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Tania Dauster (Organizadora) MEMÓRIAS ACADÊMICAS A construção da memória da Pós-Graduação em Educação da PUC-Rio Volume I 1965-1971

MEMÓRIAS ACADÊMICAS

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Tania Dauster(Organizadora)

MEMÓRIAS ACADÊMICASA construção da memória da Pós-Graduação em Educação da

PUC-Rio

Volume I1965-1971

Anos 60 – Acervo Núcleo de Memória da PUC-Rio

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Tania Dauster Ana Beatriz Lavagnino

(Organizadora) (Diagramadora)

MEMÓRIAS ACADÊMICASA construção da memória da Pós-Graduação em Educação da

PUC-Rio

Volume I1965-1971

Anos 70 (Vila dos Diretórios) – Acervo do Núcleo de Memória da PUC-Rio

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PPGE/PUC-RIO

"A memória não é objetiva, ela inventa, seleciona, elimina, burila, lixa, tira o supérfluo, cria o que lhe apetece. Pelo menos a dos artistas." Ana Maria Machado (fragmento de entrevista, pg 85. in : Dauster T.;Tosta S.;Rocha G. orgs. “Etnografia e educação”.Lamparina Edit. RJ.2012).

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SUMÁRI

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Apresentação Augusto Sampaio – Vice Reitor ComunitárioPrefácio Margarida de Souza Neves – Núcleo de Memória da PUC-Rio

Introdução Tania DausterMemórias Acadêmicas – entrevistas e fotos

Padre Antonius Benko

Eulina Fontoura

José Carmelo Bráz de Carvalho

Vera Candau

Osmar Fávero

Maria de Lourdes Fávero

Zaia Brandão

Maria Apparecida Mamede

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Anexos:

Projeto: Fundadores – a construção da memória da Pós-Graduação em Educação da PUC-Rio Fotografias anos 60 e 70

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Tania Dauster (org.) é professora emérita da PUC-Rio. Graduada em filosofia pela UFRJ, fez mestrado em educação na PUC-Rio, orientada pela professora Vera Candau, e doutorou-se em antropologia social no Museu Nacional, pelo PPGAS, onde fez também seu pós-doutorado, com a orientação do professor Gilberto Velho.

Ana Beatriz Lavagnino é graduanda de jornalismo da PUC-Rio. Estagiária, junto à professora Tania Dauster, no projeto "Fundadores" - a construção da Pós-Graduação em Educação da PUC-Rio, com início em julho de 2013.

Padre Antonius Benko, natural da Hungria, veio para o Brasil em 1954. Em 1957 foi encarregado de coordenar o recém-criado curso de Psicologia da PUC-Rio, o primeiro do Brasil. Em 1966 criou o PPGE PUC/Rio em parceria com a Psicologia. Em 1967 criou o Mestrado em Psicologia. De 1972 a 1975, foi Vice-Reitor Acadêmico da universidade. Faleceu em 2013.

Eulina Fontoura foi Coordenadora da CADES (Campanha de Aperfeiçoamento do Ensino Secundário)/MEC nos anos 1960. Em parceria com Padre Benko fundou o PPGE/PUC-Rio. Assumiu a disciplina Educação Brasileira. Eulina Fontoura é considerada, ao lado do Padre Benko, a “coluna” do PPGE/PUC-Rio.

José Carmelo Bráz de Carvalho chegou à PUC em 1959 como aluno do curso de Pedagogia. Até 1963, participou ativamente da vida acadêmica e fez parte de um período conturbado da história política brasileira. Também era membro da Juventude Universitária Católica. José Carmelo está há mais de 50 anos na PUC-Rio.

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Vera Candau é licenciada em Pedagogia pela PUC-Rio, e doutora e pós-doutora em Educação pela Universidad Complutense de Madrid. É professora titular da PUC-Rio e assessora projetos socioeducativos no país e no âmbito latino-americano. É também pesquisadora 1A do CNPQ. Suas principais áreas de atuação são educação multi e intercultural, cotidiano escolar, didática, educação em direitos humanos e formação de educadores/as.

Osmar Fávero é doutor pela PUC-SP. Na condição de professor titular aposentado da Faculdade de Educação da UFF, atua no Programa de Pós-Graduação em Educação desta Universidade, no qual se vincula ao Grupo de Pesquisa Juventude e Educação de Jovens e Adultos.

Maria de Lourdes Fávero é licenciada em Filosofia pela Faculdade de Filosofia de Recife. Começou a lecionar na graduação da PUC-Rio em 1970, mesmo ano em que entrou para o mestrado. Foi também pesquisadora 1A do CNPQ.

Zaia Brandão é professora Titular da PUC-Rio. Mestrado e Doutorado em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1992). Especialização em Sociologia no IUPERJ. Criou o SOCED (Grupo de Pesquisas em Sociologia da Educação). Desenvolveu durante cerca de duas décadas pesquisas sobre a escola básica. Atualmente investiga escolas bem posicionadas nas avaliações oficiais (Prova Brasil, ENEM), no setor público e privado. Trabalha na perspectiva da articulação dos aspectos macro e micro sociais, relacionando resultados de surveys com trabalhos de campo e estudos de casos.

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Maria Apparecida Mamede foi a primeira mestra formada pela PUC-Rio. Professora Emérita do Departamento de Educação da PUC-Rio. Foi Coordenadora Pedagógica da Coordenação Central de Educação a Distância (CCEAD) desde a sua fundação até 2010. Dra. em Psicologia, Mestrado em Psicologia e Mestrado em Educação. Possui graduação em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e graduação em Pedagogia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Psicologia da Educação.

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INTRODUÇÃ

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Tania Dauster

No contexto da vida universitária brasileira a PUC-Rio teve papel pioneiro na criação de programas de pós-graduação, em mais de um campo de conhecimento nos idos dos anos sessenta.

Este livro pretende contribuir para a memória da primeira Pós-Graduação em Educação no Brasil, que foi implantada na PUC-Rio.

A construção desta memória representa uma abertura para se pensar o impacto da influência desse programa na educação brasileira, sobretudo no que se refere à formação de várias gerações de professores provenientes de diferentes regiões do país nas quais, posteriormente, foram gerados outros programas de pós-graduação em educação.

O significado do programa mencionado vai além dos muros universitários, uma vez que ele sempre acolheu profissionais situados em uma variedade de instituições, tais como escolas, secretarias municipais e estaduais e organizações não governamentais entre outras.

Sendo assim a perspectiva deste livro reside tanto nas possibilidades de reflexão sobre os meandros da existência deste programa no interior da universidade, como contempla horizontes mais amplos. Através das entrevistas, relatos e documentos aqui apresentadas podem ser percebidos e estudados os processos de mediação, políticos, pedagógicos, sócio-culturais, que desde seu início marcaram as relações entre a PUC-Rio e agências e universidades dentro e fora do país.

A relevância da construção da memória do Programa de Pós-Graduação em Educação da PUC-Rio (PPGE/PUC-Rio) reside, ainda, no fato de se estudar o primeiro e mais antigo programa de pós-graduação em Educação no Brasil, o que já representa um marco

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histórico para esta instituição e, também, por sua reconhecida história de excelência acadêmica, sua reverberação no país e sua influência em outras instituições educacionais.

O PPGE/PUC-Rio foi fundado na segunda metade do século XX. De acordo com a historiadora Margarida de Souza Neves, coordenadora do Núcleo de Memória da PUC–Rio, isto se deu em 1965. Segundo o professor/ fundador José Carmelo B. Carvalho (2002), no período 1966-1970, ocorre a institucionalização do primeiro Mestrado em Educação no Brasil, situado na PUC-Rio, a partir de um núcleo de graduandos tanto de Psicologia quanto de Educação que foram distribuídos entre programas de pós-graduação em Louvain (José Carmelo de Carvalho e Vera Candau), Paris (Zaia Brandão) para citar apenas os pertencentes ao campo da educação. Foram estes que, ao voltar do exterior, já como pós-graduados, foram incorporados à universidade, entre 1965 e 1966, institucionalizando-se desta forma, a Pós-Graduação em Educação, a partir desses pioneiros.

Na visão de José Carmelo e Vera Candau, o jesuíta Antonius Benko, nos idos de 1962-1963, foi o arquiteto fundador deste percurso rumo à implantação da pós-graduação em Educação na PUC-Rio.

A professora/pesquisadora Vera Candau, em depoimento feito em 2005 por ocasião dos 40 anos da PPGE/PUC-Rio, “faz memória” em seu relato sobre a “construção da identidade do programa”. A partir dos anos 50, Vera Candau lembra os fatores políticos, os movimentos sociais, a dinâmica da sociedade brasileira, a crise do modelo de universidade implantado nos anos 20, vigente até os anos 60, e o crescimento da comunidade científica como propulsores externos às mudanças internas ocorridas na PUC-Rio. O papel do jesuíta húngaro Pe. Antonius Benko é reiterado como fundamental na “criação das condições necessárias para que surgissem as primeiras iniciativas no âmbito da pós-graduação”, particularmente na área das Ciências Humanas.

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Segundo a pesquisadora, foram realizados “convênios com agências nacionais e internacionais (FINEP, BNDE, USAID, UNESCO, Universidade de Louvain, universidades estadunidenses)” com o sentido estratégico de preparar docentes com perfil acadêmico para atuar na PUC-Rio. Portanto o PPGE/PUC-Rio já nasce dentro de um sistema internacionalizado, a partir de mediações com as instituições brasileiras de fomento e de educação, assim como com outras estrangeiras. Ademais, trata-se de reiterar a centralidade da pessoa do Pe. Antonius Benko, jesuíta e cientista húngaro, na interação que estabelece com outros intelectuais brasileiros no sentido de programar o projeto de uma pós-graduação em Ciências Humanas. A meu ver, a importância das interações , negociações e realizações empreendidas pelo Pe. Antonius Benko pode representar uma provocação para a reflexão sobre a educação jesuítica no Brasil.

Vera Candau trata, ainda, do momento político e refere-se à construção da identidade do programa desenvolvendo-se em três momentos importantes: a constituição do PPGE e seu Mestrado entre 1965-1971, a criação do Doutorado e a reconfiguração do Programa, ou seja, a consolidação do Mestrado e a busca de consolidação do Doutorado entre 1972 e 1985, e o momento atual, a partir de 2005, quando o Programa passa a ter avaliação máxima pela CAPES, marca de sua excelência, e já está consolidado.

Em toda esta trajetória é notável a integração entre a pós-graduação e a graduação,assim como , declara Vera Candau, a estruturação de eixos, tais como “a centralidade da pesquisa, a articulação entre a produção acadêmica e a dimensão social, a interdisciplinaridade e o trabalho coletivo do corpo docente e as relações entre docentes - discentes”.

Em 1976 surge um Doutorado interdepartamental e interdisciplinar na área de Psicologia Educacional resultante de uma parceria com o Departamento de Psicologia, que se desfaz em 1982.

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A partir desta data, a reconfiguração do Programa significará a sua realização em dois níveis integrados, Mestrado e Doutorado, em termos de suas perspectivas e métodos, visando à interdisciplinaridade, a flexibilidade entre a fundamentação comum e o aprofundamento em uma área específica, bem como promovendo a integração entre ensino e pesquisa. Em 1984 o Doutorado já se acha em fase de estabilização.

Buscando dar continuidade e, ao mesmo tempo, ampliar a “escrita” desta memória, registro e apresento agora os depoimentos dos professores (as) já mencionados. além de posteriormente apresentar outros que participaram ativamente de diferentes fases dessa PG com o objetivo de instituir a “memória” destes períodos.

Em sintonia com a perspectiva da pesquisadora Margarida de Souza Neves será considerada para universo da pesquisa, a chamada “geração fundacional”, ou seja, professores (as) atuantes no programa até o seu momento de consolidação em 1985.Há que se frisar que se trata de um pequeno universo,heterogêneo e que por inúmeras razões seus depoimentos não podem servir para generalizações. Consonante com esta classificação,escolhi a perspectiva adotada nos trabalhos de Debert que defende a seguinte concepção: ... “Na verdade, apesar de suas conotações variadas, a idéia de geração implica um conjunto de mudanças que impõem singularidades de costumes e comportamentos a determinadas gerações. Daí falar-se em geração de pós-guerra, da televisão, de 68. A geração não se refere às pessoas que compartilham a idade, mas às que vivenciam determinados eventos que definem trajetórias passadas e futuras”. (Debert;1998,p.60). Compartilhando este entendimento sobre a categoria geração conforme discutida no trabalho de Guita Debert, aqui referendado, temos os estudos de Myriam M . Lins de Barros (2006) e Andréa M. Alves (2006) que ao lado de outros autores serviram como referências.

Dei início através do projeto “Fundadores”,base da construção dessa memória, a uma antropologia da pós-graduação em educação da PUC-Rio interpretando os valores, significados, representações e

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práticas que orientaram esta instituição e sua atuação, suas continuidades e rupturas, a partir dos depoimentos coletados. Alguns dos quais são aqui apresentados, podendo ser objeto de consulta para pesquisadores sobre a educação no Brasil, no que tange em particular à pós-graduação em educação no país.

A construção da memória do PPGE/PUC-Rio no contexto do Departamento de Educação deve ser considerada, ainda, sob os aspectos a seguir: como iniciativa parceira apoiada pelo Núcleo de Memória da Vice–Reitoria Acadêmica da PUC/Rio coordenado pela professora/ pesquisadora Margarida de Souza Neves e como preservação de um patrimônio acadêmico que deverá inicialmente ser divulgado virtualmente. Destaco ainda o apoio da Vice–Reitoria Comunitária coordenada pelo Vice-Reitor / professor Augusto Sampaio, sob a forma de uma bolsa para um graduando auxiliar de pesquisa e o apoio do Departamento de Educação. Outro ponto a ser considerado é o momento histórico em que o PPGE- PUC/Rio faz 50 anos. Nesta linha, a produção do acervo da memória, através da coleta de relatos em uma linha de história de vida sobre a fundação do Programa de Pós-Graduação em Educação da PUC-Rio (PPGE/PUC-Rio), propicia a reflexão sobre o próprio destino e trajeto deste Programa.

Do meu lado,este trabalho emerge de uma longa experiência como professora /pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Educação da PUC-Rio e, anteriormente, como mestranda desta mesma entidade nos anos setenta do século XX. Por décadas, estabeleci uma relação íntima com este curso atuando em diferentes papéis na instituição. Por indicação da professora/pesquisadora Vera Candau abri a área de Antropologia e Educação no final da década de 80, após terminar o doutorado em Antropologia Social no Museu Nacional/UFRJ.

Na qualidade de professora emérita, colaboradora do Departamento de Educação, vivencio uma mudança de relação e de papéis. Tal situação gera um distanciamento relativo, levando-me a interrogar

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sobre a construção social do Programa nos seus primórdios e posteriormente nos termos e a partir do ponto de vista de alguns dos chamados "fundadores".

Por outro lado, a renovação atual do quadro de professores dessa instituição constitui mais um estímulo para a construção de sua memória e da rede de significados e valores, em outras palavras, o projeto cultural que a envolveu, assim como as interações das quais nasceu. Para entender a construção social do Programa, parece-me relevante penetrar no universo dos agentes, assim classificados como “Fundadores”, e das mediações que vieram a permitir a elaboração desse projeto.Os relatos permitiram relativizar a categoria "fundadores" , uma vez que mostram um clima político e acadêmico, dentro e fora da universidade que problematizam esta concepção mais reducionista fundacional. Um conjunto de instituições brasileiras e internacionais ocupavam o cenário brasileiro e lutavam por influenciar as políticas educacionais no país.Entre os quais, o MEC, a USAID e a UNESCO, para citar algumas.Os próprios integrantes da chamada geração fundacional mostram diferenças de formação e estilos de vida.( Dauster,T.2014)

Fiz uso de relatos em uma linha de história de vida, em outras palavras de relatos orais, além de outros documentos e de achados na internet. Como se sabe, os relatos orais, enquanto estratégias de investigação qualitativa são amplamente usados por antropólogos e historiadores como instrumento de coleta de memórias, experiências e fatos de uma determinada coletividade.

Ao lado da recolha dos depoimentos orais, a idéia é sustentá-los através de documentação escrita e de uma iconografia da época.

Maria Isaura Pereira de Queiróz (1988), no quadro das utilizações de histórias orais em pesquisas qualitativas, traça alguns parâmetros e situa as distinções entre história oral, história de vida, relatos,

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entrevistas, mostrando suas possibilidades e limites em pesquisas que tenham uma perspectiva biográfica.

“‘História oral’ é termo amplo que recobre uma quantidade de relatos a respeito de fatos não registrados por outro tipo de documentação, ou cuja documentação se quer completar. Colhida por meio de entrevistas de variada forma, ela registra a experiência de um indivíduo ou de diversos indivíduos de uma mesma coletividade. Neste último caso, busca-se uma convergência de relatos sobre um mesmo acontecimento ou sobre um período do tempo. A história oral pode captar a experiência efetiva dos narradores, mas também recolhem destes, tradições e mitos, narrativas de ficção, crenças existentes no grupo, assim como relatos que contadores de história, poetas, cantadores inventam num momento dado. Na verdade tudo quanto se narra oralmente é história de alguém, seja a história de um grupo, seja história real, seja ela mítica”. (ibid. p.19).

Esta autora explicita que existem várias formas de captar informações que estariam dentro do quadro geral da história oral, contudo adverte que elas devem ser discriminadas, até porque as finalidades de uso, os procedimentos não devem ser confundidos.

Tendo em vista esta referência, digo que o trabalho investigativo realizado é de entrevista em uma linha de história de vida. Esta postura deve-se à concepção de pesquisa adotada, aos dados que pretendi levantar, em suma, às características do projeto já mencionado. Em outras palavras, meu interesse não focaliza apenas o desenvolvimento da biografia de cada “Fundador”, mas recai no que ele pode relatar, considerando-se a sua formação em termos amplos, trajetória educacional, experiência , vivência, suas representações e práticas, tendo em vista o seu papel nos acontecimentos , assim como os fatos relativos à construção do PPGE/PUC-Rio. Portanto, adotei um

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esquema de entrevista semi-estruturado para orientar o procedimento de entrevista na situação de contato.

Valendo-me da perspectiva de Roger Chartier (1990), trabalhar com representações e práticas é perceber como o real é construído, pensado e interpretado. Esta percepção e apreensão do real fazem-se mediante “classificações, divisões e delimitações”. Tais percepções são produzidas, variam de acordo com os grupos sociais e expressam interesses. Daí, na visão desse autor, a análise das representações não pode ser dissociada das práticas. Até porque, em certa medida, elas orientam as práticas e são influenciadas por elas.

Outro aspecto relevante deve ser levado em conta, como se verifica nas palavras de R.Chartier:

“As percepções do social não são de forma alguma discursos neutros: produzem estratégias e práticas (sociais, escolares, políticas) que tendem a impor uma autoridade à custa de outros, por elas menosprezados... (ibid. p.17).

Prosseguindo com o mesmo autor, trabalhar com representações e práticas implica vislumbrar um campo de concorrências, competições, conflitos, valores, concepções, luta pelo poder e dominação. Não há discurso neutro e, portanto, o trabalho com representações significa um mergulho no social, no concreto, na materialidade dos fatos, nas instituições sociais.

A construção de uma “memória” do PPGE/PUC-Rio através da(s) memória (as) de seus “Fundadores” contida(s) nos depoimentos, leva-me à Gilberto Velho (1994). Para o antropólogo, há uma relação entre trajetórias individuais e a elaboração de projetos específicos que estão em interdependência tanto com outros projetos quanto com o campo de possibilidades de cada indivíduo,enfim uma relação cara aos estudos vinculados à temática sobre as interações entre indivíduo e sociedade. Considero que conceitos como memória, identidade e projeto são produtivos para a interpretação dos relatos dos chamados

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“Fundadores”. Para Gilberto Velho (ibid. p.100), “carreira, biografia e trajetória constituem noções que fazem sentido a partir da eleição lenta e progressiva que transforma o indivíduo biológico em valor básico da sociedade moderna”. Seguindo o raciocínio desse autor, temos a relação entre consciência e valorização individual articulados em conjunto com a “memória que dá consistência à biografia”. A memória constitui-se como um trunfo mediador na construção de projetos. Projeto e memória são teias na trama das identidades e no significado atribuído tanto ao passado quanto à elaboração futura de caminhos.

Outra dimensão a ser considerada diz respeito aos processos de mediação como fenômeno sociocultural. Nos termos de Velho e Kuschnir (2001) as trajetórias, opções, definições de projetos de vida são vivenciados em campos de possibilidades tanto sociais quanto simbólicos. Para estes antropólogos é possível ao pesquisador perceber situações expressivas de atividades mediadoras. Neste sentido, tenho como questão que as relações estabelecidas entre o jesuíta e cientista Antonius Benko com os “Fundadores”, outros intelectuais e as instituições tanto brasileiras quanto internacionais, pode ser reveladora de encontros entre mundos acadêmicos diferentes e do impacto dos jesuítas na universidade brasileira.

Gilberto Velho e Karina Kushnir (ibid. p.9) trazem as seguintes contribuições para a análise das interações entre categorias sociais e níveis sociais distintos como fenômeno sociocultural, ou seja, como mediação: observar a vida social através das diferenças, focar nos processos de comunicação cultural, nos processos de negociação da realidade, nas ações sociais, nos sistemas simbólicos, nas crenças e valores envolvidos.

Myriam Lins de Barros, antropóloga com profunda experiência em pesquisas sobre memória, sociabilidades urbanas e trajetórias sociais tem contribuições significativas para o desenvolvimento deste projeto e do livro resultante. A autora nos seus argumentos mostra que a perspectiva do trabalho com a memória reside na concepção da

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memória como construção social ( Lins de Barros, Myriam Moraes, 2009).Neste mesmo texto, a autora referindo-se a obra de Halbwachs estabelece relações entre a memória individual e a memória coletiva, entre a memória e o lugar social daquele que narra, entre indivíduo e sociedade, não custa insistir. Por isto mesmo, existe um aspecto relativo nas relações entre a memória narrada e a reconstrução do passado. Prosseguindo, a pesquisadora referenda-se na obra de Michel Pollak e argumenta que as narrativas de memória são, em outras palavras, versões que possuem marcadores sociais que podem expressar diferenças de códigos sociais, sistemas de idéias, lugares ocupados, trajetórias e fronteiras sociais. Em suas palavras: “Procurando entender as narrativas de memória dentro deste quadro teórico em que a memória é construída e compreendendo que esta construção se dá em um campo sócio-cultural específico, estou mais preocupada em entender versões, as relações entre estas diferentes versões e os lugares a partir das quais são compostas estas versões. Gênero, geração, situação social, são alguns aspectos a serem levados em conta nos estudos destas diferenças. A proeminência de um dos aspectos em relação aos outros deve, também, ser avaliada nas análises destas versões. E mais, o próprio momento da narrativa tem que ser considerado para que se compreenda a narrativa como uma possibilidade entre outras da construção das lembranças” (ibid. p.20 e 21).

Dando continuidade ao posicionamento desta autora, vejamos o seguinte: “A memória também elaborada no presente, faz um trabalho seletivo das lembranças. É o lugar social no presente que define o caminho das lembranças” (p.22;2006).Um outro ponto a ser considerado , segundo esta antropóloga apoiando-se na obra de Halbwacs (1968), reside na idéia que “a memória individual é o ponto de encontro das memórias coletivas” e que o social está presente nos processos de memorização individuais até porque eles se dão a partir de relações de alteridade estabelecidas no presente (ibid;p.30).

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Tendo estes quadros teóricos como referências, foi construída a problemática e interpretadas as diferentes versões/interpretações/representações colhidas, num esforço de “estranhar o familiar”. ( ibid: Dauster,T. 2014)

No caso da construção social do PPGE/PUC-Rio, um dos focos foi o papel de agente mediador realizado pelo Pe Antonius Benko, como foi desempenhado ao entrar em contato com o universo de experiências e estilo acadêmico da PUC-Rio, nos inícios dos anos sessenta.

Em suma,no desenvolvimento do trabalho aqui apresentado, defini e selecionei alguns entre os participantes dos primórdios do programa classificados como fundadores, produzi um acervo de relatos orais, vistos como versões, sobre a fundação do PPGE/PUC-Rio, buscando seus pontos de vista e levantei um acervo iconográfico reunindo fotos dos professores entrevistados.

Gravei as entrevistas durante as quais abordei alguns temas pré-estabelecidos, deixando-se ainda a possibilidade do entrevistado (a), testemunha e "fundador (a)" sugerir outros.

O material gravado foi transcrito, digitalizado e preservado juntamente com o acervo iconográfico e escrito, ambos digitalizados, do PPGE/PUC-Rio.

Baseando-me nos critérios e nas questões expressas reúno neste livro o material relativo aos seguintes professores classificados como a “geração fundacional” do PPGE/PUC-Rio: Pe. Antonius Benko, Eulina Fontoura, Vera Candau, José Carmelo Carvalho, Zaia Brandão, Osmar Fávero, Maria de Lourdes Fávero e Apparecida Mamede, a primeira mestre em educação do PPGE/PUC-Rio e do Brasil.

Os temas abordados nas entrevistas foram os seguintes:formação e trajeto educacional; o porque, o como e a criação do PPGE/PUC-Rio; organização e espaço físico e social do programa; experiência cotidiana e modo de vida do programa; história, currículo, visão da educação; representação, visão e objetivos da pós-graduação,

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critérios de seleção de professores e de alunos; duração do curso, linhas de pesquisa, critérios de orientação, práticas, técnicas de aula, sistemas de avaliação, bibliografias;leituras e autores prediletos, tanto de ficção como não-ficção; usos da biblioteca, acesso aos textos e livros; interações institucionais; interações internacionais; contextos político, social e acadêmico.

Excetuando o Padre Antonius Benko e a professora Eulina Fontoura, entrevistei todos os professores aqui apresentados.Relevante material citado e apresentado foi cedido respectivamente pela coordenadora Margarida de Souza Neves e equipe do Núcleo de Memória da PUC-Rio,pelo professor José Carmelo Brás de Carvalho, pela professora Vera Candau e pela historiadora Yolanda Lobo, aos quais agradeço profundamente.

Passemos, então, aos depoimentos,relatos e documentos iconográficos de pioneiros do Programa, todos revistos e autorizados pelos próprios autores para publicação.

Fica a questão: quais as pistas que podem ser trilhadas sobre a construção social e histórica de um acadêmico(a) na e da área de educação na segunda metade do século XX , a partir de seus próprios pontos de vista expressos e nas relações entre eles e elas e o "campo de possibilidades" da época?

Antes de fechar esta Introdução,entretanto, desejo comunicar que tenho como horizonte de trabalho realizar uma trilogia de "Memórias Acadêmicas", sendo este o primeiro volume.Abrangerei fases subsequentes do Programa, a partir da questão : " como se chega a ser o que se é, no caso um professor(a)/pesquisador(a) do PPGE/PUC-Rio?

O título " Memórias Acadêmicas", sugestão de Zaia Brandão, surgiu de um encontro fortuito para um cafezinho durante o qual eu falava do livro aqui apresentado.

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Bibliografia

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Candau, V.M. A PUC-RIO e a Pós-Graduação em Educação no Brasil in Núcleo de Memória da PUC-RIO, RJ, 2005

Dauster, Tania. Relatos em uma linha de História de vida: notas para a construção da memória da Pós-Graduação em educação da PUC-Rio( os bastidores da construção).In (orgs.Faria,Lia;Lobo,Yolanda Lima;Coelho, Patrícia. Histórias de Vida, Gênero e Educação.Editora CVC.Curitiba.Brasil.2014.

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Chartier, R. A História Cultural – entre práticas e representações. Difel/ Edit. Bertrand Brasil, S.A. RJ RJ. 1990

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Lins de Barros, Myriam Moraes. Gênero, cidade e geração. In (org. Lins de Barros, Myriam M.) Família e Gerações. Edit. Fundação Getúlio Vargas. 2006.

Lins de Barros, Myriam Moraes. Memória, experiência e narrativa in ( orgs. Ana Luiza Carvalho da Rocha e Cornelia Eckert) Individualismo, Sociabilidade e Memória. Editora Deriva,Porto Alegre, 2009.

** Professora Emérita da PUC-RIO, pós-doutora em Antropologia Social/ Museu Nacional/UFRJ, fundadora da Cátedra UNESCO de Leitura-PUC-RIO

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Anos 60 – Acervo do Núcleo de Memória da PUC-Rio

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MEMÓRIAS ACADÊMICASentrevistas e fotos

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PADRE ANTONIUS BENKÖ

Acervo do Núcleo de Memória da PUC-Rio

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Entrevista sobre o Padre Antonius BenköNome do entrevistado: José Carmelo Braz de Carvalho

Local da entrevista: Núcleo de Memória Data da entrevista: Dezembro de 2006

Entrevistadores: Silvia Ilg ByingtonTranscrição: Yolanda Lima Lobo

- Sílvia – [sobre Padre Benko] Eu tive uma resposta muito evasiva, ele estava muito animado. Comecei a fazer um levantamento porque efetivamente eu não conheço nada dele. Não conheço a parte biográfica, nenhuma referência. E o que ele fez na PUC é a partir de relatos dos professores que eu tenho. Foi engraçadíssimo porque eu e a pessoa que trabalha comigo começamos a fazer um levantamento biográfico e só aparecia em húngaro. Em português nós não encontramos nada que falasse um pouco sobre a vida dele, só em húngaro. Entendeu? As fontes biográficas... Isso não é o mais importante, não. O que eu acho que seria mais importante... Foi engraçadíssimo...

Carmelo – Eu sei muito pouco sobre a vida do Padre Benko...

Silvia – Na verdade, a formação dele...

Carmelo – Quase que episodicamente, quase que por uma curiosidade.

Sílvia – Ele era uma pessoa reservada. Mas a formação dele o senhor sabe?

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Carmelo – Uma das coisas que eu me lembro que ele comentou foi sobre experiência da Revolução Comunista na Hungria. Eu vivi... Eu comecei a viver na Universidade brasileira nos anos 59, de muita efervescência política... E um livro que me caiu às mãos naquele momento era “O Exame de Consciência da Igreja do Silêncio”. O último padre lá das repúblicas...

Sílvia – Europa Oriental...

Carmelo – Que foram comunizadas, não é? Que fazia um exame... Por que a Igreja foi tão mal vista a ponto do Partido Comunista fechá-la etc. E fazia um exame de consciência. E aí eu me lembro, não sei se foi em função disso, uma vez conversando com o Padre Benko, acho que o pai dele era professor também. Eles eram classe média típica, etc. Ele comentava da experiência bastante chocante que foi o fato de, de repente, eles terem que compartilhar a casa deles com outras famílias. Não sei se era mais de uma família. Foi a única vez que houve uma conversa em que ele dizia que vinha de uma família de classe média, se não me falha a memória, o pai era professor... E então...

Sílvia – E a vinda dele foi por conta disso? O senhor sabe ou não?

Carmelo – Sem dúvida nenhuma, a vinda deles...

Sílvia – Veio a família inteira?

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Carmelo – Não. A vinda da província jesuíta da Hungria...

Sílvia – Sim, sim. Desculpa.

Carmelo – Eu não sei se te falei da outra vez que tinham vários padres húngaros, naquele momento, aqui na PUC. Na psicologia, tinha o padre Benko, Antonius Benko, e o Joseph Mavrica. Tinha na filosofia o Joab. E eu não sei se havia outro também. Mas, então, o que ocorreu, enquanto eu sou informado? Aqueles jovens jesuítas, que começaram a se formar já sob a Igreja do Silêncio na cortina de ferro etc., foram mandados a província dos jesuítas. Para renovar os seus quadros, os formou fora da Hungria, não tinha espaço. Como esse processo se deu, eu não sei.

Sílvia – Claro.

Carmelo – Seguramente, o que eu sei é o seguinte: o padre Benko fez o doutorado dele em Psicologia na Université Catholique de Louvain. Não tenho certeza de quando foi...

Sílvia – Não há necessidade.

Carmelo – O Geneci disse que já encontrou aquele material...

Sílvia – Que bom!

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Carmelo – Mas o Eduardo disse que veio aqui e não achou. Não, não, eu já separei...

Sílvia – Isso a gente vai... em janeiro a gente vai...

Carmelo – Lá a formação jesuítica dele se fez fora da Hungria...

Sílvia – Na área de psicologia.

Carmelo – Em termos de manter uma equipe de jesuítas húngaros que a qualquer momento pudesse, havendo condições, retornar o trabalho dos jesuítas dentro da Hungria. Tudo que eu sei é disso. E um grupo deles, que fez doutorado na Europa, veio para trabalhar na PUC. Particularmente, esses que eu conheci. O padre Benko, o Mavrica e o padre Joab. Mas eu acho que tinham mais.

Sílvia - O senhor sabe em que ano eles vieram? Início dos anos 50?

Carmelo – Não creio. O que é que eu sei do padre Benko? Um fato bastante grotesco: Ele, quando chegou ao Brasil sem falar português, foi dirigido para aprender português etc. no Seminário de Jesuítas em Friburgo. E ele chega ao Brasil, particularmente em Friburgo, em um dia de carnaval. Ele sai do ônibus em direção ao Seminário e encontra um bloco de pessoas fantasiadas de índio dançando carnaval. E ele pensou que eram índios realmente que estavam... [risos]. Esse fato jocoso foi a primeira experiência dele de Brasil de descer na rodoviária de Friburgo e cair no meio de um bloco de pessoas fantasiadas e ele

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achava que estava no meio de uma tribo indígena dentro de Friburgo. Agora, ah... bom....

Sílvia – Quando o senhor veio pra cá?

Carmelo – Quando eu vim pra cá em 61... Você fez contato com a...

Sílvia – Não. Eu consegui o e-mail dela, mandei um e-mail, mas voltou.

Carmelo – Se não me falha a memória, eles comemoraram, há três anos, quando o padre Benko esteve aqui, acho que 50 anos...

Sílvia – Do departamento...

Carmelo – Dos cursos de ciência... Dos cursos de psicologia no Brasil.

Sílvia – 53 anos.

Carmelo – 53... É então, quer dizer, o padre Benko tem uma função muito forte nessa questão. Quer dizer, eu conheci o padre Benko em 61. Já ele dando aula na Psicologia.

Sílvia – E ele tinha algum cargo na Universidade, como Diretor da Faculdade de Filosofia, por exemplo?

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Carmelo – Ele era Diretor da Psicologia.

Sílvia – Do Instituto de Psicologia...

Carmelo – Até ontem, quando conversei com a Maria, falei: “Maria, a minha lembrança é a seguinte: Mais ou menos em maio/junho de 63, o padre Benko já era Diretor da Faculdade de Filosofia”. Ela disse: “Não, o padre Benko só vai ser diretor em 64”. Mas eu falei com ela: “Eu tenho certeza absoluta que numa reunião, eu até pensei que ele fosse brigar comigo porque eu era Presidente do Diretório Acadêmico da Faculdade de Filosofia e ele me chamou dizendo que precisávamos conversar... Pensei que ia ter problema, alguma coisa surgiu entre o Diretório e a...”. Então, pra mim, eu tenho certeza absoluta que já em, no mais tardar, junho de 63 ele já estava com previsão de vir a ser Diretor. Ele foi muito claro comigo. Disse: “Tenho uma bolsa disponível na Bélgica, em Louvain. Você quer ir?”. “Claro”. “Então, você tem que estudar francês”. Então, comecei a estudar francês na Aliança Francesa na Rua Duvivier. Então, para mim, é claro que em maio/junho de 63 ele já tinha uma visão em relação à educação. Do mesmo modo que ele já tinha, em 61... Mas aí, é claro, ele era Diretor da Psicologia... Foi quando vários colegas meus de JUC começaram a ir fazer Doutorado nos Estados Unidos. Então, por exemplo, quando eu começo a trabalhar na PUC, no segundo ano de Pedagogia da PUC, já estavam voltando as primeiras pessoas que tinham ido para os Estados Unidos para fazer Doutorado. O Aroldo Rodrigues, a Maria Lucia Amorim, uma grande colega minha de JUC a Teresa Pena Filho e a Ângela Biaggio, partiram, partiram antes de mim.

Sílvia – E eram alunas do Instituto de Psicologia...

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Carmelo – Do IPA... Instituto de Psicologia Aplicada. Então, eu acho que o padre Benko, na renovação de quadro, deve ter começado por volta de 59, com o Aroldo Rodrigues, Maria Lucia Amorim, Ângela Biaggio, Osmar, etc. E no meu caso da educação, seguramente em meados de 63. Muito embora a Maria as diga que não, que se você consultar aquele material que ela emprestou para vocês dos armários vai ficar provado que só em 64... Pode ser, mas que ele me convidou em meados de 63, não tenho dúvida nenhuma.

Sílvia – Mas eu acho que também, naquele momento, as iniciativas de determinadas pessoas acabavam contando como se aquela pessoa ocupasse um cargo, porque o que valia era o contato que ele tinha para mandar as pessoas para fazer doutorado fora. Não era porque ele era diretor ou não. Ele talvez ainda não fosse, mas...

Carmelo – Eu acho que, certamente, uma estratégia institucional dos jesuítas em relação à Universidade, em termos de preparar quadros, etc.

Sílvia – Então, isso já é o final dos anos 50.

Carmelo – Porque em 62, o Aroldo Rodrigues, o primeiro que foi para os Estados Unidos, já estava de volta e começou a dar aula para minha turma na Pedagogia.

Sílvia – Entendi. Era um aluno da Psicologia que fez um doutorado fora. Era um professor do quadro da Pedagogia.

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Carmelo – Não, da Psicologia, mas da parte da Psicologia Social, da Psicologia da Educação, da Psicologia do Desenvolvimento...

Sílvia – Que eram oferecidas ao curso de Pedagogia. Então, provavelmente, quando ele começou com esse incentivo ele era um professor.

Carmelo – Ele era Diretor da Psicologia.

Sílvia – Já era o Diretor da Psicologia em cinqüenta e tantos.

Carmelo – Isso provavelmente a Maria Euchares e o pessoal mais antigo da Psicologia vão poder fazer mais claro...

Sílvia – Pena que não consegui encontrar com ela. Mas, na verdade, não estou tão preocupada...

Carmelo – Quer dizer, vamos tomar assim, a circunstância que faz com que o Benko venha para o Brasil: A situação política da Hungria, a estratégia dos jesuítas de formar seus quadros fora da Hungria na expectativa de retornar depois, coisa que só vai ocorrer já no processo de abertura política da glasnost, uma coisa semelhante. Acho que só mesmo aí que ele vai se aproximando gradativamente da fronteira. Há um momento em que ele passa a residir na fronteira da Hungria.

Sílvia – Entendi. Então, ele volta para Europa antes de voltar para Hungria? Ele sai do Brasil...

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Carmelo – Bom, ele fica um bom tempo na Áustria...

Sílvia – O senhor lembra quando ele saiu daqui? Em torno de... Obviamente, não há necessidade de pensar... Nos anos 70...

Carmelo – Eu tenho quase certeza que foi por volta de 73/75. Porque nesse momento eu estava fazendo doutorado fora. Porque eu não me lembro de me despedir do padre Benko.

Sílvia – Entendi. Maria Loureiro vai lembrar.

Carmelo – Quer dizer, acho que ele retorna a Europa por volta de 73/74...

Sílvia – Mas não para Hungria...

Carmelo – Mas já dentro da estratégia dos jesuítas de dentro da abertura política da glasnost de começar a reagrupar a antiga província dos jesuítas na Hungria. Tanto que ele fica uma espécie de tutor dos seminaristas húngaros, mas fora da Hungria. Além da fronteira... Não sei se a Áustria faz fronteira...

Sílvia – Faz fronteira. Na Áustria, provavelmente. A partir das suas memórias, qual foi a grande contribuição da personalidade do padre

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Benko na formação da pós-graduação? O senhor já falou dessa busca de fazer um incentivo com que os alunos...

Carmelo – Eu sou suspeito...

Sílvia – Mas eu quero pessoas suspeitas.

Carmelo – Eu sou suspeito porque acho que o Benko é uma pessoa... Foi um cientista, quer dizer, claro um sacerdote, mas um cientista. E com essa percepção muito institucional, não sei se as pessoas religiosas têm em termos de missão. Por exemplo, esse rapaz estava falando de missão. Eles são ligados aos franciscanos etc., aquela missão, de pré-vestibular comunitário, movimento social. É claro que o padre Benko tinha essa questão. Eu o achava, particularmente, uma pessoa extremamente sensível, com uma capa de distanciamento. A própria Euchares, não sei se ela vai falar isso para você, mas eu nunca me esqueço que naquele ano de 65 começa a ganhar aqui no Brasil muito ímpeto essa linha de Sensitive Training. E um dos professores que estava mais encadeado nesse processo de formação de laboratórios e exercícios etc., o Aquiles... Eu participei de uma dessas sessões, foi a primeira aqui na PUC. Não sei se foi a primeira ou a segunda. E o padre Benko participou também. E a Euchares participou. E eu não me esqueço que houve uma erupção quase, como se houvesse aberto a panela de pressão, e duas pessoas da psicologia se queixaram amargamente com o padre Benko do distanciamento que ele mantinha com as pessoas. E quando eu vi, desculpe a palavra, eu não diria destempero, mas... Enfim, o Sensitive Training tem essas questões que, por vezes, o nível de agressividade... Não sei se você já participou de algum...

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Sílvia – Não.

Carmelo – O nível de agressividade quase que chega a um paroxismo. Quer dizer, a pessoa quase fala tudo o que vem a cabeça sem ter as convenções sociais etc. E eu achei aquilo extremamente injusto para com o padre Benko, porque essa questão... Como é que um sacerdote, sobretudo se tratando de mulheres, se relaciona de uma forma menos pessoal, mais impessoal? E aí a pessoa diz: “Mas no momento daquela crise que eu mais precisava da sua atenção, quase que do seu colo, do seu ombro, o senhor se retrai...” Ele dizia: “Mas isso é complicado”. Porque ele não é o pai de família. Ele não é o pai nem o tio...

Sílvia – Nem é o padre confessor...

Carmelo – Então, essa questão é complicada. “Como é que eu mantenho o distanciamento profissional como professor?” E, no caso dele, como professor-padre. “Não vou comprar todo o trauma de drama familiar e pessoal de uma pessoa”. Então, eu, particularmente eu e o grupo que era chamado de “benkista”... Não sei se te falei isso antes...

Sílvia – Não.

Carmelo – Nós tínhamos um grupo, que era “os benkistas”. Nós nos reuníamos sábado à tarde com o padre Benko aqui. Nós tínhamos um grupo de reflexão. Meditávamos sobre a liturgia da missa que vinha depois, fazíamos a leitura, comentávamos, discutíamos e depois tinha a missa. Ou, então, o grupo ia comer uma pizza ou ia passear. A maior parte de nós era composta por jovens professores, ou casados, ou namorando ou noivos. Era um núcleo que se reunia sábado à tarde que

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era chamado de “benkistas”. Que eram, via de regra, jovens professores da faculdade. Então, por exemplo, vinham de Letras, duas de Ciências Sociais... Era o grupo mais próximo ao padre Benko em termos de núcleo de reflexão que envolvia, de um lado a parte de formação de professor, de formação religiosa, mas também atuação na parte política e social, embora nunca tenha percebido no padre Benko uma atuação política. Mas, enfim... Então, isso que você percebeu na missiva dele, no e-mail. Ele é uma pessoa extremamente aberta...

Sílvia – Atenta, não é?

Carmelo – Agora, é claro, ou com formação, cultura ou pela própria situação dele como professor, pesquisador e religioso, com certo distanciamento. Eu nunca percebi o padre Benko, por exemplo, fazendo brincadeiras, ou falando coisas mais vulgares. Ele tinha, realmente, certo... O que não era frieza!

Sílvia – Meu avô era assim.

Carmelo – Para dizer a verdade... Eu nunca falei isso para ninguém. Na verdade, falei isso para duas pessoas. Eu acho que dos padres, que não foram poucos, que conheci na minha vida, sem duvida nenhuma o padre Benko ou está em primeiro ou está em segundo lugar naquela capacidade de articular o sacerdote, o profissional, a pessoa amiga... Nesse sentido de ter um equilíbrio bastante... Muito embora, alguns colegas o achassem frio e assim meio... Agora, esse grupo que lidava com ele, ele até fala aqui na carta, no e-mail que ele mandou, “os benkistas”, nas reuniões de sábado à tarde, era um grupo muito próximo a ele. Acho que ele tinha essa preocupação religiosa de formação de quadros, ele tinha essa preocupação científica, acadêmica,

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de preparação de quadros nos Estados Unidos e na Europa. Acho interessante, nas vezes que eu comento isso com alguns colegas, o Benko direcionou o pessoal da psicologia pra fazer lá nos Estados Unidos, Chicago, Stanford... E o pessoal da educação foi encaminhado para Europa. Acho que não é causalidade. Acho que faz parte de uma estratégia eventualmente. E ele era uma pessoa, na pesquisa, com o perdão da palavra de hoje em dia, porque hoje em dia aquele “quantitativista”, ele era um pesquisador-quantitativo, experimental mesmo. Eu me lembro que, quando nós começamos o curso de Mestrado, como que o pessoal da Pedagogia reagia ao padre Benko. Havia um catatau clássico de pesquisa, metodologia de pesquisa, e era muito fundamento matemático e estatístico, e o padre Benko ia fundo. Aquele livro “Metodologia da Pesquisa”, catatau da regra publicado com a USP. Então, ele era um cientista daquela linha comportamental, quantitativo. E ao mesmo tempo era um sacerdote, e ao mesmo tempo, acho que para essas pessoas mais chegadas a ele, era uma pessoa extremamente amiga. Eu tenho colegas, e acho que mais tarde você deve falar com uma pessoa que o também o admira muito, a Laís Delfes. A Laís, por exemplo, mantém a mesma opinião que eu, suponho.

Sílvia – Ela também é da Educação?

Carmelo – Ela veio da Universidade Santa Úrsula, da Orientação Vocacional. O padre Benko tinha outras linhas de atuação também para Santa Úrsula, do mesmo modo que tinha no MEC, acho que já falei isso antes, não é? Porque quando ele diz: “Vai sair a legislação sobre pós-graduação no Brasil”, isso foi há... Tenho a impressão que ele já sabia isso em 64/65, porque quando eu volto para o Brasil, já me diz isso: “Carmelo, vai sair a legislação sobre a pós-graduação. Nós temos que começar a nos preparar e você será na o responsável na área da

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Educação por isso” . E eu fui o primeiro professor de tempo integral na área da Educação. Isso há 41 anos...

Sílvia – Já com o doutorado?

Carmelo – Não. Ainda não tinha doutorado.

Sílvia – Ainda não. Você foi posteriormente...

Carmelo – Não, eu tive uma fraqueza humana de ceder ao afeto, e não ao doutorado. É quase que ridículo, não é, mas enfim, agente ama, não é?

Sílvia – Por que você citou...

