, uma vez que os quadrinhos tenham se nutrido em fontes literárias ou pictóricas, não quer dizer que esses materiais conservem a sua natureza depois que adquirem a sua forma final. É o que acontece com o cinema: depois de o roteiro passar para a linguagem cinematográfica não é mais literatura e, sim, uma nova e vigorosa modalidade artística.” (BIBE-LUYTEN, 1985:12)

Dentro da linguagem propriamente dita, a autora

apresenta o seu elemento principal, o balão:

“Entre os elementos que entram na composição dos quadrinhos, o que mais caracteriza e dá dinamicidade à leitura são os balões. O balão é a marca registrada dos quadrinhos. Na sua forma bem comportada, indica a fala coloquial de seus personagens. No entanto, quando estes mudam de humor, expressando emoções diversas (surpresa, ódio, alegria, medo), os balões acompanham tipologicamente, participando também da imagem.” [sem grifo no original]. (BIBE-LUYTEN, 1985:12)

Este elemento – o balão - é o primeiro, e mais

visível, a usar a metáfora visual como suporte. Caso a

expressão no rosto do próprio personagem não baste para

demonstrar o seu estado de espírito ou sua intenção, o

balão estará lá para fazer isso. Muitas vezes, do lado de

cá das páginas, no “mundo real”, a expressão de um

indivíduo não é fiel aos seus sentimentos. Por que

haveria de ser diferente nos quadrinhos?

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Para um pensamento, nada melhor que uma forma

vaga, etérea, como a de uma nuvem, para conter as

palavras. Um grito é bem representado por formas agudas e

angulosas, quebradas e mais chamativas que qualquer outro

elemento na página. E assim funciona para outras tantas

expressões tencionadas pelos autores, algumas

representações criadas originalmente, de acordo com a

necessidade da narrativa, outras com nomes já

consagrados:

“As formas são muitas e bastante variadas11. Partindo-se do balão-fala, podemos encontrar o balão-pensamento, balão-berro, balão-cochicho, balão-trêmulo (medo), balão-transmissão (para transmitir som de aparelhos elétricos ou eletrônicos), balão-desprezo, balão-uníssono (mostrando a fala única de diversos personagens), balão mudo e dezenas de formações diversas. Esses tipos e formas vão depender sempre da situação que se quer criar, ocasionando, assim, ótimos efeitos visuais e comunicativos.” (BIBE-LUYTEN, 1985:12-13)

Além de ser um elemento gráfico fundamental para

a narrativa de uma história – pelo menos para uma que

faça uso de palavras – o balão faz o papel de uma espécie

de “indutor de seqüência e tempo”, como observa o mestre

Eisner:

“O balão é um recurso extremo. Ele tenta captar e tornar visível um elemento etéreo: o som. A disposição dos balões que cercam a fala – a sua posição em relação um ao outro, ou em relação à ação, ou a sua posição em relação ao emissor – contribui para a medição do tempo. Eles são disciplinares, na medida em que requerem a cooperação do leitor. Uma exigência fundamental é que sejam lidos numa seqüência determinada para que se saiba quem fala primeiro. Eles se dirigem à nossa

11 Vide anexo E.

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compreensão subliminar da duração da fala.” (EISNER, 1999:26)

Mesmo com toda a expressividade de um balão,

traduzindo o não-dito das palavras, completando as

lacunas e as entrelinhas, outros sons não-articulados

precisam ser representados graficamente. Todos esses

“clicks”, “placs”, “pows”, “crashs”, “tic-tacs” e

“bangs”, presentes no dia a dia, normalmente não se

enquadram dentro dos balões e precisam ser expressos

pelas onomatopéias.