Carmelo – Eu namorava a minha esposa e a PUC ofereceu para ela fazer a pós-graduação em Louvain na Bélgica. Isso em 64/65, e ela achou: “Imagine! Eu vou abandonar a minha família e me casar no exterior! Não fica bem.”

Sílvia – Que diferente.

Carmelo – E eu falei: “Já que você não vem, então eu volto!”

Sílvia – Entendi. O senhor tinha chegado a iniciar então?

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Carmelo – Já estava a caminho do...

Sílvia – Mas quando você volta, assume...

Carmelo – Assumo, assumo.

Sílvia – Como professor de tempo...

Carmelo – Mas com essa lacuna: Venho com uma pós-graduação, quase com um mestrado, mas não com um doutorado, começado nos Estados Unidos.

Sílvia - Começado, mas não concluído. Então, o senhor diria que o padre Benko sintetizaria o projeto da Universidade naquele momento?

Carmelo – Sem dúvida alguma.

Sílvia – Por um lado, criou a passos bem fundamentados uma tradição de pesquisa em ensino pós-graduado, a função da missão social de acompanhamento de toda a formação dos alunos, a partir dessa... Ele também tinha essa atividade, não sei se posso dizer catequista, mas de uma pessoa que estivesse disponível para ser o sacerdote também.

Carmelo – Sim.

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Sílvia – E a terceira perna uma ligação forte com a parte de governo, de decretos, de burocracia, de administração... Ele tinha essa...

Carmelo – Seguramente, ele era assessor do Conselho Nacional... Naquela época, Conselho Federal de Educação, CFE. Seguramente, ele era assessor do Conselho Federal de Educação na parte de Psicologia. Na legislação, conhecimento de custo, etc.

Sílvia – Inclusive, porque era uma profissão que estava sendo criada naquele momento, não é?

Carmelo – Por exemplo, em Louvain, onde ele fez o doutorado, Psicologia e Educação são unificadas. Por exemplo, o departamento dos cursos que eu fazia, tinha Psicologia e Educação. Então, por exemplo, quando o padre Benko coloca essa estratégia de iniciar a pós-graduação articulando Psicologia e Educação não foi meramente, digamos assim, um artifício de estar somando quadros. Eu entendo que a própria experiência profissional dele no Instituto de Psicologia e Educação de Louvain, era a prática de Louvain. Estar articulando Educação e Psicologia... E ele tenta, de certa forma, fazer isso.

Sílvia – Ele tinha um modelo, não é?

Carmelo – Dessas colegas, por exemplo, a Ângela Brasil Biaggio, minha comadre que faleceu recentemente, a Teresa Pena Filho, que ainda trabalha na Fundação Cesgranrio, não é? E... Ângela? Teresa? Vindo da área da Educação. Da Educação foram para Psicologia, e

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foram fazer doutorado nos Estados Unidos. Eu não sei se a Maria Alice Amorim era ligada à Educação. Então, do pessoal que foi fazer doutorado, no mínimo três deles vinham da Educação... Vinham do curso Normal de escola e foram pra Psicologia. Ele trabalhava também na Universidade Santa Ursula com o curso de Orientação Vocacional. Várias pessoas que vieram da Santa Úrsula, inclusive duas que trabalham aqui na PUC hoje ainda, Maria Aparecida Mamede, vieram pela Orientação Vocacional que só existia na Santa Úrsula. O único curso de formação de Orientação Vocacional no Brasil era na Santa Úrsula, e o padre Benko atuava lá também. E atuava no MEC como assessor do Conselho.

Sílvia – E depois de diretor da faculdade de Filosofia... Tinha esse nome... Filosofia? Tinha um nome além...

Carmelo – Ciências e Letras, não é?

Sílvia – E Ciências e Letras! Ele teve outro cargo na Universidade? Ele se manteve como Diretor?

Carmelo – Pois é. Esse processo ele vai explicar melhor para você.

Sílvia – O senhor não estava aqui...

Carmelo – Não, não. Ele vai explicar melhor porque ficou uma coisa, inclusive, que eu estava conversando com a Maria ontem... Quer dizer, para mim, ele já era Diretor em 63. Mas eu temo que não, que só em 64. Tem duas razões. Eu me lembro que em 65, quando eu cheguei...

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Amélia Lacomb em Letras, eu em Educação, José Henrique em Comunicação Social, Amélia Lacomb em Letras... Eram “os benkistas”, não é? Aquela rapaziada que estava vindo e que pegava aqueles professores eméritos, já idosos que trabalhavam na PUC e faziam do trabalho na PUC muito mais um... Digamos assim, ou como um apêndice para o seu currículo... “Só porque sou da PUC”. É advogado ou era psicólogo, etc. E o padre Benko coloca essa questão: A Faculdade de Filosofia começa a se transformar em um CTCH, no Centro de Teologia e Ciências Humanas... E, é claro, não foi um processo assim tão fácil, porque implicava que pessoas que já tinha uma devoção a causa da Educação da PUC em Letras começasse a abrir espaço a uma rapaziada que estava chegando. Então, nas reuniões, nós escutávamos isso: “A PUC está cometendo um erro tremendo em confiar os Departamentos a jovens que não têm experiência, que não têm expressão nacional...” Que era a reação natural, não é? De pessoas que durante décadas...

Sílvia – E o padre Benko tinha... Houve episódios em que ele conversava sobre esse projeto de pós-graduação? Conversava com vocês? Havia algum momento em que... Ou também era reservado?

Carmelo – Não, não. Apenas nesse momento que ele me diz: “Olha, eu tenho uma bolsa disponível na Bélgica, você topa? Então, você tem que estudar inglês, francês.” Aí você percebe... Claro, ele diz: “Nós temos a intenção de formar quadros etc.” Então, nós percebemos que há... Porque não é só na Educação. Na Engenharia, na antiga EPUC, na Escola Politécnica da PUC, isso aí era tremendo. O padre Amaral Rosa... E eles tinham uma situação excepcional, porque eles tinham todo aquele aparato do Governo Militar, em termos de alto investimento em Ciência e Siderurgia por causa de segurança nacional, etc. Então, o pessoal da Engenharia não só tinha bolsa, como tinham salário. Eu conheci vários colegas que saíram do Brasil com bolsa e já

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empregados. Então, era uma situação excepcional. E eu conheci muitos desses colegas. Claro, não tinha contato, porque eu era estudante, fazia ação política e, ao mesmo tempo, trabalhava. Mas eu via vários colegas das áreas de Ciência e Tecnologia que estavam partindo para Europa, partindo para os Estados Unidos... O pessoal da Física, da Matemática, etc. Então, eu acho que era, realmente, um projeto institucional dos jesuítas. Porque nós observávamos isso muito forte nas Engenharias, na Psicologia, Educação... Na Filosofia também ocorreu.

Sílvia – Serviço Social logo depois...

Carmelo – Tinha um colega daqui que eu vou reencontrar depois em Louvain fazendo doutorado em Filosofia... Ou, então, trazendo pessoas de fora para cá. Então, acho que era um projeto realmente dos jesuítas. Embora, eles não estivessem, naquele momento talvez, na direção das unidades. Isso vai ocorrer depois. Então, o que ocorre? O padre Benko fica Decano do Centro de Ciências Humanas e Teologia, eu creio, que no caso de 64 até por volta de 68/69. Então, ele passa para uma unidade acadêmica que talvez, hoje em dia, equivalha a Coordenação Central de Graduação. Ele não era Vice-Reitor Acadêmico. Vice-Reitor-Acadêmico era o padre Amaral Rosa.

Sílvia – Já existia esse cargo de Vice-Reitoria Acadêmica?

Carmelo – Já. A PUC adota a reforma em 1968. A reforma já vem sendo um laboratório. Tanto que dizem que a PUC foi laboratório do convênio MEC-USAID, da reforma do sistema universitário. Em parte, é verdade, em termos de recursos, convênio, etc. Mas foi um projeto totalmente... Enfim... O modelo norte-americano, mas com bastante independência. Então, acho que o Benko é o diretor da Faculdade...

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Decano, não é? Do Centro de Teologia e Ciências Humanas entre 1965 até 1968 ou 1969. Por que eu digo isso? Porque, naquele momento, veio um jesuíta, que dá nome hoje em dia ao ginásio esportivo, o padre Ormindo Viveiros de Castro, de uma família bastante conhecida no Rio de Janeiro... Viveiros de Castro... E o padre Viveiros de Castro era uma personalidade totalmente diferente do padre Benko. Totalmente diferente! E eu me lembro que, duas ou três vezes, tive atrito com ele por causa disso. Porque eu me acostumara a trabalhar com o padre Benko. Para mim, jovem naquela época, o grande defeito do padre Benko era, no meu ponto de vista naquele momento, era não tomar decisões. Eu via as coisas tão claras assim, mais um pouquinho à frente, a situação se resolvia. Então, naquele meu ardor juvenil, jovem ainda, eu dizia: “Não é possível”. Não sei se era estratégia dele, próprio modo dele fazer, mas ele deixava que a situação... Por volta de 68/69, vem de Goiânia um jesuíta que estava sendo preparado – isso ele deixou claro no dia da posse dele como novo Decano de Centro de Ciências Humanas – que ele fora preparado para assumir cargo de direção na PUC. Ele deixou claro que ele estava sendo preparado para ser Reitor da PUC.

Sílvia – Essa pessoa?

Carmelo – O padre Viveiros de Castro. Então, quando o padre Viveiros, quer dizer o padre Benko parte para uma unidade de coordenação acadêmica mais central – que eu entendo que equivalha, hoje, à Coordenação de Graduação – isso já é por volta de 68/69. Porque eu, como primeiro diretor da Faculdade de Educação, devo ter convivido com o padre Viveiros como diretor, no mínimo, por um ano e meio. É interessante porque na foto... Eu pedi até uma vez para o padre Benko... Essa foto aqui é em setembro de 1970. Olha aqui o padre Benko. Não sei se você já tinha visto uma foto dele, não?

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Sílvia – Não, não.

Carmelo – Ele hoje está mais magro. Mas é essa figura alta, não é?

Sílvia – Comprido...

Carmelo – É! Esse aqui é o padre Viveiros de Castro. Padre Ormindo Viveiros de Castro... E o padre Viveiros de Castro sucede ao padre Benko como Decano de Teologia e Ciências Humanas. E o Benko parte para uma atividade...

Sílvia – Mais central...

Carmelo – Mais central. Então, isso para mim é vivo. Agora, entende? Eu não sei. Então, a experiência dele... Ele vai para uma experiência na parte acadêmica central, não é? Não sei precisar bem em que área. Então, quando eu parto em setembro de 1970... Essa aqui foi a minha despedida para o doutorado nos Estados Unidos... Quando eu parto em setembro de 1970, meu Decano era o Viveiros de Castro. E o – como é que se chama? – Benko já estava em uma unidade mais central. Não sei se já preparando a pós-graduação... Não sei.

Sílvia – O que é interessante é que... Eu tenho blocos de entrevistas para fazer com ele, tanto... Uma experiência de doutorado na Europa, vindo para o Brasil, um país em que não havia uma estrutura ou um

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curso de doutorado... O trabalho dele específico na Faculdade de Filosofia e Ciências e Letras na criação dessa pós-graduação...

Carmelo – Primeiramente na Psicologia, sem dúvida nenhuma.

Sílvia – E uma função mais central na Universidade, que nós não sabemos direito o que é... E ainda tem... Ele também pode nos dar informações e relatos importantes em relação aos formatos de universidade, já que ele era do Conselho Federal de Educação. Ele era membro. Então, é interessante que da própria Reforma Universitária ele participou. Eu não sabia disso. Ou, pelo menos, tinha uma proximidade das discussões sobre isso.

Carmelo – Exatamente. A pessoa chata no modelo universitário da PUC foi o padre Amaral Rosa, que era da Engenharia, não é? Até existe um trabalho muito interessante dele... Há essa altura do campeonato... Mas enfim... Em que ele fala sobre os modelos de departamentalização na universidade brasileira. Então, ele analisa várias experiências. E a PUC adotou o modelo departamental.

Sílvia – Mas o padre Benko talvez tenha lembranças das discussões. Na verdade, o que nos interessa são as discussões da época.

Carmelo – Sem dúvida.

Sílvia – Porque foi em 68/69 que foi efetivamente implantada, mas as discussões já deveriam vir desde o início dos anos 60. Ou, pelo menos, desde meados dos anos 60.

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Carmelo – Quando nós começamos o Mestrado, em 65, ainda na forma de especialização...

Sílvia – Já era um preparatório para...

Carmelo – Já havia ali onde hoje é um prédio todo branco, quase em frente ao Clube Naval, havia uma casa grande, bonita, que hoje em dia é um prédio enorme, acho que é “não sei o que das garças”...

Sílvia – Sei qual é.

Carmelo – Ali havia o CRUB, o Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras, que era o laboratório do MEC-USAID.

Sílvia – Eu não sabia.

Carmelo – Para repensar... Porque é interessante... Eu orientei uma dissertação de Mestrado, já talvez há trinta anos, analisando o papel do Conselho de Reitores.

Sílvia – Esse estudo nos interessa, professor. Tem aqui na Biblioteca, não tem?

Carmelo – Tem. O autor é Georges Frederic Mirault Pinto. Ele continua trabalhando no Colégio Santo Inácio. Então, o Georges

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Frederic Mirault analisa uma figura extremamente interessante que é o papel do Conselho... Perdão, do CRUB, não é? Do Conselho das Universidades Brasileiras que, na concepção política da época, era muito interessante porque nós tínhamos um regime autoritário e a política, digamos assim, pensada para Ensino Superior é que o CRUB fosse uma espécie de instância da sociedade civil, vamos dizer assim na linguagem de hoje, que pudesse mediar, não é? Fazendo as mediações entre as Universidades e o regime autoritário central. E, nesse processo, há um alemão, Rudolf Atman, que passa a ser execrado pela esquerda brasileira, acusado de tudo que há de pior em relação ao convênio MEC-USAID. Quando, na verdade, a proposta dele era a de garantir a autonomia da Universidade. E ele devia ser uma pessoa muito interessante porque, quando Darcy Ribeiro cria a Universidade de Brasília e cria os ciclos básicos dentro da Universidade de Brasília, quem é que coordena esse projeto? É o Rudolf Atman. Então, é interessante que ele é uma pessoa execrada pela esquerda do Brasil como sendo o maior intriguista, etc. E não reconhecem nele um trabalho de mediador, através do CRUB, e, sobretudo, da atuação dele na UNB. Ele não tem nenhum crédito. Só dão crédito ao Darcy Ribeiro, mas não dão nenhum crédito ao Rudolf Atman, que na verdade foi quem implantou a estrutura da UNB com cinco casas etc.

Sílvia – Mas combina com o discurso da esquerda que não gosta de muita autonomia, não é? Está dentro do...

Carmelo – Realmente... Enfim... Então, seguramente, o padre Benko, dentro do projeto de Reforma Universitária, participou, teve conhecimento. A minha participação foi ínfima, ínfima. No processo de discussão de departamentalização, na questão da gestão, na questão de financiamento, eu participei de algumas reuniões com esses consultores internacionais e com equipe da PUC, que era o... Naquela época, era o... Que faleceu no ano passado, meu Deus...

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Sílvia – Novaes?

Carmelo – Rico fazendeiro em Goiás. Que depois foi trabalhar... agora fugiu. Gozado, de vez em quando tenho um ato falho eu venho e falo o nome dele.

Sílvia – Mas, também, está no final do dia e o senhor está cansado.

Carmelo – Mas, enfim... Havia o grupo dos “amaralistas”. Tinha o grupo dos “benkistas”, e tinha os “amaralistas”, que era o pessoal da Ciência e Tecnologia. E o filho dileto dos “amaralistas”... O filho dileto dos “amaralistas”, hoje em dia, é o grande... Como vou dizer? Vamos chamar de presidente da Fundação Cesgranrio. Sem dúvida alguma, o Carlos Alberto Serpa consegue esse caminho para criação do vestibular unificado no Rio de Janeiro através da experiência dele na PUC com o grupo do padre Amaral. Então, havia uma certa rivalidade entre os professores. Que não era uma rivalidade, digamos assim, do ponto de vista de... Como vou dizer? De figuras. Era muito mais de interesses corporativos de áreas. Nós do Centro de Ciências Humanas não tínhamos os recursos que o regime militar investia maciçamente na área técnico-científica. Fazia parte da estratégia da segurança nacional, a independência na área tecnológica e científica. Então, os primos ricos da PUC eram o pessoal da área de Física, Química e das engenharias em geral. Tanto que eles tinham dois salários.

Sílvia – O senhor falou.

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Carmelo – Eles tinham um salário da PUC e tinham um salário da FINEP, BNDES. Investiam fortemente. Para os colegas do CTC vai ser um baque, anos depois, quando a PUC unifica os salários. Porque era, digamos assim... Não faz sentido, não é? Você tem uma Universidade em que a área de Ciências Humanas e Sociais... São os primos pobres. E você tem os primos ricos.

Sílvia – Fica muito claro o projeto de criação de pós-graduação dentro da Escola Politécnica de Engenharia, e depois no CTC... O que é interessante é investigar em que termos, em que bases, em que metas se constrói o projeto de pós-graduação nas Ciências Humanas e Sociais.

Carmelo – Isso é uma coisa interessante porque, inclusive, nesse contexto, por exemplo, eu me lembro bem... Você vai ver o catatau que eu levei. Todo batido à máquina, o máximo que nós tínhamos era uma IBM elétrica. Mas eu me lembro muito bem da reação dessa professora – que eu já falei para você não perder de falar com ela, que é a Susana Gonçalves – quando eu levo lá o material do credenciamento do curso. Ela virou-se e falou assim: “Meu filho, é impressionante como é que vocês com a pobreza de vocês...” Ela sabia que as riquezas [TRECHO INCOMPREENSÍVEL]. “O primeiro documento que estou recebendo para o credenciamento é o de vocês”.

Sílvia – E bem fundamentado.

Carmelo – E claro, quer dizer, comparação... Se você pensar em estrutura, o que era a estrutura? Era um jovem, professor, que dormia na PUC quase... Mas enfim... Nós não tínhamos a estrutura que o pessoal da Área Técnica e Científica tinha. Secretária disso e daquilo outro. Então, realmente... Claro, o padre Benko uniu esse processo.

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Então, essa classificação chamada “benkistas” do CCS, como eu disse para você, tinha esse lado também. Era o corporativismo da Área de Ciências Humanas e Sociais reivindicando um espaço que os companheiros da Área Técnica e Científica tinham em abundância, que eram recursos. Eu me lembro, em 1968 – mais ou menos em 68 –, o Reitor era o padre Laércio Dias, não é? E quando veio pela primeira vez ao Brasil aquele jesuíta que teve uma experiência lá no Japão, em Nagasaki, da bomba atômica, etc. O padre Arrupe, Pedro Arrupe. Então, eu me lembro que, quando o Pedro Arrupe veio ao Brasil pela primeira vez, o pessoal da Área de Ciências Humanas e Sociais fez questão de mandar uma carta para ele dizendo assim: “É inconcebível que em uma Universidade como a PUC nós tivéssemos dois...”, como se chama? Enfim, dois tipos de financiamento, salário, etc. Um para Área Técnica e Científica e outro para Ciências Humanas. Porque enquanto para lá se mandava todas as facilidades de recursos e aqui nós não tínhamos. Então, como se pode falar em Universidade com tamanho disparate?

Sílvia – Inclusive, tem um momento primordial da constituição da Universidade do qual a Engenharia não faz parte, não é? Os primeiros quatro cursos são cursos de Direito, Serviço Social, Psicologia e a Faculdade de Filosofia e a Pedagogia junto. Então, a constituição do próprio corpo universitário se dá anterior a criação da Escola Politécnica pelo que eu vejo em minhas pesquisas. E, de repente, aquele projeto do CTC se transforma em uma coisa gigantesca aqui dentro, não é?

Carmelo – Em função da estratégia mesmo do Governo Militar.

Sílvia – É, o contexto...

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Carmelo – É muito clara. Se você pega o primeiro PBCT – Primeiro Plano Básico de Pesquisa, Ciência e Tecnologia – do CNPq... É claro, articulamos isso. “Visando e objetivando a política, segurança nacional e independência...” A necessidade do regime militar de ser autônomo e independente também em ciência e tecnologia. Então, houve muito investimento na pós-graduação. Sobretudo na área técnica. Enfim...

Sílvia – O que é interessante para mim é investigar como que esses projetos políticos todos... Aí, na verdade, no caso do CTC, faz parte do meu escopo, eu tenho que estudar isso. Mas também na parte do CTCH de CTC, como é que esses projetos políticos todos da Universidade...

Carmelo – Herrera. O nome desse que falei. Heitor Herrera. Faleceu ano passado. E o Heitor Herrera é interessante porque ele é a segunda figura do found raiser da PUC. A primeira figura do found raiser, nessa época foi, senão me falha a memória, o criador do BNDE. O Garrido Torres, alguma coisa assim.

Sílvia – Do BNDE?

Carmelo – É. E também FINEP, não é? O Garrido Torres é uma pessoa de forte influência do sistema político do governo, policiamento e pesquisa. E o Herrera foi seu sucessor. O Herrera fez o doutorado já na primeira leva da antiga EPUC nos Estados Unidos. Eu me lembro, nesse momento de crise, que nós íamos chorar com o Heitor Herrera, ele dizia assim: “Carmelo, eu me sinto envergonhado. Sinto-me envergonhado porque cada vez que o governo atrasa os repasses do CNPq e da FINEP para PUC, o que eu pago de juros pelos

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empréstimos para saldar, enfim, aos professores, é mais alto que o seu orçamento da Educação”.

Sílvia – É desproporcional.

Carmelo – Na época de inflação galopante, não é? E ele dizia: “É um absurdo. Eu sinto vergonha de que, em um desses atrasos de repasses das verbas, o que eu pago de juros é mais alto do que... Fico negando para você coisas mínimas e fico pagando isso em juros para os colegas do CTCH poderem receber seus salários atrasados”. Então, nós temos esse episódio, em que parece que ele ficou muito magoado conosco, de ter feito uma carta dos professores de Ciências Humanas e Sociais mostrando essa faceta da PUC de ser dilacerada entre muitos recursos da área Técnica e Científica e poucos recursos para Área de Ciências Humanas e Sociais. Mas isso foi por volta de 68/69. Ok.

Sílvia – Acho que é isso. Muito bom, muito bom! O senhor foi super esclarecedor para mim.

Sílvia – De todos esses projetos políticos, esse contexto, essas novas reformulações no Ministério da Educação se transformaram, de fato, em cursos de pós-graduação dentro da Universidade. Como é que isso se transformou numa... E que caminhos foram traçados a partir daí, não é?

Carmelo – Sem dúvida alguma.

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Sílvia – Acho interessante. E ele teve tempo suficiente para observar essa implementação.

Carmelo – Sem dúvida alguma, essa atuação do Benko se dá entre 59 e...

Sílvia – E meados dos anos 70. Obrigada, professor.

Carmelo – Ok. Boa viagem!

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Acervo do Núcleo de Memória da PUC-Rio

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Acervo do Núcleo de Memória da PUC-Rio - Padre Benkö com camisa da torcida brasileira, na casa jesuítica onde morava Budapeste - janeiro/2007

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Acervo do Núcleo de Memória da PUC-Rio - Padre Benkö em

frente à casa jesuítica onde morava em Budapeste - janeiro/2007

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EULINA FONTOURA DE CARVALHO

Foto: acervo pessoal/Facebook

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Nome do entrevistado: Eulina Fontoura Local da entrevista: Leblon

Data da entrevista: Março de 2006 Entrevistadores: Yolanda Lima Lobo

Transcrição: Yolanda Lima Lobo Nome do projeto: História da Educação - Programa de Pós-

Graduação em Sociologia .

Yolanda: Eulina, eu trouxe uma surpresa. Um gravador para gravar nossa conversa (...)

Eulina: está bem.

Yolanda: De quem foi a idéia para criar o curso de mestrado da PUC?

Eulina: A idéia de criar o curso de mestrado da PUC foi do diretor do ensino secundário, na ocasião era o doutor Gildásio Amado, que queria organizar um curso de preparação para funcionários do MEC. O MEC tinha contratado alguns funcionários licenciados em pedagogia, mas ele [Dr. Gildásio Amado] achava que eles não satisfaziam às funções que deveriam desempenhar. Esse curso [o mestrado] deveria receber, também, outros funcionários (...) seria aberto também a outros funcionários do MEC de qualquer uma das diretorias ou departamento. Então, ele me chamou e me encarregou de organizar esse curso. E eu fiz o projeto e o currículo e indiquei algumas pessoas. Para coordenar o curso indiquei o Luis Aberto Gomes de Souza. Quando apresentei ao doutor Gildásio, ele me disse que não concordava com a indicação do Luis Alberto de Souza porque já era época da ditadura e ele [Luis Alberto] era uma pessoa visada pela ditadura. E indiquei, também, alguns professores, entre eles o Durmeval Trigueira; o grupo que estava indicado era muito bom, havia também o João Paulo Reis Veloso que ficaria com a parte da educação econômica. Bem, mas o

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doutor Gildásio ficou muito preocupado com as minhas indicações. Eu me lembro que disse para ele: daqui a pouco vão achar que eu também sou suspeita. Ele me disse: são suspeitos. Então, vão achar que eu também sou suspeita? E ele disse: - a senhora pensa que não é? Eu me lembro que disse para ele: - eu não mudei de idéias porque houve uma revolução no Brasil, as minhas idéias continuam as mesmas. Ele ficou refletindo algum tempo, depois me chamou e disse: - sabe, vamos entregar esse curso à PUC, porque depois da revolução a PUC está muito bem com a revolução, então vamos entregar este curso à PUC. É, está bem. A senhora chama o padre Benko, conversa com ele e entrega o curso a PUC. Eu disse: - então vou entregar; então, só não vou entregar o meu projeto. A PUC vai apresentar o seu projeto. E assim foi. A Celina Junqueira era diretora da faculdade de educação da PUC; conversei com padre Bento, ele aceitou realizar esse curso, que era do MEC na PUC, e me disse que estava esperando um professor que devia chegar da Europa, estava fazendo um curso em Louvain, que era o José Carmelo e que ele poderia dar uma colaboração muito grande ao curso. Então, ele apresentou o projeto que foi aprovado para funcionar já no ano seguinte. O padre Benko teve uma idéia muito boa. Ele disse: - nesse projeto vou acrescentar uma cláusula de um convênio. Que era a questão da PUC conceder o título de mestre a quem preenchesse umas tantas exigências, um certo número de créditos e apresentar uma dissertação de mestrado e que a coordenação do curso seria entregue a José Carmelo.Com tudo aprovado, alguns dos meus indicados ficaram de fora, pois eram suspeitos, mas o curso começou a funcionar, financiado pelo MEC, para atender a uma das diretorias do ensino secundário. Acho que foi muito bem. Os funcionários do MEC, aqueles que iam participar, todos foram recebidos. E assim se passou o primeiro ano. No fim desse primeiro ano, o padre BenKo me pediu para dar aulas de Educação popular e eu comecei. Dei no fim [do curso] uma das últimas aulas de Educação popular. No ano seguinte, continuou o curso com o financiamento ainda do MEC até a PUC assumir. Acho que ela [a PUC] assumiu no terceiro ano, quando houve

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um financiamento da CAPES. É isso. Qual a outra coisa que você que saber?

Yolanda: _Mas, aí você permaneceu no curso, depois, quando a PUC assumiu? Esse curso, como ele passou a ser só mestrado, com seleção por concurso de

Eulina: _Quando a PUC assumiu, assumiu inclusive o financiamento e, então, não tinha mais nada com o MEC. Ficou sendo o curso de mestrado; por isso, ele é o primeiro curso de mestrado em Educação no Brasil. Realmente, ele é pioneiro. E é muito interessante ter surgido assim, ter nascido no MEC; toda gestação foi no MEC e por uma necessidade que o MEC sentia de pessoas capacitadas para trabalharem em Educação. Era até uma preocupação louvável, porque queria gente competente. E depois a PUC assumiu e se comunicou com outras universidades, o que possibilitou a vinda de muita gente de outros estados. Ele foi, portanto, o primeiro curso. Quando as universidades souberam [do curso], elas mandaram seus professores em exercício para cursá-lo. As primeiras turmas foram muito boas, porque todos praticamente eram professores já em exercício no ensino superior. Estavam apenas procurando uma qualificação, nos dois sentidos do termo. Uma qualificação, digamos assim, burocrática, administrativa, e uma competência, também, que o curso de mestrado proporcionaria.

Yolanda: Quando a PUC assumiu você continuou no programa, no mestrado?

Eulina: A PUC assumiu, e eu, foi uma época ... foi nos anos 60 ... os últimos anos 60... foi a partir de 69 que eu comecei a trabalhar na PUC (regularmente, todos os anos); anteriormente, eu sempre ficava, assim, com algumas aulas.No fim dos anos 60. Porque foi um período que eu viajei muito. Então, eu não podia aceitar, por exemplo, o 1° semestre, eu nunca aceitava aula nenhuma, por causa do

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compromisso que eu tinha com viagens. Assim, vários professores ministraram a disciplina Estrutura da Educação Brasileira, até que um dia me propuseram assumir o cargo. Foi o Carmelo. E eu, então, assumi a disciplina Estrutura da Educação Brasileira e passei a integrar o quadro de professores do mestrado em Agora, essa disciplina Educação Brasileira foi você quem a criou? Até depois eu fiz a proposta de trocar o nome pois não era bem o sentido da coisa - estrutura da educação brasileira - porque ela seria tratada numa perspectiva histórica, que era muito importante para a educação atual. Essa disciplina Educação brasileira você criou não só na pós como na graduação, também, na Santa Ùrsula ? Na Santa Úrsula. Porque eu tinha sido encarregada de apresentar um projeto de renovação para o currículo de pedagogia. Então, eu procurei dar uma unidade maior no currículo e atualizá-lo a partir daquilo que eu sentia como necessidade para a educação. Então, essa foi uma disciplina que não existia e foi colocada (educação brasileira), como também outras, como Questões Atuais da Educação e ainda outras foram inseridas, que me pareceram necessárias, na ocasião, e acho que sempre, como: Economia da educação, Política da educação, não sei se tem mais alguma. Você se lembra de algumas daquelas novas? Agora, Eulina, no mestrado da PUC, o grupo que ficou com você, Carmelo ... os primeiros, que eram? Porque o mestrado, depois, ficou organizado em áreas, como métodos e técnicas, aconselhamento e planejamento. Quando você começou já tinha essas três áreas, ou somente planejamento? No plano da PUC já veio com essas três concentrações. Áreas de concentração ... Áreas de concentração. Didática. Mas, o planejamento estava na ordem do dia, não é? Por isso que o João Paulo Reis Veloso - que era diretor do IPEA na ocasião, não sei se ele era diretor, mas era do IPEA – foi quem iniciou o curso. Mas ele o deixou, porque teve que ir para Brasília; e, algum tempo depois, ele foi substituído pelo Durmeval. Foi quando o Durmeval foi aposentado [pelo AI 5] e nós fizemos uma força, eu e o Carmelo, para levar o Durmeval para lá. Antes do Dumerval assumir, porém, foi o Paulo Assis Ribeiro quem ficou com o planejamento; depois o Durmeval ... a gente fez uma força grande para levar o

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Durmeval. Houve uma luta grande, mas o padre Viveiros - que era o reitor da PUC - assumiu também a nossa luta, até que vencemos e conseguimos. O Carmelo também lecionou a disciplina planejamento. Antes de ir para os EUA. Aí ficou o Durmeval. E do grupinho inicial tem pouca gente. Porque é o grupinho que eles chamam de fundadores, até hoje, não é? Eles fazem questão de serem chamados de fundadores. O Durmeval já partiu, o Zacarias que lá trabalhou um tempo já foi embora, o Paulo Assis Ribeiro também já foi embora, a Heloisa Franco também já foi. Então, do grupinho inicial, do grupinho fundador que eles chamam, eu acho, que sou eu, não sei se tem mais alguém. Sou eu que estou na reta final. ... Agora, depois vem Vera Candau. Ela chegou ... ela estava também na Europa, fazendo um curso e houve uns professores que ficaram lá. ... pouco tempo, como o Padre Vasconcelos. Ele também ministrou a disciplina Estrutura. ... também, já foi embora. E três professores que foram do primeiro time, foram indicados por mim e eram do MEC, acho que era o Geraldo Bastos Silva, que também já partiu.... Geraldo Bastos, que também já partiu. O Paulo Almeida Campos, que também era professor na Universidade, uma coisa impressionante, não é?... ele era de Niterói....da fluminense. E um último, o nome dele me fugiu, ele morava até aqui no Leblon e eu me encontrava muito com ele. Há muito tempo que não o vejo. Trabalhou um tempo na Santa Úrsula era um dos vice-reitores na época que a Santa Úrsula mudou para universidade. Você se lembra do nome dele? Ele era da Fundação Getúlio Vargas também. Eram três, mas eles trabalharam pouco, naquela parte do curso do MEC. No 1° e 2° ano, depois eles deixaram. Ah! sim, porque um era especialista em ensino médio (Secundário) e outro em ensino médio Técnico, outro em ensino primário. O Paulo de Almeida Campos, que era especialista, o Geraldo Bastos também era especialista. Não me recordo do nome do que era especialista em ensino técnico. Não estou me lembrando o nome dele, depois que eu lembrar eu lhe digo.

Yolanda: Eulina esses projetos do curso, você guardou, você tem cópia desses projetos? Tem? Você vai me dar para eu tirar uma xerox?

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Eulina: Dou. Agora não sei quando, não digo a data exata. Como também da CADES. Eu tenho também uma pasta com todos os trabalhos que eu fiz na CADES. Eu já emprestei para a Lourdinha [Professora Maria de Lourdes Fávero] e para Diana, para a documentação da federal [UFRJ]. Elas até me pediram a pasta, eu posso até dar para vocês, mas agora deixa um pouquinho

Yolanda: Agora a CADES. Eulina, ela é anterior a esse projeto, ela é dos anos 50, não é isso? Ela é anterior a CAPES?

Eulina: Ela é dos anos 50. Eu também posso te dar. ... data, não me pergunte assim o ano que nem sempre eu sei exatamente, mas eu posso verificar, ela é anterior, é muito anterior. Porque depois se dá. ... a CADES surgiu de um texto de Armando Hildebrando, diretor do ensino secundário. Ele foi diretor depois daqueles professores do Pedro II. Tinha um diretor lá, o Acioly que foi o último, eu acho, e outro que eu gosto muito dele, mas eu esqueci o nome, trabalhou na Santa Úrsula também. Então, Armando Hildebrando assumiu a direção e uma das primeiras coisas que ele fez foi promover um curso para os inspetores de ensino - naquela ocasião ainda eram inspetores do ensino, inspetores do ensino secundário -, porque tínhamos também os inspetores do ensino técnico, do ensino comercial, inspetor de tudo, não é? Então, para os inspetores do ensino secundário, ele promoveu um curso e esse curso foi realizado no colégio Bennett, que tinha muita fama, muita fama. Realmente, era muito bom o colégio Bennett, nessa ocasião. E nós tínhamos colegas inspetoras, duas pelos menos, que trabalhavam no Bennett, eram diretoras do colégio Bennett. O Bennett tinha instalações muito boas, o curso foi realizado lá e vieram inspetores do Brasil inteiro. Então, a idéia do Armando Hildebrando era criar inspetores seccionais de ensino; ele fez esse curso e dentre esse grupo ele selecionou os inspetores seccionais. Ele criou inspetorias seccionais para todo o Brasil. Eu fiz esse curso no Rio de Janeiro. O inspetor

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seccional saía daí. Em continuação, já na gestão do colega doutor Mario Brando foi criada a CADES [Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário].Porque aí já existia a inspetoria seccional em cada estado e podia realizar os trabalhos necessários à inspeção que ele fazia questão. Um dos mais importantes trabalhos realizados foi ministrar cursos para os professores que deviam fazer Exame de Suficiência, porque os exames de suficiência eram exigidos por força da lei, mas os professores que tinham que a ele submeter-se o faziam sem nenhuma preparação para fazer o exame. Ao passo que, a partir daí, eles faziam o curso de suficiência, um mês de curso. Havia um coordenador para esses cursos. Foi nesses cursos que trabalhou, colaborou, Dom Paulo Evaristo Arns (era um dos orientadores de curso). Professores iam do Rio ou de São Paulo, para ministrar cursos. Professores mais ligados ao MEC e de competência reconhecida. Um outro trabalho da CADES, também, foi a orientação educacional.

Yolanda: A orientação era da CADES?

Eulina: A orientação educacional foi criada pela CADES. Fizemos lá vários simpósios, inclusive o de Recife o do Rio Grande do Sul. Também fizemos seminários, cursos para os orientadores e depois começamos a incluir os professores do curso de suficiência. A orientação educacional estava na lei, mas, de fato, não existia nas escolas. Depois que ela foi organizada, então, um orientador educacional passou a compor a equipe que ministrava os cursos de suficiência. Era dona Maria Junqueira Schimit .... Ela que criou. Foi uma idéia que ela trouxe dos Estados Unidos da América, Guindance. Sempre foi conhecido como Guidance. Assim mesmo. Quando veio para o Brasil era conhecido como Guidance. Era muito interessante porque na França tinha um trabalho semelhante, mas se chamava psicologia escolar; eu até visitei algumas escolas lá, na época de psicologia escolar. Então, a orientação educacional ficou com a Maria Schimit que trabalhava na escola Amaro Cavalcanti

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[escola da rede estadual pública, na cidade do Rio de Janeiro]. Tanto que a primeira escola que organizou a orientação profissional foi a Amaro Cavalcanti. A Isabel Junqueira Shimith fez o curso para inspetor de ensino. O primeiro curso para inspetor de ensino foi um concurso por secções e havia candidatos célebres. Uma das pessoas que fez esse concurso de inspetor de ensino do Brasil - que foi criado no Ministério da Educação por imposição de uma lei que se chama Lei de Organização do Ministério da Educação - foi Graciliano Ramos, que se tornou assim inspetor de ensino. A inspeção de ensino era incumbida de inspecionar os colégios que queriam o reconhecimento do MEC. Antes de se criar os concursos para inspetor de ensino, os colégios pagavam uma taxa para o MEC inspecioná-los, se eles quisessem ser reconhecidos, taxa de vinte e quatro mil réis; então, eles pagavam essa taxa anual e, com essa taxa pagava-se o trabalho do inspetor de ensino, que acabavam ganhando bem e, por isso, os cargos eram dados de presente. No ministério tinha uma senhora que era dessa época e que tinha muito pouca cultura, mas, diziam por lá, eu não sei, que ela tinha sido candidata do ministro Capanema, tinha sido um pedido do ministro Capanema, então ela foi nomeada. Eles eram assim nomeados, todos os inspetores eram nomeados, então, quando chegou essa lei de organização do Ministério da Educação e resolveram fazer um concurso de inspetores, os concursos forma realizados. E eles exigiam até uma monografia. Era muito exigente e por secções. Um dos candidatos, que eu estava falando célebre, é Dom Helder Câmara. Ele fez o concurso e a Isabel, irmã de dona Maria Junqueira Shimit, também fez esse A monografia apresentada por Dom Helder tinha o título: Currículos e Programas. E a monografia apresentada por Isabel Junqueira Shimit era: Orientação Educacional. Foi o primeiro livro, sobre orientação educacional, publicado no Brasil. E, aí então, depois, é que a CADES aparece, depois disso. E aí a primeira conseqüência é a criação das inspetorias seccionais, a primeira conseqüência do curso não é? Para os inspetores foi a criação das inspetorias seccionais e depois a criação da CADES. A CADES tinha muitos programas.

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Yolanda: A campanha do livro didático era da CADES?

Eulina: Bom, acho que esse aí já era, é uma coisa que vem depois. A CADES publicou muitos livros, mas não tinha uma campanha específica, eram publicações da CADES. Publicou muitos livros de didática, cadernos de orientação educacional que são os folhetins, muitos folhetos assim de orientação educacional, esclarecimento de profissões; eu tinha tudo isso, mas eu acho que já passei adiante. Trabalhos dos orientadores de cursos, de Dom Evaristo, de uma orientadora que tinha sempre muitas publicações. Tinha do Geraldo Bastos, que foi publicado por ela. Insistiram muito comigo para publicar na ocasião, porque eu fazia relatórios, projetos, essas coisas, mas nunca publiquei nada.

Eulina, mas o MEC tinha uma preocupação com uma formação, vamos dizer assim, acadêmica das pessoas. Existia, parece, que uma formação para orientar, uma inspeção orientadora?

Eulina: É. Tanto que para esse primeiro concurso eram três secções especializadas. Quando criaram a função de técnico da educação não houve logo um concurso para técnico em educação; aqueles inspetores do primeiro concurso foram todos aposentados como técnico em educação. Eles tinham uma formação tão boa, eram pessoas tão atuantes em educação, que eles foram aposentados como técnicos em educação. Bom, Dom Helder, Maria Isabel, era um grupo bom lá do MEC, e todos eles foram aproveitados no MEC como técnicos em educação.

Yolanda: E porque mudou a inspeção para o nome de Técnico em Educação, depois não teve mais concurso...

Eulina: Não. Depois houve o segundo concurso, que foi o que eu fiz. Mas, esse, foi orientado mais para a inspeção. Não foi um concurso tão detalhado como o primeiro, em secções, com monografias; nós não

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apresentamos monografias. Esse primeiro concurso foi orientado pelo MEC só, e o segundo, que foi o que eu fiz, já foi da competência do DASP; já tinha sido criado o DASP. O DASP é que podia fazer concursos, ninguém mais podia organizar e administrar concursos, era o DASP; estão, foi o DASP.

Yolanda: Agora, é impressionante porque o ministério parece que absorvia o que havia de melhor no meio acadêmico dos intelectuais para ocupar os cargos.

Havia, realmente, uma preocupação com a escola, Eulina?

Eulina: Eu acho que sim. Apesar de (...) porque essa inspeção era muito rigorosa, apesar de eu não concordar muito com esses rigores como era, do jeito que era, porque o inspetor trabalhava muito, ele tinha que está presente a todas as provas dos alunos, ele tinha que ir três vezes por semana a escola; a cada visita ele mandava um termo para o ministério. Toda visita que ele ia, tinha que mandar um termo para o Ministério da Educação; a freqüência dele era controlada por aquele termo, mas ele tinha que está presente a todas as provas, e ele assinava todos os documentos, todas as atas, todos os certificados dos alunos, era uma trabalheira, montanha assim de papel para a gente assinar. A fiscalização feita não era somente na secretaria; ele ia as salas de aula e pedia aos professores que interrogassem os alunos; então, ele tinha que conter um conhecimento das coisas, porque senão, não funcionava. Ia a todas as mesas de exames orais e tinha que está presente como autoridade do Ministério da Educação; era uma coisa muito rigorosa. E, o colégio para funcionar, naquele tempo de inspeção do MEC, de muito rigor, para a escola funcionar tinha que ser muito organizado. Me lembro que quando eu vim aqui para a sede do MEC eu trabalhei em uma seção que fazia exatamente isso: a fiscalização dos prédios e a autorização para funcionar. Isso é um relatório muito grande, isso obedecia a uma ficha classificatória que era até de autoria de Paulo Assis Ribeiro: verificar a luz, a ventilação, tudo. E tinha um

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item que era caixa d’água, e as instruções eram: sehouver o item se for necessário existir, ele tem nota zero; e se não for necessário tem que dar nota dez. Essa parte da classificação, para preencher essa ficha, ver o relatório de inspetor e pelo relatório ia preenchendo essa ficha e dando nota aos diversos itens; depois eu fazia a revisão para concordar ou discordar, etc. Aconteceu no interior do Maranhão, um colégio que não tinha caixa d’água, pois não tinha água encanada no Município, tinha um poço de onde tiravam a água, e a funcionária tinha dado nota zero, aí eu chamei conversei com ela e expliquei que não podia, porque se não tinha encanamento, para que eles queriam caixa d’água? Aí ela disse: se não tem, é preciso dar nota zero porque aí está escrito. Aí é um caso da gente pensar; pense bem: se não tem encanamento, não entra água na caixa, então eles não podem ter; então eles tem poço, eles tem que ter nota dez, eles não podem ter a água que não tem. Para você ver,com funcionava ao pé da letra, sem pensar.

Yolanda: O Ministério da Educação era muito mais, como eu posso dizer a você, tinha mais autoridade assim, não no sentido da autoridade legal, mas no sentido de autoridade que era respeitada pelo saber dos funcionários...

Eulina: Eu acho que ele, como instituição era mais, naturalmente, uma instituição que dependia das pessoas que trabalhavam lá, e eu não estou falando dele agora, porque está em Brasília. Era uma instituição mais respeitada. Era aquele tempo... o Anísio Teixeira ainda participava muito de tudo, era o diretor da CAPES. Mesmo nesse curso que nós fizemos, esse curso de inspetores, eram todos esses professores: Anísio Teixeira, Lourenço Filho. ... era todo aquele pessoal da fase áurea da Educação. A Educação Nova tinha uma presença muito

Yolanda: Eulina, para onde foram os arquivos dessa época, ficaram no Rio ou foram para Brasília?

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Eulina: Foram para Brasília, agora, onde eles estão, eu não sei. Porque eu me lembro que na mudança, eu fazia parte do grupo que realizava a mudança daqui para Brasília, pois eu era assessora da CADES. Muito antes da mudança, o diretor resolveu alugar umas salas lá na avenida Rio Branco, porque aqui no prédio do MEC não havia mais espaço e a gente queria promover cursos, fazer reuniões, fazer seminários, pois a CADES tinha um trabalho contínuo. Então ele alugou lá e fizemos um auditório, um auditório muito bom, funcionou muito bem, de vez em quando ele era usado para eventos. Até os estudantes solicitarem uma vez, a UNE solicitou, eu tenho isso aí em cartaz; eles fizeram um seminário lá, me convidaram para fazer uma palestra e fizeram um seminário lá, e o diretor cedeu a sala, ele cedia, assim, em alguns casos. E eu fui encarregada da instalação. Eu comprei muita coisa, eu aparelhei aquele auditório muito bem, mandei fazer umas estantes em volta para os professores, que podiam ir para lá estudar, lá tinha uma sala de leituras, também. Comprei muitos livros nacionais e internacionais, livros americanos, livros franceses muito bons. E toda aparelhagem de filmagem, gravador, projetores, tudo muito bem equipado. E com a mudança para Brasília, a gente teve todo cuidado de encaixotar isso ou aquilo. A gente gravava muitas coisas então tinha muitos gravadores. E quando eu cheguei a Brasília e perguntei onde estava o material, não vi nada no ministério lá, e me garantiram quando saíram daqui que quando eu chegasse lá estaria tudo instalado nas salas, e eu não vi nada disso no Ministério; aí então eu perguntei e me disseram que não podiam instalar aqui porque o mobiliário era todo diferente, era tudo uniformizado, aquele material que a senhora tinha lá, aqueles móveis, não podiam ser colocados lá, em Brasília. E onde estão? Em um depósito, disseram-me. Eu fui ver o depósito, era um lugar úmido e me estragou as coisas, quase todas, foi uma tristeza. Então eu não sei dos arquivos.

Yolanda: Eu gostaria de saber onde eu poderia encontrar as monografias de um concurso que dona Lúcia Magalhães fez, mas bem antes de você está lá, que era sobre uma maratona intelectual nacional

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com alunos concluintes do ensino médio. Darcy Ribeiro e Maria Yedda Linhares fizeram. Os dois fizeram para história. Maria Yedda tirou o primeiro lugar no Rio e ele o primeiro em Minas, mas no final ela ganhou o premio nacional. Eu queria muito ver esse material, mas não consegui encontrar.

Eulina: Você viu na antiga biblioteca do MEC? ela mudou de nome, mas...

Yolanda: Onde? Lá no Ministério da Educação?

Eulina: Sim, um prédio ali. Pelo menos lá você podia se informar. É o único lugar onde você poderia encontrar.

Yolanda: Maratona Intelectual que chamava...

Eulina: Há! Maratona Intelectual, eu sei, eu me lembro.

Yolanda: Porque a CADES deixou de existir Eulina?

Eulina: Foi depois que começaram a extinguir as campanhas. Só ficou a CAPES. Foi a única que sobrou, porque tinha a CADES, a CAPES, tinha a do ensino comercial, tinha a dos estudantes, tinha a do ensino industrial, aí foram extintas todas só ficou a CAPES. Que parece que o nome foi modificado, não foi?

Yolanda: Foi, para Coordenação...

Eulina; Modificado. Só ficou essa. Que é mais voltada para pesquisa, não é

Yolanda: Ela é, a CAPES, é a atual Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal do Ensino Superior. Ela autoriza os cursos e reconhece os cursos de pós-graduação, ela é hoje uma Fundação. O Collor a

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extinguiu, mas houve um movimento enorme da parte dos professores e universidades e ela passou a ser uma Fundação, ela pode receber recursos outros...

Eulina: Como a Fundação do ensino secundário que mantinha o colégio Niterói. Eles faziam isso, como os recursos das campanhas foram somente para obter verbas, e elas podiam receber ajuda também, porque as verbas do MEC ou eram reduzidas e custavam muito a serem liberadas e com a campanha eles podiam ter uma verba maior. Por isso que a gente se mexia e fazia muitas coisas, era uma verba diferente e uma verba que a gente podia movimentar assim, naturalmente, elas eram liberadas também pelo MEC, mas não custava ser liberada como a verba da diretoria que era reduzida e era para umas coisas bem específicas, como o trabalho da diretoria. Não era para fazer coisas assim que melhorasse a qualidade ...

Yolanda: AH! A fita acabou!!

Eulina: Acabou?

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JOSÉ CARMELO BRAZ DE CARVALHO

Foto: Ana Beatriz Lavagnino/estagiária do Projeto Fundadores; Comemoração dos 50 Anos da Pós-Graduação da PUC/Rio Biblioteca Central (04/12/2013)

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Nome do entrevistado: José Carmelo Bráz de Carvalho Local da entrevista: PUC-Rio

Data da entrevista: Maio de 2011 Entrevistadores: Tânia Dauster Transcrição: Diana Gonçalves

Nome do projeto: Projeto “Fundadores” – a construção da memória da Pós-Graduação em Educação da PUC-Rio

E: Estamos desenvolvendo um projeto sobre a construção da memória da Pós-Graduação em Educação na PUC-Rio,por ser a primeira pós-graduação em educação no Brasil, e o motivo desta entrevista é ter o seu depoimento pelo papel que você exerceu como fundador deste programa.Desejamos fazer a entrevista em uma linha de história de vida e uma questão que faz parte de nossa problemática é saber “como se chega a ser o que se é”. Daí, gostaríamos de ouvi-lo sobre a sua infância, a vida em família, quem eram seus pais,o que faziam, como foram os primeiros anos escolares...Gostaríamos de saber também como foi a invenção desta pós-graduação e quem são, a seu ver, os fundadores do programa.

R: Os atores.

E: Quem são, quais são... Conte-nos a sua história de vida.

R: Hoje de manhã eu estava relendo algumas anotações de quando a gente comemorou 30 anos da pós-graduação, e , em razão da minha idade e da presente fase da minha vida, como é que eu a definiria? Mission accomplished: “missão cumprida”. Cumprida de certa forma, porque a luta continua. [rindo] Mas nesse sentido de que a gente vai buscar nas raízes familiares, e aí eu vou colocar - a gente vai buscar nas raízes familiares todas essas circunstâncias. Uma família de classe média baixa, de Angra dos Reis. Antigamente ia-se por lancha à Angra dos Reis, partindo de Mangaratiba. A gente brincava dizendo que à

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noite era necessário acender o fósforo para saber se a luz estava acesa, tamanha era a precariedade local. Então, era uma família de classe média baixa.

O meu pai fez o ginásio em Niterói com os salesianos, e a minha mãe completou o ensino primário, mas eram pessoas que tinham uma percepção muito aguda da importância da educação. A gente sempre teve essa preocupação dos pais de não ficar muito tempo exposto na rua. De alguma forma era obrigatório estudar, fazer os deveres escolares, ter classe de reforço escolar, etc. E eu fui o 6o de 7 filhos. Isso para mim foi importantíssimo do ponto de vista escolar... Quando a gente lê o livro do Jailson de Souza e Silva vê que uma das estratégias familiares em relação ao acesso ao ensino superior é o favorecimento que, de certa forma , os filhos mais jovens têm, na medida em que os filhos mais velhos vão assumindo todos os encargos de melhorar o rendimento familiar e aí os mais caçulas, os mais jovens têm oportunidade de continuar estudando.Eu até fiz recentemente, nesse último livro sobre os protestos comunitários umadedicatória assim muito sensível e sensibilizada para o meu irmão mais velho, Aloísio. Porque o Aloísio ele era um intelectual. Eu me lembro que eu era criança e via o Aloísio com aquele Almanaque “O Pensamento” , [rindo] que naquela época era uma espécie de um periódico mais intelectualizado em relação à ciência. Então o Aloizio, sempre foi um intelectual, gosta de discutir, ler sobre política, ciências. E ele foi uma pessoa que completou o ginásio e foi trabalhar para ajudar no feijão. E eu sentia, e sinto uma dívida muito grande particularmente com o meu irmão mais velho porque ele foi um grande incentivador em termos de estudos.

E: O que fazia seu pai?

R: O meu pai trabalhava no setor de exportação de café em Angra dos Reis. Sua função era ser fiel de armazém.Ele era responsável por todo

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o armazenamento, estocagem, do café para depois ser exportado pelo porto de Angra dos Reis. Eu até outro dia comentava isso com a minha netinha, pois nós estávamos revendo Stanford já na véspera de Natal e Ano Novo, e aí a gente estava no fim de tarde na cidadezinha de Carmel. Toda a família reunida, um sol fantástico. Eu falei: “Gente, isso aqui me lembra a primeira vez que eu chorei por causa de uma música”. Meu pai ia trabalhar à noite e eu tive que levar a marmita dele. Sai de casa e fui caminhando, atravessando a cidade junto ao mar. Havia um sistema de auto falante que tocava música. Nessa hora tocava música alegre, mas às 6 horas da tarde tocava Ave Maria, que os pescadores chamavam a hora mística. E, depois da Ave Maria, começou a tocar uma música que eu nunca tinha ouvido, mas que era uma música que me caiu profundamente, me chocou muito. Era o Bolero de Ravel. Aquilo foi batendo firme em mim. [rindo] Aí eu comecei a sentir uma angústia, uma coisa assim esquisita e comecei a chorar sozinho.

E: Você nunca tinha ouvido a música?

R: Nunca tinha ouvido. E essa música me marca muito, porque em 64 eu estou estudando na Bélgica, um grupo de colegas vai ver o MAURICE BEJART em Bruxelas, aquele celebre, reconhecido bailarino argentino que era o mais reconhecido intérprete do BOLERO de Ravel. E eu comigo mesmo: “Meu Deus do Céu, estou eu de volta a minha infância em Angra dos Reis”. Mas então éramos uma família pobre. Não digo pobre, como seria para os padrões modernos, mas a gente tinha uma vida muito simples... A gente estava no final da II Guerra, faltava pão, faltava farinha; então a gente comia muita broa de milho. [rindo] Como chama aquelas formas de fazer broa de milho? Agora de manhã passei na padaria, me lembrei saudoso do gostinho da erva-doce.

E: Você nasceu quando mesmo? Qual é a data?

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R: Eu nasci em 36, estou complementando . agora em 2012, 76 anos. A gente teve algumas privações. Eu me lembro que às vezes... A gente morava à beira mar, então o prato era o peixe compartilhado por 7, 8 pessoas à mesa. Mas graças a Deus acho isto muito importante para mim, particularmente porque havia um espírito muito religioso na minha família. Meu pai era um leigo integrante da Ordem 3a de São Francisco, e eu acho que eu herdei do meu pai esse franciscanismo [rindo] em relação a certo desapego, um senso muito forte de lutar por justiça, equidade, etc. E a minha mãe era da Ordem 3a dos Carmelitas. Daí o meu nome: José Carmelo, em homenagem a nossa Senhora do Carmo. Então eu bebi muito desse ambiente familiar, estímulo para estudar. Mamãe repetia sempre: “Futebol não dá camisa, futebol não sei o que...” “O que dá camisa é estudar, e se preparar para trabalhar”. Só que num dado momento essa religiosidade da minha família me aproxima muito da Igreja do Carmo, dos carmelitas. E os Carmelitas começam a convocar crianças religiosas para a vida do seminário. E aí quando eu terminei a 5a série primária lá por volta de 41, 42.

E: Escola pública lá em Angra?

R: Escola Municipal Lopes Trovão, era um grande abolicionista. Então quando terminei a 5a série do primário foi, do ponto de vista educacional, a primeira grande aventura escolar, porque havia um exame de admissão e eu tinha todo apoio da família, o reforço da família para estudar, de vez enquanto a gente tinha aulas particulares, e eu fiz o exame de admissão e saí em primeiro lugar do exame de admissão e a minha mãe ficou muito feliz com isto...

E: Admissão era para o científico, não é?

R: Não, admissão era para o ginásio.

E: E qual era o ginásio?

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R: Era o Ginásio Estadual de Angra dos Reis. [reflexivo] Não era Lopes Trovão, era outro nome. Mas acontecia sempre assim: as famílias mais abastadas faziam o exame de admissão, as famílias mais simples continuavam o primário e faziam a 5a série. E eu passei em primeiro lugar no exame de admissão. E eu vim saber disto muito tempo depois, porque a mamãe ficou muito sensibilizada por isso. No grande dia que saíram as notas, os resultados, etc., as famílias mais abastadas de Angra que esperavam seus filhos ficarem em 1o lugar, ficaram contrafeitas E aí mamãe escutou um comentário que a deixou muito magoada: “Quem é esse moleque?!” [rindo] “Quem é esse moleque que tirou o primeiro lugar”. Ela nunca tinha me dito isto, mas 50 anos depois ela comentou a respeito: “É, eu me iludi tanto! Eu pensei que você a Lígia (minha irmã) por serem professores teriam a vida mais tranquila, e a vida de professor é muito dura...” E aí ela comentou esse episódio. E para ela foi uma coisa muito dolorosa porque éramos uma família simples, uma família digna, então eu não era moleque. “Que moleque é esse?” Isso para ela foi uma violência. E foi uma coisa interessante porque tempos atrás minha sobrinha, que também é professora, remexendo nos papéis deixados por minha mãe, encontrou o meu diploma de conclusão do ensino primário, e aí ela disse: “Tio, eu sempre pensei que você só tirava nota 100, e a sua média final no curso primário foi 88,8. Aí eu falei: “Olhe, Lígia Maria, 88.8 naquela época - em 1944 - era muito bom, porque a prova era uma prova estadual”. Angra dos Reis, do ponto de vista de importância e relevância, etc., era bastante precária, então a prova que eu fiz para conclusão do ensino primário foi a prova que foi aplicada em todo estado do Rio de Janeiro. Não era aquilo que meu professor pensava pessoalmente, mas aquilo que era o rendimento de todos os alunos que concluíram o ensino primário naquela época no Estado do Rio de Janeiro, portanto, 88 não era assim [rindo] tão depreciativo.

E: E você se destacava.

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R: Eu gostava de estudar, tinha toda essa ambiência. Naquela época, era época da rádio, não havia televisão, então a gente tinha horário para estudar em casa. Aquela hora de estudar era sagrada, você não ia brincar na rua antes de acabar os trabalhos escolares, e os deveres escolares eram uma coisa muito sagrada. A mamãe acompanhava, lia, estudava, ela dizia: “Eu não tenho instrução...” Ela completou só o ensino primário.

E: E o ensino de escola pública naquela época era de qualidade, você disse que era muito bom. Não é isso?

R: Era muito bom. E em Angra particularmente, a gente teve uma felicidade muito grande porque Angra era praticamente, aspas, uma cidade mineira, porque todo o escoamento do café que vinha de Minas e todo o escoamento de minério se davam por Angra dos Reis. Então, por exemplo, boa parte do meu ensino primário eu estudei com professoras formadas em Minas Gerais. Eram 3 irmãs e excelentes professoras. E tem uma professora que eu nunca vou esquecer ao longo da vida, porque ela era uma senhora – matrona, né, porque ela era uma senhora alta, forte e o marido dela era pequeninho do meu tamanho - e eu achava aquilo tão interessante [rindo]. Então a gente tinha muito disso. Essa professora - agora me fugiu o nome dela, eu só me lembro da diretora, professora Libânia, mas essa professora nos convidava para ir a casa dela, então fazia trabalhos, discutia. Então, graças a Deus, eu tive todo um incentivo familiar e uma boa ambiência. Eu brinco muito aqui com os educadores dos Pré-Técnicos comunitários quando eu falo: “Vamos fazer sabatina na PUC”. [rindo] Inclusive a colega do projeto, a professora Suely diz: Ah, essa palavra “sabatina”....Mas eu sempre respondo: “Pois é, mas para mim foi uma palavra que sempre foi muito significativa, porque todo sábado era sabatina”. Todo sábado ia para a escola e era submetido ao exame dos conteúdos aplicados, era sabatinado mesmo. E era interessante porque eu me lembro bem, havia professoras na minha turma que elas faziam certa competitividade entre

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os alunos, arguição. Você tinha que arguir os colegas, e ser capcioso às vezes para poder a sua turma tirar mais pontos do que a outra turma. Então havia uma ambiência muito favorável.

E: Você chegou a ser seminarista?

R: Fui.

Aí foi o momento que eu fui para o seminário, porque eu passei para o ginásio, e quando eu estava preparando para começar o ginásio eu fui convidado para ir para o seminário dos Carmelitas lá em Itú no interior de São Paulo, e lá eu fui. Devo ter entrado no seminário com 12 anos por aí, e fiquei lá quase até os 20 anos.

E: Você queria ser padre?

R: Eu queria ser padre, eu pensava ser padre. [rindo]

E: Por que?

R: Esse é um dos grandes desafios dos seminários na Igreja Católica. A gente entra muito criança no seminário, acho que hoje em dia eles estão mudando um pouco essa filosofia. Então, na verdade, eu gostava de estudar, tinha uma ambiência fantástica de convivência, etc. E vai ser justamente o ensino superior que me tira do seminário.

E: Como que aconteceu isso?

R: Pois é, os carmelitas... Tem a questão do seminário menor em Itú, onde entrei adolescente e completei o ensino médio humanista,... Quando eu fui para o seminário maior em São Paulo, lá os Carmelitas

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tinham um bom colégio no bairro da Liberdade. (eu preciso visitar este colégio, Colégio Santo Alberto).Eles estavam precisando renovar os quadros dirigentes e escolheram três colegas da minha turma do seminário maior - o Alberto, de Jundiaí; o Martinho, de Mogi das Cruzes – que eu encontrei recentemente em Angra - e a mim. Então nós fomos estudar em Perdizes, na PUC de São Paulo, em 1959. A gente fez o vestibular no final de 58 e em 1959 eu comecei a estudar. Os colegas...

E: Você queria?

R: Na verdade eu queria sociologia, mas a PUC de São Paulo não tinha sociologia, então o mais próximo era pedagogia. E como era de interesse dos Carmelitas a formação de diretores escolares, eu fui fazer pedagogia.

E: E o sustento de vocês era feito pelo seminário?

R: Durante o seminário menor meu pai pagava parcialmente, ele não arcava com todos os custos, mas eu tinha uma bolsa parcial. Depois no Seminário Maior não, foi por conta totalmente da Ordem dos Carmelitas, inclusive a matrícula na PUC de São Paulo. Mas aí aconteceu que os meus colegas desistiram, porque era muito pesado cursar Teologia no Seminário e Pedagogia na PUC SP..

E: O estudo era generalizado?

R: Não, é que a gente fazia simultaneamente o curso de Teologia no seminário pela manhã e à tarde fazia o de Pedagogia. Então pegava um ônibus, ia da Liberdade para Perdizes e voltava à noite.

E: Os outros desistiram?

R: Desistiram. Eu fui o único que continuei. [rindo]

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E: E você tinha uma bolsa?

R: Não sei dizer.

E: Filosofia no seminário também era curso superior?

R: Não formalmente, porque não era reconhecido pelo MEC. Posteriormente a legislação permitiu que quem tivesse cursado filosofia em seminário religioso poderia fazer uma complementação numa faculdade. Por exemplo, aqui na PUC-Rio, eu me lembro no tempo que eu fui diretor da graduação a gente tinha enxurrada de ex padres e

ex seminaristas, que vinham fazer a complementação para fazer bacharelado ou

licenciatura em filosofia. Mas, então, o fato de eu estudar filosofia de manhã no

seminário na Liberdade em São Paulo e a tarde ir para Perdizes era um processo muito

cansativo, muito cansativo.

E: Tinha muitos homens no curso?

R: Eram poucos, eu me lembro que eram poucos. Tinham vários, mas eram poucos.

E: Mas não eram tão poucos como temos hoje em dia não, não é?

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R: Não, havia mais colegas. E aí de certa forma o curso de pedagogia, a experiência do ensino superior em 59 foi uma das razões pelas quais eu saí do seminário.

E: Por quê?

R: Porque eu vi muito mais autencidade de vida em alguns colegas da faculdade... Era um momento de uma efervescência política fantástica, em 1959. O Carvalho Pinto era governador de São Paulo, então, por exemplo, uma figura que a gente viu agora na propaganda eleitoral, o Plínio de Arruda Sampaio, ele era secretário estadual de agricultura. E o Carvalho Pinto era uma pessoa extremamente dinâmica na proposta da reforma agrária. Em toda aquela efervescência em relação às reformas de base no Brasil, a JUC, a Juventude Universitária Católica, tinha uma atuação realmente impressionante. E eu conheci e comecei a conviver com colegas da JUC que diante da minha vida, vamos chamar assim, entre aspas – “ uma vida burguesa de seminarista” - porque eu tinha uma vida com muita tranquilidade. Eu fazia um trabalho social às 5a feiras no Km 19 da estrada São Paulo/Cotia. Um lugar onde o seminário maior tinha lá um sitiozinho e a gente passava lá a tarde de 5a feira. Nos domingos a gente ia rezar, tinha missa, todas aquelas exigências religiosas da igreja. Então a nossa folga era na 5a feira à tarde e aí a gente ia lá para aquele sitiozinho do Km 19. E eu comecei a fazer um trabalho na escola pública que atendia aquela localidade. E o nome da localidade era Águas Podres. Daí você pode imaginar bem aquelas tabocas, água parada, aquelas coisas... E aí eu descobri uma coisa, que eu tinha uma vida relativamente confortável, o meu próprio quarto! [risos] Tinha a tranquilidade toda e ali estava a miséria tremenda. Então eu comecei a visitar as famílias, dava aula de catecismo e religião na escola pública, depois ia visitar as famílias. Aí eu comecei a fazer um trabalho de aproximação com aquelas famílias. No Natal de 1959 se dá uma coisa muito marcante na minha vida. No Natal eu fui visitar as famílias lá em Águas Podres. Chegando lá as pessoas me

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dizem: “A fulana de tal teve neném e está numa situação muito difícil”. Aí eu fui à casa dessa senhora. Quando cheguei, bati à porta, ninguém respondeu, eu abri a porta, e levei um susto. Porque todo o sangue do parto... Era uma sujeira enorme, muita mosca... Eu falei: “Deus do céu!” Dia de Natal! Nasceu Jesus. Noite Feliz!” E aquela tragédia ali .. Eu falei: “Gente, pelo amor de Deus!” Voltei correndo lá para a casa dos seminaristas e fui falar com o padre superior. Disse: “Por favor, a gente precisa ajudar de alguma forma, se pudesse me dar algum dinheiro para comprar remédio na farmácia, alguma coisa”. Ele diz: “Carmelo, você precisa saber que a miséria existe, e que você às vezes não pode fazer nada, então paciência”. Eu disse: “Mas como não pode fazer nada?!” Isso pra mim foi uma coisa muito dolorosa. Sabe? Porque no dia de Natal você está lá cantando, feliz e de repente você não pode fazer nada. Entendeu? Aquilo foi uma coisa que me deixou perplexo: “Gente, pelo amor de Deus, dia de Natal!” Aí eu nem almocei, eu voltei lá para aquele casario em torno daquela água podre, das tabocas, e falei: “Gente, eu não consegui nada lá com o padres, o que podemos fazer?” Aí você imagina um seminarista ajudando a limpar o sangue... Enfim, o que a gente pode estar fazendo para alimentar essa senhora, o leite para criança...Aquele foi um fato que realmente marcou a minha vida, porque eu já vinha ao longo de 1959 percebendo uma grande autencidade de vida entre os leigos da JUC... Claro que não são todos os leigos, mas aquele grupo da JUC com o qual lidava eu muito especial. E aí eu disse: “A gente pode servir a Deus e servir ao próximo sem precisar estar no seminário”. E eu vejo muito maior autencidade – É isso que às vezes me dói na igreja católica, há muito farisaísmo, há muita querelazinha ridícula por prestígio, por status e por poder, e o povo não está nem ligando para isso. [rindo] Então isso foi um fato muito marcante porque reforçou aquela questão: “Eu posso perfeitamente estar realizando a minha missão nesse mundo de servir, de ser útil, de ser um bom profissional sem ser necessariamente sacerdote”. E aí eu comecei a degringolar em termos da vocação de seminarista...

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E: Em que ano você saiu?

R: Eu comecei a estudar em 59 e eu saí em 60. E foi um choque porque na Universidade, na PUC de São Paulo eu comecei a viver com toda aquela ebulição do ambiente estudantil então eu levava para o seminário vários professores para fazerem palestras sobre reforma agrária e coisas semelhantes. E de repente quando eu falei: “Vou sair do seminário”. Aquilo foi um choque, porque as pessoas diziam: “Mas como você vai sair do seminário?” “Como?! Por quê?! Então pra mim não foi fácil. Teria sido mais fácil de certa forma eu continuar, porque tinha até uma vida tranqüila estabilizada.

E: Foi só um ano de seminário?

R: No Seminário Maior foram 3 anos. Eu completei três anos.

E: Se arrependeu em algum momento?

R: De ter saído? Não, porque eu procurei viver a minha vida de uma forma assim muito coerente com minha crença religiosa. Há uns três anos atrás nós estávamos discutindo a reforma da graduação e eu me lembro de uma intervenção da Vera num dado momento, porque nós estávamos discutindo: “Afinal de conta os educadores, nós somos profissionais, é necessário profissionalismo, exercício profissional , e coisas assim...” E num dado momento a Vera fez o seguinte comentário: “É claro que é imprescindível o profissionalismo, mas eu acho que o magistério perdeu um pouco da vocação”. Hoje de manhã eu estava pensando nisso: 75 anos de idade, 46 anos de trabalho na PUC.

E: Como é que você veio para a PUC do Rio?

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R: Foi justamente quando eu saí do seminário maior ... Eu era de Angra dos Reis, quando eu saí do seminário em São Paulo eu teria que voltar para Angra dos Reis. Mas meus pais fizeram uma opção: eles estavam precisando descansar um pouco, porque a nossa casa em Angra dos Reis tinha virado uma espécie de pousada. [rindo] Todos os parentes do Rio iam de férias em nossa casa em Angra dos Reis e aí o meu irmão mais velho já estava aqui, o caçula já estava vindo, eu estava saindo do seminário. Então eu falei: “Eu vou alugar um quarto, alguma coisa, vou morar em pensão e estudar”. É isso

que eu planejei, e para trabalhar em banco. [rindo] Então eu consegui um emprego no Banco do Comércio. Eu trabalhava de tarde, a partir de meio dia, inclusive aos sábados, estudava de manhã. E fazia loucura, porque naquele tempo a gente estava envolvido na PUC. Eu de imediato me envolvi também com o diretório acadêmico Jackson de Fiqueiredo...

E: Mas aí você já estava aqui.

R: Já estava aqui.

E: Eu quero saber como é que você escolheu a PUC.

R: Não foi uma questão de escolher... Como é que se dia?. Eu saio do seminário em São Paulo em Janeiro de 61 e todos os prazos para concurso de ingresso na universidade já estavam fechados. Então eu teria muito mais facilidade de ser admitido sendo transferido da PUC de São Paulo para PUC do Rio. Eu me lembro que eu cheguei no Rio eu vim direto para a PUC. Eu lembro que eu peguei o bonde e vinha pela rua Jardim Botânico, e quando eu passei ali no clube militar vi lá as pessoas mergulhando no trampolim, e quando eu cheguei aqui na PUC a pessoa que me atendeu, o senhor Álvaro, falou: “Olha, o prazo está encerrado.”

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E: Qual foi o ano?

R: Em 61. Há 50 anos. Ele falou: “O prazo está encerrado”. Eu falei: “Mas como o prazo esta encerrado?! Pelo amor de Deus! [rindo] Eu estou saindo do seminário, está aqui toda a minha documentação, o meu histórico da faculdade.” Aí eu acho que ele também por pena, ou solidariedade, ele disse: “Está bom, então eu vou fazer a sua inscrição, mas é fora do prazo, tem que pagar multa”. “Está bom, vou pagar a multa”. E aí eu comecei a fazer o 2o ano de pedagogia aqui na PUC e conheci pessoas que aqui já estavam, a Zaia Brandão, Rosina, Vera e outros..

E: E você pagava?

R: Eu pagava.

E: Ah, pagava?!

R: Eu trabalhava para pagar. Eu me lembro...

E: Trabalhava no banco para pagar o curso de manhã.

R: Como a gente tinha condições familiares limitadas, eu trabalhava para pagar os estudos na PUC. Então eu sempre vivia assim.

E: Quem era a sua turma? O curso de pedagogia foi fundado quando?

R: Ele foi fundado no primeiro ano da PUC em 1940 e poucos.

E: Então em 45.

R: Foi um dos primeiros cursos: Direito, Filosofia, Pedagogia... Em algum lugar eu tenho isso documentado. Mas ele foi o primeiro curso da PUC lá na São Clemente. E até no documento que eu escrevi sobre

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as origens do Departamento de Educação, A Pedagogia da PUC é criada em 40, teve professores do nipe de Dom Helder Câmara. e o Padre Leonel Franca, fundador da PUC.... Enfim, pessoas que foram bastante representativas. E naquele momento o presidente do Conselho Federal de Educação que era o José Barreto Filho foi meu professor. Então eu chego aqui em 1961, começo a me envolver na JUC. Embora trabalhando, a gente fazia loucura, muita efervescência política. Eu vinha para a PUC de manhã, saía do Catete, pegava um bonde e vinha estudar aqui. Era tranqüilo. E tinha aula até o meio dia, mas nesse primeiro tempo era uma efervescência tremenda. E aí eu comecei a participar. Aproximei-me do grupo da JUC, era um grupo tremendamente ativo em relação aos debates das questões sociais.

E: Diz alguns nomes.

R: As pessoas com quem a gente almoçou agora em dezembro, O Carlos Rodrigues Brandão, a Thereza Penna Firme, a Ângela Biaggio. Sem falar do pessoal da pedagogia, a Zaia, a Vera , a Rosina.

E: Pois é, os teus colegas... A Zaia também estava lá.

R: É da minha turma.

E: É da sua turma, ela fez pedagogia com você, é isso?

R: É.

E: A Zaia entrou com você?

R: Não, a Zaia já estudava há 2 anos antes. Quando eu cheguei em 61 a Zaia tinha terminado de ser presidente do diretório acadêmico e assumiu o diretório a filha de um senador lá do nordeste, Thereza Rodrigues. E foi neste preciso momento que houve a ruptura entre a JUC de Ação Católica; e a JUC da AP, Ação Política. E o fato de eu

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ser mais adulto, vamos chamar assim, mais maduro, e com uma formação mais teológica obtida no seminário etc., eu não aceitei a frente única da JUC / AP e toda a frente da esquerda. Então toda aquela questão do grupo do Betinho, que era de Belo Horizonte e que propôs a criação da AP e a frente única.. Eu tinha embates homéricos com uma pessoa tão querida como é o Carlos Brandão. Brandão é um místico, não é? Por exemplo, eu me lembro de a gente estar atravessando essa ponte lá em bqaixo: “Escuta. Escuta o vento. Deus está falando pelo vento. Escuta o vento”. [rindo] Mas aí a gente se dividiu porque eu falei: “Não, eu não vou entrar na AP, eu vou continuar na JUC”. E o Carlos Brandão, quando o pessoal da JUC se reunia lá nos diretórios, lá vinha o Carlos Brandão cantando com outros colegas... [risos] ”Bandera rossa, color divino , viva Stalino” [rindo] .E aí o Carlos Brandão foi à Cuba para a colheita da cana. Voltou de lá empolgadérrimo. Até outro dia brinquei com ele, falei: “Brandão, você se lembra daquela canção que você cantava de Cuba?” [“mamá no quiere que yo va la iglesia, porque el cura me transforme em falanjista , falanjista, falanjista e despois terrorista. Mamá si quiere que yo va a Sierra porque Fidel me transforma en socialista, socialista, y despues comunista.”] Então o Carlos Brandão ele veio de Cuba empolgadérrimo. E eu dizia: “Carlos, eu vou continuar na JUC, não vou aderir à AP”. E foi interessante porque nesse momento, isso já tem haver com a questão da pós-graduação, nesse momento aqui na PUC a efervescência política era tremenda, pois nós tínhamos na PUC um evento anual. Chamado “a semana social”.

E: Mas quais foram as grandes influências nesse momento de professores, colegas,

autores também, o Brandão e outros...

R: Ontem de noite eu estava pensando nisso, realmente foi uma plêiade jesuítica. Eu não sei se plêiade são exatamente 6 ou 7 líderes, mas dá

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para nós contarmos uns 6 ou 7 padres jesuítas de escol, aqui na PUC, nesse começo dos anos 60. E na parte das Ciências Sociais sem dúvida nenhuma o Padre Fernando Bastos Ávila que faleceu no ano passado. Então o Ávila tinha terminado o doutorado dele em sociologia em Louvain, veio para a PUC, lançou um livro interessante que a gente usava muito,um livro de sociologia, e escreveu um livro chamado Solidarismo, que era uma proposta muito própria daquela época, quer dizer, nem capitalismo, nem comunismo, mas sim solidarismo. E esse livro de certa forma, para aquela nossa juventude de 61 ele foi uma espécie de vade mecum. Porque a gente não tinha jeito, entende? Ou era conservador...e aqui na PUC o CAEL - Centro Acadêmico Eduardo Lustosa, de Direito - era extremamente conservador. Os grandes latifundiários do nordeste estudavam aqui na PUC. E um deles que era terrível, continua sendo terrível, era o Agripino Maia. Então você tinha um núcleo extremamente conservador aqui na PUC na Faculdade de Direito, com algumas figuras emblemáticas... [rindo] E tinha o grupo da AP, e havia ainda um grupo de estudantes universitários - que a gente chamava naquela época de estudante profissional - que eram ligados ao PC. Então, por exemplo, para um militante de ação católica e militante de diretório acadêmico era uma situação muito complicada, porque eu trabalhava. Eu tinha que estudar, tirar boas notas, ao mesmo tempo eu tinha que trabalhar à tarde, e a noite e no fim de semana eu tinha que fazer todaa essa política universitária. Era reunião em cima de reunião, reunião em cima de reunião, ali na Praia do Flamengo, na UNE. [Isto é história do Brasil]. E aí foi uma coisa interessante porque o que acontece? Eu falei: “Gente, eu não vou aderir à AP, eu vou ficar na JUC”

E: A Zaia estava na AP?

R: Hein?

E: A Zaia fazia parte do Grupo da AP?

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R: A Zaia nunca entrou na AP.

E: Não?

R: Não. Eu acho que a Zaia nem viveu esse racha entre a JUC e a AP. A gente se reunia às vezes na casa da Zaia, mas era mais o mesmo grupo do diretório acadêmico e o grupo dos militantes católicos. Então era difícil porque era uma pressão muito forte, sem dúvida nenhuma. O grande diferencial foi aceitar ou não aceitar a frente única da esquerda no Brasil... Eu digo:“Não, eu não aceito a frente única, eu acho que a gente tem que ter uma suficiente autencidade ideológica e política de lutar por reformas sem ter necessariamente uma só bandeira da frente única da esquerda no Brasil”. Então eu me opunha à questão da frente única, porque eu quando estudei em São Paulo em 59 eu encontrei um grupo, é isso que eu falei ainda há pouco, o Plínio de Arruda Sampaio, o Franco Montoro, o Paulo de Tarso, que eram políticos e agentes políticos em torno de um movimento que estava se criando com base na democracia cristã. Então eu acabei entrando na Democracia Cristã, a tal da 3a força. [rindo] que já é tão velha [rindo]. E era muito claro sobre isso, nem liberalismo, nem socialismo, mas sim solidarismo. E do ponto de vista filosófico era um embate fantástico. Afinal de contas você é um indivíduo ou você é coletivo, você é uma pessoa ou você é um coletivo? E eu sempre tive muito convicção sobre o Personalismo, para a pessoa, pelo sujeito. E eram debates fantásticos. Eu me lembro nesse negócio da JUC uma pessoa que depois veio para a PUC, a Creusa Capalbo, desde aqueles embates da JUC carioca lá no Alto da Tijuca, na Capelinha da Luz, que a gente se reunia lá aos sábados, ficava sábado e domingo debatendo a reforma do mundo, a reforma do Brasil. E eu me lembro que a Creusa era uma pessoa muito sensata. Ela estudava na UFRJ, e o grupo da JUC da UFRJ era fantástico, com representantes da engenharia, da filosofia; tinha o Osmar, tinha a Lurdinha, então na verdade a gente constituía, apesar de não estar

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dentro da mesma universidade, uma grande família através da JUC. E a Creusa era uma espécie de guru nessa efervescência política toda, porque ela tinha uma excelente formação do Instituto de Educação e ela era estudiosa do Personalismo de Mounier. Então nessa linha de ideologia a Creusa era como um ponto de referência. Isso vai ser importante porque em 63, quando eu fui para a Bélgica....

E: Pois é, isso é que eu queria saber, como apareceu o Padre Benko na sua vida?

R: Pois é. Então o que acontece. Nós estamos em 62, eu estava envolvidíssimo com a

JUC, com o Centro Acadêmico Jackson Figueiredo, eu estava envolvido nas reuniões, nos debates, etc. quando houve o racha. Eu falei: “Gente, eu não vou apoiar os candidatos da AP. Eu também não vou apoiar os candidatos de Direito”. E aí surgiu na PUC um movimento que era chamado MSU: Movimento Solidarista Universitário. Foi nesse momento que o Padre Ávila foi mais ou menos o nosso mentor ideológico... Não é que ele tenha sido o motivador, mas o livro dele foi um motivador, de que era possível ter uma terceira via. Então em 62 houve uma aglutinação de todas as pessoas que atuavam na JUC, mas que não aderiram à AP, para se lançarem diretamente como candidatos aos diretórios acadêmicos .

E: E o Benko?

R: Pois é, aí que começa. Então em junho eu me lanço candidato à presidência do Centro Acadêmico Jackson de Figueiredo. E era uma campanha realmente extensiva e importante que você ia de sala em sala debater, qual era a sua bandeira, quais eram os seus princípios... E, enfim, eu acabei tendo uma expressiva votação. Só que havia uma efervescência incrível. Então lá pelo mês de setembro o diretor da faculdade de filosofia - isso era setembro de 62 - me chama, era o

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padre Benko. A gente tinha tido uma reunião muito difícil na semana anterior, e aí ele me chama, dizendo que precisava conversar comigo. Eu falei: “Lá vem bronca. Ele não gostou das minhas intervenções na última reunião do conselho departamental”. Mas quando eu chego, isso setembro de 1962, ele fala: “Carmelo, nós estamos precisando preparar quadros para futuramente assumir na PUC funções de ensino e pesquisa, e nós pensamos em você”. Veja só: o Ávila, doutoramento em Louvain, Benko, doutoramento em Louvain... Então ele disse: “Eu posso lhe oferecer uma bolsa simples de uma instituição católica de Louvain, voltada para o Terceiro Mundo, naquela época a expressão era essa, então se você aceitar...” Eu falei: “Padre Benko, quando que eu pensei em estudar em Louvain?” E estudar na Europa? Quer dizer, eu vim lá de Angra dos Reis, era bancário, trabalhando duro, militando, quando que eu pensei em ser bolsista no exterior? É claro que eu aceito.” Ele respondeu: “Então começa a estudar francês”. [rindo] Aí lá fui eu para rua Duvivier, para a Alliance Française, começar a estudar francês. E foi aí que eu percebi que não só o Benko na faculdade de filosofia, o Ávila na sociologia, sem falar em todo o pessoal da antiga escola da engenharia da PUC, EPUC, eles estavam já em estado muitíssimo avançado. Então, por exemplo, eu percebi que daquele núcleo da faculdade de filosofia que era muito próximo a mim, 4 ou 5 foram para os Estados Unidos. Ângela Biaggio, levou de contrapeso o marido dela, o Luis; Maria Alice Amorim, Thereza Penna Firme que era amicíssima minha naquele momento, e mais outras pessoas já tinham ido. Então eu notei - quer dizer, agora olhando retrospectivamente - eu vejo que não é uma coisa fortuita. De repente nós estávamos partindo, 4 pessoas para psicologia, e na educação fui eu em final de setembro 63. Lá em Louvain eu encontro a Vera Candau; já freqüentando a Instituição Teresiana na Bélgica e a Creusa Capaldo. Tinha uma outra colega da Univerfsidade Santa Úrsula,que naquela época era ligada à PUC. Então nós tínhamos a Maria Helena de Queirós, Vera ...... ,a Creusa que era muito próxima a nós e outros colegas, como três outros ligados à UNICAMP.

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E: Mas todos escolhidos pelo padre Benko.

R: Não, não creio.Eu creio que em relação à Vera, a trajetória dela se dá pela aproximação com a Instituição Teresiana Eu suponho, porque lá em Louvain ela morava na InstituiçãoTeresiana

E:Saberemos sobre isso.

R: Então é uma coisa assim: por que José Carmelo, não é?

E: Quem era José Carmelo?

R: Era uma pessoa extremamente ativa no movimento estudantil, era um bom estudante, me saía muito bem. Eu acho que o fato de eu ter estudado filosofia no seminário me deu uma certa [rindo] vantagem relativa, em termos de estar discutindo os temas na sala de aula, etc. com todos professores, sobretudo o sogro da Isabel Alice, o professor Raul Lellis, pois eu debatia muito com ele em sala de aula,e também nos cursos de administração escolar, educação comparada... Eu me lembro uma vez ele ter me dito assim: “Carmelo, você é um ingênuo”. [rindo] Porque nós estávamos estudando a educação americana, e ele estava mostrando a importância da comunidade na educação americana. Por que quando os colonos imigrantes chegavam à América a primeira coisa que construíam era o “community center”; e só após o “community center” vinham a igreja e a escola. E aí ele começou a fazer uma crítica ao governo português que boicotava sistematicamente a constituição de um sistema escolar do Brasil,... Depois a expulsão dos jesuítas, dos franciscanos, etc. Sempre a educação brasileira viveu este dilema:. a comarca vai cuidar da educação fundamental básica. E eu sempre fui meio contrário a teorias conspiratórias. [rindo] Então eu comecei a dizer: “Eu não concordo com essa idéia que os portugueses tenham perversamente impedido que o Brasil se educasse. Eu acho que faltou organização, faltou organização nossa, também temos uma parte de culpa nisso. Então

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estar acusando os portugueses é muito fácil”. Aí eu me lembro que ele falou: “Você é muito ingênuo. Os portugueses foram perversos, agiram perversamente”. E depois eu me dei conta de que realmente... outros países ibero-americanos já tinham seus sistemas escolares implantados, já tinham as suas universidades funcionando...

E: Mas, Carmelo, quando você foi para Louvain, você já foi com o compromisso de voltar como professor?

R: Da PUC, sim. Tanto que, em princípio, eu fui para estudar com uma bolsa por um ano.

E: Você já tinha acabado a graduação?

R: Eu acabei à fórceps. Porque o ano escolar em Louvain começava em setembro, então o diretor da faculdade, o Pe. Benko, com o coordenador do departamento, o professor Emerson, eles concordaram que eu pudesse fazer os exames adiantados, não é? Só que isso me custou um investimento tremendo de fazer todas as provas. E eu inclusive levei trabalhos para finalizar lá na Bélgica. Então os trabalhos...

E: E depois você foi fazer o mestrado lá?

R: Eu fui fazer uma pós-graduação “lato sensu”. Porque ainda não havia mestrado. Então eu fui fazer cursos livres nas áreas de ciências sociais e de educação. Mas aí foi interessante porque isso foi em setembro, passou o inverno, começou a primavera, e o Padre Reitor da PUC de então, o padre Laércio de Moura, vai a Europa, e vai a Louvain, falar comigo. É aí que eu percebo que era uma política institucional, porque não foi uma iniciativa sozinha do padre Benko, pois o padre Laércio, como o Reitor da PUC ,me diz:

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“ Olhe, eu estou trazendo para você a proposta de você ficar em Louvain e fazer aqui o doutorado”. E eu falei: “Mas eu tenho compromissos sentimentais”. [rindo] E ele falou comigo: “Não tem problema, conseguiremos uma bolsa para a sua namorada”.

E: Você estava namorando lá?

R: Não, eu já namorava a Merie, a minha esposa. Eu escrevo a ela e digo: “Merise, a PUC consegue uma bolsa para você, assim você vem estudar aqui em Louvain , namoramos, depois casamos , fazemos o doutorado”. [rindo] Doce ilusão.....

E: Um investimento institucional.

R: Sem dúvida. E aí a Merise falou: “Não”. Ela nem conversou com os pais. Não teve coragem de conversar com os pais.Naquela época uma jovem de 20 anos sair do Rio, de família tijucana, sair em busca de aventura de estudar e fazer pós-graduação no exterior... Seria fazer a pós-graduação e casar. Eu falei: “Bom, já que Maomé não vem a montanha, então a montanha vai a Maomé”. Avisei ao padre Benko: “Eu não vou continuar como o doutorado, estou voltando”. E voltei em fevereiro de 1965. Acho que fica claro essa questão.

E: Voltou por amor.

R: É. Voltei por amor.

E: Vocês não se viram enquanto você estava lá? Foram dois anos na Bélgica.

R: Foram dois anos de cartas e correspondências... Então o que acontece, eu falei para a PUC: “Não vou ficar para o doutorado, eu vou retornar”. Vera ficou, a Creusa Capalbo ficou, vários ficaram. A minha bolsa era extremamente limitada, no final do mês eu contava os

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centavos, morava na república estudantil, mas a questão não era tanto a questão financeira, a questão é que eu estava...

E: Apaixonado.

R: Comprometido emocionalmente. Eu disse: “Não vou ficar aqui sozinho. Eu vou voltar”. E aí quando eu volto fica mais clara essa questão do projeto do Padre Benko. Eu volto em fevereiro, eu digo: “Vou pedi um emprego na PUC”. Estudei na Bélgica

sociologia e economia da educação. Então lá se foram 46 anos. E eu volto. “Padre Benko, estou desempregado”. [rindo] Ele falou: “Vem trabalhar aqui porque eu quero você aqui na PUC com dedicação exclusiva”. Por dois motivos, a PUC estava começando a reforma universitária. De certa forma a PUC foi o laboratório da reforma universitária... As pessoas criticam muito a PUC por ter sido o laboratório da reforma universitária, que se deu em 1968 a toque de caixa pelo interventor General Leira Mattos. Mas, o que houve de fato, foi um convênio do governo norte americano da USAID e o Conselho de Reitores da Universidade Brasileira, CRUB, cuja sede era em um casarão lindo, de pedra, na esquina da Borges de Medeiros com a Saturnino de Brito. E ali funcionava o CRUB. E uma coisa que eu procuro às vezes argumentar de que na reforma do ensino superior, particularmente a figura tão vilipendiada do Rudolph Atcon, ela precisa ser melhor estudada. Eu orientei a dissertação de mestrado de um professor do Santo Inácio, George Frederic Mirraux Pinto, cuja dissertação de mestrado foi sobre o trabalho desenvolvido por Atcon, como assessor do Conselho de Reitores. É interessante a circunstância em que é criado o Conselho de Reitores? Você tinha o MEC, com o todo o seu modelo excessivamente burocrático; e tinha o regime militar, com todo o seu grande pode político-burocrático autoritário. Nesse contexto, o Atcon vê no Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras - o CRUB - uma instância intermediária de mediação entre o forte poder central do MEC e dos militares; e as universidades

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pulverizadas entre si. Essa é a hipótese que o Frederic brilhantemente defendeu de que o CRUB foi criado institucionalmente como uma instância de intermediações políticas e técnicas junto ao MEC e junto ao governo militar. Nesse contexto, a PUC foi beneficiada pelo convênio MEC-USAID com recursos, para ser um dos projetos-pilotos que iniciasse no Brasil um novo modelo de reforma universitária.E a reforma da PUC começa em 1965 com a proposta da departamentalização, por exemplo, aqui na PUC na engenharia havia o padre Amaral, que fez o melhor estudo que eu conheço sobre a reforma universitária baseada sobre a departamentalização.. É um estudo espetacular. Nunca foi publicado. Eu devo ter uma cópia, mas tenho que ver onde está essa apostila; provavelmente exista no Conselho Nacional de Educação. Mas é um estudo fantástico sobre a natureza do departamento acadêmico, a unidade departamental como o coração do ensino e pesquisa na universidade.

E: Mas, por outro lado, a esquerda tinha a departamentalização como uma estratégia da direita de cortar a unidade, de partir a unidade...

R: Bom, esse argumento, principalmente do Luis Antônio Cunha, em relação ao desmembramento, a desnucleação .dos alunos, no caso da PUC ela não existia, porque essa foi uma oportunidade única da PUC-Rio enraizada no campus da Gávea, nuclearmente articulada pelos departamentos em um único espaço físico, com estreitas conexões interdepartamentais. É uma questão que até o ex-reitor da PUC, Padre Hortal, sempre defendeu muito: “A PUC não vai ter mais do que um único campus; Duque de Caxias não é um outro campus, é apenas um núcleo”. Então essa questão da integração de um único campus, com a estreita convivência e proximidade dos diversos Departamentos... Quer dizer, a gente teve a questão da departamentalização. Eu vou pegar como exemplo um caso que foi muito complicado, que foi a questão do ensino das Estatísticas...