“À linguagem verbal dos comics pertence também o importantíssimo capítulo das onomatopéias que, desligadas do balão e graças a fonemas com valor gráfico, sugerem ao leitor o ruído de uma ação ou o som emitido por um animal. Esta convenção possui nos comics um duplo valor: gráfico ou plástico, devido à sua eclosão visual no interior da gravura, e fonético, devido à sua tradução acústica12.” (GUBERN, 1979:60)

Porém, as onomatopéias têm sua principal origem

nos quadrinhos norte-americanos, tendo sido exportadas –

muitas vezes sem qualquer tradução – e aceitas no mundo

inteiro, seja por semelhança, comodidade, ou por razões

técnicas.

“As onomatopéias utilizadas nos comics provêm principalmente do inglês, muito rico em substantivos e verbos fonossimbólicos [sic]: to ring (tocar a campainha), to click (dar uma pancada seca), to crack (quebrar, estalar), to knock (bater), to boom (fazer estampido), etc. O valor plástico conseguido por esses fonemas, libertados do balão e ocupando por vezes uma importante porção da gravura, tornou tecnicamente impossível sua eliminação, contrariamente ao que sucede com os textos inscritos no balão [...]. Assim,

12 Vide anexo F.

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23

apesar da incorreção idiomática de certas combinações de letras ou sons, exóticos ou bárbaros para muitos leitores [...], as onomatopéias inglesas dos comics norte-americanos acabaram por ser aceites [sic] e mesmo lidos de um modo aproximadamente correto, devido à eloqüência acústica da ação representada, sendo adotadas mimeticamente por muitos desenhistas [...] na forma de código onomatopaico com validade universal.” (GUBERN, 1979:60-63).

E nem só com sons articulados (conteúdo dos

balões) e não-articulados (onomatopéias) consegue-se o

resultado de comunicação esperado em uma história em

quadrinhos. Muitas vezes precisa-se ir além, precisa-se

da ajuda das metáforas13 e metonímias14, mais

especificamente ainda, precisa-se de outras metáforas

visuais, além das diversas formas dos balões.

“[...] os fonemas onomatopaicos ingleses integraram-se no código internacional dos comics, tal como aconteceu com as metáforas visualizadas. Estas metáforas foram criadas para exprimir o estado psíquico dos personagens através de sinais icônicos de caráter metafórico e metonímico. Figuram entre estas convenções: o ponto de interrogação em cima da cabeça de um personagem, para indicar perplexidade; a lâmpada, para exprimir a idéia ‘luminosa’; as ‘estrelas’, quando se recebe uma pancada; a madeira e a serra (cujo corte rítmico sugere o ressonar), para representar o sono; o coração como símbolo de amor, etc15.” [sem grifo no original]. (GUBERN, 1979:63-64).

13 Metáfora – “[...]fenômeno pelo qual uma palavra é empregada por semelhança real ou imaginária: os dentes do pente; pé da mesa [...]” (ALMEIDA, 1967:349) 14 Metonímia – “[...]se baseia na substituição de um nome por outro que tenha com o primeiro uma das seguintes relações: marca/produto, parte/todo, autor/obra (‘Sempre leio Drummond’), continente/conteúdo (‘Tomei dois copos de vinho’) etc.” (CIPRO NETO, 2001:31) 15 Vide anexo G.

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24

Algumas vezes, dá-se o tom de uma história já em

sua primeira página, seja através de uma breve narração

de um locutor onipresente, de uma fala em primeira pessoa

contando parte da história transcorrida anteriormente ao

ponto onde ela se encontra, através de um título

verbalmente mais óbvio, ou através de tratamento gráfico

subjetivo – metáfora visual - dado a um título com

maiores possibilidades de interpretação, como foi feito

muitas vezes por Will Eisner em suas obras.

“O letreiramento [sic], tratado ‘graficamen-te’ e a serviço da história, funciona como uma extensão da imagem. Neste contexto, ele fornece o clima emocional, uma ponte narrativa, e a sugestão de som. Em um excerto de Contract with God (Contrato com Deus)16, uma graphic novel, o uso e o tratamento do texto como um ‘bloco’ é empregado de uma maneira que se conforma com tal disciplina. O ‘significado’ do título se expressa pelo emprego de uma configuração comumente reconhecida como uma placa. Emprega-se uma pedra – ao invés de pergaminho ou papel – para deixar implícita a idéia de permanência e evocar o reconhecimento universal dos dez mandamentos de Moisés sobre uma placa de pedra. Mesmo a mistura do estilo de letreiramento [sic] – letra hebraica x uma letra romana compacta – tem como intuito reforçar esse sentimento.” (EISNER, 1999:10-11)

Assim como acontece com os títulos, o mesmo pode

ocorrer dentro da história, em algum ponto-chave da

narrativa, para criar alguma tensão ou clímax. Eisner

costumava utilizar freqüentemente esse recurso17. A esses

exemplos de metáfora visual, pode ser associado o ícone,

buscando-se seus conceitos na semiótica de Charles

Sanders Peirce, através dos estudos de Lúcia Santaella:

16 Vide anexo H. 17 Vide anexos I e J.

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25

“Uma pintura, chamada abstrata, por exemplo, desconsiderando o fato de que é um quadro que está lá, o que já faria dela um existente singular e não uma pura qualidade, mas considerando-a apenas no seu caráter qualitativo (cores, luminosidade, volumes, textura, formas...) só pode ser um ícone. E isto porque o conjunto de qualidades inseparáveis, que lá se apresenta in totum, não representa, de fato, nenhuma outra coisa. O objeto do ícone, portanto, é sempre uma simples possibilidade, isto é, possibilidade do efeito de impressão que ele está apto a produzir ao excitar nosso sentido. Daí que, quanto mais alguma coisa a nós se apresenta na proeminência de seu caráter qualitativo, mais ela tenderá a esgarçar e roçar nossos sentidos. [...] No entanto, porque não representam efetivamente nada, senão formas e sentimentos (visuais, sonoros, táteis, viscerais...), os ícones têm um alto poder de sugestão. Qualquer qualidade tem, por isso, condições de ser um substituto de qualquer coisa que a ele se assemelhe. Daí que, no universo das qualidades, as semelhanças proliferem. Daí que os ícones sejam capazes de produzir em nossa mente as mais imponderáveis relações de comparação.” [sem grifo no original]. (SANTAELLA, 1991: 64)

Tal poder de sugestão justifica plenamente o uso

das metáforas visuais como auxílio à narrativa ou até

mesmo como recurso principal de uma história, fazendo com

que não só as linhas dos balões, as onomatopéias e os

elementos de caracterização psíquica dos personagens

sejam repletos de metáforas, como também os próprios

personagens, como é o caso da obra analisada neste

trabalho: Maus: A história de um sobrevivente.

O uso, na linguagem adotada, de elementos

conhecidos, tanto do autor quanto do leitor, cria uma

interface muito mais direta e visceral como elo entre

ambos, tornando a arte seqüencial uma nova forma de

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26

leitura que, segundo Eisner, “[...] se vale da

experiência visual comum ao criador e ao público”. Para

reforçar essa afirmativa, em seu livro Quadrinhos e Arte

Seqüencial, Eisner ainda cita Tom Wolf:

“Durante os últimos cem anos, o tema da leitura tem sido diretamente vinculado ao conceito de alfabetização;... tem significado aprender a ler palavras... Mas... gradualmente a leitura foi se tornando objeto de um exame mais detalhado. Pesquisas recentes mostram que a leitura de palavras é apenas um subconjunto de uma atividade humana mais geral, que inclui a decodificação de símbolos, a integração e a organização de informações... Na verdade, pode-se pensar na leitura – no sentido mais geral – como uma forma de atividade de percepção. A leitura de palavras é uma manifestação dessa atividade; mas existem muitas outras leituras – de figuras, mapas, diagramas, circuitos, notas musicais...” (WOLF apud EISNER, 1985:7-8)