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R: Tinha que ter estatística na Educação, a psicologia tinha no mínimo 5 ou 6 disciplinas de estatísticas, a economia e as engenharias outras tantas disciplinas de estatísticas .. Mas quando foi criado em 1998 o departamento de estatísticas, com seu diretor sendo o Gildásio Amado Filho, foi uma grande efervescência, uma difícil convivência porque era uma equipe docente que estava vindo da escola de Estatísticas do IBGE com uma leitura de que estatística era estatística em si; e não estatísticas especiais: da educação, da psicologia, engenharias, mercado, etc. Naquele ano, eu me lembro bem, pois era o diretor do departamento de educação, foram debates muito acalorados sobre a departamentalização e a interdisciplinaridade...

E: Mas me diz uma coisa, você voltou, foi professor e diretor do departamento de educação imediatamente. Mas só tinha completado a graduação nessa época?

R: Pois é. Foi um caso, o nosso caso foi um caso. Só havia graduação. Havia alguns cursos de extensão, alguns cursos de pós-graduação lato sensu, mas não funcionavam aqui na Gávea; eram cursos desenvolvidos na Universidade Santa Úrsula,como o de psicopedagoga.

E: Mas como é que começa essa pós- graduação?

R: Quando eu voltei da Bélgica, procurei emprego na PUC.Foi-me dito: Você vai colaborar, porque estamos começando o processo de criação do departamento e você será o primeiro professor em tempo integral do Departamento, naquele momento,o primeiro e único [rindo] professor do departamento de educação. Então, todos aqueles eméritos vultos nacionais reconhecidos, como o Leônidas Sobrinho Porto, em Legislação Escolar; o Emerson Coelho, em Didática;, o professor José Barreto Filho, de Psicologia Educacional e presidente do Conselho Nacional de Educação... Eles diziam que loucura é essa? Essa garotada está entrando aqui sem nenhum reconhecimento

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nacional, está entrando e está assumindo as rédeas das coordenações de pedagogia, que está se tornando Departamento de Educação. Também em Jornalismo e Comunicação Social, com o Prof Walter Poyares, e ai entra o jovem José Henrique de Carvalho; em Letras entra uma pessoa com certo “renome”, mas igualmente jovem, que era a Amélia Lacombe; na psicologia o Aroldo Rodrigues; etc. .Foi então que se começou a ser falar ironicamento (rindo) nos “benkistas”.

E: Ah os “Benkistas”- os escolhidos do Benko.

R: Os escolhidos pelo Benko na Faculdade de Filosofia, que estava lentamente se transformando no Centro de Teologia e Ciências Humanas (o CTCH); e na Escola de Engenharia da PUC - EPUC - que estava se transformando em CTC (Centro Técnico-Científico) , havia os jovens professores “amaralistas”.

E: estes eram as novas equipes da Engenharia, sob o Decano Padre Amaral.

R: Padre Amaral. Outro dia eu estava almoçando com o professor D’Abreu, comentando como comecei na PUC,“ e ele comentou: “ Carmelo não me diga isso. Eu também fui um dos Amaralistas (rindo).” Porque no final do curso de engenharia mecânica, o padre Amaral me convidou para fazer parte do Departamento de Engenharia Mecânica. O professor D’Abreu, que foi homenageado agora com a medalha dos 70 anos da PUC, foi quem criou todas as condições para que no departamento de engenharia mecânica se formasse um quadro sólido de pesquisadores com doutorado do exterior.

E: Agora Carmelo, essa categoria de “fundador” da onde vem... Você se sente um fundador?

R: Olha... foi um trabalho de equipe. Por quê? Por duas razões: quando eu fui para Louvain, não sei se hoje em dia há a Faculdade de

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Educação, mas naquela época não havia. Tinha um Instituto de Psicopedagogia, integrando psicologia e educação. Então a educação em Louvain estava agregada à psicologia. No Brasil, no final dos anos 50, no inicio dos anos 60, foi o Padre Benko quem institucionalizou os estudos sobre a psicologia no Brasil. Isso todos os psicólogos reconhecem..

E: No Brasil?

R: No Brasil. Ele era assessor direto do Conselho Federal de Educação e da Comissão de Psicologia. Então se você consulta as pessoas mais antigas da psicologia no Rio, como as professora Teresinha Lins, Maria Helena Novaes, Circe, etc , elas reconhecem as pessoas que criaram academicamente a psicologia no Brasil, sob a marcante influência do Pe Benko. E ai entra essa questão, o Benko estava em um local estrategicamente e politicamente muito importante. Ele era assessor do Conselho Nacional de Educação; ele era o principal assessor do MEC na definição da carreira de psicologia. Então quando ele me disse “Carmelo nós estamos começando...”, isso foi há 46 anos atrás, em fevereiro ou março de 1966, “Carmelo nós estamos começando um processo de departamentalização; então paulatinamente nós vamos reformar a faculdade de filosofia, vai ser criado um centro com departamentos. E, ao mesmo tempo , destaca um ponto importantíssimo da política e da história da pós graduação no Brasil. Ele me diz o seguinte:”Está sendo elaborado no Conselho Federal de Educação, coordenado pelo professor Newton Sucupira, um parecer normatizando a pós graduação no Brasil. Então nós vamos agora em maio ter um convênio com a CADES (Campanha de Aperfeiçoamento do Ensino Secundário) porque é necessário realizarmos um curso de especialização sobre planejamento da educação”.

E: Isso em 1965?

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R: É em fevereiro de 65. Está para sair um parecer do Sucupira sobre a pós graduação. Na CADES, o Gildásio Amado necessita de um curso de formação de técnicos sobre o planejamento do ensino secundário. Por quê? Porque era uma luta intestina política muito grande. Era o momento em que o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Social Aplicada, do Ministério do Planejamento) assume as rédeas de planejamento econômico e social, e passa a fazer planejamento de educação no Brasil naquela ótica bem economicista da OCDE [Organização de Cooperação para o Desenvolvimento Econõmico]: formar recursos humanos na perspectiva da abordagem de mão-de-obra (manpoower approach). Enquanto que no MEC, há um grupo técnico dentro do MEC, mas com fortes vínculos no INEP onde estava localizada a missão da UNESCO no Brasil, sendo Pierre Further, Michel Debrun e Jack Torf, os especialistas com quem tivemos maior contato. Então nós tínhamos uma luta intestina, pois era membro nato do Conselho Nacional de Educação, o representante do IPEA, naquela época o Arlindo Lopez Correia. Havia um dilema dentro do Conselho Federal de Educação, entre o tecnicismo da Economia da Educação e o humanismo dos educadores em geral. Havia no Conselho Federal de Educação e no MEC esse conflito de políticas oriundas de um lado do IPEA / Ministério do Planejamento e de outro lado do núcleo do INEP, que era o núcleo pensante da área de educação em relação ao planejamento de cunho social. Por influência do INEP, centro das pesquisas, e a partir dos seus centros regionais de pesquisa – CRPs - é lançado um movimento de planejamento educacional, através do CEOSE: os colóquios estaduais de planejamento e organização dos sistemas estaduais de Educação.Na minha tese de doutorado eu analisei bastante essa questão. Os CEOSEs foram a contrapartida de organização da área educacional contra o viés economicista do IPEA / MINIPLAN. Assim, nós nos beneficiamos do nosso curso de especialização que começara em maio, nos beneficiamos dessa luta político-ideológica, porque foi instituido o convênio da PUC-Rio com a CADES, cuja coordenadora técnica de planejamento era a Profa. Eulina Fontoura.

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E: Quem fez esse primeiro curso de especialização? Quem participou? Quais foram os professores?

R: A organização foi dada pela PUC,eu mesmo coordenando, e do lado da CADES (Campanha de Aperfeiçoamento do Pessoal de Ensino Secundário), a Profa. Eulina Fontoura. Tinha CAPES e tinha a CADES: a primeira referente ao nível superior e a outra voltada para o ensino secundário Assim, a Profa. Eulina trouxe toda o grupo de assessores técnicos do ensino secundário inclusive o sogro da nossa colega Isabel,O Prof. Raúl Lellis, vários outros assessores especializados do ensino comercial, ensino industrial, ensino rural, cujos nomes agora me fogem. . Na parte específica de planejamento educacional sob a perspectiva da demanda social , trouxemos o Roberto Moreira, que estava em uma situação muito delicada, pois estava sendo perseguido politicamente. Mas a vinda dele para lecionar planejamento na PUC como a pessoa mais titulada da área de planejamento da educação não foi assim uma situação tão fácil, porque o então reitor da PUC, o Padre Artur Alonso, da ala mais conservadora da Associação das Escolas Católicas (AEC) , veio queixar-se comigo por estarmos trazendo para lecionar na PUC uma pessoa como Roberto Moreira que dentro do INEP, naquela época, havia provocado conflito, com a formulação do Plano Nacional de Educação. O próprio dom Helder Câmara foi o único voto contrário ao plano nacional de educação em 1961. Dom Helder vai alegar seu voto contrário, justamente por essa suposta demasiada centralização no planejamento de educação. É interessante, a repercussão disto aqui, pois o então Reitor veio chamar atenção, um puxão de orelhas. Eu tive que ceder um pouco, convidando um conservador do grupo dele, especialista sobre Legislação Escolar Brasileira, o Leônidas Sobrinho Porto, para lecionar no curso de especialização.

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E: Carmelo, então me diga uma coisa: no seu entender, quais são os fundadores? Vocês se chamavam assim? Usava-se esse termo na época , qual era o termo que se falava na época?

R: Não, não... eu acho que foi uma coisa tão natural que a gente não tinha um fundador em si... Bom, quais foram os principais fatores que eu acompanhei? Havia uma verdadeira plêiade de jesuítas na PUC naquele momento. Na física, na química, nas engenharias, na sociologia, na psicologia; realmente eram docentes e pesquisadores muito conceituados e reconhecidos, diversos deles refugiados políticos da Europa oriental, como o Benko, o Mavkra, e outros...

E: É interessante como o Padre Benko “entrou” no Brasil. A capacidade que ele mostrou de se colocar na cena acadêmica.

R: É. Eram três jesuítas húngaros que foram proibidos de retornar à Hungria após seus doutoramentos, por causa da Guerra Fria.Então, a Companhia os enviou para a PUC do Rio, o Benko, o Mávkra e um terceiro jesuita.

E: Benko aprendeu português, e foi uma grande influência aqui no Brasil.

R: Houve um núcleo de jesuítas de grande capacidade, que realmente pensou o “ day after”, para formar quadros futuros. Foi assim que Benko começou a enviar estudantes ao exterior para fazer doutorado, e eu fui um deles.Eu digo que havia uma equipe, porque, por exemplo, nós na Educação não tínhamos quadros suficientes para começarmos sozinhos uma pós- graduação em Educação. Então a estratégia foi a de articular educação e psicologia. Quem nós tínhamos? Na verdade, nós só tínhamos uma doutora em Educação a Eloisa Lopes Franco que veio trabalhar no colégio de aplicação da PUC, o Colégio Teresiano. Começamos a multiplicar no sentido de fazer uma pós- graduação integrada, Educação e Psicologia.Na psicologia tínhamos o Pe. Benko,

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o Aroldo Rodrigues, e Ângela Biaggio já estava voltando dos Estados Unidos, havia outras pessoas que eram livre-docentes, como Helena Novaes. Na Educação nós só tínhamos a Eloisa Franco, da Psicopedagogia. Teve também uma providencia divina, pois havia na PUC naquele momento, por força da proposta da reforma universitária, um núcleo de excelência de assessores especializados na reitoria, constituindo o núcleo da reforma universitária da PUC. O professor Paulo de Assis Ribeiro, eu faço um elogio a ele no site Memória da PUC (a professora Suzana Gonçalves o chamava de monstro sagrado, pois era uma pessoa de grande cultura e conhecimento fantástico. Então,tinha o Paulo de Assis Ribeiro. Havia também , na assessoria da Reitoria, uma outra pessoa, naquele momento do desenvolvimentismo ssocial e econômico, bastante interessante que era o Paulo Horta Novaes, orientador da dissertação da Zaia. A Zaia tem verdadeira veneração pelo Paulo Horta Novaes.E trouxemos de fora uma “avis rara”, o professor José Zacharias Sá Carvalho, que tinha um escritório de planejamento. Ele havia feito um doutorado livre na antiga UERJ sobre Economia da Educação.

E: Ele era comunista.

R: Economista.

E: Não. Comunista.

R: Economista. O José Zacarias Sá Carvalho era economista...

E: O Zacarias era comunista, Carmelo. Ele era amigo da minha mãe.

R: O José Zacarias Sá Carvalho?

E: É sim senhor. Eu o conheci quando era pequena.

R : O Zacarias? Comunista? Eu não sabia.

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E: Ele era comunista, era amigo da minha mãe e muitas vezes minha mãe o acolheu lá em casa. Outra: Você falou comunista duas vezes e o Carmelo corrigiu para economista duas vezes (rindo).

E: O escritório dele era ali na Almirante Barroso, depois mudou-se para Copacabana, nós éramos amicíssimos. Convivemos muito.

R: Ele era uma pessoa muito generosa... Eu confesso que estou atônito, pois no meio acadêmico era considerado conservador. Talvez porque ele fosse assessor do Anísio Teixeira na CAPES; e os primeiros estudos sobre Economia da Educação no Brasil foram feitos pelo Zacarias e um outro assessor da CAPES.

E: Eu acho inclusive que a filha da mulher do Leandro é casada com um filho do Zacarias.

R: Olha, ele sempre nos deu muito apoio. Foi uma pessoa extremamente colaborativa, eu até às vezes ficava meio constrangido com ele, porque nas reuniões da área de planejamento, ele expressava humildade, era muito singelo e ele tinha uma reverência que até me comovia, em relação a uma outro professor do nosso programa, o professor Isaac Kerstenetizty, que não tinha completado doutorado, embora tivesse pós-graduação no Canadá e Holanda. Assim, na equipe docente de Planejamento da Educação, havia 4 ou 5 pessoas na área de economia da educação, que realmente eram pessoas de peso. Tanto que, quando nós iniciamos o processo de credenciamento do mestrado em 1969 junto ao Conselho Federal de educação e ao CNPq, nunca houve o menor questionamento por parte dos avalistas externos e por parte do conselho em relação a essas pessoas, pois eram pessoas de “notório saber: Paulo Horta Novaes, Paulo de Assis Ribeiro, Zacarias Sá Carvalho, Isaac Kerstenetzty.

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E: São esses os fundadores?

R: Esse é o corpo docente da área de Planejamento Educacional na qual ninguém tinha título de doutor,mas onde todos eram reconhecidos como de “notório saber”.

E : Quais eram as áreas?Como era a organização da Pós ?

E: Nesta época a psicologia e a educação já não estavam juntas.

R: Começamos o curso de especialização em maio de 1965. Em setembro daquele ano saem as normas para a Pós-Graduação.Então, lançamos o edital para o primeiro mestrado a ser formalmente iniciado em 1966, mas ao qual a turma de 1965 de Especialização vai depois vai pleitear equivalência para acesso ao Mestrado...

E: Como foi escolhida a primeira turma?

E: São esses os fundadores?

R: Esse é o corpo docente da área de Planejamento Educacional na qual ninguém tinha título de doutor, mas onde todos eram “notórios saber”.

E : Quais eram as áreas?Como era a organização da Pós ?

E: Nesta época a psicologia e a educação já não estavam juntas.

R: Começamos o curso de especialização em maio de 1965,e em setembro o Conselho Federal de Educação publica o parecer Newton Sucupira com as normas sobre a Pós-Graduação.Então, cm base no parecer do CFE, lançamos o edital para a primeira turma do mestrado em 1966 (posteriormente a classe de Especialização em Planejamento

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de 1965 pleitearia a admissão à turma do Mestrado na área de concentração de Planejamento Educacional.

E: Como foi escolhida a turma do Curso de Especialização iniciado em 1965?

R: A turma do curso de Especialização foi escolhida da seguinte forma: a maior parte da turma era integrada por técnicos de educação da própria Diretoria do Ensino Secundário do MEC, já que o curso era financiado. Metade era do pessoal do MEC e a outra metade eram pessoas que foram sendo recrutadas entre diversas instituições. Por exemplo do MEB (Movimento de Educação de Base), vieram o Osmar e a Lourdinha Fávero, e o José Augusto Guilhom de Albuquerque...

E:Havia critério de seleção?Como era?

R:Foi aberto, na base de identificar onde estão as pessoas que podem ser chamadas...Os representantes do MEC eram candidatos naturais; já as pessoas de fora vieram muito em função da importância educativa de seus núcleos, já outras pessoas da PUC, da Universidade Santa Úrsula e da UFRJ puderam fazer o curso com vistas a estudos de pós-graduação.

E:Havia indicação institucional?

R: Sim. Foi um curso praticamente fechado em um mês, em maio, para ser iniciado em junho de 1965. Mais tarde, em setembro, quando saiu o parecer do CFE sobre os cursos de pós graduação stricto sensu (Mestrado e Doutorado) , imediatamente a turma da 1965, que era uma turma de especialização, pleiteou para as disciplinas serem aproveitadas para o mestrado. Assim, em setembro de 1965, foi lançado o edital para a primeira turma do Mestrado em Educação, com a oferta de duas áreas de concentração: a área de Psicopedagogia e a área de Planejamento de Educação.

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E: Então eram duas áreas?

R:Duas áreas de concentração no Mestrado. Este começa com duas áreas.Para ensinar na turma de Planejamento, a gente tinha esses monstros sagrados, como Assis Ribeiro, Paulo Horta Novais, Isaac Kerstenetzty ,Zacarias Sá Carvalho . Era um grupo fantástico atuando como corpo docente na área de planejamento; o que nos permitiu ter um álibi, na verdade foi um álibi que eu usei ao longo dos 5 primeiros anos da área de Planejamento no Mestrado, pois estes docentes não eram doutores..O Assis Ribeiro na verdade ele era assessor da reitoria, e autor do plano do diretor da PUC. Idem o Paulo Horta Novais. Mas no processo de credenciamento do programa, entram como pessoas dos quadros próprios da PUC, e complementarmente ai entram como horistas o Zacarias Sá Carvalho, Isaac Kertenetzty e outros como Pery Porto, do INEP.

E: E você foi diretor de quando a quando ?

R: Eu fui diretor, na verdade eu fui um diretor que ia sendo aos poucos institucionalizado. A reforma começou tão devagar em 1965; eu até trouxe outro dia as fotos da formatura da turma de Pedagogia de 1965; e o coordenador ainda era oficialmente o professor Emerson Leão. Eu era o coordenador da especialização; mas já atuando para organizar a pós- graduação strico sensu. Éramos então um quadrilátero: era o diretor da Faculdade o Benko como uma figura chave, era o grande articulador. O Aroldo Rodrigues, pela Psicologia. E a Eloísa Lopes Franco, pela Educação. Eu era então como o executivo do projeto: o seu “ fac-totum” . Quer dizer, era uma equipe muito integrada e eu sempre a respeitava, mas às vezes a atropelava, por que na verdade era necessário tocar toda a organização da pós-graduação. Quer dizer, era uma situação bastante delicada.

E;Qual era o seu título?

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R: Na medida que o departamento foi criado e eu passei a ser o primeiro diretor do departamento por volta do final de 1966. Aí se criou uma situação um tanto esdrúxula, A coordenadora oficial do Programa de Pós- Graduação era Eloísa Lopes Franco. Eu era o secretário executivo ou coordenador executivo; mas era o diretor do departamento. Já a Eloísa trabalhava meio tempo no colégio Teresiano e trabalhava meio tempo na PUC. Então quem tocava as coisas mesmo era a minha pessoa. Quer dizer, isso criou uma situação superposta. A gente convivia perfeitamente ,mas não era uma situação tão definida assim.

E:Havia uma dissidência interna ?

R:Não. Não havia. A gente era muito integrado, mas a Eloísa, eu era uma pessoa bastante simples. A Eloísa também era uma pessoa que não fazia questão do poder. Então às vezes eu tomava decisões como diretor ,mas na verdade quem deveria tomar estas decisões era a Eloisa. Mas não tinha tempo suficiente, era tudo muito. De certa forma era quase que uma “EUQUIPE”. De certa forma era um erro meu, um erro da característica da minha personalidade. Eu sou meio trator, ia atropelando a Eloísa. Mas eu só senti que a Eloísa ficou magoada comigo, por ocasião da minha ida para o Estados Unidos. Por que estava programado que eu iria para o programa da Ford Foundation na Stanford University já havia um certo tempo. Por exemplo, naquela foto que eu te passei a Você é a foto de minha despedida em setembro de 1970. E eu sentia o seguinte: eu sempre fui uma pessoa de atuação interna; mas à medida que foi criado o primeiro mestrado de educação do país, isso aqui virou um inferno,do ponto de vista de demanda. As pessoas da Federal só faltavam se degladiar, para serem selecionadas para o Mestrado. Então a gente recorreu a um artifício de transferir a escolha para a própria Direção da Educação da UFRJ .

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E:Vocês contrataram algum aposentado compulsoriamente pela ditadura?

R:Sim , nós tivemos dois na verdade. Um foi por período muito curto em 65, que foi Roberto Moreira, e que também tinha objeção aqui na PUC pelo grupo conservador católico; pois ele era a figura chave do INEP. Depois Durmeval Trigueiro, mais aí foi um processo bastante negociado, por que o reitor naquele momento era o Viveiros de Castro, que era uma pessoa que tinha bastante relacionamentos políticos. Então quando eu o procurei e falei existe um interesse do programa em contratar como horista o professor Durmerval, mas existe o problema da sua cassação política. Aquele ano estava muito complicado, pois foi o ano do AI 5.

E: Foi 67, não é ?

R : Foi em 1968. Foi o ano do AI 5.Por que alguns professores militares – e a PUC estava cheia de professores militares, todos na engenharia , eles queriam, como a PUC recebia verbas federais ,que a PUC obedecesse também à lei da cassação .Então foi uma loucura Na reunião do conselho universitário foi dito : “Não, a PUC não vai demitir” . Aquilo ali quase virou briga. Eu me lembro que estava discutindo com o diretor da faculdade de engenharia , o decano de engenharia, Prof Fleury. E ai eu perdi a paciência e disse: isso aí é ditadura, é ditadura. Então, o padre Laércio, como bom mineiro,interrompeu a reunião: vamos tomar uma cafezinho. Piorou, pois aí na hora do cafezinho só faltou sair tapa , ficaram dois grupos discutindo: “A PUC não pode se curvar a isso”(..). Isso eu escrevo na memória que eu faço do Prof Assis Ribeiro, no site do Projeto Memória; lá eu descrevo essa passagem .

E: Isso aí pode ser público?

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R: Pode,inclusive está impresso no site Memória da PUC. Está lá o texto: Assis Ribeiro em três momentos. E o segundo momento que eu escrevo é esse momento precisamente. Inclusive ele ia falar logo após o intervalo ,sobre o Plano Diretor. E aí eu o procurei no intervalo e falei: “Professor,não é admissível que a PUC afaste os professores cassados na Federal” . Ele disse:muito cerimonioso, “Professor Carmelo o meu pai foi expulso da Rede, de diretor da Rede Ferroviária Federal por Getúlio Vargas,porque ele se negou a punir um funcionário que Getúlio queria punir ; então ele foi demitido , ele se demitiu .E eu conto este episódio ,vale a pena ler , porque eu acho que revela bem as pessoas com quem a gente trabalhava. Aí demorou uns quatro a cinco meses, quando o Decano do Centro, Pe Viveiros de Castro, me chama e diz: “luz verde, pode convocar a colaboração do Dumerval”. Então foi assim ,houve muitas tratativas por debaixo dos panos .Agora os professores que foram punidos pelo AI 5, continuavam aqui na PUC , eramos muito amigos . Esse auditório Anchieta até recentemente era chamado de Prof Cristovão Cardoso , amicíssimo da gente mas punido na UFRJ..

E: Por favor, Carmelo, indica algumas pessoas, fundadoras do programa, para nós entrevistarmos.

R : Olhe , há uma conjunção de fatores. A Silvia Ilk (Projeto Memória da PUC) já entrevistou o padre Benko em relação à pós- graduação, na página da PUC deve estar esta entrevista. Eu acho que em relação ao padre Benko, este lado da história eu posso estar cobrindo bem. Houve uma conjunção feliz , muito feliz que a gente quase não explicita que foi um convênio entre a Instituição Teresiana e o colégio de Aplicação da Puc , que trouxe para PUC pessoas com doutorado na área de História, Marisol ou Maria Sonsoles Guerra; na área de educação, Eloísa Lopes Franco. Depois essa figura fantástica que é a Vera Candau ,acho que a Vera veio não tanto enquanto núcleo benkista , mas a Vera veio enquanto núcleo instituição Teresiana. Em seguida veem a Zélia Mediano , a Marilú. A gente contou com uma força,um

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núcleo que a gente não explicita sempre , talvez só pessoas como eu, com uma visão mais vivenciada. A gente contou desde o inicio com Eloísa, que tinha plena convicção em relação a isso e ela era uma pessoa muito simples. Ela aceitava com tranqüilidade quando eu a atropelava, entende? Não tinha jeito,por exemplo, eu nunca consultei ninguém em relação à questão do Durmeval Trigueiro. Aquilo era segredo de estado , imagine se eu ia fazer uma loucura dessa. Quer dizer , às vezes a gente atropelava.... Bom, havia uma outra pessoa , sem dúvida, vai ser a Eulina , na medida que ela foi a avalizadora do convênio do curso de especialização da educação em 1965, e mais do que isto ela foi a pessoa chave para nós programarmos a disciplina nuclear do programa: Educação Brasileira, que constituiu um outro jogo político bastante interessante . A Eulina era uma pessoa extremamente culta foi como o Durmeval Trigueiros, da primeira turma de concursados, pode imaginar 1939, concurso para técnico em educação do MEC, pouquíssimos passaram: a Eulina é uma delas junto com o Durmeval e outras poucas pessoas. A Eulina foi importante não só na alavancagem de um curso que trouxe recursos que nos permitiu trabalhar e que permitiu a minha contratação, por exemplo. Eulina trouxe uma equipe para a nucleação da educação brasileira.Posteriormente, foi gerada uma situação muito delicada que eu não vivi, mas foi muito dolorosa depois que eu saí para fazer o doutorado nos Estados Unidos.O afastamento da Eulina , porque não tinha titulação .

E: Quando você foi para os Estados Unidos ela ainda não havia sido demitida?

R: Não. Mas em 71/72 ocorreu uma crise financeira muito grande na PUC e então começou a pesar o critério de exigência de titulação para o doutorado.Então na conjunção destes dois fatores a Eulina foi afastada do programa: como ela lecionaria na pós graduação sem titulação ? A Eulina sempre foi uma pessoa que atuava muito nas esferas estritamente técnicas do MEC.Ela fazia os pareceres, mas quem

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publicava os pareceres eram, (risos) enfim , os incumbentes políticos e dirigentes do MEC e do CFE. Agora posso falar porque a pessoa em causa já faleceu. A Eulina tinha um certo ressentimento com o Newton Sucupira. Não sei se ela vai falar sobre isso , mas para mim várias vezes ela disse: “ quem projetou um mestre recifense no âmbito do MEC e o lançou no Conselho Federal de Educação, onde ele vai pontificar foi Eulina” . Mas o Sucupira nunca teria reconhecido os méritos de Eulina, como a técnica do MEC que assessorava o Conselho Federal de Educação. Ela tinha esse ressentimento de que havia aberto espaços no MEC para muitas pessoas, sendo uma delas o Sucupira, que nunca deram o devido crédito à Eulina, nem mesmo em termos do seu credencial de notório saber como professora de Educação Brasileira. Então, ela foi importante não só pelo convênio em si , que permitiu que em 1965 eu trabalhasse com dedicação exclusiva na PUC , que outras pessoas também lecionassem como docentes horistas no curso de Especialização; alavancasse no ano seguinte o primeiro mestrado, permitindo que a turma passasse da especialização para o mestrado fazendo uma série de disciplinas complementares mas principalmente , para esta área , para o fulcro da Pós-Graduação em Educação Brasileira ,por que ela era uma pessoa extremamente politizada, extremamente culta e conhecedora fantástica da educação brasileira.

E: ( muitas vozes ) (incompreensível).

E: O que me pareceu é que Educação Brasileira virou o coração do Programa .

R : Para vocês terem uma idéia em fins de 68 a Eulina me procura ,ela era muito amiga dos dominicanos de São Paulo ,ela me procura e diz: Carmelo vai começar um movimento armado no Brasil.

E: Começar o quê?

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R: Começar um movimento armado .Aí, eu olhei para ela e disse: não .. Mas depois que você começa a ler as coisas , realmente houve um foco de luta lá em Perdizes no convento dos dominicanos. Enfim ela é uma pessoa extremamente politizada , muito tranqüila . Com efeito, a gente conseguiu aglutinar um núcleo em torno dela, e um deles foi a vinda do Durmeval Trigueiro,que entrou contratado , mas o link foi sem dúvida nenhuma negociado pela Eulina. Ela negociou externamente e eu internamente na PUC.

E: Por causa da Educação Moral e Cívica também que era obrigatório.???

R: Mas isso ai vai ser já foi em 70, com a EPB

R: Alguns colegas, por não terem essa informação interna que já vem desde 61/62, internamente na PUC, acham que a Eulina é criadora da pós- graduação. Ela foi uma pessoa chave, deste convênio do curso de especialização, que catapultou em 66 o Mestrado. Mas eu vejo a atuação da Eulina, muito mais do que apenas no convênio com a CADES. Eu a vejo na aglutinação da Educação Brasileira . Era uma disciplina difícil, lecionada por professores horistas, mas o fio condutor , o coração era Eulina. Então, para cumprir as formalidades das exigências do MEC, do Conselho Federal de Educação, no papel a professora principal de Educação Brasileira parecia ser a professora Nair Fortes Abu-Merhy.

E: Aqui?

R: Não, ela era a diretora da Faculdade de Educação da Federal, foi a primeira que teve doutoramento no Brasil lá na Federal de Curitiba. Então, ela tinha titulação, então a gente fazia esse jogo.

E: Ela era professora aqui?

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R: Ela era professora horista convidada.Ela dava uma unidade, a gente colocava o nome dela na frente como carro chefe. E atrás a peãozada: Eulina e eu, a gente (risos) que de fato tocava o bonde dessa disciplina integradora.

R: Eulina tem sobretudo importância na consolidação da disciplina chave do programa que era Educação Brasileira.

E: Você falou que eram duas áreas: Planejamento da Educação, e Psicopedagogia..Atuavam nomes de peso como você falou ? Assis Ribeiro, Paulo Novaes, Zacarias?

R: É, a área de Planejamento da Educação era fortemente tecnicista, eu até digo isto no texto para o Projeto Memória da PUC. No terceiro momento em que eu convivi com Assis Ribeiro , vai ser em 69/70 .Ele era acusado de conservador, mas ele era um desenvolvimentista do naipe do Celso Furtado; só que ele tinha influência e aceitação no âmbito militar.Ele trabalhou num Instituto, foi membro de um instituto ,acho que era o IPES - Instituto de Pesquisa Econômica Social - que era a contrapartida do ISEB . Então você tinha o ISEB à esquerda e o IPES a direita e lá estava o Assis Ribeiro.Ele era uma figura de destaque, tanto que ele e Suzana Gonçalves publicam um livro naquele momento intitulado “A educação que nos convém” e que foi escrito pela equipe do IPES. Aí ele é visto como sendo o núcleo conservador da PUC, mas ele não era conservador , ele era um tremendo desenvolvimentista. Então o que a gente fez: nós pegamos planejadores de notório saber: Assis Ribeiro , Zacarias Sá Carvalho Paulo Horta Novais, Isaac Kerstenetzty , e logo no começo o Roberto Moreira, e em substituição a ele um outro técnico do INEP, o Pery Porto.

E : E na área de Psicopedagogia ?

R : Nós tínhamos o doutorado da Eloísa Lopes Franco , logo depois chegou a psicologia do desenvolvimento com o doutorado em Chicago

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da professora Angela Biaggio , professora formada no Instituto de Educação. Nós tínhamos também a livre docente , professora Maria Helena Novaes , sem falar na figura do Benko.

E :O Benko continua?

R : Continua

R : O Benko se afasta da pesquisa quantitativa, daquele catatau publicado pela Herder e a USP – o livro de pesquisa de Selltiz, Jahoda (riso) tem aquele manual de pesquisa, né? Ele deixa a pesquisa mas ele fica com a psicologia. Uma questão que se colocou antes, na verdade, foi a proposta do Benko : uma pós-graduação integrada, psicologia e educação. Havia uma Troika: aquele quarteto que formado pelo Benko diretor ; pelo, Aroldo na Psicologia ; Eloísa pela Educação e eu como coordenador. Foi lançado assim um curso de pós graduação ,mestrado integrado de Psicologia e Educação. Só que o Aroldo era uma pessoa meio difícil da gente lidar; mesmo dentro do departamento de psicologia. A Psicologia era muito mais forte do que nós, em termos de pessoal qualificado, em termos de recursos e espaço físico. Na verdade o Aroldo não queria a Psicologia na área de Ciências Humanas, ele queria a psicologia em Ciências Biomédicas (riso). Essa luta quase ninguém conhece, porque aquele cientificismo, quantitativismo da psicologia experimental, o Aroldo levou ad ultrance, o exagero de reivindicar que o departamento de Psicologia não fosse das Ciências Humanas, fosse das Ciências Biomédicas, lá com os seus ratinhos , sem falar no conservadorismo dele.

E : É por isso que você diz que a Eulina se configura como aquela que possibilitou , que ajudou que contribuiu com a nuclearização da Educação Brasileira...( falam juntos , incompreensível)

R: Extremamente aceita pelo padre Benko. Ela era muito tranqüila, embora engajada politicamente, bastante fácil de convivência . E nunca

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me esqueço, Natal de 1966, quando a gente comemorou, a Eulina me abraçou e falou bem baixinho assim no meu ouvido : “Carmelo, a minha maior alegria desse ano foi ter conhecido você “( risos) . Eu recebi aquilo como presente de Natal , porque uma pessoa como a Eulina dizer que “você foi ,nesse ano ,o meu melhor presente.” Porque não foi fácil, como eu já comentei, o então Reitor , padre Artur Alonso, reagiu fortemente à presença do Roberto Moreira e eu tive que condescender trazendo como professor de Legislação do Ensino o conselheiro do CFE, Leonidas Sobrinho Porto, docente do Departamento de Letras na PUC. .

E; (Voz ao fundo) Esse jogo político.

E: Carmelo quais pessoas nós deveríamos entrevistar para entender essa fase? É uma coisa tão complicada, a gente falou inicialmente numa geração fundacional, mas você esta trazendo outros nomes...

E: Não, porque na verdade eu entendi assim existia um núcleo de poder que atuava nos bastidores e existiam uns professores que iam para sala de aula . Poderiam ser professores horistas, poderiam não ter a grande influência na configuração da Pedagogia, na criação do programa .Quem é que estava criando o programa?

R: Eu me lembro que quando eu expus na comemoração dos 30 anos os principais fatores macro-político-sociais, etc,os fatores meso-institucionais , eu contei igualmente como um outro grande fator , que vou chamar assim de microssocial , interpessoal: uma geração que veio desde 61.Por exemplo em 61 eu entrei na PUC, mas a Zaia já estava antes , e também a Vera Candau.A gente vivia num momento de muita efervescência então digamos assim a empatia ,social, política religiosa entre todos nós foi muito importante.

E: Mas qual foi o papel da Vera e da Zaia neste momento de criação? Elas fizeram parte do corpo docente neste momento?

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R:Não, a Zaia estava na França , no início ,depois , foi para o Nordeste.

E: Mas a Zaia foi para a França com uma bolsa da PUC.Ela foi também para ser preparada para voltar?

R : Não sei dizer .

R: Eu não sei se a Zaia , outro dia até perguntei isso para o Walter e ele não me besclareceu , se a Zaia foi como bolsista.

E:Ela ontem me disse que foi como bolsista da PUC,mas com que propósito? Por que você foi direcionado para ser posteriormente um quadro da PUC.

R: Inclusive a Zaia reivindica isso, que ela é a primeira professora, a mais antiga do departamento,só que ela não teve carteira assinada , pois ela não era professora de tempo contínuo, era horista .

E: Então de tempo integral ,o primeiro foi você?

R: Sim, já com este propósito da criação do departamento e da coordenação.

E:Você falou que desde o primeiro mestrado , vocês precisaram usar um artifício. Que artifício foi este?

R:Olhe, por que o que aconteceu foi que, quando da Lei da Reforma universitária em 1968, como em toda a lei outorgada politicamente militarmente, eles colocaram um prazo exíguo, não sei se 2 ou 3 anos, para que todo professor que lecionasse no ensino superior obrigatoriamente completasse a pós- graduação. Então foi uma loucura , uma loucura. Quer dizer quando você abria os editais do

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concurso para o primeiro para a pós- graduação - aliás isto é um ponto de vista importante....

E: Foi um concurso?

R:A cada ano era lançado um edital, ele sai e as pessoa se candidatam: sendo o critério básico a avaliação de currículo, e o retorno esperado à área educacional, etc. Existia uma fase de nivelamento ,de homogenização , uma vez que candidatavam-se pessoas de várias áreas.A gente tinha de 1 a dois meses de curso intensivo, incluindo a parte de estatística, economia da educação. etc

E: Eu fiz nivelamento.

R: E, então, o que ocorre: o pessoal docente da Federal ficou maluco, pois abríamos 12 vagas para Planejamento da Educação ,12 vagas para Psicopedagogia. Mas somente da UFRJ eram 20 professores, reivindicando acesso. Então a gente adotava, as cotas, (riso) .Havia vaga para o setor público do RJ , para o setor privado , havia cotas para jovens, nova geração se formando , havia cotas para o interior do Estado, tanto para o interior do Brasil , quanto regionalmente etc. Então, a gente atuava assim na partilha do bolo das 24 vagas. Olhe , tinha 24 vagas, por exemplo ...

E: Eu não sei em que cota, eu e o Pedro entramos.

R: Você deve ter entrado pelo mérito acadêmico

R: Eu me lembro de uma pessoa que teve uma leitura bastante errônea,como se eu tivesse tirado a bolsa, porque ele era tivera atuação política, na UNIJUI. Era o Cândido Gribowski.Quando ele veio falar comigo em julho de 1969, eu falei olha a gente vai contemplar estas questões todas.Uma universidade que esta surgindo no Sul, a UNIJUÍ, deve ser contemplada , uma universidade comunitária etc e de fato ele

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foi contemplado por uma bolsa da Universidade dos Capuchinhos. Então não fazia sentido ele ter uma bolsa da universidade dele no sul e nós darmos uma outra bolsa da CAPES, quando as bolsas eram contadas pelo dedos. Ele interpretou o que eu falei em julho, quando ele veio falar comigo,como candidato, que lhe estava assegurada uma bolsa da CAPES. Mas depois, quando ele entrou no mestrado , ele não recebeu bolsa da PUC, pois vinha com bolsa da UNIJUI. Mas ele atribuiu isso como sendo motivado por uma punição política, em razão da atuação política dele em Ijuí .

E : ( não entendi ) No contexto o senhor é ..... por esse viés ????

R: O Pedro orientou a dissertação dele , eu disse: “ Pedro não é verdade”. Mas o autor escreveu isso e eu não posso contradizer que não é verdade. Mas de fato não era verdade, pois não houve critério político na definição da bolsa. Mas enfim. Então havia essas questões extremamente complicadas, sobretudo na Faculdade de Educação da UFRJ. Então, o que a gente fazia ? Havia a diretora de lá, mas que era igualmente professora horista no Mestrado na PUC. Como a pessoa mais qualificada com doutorado na equipe docente de Educação Brasileira, ela era nosso destaque, pois aparecia na frente dos outros docentes de Educação Brasileira. Era a professora Nair Fortes Abu-Merhy, diretora da Faculdade. De um lado a circunstância de a consultarmos, sobre os professores da UFRJ que se candidatavam ao Mestrado. lisonjeava o seu status de diretora. Mas na verdade isto não era tão flexível assim, por que ela escolhia entre os muitos candidatos da Faculdade de Educação as pessoas que eram mais apropriadas à percepção dela como diretora. Enfim, tinha esse aspecto perverso, não é?, Mas a gente sabia ser inevitável fazer um amplo corte entre os candidatos da UFRJ ... A gente dizia “Professora nós temos apenas 24 vagas no total; delas, 5 vagas são para a Federal.A senhora examina os currículos dos candidatos da UFRJ , de acordo com as prioridades institucionais“ .Mas provavelmente talvez não fosse uma priorização tão institucional assim: pois alguns candidatos dela eram admitidos e

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outros não. .A gente não podia nem divulgar que era esse o critério , mas era para nós a única forma de contornar a enxurrada de candidatos da UFRJ. Pois imagine só esta situação: diversos professores da UFRJ , com obras publicadas,. com livros lançados , deixavam de ser escolhidos, quando entravam um candidato que está vindo lá de São João Del Rey , de UNIJUÍ, uma professora que está vindo do Recife, etc,. E aí, onde é que fica o mérito acadêmico? Nós temos que contemplar além do mérito acadêmico individual, outros critérios mais sociais, como a renovação de quadros do ensino superior, a interiorização, etc .Então a gente fazia uma política de dividir o bolo; mas não era fácil realmente.Como é que você vai justificar para um professor da UFRJ a razão de ele não ter sido escolhido . Daí o critério era administrar a partilha do bolo das vagas. A gente ganhou várias inimizades por conta disso.

E: Mas Carmelo me diz uma coisa ,quem você indicaria pra nós entrevistarmos como pessoas que estavam criando o programa?

R:Ué, por incrível que pareça, eu não sei... Vou ter que ver a entrevista que o Benko fez com a Silvia Ilk (no site do projeto Memória da PUC), para ver se o meu ponto de vista ficou razoavelmente compatível com a leitura do Benko. ... Aqui surge uma outra questão: por que na verdade o que a gente tem: a Eloísa faleceu, então a versão dela fica inviável de ser obtida. Mas por esse prisma do papel da Instituição Teresiana na Pós-Graduação, talvez a Vera possa complementar muito melhor. Só que a Vera já é quase uma segunda geração na equipe docente, a partir de 68 .

E: É isso que estou percebendo, a Vera já é uma segunda geração .

R: Não, é uma segunda geração apenas na medida em que a incorporação formal dela no Mestrado se efetiva quando da

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formalização de uma terceira área de concentração em Didática; ou seja somente se dá depois do doutorado dela na Espanha, ao final de 1967.

E : Por outro lado Carmelo também falou que Zaia e Vera já antes pensavam umas questões. mas assim o que foi ,enquanto projeto, foi um projeto da universidade mesmo, da implementação que foi esse núcleo aí .Claro que a história não começa aí. Esse núcleo é Carmelo, Carmelo era o executivo ,o Benko, era a executiva,que parecia tomar realmente as decisões .( R: É e as vezes até atropelando ) Benko , Carmelo e Eulina.

R: Eu que fiz o comentário , que a única vez que a Eloísa manifestou um certo desconforto, em relação a mim foi quando eu viajei para os Estados Unidos.

E: Você foi para os EUA, enviado também pela PUC? Foi isso?

R: Sim , pois em 1965 (le cœur a dês raisons, que la raison meme desconnait”), como eu voltei (risos), como eu voltei, aí sim eu precisava afinal fazer o doutorado . Neste momento em setembro de 1970, A Eloísa ficou um pouco frustrada, ressentida,porque era natural que ela passasse a ser a diretora do Departamento de Educação. Por que na verdade foi uma dobradinha feita por nós; a gente trabalhou junto durante 5,6 anos e por várias vezes eu como diretor do Departamento atropelando a Eloísa, como a coordenadora da Pós-Graduação. Às vezes eu tomava decisão, e dizia: Às vezes ela não gostava. Mas neste momento, em setembro de 1970, aí eu senti que ela ficou magoada ... Quando a gente fez esse trabalho todo do relatório, que credenciou o programa - por que, eu me lembro bem, que quando levei o primeiro relatório para o credenciamento , eu levei um exemplar para o CNPq ,outro para a CAPES. Quando eu levei o terceiro exemplar para o Conselho Federal de Educação, o Sucupira disse: “ não , não é isso” Então respondi: “como não, professor? Essas são as normas baixadas pela Capes e pelo CNPq” . Ele aí disse, mas

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quem baixa normas para a Pós-Graduação sou eu... ( risos)... vaidade humana. Bom,o que o que é que ele fez? O pelas normas do CNPq era item 3.2 ele trocou por item 4.3 , coisas assim. Na verdade apenas remanejou aquilo que a CNPq e Capes já tinham feito Então a gente recortou todo o relatório de credenciamento já pronto: foi um trabalho hercúleo. você imagine o que é fazer um trabalho de reunir vinte Curricula Vitae; tudo à máquina de escrever IBM, precisando fazer tabelas e gráficos à mão. Quando eu revi este relatório anos atrás, eu fiquei emocionado, pois eu reconheci lá a letra da Merise, utilizando aquele papel milimetrado ,para fazer a distribuição geográfica dos alunos por região do país; fazer organogramas, gráficos, etc... foi um trabalho fantástico.Quando eu levo o relatório e o entrego na CAPES, a então diretora , Suzana Gonçalves disse, “meu filho vocês constituem um programa pobre em comparação a outros programas da PUC que têm BNDES, FINEP, e acordo atômico, e tudo o mais; vocês são muito pobres, mas é o primeiro relatório apresentado”. Bom aí eu pensei o seguinte: eu sou - e vocês conhecem melhor do que eu - a minha atuação é uma atuação muito interna; eu costuro internamente,eu sou um bom articulador interno. Mas quando o programa da Pós-Graduação começou a ter visibilidade para além do Rio, uma tremenda demanda por vagas vinda de todo o Brasil, etc. eu pensei com meus botões: “ Eloísa e eu somos muito semelhantes; este é o momento do Day After da Pós-Graduação, já consolidada internamente na PUC, começar um nova fase, diferente, de maior projeção externa.”

E: Qual momento foi esse?

R: A partir do final de 69, quando a gente entregou os relatórios do primeiro credenciamento do Mestrado ao CNPq, à CAPES e ao CFE.... E aí foi interessante: são frases que nunca mais eu vou entender inteiramente por que ... Mas eu me lembro que o Durmeval Trigueiro, me procurou e falou assim “Carmelo ainda não é hora de você sair, não vai, espera um pouco mais” . Mas eu não perguntei por que e depois me arrependi pelo fato de não ter perguntado: O que ele queria dizer?