Assim, observa-se que o suporte dos recursos

gráficos pode desempenhar um papel até mesmo de

facilitador da leitura verbal convencional, ou de

complemento, tornando acessíveis algumas obras famosas

por sua inacessibilidade. Segundo Orlando Neves – autor

que adaptou O capital para os quadrinhos -, sobre o teor

da obra original de Karl Marx e sua compreensão popular

através da narrativa gráfica:

“[...] a penetração da banda desenhada18 de algum modo contribuiria para a divulgação massiva de um texto por vezes extremamente difícil, quase só compreensível na íntegra por iniciados. O reconhecimento da força comunicativa da banda desenhada tornava, porém, a aventura aliciante. Foi isso que se tentou – nos textos encontrar um modo de sintetizar, sem trair, as idéias básicas da obra de Marx e através do desenho, por um

18 O mesmo que histórias em quadrinhos.

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lado, aliviá-la com alguns achados gráficos, aqui e além com humor, e por outro, sublinhar as idéias de Marx com tintas e traço forte, deformante, contundente, de modo precisamente a carregar o sentido social de Marx com imagens, técnicas e processos característicos do desenho e, primordialmente, da banda desenhada.” (NEVES, 1978:6)

Uma história com gatos e ratos pode servir tanto

para entreter crianças nas manhãs de sábado quanto para

simplificar, e mostrar de forma crua, idéias de opressão,

perseguição e sobrevivência. Está tudo lá, é só abrir os

olhos.

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5. LEITURA, QUADRINHOS E SARJETA19

5.1. O espírito dos quadrinhos verdade

Um jornalista em uma casa de uma rua, situada em

uma cidade de um país no Oriente Médio, entre um copo e

outro de chá saturado de açúcar (o excesso de açúcar no

chá é um símbolo de hospitalidade entre os palestinos,

dada a sua escassez naquela região) ouve uma explosão e

corre até a rua para ver o que há.

Quantas representações estão presentes na breve

narrativa acima? Quantos objetos estão por trás dessas

representações? Quais as possíveis interpretações que se

faz acerca do confronto entre representações e objetos? O

momento vivido pelo jornalista não voltará a se repetir,

assim como este instante, e este, e este, e este, e este,

e este, que no momento em que foi descrito como “este” já

deixou de existir há muito tempo. Como representar então

aquele momento que passou? Pede-se para que se exploda

novamente o que quer que seja que tenha explodido naquela

rua palestina? Mesmo que fosse capturada tal explosão,

esta já não seria mais a mesma de antes, seria, no

máximo, uma mera representação da primeira. E quanto ao

já repugnante gosto do chá que descia pela garganta

19 “Está vendo o espaço entre os quadros? É o que os aficcionados [sic] das histórias em quadrinhos chamam de sarjeta. Apesar da denominação grosseira, a sarjeta é responsável por grande parte da magia e mistério que existem na essência dos quadrinhos. É aqui, no limbo da sarjeta, que a imaginação humana capta duas imagens distintas e as transforma em uma única idéia.” (MCCLOUD, 2005:66)

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29

naquele momento? Que se encha o copo novamente e se

provoque uma terceira explosão, então, para que ocorra a

sincronia dos fatos. Feito isso, o jornalista lembra-se

da surpresa pela qual foi tomado no momento “original”. A

essa altura o chá e as bombas já acabaram. O que restou?

Restou a possibilidade de se fazer uma narrativa que

misture tempo, espaço, gostos, cheiros, momentos,

surpresas, sons e tudo mais que tenha participado daquele

momento único, e que, após convertida em uma página, ou

um capítulo, e publicada em um livro, torne-se, para o

leitor que não estava lá, uma reprodução daquela

realidade, ou de, pelo menos, parte dela.