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Pela visão política dele extra- PUC e na PUC, “ainda não era a hora de eu sair”.... . Então, durante 5 a 6 anos, Eloísa e eu fizemos uma dobradinha , com o apoio do Padre Benko. Outra pessoa que talvez valesse a pena Vocês entrevistarem, reside agora em Poços de Caldas,é a Celina Junqueira, que era vice-diretora do Centro. Ela muito provavelmente tem confidências com padre Benko ,daquele período ,que ela como vice diretora da faculdade no Centro, ela deve ter informações, que eu não tenho.E ela foi fazer curso também lá em Boston. Então eu achei o seguinte, eu sou uma pessoa que atuo sobretudo internamente. O Programa agora precisa de uma pessoa de maior renome na educação brasileira, e com um bom relacionamento externo. Pensei em Vera, Candau. Pois ela era uma docente com grande prestígio externo , dado que a área da Didática e de novos processos de ensino-aprendizagem ganhava crescente importância naquela fase no campo educacional. Além disto ela era bem relacionada no âmbito do IPEA, um espaço importante para a área de estudos em Planejamento da Educação, onde diversos mestrandos faziam estágios junto à equipe de Arlindo Lopes Corrêa........ Nesse contexto eu sugeri ao Decano do Centro padre Benko e à Vice-Decana professora Celina Jungueira que não fosse naturalmente promovida a Eloísa como a nova diretora do departamento, pois a Eloísa era muito igual a mim. Entendi que deveria ser indicada uma outra pessoa, com outro perfil mais externo à PUC, com maior reconhecimento externo..

E: Para que papel?

R:Para ser o novo diretor do Departamento de Educação. E o meu argumento parece ter sido convincente, pois a Vera foi indicada a nova diretora. Quando eu fui falar com a Eloísa que eu estava saindo e que já havia outra pessoa indicada, eu senti pelo olhar dela que ficou magoada. Ela olhou-me silenciosa, mas o seu olhar parecia dizer algo assim: “puxa vida durante 6 anos trabalhamos juntos e agora você não reconhece os meus méritos” .

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E: Eu entrei em 71 e a Eloísa Lopes Franco tinha um cargo de direção.

R: Ela era coordenadora do Programa, mas ela nunca foi diretora do Departamento. E aí se cria uma situação meio esdrúxula: a de que o diretor , no caso eu ,embora sendo segundo escalão em relação a ela na Pós-Graduação, tomava decisões que afetavam a função dela , a área de arbítrio dela como coordenadora da Pós-Graduação.

E; E a Vera , já era professora do Programa?

R: A Vera vem depois. Eu acho que em 68, quando é criada a área de Didática na Pós-Graduação.

E:Ela é convidada para o programa?

R :Não ela retorna à PUC , após o seu doutoramento na Espanha, mas aí já com a vinculação dela na Instituição Teresiana , no âmbito também do Convênio Colégio Teresiano / CAP PUC.

E: Mas ela já era professora aqui do programa?

R: Quando ela volta da Espanha ela dá aula aqui na Educação da PUC e também atua no CAP Colégio Teresiano. .

E: Em 71 ela foi minha professora.

R: Sim, mas a área começa em 68. Então a Vera chegou em 67-68.Foi uma coisa bastante interessante, por que uma pessoa chave nessa dobradinha da didática, além da Vera era a Creusa Capalbo.

E: Ela foi minha professora de Filosofia.

R:Ela foi nossa colega lá em Louvain na Bélgica. Ela também era da equipe da JUC carioca no início dos anos 60. Então a Creusa , a função

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dela no mestrado era desenvolver a epistemologia do conhecimento , como base para a didática.

E: Ela é viva ainda?

R:É

E: Então, eu vou procurá-la.

R: Recentemente o Creso Franco, não sei bem porque guardou esta lembrança,ele era representante dos alunos,quando houve a votação para contratação do Leandro , e eu votei contra.

E: Ah, é?

R: eu votei contra não por causa da questão ideológica, eu votei contra por que no meu entendimento o programa precisava muito mais de um filósofo da área de epistemologia, de alguém que discuta o conhecimento enquanto processo de estruturação ligado ao conhecimento.Então para mim , a pessoa indicada ,pelo fato da Creusa ter saído da PUC naquele período , seria alguém do perfil do Hilton Japiassú , do perfil do Danilo Marcondes; e não na área do pensamento social . Nós éramos tão poucos e tão pobres, que a gente tinha que estar integrando o mais possível a Filosofia à Didática. No caso da Creusa já tinha essa coisa do nosso relacionamento desde os anos 60 , na JUC, depois lá em Louvain. Nós convivíamos muito juntos. Em Louvain era uma questão de 10 metros de um prédio paro o outro, e nós atuávamos juntos no movimento estudantil na Bélgica. Então a contribuição da Creusa, sobretudo na parteda epistemologia, era em relação ao estudo sobre o estruturalismo e o construtivismo.Eu me lembro que uma vez, por volta de 69, eu tive uma conversa com ela. Aí começou a surgiu em 70 a influência do marxismo na educação brasileira.Então eu tenho uma conversa com a Creusa a respeito do construtivismo e estruturalismo em Piaget e o estruturalismo que começa a ganhar força

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no Brasil ,sob influência do Marxismo. Então Creusa me respondeu: não façamos qualquer confusão entre o estruturalismo com base em Piaget e a releitura do estruturalismo marxista, com base na infra-estrutura econômica.

E :Foucault?

R: Não, era um autor marxista francês reconhecido na área da epistemologia das ciências sociais Mas então eu destaco que a preocupação estava em associar Epistemologia e Didática, e à Educação em geral, como Creusa sempre trabalhou articuladamente com a Vera.Não sei se você percebeu isso como aluna da Pós-Graduação. Tanto que quando eu voltei a ser coordenador do Mestrado, já quando a turma da Sônia Kramer, da Clarice Nunes e da Isabel Alice, eu tentei refazer este esquema de articulação estudos em epistemologia, convidando vários conferencistas da área de filosofia do conhecimento, como o Gert Bonnheim, que faleceu recentemente; o Danilo Marcondes , o Hilton Japiassú. Eu entendo que em um programa de Pós-Graduação como o nosso, faltava uma consistência maior na parte da epistemologia, porque afinal de contas a Educação trabalha basicamente com a construção do conhecimento , com os processos ensino-aprendizagem.. ( interrupção )

E : Por exemplo polêmica entre , entre a perspectiva marxista , que o social é que impera sobre o sujeito e a perspectiva de Piaget que é biológica, o desenvolvimento da inteligência. ( FALAM AO MESMO TEMPO)

R; Há um livro interessantíssimo, que lamentavelmente quase não é conhecido versando sobre Habermas x Piaget .Foi a tese de doutorado na Alemanha e está publicado pela editora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

E: Habermas contra Piaget ?

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R:Não o título é Educação e Sociedade: insuficiências da razão. Mas o contraste Habermas x Piaget é fulcro da tese de Nadja Herman Prestes: o conhecimento se dá pelo desenvolvimento das estruturas do sujeito cognoscente, ou ele se dá através da teoria da ação comunicativa do Habermas. Então ela tem aí críticas, quer dizer, os autores que criticam Piaget, como se o mundo externo não houvesse , houvesse apenas o desenvolvimento interno das estruturas do sujeito cognoscente.

E: O Goethe por exemplo já tem outra perspectiva. Carmelo você lembra se havia linhas de pesquisa?

R Apenas começa então por volta de 69 , tanto que neste primeiro relatório de credenciamento do Mestrado, eu tive muitas dificuldades em identificar as linhas de pesquisa. Como as pesquisas estavam surgindo, tinha a da Apparecida que ainda era doutoranda ,o núcleo forte da psicologia de desenvolvimento ,da psicopedagogia com Eloisa, tinha o núcleo forte do planejamento educacional; , quer dizer dava para fazer algumas convergências , mas não eram propriamente linhas de pesquisa. Tinha por exemplo as orientações das dissertações com a Eeloisa , que constituíam a linha de pesquisa da Psicopedagogia. Na área de Educação Brasileira era bastante flexível , então , na verdade para o relatório do credenciamento em 69 a gente procurou enquadrar mais..

E: E a orientação, você lembra como era o processo de orientação?

R: Orientação acadêmica?

E: É orientação acadêmica, de tese. (Graça) Quais são os dois núcleos mesmo?

Educação Brasileira, Planejamento e Orientação Educacional?

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R :Isso continua até quase final da década de 70, eu acho. A vinda do programa da Zélia Mediano para a área de Didática, acho que eu já comentei isso, ela se dá na segunda geração docente, dependendo da contagem do tempo. Ela se dá também via Instituição Teresiana. Tanto que o Japiassú , ele era muito brincalhão com o predomínio feminino na Educação; ele dizia , vocês são dominados pelas mulheres e ainda mais pelas mulheres Teresianas.( risos) Porque nós tínhamos a Zélia,a Vera e a Marilú. Que era uma bela troika sem dúvida... aliás, você trabalhou maravilhosamente bem com a Marilu, não é?

E: Maravilhosamente. Nossa, eu adorava a Marilú, a gente trabalhou muito bem. Carmelo e essa questão de... (falam juntos).

R: Então eu acho que valeria a pena recuperar a professora Celina Junqueira porque ela foi testemunha ocular dessa história.

E: Onde ela está agora? Tem que descobrir, não é?!

R: Eu falei com ela há uns 3 anos atrás.Ela vem ao Rio esporadicamente à casa de uma pessoa familiar dela. Eu vou tentar recuperar o telefone dela em Poços de Caldas. Ela foi, enfim, ela convivia muito mais com o Padre Benko do que eu. Ela era vice-diretora, compartilhavam a mesma sala, etc. Então ela provavelmente tem muito mais conhecimento dos bastidores do que eu.

E: Ah, é?

R: Ela era vice diretora, compartilhava a sala com o Pe Benko. Então provavelmente ela tem muito mais conhecimento dos bastidores do que eu,em termos das políticas institucionais.

E : Ela era mineira?

R: É da tradicional família Junqueira em Minas Gerais.

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E: Por isso que estou pensando, família Junqueira era de Poços de Caldas?

R: É, Poços de Caldas.

E: Muito interessante Carmelo. É... História do Brasil que você nos deu hoje.

R: A gente viveu uma época muito intensa.

E: Muito bonito.

R: Certamente, o Benko me chama para oferecer uma bolsa porque ele via em mim uma pessoa ativa, atuante, enfim.

E: Nos Estados Unidos, você ficou quantos anos? Você levou a Merise?

R: Cinco anos. Porque eu vim duas vezes para o Brasil. Eu fiz mestrado, acabei voltando para fazer as pesquisa de campo do doutorado sobre o planejamento educacional em Pernambuco e no Rio Grande do Sul.

R: Ah sim. Era uma condição “si ne qua non”.

E: Podemos ver as fotos?

R: Ah sim. Essa aqui foi a foto do primeiro jantar, quer dizer, o jantar de despedida de Natal e do fechamento do ano letivo da turma de 1966, eu não me lembro mais os nomes. Mas se eu pegar o nome das pessoas com a Merise eu vou reconhecer.

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E: Eu não estou reconhecendo as pessoas.

R: É você tem aí... Quando eu falei do CRUB, lembra que eu falei do Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras? Por exemplo, a Ligia. Ela era professora de pedagogia do Rio Grande do Sul, casada com um assessor do CRUB; ela era mestranda atendida pela cota do Rio Grande do Sul, junto a este capuchino , Frei Ângelo, de Ijuí. Estão aí o Padre Benko, a Stela Segenreich... aqui eu não estou conseguindo ver.

E: A Stela que está no UCP?

R: Sim é Stela

R: Aqui escondida não sei é Creuza Capalbo ou se é Helena Tauhata, mestranda de São João Del Rey., Não reconheço. Eloísa. Essa aqui é do Nordeste. Essa aqui é do interior de Minas Gerais. Aqui estou eu, Merise e a professora Celina Junqueira. Ela era muito elegante. O frade capuchinho era lá de Ijuí e ao lado dele uma professora, essa era também do nordeste.

E: Depois vamos escanear essa foto.

R: Está muito apagada, pode ficar.

R: Nesta foto do jantar da minha despedida em setembro de 1970, i você tem a troika, a trinca toda quase. A Celina Junqueira, O Reitor Padre Ormindo Viveiros Castro, que como Decano que nos deu força para contratar o Durmeval, o padre Benko. Aqui atrás estão o Camilo, Eloisa Franco, a Creusa Capalbo, Helena Tauhata, Merise e eu, Stela, a Cida Mamede e a Malú Teixeira. Elas eram alunas da Pós e professoras do Departamento. .Aí o programa começou a alimentar a contratação de novos professores para a PUC.

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R: Eu vou pedir à Guida, porque ela pediu que eu trouxesse as fotos da formatura da Merise para scanear.

E: Pois é.

R: Eu posso levar junto com a da Merise e pedir para scanear e ela manda uma cópia para vocês.

E: A Merie fez mestrado aqui também?

R: Ela começa em 1966 na segunda turma, quer dizer, na primeira turma oficial do Mestrado.

E: Na primeira turma? Com a Apparecida?

R: Eu preciso recuperar uns nomes.

E: A Apparecida foi a primeira dissertação a ser defendida.

R: Foi, eu não sei se ela foi da primeira turma. Acho que não, precisaria consultar. Tenho que ver nos relatórios anuais ...

R: Ah sim, sim. Eram de da turma de1967, pois tinham dois padres na psico-pedagogia: o Djalma Rodrigues e o Franz Rúiio, que era da Federal do Espírito Santo. E a Apparecida Mamede.

E: Foram os dois primeiros?

R: Digo, em relação à turma de psicopedagogia com a Eloisa Lopes.

E: Do mestrado em psico- pedagogia?

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R: E tinha o grupo de planejamento educaional, no qual entravam a Stella, Merise, depois entrou pó volta de 1968 entraram a Waleska e a Malú.

E: Agora, o Osmar, a Lurdinha também fazem parte dessa geração? Não pertencem à geração da classe de especialização em 1965. Mas depois foram admitidos ao Mestrado com aproveitamento parcial dos créditos cursados na especialização. (falam juntos)

R: Então o que acontece o Osmar é do primeiro programa de especialização, ele começa o programa de especialização. Ai dessa turma a maioria ingressa após no Mestrado

E: A Lurdinha também?

R: Acho que não. Creio que não. Dessa turma que começou a especialização o Osmar, a Ana Augusta, a Nair Esperanza, uns quatro ou cinco pleitearam e depois passaram para o mestrado, depois que fizeram disciplinas de Estatística, Pesquisa, filosofia da Educação.

E: Dominavam alguma língua estrangeira?

R: Pois é, tinha língua estrangeira: francês ou inglês..

E: Liam biografia mais em francês ou inglês?

R: Naquela época era mais francês. Quer dizer, dependia.O pessoal da Psicopedagogia, sobretudo, com o Aroldo Rodrigues, a Ângela Biaggio, o Pe Benko etc. Mas pela proposta do padre Benko seria um programa integrado de educação e psicologia, porque era a maneira de se dar maior densidade na parte de pessoas qualificadas no exterior com dodutoramento. (falam juntos) Em compensação, a gente teve além do padre Benko em pesquisa, o professor Carlos Paes de Barros em Psicologia da Personalidade

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E: o padre Benko não quis voltar para a terra dele? Ele era um exilado? Um exilado?

R: Não, ele era psicólogo, uma pessoa fantástica, pessoa extraordinária, boníssima. A gente discutia questões administrativas, ele é fantástico. Eu gostava muito do Padre Benko. Tranqüilo. Eu com a minha agitação juvenil e ele com a maturidade total dele.

E: Ele seria uns 15 anos mais velho que você?

R: Uns 20, talvez

R: De vez em quando eu telefono para ele na Hungria. Mas pelo skype amanhã eu quero ver se consigo conversar. O problema é que ele esteja no computador. Às vezes ele liga e eu não estou com o computador ligado, eu ligo e ele não está com o computador ligado.

E: Quer dizer que vocês continuam conversando?

R: A Merise e eu fomos visitá-lo ano passado, 2010, no final de maio do ano passado porque além dele ter essa importância , essa centralidade na minha vida profissional, na nossa vida pessoal e familiar , também foi uma pessoa que me marcou muito.

E: Foi a sua grande influência.

R: É .. ,ele deve ter entendido “ eu vou voltar, por razões sentimentais, eu não vou continuar na Bélgica”. [rindo]. O “castigo” foi melhor, pois aí eu fui para os Estados Unidos já casado, e com um filho; e meu segundo filho nasceu lá. A gente voltou lá agora no Natal de 2110, precisamente 40 anos depois da chegada a Stanford.

E: E era a Universidade de Stanford?

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R: Califórnia. Olha eu fui inicialmente até tem uma coisa que eu coloquei no final, isto aqui foi a base do que eu falei na cerimônia dos 30 anos .

E: Eu tenho também esse documento.

R:Eu falei tem que ser a Vera , meu argumento , porque claro que não fui eu quem nomeou, mas a minha argumentação foi defender o nome da Vera. Porque por exemplo em 69 a gente sentiu que era o momento de a gente deslanchar externamente à PUC , até mesmo internacionalmente , pois a gente tentou em 1968 obter o apoio da Fundação Ford. A Fundação Ford tinha feito uma política na America Latina de centralizar-se na área das Ciências Humanas e Sociais, então a gente teve longas conversas, com Richard Sharp, conversou , argumentou, então durante vários meses ficou aquele namoro, o que vocês podem fazer?; , o que vocês querem fazer ? , o que vocês, têm que fazer é mas aí no fim ele falou : “Carmelo, vocês não garantem continuidade, quer dizer o programa da PUC de vocês . não garante auto sustentabilidade, palavra que hoje em dia está na moda. Então a Ford Foundation não vai poder investir no Programa de vocês, vamos investir no IUPERJ”. O IUPERJ durante decênios ,foi bancado pela Fundação Ford, agora acabou .Mas por exemplo os estudos de demografia da UFMG ,e tinha , claro , em São Paulo o CEBRAP, do FHC ( inaudível).Aí eu tentei vender o peixe ao Richard Sharp. Mas ,aí foi interessante. Quando eu já estava em Stanford, em 1972 ele foi lá me visitar e nós estávamos lá ,Laura Vasques Miranda, Jacques Veloso,Isaura Belloni,eu e mais uma pessoa de São Paulo ,o Messias Costa. Ele foi lá e,como é que eu devo dizer, foi de uma total falta de elegância . Por que todos os brasileiros no SIDEC / Stanford foram por um programa patrocinado pela FORD Foundation junto à Universidade de Stanford. Ele chega nos reúne e diz: “ a política da Fundação Ford em relação a educação no Brasil é centralizar todos os doutores na UNB, porque todo o processo decisório da Educação se dá em

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Brasília , no MEC . Então nós estamos oferecendo à vocês essas bolsas e a oportunidade de vocês depois irem para Brasília .”Eu falei: “eu tenho vinculação institucional com a PUC”.Ele falou: “Não há problema, a gente paga. Que é isso? não é mercadoria, “a gente paga” , a gente compra o passe.” Eu disse: “Richard você sabe que existe um vínculo pessoal meu com a PUC?”.Ele levou mesmo vários para Brasília: a Laura era ligada à UFMG em BH, a Isaura lá no Rio Grande do Sul , levou a Isaura e o Vinícius que era o esposo dela então ; levou o Jacques Velloso, e também o Messias Costa. Aí ficou claro para mim que a Ford não iria mesmo investir na PUC: primeiro porque não tinha a auto-sustentabilidade era um programa que não tinha auto- sustentação , na medida que dependia de uma série de arranjos frágeis. A primeira crise econômica teve o afastamento da Eulina e outros; coisas assim e também porque a intenção deles era ter um núcleo pensante dentro da UNB.

E: Era a época do Darcy Ribeiro?

R: Não, não é bem anterior .O Darcy veio depois e aí já na época do governo FHC, quando se dá o nome , Lei Darcy Ribeiro , Campus Darcy Ribeiro, mas então já na época do FHC e do Paulo Renato .OK, bom estou aí às ordens. Eu vou tentar redescobrir, em algum lugar eu tenho, não sei, talvez a Ivone tenha o contato da Celina Junqueira. Há dois anos eu falei com ela!

E: Olha Carmelo foi uma beleza,deixa eu te dizer uma coisa , fiquei emocionada várias vezes.É uma história tensa, cheia de princípios, valores, lutas, bonita. Obrigada a você Carmelo.

Despedidas . comentários das entrevistadoras . Fim da entrevista

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Fotos cedidas por José Carmelo Braz de Carvalho

1975, quando José Carmelo iniciava a redação da tese de doutorado

2010, 47 anos após ter recebido em 1963 o convite de Pe Antonius Benko para estudar naUniversité Catholique de Louvain

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2011, José Carmelo e família visitando Stanford

2013, Comemoração dos 50 Anos da Pós-Graduação da PUC/Rio na Biblioteca Central (04/12/2013); Esquerda para a direita: José Carmelo, Margarida de Souza

Neves (Coordenadora Acadêmica do Núcleo de Memória da PUC-Rio) e Reitor Padre Josafá Carlos de Siqueira

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VERA CANDAU

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Nome do entrevistado: Vera CandauLocal da entrevista: PUC‐Rio

Data da entrevista: 1 de junho de 2011

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Entrevistadores: Tânia DausterTranscrição: Diana Gonçalves

Nome do projeto: Projeto “Fundadores” – a construção da memória da Pós‐Graduação em Educação da PUC‐Rio

E: Nós já temos o que você escreveu sobre a construção da pós‐ graduação, mas temos uma pergunta que antecede tudo isto, que é pensar quem é ou quem são os professores que fizeram parte desta geração fundacional, e isso numa linha da história de vida. Então, se você pudesse falar um pouco da sua infância, juventude e da sua formação, o seu ambiente familiar; tudo isso nos interessa, no momento que queremos conhecer melhor uma das fundadoras importantes do programa. Vera: Primeiro, gostaria de agradecer a oportunidade desta troca, deste diálogo, porque acho que é muito bom para a PUC, para o programa de pós‐ graduação em Educação e também para o âmbito da educação geral no Brasil, já que a PUC foi a pioneira, ter este estudo da memória, da trajetória do curso e da construção do curso disponível não só para nós, mas para todos os educadores que tenham interesse neste tema.

E: A idéia é essa.

Vera: Quanto à pergunta que você me fez, sou uma pessoa oriunda de uma família de classe média baixa ; morava em Botafogo, numa vila situada mais ou menos em frente ao Colégio Santo Inácio. Eu morava lá no final da vila. E o que eu me lembro da trajetória da minha infância, que foi uma infância feliz, foram duas coisas. Primeiro o esforço dos meus pais para que nós tivéssemos uma boa educação. Eu tenho um irmão e, naquele momento, nós fomos para escolas particulares, ali mesmo em Botafogo, na Rua São Clemente. Eu fui para o Colégio Jacobina, que já não existe mais, meu irmão para o Colégio Padre Antônio Vieira, que existe até hoje. A minha experiência no Jacobina foi muito forte. E me lembro de outra coisa,

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nessa vila as crianças organizaram uma escolinha, no sábado de manhã, onde as crianças mais velhas ensinavam as crianças mais jovens. A gente levava mesa, cadernos,sentava e brincava de escola.

E: Quantos anos você tinha?

Vera: Eu tinha 5, 6 anos, antes de entrar no Jacobina. E isso foi muito importante para mim, acho que me despertou essa coisa de escola, até de ser professora.

E: Você fez Jardim de Infância?

Vera: Fiz, Jardim de Infância da rede pública.

E: Onde?

Vera: Ali em frente ao morro dona Marta, tem uma escola, eu não sei o nome hoje , mas a escola existe , está lá, depois eu fui para o Colégio Jacobina. No Jacobina, eu tive, amplamente considerando uma experiência muito boa, mas tive também uma experiência, digamos assim, já não tão boa, mas que me ajudou, até hoje, a pensar o tema da diferença. Eu sou canhota e quando eu comecei a escrever eu escrevia o que chamam como “no espelho” (assim, faz o gesto). Minha mãe trabalhava no Instituto de Pesquisas Educacionais da rede pública. Ela me levou e eu fiz um monte de testes de lateralidade e disseram que eu era canhota, totalmente canhota, e isso era uma questão neurológica e que não se devia forçar, mas sim corrigir a escrita ao espelho, e por conta de corrigir a escrita ao espelho, eu passei um tempão lá no Instituto de Pesquisas Educacionais em diferentes áreas. Na escola, tudo bem, eu comecei a escrever com a mão esquerda, mas quando eu tinha 10 ou 11 anos, no 4o ano ou no admissão, na festa junina, eu queimei a mão esquerda, uma queimadura de 1o grau e não podia escrever. Era época das chamadas provas parciais e disseram que eu

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tinha de fazer as provas parciais escritas‐ não podia ser oral‐ com a mão direita e a única coisa que a escola podia fazer era liberar o tempo.

E: Você lembra em que ano foi isso?

Vera: Deve ter sido no início dos anos 50, 54 ou 55, e por conta disso, de ter que escrever com a direita, teve um lado bom e um lado ruim; o lado ruim foi que foi traumático, eu fiz um monte de caligrafias para escrever com a direita, até então eu nunca tinha escrito com direita. O lado bom foi que passei também a escrever com a mão direita, não com a mesma soltura que com a esquerda. Não que eu escreva com a mesma facilidade, mas posso usar. Quando eu estava no admissão, um dia cheguei em casa e disse aos meus pais que queria fazer concurso para a escola normal. Meus pais levaram o maior susto, porque isto não foi induzido, acho que pelo fato de ter freqüentado o Instituto de Pesquisas Educacionais, onde trabalhava a minha mãe, e ter tido a experiência da escolinha da vila e saber que as escolas normais eram onde formavam os professores , acho que isso me suscitou o desejo de ter uma formação para ser professora. Lembro‐me de uma conversa muito importante com o meu pai, em que ele me perguntou porque eu queria ir para escola normal e nós fizemos um acordo: que eu só iria se passasse para o Instituto de Educação, porque naquela época, você podia passar para o Instituto, para o Júlia Kubitschek, etc , escolas que ficavam mais longe da minha casa. O Instituto era na Tijuca, eu morava em Botafogo. E terminei passando para o Instituto de Educação.

E: Você se preparou para o concurso?

Vera: Eu estudei numa escolinha, eu estava no Jacobina, mas soube de outras crianças que estavam se preparando, numa escolinha nos fundos

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de uma casa, em Ipanema, com uma senhora que preparava para as provas.

E: Era para o admissão, preparatório?

Vera: Preparatório para o concurso do Instituto. Eu estava no admissão, mas o preparatório era para o concurso do Instituto de Educação. Eu freqüentei esta escolinha uns seis meses e passei para o Instituto. Sendo assim , meu pai não tinha motivo pra não deixar eu ir para o Instituto.

E: E seu pai queria que você fizesse o quê?

Vera: Não sei, como eu tinha onze anos de idade, doze anos, isso não era claro ainda para eles, o que eu tinha muito incutido é a história de que “nós queremos uma boa educação para vocês”, e eles fizeram o maior sacrifício, minha mãe trabalhava, meu pai trabalhava, para nos dar ‐ a mim e meu irmão‐ uma boa educação.

E: Qual era a área do seu pai?

Vera: Meu pai era comerciário; não tinha carreira universitária, minha mãe também não. Eu sou a primeira da minha família que tem carreira universitária. No Instituto de Educação as aulas começavam às 7 da manhã e meu pai me levava de carro todos os dias, pelo menos os dois primeiros anos, até eu começar a ir de ônibus, pois ele achava que era muito cedo e muito longe e era a primeira vez que eu estudava tão longe. Estudei sete anos no Instituto de Educação, os quatro anos do antigo Ginásio e os três anos do Normal, no período considerado dos Anos Dourados do Instituto de Educação, uma experiência muito forte e importante.

E: O que você se lembra deste período?

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Vera: Lembro de aspectos pontuais e do clima. Fui aluna do Junito Brandão, de Latim, e da Sandra Cavalcanti, de Português, uma excelente professora. Fui aluna do Sussekind, de Matemática. Tive excelentes professores tanto no ginásio, como no Normal, professores que realmente marcavam a gente. Mas talvez o que mais me marcou no Instituto de Educação foi um certo clima de valorização do ser normalista, o tempo todo se incutia este “valor”, mas não era por doutrinação, era o clima. Por exemplo, lembro que uma vez as alunas que moráramos na zona sul e íamos de ônibus , arregaçávamos as mangas do uniforme, que eram compridas, tirávamos o cinto e fazíamos um pouco de bagunça. No dia seguinte, éramos chamadas e diziam: “lembrem que vocês são normalistas”. Esta realidade de ser normalista tinha uma série de conseqüências. Sempre gostei de estudar e quando terminei o normal queria continuar estudando. Naquele momento você saía já com um emprego, já saía professora do Estado e tinha que lecionar na zona rural, então eu fui para a zona rural. Acho que foi a experiência pedagógica mais importante da minha vida. Fui para uma escola situada no fundo da ilha do Governador, numa área considerada zona rural.

E: A mais importante Vera?

Vera: Primeiro pelo choque de realidade. Sair da zona sul do Rio de Janeiro, dos Anos Dourados do Instituto, e ir para a escola na zona rural. A escola estava na base do morro do Boogie Woogie, chamava‐se Escola IV‐13 Abelardo Feijó. Existe até hoje. A maioria das crianças trabalhava pela manhã na feira. As aulas eram pela tarde. A escola tinha três turnos, eu entrava às 13h. O primeiro problema é que as crianças, que já estavam desde 5h30min acordadas e em atividade, chegavam na escola, tinham o almoço e ficavam sonolentas e chegavam mesmo a dormir na sala de aula. Esta realidade era para mim era uma experiência muito forte... Eu chorei muito, meu pai chegou a me dizer “minha filha, se esta situação provoca tanto

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sofrimento deixa para lá, existem outras coisas para você fazer na vida”. Mas eu disse: ”Não, não, eu tenho que aprender” e fui em frente. Então eu acho que isso me marcou muito, o direito à educação dessas crianças que trabalhavam. Aprendi, usando a expressão de Perrenoud, a “agir na urgência, decidir na incerteza”. Ao mesmo tempo que trabalhava, comecei a fazer o curso de pedagogia na PUC.

E: E por que você escolheu a PUC?

Vera: Eu escolhi a PUC porque ela existia na frente da minha casa. Antes de vir para a Gávea, ela existia do lado da igreja do Santo Inácio, em frente à vila onde eu morava. Então naquela época a PUC me era familiar. Depois a PUC saiu de Botafogo e veio a Gávea. Também várias pessoas que eu conhecia estudavam na PUC.

E: Isso foi mais ou menos?

Vera: 1958, 1959, quando eu entrei na PUC. Estudava de manhã e saía correndo para a ilha do Governador, onde trabalhava. Eu saía daqui ao meio dia (12h) e chegava lá por volta de uma e meia (13h30min), , saía às cinco e meia (17h30min h) e chegava em casa por volta das sete/oito horas (19h/20h) e tinha de preparar as aulas que eu dava e também fazer as leituras da universidade.

E: O que ficou da experiência universitária?

Vera: Fiz o curso universitário no final da década de 50 e início da década de 60, antes do golpe militar. Uma época em que muitos eram os temas presentes entre os estudantes: revolução cubana,semana sobre a realidade brasileira, vários grupos estudantes em contínuo movimento. O que mais me marcou não foi à sala de aula, foi toda esta mobilização; participei de movimento estudantil, participei de diretório, participava de diferentes movimentações. Muitas vezes chegava em casa do trabalho e voltava para a universidade, ficava até

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de madrugada quando tinha semana da realidade brasileira, semana da educação, etc. As meninas da Pedagogia, digo meninas por que eram raros os rapazes, criamos uma escolinha de educação infantil onde hoje é o estacionamento da PUC e antes havia um parque proletário. A escolinha atendia às crianças deste parque a as alunas nos revezávamos para que as atividades se desenvolvessem durante toda a semana. Conseguimos que a reitoria garantisse a merenda das crianças. O que mais me marcou foi a questão de uma formação universitária comprometida com a realidade, que discutia o momento presente, que se empenhava também em fazer algo dentro das possibilidades concretas. Outro aspecto que gostaria de ressaltar foi o papel naquele momento‐ final dos anos 50 e início dos 60‐ de um jesuíta húngaro, o padre Bënko, que considero especialmente importantepara a área de Ciências Humanas. Ele era o decano da Faculdade de Filosofia, tinha muita visão de futuro, e queria preparar a universidade, especialmente a área de Ciências Humanas, para desenvolver a pós‐ graduação. A pós‐ graduação, como a gente conhece hoje, com mestrado e doutorado, não existia; quando muito tinha a livre docência, que não era um curso, e sim a apresentação e defesa de uma tese. Ele começou, com visão, a identificar alguns bons alunos e a universidade oferecia apoio para que fizessem estudos no exterior. No final do meu curso universitário fui convidada pelo padre Benko, junto com outros alunos, para ampliar estudos no exterior e depois colaborar na construção da universidade. No meu caso ele me chamou e perguntou se eu queria passar um ano na Universidade de Louvain, na Bélgica. Fiquei surpresa porque na época não era comum ter este horizonte mas fiquei muito contente. Falei em casa e primeiro provocou uma série de dúvidas e questões, mas depois meu pai aceitou. Digo meu pai, porque nesse intermédio perdi minha mãe, num desastre de automóvel. Morávamos eu, meu pai e meu irmão. Terminei aceitando a proposta e viajei no final do ano 1962 para a Bélgica. Em Louvain morei numa residência universitária das religiosas ursulinas. Foi uma experiência muito forte, tanto do ponto de vista intelectual, como social e cultural.

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E: Você escolheu o curso que iria fazer?

Vera: Como eu já era licenciada, fiz um combinado de disciplinas de pedagogia e disciplinas da filosofia. Sempre gostei bastante de filosofia. E essa era uma época em que a área de filosofia em Louvain era muito famosa, ele mesmo me disse: “Faz filosofia”, porque ele também havia estudado em Louvain, e me deu algumas sugestões. Para mim foi uma experiência única, primeiro porque tinha de enfrentar desde coisas mais elementares, do cotidiano, como acordar com tudo escuro, “Ah não, não saiu o sol”, mas ter que acordar, passar meses sem sol. Aquilo para os latino ‐ americanos em geral, mas para os brasileiros em particular era terrível, passar aquele inverno prolongado, mas foi uma experiência fundamental. Talvez a primeira vez que eu tenha sentido na minha pele a experiência do preconceito. Os estudantes da América Latina eram vistos como mais fracos e duvidavam da nossa capacidade de dar conta das exigências dos estudos. Qualquer confusão que acontecia na cidade no fim de semana, briga, bebedeira, era atribuída aos latino‐americanos e africanos e a polícia ia aos diferentes locais onde vivíamos. Éramos sempre os responsáveis por romper as normas. O que não correspondia à realidade. Experimentei muito fortemente que os comportamentos podem ter dupla leitura ou tripla ou quádrupla, o que foi para mim uma experiência nova. A verdade é que me desempenhei muito bem nas disciplinas que cursei e aprendi muito em Louvain. Essa experiência foi marcante emocionalmente, reafirmou o meu compromisso com a educação, me abriu o horizonte latino‐americano. Até então eu não tinha esta experiência. Foi uma experiência que ficou para toda a minha vida. Foi marcante para mim essa questão que na época chamávamos de terceiro mundo, como os europeus viam o terceiro mundo como uma coisa inferior e a gente tinha que lutar para se afirmar.Também me marcou o que é ser estrangeiro, você ter que lidar com outras leituras sobre a sua realidade, ter que lidar com as

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representações dos outros. Quando uma estudante belga me convidou para passar um fim de semana na sua casa isso me abriu um horizonte novo para tentar entender e olhar o contexto belga e os problemas deles de outra maneira, como lidar com as diferenças como é que as coisas batem na gente e nos outros, de relativizar a sua própria perspectiva. Acho que isso para mim foi muito bom e contribuiu de modo significativo para a minha formação.

E: O Benko escolhia Louvain, por quê?

Vera: Porque a PUC tinha um convênio com Louvain que incluía a concessão de bolsas de estudo e Louvain na época era a principal universidade católica do mundo.

E: Era boa a bolsa?

Vera: Era, dava para viver, para estudar, para fazer as viagens etc. Era o suficiente e permitia os gastos normais, sem excessos.

E: Mais aí você veio já para ser professora da PUC? O Benko a convidou? Quando você saiu daqui já era com esse compromisso de voltar e ser professora da PUC?

Vera: Já vim para ser professora da PUC. Quando eu saí daqui já era com esse compromisso ao voltar. Comecei, em 1964, sendo assistente do professor Emerson Nunes Coelho nas aulas de História da Educação e Didática, como professora horista. Naquela época quase ninguém era de tempo integral. Além disso, eu tinha meu cargo no Estado, eu trabalhei até me aposentar. Fui para a Escola Normal, depois para o Conselho Estadual de Educação. O que acontece é que com 40 e poucos anos, como eu comecei a lecionar com 18, com 25 anos de magistério eu me aposentei e me dediquei

à vida universitária.

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E: E tinha o curso de Pedagogia?

Vera: Tinha o curso de Pedagogia, bacharelado e licenciatura, e tinha outros cursos de licenciatura. O departamento só surge com a reforma universitária de 68. Dei aula durante dois anos e aí o padre Benko voltou a me chamar e me disse: “A PUC está começando a pós‐ graduação [no ano 1965 começou um curso de especialização em educação], precisamos preparar um corpo docente com a titulação adequada, tem de ter o doutorado.”

E: Por que, o curso que você fez em Louvain era o quê?

Vera: Hoje em dia poderíamos dizer que era um curso de especialização. Fazendo uma aproximação, porque isso também não existia lá. Fazia‐se licenciatura e depois tinha o doutorado. E eu fiz um ano, com disciplinas da educação e da filosofia.

E: E então como foi o doutorado? Quando eu voltei a questão da implantação da pós‐graduação stricto sensu –mestrado e doutorado ‐estava começando a ser discutida no país. A CAPES começou a oferecer bolsas para o doutorado no exterior. Nesta época, por relações pessoais, conheci a doutora Maria Angeles Galino, primeira mulher catedrática da Espanha, professora da Universidad Complutense de Madrid, e com ela vi as possibilidades de fazer o doutorado na Espanha. Lá não tinha o mestrado como aqui. Eu fui direto para o doutorado, eu tinha feito a licenciatura aqui, fiz a revalidação da licenciatura na Universidade de Madri, me exigiram algumas disciplinas e que fizesse o que eles chamavam de “Tesina”, que é uma monografia, que para muitos equivale ao mestrado. Eu queria fazer o doutorado na área de Didática e essa professora Angeles Galino, me indicou um professor de Barcelona, que na época era considerado o melhor professor na área de Didática, da Espanha, chamava‐se

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Fernàndez Huerta, já morreu. Ele estava em Barcelona, mas eu podia cursar em Madri e ter a orientação dele em Barcelona. Fiz as disciplinas de doutorado em Madri e fui orientada por ele em Barcelona, e depois defendi a tese em Madri. Fiz o doutorado em três anos, de 1966 a 1969, e voltei para o Brasil no final de 1969. A experiência da Espanha foi intensa e muito interessante. Fiquei numa residência universitária, que os espanhóis chamam de Colegio Mayor, que é uma residência que é considerada complementar à universidade, aproximadamente com 200 universitárias. Como aluna de doutorado, era tutora de um grupo de residentes. Foi uma experiência difícil e complicada. Eram os últimos anos do regime franquista e a universidade de Madri estava cheia de tanques de guerra e a faculdade de filosofia tinha polícia nos corredores o tempo todo vigiando. Esse foi o clima que eu vivi em Madri: “Tome cuidado porque é estrangeira...”, “não se meta”, porque tinha muita manifestação estudantil. Foi uma época tensa e muito interessante, mas muito difícil também. A outra coisa que me marcou foi que, quando fui conversar com o professor Fernandez Huerta sobre a minha tese, ele me disse tudo bem, mas só pode fazer comigo se for sobre ensino programado porque eu só oriento atualmente pesquisas sobre este tema, que considero de especial atualidade. Eu nem sabia o que era ensino programado, mas aceitei e comecei a estudar com muita dedicação. Toda a bibiografia principal era em inglês. O processo de orientação me obrigou a fazer várias viagens a diferentes cidades da Espanha para encontrá‐lo. Tudo muito original e bastante diferente da sistemática que temos entre nós.....Foi uma experiência muito boa e extremamentemente enriquecedora.

E: Quando você voltou, Estava abrindo o mestrado aqui?

Vera: O mestrado abriu em 66 com duas áreas de concentração: planejamento educacional e aconselhamento psicopedagógico. Eu voltei no final de 69 e criei a área de concentração em Método e

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Técnicas de Ensino, em 1970. As primeiras dissertações que orientei foram sobre ensino programado. Nós estávamos nos anos 70, anos extremamente difíceis, em plena época da ditadura. Para ter uma idéia eu lembro que em 72 ou 73 fui num programa de intercâmbio aos Estados Unidos para visitar faculdades que trabalhavam com formação de educadores e iam dando material para a gente, livros, documentos, etc. Eles se encarregavam de enviar tudo por correio, uma vez terminado o programa. Comprei a Pedagogia do Oprimido do Paulo Freire, em inglês, coloquei junto com o material a ser enviado e o livro nunca chegou .....

E: Vera sei que a Instituição Teresiana colaborou muito com o Departamento de educação e na pós‐ graduação por conta do Colégio de Aplicação. Como é que foi isso?

Vera: A Instituição Teresiana é uma organização de leigos católicos, profissionais comprometidos com a educação e a cultural, de caráter internacional. A relação da Instituição Teresiana com a PUC vem dos anos 50 quando foram criados os colégios de aplicação. O então reitor, o Padre Alonso, um espanhol que conhecia a Instituição não só na Espanha, mas em vários países da América Latina, a convidou para organizar o Colégio de Aplicação da PUC, por sua reconhecida tradição na área de educação. Várias pessoas vinculadas à Instituição foram e ainda são professoras da PUC, não só no Departamento de Educação, mas de outros departamentos também, como o departamento de Letras, História, Teologia. Quando eu conheci a Instituição, estava aqui na universidade cursando Pedagogia. Fui para a Bélgica, a Instituição também estava na Bélgica. Na Espanha esse Colégio Mayor no qual residi era de responsabilidade da Instituição Teresiana. Então esses vínculos foram sendo construídos e fui me comprometendo cada vez mais com a missão da Instituição. Na implantação do mestrado em educação, desde os primeiros tempos, colaborou a professora Eloisa Lopez franco, também vinculada ao carisma teresiano, doutora em

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educação pela universidade de Madrid. Foi ela quem criou a área de concentração de aconselhamento psicopedagógico, numa perspectiva rogeriana. Ela passou bastante tempo aqui, depois voltou pra Espanha, foi professora da universidade de Madri e morreu faz uns dois anos. Também a Marilut Mata Maroto, a Ana Waleska Mendonça, a Hedy Vasconcelos, a Zélia Mediano são professoras vinculadas à Instituição que tem colaborado com o departamento de Educação e o desenvolvimento da pós‐graduação.

E: Como foram os primeiros tempos da pós‐graduação da PUC? Eu acho que a pós graduação da PUC é importante porque ela partiu do nada, quer dizer, não existia pós‐ graduação strictu sensu. Conhecendo a experiência européia e a experiência norte americana foi‐se construindo um caminho próprio. O professor José Carmelo estudou na França, e depois nos Estados Unidos, várias outras pessoas também estiveram nos Estados Unidos, que é a experiência que inspirou o parecer do Conselho Federal de Educação sobre a Pós‐ graduação no Brasil. A experiência da PUC, tendo todas estas referências, foi sendo construída pouco a pouco, a partir do corpo docente implicado desde o curso de especialização de 1965. Os primeiros professores eram grandes especialistas sem titulação formal no nível de doutorado. Depois mudou, por isso acho que o padre Benko tinha visão. Na medida em que a pós ‐ graduação vai se afirmando, ela vai exigir muito mais formalização de título. Para mim teve a grande vantagem de que fiz o doutorado muito cedo, coisa que é rara na minha geração. Em geral as pessoas fizeram depois de muita trajetória profissional. Eu não, com trinta e poucos anos já tinha o doutorado e isso foi bom e pouco frequente na minha geração. As primeiras turmas do mestrado estavam constituídas por pessoas já com uma ampla trajetória acadêmica. Eram professores da Federal, eram professores da Fluminense eram professores daqui mesmo da PUC, a maior parte professores universitários, mas não professores iniciantes, professores a que já tinham muito mais anos do que eu de experiência docente e isso para

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mim foi uma experiência que me deixava nervosa e questionada. Supunha lidar com pessoas que tinham mais experiência do que eu, bastante mais, mas que estavam ali fazendo mestrado, principalmente nas primeiras turmas. Isso mostra também como o perfil da pós‐ graduação foi mudando, de uma pós‐ graduação que era muito mais para legitimar uma trajetória, era o ápice da carreira ou condição para que as universidades pudessem elas mesmas criar sua pós‐ graduação. Isso foi muito importante. Outro aspecto que considero muito importante do início da PUC é que, com as categorias de hoje, diríamos que assumimos uma política de cotas. Na seleção dos alunos para a pós, distribuíamos as vagas pelas regiões do país. Não queríamos que todos os alunos fossem do Rio, São Paulo, Minas, quer dizer do sudeste. Colocamos um limite de número de alunos para o sudeste, e abrimos vagas para o norte, nordeste, Sul e centro‐oeste. Era o primeiro curso de mestrado do país e era necessário garantir o acesso a alunos de toda a geografia nacional. Lutávamos por isso, porque os professores da primeira hora tínhamos essa forte convicção do papel social da pós ‐ graduação e da universidade como um todo.

E: Tinha diferenças entre esses professores da primeira hora, ideológica, ou era um grupo mais homogêneo?

Vera: As diferenças se situavam dentro de uma tendência que afirmava a importância do impacto social do curso no contexto brasileiro e de suas questões no campo da educação. No primeiro momento, implantamos um curso preparatório para o mestrado, acho que financiado pela CAPES.

E: Esta política de seleção teve conseqüências?

Vera: Acho que deu uma forte projeção à PUC. Até hoje você anda pelo país e encontra pessoas que são ex‐ alunos da PUC em funções de gestão e coordenação nas universidades, no MEC, nas secretarias

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municipais e estaduais, no congresso nacional, em organismos internacionais, gente de diferentes áreas geográficas do país, que fez mestrado ou doutorado na PUC . Esta política se manteve até que a pós ‐ graduação começou, vamos dizer assim, a se expandir pelo país inteiro. Mas teve um grande impacto, podemos afirmar. E também sempre se aceitou alguns estudantes latinos americanos. Tivemos alunos peruanos, argentinos, da Costa Rica, etc. Considero este um dado muito interessante da história da pós‐graduação em educação da PUC.

E: Vera, eu sinto que você mudou muito na sua trajetória também, como é que você vê isso? Essa reflexão da sua trajetória intelectual, como professora, enfim daquela professora que começou com metodologia didática, ensino programado e hoje o tipo de atuação que você tem, acho muito interessante, muito original como é que foi isso?