5.2. Maus, a história em quadrinhos de um

sobrevivente

O livro Maus: A história de um sobrevivente,

escrito e desenhado por Art Spiegelman, conta a história

de como seu pai, Vladek Spiegelman, e sua mãe, Anna20

Spiegelman, sobreviveram ao holocausto nazista. A

narrativa, ao contrário do que se pode pensar, não se

resume apenas à captura de seus pais, às artimanhas

utilizadas por eles para sobreviver e à sua libertação

com o fim da guerra. Ela incorpora, também, algumas

histórias paralelas, como as próprias sessões de

entrevista do autor com seu pai, com exemplos claros da

personalidade mesquinha e preconceituosa de Vladek;

20 Chamada, na maior parte do tempo, de Anja.

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30

momentos intimamente ligados ao processo criativo

resultante na obra; e até mesmo um “gibi dentro do gibi”,

ou seja, um exercício de metalinguagem21 feito pelo autor

para enriquecer, ainda mais, a narrativa, contando o

episódio do suicídio de sua mãe, em traços perturbados e

expressionistas, que lembram xilogravuras22.

5.2.1. Breve apresentação da obra

Rego Park, Nova York, 1958. Art anda de patins

com seus amiguinhos judeus em uma calçada. Um de seus

patins rebenta, ele pede para os outros esperarem, eles

riem e chamam-no de “ovo podre”, então ele vai chorando

para casa. Art conta para seu pai, Vladek, o que

aconteceu, diz que foi deixado para trás por seus amigos.

Vladek para o que está fazendo e responde: “Amigos? Seus

amigos?... Se trancar elas em quarto sem comida por um

semana... Aí ia ver o que é amigo!..”

Essa é a introdução arrebatadora que dá o tom do

resto do livro; mostra parte da amargura de alguém que

sobreviveu a uma das maiores chacinas de que se tem

notícia; Vladek parece plantar em seu filho, naquele

momento, a semente que, anos mais tarde, viria a se

tornar um dos relatos mais chocantes e originais feitos a

21 Segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, metalinguagem é uma “linguagem (natural ou formalizada) que serve para descrever ou falar sobre uma outra linguagem, natural ou artificial [As línguas naturais podem ser us. como sua própria metalinguagem.]” 22 Gravuras impressas a partir de um original esculpido em madeira.

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31

respeito do nazismo, um tema já discutido de todas as

formas à exaustão.

O livro foi escrito em duas partes distintas. A

primeira, chamada Meu pai sangra história, conta desde

antes de Vladek e Anna se conhecerem até eles serem

levados para o campo de concentração de Auschwitz. O

segundo livro chama-se E aqui meus problemas começaram, e

é sobre como a situação se agravou a partir de então e os

conseqüentes desfechos, até a libertação e o reencontro

de ambos.

5.2.2. Vladek sangra história

A forma como Vladek foi retratado no livro

divide-se em duas perspectivas: Vladek contando a

história e Vladek fazendo parte da história.

A primeira é a visão que o autor tinha de seu

próprio pai, um judeu polonês radicado nos Estados

Unidos. Sob essa ótica, Spiegelman o retrata inclusive

com um curioso sotaque23, evidentemente diferenciado de

sua “fala” – escrita toda em inglês24 correto - na

segunda perspectiva, na qual ele aparece em ação na

Europa, sendo que este último é um Vladek idealizado pelo

autor, baseado nos relatos do próprio Vladek. Partindo-se

do princípio de que ele, em sua terra natal, a Polônia,

23 Vide anexo K. 24 Com sua devida tradução para o português, bem como a adaptação do sotaque polonês.

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32

falasse o idioma polonês, fica clara, assim, a intenção

do autor.

As diferenças entre as duas perspectivas não se

detêm somente no sotaque, a crua visão que Art Spiegelman

tem de seu pai também está presente. Enquanto que o

Vladek idealizado é quase um herói, moralmente perfeito,

o Vladek real, visto pelos olhos do filho, tem muitos

defeitos.

Durante as sessões de entrevista, várias foram as

demonstrações de mesquinharia, intolerância e até mesmo

preconceito racial [!] feitas por Vladek; e Art não se

furtou de colocá-las em seu livro. Ele poderia ter

contado uma história de um bravo sobrevivente, seu pai,

que foi vítima do nazismo e sofreu até seus últimos dias

com traumas deixados pelos campos de concentração. Mas

não, ele não fez isso. Ao contrário, colocou cada traço

de personalidade seu e de seu pai nas páginas em preto e

branco de sua obra; não escondeu em momento algum o

rancor que ele mesmo nutria por seu pai, por ter colocado

fora, após o suicídio, todos os diários de sua mãe,

chegando ao extremo de chamá-lo de “assassino” no final

do primeiro livro.

A dimensão humana dada a Maus por seu autor

reside nos detalhes que, ao contrário de outros

historiadores e biógrafos, ele não deixou passar25.

Detalhes como Vladek contando biscoitos26, ou colocando

saquinhos de chá usados para secar e serem

reutilizados27, que mostram sua mesquinharia – talvez um

reflexo da necessidade passada nos campos de

concentração, talvez apenas um traço irreversível de sua

25 Vide anexo L. 26 Vide anexo M. 27 Vide anexo N.

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33

personalidade. Ou, então, o dia em que Françoise, esposa

de Art, resolve dar carona a um negro28 e Vladek tem a

reação mais paradoxal que um judeu perseguido durante a

segunda guerra mundial poderia ter: um inexplicável

ímpeto racista.

Outras tantas cenas como essas, a cada página,

saltam aos olhos do leitor que, perplexo, constata que

tamanha crueza só pode estar contribuindo para a

fidedignidade do relato.

5.2.3. Você é um homem ou um rato?

O primeiro livro de Maus, Meu pai sangra

história, começa, antes de qualquer coisa, com uma

citação de Adolf Hitler: “Sem dúvida, os judeus são uma

raça, mas não são humanos”. Assim como o segundo, E aqui

meus problemas começaram, abre suas páginas com um trecho

de um artigo, publicado em meados da década de 1930, em

um jornal da Pomerânia, na Alemanha: “Mickey Mouse é o

ideal mais lamentável de que se tem notícia [...] As

emoções sadias mostram a todo rapaz independente, todo

jovem honrado, que um ser imundo e pestilento, o maior

portador de bactérias do reino animal, não pode ser o

tipo ideal de animal [...] Abaixo a brutalização do povo

propagada pelos judeus! Abaixo Mickey Mouse! Usem a

Suástica!”.

28 Vide anexo O.

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34

Declarações como estas duas supracitadas não

poderiam deixar de chamar a atenção. Associado a isso, em

meio às entrevistas, um comentário de seu pai29 leva o

autor a idealizar talvez o mais brilhante componente da

história: A metáfora da eterna perseguição dos ratos

pelos gatos como forma de representar o nazismo durante a

segunda guerra30.

Apoiado nesta idéia central, Spiegelman ainda

pôde encher seu livro de referências, inserindo outros

animais para representar as mais diversas nacionalidades

e etnias, criando uma mórbida e moderna fábula real de La

Fontaine31.

O próprio nome Maus significa rato em alemão.

Então, de uma forma irônica, Art Spiegelman resolve

retratar seu povo na forma de ratos enquanto que os

alemães aparecem como gatos, criando uma perfeita

metáfora visual, compreensível em qualquer parte do

mundo, para qualquer indivíduo.

Walt Disney, muitos anos antes, já havia

utilizado a figura do rato, ou camundongo, para

conquistar fãs no mundo inteiro, porém descaracterizando-

o totalmente, de forma a torná-lo mais simpático e

digerível, chegando à forma final do “herói” moralmente

perfeito Mickey Mouse.