Vera: Sempre tive essa referência à Didática. Comecei trabalhando fundamentalmente o confronto entre a Didática tradicional e a Escola Nova e suas implicações, ainda nos anos 60. Depois, a partir do doutorado, introduzi as questões relativas ao ensino programado e à tecnologia educacional. Participei ativamente da reflexão crítica sobre a educação e a didática dos últimos anos da década dos 70 e inícios dos 80, principalmente sobre a abordagem tecnicista dominante no período da ditadura. Promovi, em 1982, a realização do seminário “A didática em questão”, que constitui um marco na história da Didática no país. Continuei trabalhando as diferentes abordagens da Didática. A partir de minhas experiências internacionais e, especialmente latino americanas, dos anos 90, incorporei a reflexão sobre as diferenças culturais no nas minhas pesquisas e atividades docentes, articulando‐as com o tema

dos direitos humanos. Em 1996 criei aqui na PUC, o GECEC, Grupo de Estudos sobre Cotidiano Educação e Culturas, através do qual venho incorporando e trabalhando as questões culturais não só no ponto de

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vista da Didática, mas do ponto de vista das políticas públicas, do ponto de vista de outros âmbitos não são só da Didática.

E: E a pós – graduação da PUC, como evoluiu? Uma vez reconhecido formalmente e consolidado o mestrado, começamos a pensar no doutorado. Na época eu era coordenadora setorial de pós‐ graduação aqui do CTCH e a psicologia também tinha feito esse movimento, eles tinham criado o mestrado, que foi bastante estimulado também pelo padre Benko. Já tinham avançado e também estavam pensando em criar o doutorado. As forças de um e de outro departamento não eram muitas e então pensamos em fazer uma experiência nova, na metade dos anos 80 (?), que era criar um doutorado interdepartamental em psicologia educacional. Esta experiência começou mas depois não foi para a frente, porque ela esbarrou com problemas formais, da universidade, por exemplo, quem é que dava o título? Era doutor em Psicologia ou doutor em Educação? Era Doutor em Ciências Humanas, na área de psicologia educacional?. Também o entrosamento dos professores, a definição das responsabilidades de cada departamento, enfim, foram muitas as dificuldades, de caráter acadêmico, curriculares, de formação da equipe. Mas, mesmo assim foram defendidas várias teses e depois os departamentos optaram por se separar e criar um Doutorado em Educação e um Doutorado em Psicologia. A política de pós ‐ graduação foi evoluindo, quer dizer , quando a pós‐ graduação foi criada, você tinha que definir muito claro uma área de concentração. Quando começamos a construir o doutorado em educação, nós não queríamos nenhuma área de concentração, mas do ponto de vista formal, da legislação, não era possível; então definimos que o doutorado era em Educação Brasileira e, dentro dessa grande área definimos linhas de pesquisa, como eixos estruturadores do programa. Esse tem sido um processo que o curso tem feito até hoje, de progressivamente ir fragilizando o que a gente chamava área de concentração, e botando muito mais a ênfase nas linhas de pesquisa, concebidas de modo amplo e podendo ser desdobradas em diversos

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projetos de pesquisa mais específicos e coordenados pelos diferentes professores.

E: Vera,estamos chegando aqui neste ponto e aí quais são os autores que a marcaram nessa fase de mudança, que foram importantes para você?

Vera: Nesta última fase, do ponto de vista da Didática, eu acho que Gimeno Sacristán e Perez Gomez, autores espanhóis. Também mantenho uma intensa interlocução com a produção de José Carlos Libâneo, Marli André, Maria Rita Oliveira e outros autores da área de Didática do nosso pais. São referências importantes dos meus textos e da minha reflexão. De um ponto de vista mais amplo, para pensar a realidade social e cultural da atualidade, tenho trabalhado muito com o Boaventura Souza Santos, principalmente quando ele aborda as questões que tem a ver com a articulação entre igualdade e diferença, a questão de reinventar a emancipação social no contexto pós‐ moderno, as diferentes concepções do multiculturalismo, a formação de sujeitos sociais, etc. Do ponto de vista dos latinos americanos, Nestor Canclini, Beatriz Sarlo por um lado e, ultimamente, tenho trabalhado com esses autores que se autodenomimam decoloniais, Catherine Walsh, Walter Mignolo, Aníbal Quijano. Também tenho feito várias leituras na área de estudos culturais principalmente do Stuart Hall. Trabalho também com alguns autores que vêm da Antropologia por causa do tema da cultura, como Gilberto Velho. Enfim, procuro transitar por esses diferentes autores.

E: Vera, qual são os temas que você está trabalhando neste momento no seu grupo de pesquisa?

Vera: No meu grupo de pesquisa, estamos trabalhando atualmente a incorporação da perspectiva intercultural pela área de educação, e também como os movimentos sociais lidam com essa perspectiva.

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Realizamos um levantamento bibliográfico amplo, e focalizamos a produção especialmente de alguns GTs da ANPED. Para construiu esse balanço crítico, construímos um mapa conceitual da expressão educação intercultural, coletivamente pelo próprio grupo de pesquisa. Constatamos que a incorporação desta perspectiva é lenta mas progressiva, e bastante desigual pelos diferentes áreas da educação . Por exemplo, a área de Didática é uma das áreas que tem mais dificuldade de incorporar e onde esta perspectiva suscita mais controvérsias. Realizamos também várias entrevistas com protagonistas dos movimentos sociais. Neste âmbito as questões são diferentes. Acho que nos movimentos sociais, o movimento de mulheres, o movimento LGBT, o movimento negro, que são os que mais temos analisado, o que temos percebido é que o momento atual é muito mais de lidar com a pluralidade interna, quer dizer, o intercultural é muito mais um desafio da dinâmica interna dos movimentos. O que estou querendo dizer com isso? Por exemplo, que o movimento de mulheres, na sua origem formado principalmente por mulheres brancas, classe média, acadêmicas, agora está constituído por mulheres negras, mulheres indígenas, lésbicas, jovens, da terceira idade etc, e o movimento está desafiado a promover o reconhecimento e diálogo entre estes diferentes grupos. Algo semelhante ocorre com o movimento LGBT, haja vista o que eles chamam de a “sopa de letrinhas”: lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transgêneros. Quanto às relações entre os movimentos, parecem ser mais pontuais e em fincão de temas específicos.

E: E para a educação como é que você junta isso com educação?

Vera: Os movimentos já tem em si uma dimensão educativa. Além disso, todos se preocupam com a questão da escola, por exemplo com o enfrentamento da discriminação e preconceitos presentes na dinâmica escolar, a introdução de conhecimentos que permitam vencer estereótipos raciais, de gênero, de orientação sexual, religiosos, etc. Estas questões hoje estão muito vivas no cotidiano escolar. É muito

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difícil para a escola lidar com estes temas e sempre o argumento é dizer que os educadores não estão preparados.

E: Certo, e acha que estão preparados? Como é que você vê esta questão pelo Brasil a fora?

Vera: Acho que a cultura pedagógica em geral somente agora está se colocando diante destas questões, então vamos passar por um momento de tensão e conflito, de buscas e construção de propostas. Se me ponho na pele do professor, professor de geografia, matemática, história, agora, além do conteúdo específico, ele está desafiado pelas questões de racismo, homofobia, machismo, sexismo, intolerância religiosa etc. Essas questões estão colocadas para a sociedade, não dá para a educação dar as costas. Os educadores vamos ter dever como podemos lidar, como podemos formar e favorecer climas educativos de respeito às diferenças, porque o fato dessas diferenças estarem sendo visibilizadas também está fazendo com que sujeitos que antes não se visibilizavam na escola agora se manifestem e criem situações que a escola tem que enfrentar.

Voz ao fundo: Foi ótimo. Uma trajetória que vai se ampliando, enriquecendo , abrindo para questões novas, e mostra que é possível mudarmos.

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Fotos cedidas por Vera Candau

Vera com sua mãe e irmão

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Vera Candau

Formatura de Vera

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Vera Candau e Dom Helder Câmara

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ZAIA BRANDÃO

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Nome do entrevistado: Zaia Brandão Local da entrevista: PUC‐Rio

Data da entrevista: 02 de junho Entrevistadores: Tania Dauster Transcrição: Diana Gonçalves

Nome do projeto: Projeto “Fundadores” – a construção da memória da Pós‐Graduação em Educação da PUC‐Rio.

E: Quero agradecer a sua presença, quero agradecer o seu depoimento e quero dizer o seguinte: nós estamos fazendo um projeto sobre a construção da pós‐ graduação em educação na PUC, a primeira do Brasil.Nós queremos trabalhar esse fato , ouvi‐la a respeito desse fato, porque você faz parte de uma geração presente no departamento nesta fase. Queremos ir, além disso, Zaia. Nós queremos no fundo perceber quem é você. Então quem é você, a partir sim, da sua subjetividade, da sua historia de vida, as fases que você viveu, a sua formação desde a infância, como foi isso? Se você puder começar pela infância, falando sobre sua trajetória de estudos, sua trajetória intelectual, os momentos importantes da sua vida e que supostamente tem a ver com o que aconteceu depois, como você é hoje, uma professora titular da área. Enfim, estamos aqui para te ouvir a respeito.

ZAIA: Pois é. Eu acho que eu tenho uma trajetória sobre certos aspectos muito atípica em relação a minha geração de mulheres. Como é que eu vejo isso? Eu venho de uma família de pai e mãe que só estudaram até a quarta série. Outro dia inclusive eu desconfiei que não foi até a quarta série , a mamãe ela deve ter sido até a terceira, porque eu vi que na geração dela o obrigatório em termos de lei era estudar

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até o terceiro ano. Então os meus pais não estudaram muito. Meu pai era português migrou para o Brasil em 1914 com 16 anos e teve a história escolar interrompida em um vilarejo de Portugal em que a irmã mais velha foi a sua professora . Ele perdeu o pai em um acidente e a família acabou na miséria. Uma historia da família, um primo que se apropriou de uma quinta onde a família vivia. Eram onze irmãos. No ano que o vovô morreu, papai tinha 11 anos, e ganhou um grande prêmio do jornal da região. Ele tinha 11 anos e houve um concurso nesse jornal da maior palavra da língua portuguesa. Eu falo isso, porque isso é uma marca da nossa família. Papai concorreu sem falar nada para ninguém e ganhou o prêmio. Ah! Tem um retratinho dele com o prêmio na mão. A palavra era benzoilmetiltetrametiloxi pipiridinocarbonatometilico... Eu estou falando essa palavra porque eu e minhas irmãs, hoje em dia o Lucas, meu neto, todos conhecem essa palavra, porque ela foi um marco e mostra de um lado uma característica que eu acho muito rica de meu pai, que era um sujeito curioso, e mais que curioso, um sujeito estudioso. Então, imagino que papai conseguiu essa palavra em um almanaque da época. Isso é uma fórmula química. É engraçado: como as piadas de português, o papai ganha o prêmio da maior palavra da língua portuguesa e que era uma fórmula química. Bom, conto essa historia para dizer o que eu herdei do meu pai de uma maneira e da minha mãe de outra, uma curiosidade muito grande em termos de estudo. Eu nem diria que é em termos de 2011 do mundo em geral não. Talvez porque ele tivesse interrompido uma trajetória escolar que era muito valorizada e que, por outro lado, era muito exitosa, porque meu pai era um bom aluno, ele ficou a vida inteira marcado por essa interrupção. Migrou para o Brasil, mas tinha uma coisa assim da vontade de estudar. Então há várias historias do meu pai. Eu acho que não vou delongar muito porque a historia é minha. Mas a verdade é que na minha infância eu me lembro de que? Eu me lembro de um pai muito bem sucedido na vida profissional, eu não diria rico, mas abastado, ele ganhava muito bem, papai sempre foi o gerente de vendas. Eu lamento muito que perdemos uma coisa que papai fez, que era admirável. O papai em certa altura se encaminhou

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para venda de auto‐ peças e ele trabalhou numa firma que era do Rio de Janeiro e a tornou uma firma nacional em termos de venda. Os vendedores de autopeças eram homens pouco escolarizados, eram homens mais simples e o papai desenvolveu todo um sistema de treinamento com parábolas. Ele escrevia um texto de uma lauda, no máximo uma lauda e meia, contando uma historinha que tinha sempre uma moral de como vender. Infelizmente nós perdemos tudo isso. E a minha infância eu me lembro assim: Papai viajava muito. Eu nasci em 1939. Eu me lembro nos anos 40 papai indo para o Amazonas, papai andando de Zeppelin e eu me lembro de umas histórias muito incríveis, e ai que eu acho que vem a minha própria história. Quando papai ia viajar e voltava, ele trazia presentes para gente. Os presentes eram coisas extraordinárias, mas mais que os presentes materiais, papai trazia as histórias da viagem dele. E as histórias da viagem do papai eram incríveis, carros atolados no meio da Amazônia, as brigas que ele teve com grupos internacionais que queriam se apropriar da borracha da Amazônia, toda luta dele contra isso; eram viagens no Zeppelin, viagens em um aviãozinho pequeno, mas sempre uma história, e eu acho que é isso que marca minha socialização, minha educação de alguém que ama a profissão, de alguém que cria sua própria profissão, que inventa, que inova. E eu me lembro que isso marcou meu olhar sobre o meu futuro. As mulheres da geração da minha mãe ficavam em casa e eu olhava para aquilo ‐ o destino de mulher, eu não queria ‐ aí tinha coisa assim: eu quero ser como meu pai, quero ter uma profissão, quero sair para o mundo. Ao mesmo tempo, tinha a socialização do lado da família da minha mãe que era muito grande, muito forte, tive uma avó que era matriarca...

E: Onde você nasceu?

ZAIA: Eu nasci em Belo Horizonte, mas nasci em Belo Horizonte porque papai viajava. Eu não tenho família em Belo Horizonte. Eu e minha irmã mais velha nascemos em Belo Horizonte, mas a que veio

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antes, e que morreu muito precocemente, nasceu no Rio; a outra a caçula, já nasceu no Rio novamente, e meu irmão mais velho, pois papai era viúvo, nasceu em São Paulo. Então p Papai era um viajante, um homem do mundo. Eu me lembro muito pequena, brincando com a minha irmã mais velha, Mirinha, que era o protótipo da moça criada dentro dos padrões da geração dela, então a Mirinha era toda romântica, arrumava as bonecas com roupas bonitas, e eu me lembro que uma vez, em uma das viagens, papai trouxe um noivo para mim e uma noiva para ela e eu sabotava a Mirinha porque o casamento precisava dos dois. Então eu queria alguma coisa da Mirinha, ou que ela me desse uma das figuras que ela colecionava de artistas de Hollywood, ai eu dizia meu noivo não vai, a não ser que você me dê aquela artista que você tem lá na sua caixinha. Ela chorava e eu negociava assim. Mas na minha imaginação, em certo momento, eu pensei em ser professora, menor. Então eu dava muita aula, brincava de boneca, de aula e etc, mas a vida leva...

E: Brincava de aula com quem?

ZAIA: Com as bonecas ou com a Lilian, minha irmã mais nova. Eu dava aula, inventava muita coisa. Eu era muito levada, eu tinha fama “coisa errada era a Zaia”, você sabe que eu tenho dois nomes. Quando papai e mamãe diziam Rosaly eu já sabia que a coisa era negra, alguma besteira eu tinha feito. Então eu tinha fama que fazia coisas erradas e mesmo quando eu não fazia, eu era penalizada, às vezes, de adiantamento. Eu me lembro que levei uma surra enorme pelo desaparecimento de uma caneta de ouro do papai. Desapareceu, ninguém dizia quem era , eu disse não fui eu, mas levei a surra. Depois que nós a encontramos, quem encontrou foi quem pegou e ai ele viu. Bom, fui crescendo. Na minha geração, colégio bom para moças era colégio de freiras. Em 1951, papai decidiu parar de trabalhar, construiu uma casa belíssima em Friburgo, um projeto do Lucio Costa, e fomos morar em Friburgo. Que colégio a gente foi? Colégio das freiras que tinha lá.

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E: Em 1951 você tinha quantos anos?

ZAIA: 10 anos

E: Antes, você morava no Rio?

ZAIA: Antes morava no Rio, na Tijuca. Estive no colégio Batista, colégio Santa Tereza de Jesus...

E: Colégios religiosos então?

ZAIA: Um era o Batista porque era perto de casa, foi no pré‐primário, depois foi o colégio de freira, foi o colégio Santa Tereza de Jesus, ali no largo da Segunda‐feira. Depois fomos para Friburgo e eu fiquei no colégio das freiras. Três anos depois, papai já tinha recebido mil convites e papai tinha cinqüenta e poucos anos e disse “não”, ele tinha uma situação boa, mas ele voltou a trabalhar e de repente a gente estava de volta para o Rio. Na volta para o Rio, nós não queríamos vir para o Rio, Friburgo era um paraíso para nós, ainda mais que morávamos no Parque São Clemente, com urbanismo todo feito por franceses, pontes de ferro dos franceses, uns lagos... Não queríamos de jeito nenhum vir para o Rio. Nós fomos morar na Av. Atlântica. Nós combinávamos, eu e a Mirinha, a Lilian ía porque era quase 4 anos mais nova que eu, de fazer greve de praia. Nós morávamos em frente a Av. Atlântica, papai e mamãe acenavam para nós ...

E: Implicância, né??! (rindo)

ZAIA: É, eu sempre fui implicante. Mas vocês vão morar em frente a praia, a melhor praia do mundo.... Aí nós armamos, vamos fazer greve. Conseguimos ficar 3 meses sem ir à praia. Papai e mamãe já estavam desesperados, até que a gente acabou cedendo, começamos a conhecer

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pessoas, etc. e tal. Acontece que quando voltamos para o Rio, voltamos no meio do ano. Naquela época, no meio do ano não tinha transferência. Então, fomos para as Dorotéias, colégio no Rio Comprido. E fiquei lá, ficamos lá. Isso é importante na minha história. Eu me saia muito bem na escola, tirava notas maravilhosas, o colégio era absolutamente medíocre, sabe?! Eu não me lembro nunca de ter estudado muito no colégio, eu prestava atenção nas aulas. Aliás, tem uma história engraçada minha, que eu nunca entendi muito, talvez eu seja meio bipolar, não sei. A verdade é que em casa eu era o diabo e no colégio eu era uma santa, tirava 10 de comportamento e era considerada uma aluna exemplar. E eu tirava notas muito boas, mas eu tinha consciência, isso que é engraçado, que eu tirava aquilo sem esforço, mas eu não me achava mais inteligente que as outras. Eu olhava aquilo como uma coisa assim: esse colégio não quer nada com a vida e eu me saio bem. Bom isso é importante na minha história porque quando eu cheguei na fase de decidir se ia fazer clássico, cientifico ou normal, eu disse eu vou fazer normal, vou ser professora. Acontece que naquela época o Instituto de Educação era o caminho, e eu tinha consciência que eu não passaria no exame do Instituto. O colégio era muito fraco, não líamos nada, não sabia nada de matemática. E eu fiquei no mesmo colégio fazendo normal.

E: Dorotéias?

ZAIA: Dorotéias. É um pouco assim... com a consciência que tinha feito uma opção menor, por incompetência. Tinha consciência disso. Mas, é engraçado que eu nunca tinha uma visão de auto‐ desvalorização não. Me exigiram menos e tinha um sentimento que era capaz de mais , mas acho que tinha uma certa impaciência minha. Eu não vou agora quebrar a cara para fazer um curso normal e acho que nessa época já tinha um sentimento que eu queria ir adiante daquilo. O meu horizonte não era o horizonte da mulher. Eu queria uma profissão, eu queria estar no mundo. A minha irmã era muito linda, a Mirinha era

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uma mulher belíssima, uma moça belíssima, as pessoas viravam a cabeça e obviamente ela se arrumava, como se arrumava uma artista hollywoodiana. Em cima dessa imagem da minha irmã, uma mulher muito bonita, que eu tinha consciência de que eu não era e a imagem que eu não queria, destino mulher, casar cedo... tinha um olhar assim, de que era uma vida menor. Mas isso eu vou retomar depois, porque eu acho que tem o lado da minha mãe extremamente rico que ela passou para mim também.

E: Zaia, mas ser professora era destino da mulher.

ZAIA: Eu não queria destino de mulher.

E: Mas você escolheu normal.

ZAIA: Mas eu escolhi normal sabendo que eu não ia parar ali. Acho eu. Esse negócio da memória é meio complicado. Cada um recupera como quer... na minha memória não era ali que eu ia ficar. Então eu fiz o curso normal, logo que eu me formei. Aliás, antes de me formar, as freiras do colégio que me achavam uma pessoa competente e me convidaram para participar de um curso, uma escolinha que elas tinham para as crianças pobres dos morros da Tijuca, e eu fui alfabetizadora de uma turma e descobri que gostava muito de fazer aquilo. Descobri que tinha talento para ser professora. Mas por outro lado quando se começava naquela época tinha assim... carreira de aeromoça, aquela que estava no mundo, era uma carreira vista com maus olhos, eram moças “pouco sérias”. Era um preconceito enorme. Professora era “A” carreira. Eu pensei em certa altura fazer medicina, mas mais uma vez eu sabia: não vou passar nesse concurso. Ah, o que eu vou fazer? Vou fazer pedagogia. E vim para pedagogia. Já no curso de pedagogia a gente sabia da existência da UNESCO, de organismos internacionais... Então eu dizia assim: é isso que um dia eu vou fazer.

E: A pedagogia era um atalho?

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ZAIA: Era um atalho. Era um atalho, mas um atalho que eu podia até parar porque eu achava que dava para professora.

E: Você escolheu pedagogia?

ZAIA: Escolhi pedagogia porque eu sabia que passaria tranquilamente, também tem isso.

E:Onde que você foi fazer?

ZAIA: Aqui na PUC

E: Por que você veio aqui para PUC?

ZAIA: Era o destino normal de classe média na época.

E: A PUC?

ZAIA: Era a PUC. Menina de classe média na minha geração vinha para PUC.

E: Não ia para Universidade do Brasil? Era Universidade do Brasil, não é?!

ZAIA: Não no meu horizonte, talvez porque eu morasse na zona sul, a PUC era uma universidade que vinha nascendo, vinha crescendo.

E: Isso foi em que ano mais ou menos?

ZAIA: Eu fiz o vestibular... Entrei em 1958 para PUC.

E: Em 1958?

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ZAIA: Eu me formei normalista em 1957, em 1958 fiz vestibular na PUC. Eu vou até dizer uma coisa que me deixava claro que eu não passaria para outro curso. Meu colégio era fraquíssimo. Então eu me lembro que quando foi a prova de historia, naquela época se fazia, no vestibular, prova oral. Tinha uma professora considerada como o terror da Historia. Agora me falta o nome dela.

E: Na PUC?

ZAIA: Aqui. E todo mundo sabia... passar no vestibular em história com aquela professora você tinha que saber. Eu estudei muito, mas não deu tempo de recuperar tudo que eu não sabia. Cheguei lá para prova de vestibular, ela disse: causas da primeira guerra mundial. Imediatamente me veio na cabeça, eu não sei isso. Eu comecei a falar das causas da segunda guerra mundial. Como a minha letra é R e aquilo era por ordem de chamada, quando chegou no R ela já estava cansada de tanto fazer prova, ai ela parou de repente ‐ mas espera, você está dizendo causa da segunda guerra mundial. Eu disse: a senhora perguntou. “ Eu perguntei primeira”‐ Ah, eu entendi segunda. Ai ela disse, “Então, vai adiante”.

E: Risos

ZAIA: Eu digo assim, eu só passei por causa dessa estratégia malandra minha. E vim para PUC. O ambiente era bom...

E: E que tal o curso?

ZAIA: MUITO, MUITO FRACO. Não tem outras palavras. Eu acho inimaginável aquilo porque continuava a minha história no colégio das Dorotéias. Você não precisava estudar. Aquilo era uma brincadeira. E tinha uma coisa que ficava muito clara ‐ os nossos professores olhavam para gente como pessoas que estavam ali porque estavam esperando o

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marido. Tinha até uma história do curso “espera marido”. Então era tudo uma grande brincadeira. Um dos professores, que era maravilhoso, o Barreto, um homem culto, ele falava de criação dos filhos. Ele estava educando a gente para ser mãe. O outro, o Emerson, falava da política, era na época de Juscelino Kubitschek e ele era muito engraçado, um sujeito espirituoso. Todos eles muito cultos. Mas todos eles olhando para a gente como mulheres que iam ter destino de mulher. Que iam sair dali, mas iam ser professoras. Sempre foi, e esse é o meu ponto: aquela coisa ambígua, grande carreira do sacerdócio, mas exatamente porque era sacerdócio, era próprio da mulher. Bastava ganhar para os seus alfinetes, me lembro que era assim que se falava. E eu estava lá naquele curso, gostava da PUC. Eu tinha uma atitude um pouco diferente de algumas colegas minhas. Porque a PUC da época só tinha até o 5o andar do prédio Cardeal Leme. E eu me lembro que tinha um alvoroço na hora das 10, que era ir para o bar do seu José, que era lá no final dos pilotis, onde estavam os engenheiros. Os engenheiros atraiam muito mais as moças do que os advogados. Pelo menos na minha imaginação. Engenheiro era mais interessante, advogado era muito janotinha. Essa palavra nem existe, mas era muito assim. Então, iam todas muito assanhadas. Eu, como me achava feia, e acho que tem a ver com isso, não ia lá para flertar. Eu ia lá para lanchar. E engraçado que eu conheci um monte de gente. E quando chegou o terceiro ano, por acaso, eu virei presidente do diretório acadêmico.

E: Por acaso?

ZAIA: Mais ou menos. Eu digo que é por acaso, mas não é muito por acaso. O que aconteceu... O curso era MUITO fraco. Eu era representante de turma. Um dia meio inconformada, eu comecei a me juntar com meus amigos e nos organizamos: a gente tem que reagir a isso. Tem um professor que dita a aula, tem outro que tranca a porta para garantir que a gente fique lá, o outro não dá aula nunca. Vamos fazer um relatório.

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E: Amigos de fora da pedagogia?

ZAIA: Não, da pedagogia mesmo. Eu comecei a agitar minha turma. Eu disse: gente isso é uma brincadeira, a gente está em uma universidade, isso não pode. De certa maneira liderei o movimento de fazer um relatório sobre as condições do curso de pedagogia. E dizendo os horrores: do professor que não dava aula, o outro que só falava dos filhos, o outro que trancava a porta, o outro que ditava a aula. Fizemos um relatório e levamos ao diretor da faculdade.

E: Quem era?

ZAIA: Era um professor de inglês, Professor Machado. Um professor de inglês que parecia uma pessoa anglo‐saxônica. Quando ele recebeu aquilo ficou meio incomodado. E naquela época já tinha o padre Benko que estava querendo renovar. O Padre Benko era diretor da faculdade de Filosofia...

E: Isso era...

ZAIA: Isso foi nos anos 60.

E: 70 já?

ZAIA: Meia, zero. 60. Eu era representante de turma, apresentei aquilo e disse não dá para ser assim... Aquele negócio tomou um vulto que não se esperava. Eles mandaram uma comissão de três professores analisarem as queixas da gente. O coordenador disse, foi o professor Dacorso Filho, que era um importante matemático, uma figura muito interessante, ele dava aula de complementos matemáticos, mas também da mesma maneira “Ah, essas moças não vão precisar de matemática”. Ele coordenou os professores para avaliarem o relatório do grupo e parece que se sentiu meio chocado. Não sei o que eles

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fizeram. A verdade é que um parou de trancar a porta, o outro parou de ditar a aula. As coisas melhoraram um pouco. Em função disso, eu acho que aquilo correu pela universidade. Naquela época, acabava‐ se de criar a AP, a Ação Popular. Já existia a JUC, Juventude Universitária Católica, que era muito politizada, e estava na época das eleições para o diretório e a candidata do diretório Jackson de Figueiredo, que era da Filosofia, era ligada a um grupo extremamente conservador, de direita, um grupo horroroso. E o pessoal da JUC veio atrás de mim, eu tinha colega que era da JUC, a Maria do Carmo de Ibiapina, era amiga do Aldo Arantes (posteriormente eleito presidente da UNE) e de Rogério Belda presidente do Diretório da Engenharia, todos militantes da esquerda, e eles lançaram o meu nome. Lançaram meu nome e eu meio assim... “Não Zaia, você tem que ser, você tem liderança para isso, isso vai ser importante, a gente tem que melhorar essa faculdade...” Aceitei e foi uma surpresa, eu me lembro até hoje, eu tive cento e trinta e poucos votos e a outra moça teve 20 e poucos.Foi uma derrota horrorosa.

E: Estava confirmado.

ZAIA: E aquilo, de certa maneira, me trouxe certa expressão na política estudantil. Foi outra historia complicada porque eu não entendia nada de política, não tinha prática disso. Estava crescendo o movimento da UNE, o Diretório Central dos Estudantes, cheios do pessoal do PC e do PC do B... Eu me lembro que a gente tinha reunião com Aldo Arantes, Maria do Carmo Ibiapina, Maria Teresa Rodrigues, Sergio “Quixadá” , e um grupo muito militante e nos reuníamos no diretório central. E ainda tinha Arnaldo Jabor, Cacá Diegues, eram todos dessa geração. O Roberto Leal Lobo que se tornou reitor da USP, que jogava ping pong maravilhosamente, era lindo, a gente morria de suspiros por ele. E tinha as reuniões no diretório central onde se estudava Marx, Marta Heineker... Eu quando lia aquilo não entendia nada. Eu acho que sempre tive uma característica que eu reputo como

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qualidade, se eu não entendia, eu dizia que não entendia. Eu me lembro que fizeram um grande manifesto com nome do Teilhard Chardin quando eu era presidente do diretório. Todos os presidentes de diretório assinaram. Eu fui ler, não entendi nada. Eu disse: “Ah eu não assino isso não, não entendo.” Foi uma sedução total tentando que eu assinasse. Eu disse não vou assinar esse negócio, eu não concordo com isso, eu não entendo esse texto. Não posso assinar uma coisa que eu não entendo. Bom, isso fez um racha em uma eleição, que se tornou muito importante, feita para substituir o Aldo Arantes que já estava como presidente da UNE nacional. Tinha um candidato que era um grande amigo meu, que eu queria muito bem, o Sergio Quixadá. Eu disse: não vou apoiar. Ai eu lancei outro candidato. Aliás, nem lancei. Aproximou‐se de mim, um outro grupo, que era o grupo no qual estava o Carmelo também, o do solidarismo cristão.

E: Você era desse grupo também?

ZAIA: Não, eu não era de grupo nenhum. Eu sempre tive dificuldade de ser de movimentos ou de grupos. Eu tenho uma coisa meio rebelde de entrar e ter que ser fiel a uma coisa, defender um pensamento que não foi construído por mim. Então eu não era de grupo nenhum. E o Carmelo se aproximou de mim, era do movimento solidarista, eu iria conseguir entender o que eles escreviam.

E: A Vera também foi?

ZAIA: Foi também. Eu apoiei o Conrado. Foi engraçado que o Fernando Conrado ganhou as eleições contra o grupo da AP ‐ que era um grupo forte do PC e PC do B ‐ e o pessoal dizia que era um matriarcado. Porque o Conrado quando a gente ia fazer as palestras era muito atrapalhado. Eu entrava e começava a falar por ele. Já quase no fim da eleição eu estava arrependidíssima, eu achava que o Conrado

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ele não tinha perfil para aquilo, mas não tinha recuo. Então foi isso que me deu certa visibilidade e eu acho que isso fez com que a PUC me convidasse, muito precocemente, para ser professora.

E: Conta essa história! Quem te convidou? Quando? Para fazer o que exatamente?

ZAIA: Eu me formei em 1961. Naquela época ,as pessoas se formavam e já tinham convite. E eu tive um convite muito sedutor para trabalhar na SETER, uma escola tele ‐radiofônica de alfabetização de adultos. Era uma experiência para mim maravilhosa porque naquela época tinha toda a discussão da obra do Paulo Freire, toda questão da alfabetização. Eu aceitei imediatamente. Fui trabalhar na SETER como uma das redatoras das aulas de alfabetização com Ana Maria Baeta. Depois mais tarde eu vim a convidá‐la para trabalhar comigo. Trabalhei até receber o convite da PUC no início de 1963 .

E: Isso logo desapareceu?

ZAIA: Desapareceu. Isso foi uma experiência rica profissional porque nós escrevíamos as aulas, participávamos do treinamento dos monitores. Eram escolas com recepção organizada; então treinávamos os monitores para coordenarem as aulas e tirarem as dúvidas dos alunos.

E: Como educação a distância?

ZAIA: Mais ou menos, porque a monitoria era presencial. Era uma recepção organizada com monitor. Nós tínhamos que ver como as aulas chegavam, como os monitores trabalhavam, e como os alunos reagiam. Então andávamos no Rio de Janeiro pelas zonas de favela, presídios etc e tal, e eu acho que foi uma experiência riquíssima na minha vida. Eu passei a olhar toda história do Paulo Freire sobre a

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linguagem, sobre o valor cultural das palavras, de você superar a preocupação só com o domínio do fonema no processo de alfabetização. Acho que foi uma escola de formação profissional. Eu estava no SETER e um dia eu recebo um telefonema da Celina Junqueira, que era vice‐diretora da Faculdade de Filosofia junto com padre Benko.

E: Foi sua professora?

ZAIA: Foi minha professora.

E: De filosofia?

ZAIA: De filosofia. Ela me telefona e diz: ‐ Zaia, gostaria de falar com você, eu e padre Benko, você pode vir aqui na PUC? Foi a grande surpresa.

E: Você já estava desligada da PUC?

ZAIA: Já estava desligada da PUC, mas a minha grande surpresa foi que o convite era para eu me tornar professora da PUC e professora em tempo contínuo. Coisa que naquela época quase não ocorria. Era professora de tempo contínuo para coordenar o curso de Pedagogia. Então, eu acho que tem uma ligação com aquela critica. Para coordenar o curso de pedagogia e inicialmente dar uma disciplina que era Metodologia de Estudo. Eu fiquei muito contente, muito emocionada, muito feliz porque a PUC era um lugar para mim inimaginável. Naquela época, trabalhar com meus professores que sempre foram muito mais velhos. Eu, Maria Helena Pessoa de Queiroz e Lia Martins, três ex‐alunas da antiga Faculdade de Filosofia e as primeiras professoras de tempo contínuo daquela faculdade.

E: Ah sim, direcionadas para área de pedagogia?

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ZAIA: Eu, em pedagogia. A Maria Helena em Filosofia.

E: A filosofia abrangia tudo.

ZAIA: Abrangia tudo. A Lia Martins ía para uma coisa mais ligada a Didática. Eu volto para PUC, agora como professora e para mim foi uma experiência incrível.

E: Chefiando...

ZAIA: Eu coordenava o curso de pedagogia. Foi quando eu fui professora da Ana Waleska, do Silveira Lobo, da Maria Luisa Teixeira, todos que depois se tornaram professores da PUC. Nessa época, Carmelo e acho que Vera já estavam na Europa fazendo seus mestrados. E ai eu comecei, enfrentei o desafio, que era um verdadeiro desafio, eu me sentia muito responsável...

E: Em 1971?

ZAIA: Isso foi 1962 para 1963

E: Em 1963 ainda?

ZAIA: É em 1963. Em 1963 eu estava lá, já começando a me ambientar nessa função, sou chamada pelo padre Alonso, que disse: ‐Zaia...

E: Era o reitor?

ZAIA: Era o reitor. Eu tinha o horizonte de fazer pós‐ graduação nos Estados Unidos, meu inglês era razoável, eu estava pensando, ligada aquela idéia da carreira, pois eu já pensava em uma coisa tipo trabalhar

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na UNESCO, andar pelo mundo etc e tal... Então, o Padre Reitor me chama e diz: ‐“ Zaia, vai abrir um curso da UNESCO em Paris sobre Planejamento Educacional e nós queremos mandar você para lá.” Estava iniciando a preocupação com o planejamento aqui no Brasil, 50 anos em cinco do Juscelino. Tinha progredido a idéia de Educação e

Desenvolvimento, planejamento educacional, planejamento de mão de obra. Ele disse: ‐ “Você vai para Paris. E eu: ‐“ mas, eu não falo francês”. Ele disse – “Você se vire, vamos mandar você para Paris no segundo semestre.” Eu entrei para a Aliança Francesa, um curso de audiovisual. Fiz dois períodos. Era um francês muito preliminar e quando eu vi eu estava indo para França em setembro de 1963 mandada pela PUC.

E: Vocês foram os escolhidos.

ZAIA: Os escolhidos, mas eu tenho uma ressalva.

E: Você, Vera... (falam juntas) foram os escolhidos pelo Padre Benko.

ZAIA: Isso, fomos...

E: Sem dúvida nenhuma e para se formarem fora do Brasil... (falam juntas)

ZAIA: Formar fora do Brasil... (falam juntas)

E: Tem uma estratégia nisso ai. (falam juntas)

ZAIA: Só que eu tenho uma ideia que quando dizem assim “os fundadores da pós‐ graduação” eu não fui fundadora da pós‐ graduação. Eu fui como você, de uma das primeiras turmas da pós‐ graduação. Depois eu volto a isso. Eu quero contar a história da França.

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E: Eu também estou começando a questionar isso. Fundadores talvez tenham sido o Carmelo e a Eulina. (falam juntas)

ZAIA: Acho que talvez sim, eu não sei. Essa idéia de fundador não me cabe.

E: Eu acho ótimo porque essa é uma questão que eu tenho aqui. O que é ser fundador? E quem é fundador, para você?

E: Zaia, só para começar aí do momento que é importante para nós. Estamos questionando essa categoria ‘fundadores’ em relação ao programa de Pós. E ai justamente isso, o que seria fundador? Se existem fundadores. Como foi essa história?

ZAIA: Eu não acredito em fundações. É mais ou menos como hoje eu discuto com meus alunos a questão de autoria. O que é ser autor? É um pouco... tem analogia. Porque hoje em dia você está tão bombardeado por ideias, e você estuda tanto que, quando aparentemente você esta começando uma coisa nova, eu me questiono até onde ela é nova, até onde você é fundador, até onde você é autor. Na realidade, você já bebeu de tanta gente antes. O que é autoria? A mesma coisa na idéia de fundador, porque eu acho que o processo de criação de pós‐graduação é um processo que vem de trás. Era natural que as universidades criassem a pós‐graduação. Então nesse movimento, que é um movimento mais coletivo, mais geral da sociedade, das instituições universitárias... chega o momento da educação. E ai, você pode chamar de fundador quem definiu institucionalmente o momento de criar a pós‐graduação, provavelmente foi o padre Benko que tinha essa tradição européia. Mas por outro lado você pode chamar também de fundadores os primeiros professores. E ai os primeiros professores da pós‐graduação... tem varias relações envolvidas nisso. Você tem Paulo Assis Ribeiro, Paulo Novaes, Eulina Fontoura, e você tem o Carmelo

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(José Carmelo Braz de Carvalho). Você tem Durmeval Trigueiro que já era mais novo e depois eu fui professora da pós‐graduação, muito precocemente, no inicio dos anos 70. Como? Porque o Durmeval Trigueiro me chamou, a mim e ao Silvério (José Silvério Bahia Horta), para darmos com ele uma cadeira da pós‐graduação que era Educação Brasileira. Eu dava aquela parte que se referia a minha pesquisa de mestrado. Que era um ensino profissionalizante. Mas eu nunca me considerei um fundador, uma fundadora da pós‐graduação.

E: E por que você não se considerou um fundador?

ZAIA: Por causa disso, eu não acredito nessa coisa de fundador. Agora se você me disser assim: Quais as colunas da pós‐graduação? EU VOU TE DIZER UMA É ESSA: EULINA. Não estou botando Benko, não estou colocando mais ninguém. Por que eu acho que ela é coluna? Porque naquela época ela juntava duas coisas em comum que era uma larga experiência do campo da educação, no MEC, que naquela época tinha muita importância, que era a coisa da legislação, como você vai normatizar isso. Então ela tinha uma larga experiência nessa parte da administração, da gestão nacional, pública da educação e ao mesmo tempo era uma mulher com muito conhecimento sobre as fontes da educação, sabe?! Conhecimento desses homens que também são raízes da época.

E: Isso é muito bom.

ZAIA: Eu acho muito mais importante quando se pensa em fundadores, pensar naqueles que sustentam, aqueles que botaram as raízes de alguma coisa que se tornou sólida depois. Porque tem inúmeros professores que foram professores nossos, que passaram e foram embora. E quando eu digo, foram embora... não restou nada. Tinha muita empáfia também. Professores que se achavam importantíssimos, porque era importante ser professor de pós‐graduação em uma época

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que não se tinha, ficou nada do que eles fizeram por mim. E a Eulina ficou.

E: E a Eulina nunca tinha sido professora antes?!

ZAIA: Nunca e não tinha mestrado, não tinha...

E: Era uma técnica da educação.

ZAIA: Pois é. Por outro lado você tinha uma figura bem emblemática e que tem essa coisa de raiz que era o Durmeval Trigueiros, só que o Durmeval era muito erudito, os textos dele para mim eram... sabe?! Você tinha que ler 30 vezes para entender, e as aulas dele... ele de repente saía voando e depois ele pegava todos aqueles autores e filósofos, que ele conhecia muito bem, que eu nunca tinha lido... sabia o nome quando muito. Então eu acho que não deixou essa raiz. A Eulina falava de coisas que a gente viveu e sentiu. Ao mesmo tempo, não ficava no nível desse senso comum, ela era curiosa, ela dava subsídios para irmos adiante. Então para mim Eulina tem essa característica da coluna, daquela coisa sólida que fundou a pós‐graduação.

E: Você está falando isso em que ano? Em que ano você entrou para o mestrado?

ZAIA: Eu entrei, acho que 1966. Não, 1965. Qual é a sua turma?

E: Eu entrei em 1971.

ZAIA: Ah não, mas eu peguei você no meu retorno. Porque eu comecei em 1965 e parei porque casei.

E: então você foi da primeira turma?

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ZAIA: Não, eu fui da segunda.

E: Então foi 1966.

ZAIA: É, foi 1966. Casei, fui morar três anos no nordeste. Quando eu voltei, eu peguei a tua turma. Eu interrompi meu mestrado...

E: Você lembra de seus colegas de turma de 1966?

ZAIA: Lembro, tinha... Léa Paixão era da tua turma?

E: Era.

ZAIA: Então eu nem me lembro dos meus colegas daquela época.

E: Mas ai você foi para o nordeste e lá você trabalhou?

ZAIA: O tempo todo. Eu cheguei ao nordeste, eu diria que é outra coisa importante na minha formação. Eu fui para o nordeste e logo quando eu cheguei lá, meu sogro, que era um homem conhecido. Théo Brandão, já era professor de antropologia, um homem muito ligado ao folclore. Ele tinha sido secretário da educação. Ele falou com o secretario de educação e na época eu entrei para secretaria da educação como técnica. Eu já tinha começado o mestrado é uma história muito engraçada. Todo mundo achava que era emprego para uma pessoa importante, como é norma. E eu me lembro que eu estava lá e 15 dias depois não tinha trabalho nenhum. Eu tinha uma mesa ótima, mas não tinha trabalho nenhum. Eu fui ver meu chefe e perguntei: E o trabalho? E ele: “mas você quer trabalhar?”

E: risos

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ZAIA: Quero. Eu vim aqui para trabalhar. E comecei a trabalhar. Mas ai foi uma situação esdrúxula porque ele se sentiu muito ameaçado, porque além de eu ser nora do Théo Brandão , eu tinha já metade do mestrado, eu vinha do Rio, da PUC. Então era um contato muito complicado. Ele sempre meio com medo de mim, me dava as coisas pela metade. Eu consegui ser transferida para área cultural que era área do Sávio, que é um professor de antropologia e na área de história também, que era um sujeito brilhante. Ai eu fiquei trabalhando com ele, coletando frases populares ligadas à medicina popular, ajudando a arrumar toda uma parte de registro da cultura popular. E foi uma coisa maravilhosa. Depois eu engravidei, Walter foi trabalhar em Recife, teve um convite para ir para Recife, eu fui com ele e, eu reencontrei as Dorotéias. Porque quando eu cheguei em Recife as Dorotéias estavam por lá, e uma professora excelente que eu tive no curso normal ‐ a única coisa que salvava ‐ a Madre Oliveira soube que eu estava em Recife, e me convidou para coordenar o curso e reformular o curso de pedagogia. Então eu fui para lá, fui logo contratada, já fui para Faculdade de Filosofia que hoje é a Universidade Federal de Pernambuco. Fiz a coordenação e a reformulação do curso de pedagogia, dava aula e tudo mais. O trabalho do Walter não deu certo, ele voltou para o Rio, eu fiquei lá porque ele estava desempregado. Veio procurar emprego e eu fiquei com Pedro recém nascido. Voltamos para o Rio em 1970. E eu ia retomando o mestrado, ai tive uma grande depressão. Pedro tinha quase morrido lá em Maceió por uma desidratação, não foi socorrido a tempo, ficou entre a vida e a morte. Eu voltei, meu pai tinha morrido. Walter desempregado. Eu fui morar com a mamãe, papai quando morreu, eles fizeram um negócio de cortar para sair o sangue, para ver se ele respirava, se salvavam ele. E a mamãe deixava as manchas assim como um mártir. Então, aquele horror, tinha a história do meu pai. Eu tinha estado no Rio um mês antes dele morrer e eu sabia que ele ia morrer porque eu o vi muito mal. Voltei para Recife porque estava grávida de cinco meses do Pedro. Quando estávamos em Recife, telefonei para

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saber do papai e a mamãe disse que ele se internara novamente. O Walter disse, volta Zaia, e eu disse: Não, não vou voltar. Acabamos de voltar, não tem dinheiro para isso. Não fui. Voltei para Maceió. Três dias depois papai tinha morrido e eu tive que voltar. Enfim foi uma tragédia que você não imagina. Então entrei em uma enorme depressão. Queria largar o curso. Carmelo não deixou, ele disse: não, você não vai largar. Eu disse: eu não estou conseguindo fazer nada. Ele disse: “Não tem jeito, você não vai largar de jeito nenhum”. Eu disse: “Eu não estou conseguindo fazer nada.” E eu me lembro que tinha feito uma prova de Economia de Educação que eu tinha achado que havia me saído muito mal. E o Carmelo disse: “ não, você tirou 9”. Então era uma coisa que só a depressão explica, fiquei péssima. Mas depois reagi, voltei, terminei o mestrado. E ai falando do mestrado. O que tinha de bom no mestrado? Eram profissionais de outras áreas. O meu orientador foi o Paulo Novaes. O Paulo Novaes era engenheiro, que tinha trabalhado no SENAI, era um homem muito culto, e era um homem muito interessante. Muito assim, na contra mão dos padrões da academia. Então ele dava umas aulas interessantes, tinha uns livros que eu tenho até hoje, super interessantes.

E: Ele dava aula de que?