Spiegelman resolve utilizar o mesmo animal para

falar sobre um assunto sério, mostrando seres humanos,

com todas as suas qualidades e defeitos à flor da pele,

pêlos, orelhas e focinho. Representa o homem como animal

para que se fundam suas características e estas saltem

aos olhos de quem vê. Cria metáforas indiscutíveis a cada

29 Vide anexo P. 30 Vide anexo Q. 31 Jean de La Fontaine, escritor francês do século XVII que costumava utilizar animais em suas fábulas.

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35

quadro. Nomeia alguns capítulos com jogos de palavras

ligados à mesma idéia, como: Buracos de ratos, A ratoira

e Mauschwitz (fazendo uma associação entre o nome do

livro e o nome do mais terrível campo de concentração de

que se teve notícia). E, finalmente, o autor coloca,

frente a frente, um rato de verdade32 e os ratos-gente de

sua história, para que fique bem claro que, apesar de

suas irônicas cabeças de rato, os judeus continuam sendo

gente.

5.2.4. Zoológico internacional

Outros povos também ganham suas próprias

personalidades de animais antropomorfizados: poloneses

viraram porcos, americanos viraram cães, ciganos viraram

mariposas e franceses viraram sapos. A esposa do autor,

Françoise, uma francesa, é retratada o tempo todo como

uma rata, porém a explicação surge no início do segundo

livro33, quando descobrimos que ela se converteu ao

judaísmo apenas para agradar ao sogro. Várias outras

situações envolvendo a relação entre os animais e as

pessoas aparecem na narrativa, bem como situações

envolvendo pessoas de nacionalidades diferentes.

A metáfora visual das nacionalidades é tão

explícita para o leitor, que, em certos momentos,

enquanto Vladek narra sua história, pode-se até ver ratos

32 Vide anexo R. 33 Vide anexo S.

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36

com máscaras de porcos34, ou seja, judeus poloneses

disfarçando-se de poloneses não-judeus. Essa é a maior

demonstração de que se deve olhar para aqueles animais

como seres humanos. Nos raros momentos em que aparecem

seres humanos “de verdade”, estes normalmente aparecem

também mascarados de acordo com a sua nacionalidade, como

se pode ver no momento em que Art Spiegelman está

deprimido após a morte de seu pai e vai falar com seu

psiquiatra35. O psiquiatra vive cercado de cães e gatos,

e estes aparecem nessa passagem; explicitamente

Spiegelman se questiona sobre sua metáfora, mas o

resultado de incluir um cão e um gato na história acaba

sendo próximo do resultado obtido com o rato citado no

subtítulo anterior.

5.2.5. Quadrinhos prisioneiros de outros quadrinhos

Um dos trechos mais chocantes de todo o livro é a

experiência de metalinguagem da história em quadrinhos

dentro da história em quadrinhos.

Mala, a segunda esposa de Vladek, um dia, através

de uma amiga, entra em contato com uma antiga história de

Art, chamada Prisioneiro do planeta Inferno – história de

um caso, publicada anos antes em uma revista underground.

A história, reproduzida fielmente36 nas páginas de Maus,

relata o suicídio de Anna e o complexo de culpa gerado em

34 Vide anexo T. 35 Vide anexo U. 36 Vide anexo V.

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37

Art pelo ocorrido. Em um dos únicos momentos da narrativa

em que a metáfora de gato e rato é deixada totalmente de

lado, inclusive sem máscaras, ela dá lugar a uma

reprodução fac-similar de uma obra previamente publicada,

em traços fortes e chocantes. Além dessa exceção,

aparecem também, em alguns momentos, fotos de pessoas,

que não poderiam ser fisionomicamente representadas de

outra forma com maior fidelidade.

5.3. Do rascunho à arte final

Spiegelman deu ao mundo suas vísceras para serem

dissecadas, ao publicar essa importante obra. Mostrou de

forma crua e contundente um contexto já bem conhecido,

porém nunca visto antes pelo ângulo por ele utilizado.