ZAIA: Ele dava aula de, eu acho que... não me lembro. Devia ser Planejamento Educacional, alguma coisa assim. Mas eram aulas muito interessantes porque ele trazia a experiência de gestor. Ao mesmo tempo quando eu recomecei, e foi muito engraçado, o que eu fui estudar? Estava naquela época da profissionalização do ensino médio. O Walter trabalhava em Furnas, o Paulo Novaes levantava um monte de questões em cima da experiência dele no SENAI. Eu disse: eu vou estudar isso. Está se dizendo que a escola tem que profissionalizar, e em conversa com ele, vamos ver como a empresa faz. Eu consegui estudar, como Furnas fazia o treinamento dos técnicos e esta foi a minha dissertação do mestrado. Foi um trabalho interessante, sem nenhuma pretensão. Porque eu acho que naquela época, não sei, pelo

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menos é a minha memória, não tinha muito daquela coisa de quadro teórico, isso veio um pouquinho depois. Então foi um trabalho empírico, bibliográfico. E me valeu muito na minha experiência na França. Vou retomar a questão da França.

E: Pois é, você falou pouco.

ZAIA: França em 1963. Chego à França. O curso da UNESCO, eu cheguei em setembro, devia começar em novembro. Quando chegou principio de novembro, eu fui à UNESCO mais uma vez, eles disseram: suspendemos o curso, ele só vai começar em janeiro. Eu disse: O que eu vou ficar fazendo até lá? Eu fiz estágio em Sévres que era grande referência. Eu fiz estágio sobre uma coisa interessante, ligada ao ensino profissional, que era um método de desenvolvimento psicomotor que eles supunham que tinha relações com desenvolvimento mental, que era o método “Raman”. Matriculei‐me em um curso do Père Faure que era a grande figura da Université Catholique ‐ depois a Rosina Wagner foi estudar com ele na Université Catholique. Por contato, com Maria do Carmo Ibiapina ‐ que eu conhecia daqui e que era militante da esquerda, e tinha ido para lá por causa da revolução, do Golpe Militar – eu me matriculei no Seminário de Michel Debauvais. Ela e o marido foram perseguidos, foram presos e torturados. E eles moravam lá, em um apartamento. Eu estava no pensionato Teresiano e estava detestando aquilo, tinha horário demais, tinha tudo demais. Eu soube que eles estavam lá, eu disse vou para lá. Fui morar com eles. Eles estavam fazendo um seminário no IEDES, que era um instituto equivalente ao IUPERJ nas ciências sociais. O IEDES era na área de economia e ciências sociais. Tinha lá o Michel Debauvais que era o maior nome da área de Planejamento da Educação naquela época. Eu fui fazer o seminário com ele, que tinha uma estatística sofisticadíssima, mas tinha todo um debate sobre classe social, sobre estratificação social, sobre educação no mercado de trabalho que foi muito importante, quando fui fazer

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minha dissertação de mestrado. Então na França o que eu fiz? Fiz essas coisas, não saiu o curso da UNESCO, eu fiquei lá até junho, de setembro de 1963 a junho de 1964, fazendo Sévres fazendo esse curso do Père Faure, fazendo estágios e vivendo muita cultura. Eu que vinha de uma família de baixo capital cultural e de um colégio também que era muito fraco do ponto de vista escolar. Aquilo foi um mundo de cultura, um abraço de cultura, fui descobrindo arte, museu, música, um mundo novo se abria para mim... E foi lá que eu comecei a aprender como se viaja, e viagem é cultura. E eu planejava viagens assim e depois perguntava quem quer ir comigo? Porque eu planejava. E eu me lembro que eu tive uma grande frustração que na primeira vez que eu fui para Europa. Eu fui com uma excursão das Dorotéias e eu me lembro do sentimento horroroso de passar às carreiras, 2 horas pelo museu tal... passar tudo às carreiras, sabe?! Aquilo me dava uma insatisfação, um sentimento que ficou, sabe?! Eu queria parar, mas é aquela coisa de passar. Até hoje eu tenho profunda alergia com a idéia de excursão. Eu quero conhecer um lugar bem e não quero conhecer dez passando por lá. Até hoje esse é o meu sentimento. Então eu trouxe da França essa bagagem, que foi muito importante. Lá a gente conheceu muita gente. Paris é... naquela época conheci Baden Powell que estava nos barezinhos com o seu violão. Então era uma rede de relação de gente... eu retomava a minha experiência da época de diretório, que eu também não falei muito. A minha verdadeira universidade foi o pilotis, foi a política estudantil. Por que? Falava‐se de realidade brasileira. Era a questão da universidade a realidade brasileira, o cinema novo, e eu li coisas que eu nunca tinha lido na vida. Eu debatia as coisas...

E: Como o que?

ZAIA: Celso Furtado. Eu li tudo que Celso Furtado escreveu na época.

E: Quais foram os autores que te marcaram?

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ZAIA: Eu lia Celso Furtado. Eu me lembro que foi importante, Emmanuel Mounier com a questão do personalismo... Eu fui ler... não Marx, mas Marta Hannecker. Eu fui ler Teilhard Chardin que eu achei incompreensível. Eu fui ler...

E: Marx também?

ZAIA: Marx. Todas essas coisas... Eram muitas leituras... Sartre! Nunca me dei bem com Sartre. Nunca me dei bem com Simone de Beauvoir. Aí é engraçado. Sempre me senti na contra‐ mão das modas intelectuais. Eu me lembro até hoje. Tinha o grupo de cinema, aquele grupo dos diretórios. Era Cacá Diegues, Arnaldo Jabor, Roberto Leal Lobo... e todo mundo. Na época era Goddard... as pessoas babavam por Goddard. Eu me lembro o filme em que ele se dinamita no final, que era...

E: Pierrot le fou.

ZAIA: Pierrot le fou. Que as pessoas entravam em êxtase falando do Pierrot le fou. Eu achei uma bobagem esse filme. E as pessoas olhavam horrorizadas para mim, assim como “que ignorante”,”não entende nada”. Mas eu acho que sempre... eu diria que é uma qualidade e um defeito meu, a coragem de dizer não sei, a coragem de dizer não entendi, a coragem de dizer não gosto. Eu diria que isso, do ponto de vista da minha trajetória intelectual, é o grande trunfo da minha vida até hoje. Eu ainda me sinto desafiada pela minha ignorância. Eu acho que aprendi isso com meu pai. A ignorância não é uma coisa da sua essência, ela é um acidente de percurso... é bom que ela exista, que ela te impulsiona para superar... eu diria assim, a coisa que foi importante nessa trajetória foi: colégio fraco, consciência da ignorância, mete a cara nos livros, estuda, supera isso. As pessoas falavam: o que você leu hoje? Que romance se estava lendo? Eu me lembro na época “Grande

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sertão, veredas”, as pessoas davam suspiros. Eu me lembro que a primeira palavra do romance é “nonada”. Eu disse o que é isso? Eu não sabia o que era nonada e não tinha nos dicionários. Li mais um pouco, quatro ou cinco páginas depois eu disse “esse homem é um chato”. Fechei o livro e nunca mais li. Acho que um dia eu vou retornar, mas não sei se vou gostar. Eu não me sinto na obrigação de gostar de nada. Eu sempre reagi a esse negócio dos intocáveis. Então acho que tem um pouco isso na minha trajetória. No mestrado foi um pouco isso, foi um desafio de campos. O nosso mestrado tinha isso, abria para economia, abria para filosofia, abria para história, abria para estatística, um monte de coisas que você se confrontava com sua ignorância. Eu acho que foi rico por isso. Depois tem a coisa de se tornar professora da PUC. Voltei de Recife...

E: Mas quando você fez mestrado, você estava fazendo mestrado e atuando como professora também do Mestrado?

ZAIA: Já

E: Você fazia papel duplo?

ZAIA: NÃO, NÃO, NÃO.

E: Não?

ZAIA: Quando eu fazia mestrado, eu era aluna. Logo que terminei o mestrado, tinha sido aluna do Durmeval, ele convidou alguns ex‐alunos. Era um curso, que tinha a Lourdinha Fávero, cada um dava conta de uma parte da Educação Brasileira. Foi assim que eu me tornei professora do Mestrado. E que depois saí, quando começaram a vir os primeiros doutores formados. E eu fiquei completamente retardada porque, com essa mania de “vou enfrentar a ignorância”. A uma certa altura eu continuava professora da PUC, dava aula no mestrado e

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estava na hora de fazer doutorado. E eu dizia o que eu vou fazer no doutorado de Educação? Estudo muito, conheço as pessoas, conheço a literatura. Para tirar um diploma? Não vou fazer. Aí me punha como um desafio de fazer um doutorado na sociologia. O IUPERJ na época... eu fui da segunda turma do doutorado do IUPERJ e o IUPERJ era a instituição que crescia no campo da sociologia.Tinha o Museu Nacional (PPGAS)e o IUPERJ. Saí para a linha da sociologia e não da antropologia. Eu disse, vou fazer esse negócio. Mas fui fazer a prova para o IUPERJ, que não era prova. Era o currículo, um projeto e uma entrevista. Fui para lá achando que não ia dar. Mas no IUPERJ nessa época estava o Simon Schwartzman que estudava Educação, tinha o Werneck, tinha um monte de gente. Eu, na área de Educação já tinha nome. Tinha publicado com o Pedro Garcia, “A Reprodução”. Tinha também feito um livro “Democratização do Ensino: Meta Ou Mito?” Então na área de Educação eu tinha um nome. O Simon era um sociólogo ligado a Educação. Eu acho que foi o Simon que disse: vamos botar a Zaia aí. E não só me botou... Quando já no IUPERJ, no primeiro ano, surge uma proposta para IUPERJ fazer o primeiro estado da arte na área de Educação financiado pelo MEC: Evasão e repetência no Brasil. E o Simon me chamou: “ Você coordena isso?” “Eu coordeno.” Eu sentia que podia. Foi daí que surgiu “ “Evasão e Repetência no Brasil”, que teve uma enorme repercussão.

E: Isso foi em que ano mesmo?

ZAIA: Em 1981, 1982.

E: Ah tá.

ZAIA: Eu chamei a Ana Baeta que tinha trabalhado comigo na SETER e chamei Any Dutra, que tinha uma experiência enorme em alfabetização e com ela nós fizemos esse Estado da Arte. O IUPERJ foi uma coisa, um desafio. De vez em quando eu penso assim: como eu fiz isso? Eu estava com os meninos pequenos, eu morava em um

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apartamento pequeno em Botafogo. Eu tinha uma mesa só de jantar, eu botava aquele monte de livros, os meninos iam para escola e iam estudar de manhã, depois eu estudava de tarde, tirava os livros da mesa e colocava no chão, depois colocava a mesa para comida, botava os livros de novo na mesa e voltava a estudar.

E: E ainda dava aula aqui na PUC?

ZAIA: E ainda dava aula aqui.

E: Dava aula de que mesmo?

ZAIA: Ah! Eu dava aula... uma das grandes experiências minhas de ensino. Eu dava aula de Fundamentos da Educação na Licenciatura que eu acho que é o retrato da universidade, você tem alunos de todos os cursos praticamente, eram turmas enormes naquela época. Foi na época da revolução inclusive, tinha vigílias aqui. E eu fiz uma experiência que foi uma coisa admirável, que ela foi muito importante também na minha formação de professora. Porque eu sempre digo assim, ninguém se forma professora em um curso, nem de pedagogia, nem de didática. Você se forma, aliás, não só professora, em qualquer profissão, quando você entra para a prática profissional, porque ali você se defronta com os desafios reais da vida profissional. Então essa experiência na Licenciatura para mim foi fantástica. Estava na época de discussão ensino ou não, havia o livro Liberdade sem Medo ‐ a experiência de Summerhill na Inglaterra ‐ Carl Rogers, Ivan Illich, Paulo Freire... tinha todo esse debate. Tinha o Bourdieu falando da reprodução. Então o que eu fiz, comecei o curso e pensei como devia ser o curso de Fundamentos. O que são Fundamentos da Educação? Pensava, tem filosofia, tem sociologia. Eu não posso dar tudo isso. Tinha alguns autores importantes. Então eu começava o curso sem programa e perguntava para os alunos. O que é educação para vocês? Eles começaram a dizer, e eu começava a pegar as percepções que eles

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tinham de Educação. O que vocês leram que lembra essa discussão de Educação? Onde se pode apoiar? Aí eles levantavam um monte de questões, e a gente ia montando, sabe? O teatro que educa, é a literatura que educa, é a experiência escolar que educa. E em cima disso eu ia dando leituras: Summerhill, liberdade sem medo, é disciplina ou é liberdade? Liberdade sem medo, Rogers de ensino não diretivo... por outro lado eu dava ao mesmo tempo, Skinner, aquele livro brilhante “O mito da Liberdade”, pegava um pout‐pourri de coisas diferentes e os alunos escolhiam, propunham um trabalho final e iam fazer. Eu me lembro de Geraldinho Carneiro, quando foi meu aluno, ele fez um trabalho que era assim. Ele ia para o dicionário e pegava a palavra educação. A última palavra que parecia no verbete ele tomava como referência para ir ao outro. O último verbete que consultou fechou o círculo, voltou para educação. E eram trabalhos incríveis. Nós fomos juntos ver “Apareceu a Margarida” que era aquela peça da professora. E até hoje, Tânia, eu encontro alunos meus, que foram alunos meus nos anos 70 ,dizem “ Zaia, aquele curso mudou minha vida”. É engraçado, que agora eu fui procurada por uma psicanalista que quer fazer um pós‐doc comigo, ela foi minha aluna naquela época. – “mas você é psicanalista”. – “Zaia, eu quero fazer com você. Você foi um marco na minha vida”. E eu fico muito... ao mesmo tempo que eu fico envaidecida com isso, eu acho estranho... Eu digo assim, ou a universidade era muito ruim, que eu acho que era um pouco assim, ou era aquela coisa de sair do comum. A Ângela Perricone professora de Francês disse: “Zaia você mudou minha vida, eu decidi ser professora por sua causa.” Eu fico assim... claro que eu adorava dar aula e adoro até hoje, mas é uma coisa que... não é que eu ache que não tenha trabalhado bem...não tenha seu lado de minimizar o investimento que eu fiz, mas eu acho muito desproporcional. Sabe? Essa geração das licenciaturas que eu trabalhei... depois, eu saí das licenciaturas e lamentavelmente eu nunca mais voltei, que eu adoro a licenciatura. Eu acho assim que foi uma geração que também me

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formou. O desafio de fazer alguma coisa que tocasse os alunos é uma coisa que até hoje me move.

E: Te transformou?

ZAIA: Me transformou completamente.

E: Mas você acha que a licenciatura é mais vital para você do que Mestrado, Doutorado, a Pós‐Graduação?

ZAIA: Hoje em dia eu não diria... hoje em dia as coisas mudaram, mas ainda hoje quando eu vejo a Bel, as pessoas que trabalham na licenciatura, eu acho que a licenciatura de certa maneira preservou a idéia de universidade. Hoje você está muito nos “escaninhos”. É a pedagogia, é Letras... não tem aquela noção de você percorrer o mundo do conhecimento, as pessoas estão muito precocemente especializadas. Eu acho que isso é ruim para qualquer profissional. Por que eu reajo à idéia de educadora?

E: Pois é, eu ia te provocar.

ZAIA: Eu detesto que me chamem de educadora.

E: É, eu sei. Eu quero que você fale sobre isso.

ZAIA: Por que eu não gosto que me chame de educadora? Porque eu acho que é falso. Não é uma profissão. Eu sou educadora como qualquer um, do porteiro daqui, o ascensorista, o padre na Igreja. Todo mundo educa. O médico educa. Os homens se auto‐educam. A socialização, como já dizia Durkheim , o que é educação? É o processo de socialização. É o sujeito do mundo recebendo as influências e a interação de outros homens. Isto não é profissão. A minha profissão é professora. Claro que sendo professora, eu sou também educadora, mas

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eu sou educadora na condição de ser humano, não como uma condição profissional. E mais, por que eu não gosto? Porque isso dá uma visão, novamente daquela idéia magistério/sacerdócio, a idéia de uma profissão maior. Não tem profissão maior! Por exemplo, eu olho para o Tarcísio que trabalha comigo lá em casa. Tarcisio faz tudo, ele é o caseiro. Eu olho para ele e para mulher dele, que hoje trabalha comigo também, e são profissionais seríssimos, eu não preciso dizer nada, eles organizam o trabalho deles, fazem funcionar uma casa. E essa é a profissão deles, eles se responsabilizam por aquilo, não fazem mais ou menos, fazem bem o que eles têm que fazer.

E: Mas Zaia, às vezes eu fico pensando o seguinte essa questão de educador tem a ver justamente com a área de educação, pedagogia. As pessoas podem até dizer eu sou pedagogo porque você sai com diploma de pedagogia. Porque o historiador, o físico, o matemático etc... todos são professores também.

ZAIA: E eu sou professora também, de Educação.

E: Sim, e ao mesmo tempo eles se dizem matemáticos, historiadores, físicos.

ZAIA: Aí eu seria...

E: Etc. e tal.

ZAIA: Acho boa a tua questão, nunca pensei por aí, mas eu vou responder. Você me provoca.

E: Acho que é por aí. Especificar essa relação com a disciplina.

ZAIA: Eu nunca pensei assim. Mas o que eu acho ruim nisso? Porque aí eu sou meio leviana. Eu acho que educação não é uma disciplina, não é um campo disciplinar, tá entendendo? A educação...

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E: É uma prática.

ZAIA: Uma prática e tem mais. A Medicina é uma prática, a Engenharia é uma prática. Mas a Educação... O Anísio dizia que Educação é uma arte. Acho que sim. De certa maneira todos nós na vida praticamos essa arte. Eu rejeito sobre tudo porque eu acho que as pessoas se acomodam na ideia de uma carreira maior e mais importante. Ser educador é mais importante que ser historiador. De certa maneira, no imaginário quando as pessoas olham “Ah é uma educadora!” parece que eles te põem lá num lugar, e eu não gosto desse lugar, eu não gosto desse lugar porque eu acho que ele está associado a essa idéia de uma profissão maior, mais importante. Sem educação o país não vai à frente. Como não? Foi até hoje. Claro que a educação é necessária. Como é necessária a distribuição de renda. Como é necessária a saúde.

E: Mas ao mesmo tempo, tem muito preconceito em relação à área de Educação.

ZAIA: Claro. Porque é o campo da mediocrização, da ausência do profissionalismo.

E: Pois é, vamos pegar isso também. Campo da mediocrização. Eu acho isso também questionável. Eu pego essa pós‐graduação que nós temos aqui, eu acho que há pessoas, você é uma delas, evidentemente, absolutamente brilhantes...

ZAIA: Mas é em um outro plano...

E: Produtivas, dizendo coisas importantes, novas, relevantes...

E: Por que esta pós é nota sete na CAPES?

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ZAIA: A pós ‐ graduação não tem nada a ver com a carreira de educador, do meu ponto de vista as pessoas que entram para a pós têm outra vocação que é a pesquisa e professor universitário. Esta marca de educador já sai de cena. Não que eu não ache a educação importante, acho e acho muito, por isso eu me revolto, por que é aquela história, é um curso desprestigiado.

E: Pois é, você está falando aí de Pedagogia, de graduação.

ZAIA: Sim, de Pedagogia, de graduação, as pessoas com menos competência. Desde a minha época, na minha época tinha a vantagem do grande curso que era o Instituto de Educação, que era muito mais universidade do que a PUC da minha geração.

ZAIA: Eu acho que a diferença é essa. A educação, ela ao mesmo tempo em que monumentalizada, que é a carreira maior, um sacerdócio, são as pessoas que se desdobram e se dedicam ao outro... ao mesmo tempo em que é tudo isso, é a carreira que paga mal, é a carreira que não tem carreira e é a carreira que vai para lá quem não pode ir para os cursos mais prestigiados. Essa é a verdade. Na nossa época era um pouco diferente, mas hoje é cada vez mais. É uma passagem, as pessoas entram para a Pedagogia por que não entraram para Psicologia ou Informática, ou sei lá por que. Basta ver o drama que passamos aqui na PUC para ter uma turma de mais de 15 alunos. A PUC é uma universidade de prestígio, considerada uma universidade muito boa, de elite e tudo mais, quem tem como aspiração ser professora primária, trabalhar como orientadora, supervisora , seja o que for na rede de ensino fundamental e médio, vai para a UERJ, vai para a UFRJ, para qualquer coisa, menos para a PUC. Hoje em dia vai para a PUC, porque a PUC tem esta abertura, tudo bem que tem que ter, mas eu acho que hoje em dia a gente vive um drama que é receber essas moças cheias de aspiração,

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muito esforçadas a maioria, querendo, com sede de aprendizado... mas o buraco está lá embaixo, não tiveram ensino fundamental, e sem ensino fundamental você não põe ensino superior, pelo menos em 3, 4 anos, não dá, a gente sabe que não dá.

E: Não dá para repor.

ZAIA: Eu tenho que ensinar a ler. Eu vejo, recebo uma turma de pedagogia. Na maioria dos casos eu mando uma moça ler em voz alta, só pela pontuação da frase eu sei que ela não entendeu nada do que leu. Ela está soletrando, ela esta lendo palavra por palavra. Eu acho que isso não tem solução, enquanto você não acabar com essa carreira de educador, sem estrutura de fato, é uma besteira... A pós ‐ graduação é outra coisa, não tem nada a ver, a pós‐ graduação é um âmbito de formação de pesquisadores, aí você tem, uma coisa, como no caso nosso, é uma seleção forte, entram aqui os melhores, a gente tem um monte que não vem da pedagogia. Os melhores alunos nossos não vêm da pedagogia, eventualmente tem um ou outro. Então o que é a educação? A pós‐graduação é um lugar de formação de pesquisadores, então ela catalisou, vamos dizer assim, os mais estudiosos, os que avançaram mais na pesquisa para serem professores de lá. E é isso.

E: Zaia, você vê transformação na pós‐ graduação dos anos 60, anos 70, para agora, seja no clima, na exigência, na relação mesmo que se estabelece no próprio campo da educação?

ZAIA: Acho que você tem que até analisar em termos de etapas. Os primeiros alunos que fomos nós, nós éramos demanda reprimida, ou seja, nós não tínhamos onde fazer uma pós‐graduação. Os primeiros grupos que vieram para a pós‐graduação eram pessoas muito acima da média da sua geração de universitários no campo da educação. Você veja a primeira turma quem é que tinha? Luiz

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Antonio, o Pedro Garcia, você... nós éramos exceção dentro do campo da educação, então tem que ver primeiro com isso. Na realidade, tem que ver o que nós fizemos e o que fazia a nossa geração, As dissertações da época eram verdadeiras teses hoje, só que eram menos volumosas. Tenho horror desta coisa e medir o conhecimento pelo volume, então tese de doutorado tem que ser que nem os portugueses, tem que ter 500 páginas... eu acho que isso é uma besteira, não tem nada a ver. Então eu acho que temos uma boa pós‐graduação. Por quê?

Por que tem muita demanda para a gente. Se fosse igual à graduação, não teríamos uma boa pós ‐ graduação. Tem uma boa pós‐graduação que foi pioneira, aqui se criaram os primeiros professores com pós‐graduação. Aqui, no âmbito do Rio de Janeiro, em São Paulo, a PUC de São Paulo. Essas PUCs de certa forma foram pioneiras em termos de pós‐graduação de educação, então de certa maneira solidificamos um nome na área. Fala‐se assim a PUC de São Paulo, a PUC do Rio, hoje em dia a USP é outra coisa, mas isso tem a ver também com tudo isso. Eu estudo isso, eu estudo as melhores escolas do Rio de Janeiro, como é que elas se constituem? Elas pegam os alunos mais preparados... só por isso; são pessoas que têm mais capital cultural, são pessoas que têm mais condições, o próprio público exige dos professores. Professor fraco não resiste nessas grandes escolas, ele acaba, ou ele não agüenta pela pressão dos alunos, é difícil dar aula com aluno questionando, ou ele não aguenta, porque a instituição diz tchau, para mim não serve. Então os públicos fazem as instituições sabe? Então, os professores que você tem ali, são professores que têm que ser capazes de agüentar o tranco da demanda. Mesmo assim eu diria que encontramos hoje em dia algumas coisas, alguns grupos mais problemáticos, aqui e ali encontram‐se algumas coisas mais problemáticas. Mas eu acho, eu não tenho dúvida que somos um programa nota sete, e acho que merecemos essa nota sete, mas não é como educador, nós não

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estamos formando educadores, nós estamos formando pesquisadores, não estamos nem mesmo formando professores. Eu acho que no nosso mestrado, aqueles que são professores depois ambicionam ser professores de ensino superior que implica em carreira de pesquisador então é uma desconexão com essa coisa do campo da educação. Eu não gosto desta idéia de profissões salvadoras da pátria, eu acho que tem um resquício, sei lá, de alguma coisa muito rançosa, não tem profissão maior. Um bom engenheiro é um bom engenheiro não é? Um bom enfermeiro é um bom enfermeiro, então eu reajo muito, talvez tenha a ver com toda essa história que eu te contei, meus pais não tinham escolaridade. Tenho que falar da minha mãe. Tenho que falar da minha mãe porque tinha essa coisa do destino da mulher. A mamãe trouxe uma coisa muito rica para minha história. Ao mesmo tempo em que eu não queria o destino de mulher, eu me tornei mulher, mãe de família, dona de casa e tudo mais, por que, a minha casa era uma casa que a mamãe tornava um lugar gostoso, bonito e confortável. Não tinha uma mesa mal posta, cada um com um talher, não, era sempre uma boa toalha, a mesa bem posta, tinha sempre flores na casa, tinha sempre uma mulher que se arrumava para quando voltávamos no fim do dia, tinha uma mulher que se ela não tinha uma boa escolaridade e não tinha uma boa cultura, ela era muito interessada, ela era uma mulher muito curiosa no mundo. Por outro lado tinha uma relação com a natureza que até hoje eu peguei isso, uma árvore me emociona, mamãe conversava com as plantas. Eu tenho árvores que elas são assim nominadas por mim, eu conheço cada uma delas sei a hora que ela floresce, sei a que floresce mais, a que floresce menos, quase que as cumprimento quando passo por elas no momento da floração. De onde eu herdei isso? Essa coisa assim de gostar de flor, de gostar de planta de gostar de casa, de fazer tricô sabe, do lado da minha mãe também, e aí eu acho outra coisa, eu tenho uma birra com intelectual, detesto essa coisa de intelectual pessoa que se acha melhor que outra, que torce o nariz quando você diz que não leu uma coisa. Eu digo com a maior tranqüilidade, não li, não conheço

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Saramago. “Você não gosta de Saramago?” Não só não gosto, como não li e provavelmente não vou ler, eu quero ler coisa que me agrade, eu digo isto para os meus alunos até literatura acadêmica tem estilo, tem autor que você nunca leu e nunca lerá isto não é falta de dificuldade mesmo, caráter, de pele, não tem um negócio de pele?

E: Afinidade.

ZAIA: Sim de afinidade, então você não tem obrigação, aquela coisa de intelectual que tem que saber tudo, que tem que ler tudo, sabe. Eu não vou à ópera, não vou ao Municipal, lamento por que eu gosto muito de música, mas a minha ignorância é uma coisa tão brutal, que na minha idade não vou recuperar tudo. Eu adoro ouvir a rádio do Ministério da Educação, mas eu não reconheço aquilo, aqui é um Beethoven, aqui é um Mozart, eu gosto porque é boa música lamento, Ah! Voltei a tocar piano, estou tocando piano novamente, estou aprendendo um pouco a reconhecer um Beethoven, mas eu faço isso como alguém no mundo. O mundo é muito rico, tem muita coisa para aprender, eu não tenho obrigação de saber nada, agora claro se eu for dar uma cadeira de sociologia...

E: É eu ia começar, eu ia te pegar por aí, em relação as tuas pesquisas? Pois para você pesquisa é uma cois séria. a

ZAIA: Minha pesquisa é séria, eu diria assim eu estudo o tempo todo, às vezes tem certa reclamação do Walter, da família. Você chega em casa, janta, vê depois a novela , outra besteira qualquer na televisão... depois vou sentar e vou estudar... eu fico estudando, eu adoro estudar uma coisa , eu acho que isso vem desde o meu pai , eu gosto de estudar , sabe é uma coisa que me alimenta... hoje em dia... eu não lia nada de literatura, você sabe disso... eu fui começar a ler literatura mesmo mais recentemente..., hoje em dia á noite, ao lado da minha cama, há um romance. Eu estou lendo um ótimo.

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E: Qual?

ZAIA: “Um Dia”, um livro maravilhoso, interessante, não é grande literatura.

E: Você tem hora para estudar, como é que é?

ZAIA: Tem. Na hora de dormir é um romance. Eu li o Milênio agora, os três volumes, eu li Humberto Eco, eu li Machado de Assis agora. Eu tinha uma inveja de quem conheceu... quem leu sobre os olhos de Capitu. Bem, fui pegar os livros dele li, adorei li os contos dele. O Eça de Queiroz, babei quando li... aí você descobre o que é um clássico. Tudo bem, maravilhosos.Eça de Queiroz é um mergulho enfim.

E: Tem hora para estudar?

ZAIA: Não é o tempo todo, só no Paulinho, quando eu vou ao cabeleireiro que eu leio Quem, Contigo. Adoro, até levo um livro para ler, mas não leio, não dá tempo. Tem Quem, Contigo todas aquelas coisas que eu adoro, eu vejo novela sempre, xingando, eu acho essa "Insensato coração" uma insensatez, uma porcaria, já tivemos novelas melhores, é muito ruim, mas eu estou lá vendo o Antônio Fagundes fazendo papel de idiota. É vício, eu estou lá reclamando e fazendo tricô, mas é um momento que eu paro de estudar. Eu jantei, pego meu tricô e reclamo da vida, daquelas porcarias, mas depois eu passo para a Globo News, para a Futura. Eu tenho visto programas maravilhosos, mas eu tenho o vício de novela das nove, mas eu quero tirar este vício por que está muito ruim, mas já teve coisas muito boas, aquela Favorita foi ótima, uma senhora novela, teve Roque Santeiro que foi ótima, mas agora eu não agüento aquele casalzinho idiota lá na minha frente, o pobre do Antônio Fagundes fazendo aquele papel babacão, coitado. Aí me irrita, mas eu vejo muito e eu acho que tem que

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ver televisão, professor tem que ver televisão, professor tem que ter entrada neste mundo também. É a vida, mas pesquisa para mim...

E: Isto o fale um p uco da sua pesquisa, da sua trajetória .

ZAIA: Pesquisa para mim é um fascínio, pois é a outra face do professor, eu adoro ser professora e sei que sou uma boa professora e tenho consciência dos limites de ser boa professora. Eu sempre digo para os meus alunos. “Toma cuidado com aquele professor que se acha bom”. Porque quando você acha um bom professor, aquele que dá aulas ótimas, você acredita que aprendeu alguma coisa e ninguém aprende nada sem esforço, sem um movimento interno. Aí você diz, eu aprendi tudo... a aula da Zaia é maravilhosa, não precisa estudar... ninguém aprende sem estudo, ninguém aprende. Cada vez mais para mim a pesquisa é coletiva e desiludo todo mundo , quando falam “a minha pesquisa”... a sua pesquisa, se não tiver enganchada numa pesquisa coletiva , a probabilidade de ser fraca é muito grande, e agora que eu estou fazendo um balanço dos 10 anos do SOCED ‐ que são mais de 10 anos ‐ eu de repente descobri o fascínio que foram esses anos todos que eu vivi coordenando esse grupo, por quê? Eu não me sinto doutora lá , claro que eu sei, que eu coordeno, oriento, avanço em um monte de coisas, mas aquele debate... aquelas trocas... eu tenho aprendido coisas incríveis com os alunos. Então, eu de repente, foi essa semana que me passou isso... pois na realidade, hoje em dia eu não sou mais orientadora de um trabalho, porque a orientação vai além de mim, por que a orientação é do grupo, porque todos os alunos que passam pelo SOCED, apresentam uma pré‐defesa conosco, o grupo do SOCED levanta questões que eu não levantaria. Como para mim, não é demérito nenhum a ignorância, eu me sinto muito confortável diante daquilo que eu não sei, que eu não pensei... eu procuro saber, mas de repente o “não sei” me traz uma coisa que eu não sabia e eu te digo isso, com a maior convicção, eu acho que eu sou uma boa pesquisadora, mas

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eu acho que eu sou uma boa pesquisadora porque eu tenho consciência de que avancei em um monte de coisas, mas tem muita coisa me desafiando. Hoje em dia, o que é fazer uma revisão de literatura? Você entra na internet você faz hoje pesquisa de um tema qualquer ou um problema qualquer, daqui a dois ou três meses, você volta e é aquilo... quanta coisa nova. Isso aconteceu comigo agora, no mês passado quando eu fui convidada pela Sociedade Brasileira de História da Educação para fazer uma palestra sobre a relação entre História e Sociologia. Minha tese foi sobre Historia da Educação. Fui convidada, estou na Sociologia aí comecei a arrumar meus livros e eu lembrei de Peter Burke que escreveu sobre Historia e Sociologia, Chartier num momento escreve “os bons vizinhos”. Eu fui puxando o fio , fui reler coisas e entrevistas de autores, e incrível , redescobri uma entrevista do Aaron Cicourel, que aí mostra como surgiu a etnometodologia com Garfinkel. Ou seja, me alimentou de tantas coisas que eu não sabia .

E: Depois eu quero ler este texto.

ZAIA: Gente, eu fiquei, tem coisa que eu não pus no texto, por exemplo, eu redescobri uma entrevista com Aaron Cicourel. É uma coisa interessante por que é uma coisa que me toca hoje, que é a luta que se dá no meio acadêmico, de passar por cima do outro, de não citar o outro, a gente está cansada de ver isso ocorrer, inclusive conosco, então eu pego esta entrevista é um pouco a história dele, história de vida, e eu descubro que ele fez pesquisa com Garfinkel, fundador da Etnometodologia e na evolução das coisas ele levanta um dado. Garfinkel nunca fez pesquisa de campo, nunca fez pesquisa empírica, quem alimentou o tempo todo o Garfinkel, foi ele, Cicourel, e ele sequer foi citado. Fez só uma nota de pé de página agradecendo a participação dele. Quando você lê a entrevista inteira você diz roubo de idéia, aí vem a coisa da autoria .

E: Ele se queixa disso?

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ZAIA: Não, aliás, é interessante ler esta entrevista, não é uma queixa é uma constatação e meio assim, estou aqui vou adiante.

E: Mas é uma denuncia.

ZAIA: É uma denúncia que eu acho importante ser feita. Então esta oportunidade de ir para o campo que eu não estava mais frequentando, me confronta com a riqueza. Eu adoro fazer pesquisa, eu vou te dizer eu comecei a

fazer esta pesquisa, com esse grupo do SOCED, começou lá com o livro do Roberto Moreira que derivou o grupo de história da Waleska, o grupo de Sociologia, depois fiz a pesquisa sobre os filhos dos professores, da elite acadêmica, que eram os professores da PUC. Eu tinha uma hipótese que eles estariam nas melhores escolas. Eu fiz uma pesquisa e os filhos da elite acadêmica não estão nas melhores escolas, eu disse assim: ué, quem se matricula nas melhores escolas? Aí já passei para outra pesquisa, que é quem vai para as melhores escolas? E aí tem toda uma coisa de como é que se produz qualidade de ensino, muito voltada para a questão do problema da qualidade de ensino. Estamos há oito anos em cima disso e agora a minha questão é a seguinte: essas escolas, aquilo que é sempre perseguido que é o melhor ensino para o meu filho, quero que ele esteja preparado para ir para as melhores carreiras... o diferencial delas, minha hipótese, não é como todo mundo pensa, está só pelo ensino forte, mas é a qualidade de educação, as pessoas escolhem instituições mais de acordo com o projeto, com a sua ideologia de sociedade, de futuro. E tem uma coisa que para as famílias são as boas escolas, elas têm um padrão de valores e rotinas que formam para além do sujeito bem qualificado do ponto de vista do ensino um sujeito qualificado num certo padrão de valores em educação.

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E: Por exemplo, Zaia, quem procura a Escola Parque, os pais da Escola Parque têm outra cabeça que talvez os pais do São Bento ou os pais do Santo Agostinho não têm. São outros valores.

ZAIA: Outros e é muito engraçado, a gente pensa assim, porque eu comecei assim, com escolas profissionais, públicas federais, alternativas, bilíngües na suposição que elas eram categorias de certo tipos de educação. Não são! Cada uma tem a sua identidade, um pai que põe um filho no Santo Agostinho, não vai ter algo equivalente a um pai que põe um filho em um São Bento ou põe no Santo Inácio. Outra coisa que aprendemos foi desconstruir essa homogeneidade, cada escola é uma escola, um pouco que tem a ver com o indivíduo em sociedade... fazemos parte de grupos, mas construímos uma identidade e isso tem também na escola. Então, eu digo o fascínio da pesquisa para mim, está nisso sabe, que a gente tinha idéia também de certo perfil de pai, ao mesmo tempo que você diz isso e é verdade em parte, você entra na escola Parque, tem de tudo não é só este padrão de pai.

E: Mas teria um padrão mais recorrente?

ZAIA: Acho que tem, em parte. Acho que talvez a Escola Parque tenha um padrão mais recorrente do que os colégios confessionais, quer dizer ACHO, não é certeza, a gente vai caminhar um pouco para lá agora, já estamos fazendo isso. Muito interessante: você vê essa coisa inclusive dos professores que estão nessas escolas de vestir a camisa, o Pedro II, o CAP, são colégios que a gente fez trabalho de campo. Estamos fazendo, sempre, eu sou inteiramente contra esse negócio de pesquisa qualitativa, quantitativa, isto para mim é uma balela, não existe isso, porque o qualitativo tem muito do quantitativo.

E: Acabou essa dicotomia.

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ZAIA: Claro, tem que acabar. Por isso eu gosto do Bourdieu. Ele destrói esse senso comum douto. Acho que ele é rico, pois é um sujeito que está sempre te desafiando a pensar, e pensar adiante inclusive adiante dele, hoje em dia eu já vejo os limites que o estudo dele trás também. Essa necessidade de ultrapassar coisas e se eu pudesse fazer um balanço disso tudo que eu estou te dizendo , tem uma coisa na raiz da minha história: de superar os limites...

ZAIA: Medíocre quanto mais ela se ambiciona ser melhor que os outros. Eu acho que a grande virtude não é a humildade, mas é a consciência dos limites em todos os cantos. Eu estou começando a questionar. Então, eu acho que eu vou caminhar para uma coisa que é desconfiar que as boas escolas sejam modelos para escolaridade do futuro. Acho que não serão, elas não são.

E: Quando você disse mais cedo que a formação nos pilotis foi a sua formação. Qual é a importância que o curso teve diante dessa formação?

ZAIA: O curso teve uma grande importância que é de você se confrontar com a mediocridade e não se conformar com ela. Porque eu acho que os cursos de pedagogia eles confrontam os alunos com a mediocridade e sabem dos limites dos alunos e se conformam com a mediocridade. Esse curso tinha que ter oito anos então, que tenha oito anos. Assuma que vai precisar ter oito anos parw conseguir superar as dificuldades de uma clientela que não teve uma boa escola fundamental. O público que vem precisa muito mais, a gente tem as fórmulas acho que isso é complicado. Por outro lado, Tania, esse negócio do pilotis, de estar nos espaços não formais da universidade, sei que tem importância... aliás o Paulo Novaes, meu orientador, fez um planejamento do futuro da PUC e foi um escândalo. Na auto‐avaliação da universidade, que ele estudou os cursos, as salas, o ambiente, e propôs: Eu acho que a PUC tem que fazer mais bares e

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mais bancos pelo bosque, ele disse isso porque acreditava que nesses espaços ocorrem coisas importantes.

E: Pois é.

ZAIA: É um homem sábio, ali é que circula a coisa importante, ele disse e eu acho que ele tem razão. Mas eu vou te dizer, a gente aproveitava o pilotis tanto mais, quanto mais medíocre era o curso porque no confronto com curso...

E: Paradoxo?

ZAIA: O que o curso não dava, o outro te exigia e te dava, então eu acho, por isso que eu acho o próximo caminho, a coisa que me desafia é assim... Tem muita gente que fala do futuro da escola, não sei o que não, o que lá... e acho uma boa indagação, mas o meu sentimento, e eu nem diria hipótese, a boa escola que hoje estudo, e que acho que são boas escolas no momento, elas não podem sobreviver muito tempo mais dessa maneira... aliás, elas já não estão sobrevivendo. Que a maioria delas está fazendo turno integral. Por que elas estão caminhando para turno integral? Para os meninos darem conta do que eles exigem, eles precisam estar submetidos a um processo de enculturação escolar que é a construção dos habitus escolares. Por outro lado, era muito importante que você garantisse, é importante ainda hoje ‐ sobretudo, em relação às camadas populares ‐ que você garanta aquele mínimo curricular, o mínimo de conhecimento, aquele conhecimento básico em varias áreas; só que com a proliferação de publicações, com a internet e com o acesso a informação que se tem hoje, a escola tem que mudar o seu perfil. E as boas escolas já estão mudando. Que é os meninos saberem levantar o que é relevante, que é a coisa de quando faz trabalho de pesquisa, saber onde pesquisar, saber o que separar, o que é relevante, o que não é relevante. Porque, hoje em dia, você não precisa mais jogar um currículo pesado como era

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o nosso, que você ia lá nos povos primitivos... revolução francesa... até chegar no contemporâneo...você não precisa disso. Você entra numa Wikipédia da vida. Outro dia eu tive uma dúvida, eu disse assim, mas como é que é mesmo, eu vou para Marrocos, não é? Eu vou fazer uma viagem, eu disse assim, não sei nada de Marrocos, entrei no Marrocos, descobri o que são os berberes. Não sabia quem eram os berberes, para mim era um povo e é mesmo, mas só que aí aquilo me deu sangue, suor e lágrimas sobre o que são os berberes. Você descobre lugares, que você não sabia que existiam em Marrocos, os costumes de Marrocos... você não precisa mais ter um currículo sobrecarregado como temos. Por outro lado, como você faz isso que no fundo é uma formação mais de hipertexto. Você tem o texto e o texto te joga a novas inquietações. Você

tem que preparar para isso.

R: É o que o Geraldo Carneiro fez. Ele pegava a ultima palavra...

ZAIA: Isso é, levado pela curiosidade, pela ignorância..

R: É associação.

ZAIA: É associação. É isso que tem que ser feito, tem que aprender. Mas eu descobri, quando eu olho para o Lucas, meu neto, eu fico impressionada com o grau de informação que tem esse menino. O Lucas sabe muito mais nos 8 anos dele, ele sabe muito mais de animais do que eu, ele sabe sobre alimentação, de que esse peixe se alimenta ? É um tipo de molusco ? Ele tem oito anos, eu fico espantada! Mas é assim, esses meninos já têm essa capacidade de pesquisar, se informar...

R: Eu tenho ainda muitas perguntas. Como você monta sua bibliografia?

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ZAIA: Como é que eu monto uma bibliografia? Uma vez que foi numa situação de encontro de professores da PUC, tinha uma idéia assim, nos encontrávamos no final da tarde, convidava um professor que apresentava uma coisa que gostava muito... e foi o filho do Portinari. Como é mesmo o primeiro nome dele? Esqueci. Ele foi lá e tocou violão, esse é o meu tesouro. E eu pensei assim quais são os meus tesouros e isso eu fui elaborando até chegar na minha bibliografia onde estão os meus tesouros, naquilo que, como professora são os meus tesouros? E eu tenho alguns textos que são os meus tesouros. Eles normalmente estão na bibliografia, então eu diria...

R: E estão na sala de aula também.

ZAIA: Claro. “Sociedade dos indivíduos”, “ Por uma sociologia reflexiva” do Bourdieu. Tem que ler, “Compreender” do Bourdieu, tem que ler, o Goffman primeiro capitulo do livro dele, do Goffman...

R: As “ Representações”?

ZAIA: Não, não é “As Representações”. É o primeiro capítulo. Enfim. Eu tenho um nucleozinho, por exemplo, Anísio Teixeira, Ciência e Arte de Educar. Mas, de repente os meus tesouros vão mudando, às vezes eu volto para Durkheim, “Evolução Pedagógica na França”, não precisa ler todo, um pedaço precisa ler, como é que se marca, sabe?

R: É brilhante.

ZAIA: A ação social do Weber tem um... são coisas que te tocam. Então, a bibliografia eu nunca tenho uma bibliografia pronta quando eu começo o curso, é engraçado, e eu raramente, aliás, hoje em dia eu não tenho “um programa” quando eu começo o curso. Primeiro eu vou conhecer os alunos, o que eles vão fazer, o que eles têm interesse, o que eles já leram. Depois de conhecer os alunos, e saber, eles estão aqui para fazer um curso de sociologia. Eu vou dizer, eles vão ler isso,

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mas como não tem base nisso, aí é que armo minha bibliografia. Por exemplo, para esse curso que vou eu começar a dar no próximo semestre eu já sei que vou escolher um texto do Durkheim, um do Weber e um do Marx para começar. E depois...

R: São os clássicos.

ZAIA: São os clássicos. O Marx eu sempre tenho dificuldade. Eu acabo na Ideologia Alemã. Eu acho um autor rico, mas talvez de todos os clássicos é aquele que perdurou menos, sabe, tem uma coisa que é assim raiz... a idéia de classe social, a idéia da economia, de social, isso é raiz. Mas , a maneira como ele elaborou a teoria do capitalismo deu água... mas o Weber da ação social não , ali está toda a Sociologia, ali está de um lado a questão material e a questão simbólica ao mesmo tempo. Ali está a origem do interacionismo. Está a origem da fenomenologia, está a origem do estruturalismo, então é um autor de uma riqueza extraordinária. E o Durkheim, com toda aquela questão dele, de que tem que se olhar o fato social como coisa e como ele tornou isso operacional no Evolução Pedagógica na França. É um clássico de como você relaciona teoria e empiria, não existe teoria se não existe empiria. Ou seja, teoria sem empiria é fumaça. Não sobrevive. Então eu acho que esses autores são autores muito fortes, eles são exemplos de como pensar.

R: Eu acho indispensáveis para você estruturar o modo de pensar.

ZAIA: Para quem dá sociologia certamente é, eu vou passar por eles, mas vou passar por leituras e desdobramentos.

R: Você mudou na maneira de dar aulas? Foi mudando?