Acima de tudo, ele usou a arte para mostrar a tragédia, o

lúdico para mostrar o feio, a morte para mostrar a

sobrevivência. Essa pode não ser a versão definitiva da

realidade vivida nos campos de concentração nazistas, mas

ainda assim é um importante documento sobre o período, e

deve ter seu nome marcado na história.

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38

6. CONCLUSÃO

Concluiu-se, através da pesquisa bibliográfica e

da análise da linguagem e das metáforas presentes na obra

do gênero dos quadrinhos verdade Maus, que o uso das

histórias em quadrinhos para narrar fatos reais é tão, ou

mais, eficaz quanto outros meios de comunicação, pois

utiliza, como foi constatado, além dos recursos da

linguagem verbal, signos pictográficos que auxiliam na

compreensão do leitor, inclusive preenchendo lacunas

deixadas por informações subjetivas que não podem ser

expressas em palavras, ou que não transparecem em uma

fotografia.

Os níveis de representação gráfica, desde o mais

realista, passando pelo mais icônico, até o mais

abstrato, determinam como o leitor será atingido

emocionalmente, seja com o auxílio da linguagem verbal,

ou não. O exemplo dos traços expressionistas da história

dentro da história Prisioneiro do planeta Inferno, com

suas amplas áreas escuras e seus altos contrastes mostra

como se pode até mesmo chorar diante de simples páginas

com figuras impressas.

Há de se convir que a fotografia ainda seja a

mais adequada forma de mostrar fisionomias com quase

total fidelidade à realidade, mas para representar

estados psíquicos, ou momentos que duram mais que o abrir

e fechar do obturador da máquina fotográfica, nada melhor

que o desenho. A simbologia de estrelas ou passarinhos

rodando sobre a cabeça de alguém, para representar

tontura ou atordoamento, é insubstituível. Também os

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39

diálogos e ações em seqüência, ou conversas paralelas de

diversos grupos de personagens, que podem aparecer todos

em um mesmo quadro, dificilmente conseguiriam ser

representados de outra forma, que não pelo desenho.

Os quadrinhos rompem barreiras de tempo e espaço.

Art e Vladek Spiegelman podem ser vistos juntos, ao mesmo

tempo em que Vladek corre de soldados nazistas e, já no

quadro seguinte, aparece contando quantos biscoitos foram

retirados de dentro da lata. Pessoas podem ter cabeça de

rato, se isso for importante para representá-las, outras

podem ter cabeça de porco, sapo, gato, cachorro ou

mariposa. Nos quadrinhos tudo é possível, desde a mais

improvável ficção até a realidade.

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REFERÊNCIAS

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SANTAELLA, Lúcia. O que é semiótica? Coleção Primeiros Passos. Brasiliense. 12ª Edição. São Paulo. 1991. SOCIEDADE LITERÁRIA PROMETHEUS. Editor: Marcos A. Pizzolatto Disponível em: <http://www.geocities.com/slpro metheus/html/news2.htm> Acesso em: 3 out. 2005. SPIEGELMAN, Art. Maus: A história de um sobrevivente. Companhia das Letras. São Paulo. 2005. VERGUEIRO, Waldomiro. O legado de Will Eisner. Disponível em: <http://www.omelete.com.br/quadrinhos/artigos/base_pa ra_artigos.asp?artigo=2438> Acesso em: 3 out. 2005.

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ANEXOS

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ANEXO A

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ANEXO B

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ANEXO C

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ANEXO D

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ANEXO E

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ANEXO F

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ANEXO G

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ANEXO H

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ANEXO I

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ANEXO J

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ANEXO K

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ANEXO L

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ANEXO M

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ANEXO N

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ANEXO O

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ANEXO P

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ANEXO Q

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ANEXO R

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ANEXO S

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ANEXO T

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ANEXO U

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ANEXO V