ZAIA: Eu não sei. Eu acho que eu mudo e retomo, às vezes, eu canso de mim, da forma como dou aula. É como aconteceu agora, eu dou aula muito bem, eu pego uma turma dou três horas de aula e eles estão com

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os olhos grudados em mim, eu sei disso... eu sei fazer isso. Até porque quem desgruda o olho eu vou retomar de alguma maneira, pois passa a ser um desafio para mim. Eu tenho uma imagem que é assim: quando eu entro em sala de aula eu tenho uma arvore cheia de frutos, cai um, cai dois, cai três. Aí, eu não posso. Esses três eu tenho que fazer voltar, eu sei que sou boa professora de dar aula expositiva, mas às vezes eu canso de mim dando aula assim. Esse semestre eu estou fazendo uma inovação que nem é da licenciatura, como eu disse para você. Eu comecei o curso “como é que você escolhe um livro? Eu perguntei mas como é que você escolhe ,você tem uma coisa que você tem que estudar , como vocês vão descobrir se o livro interessa? Cada um foi dizendo, um lia o índice, o outro lia a contra capa, o outro lia pelo não sei o quê, o outro... e eu fui mostrando, como é que você vai descobrir se o livro serve? Eu vou mostrando o índice, os capítulos para ver como o autor organiza o pensamento, lê um pedaço, lê a conclusão, lê como ele apresenta o livro. Cada um foi trazendo sua estratégia, de repente eu vi um olho deles brilhando, deles porque cada um descobriu que não usava uma estratégia que podia ser útil. Terminei essa aula, que foi a primeira, dizendo: agora vocês vão fazer o seguinte, vocês vão para o computador e vão fazer levantamento bibliográfico em torno de um tema que está interessando vocês, que vocês pensem que vão trabalhar pela frente. Mas como? Cada um faz do seu jeito, quero ver como vocês fazem, vamos aprender como vocês fazem. Eles trouxeram esse levantamento, uma coisa assim megaloma. Não. Agora quero que vocês escolham dez textos desse levantamento, mas me digam qual critério vocês usaram. Mas que critério se usa? Não sei, vocês é que vão descobrir. Eles foram e fizeram isso, e eu já trouxe material de como você monta uma bibliografia, que tipo de estratégia pode ter. Fui e alimentei e eu tenho feito isso até agora. Agora estamos em observação, mas a observação eu comecei assim: vocês vão procurar livros... livros não, textos, entrem na internet. Eu fui na biblioteca com eles e fui mostrar os recursos da biblioteca. Eles ficaram encantados, eu também. Porque eu estou sempre na internet e de repente eu descubro nossa biblioteca é monumental, tem um serviço

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de te ensinar a fazer coisas extraordinárias para um pesquisador. Eu levei, eles ficaram encantados. Aprenderam um monte de coisas, inclusive que tipo de recursos tem ou não tem. Entrei na observação. Eles aprenderam como montar uma bibliografia e como fazer revisão bibliográfica, trouxe coisas e discutimos muito isso. Vamos aprender a observação, mas da forma que a gente usa em pesquisa. Então vocês vão procurar textos sobre observação. Uns trouxeram , outros, não encontraram nada. Eles já haviam dito que estava difícil e não encontravam nada. Eu entrei no Google e coloquei “técnicas de pesquisa de observação ” encontrei mil e tantos títulos,trouxe para eles. Escolhi dois, sobre observação, brilhantes. Um é de uma professora da PUC de design. Dei para eles e disse: o Google dá isso. E ai o que eu fiz? Vocês vão sair para fazer uma observação em dupla aqui na PUC. Eles saíram, eu disse, vocês só podem falar no momento de combinar para onde vocês vão observar. Depois cada um vai fazer as suas observações, e depois vão para casa, transcrevem e depois voltam aqui. Eles começaram a falar, agora vocês vão passar porque caderno de campo a gente anota, depois tem que passar a limpo já com as coisas com a percepção maior. E ontem foi a aula em que eu troquei : a dupla de cá troca com a outra dupla de lá e analisam o que eles estão falando. Eles estão adorando.

R: Está ótimo.

ZAIA: Mudei o curso, eu não dava o curso assim. A bibliografia está sendo construída em função dos limites que eles encontram.

R: Das demandas, inclusive. Outra coisa mudou o acesso a textos e livros, não é?

ZAIA: Completamente.

R: Completamente. Isso você já está falando um pouco aqui. E hoje em dia é o processo com o computador que faz muita diferença, não é?

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ZAIA: Eu acho que sim. Mas eu acho que livro, ainda tem certos livros que tem que ler. Eu acho assim ... eu sempre digo aos meus alunos mesmo, digo para eles, eu raramente eu leio um livro inteiro do ponto de vista acadêmico, eu leio o pedaço que me completa que me interessa.

R: Mas isso temos observado nas pesquisas, Zaia.

ZAIA: Agora, tem uns que eu leio inteiro. Por exemplo, “Evolução Pedagógica na França” tem que ler inteiro, “ A Distinção” tem que ler inteiro. Para mim que estou no lugar que eu estou , trabalhando com o autor. “La noblesse d'État” tem que ler inteiro. Tem alguns que você tem que ler inteiro conforme o que você escolher na vida acadêmica. Mas hoje em dia, você não tem tempo para ler tudo. Então vamos acabar com essa fantasia. O Bourdieu eu conheço bem, porque foi quem eu escolhi para estudar. Já li muita coisa dele, mas talvez eu não tenha lido nem 1/3 da obra de Bourdieu, que a obra dele é densa e imensa.

R: Você acha que mudou também os usos que a biblioteca tem, como a biblioteca central da PUC?

ZAIA: O meu sentimento já há três anos, eu rata de biblioteca, então eu se eu não tinha revistas online, a cada dois meses eu passava vários dias na biblioteca para ler o que estava saindo. Hoje em dia com a revista online, com exceção dos franceses que são uns chatos, não põem as coisas online, você tem tudo online quase. Mas essa biblioteca da PUC, por exemplo, eu acho que aluno de pós‐graduação tem que ir a dicionário especializado, eu devo ter lá em casa na área de sociologia 10 ou 12, nem sei quantos dicionários especializados. Eu disse, bom, aluno não vai comprar 10, 12 dicionários especializados, tem que comprar um ou dois no máximo. E eu nunca liguei para a biblioteca. A

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biblioteca tem maravilhas de dicionários especializados. A biblioteca te consegue qualquer texto, em qualquer língua, em qualquer país. E se é em grego ou sei lá que língua, híndi, o que for, ela arranja quem faça tradução, claro que tem custo se for o caso. O mundo está aberto para todos. Essa biblioteca é extraordinária. Então a biblioteca aqui e acho que a maioria não ficou para trás, ela está no compasso do mundo. Entende?

R: Muito bom isso. Mudou a orientação? A sua forma de orientar?

ZAIA: Acho que não, Tania. Porque? Porque eu acho que onde eu posso ser mais útil com o aluno é eu passar a minha inquietação em termos de pesquisa e a minha lógica, então eu oriento muito em cima de como eu pesquiso. Então eu sempre me pus assim, você já sabe aonde vai? Aonde vai chegar? Eu tento desequilibrar as certezas. Eu oriento muito nesse sentido. Por outro lado Tania, mudou sim nesse sentido, hoje em dia, eu oriento com o SOCED e no SOCED, cada vez mais. Eu, não mais aquela única figura, sabe? Madrinha daquela produção.

R: E o domínio de línguas estrangeiras?

ZAIA: Acho pela minha experiência que é muito importante. Acho que o inglês não dá para pensar em não ter, tem que ler inglês. Lamentavelmente eu acho que cada vez menos domina‐se o francês, mas eu continuo achando que é uma pena... Ontem mesmo eu fiz uma encomenda na Amazon.fr, que eu estava querendo livros franceses, fiz um levantamento bibliográfico já para o meu próximo curso e queria alguns livros franceses. E não conseguia. Eu entrei no site da “École” (EHESS) e lá tem publicações extraordinárias, coisas extraordinárias. Na hora de você encomendar eu não conseguia porque os franceses são uns idiotas em matéria de compras online. Então eu entrei na

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Amazon.fr que é a Amazon da França e comprei todos os livros que eu não consegui comprar na École.

R: Então o acesso ao texto mudou também. Vem cá, vocês querem fazer alguma pergunta a professora Zaia?

Aluno: Já que você está falando de linguagem e tal, o que você acha da importância do intercambio? Do trabalho fora do país e até mesmo estudar em faculdades de outro país. É preciso que nem o inglês ou é só um a mais.

ZAIA: Eu acho que intercambio é muito bom. Se vocês tiverem oportunidade, vão fazer. Mais do que ser bom pelo, acho que a experiência em outro país é muito rica, mas aprender inglês, aprender francês, aprender alemão por imersão.

Porque quando você está em um país, você tem que tomar cuidado para não ficar enturmado... brasileiro tem mania de ir para o estrangeiro e ficar no grupo de brasileiro. Aí é um desastre! Tem que se enturmar com gente, ou da mesma terra ou com estrangeiro que como você vai ter que aprender coisas. Eu acho fundamental. Eu aprendi francês na França, eu não tinha base para o francês, cheguei na França quase sem falar francês e aprendi na França. Eu acho que é fundamental. Eu acho que vale a pena fazer intercambio, podendo. E hoje em dia é diferente da nossa época. Eu fui porque fui patrocinada pela PUC, hoje em dia você tem ofertas aí...

Aluno: Eu estou indo agora, vou ficar seis meses na Inglaterra.

ZAIA: Maravilha, tem que fazer mesmo.

R: Onde? Em que universidade?

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Aluno: Vou ficar em uma escola bem no centro de Londres e vou fazer curso de cinema, fotografia.

R: Ai que maravilha. E a partir daqui do intercambio?

Aluno: É.

R: A PUC está dando muita oportunidade.

ZAIA: Tem que fazer. Eu acho que é muito bom. Porque hoje em dia as fronteiras estão cada vez mais balançadas a Europa está vivendo essa crise toda, porque ? Porque o sujeito bem qualificado, ele pode trabalhar em qualquer país da Europa. Claro que se ele fala o inglês. O inglês é língua (universal)... Hoje em dia até estão aparecendo outras, o chinês, mas eu não colocaria meu neto para estudar chinês. Mas o Walter acha que tem que estudar. Eu tenho implicância com a China porque eu acho que ela produz muito, mas tudo de má qualidade.

Aluno: A china tem proposta de ser igual ao Japão. O Japão antigamente há 3 anos atrás quando se falava em Japão se pensava em qualidade, coisa ruim, quebrava a toa. E tem uma preocupação da China ser assim.Muito. Eu acho que esse padrão que a gente tem vai ser diferente. E acho que America Latina continua se arrastando, sabe?

R: Risos

ZAIA: Continua se arrastando e sabe por que? Há uma certa esquerda no Brasil, acha que o mundo é a América Latina. E eu não acho que o mundo é a América Latina, acho que o mundo é o mundo. E acho que a questão da América Latina é uma questão sim, importante e política e etc e tal, mas enquanto você tiver essa idéia da proteção da identidade, da diferença... o mundo está mundializado, sabe? Então, essa coisa de reconhecimento da identidade, tudo bem eu acho que tem, mas essa

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coisa sou eu da América Latina contra os europeus , eu acho isso uma besteira, uma enorme besteira. Acho mesmo. Acho que o mundo é para você circular. A gente tem que prestar atenção na America Latina que tem uma riqueza cultural, uma riqueza natural, física enorme. E outro dia lá no coquetel do CCE , eu estava falando com Reinaldo, o Decano CTC... tem uma amiga da Martha que está na pós graduação da Química..., porque lá em casa é uma república latino americana, chega alguma pessoa perdida da America Latina que vem fazer pós‐graduação aqui na área da Martha vai morar lá em casa, mora alguns meses lá em casa. Ele disse, olha Zaia, o problema é que hoje você tem um monte de peruano, um monte de chileno, um monte de alunos latino‐americanos, quando chega um peruano bom, sai de baixo porque é bom demais. Mas ele disse, exceção, porque chegam muitos problemas e eu acho que esse reforço do “quisto” ruim, porque eu acho que é uma coisa do quisto...

R: Problema de formação, não é?

ZAIA: Eu acho problemático, você tem que formar as pessoas... Eu acho que essa idéia do multicultural não é para dizer, porque eu acho que é a mesma coisa do problema das cotas. As cotas têm um lado bom, mas têm um lado muito perverso. É pelas cotas que você passa a mão, exige menos, no curso de pedagogia e nos outros. É para as cotas, que sempre você vai ser mais tolerante. Tem norma culta, tem norma culta mesmo, tem línguas que você tem que falar, tem que falar mesmo. Acaba com essa historia de “são imposições dos capitalistas”, são os dominadores, é sim. Acaba com a besteira, tem que ler inglês. Não tem jeito. Não leu inglês, tá fora.

R: Bom Zaia, acho que estamos terminando.

ZAIA: Já falei demais.

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R: Não, você falou bem demais, mas não demais. Só tenho que agradecer muito.

ZAIA: Imagina , eu agradeço.

FOTOS CEDIDAS POR ZAIA BRANDÃO

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Zaia (no centro de pé) na cerimônia da posse como Presidente do Diretório Jackson de Figueiredo em 1960

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Zaia (de preto) no dia da sua formatura na PUC

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Zaia Brandão

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OSMAR FÁVERO

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Nome do entrevistado: Osmar FáveroLocal da entrevista: PUC-Rio

Data da entrevista: 15 de junho de 2011Entrevistadores: Tania DausterTranscrição: Diana Gonçalves

Nome do projeto: Projeto “Fundadores” – a construção da memória da Pós-Graduação em Educação da PUC-Rio.

TANIA: A PUC completou 70 anos e desenvolve uma linha de reflexão sobre os seus rumos até os 80 anos. Seu Programa de Pós-Graduação em Educação foi o primeiro a ser criado no Brasil. Até onde se sabe, teve grande impacto na educação brasileira, não só nas universidades como também em outras instituições educacionais.

OSMAR: E nas secretarias de educação.

TANIA: Nas secretarias de educação também. Esse programa formou e vem formando muita gente na área de educação e hoje em dia é um programa nota 7. Surge a preocupação em preservar, em construir, melhor dizendo, fazer a construção de sua memória. Eu venho trabalhando nele há vários anos em Antropologia e a Educação, com a questão da cultura.  Ocorreu-me que seria muito interessante  fazer a construção da memória do Programa através de relatos em uma linha de história de vida.Existe um discurso sobre sua fundação e seus fundadores. Fala-se numa geração fundacional  e há pessoas que estão envolvidas nessa primeira fase do programa que vai de 1965, vamos dizer, até 1971 quando o programa é credenciado e entra em um novo momento. Confere?

OSMAR: Em 1965 foi realizado o Curso de Especialização em Planejamento Educacional, em convênio com o Ministério da Educação. O mestrado começou em 1966 e foi credenciado em 1971;

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foi o primeiro mestrado em educação credenciado pelo Conselho Federal de Educação.TANIA: O que está me interessando no momento? Construir a memória dessa primeira fase até o credenciamento do Programa. A partir de relatos em uma linha de história de vida daqueles professores envolvidos. E que, enfim, foram responsáveis pela criação do Programa ou pela fundação do Programa.Pergunto: Como você chegou à PUC? Como foi a sua formação escolar e, acadêmica, como você veio para a PUC, e depois como você viu, participou e atuou nesse Programa? O que você tem para me contar sobre isso?

OSMAR: Nesse período inicial, de 1965 a 1971, eu fui basicamente aluno, com uma breve “monitoria” em 1966/1967. Assumi efetivamente como professor  a partir de 1972, substituindo Durmeval Trigueiro. Minha chegada aqui como aluno foi relativamente curiosa. Eu havia terminado a Licenciatura em Matemática, na Faculdade Nacional de Filosofia, em 1960. No começo de 1961, imediatamente depois de formado, comecei trabalhar no MEB [Movimento de Educação de Base], criado pela CNBB [Conferência Nacional dos Bispos do Brasil] e apoiado pelo Governo Federal. Nele trabalhei intensamente até o início de 1964. O golpe militar de 31 de março  quebrou o ritmo de trabalho. Além da questão política séria, o MEB ficou sem recursos e ao mesmo tempo, começou a haver pressões de alguns bispos, descontentes com a linha assumida pelo Movimento. Mesmo assim, continuamos trabalhando, refazendo tudo até início de 1966, quando me demiti por não concordar com a nova estrutura imposta pelo Conselho Diretor.Quando a PUC abriu o curso de especialização em convênio com o Ministério de Educação, em 1965, estávamos assim meio perdidos. O que se poderia fazer? Dinheiro para o MEB não tinha mais; naquele momento não cogitava em outro emprego. Nos dispusemos então a vir fazer o curso de especialização em Planejamento Educacional, que era uma novidade.

TANIA: Quando você fala nós, você está se referindo a quem?

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OSMAR:  Lembro-me de José Augusto Guilhon de Albuquerque, que era do MEB e que ainda deve estar como professor de Sociologia e Política na USP.  Vieram várias pessoas amigas que trabalhavam no MEC, com Eulina Fontoura:  Beatriz Bebiano Costa, Nair Speranza, Ana Augusta...

Tania: E como foi curso?

OSMAR: Como disse,  era em convênio com o MEC, com a Diretoria de  Ensino Secundário, que estava começando a pensar o planejamento da educação. Foi um curso basicamente montado conforme a  estrutura de ensino: ensino primário, ensino secundário, ensino médio industrial, comercial e agrícola, ensino superior.  Boa parte dos  professores eram funcionários do MEC; outros foram convidados. Entre os primeiros, lembro-me de  Geraldo Bastos Silva e Carlos Mascaro, que era diretor do INEP, na ocasião. Entre os segundos, José Roberto Moreira, que estava voltando de um compromisso com uma agência internacional da América Latina, e Durmeval Trigueiro, que nos deu três excelentes aulas-conferência sobre ensino superior. Neste curso, não me lembro de termos tido nenhum professor da PUC.  Pe. Bënko era o diretor do Departamento e José Carmelo era simultaneamente coordenador do curso e colega nosso.

TANIA: Fazendo especialização também?

OSMAR: Fazendo a especialização também. E discutíamos muito com o ele,  de igual para igual. Se a aula era ruim, reclamávamos.  Eu me lembro que  mudamos  as professoras  do ensino primário duas ou três vezes, porque eram muito ruins e nos viam como alunos de graduação. Era uma turma grande, creio que com  30 alunos, briguenta. Todos nós já trabalhávamos, sabíamos o que queríamos e não tínhamos vindo à PUC para ter “aulinhas” com “professoras primárias”...  O curso tomou outra dimensão quando José Carmelo conseguiu que Eulina Carvalho assumisse a disciplina fundamental.  Ela praticamente salvou o curso. Ainda estávamos vivendo naquele clima de pós-LDB, a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação, aprovada em 1961. Na primeira aula, Eulina nos disse: “Vocês acreditam que essa lei mudou mesmo muito,

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foi mesmo muito boa para educação, em geral?”  Uma pessoa do Ministério da Educação nos fazendo esta pergunta, levamos um susto!

Tania: Foi apenas um Curso de Especialização? Durou quanto tempo?

Osmar: Durou pouco menos de um ano, em 1965. Com base nesse curso de Especialização, a PUC abriu  o Mestrado no ano seguinte, 1966, creio que inicialmente apenas com as áreas de Planejamento Educacional e Aconselhamento Psico-Pedagógico. Todo  o grupo que havia feito a Especialização foi convidado a entrar no Mestrado, aproveitando os créditos obtidos. Não sei se houve seleção; se houve, não participei dela. Teríamos apenas de cursar mais algumas disciplinas, basicamente pesquisa, com o Pe.  Bënko, e outra na linha de Educação Brasileira.   

TANIA: Quem ficou com  Educação Brasileira?   

OSMAR: Eulina Carvalho, já contratada pela PUC. Ficou vinculada ao Programa  durante muitos anos...   

TANIA: Você lembra a ideia de pesquisa que tinha o Pe.  Bënko nessa época, o conceito, a concepção?   

OSMAR: Muito na linha da Psicologia. Não era pesquisa quantitativa; era aquela pesquisa com grupos de experimentação, grupo de controle...   Dava aquelas orientações bem formais, mas nos deixava livres para caminhar na direção de uma dissertação de mestrado, que era entendida muito diferente do que é hoje. Podia ser um bom relatório de pesquisa, podia ser um bom estudo bibliográfico...   

TANIA: Então você entrou direto no Mestrado?

OSMAR: Não; o meu caso não foi fácil. O Mestrado era proposta para quem vinha da Pedagogia, com aceitação para quem vinha de outra área das Ciências Humanas e Sociais. Como eu vinha da Matemática, inicialmente não fui aceito. Depois de muitas conversas, intermediadas por José Carmelo, me aceitaram desde que  fizesse algumas disciplinas na graduação.    Fui aluno da Creusa Capalbo, em Filosofia da

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Educação, cursei Administração e uma terceira da qual não me lembro. Não assistia às aulas, estudava a bibliografia indicada e fazia uma prova final.Lembra-se que disse que a história de minha chegada à PUC foi curiosa? Quando fiz a especialização  e comecei o mestrado, eu havia terminado a licenciatura em Matemática, mas não tinha obtido o diploma. Ficara devendo uma disciplina de Física, muito difícil; pleiteei oficialmente uma substituição, mas comecei a trabalhar, viajava muito e não corri atrás disso. Depois aconteceu o golpe de 1964 e meu processo foi perdido.    A exigência das disciplinas na graduação acabou sendo uma solução conveniente:  fazia uma disciplina por ano, enquanto corria meu processo, agora no Instituto de Matemática da UFRJ. Consegui resolver isto em 1968/1969 e colei grau em 1970. Só fui aluno regularmente matriculado no Mestrado em 1971, já no sistema informatizado.   

TANIA: Ah, já era informatizado em 1971?   

OSMAR:   Já. Vera Candau literalmente me pegou pela mão e me levou à DAC Foi estranho entrar fora de época; mas levei o Mestrado a sério.   Em um ano completei todo o currículo, fazendo muitas disciplinas.   

TANIA: No Mestrado?

OSMAR: Sim. Lourdinha [Maria de Lourdes de Albuquerque Fávero], minha  esposa, já era professora aqui e  fez comigo um elenco enorme de disciplinas.  Eloisa Franco era  a coordenadora do Mestrado e me disse: “Isso é um exagero; você não precisa fazer tudo isso.”  Mas fiz, e esse período de disciplinas, em 1971, foi muito bom, basicamente pela turma. Estava trabalhando no INCRA  [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária], numa época politicamente muito difícil, vinha para cá todos os finais de tarde, me reunia com um grupo na Biblioteca, trabalhávamos horas e  levávamos as coisas prontas para os seminários. Nenhum de nós desse grupo tinha bolsa; éramos os “não-bolsistas”. Assisti aulas com Luiz Antônio Cunha, com José Silvério Baía Horta, fiz trabalho com Vanilda Paiva etc.   O mais

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importante desse período, no entanto,  foi ter feito as duas disciplinas de Planejamento  Educacional com Durmeval Trigueiro, que deveria ser meu orientador. Nos primeiros anos do Mestrado as turmas eram muito boas, com gente de vários estados.

TANIA: Eu também entrei nessa época.   

OSMAR: Há ainda outra coisa  curiosa, na minha entrada na PUC. Quando comecei a fazer o Mestrado em 1966,  quem dava Planejamento Educacional  era Peri Porto, já falecido. Peri era funcionário do Ministério da Educação, tinha feito especialização no Chile e na época estava ligado ao Ministério do Planejamento. Ele detestava dar aula; no primeiro semestre de aula tive aulas com ele e no segundo semestre  praticamente assumi a disciplina.  Eu não era nem matriculado no Mestrado, estava apenas desenhando o projeto da dissertação. Lembro-me que eu dei aula em dois semestres. Aí houve uma reformulação na PUC, e  Pe.  Bënko  propôs trabalharmos com Paulo Novaes, que estava associado à PUC, realizando um projeto de pesquisa sobre  planejamento da educação, financiado pela Capes. A proposta era: “Ele dá a parte teórica, vocês dão a parte prática.” Eu disse: “Peri, eu não entro nessa. Eu acho que quem dá a parte teórica dá também a parte prática, e quem dá a parte prática dá também a parte teórica.” A posição do Peri foi coerente: “Se você não quer, eu também não dou, deixa para lá.” José Carmelo tentou nos demover: “Vocês vão abandonar a PUC?” Minha resposta foi: “Eu não tenho dissertação, ainda não tenho nem  o diploma da graduação. Se a PUC me pedir um registro formal, não vai me deixar entrar. Vou fazer  minha dissertação, depois resolvo.” Em 1972, quando comecei a definir o projeto de dissertação, Durmeval  Trigueiro, que seria meu orientador,  teve um AVC e afastou-se.  Aí entrei como professor na pós, de fato.

TANIA: E você tinha bolsa?   

OSMAR: Não, nunca tive bolsa.   

TANIA: Quais eram os critérios para bolsa?   

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OSMAR: Como não fui bolsista, lembro-me apenas que havia uma cota da Capes, para os que não trabalhavam,  e bolsas também da Capes concedidas para professores universitários, através das próprias universidades. Era uma situação ideal: estes professores mantinham os salários e tinham a bolsa. Em contrapartida, havia o compromisso de dedicação integral ao curso.   

TANIA: Claro.   

OSMAR: A Capes naquele período tinha sede no Rio.  Lembro-me que, uma vez, quando já era professor, o Diretor de Bolsas da CAPES veio à PUC para uma reunião  e procurou a Coordenação do Programa porque tinha recebido uma carta de uma bolsista, Léa Paixão, reclamando que a bolsa tinha atrasado. Léa era de Belo Horizonte e tinha viajado para lá. Olhamos para o outro, pensando: “Gente, o que a gente vai fazer?” (risos) “Diz que ela está em Minas, coletando dados para a pesquisa.”(risos).  O Diretor virou para a gente e disse: “Bolsista tem obrigação de ficar oito horas na instituição.”  Havia uma  sala para os bolsistas, com escaninhos individualizados...  Lembra-se?

TANIA: Lembro.   

Osmar:  Voltando à minha história. Com o afastamento de Durmeval Trigueiro,  assumi a disciplina de Planejamento  Educacional, no primeiro semestre de 1972, em lugar dele. Foi um desafio.  Era uma turma de 15 mestrandos, excepcionalmente boa: Léa Paixão, da UFMG, que já citei, Pedro Garcia, Jether Ramalho, Danilo Lima, Antenor Naspolini... Eu era, na verdade, colega deles. Penei! Nessa primeira disciplina eu penei. Um dia, quase cai daquele estrado na sala de aula, de  nervoso...  Mas acho que dei conta.

TANIA: Que desafio, em!   

OSMAR: Eu estava substituindo Durmeval Trigueiro que tinha uma orientação essencialmente teórica. Ele nos dizia que deveríamos ser críticos e não técnicos do planejamento. Eu tinha uma formação muito mais prática, pela experiência do MEB e do Incra. Fui obrigado a  dar uma virada e  entrar definitivamente  na vida acadêmica.    

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TANIA: Isso foi a convite do Padre  Bënko?   

OSMAR: Não. Foi por intervenção de Eulina, que sempre foi muito amiga,  desde os tempos do MEC, e principalmente de José Zacharias de Sá Carvalho, que era professor de Sociologia da Educação, no Mestrado. Eulina me disse:  “É melhor você assumir porque aí você guarda o lugar do Durmeval.” Obviamente nunca iria disputar com Durmeval, não só em termos de competência, mas também porque éramos muito amigos. Zacharias foi mais franco: “Osmar, se você quer fazer carreira acadêmica é a sua vez. O Durmeval não vai conseguir voltar, pelo menos não vai voltar para fazer o que ele fazia; não vai ter mais saúde para isso. Você vai ficar professor da PUC sem disputar com o Durmeval, fica tranquilo.” E foi assim, o Durmeval ficou dois anos afastados e, quando voltou, foi trabalhar com Lourdinha em Educação Brasileira.

TANIA: Voltando ao início do Mestrado, como era?

OSMAR: Não me lembro muito bem desse início. Certamente o corpo de professores já estava mais definido.

TANIA: E qual era o clima político? Como é que você viu o clima político institucional nessa época?

OSMAR: A PUC era bastante  aberta e generosa nessa época, apesar de contradições internas. Após o AI-5, de dezembro de 1968, ela recebeu muitos professores aposentados nas federais O próprio Durmeval Trigueiro, Miriam Limoeiro e outros.

TANIA: Exatamente.

OSMAR: Nesse período, a PUC foi muito generosa. Em sala de aula, os professores tinham toda a liberdade. Havia fiscalização, agentes do SNI [Serviço Nacional de Informações] e de instituições militares vinham aqui, mais na graduação. Na pós-graduação não me lembro de nenhum fato. As turmas eram pequenas, éramos bastante críticos, mas cuidadosos. Por sua vez, o clima da  PUC era de uma enorme efervescência.  Eu me lembro estar saindo de uma aula, às seis horas da

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tarde, e encontrar Caetano Veloso cantando nos pilotis do Edifício da Biblioteca, a convite dos alunos. A PUC era um verdadeiro campus universitário, como é até hoje. Foi um momento de abertura da PUC muito grande, muito grande, que era também o momento de abertura da Igreja.

TANIA: Dava para contrastar com outras universidades o clima interno da PUC?

OSMAR: Dava, sim.  Conhecia pouco das federais, nesse período, e elas pareciam muito frias perto da PUC. Senti a mesma coisa quando fui fazer o doutorado na PUC de São Paulo, a partir de 1977.  O clima também era de muito  abertura, apesar da invasão sofrida neste mesmo ano, que quase destruiu o Tuca. O Cardeal D. Paulo Arns garantia essa abertura.  Discutia-se livremente; votava-se na eleição para reitor. Na PUC do Rio esse clima começou a mudar depois de 1978. Veio a crise da Filosofia, depois a crise da Sociologia. Em minha opinião, no entanto, não era um problema só da PUC, mas da Igreja em geral.Posso dar um bom exemplo sobre este clima de liberdade aquina PUC, no período em que fiz o mestrado. Um dia José Carmelo botou a cara na porta da sala dizendo: “Padre  Bënko mandou perguntar se vocês querem a aula do professor Robert Speamann em inglês ou em francês.” Não entendemos a pergunta: “Quem é Robert Speamann? Que curso é esse em francês ou inglês?” Ficamos sabendo que era um filósofo alemão, católico,  que passaria um semestre no Brasil, e viria trabalhar na PUC. Ele nos deu um excelente  curso sobre Rousseau, em francês,  e um curso aberto, no final da tarde, em um   auditório, para toda a PUC, também em francês. Esses cursos foram espetaculares. Acho que você não sabe desse eventos.   

TANIA: Não.   

OSMAR: Um professor alemão, muito competente, dando aula em francês. Ficou hospedado em um condomínio entre Teresópolis e Petrópolis, escrevendo um livro, e vinha um dia ao Rio para dar um curso sobre Rousseau para nós, no Mestrado.  Foi maravilhoso. Deu algumas aulas introdutórias e em seguida distribuiu as leituras. “Alguns vão ler o Emilio, outros vão ler o Contrato Social, e vamos fazer

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seminários a partir dessas leituras.” Só que esses livros não existiam para serem comprados. Numa biblioteca da PUC encontramos o Emilio; em outra, o Controle Social. Por sorte, havia uma colega que dominava bem o francês e ajudava a turma. Não para a leitura, pois os livros já estavam traduzidos para o português, mas nos seminários. Lembro-me que o José Augusto também  entendia bem o francês, pois estava se preparando para fazer o doutorado na Bélgica.

TANIA: Mas o que gerou o conflito com o Carmelo?

OSMAR: O conflito foi gerado pela proposta-surpresa: “Vem aí um filósofo alemão que vai dar um curso para vocês, em inglês ou francês.” Não falou que era sobre Rousseau. Se isto tivesse sido dito, o conflito seria maior.  Por que um curso sobre Rousseau, no Mestrado, dado em francês por um filósofo católico alemão?” Mas a surpresa maior foi com o próprio professor e com o curso. As primeiras aulas, sobre o tempo e a produção de Rousseau foram excepcionais e, nos seminários, nos provocava: “Rousseau disse isso, há séculos passados, como vocês aplicam no Brasil de hoje?” Ele nos obrigava  a repensar nossa realidade, a partir de um rico referencial teórico, “fora de moda”, há muito tempo.  Além do mais, era uma pessoa muito acessível.

TANIA: É interessante saber disso.

OSMAR: Por sua vez, as “conferências” ao final da tarde, para um público amplo, era um “curso libertário”. Imagine: em 1967, alguém falando sobre liberdade  abertamente, aqui na PUC.

TANIA: Por que você foi fazer o doutorado na PUC de São Paulo?

OSMAR: Porque foi o primeiro Doutorado da área de Educação. O daqui havia sido aberto junto com a Psicologia e  a rigor não tinha dado certo, mais por conta da Psicologia do que da Educação; a Psicologia era muito rígida...  Houve apenas primeira turma, muito pequena,  que acabou completando o Doutorado na Educação, quando foi criado mais tarde. E também como eu era professor daqui, não tinha muito sentido fazer o doutorado aqui; naquele tempo a Capes críticava muito a “eugenia” das instituições [gente da instituição formada na própria

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instituição] e a abertura para os doutorados no exterior era muito pequena.

TANIA: Claro.

OSMAR: Aí fui fazê-lo na PUC/SP. Quero lhe contar  uma coisa curiosa que aconteceu nesse período. A Vera Candau me chamou para dar uma disciplina de Educação de Adultos. Eu normalmente assumia as disciplinas de Planejamento Educacional no Mestrado. Afastei-me um ano, no início do   doutorado, e o José Carmelo, voltando dos Estados Unidos, havia assumido essas disciplinas. Vera me propôs então dar Educação de Adultos, que nunca havia sido oferecida.  Eu estava estudando Gramsci, com Dermeval Saviani,  e resolvi trabalhar com as categorias que estavam começando a entusiasmar todos nós. Na disciplina, fiz primeiro um exercício de análise de uma entrevista com o Lula, no tempo de líder sindical, publicada pela Vozes. Coincidiu ter sido lançado o filme “Eles não usam black-tie”. A peça de teatro tinha sido uma das maiores aberturas que aconteceram para  minha geração, em 1960, quando foi apresentada pela primeira vez na Faculdade Nacional de Filosofia, pelo grupo do Teatro de Arena, de São Paulo, quando eu ainda era aluno na Matemática.  Conversando com  Miguel Pereira, na ocasião mestrando do Programa,  hoje o coordenador da Pós-Graduação  em Comunicação, e estava organizando um evento da área, resolvemos fazer uma coisa maior.O Miguel conseguiu o filme. Marcou uma sessão especial em um cinema aqui ao lado, no Shopping da Gávea. Não apareceu ninguém nessa sessão. Mas não desistimos, as Semanas de Comunicação que aconteciam todos os anos na PUC eram uma festa.  Neste ano, o Miguel conseguiu trazer para cá,  para ler a peça “Eles não usam Black-tie” nada mais, nada menos do que os dois artistas principais do filme: Gianfrancesco Guarnieri e Fernanda Montenegro.Foi fabuloso: trazer dois artistas famosos de um filme importante, para ler o texto de uma peça famosa que está em sua origem, para uma PUC inteira. Um evento aberto, valendo crédito para meus alunos. O filme é muito bom, mas a leitura da peça pelos dois atores do filme foi ótima; fez muita gente chorar. Eu acho até que o grupo que estava na disciplina comigo aproveitou menos do que o público em geral, mas,

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nas aulas, discutimos bem o filme; fizemos um bom trabalho a partir dele.Você me perguntou sobre o clima da PUC naquele período. Era este o clima que nos permitia fazer coisas assim. Nunca vi acontecer isso numa federal. Eu já tentei fazer isso na UFF, várias vezes, mas não consegui.  A PUC era muito aberta, nesse período, foi muito aberta...

TANIA: A que se deve isso, Osmar? No seu entender, foi essa ebulição que deu a emergência de uma pós aqui, especificamente?

OSMAR: Bem, vai aí minha interpretação. O que mexeu muito foi o debate final dos anos de 1950 para a LDB – a primeira  Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Aquele movimento nacional mexeu bastante e na verdade gerou a necessidade do Plano Nacional de Educação.

TANIA: Certo.

OSMAR: Então, começou a surgir a ideia do planejamento educacional pela América Latina. No final dos anos de 1950 e começo dos anos de 1960 se começa a falar em Planejamento Educacional por influência da OEA [Organização dos Estados Americanos], da OIT [Organização Internacional do Trabalho], da UNESCO [Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura]. Surge a obrigação do Plano Nacional de Educação. O Plano Nacional de Educação obrigava as secretarias de educação dos estados a fazerem planos para ter verba; então, precisava-se pelo menos de competência técnica para isto. Logo que abre uma área de Planejamento, um pouco induzida pelo Ministério da Educação, esse se torna um forte fator. Inclusive muita gente veio para cá das secretarias de educação.Bons profissionais da secretaria de educação, que às vezes dividiam seu tempo com o ensino superior e, às vezes, com o ensino fundamental. Eu acho que também influenciou muito a discussão sobre Reforma Universitária do período 1961/1964, com forte atuação da UNE [União Nacional dos Estudantes], que realizou vários seminários sobre o tema e liderou uma greve nacional de meses, defendendo a participação dos alunos na administração universitária – a famosa

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“greve do 1/3”.  Depois veem as discussões da Reforma Universitária de 1968.TANIA: É. Lembro.

OSMAR: Neste período, havia a figura do “excedente”: fazia-se o vestibular, era aprovado, mas não havia vaga. Então o aluno ficava esperando a hora de entrar e não entrava. Começou uma pressão muito grande para ampliação de vagas nas universidades, provocando a discussão da  Reforma Universitária, no âmbito do MEC e do Conselho Federal de Educação. E com a Reforma Universitária e ampliação das vagas vem a necessidade da formação do professor para o ensino superior. Esse é o primeiro e grande mote tanto dos cursos de especialização quanto dos primeiros mestrados. Os mestrandos vinham para cá com bolsa, às vezes com salário e bolsa, para se formar e assumir disciplinas nas universidades.

TANIA: Mas essa ideia de pesquisa já estava dentro?

OSMAR: Não, não.

TANIA: Pois é, porque era mais um ensino.

OSMAR: Tem razão, era mais ensino. A própria pesquisa era ensinada, não era praticada. Isso fica muito claro quando se começa a discutir a estrutura do Mestrado, no final dos anos de 1970 e início dos anos de 1980, quando se começa a questionar a rigidez das áreas de concentração.

TANIA: Quando é que você acha que essa questão da pesquisa passou a ser  dominante nos programas de pós-graduação em Educação? Hoje em dia  é  dominante.

OSMAR: Inicialmente, o que se fazia antes era a pesquisa básica para a dissertação, cada um do seu jeito e com seus recursos.  A pesquisa entra como prática aqui na PUC quando  Menga Ludke vem para cá; aí se começa a ter financiamento e formar grupos para fazer pesquisa. A formação de grupos de pesquisa começou com a Menga.

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TANIA: A ideia de formar pesquisadores.

OSMAR: E pouco a pouco Cláudio Moura Castro se associou a isso. O Cláudio dava Economia, com uma orientação diferente da que a gente queria na área de Planejamento, castigava os pobres dos economistas (rindo), mas era bom professor de pesquisa, inovador, criativo. E a Menga começou a fazer um grupo. Menga, Marly André e Vera deram muito apoio nesse período. Então a prática de pesquisa começou paralelamente à disciplina de pesquisa. Creio que os primeiros financiamentos foram do INEP, por exemplo, para avaliação do Logos, um programa do Ensino Supletivo do MEC para a formação de professoras leigas. Foi uma pesquisa grande, com um fértil trabalho de campo, que inclusive deu origem a uma ou duas dissertações.Houve outra professora de pesquisa que teve uma presença muito ativa no Programa... não estou me lembrando do nome dela...

TANIA: Célia.

OSMAR: Célia Lúcia Monteiro de Castro. Célia Lúcia puxava muito a pesquisa instrumental,  quantitativa. Ela adorava provar que o zero era número. Eu nunca discordei que zero era número, inclusive por ser licenciado em Matemática,  mas ela fazia questão de provar isso. Se bem me lembro, Célia Lúcia atuou mais nas aulas e na orientação. Exigia bastante dos seus orientandos e orientava-os a fazer pesquisas rigorosas. Por exemplo, a dissertação de Lourdinha é uma dissertação escrita a partir de uma pesquisa muito bem feita. Aplicando questionário, fazendo pré-teste, um bom enfoque teórico de partida com algumas conclusões e recomendações muito bem trabalhadas. Tem inclusive uma nota técnica, feita pelo estatístico que orientou a apuração dos questionários. Lembro-me ouvir Célia dizer: “Você tem que deixar amadurecer as coisas, você tem que tirar como conclusão o que você pode provar, o que você não pode provar deixa para os outros fazerem, coloca como recomendação.” Li recentemente essa dissertação; realmente impressiona a segurança revelada nas conclusões e recomendações. Para um trabalho feito em 1972, são muito bem feitas. Hoje encontram-se teses de doutorado muito mais fracas do que algumas dissertações daqueles primeiros tempos. A Célia Lucia ensinava e orientava a  pesquisa empírica tradicional, e fazia isto

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muito bem. Quando  encontrava pessoas que queriam trabalhar do jeito dela, empiricamente, bem trabalhado e que tinha, digamos, estofo para fazer a  fundamentação, como Lourdinha teve, o resultado era muito bom.Não me lembro do modo de orientar da Menga; ela orientou bons estudos de caso. De uma pesquisa grande, de grupo,  sugeria recortar-se “pedaços” que podiam ser trabalhados como estudos de caso. A grande pesquisa de formação de professores leigos a que me referi, alguém fez a análise no material didático utilizado, que era o ponto mais fraco do Projeto Logos.  Nesse mesmo projeto, a Marli André aplicou questionários, que deram um trabalho imenso para serem tabulados à mão.  Aí vem o Cláudio e traz inovadoramente o SBSS, qualquer coisa assim, que permitia o processamento em computador.

TANIA: Já era o RDC?

OSMAR: Não, antes do RDC, no andar térreo deste prédio, o Cardeal Leme. Eram máquinas com aqueles rolos de fitas... Os programas existentes  eram para a economia,  para a administração, não eram para educação aí os americanos inventaram um programa que possibilitava trabalhar as pesquisas da área social, de educação inclusive, estatisticamente. O Cláudio trouxe isso dos Estados Unidos, na mala (risos), para fazer a análise dos dados de uma pesquisa muito interessante sobre os exames supletivos de ensino médio. Trabalharam com ele nessa pesquisa três mestrandos, que  fizeram suas dissertações abordando aspectos específicos. Cláudio  publicou os resultados  em um livro com uma ótima introdução e  título extremamente original: O enigma do supletivo, inspirado no livro Enigma de Andrômeda, que ele usava nas aulas como material didático. Há também um filme,  baseado nesse livro.

TANIA: Olha só!

OSMAR: Naquele tempo tinha-se o vestibular unificado, somente com provas objetivas. E discutia-se uma pessoa, sabendo um pouquinho e botando os x nos lugares certos, entrava numa universidade. A pesquisa coordenada pelo Cláudio  conseguiu comprovar que as provas dos

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exames supletivos de ensino médio eram muito mais bem elaboradas e os exames muito mais difíceis que o vestibular unificado.

TANIA: E qual era o conceito de dissertação, a prática de orientação, a escolha do tema?

OSMAR: Pelo que me lembro, no início do Mestrado, tínhamos algumas reuniões já no âmbito da disciplina de pesquisa para apresentar o projeto de dissertação. Então, havia certa sistemática. Lembro-me que eu apresentei meu projeto no mesmo dia em que Carmelo apresentou o dele. Lembro-me de termos discutido junto os projetos, mas não me lembro qual era a mecânica, nem quem estava coordenando isso. No meu caso, certamente não foi Durmeval, como orientador. Acredito que, no momento que se apresentava o projeto, devia-se definir no que você ia trabalhar, escolhia como trabalhar e buscava ajuda com o seu orientador. O importante é que, mesmo sem uma sistemática definida, foram produzidas nesse período algumas dissertações que teriam o valor de tese hoje.

TANIA: Qual era mesmo o conceito de dissertação?

OSMAR: Era relativamente amplo;  aceitava-se que se fizesse um relatório de uma experiência ou propusesse um projeto.  A Marilu [Maria Lutgarda Maroto] fez comigo uma análise do Projeto Minerva, de ensino supletivo pelo rádio,  e elaborou uma interessante  proposta para sua  reestruturação.  Eu me lembro que a dissertação dela ficou muito bonita; inseria uma série de documentos normativos, criticando-os e sugerindo outros para substituí-los. Fez uma dissertação menor, enquanto texto,  umas 120 páginas impressas em papel branco, e botou todos os anexos, que eram a base da pesquisa, as fontes, impressos em papel amarelo. Foi a primeira dissertação que eu orientei aqui. Hedy, por sua vez, fez pesquisa mais no estilo experimental, optou por acompanhar um grupo, fazer teste para o grupo. Era Pe. Bënko que orientava nessa linha mais de Psicologia.  O terror era a disciplina de Estatística.

TANIA: Era.

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OSMAR: Você ainda pegou esta fase. Como a pesquisa era basicamente uma pesquisa experimental você tinha que cursar obrigatoriamente a Estatística. Todo mundo corria atrás do “teste do qui quadrado”. Eu nunca fiz isso. Fui dispensado porque eu vinha da Matemática (rindo). Foi uma das poucas vantagens que tive. É importante lembrar que, naquele período de “institucionalização” da pesquisa no Programa, a que me referi há pouco, a disciplina de Estatística foi substituída pela assessoria de estatísticos aos mestrandos que produziam suas dissertações com base em pesquisas quantitativas. Isso significou uma garantia na qualidade dos trabalhos.A minha dissertação não foi nada de majestoso, não. Eu tinha trabalhado intensamente num grande projeto no Incra e  relatei esse projeto. Na verdade se eu tivesse tido orientação do Durmeval, ele teria me obrigado a trabalhar teoricamente uma série de coisas que ficaram faltando, mas foi aceita. Fui pressionado a defender a dissertação, para poder orientar outras pessoas.Houve dissertações muito bem trabalhadas e dissertações que ficaram, digamos assim, no meio do caminho, que seria quase o máximo do que a gente exige hoje dos nossos mestrandos. Como você não tinha equipe de pesquisa, nesse momento inicial eram poucas as dissertações que vinham de pesquisa efetivamente. Quando Menga e Marly André assumiram projetos de pesquisa institucionais, assim como Cláudio Moura Castro, desses projetos  foram geradas dissertações, sem esquecer algumas orientações de Célia Lúcia, como disse.  

TANIA: Você se lembra das técnicas, das práticas de sala de aula?

OSMAR:  Lembro-me bastante bem, principalmente dos seminários. Quando fui aluno, em algumas disciplinas, como as de Filosofia, com a Creusa Capalbo, eram ótimos. Enquanto professor, lembro-me particularmente de uma prática extremamente trabalhosa que todos nós fazíamos: exigir ficha de leitura de todos os alunos e conferi-las, o que era um sufoco. 15 fichas de leitura sobre o mesmo texto, versões diferentes, nem sempre bem feitas sobre a mesma coisa...

TANIA: Tínhamos que ler muito mesmo.

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OSMAR:  Como a maioria da turma era bolsista, não havia essa história de ter alguém faltando em sala de aula. Faltar numa aula era porque havia ficado doente, ou porque teve que viajar para alguma coisa muito séria. Eram turmas certinhas, arrumadinhas, em todas as três áreas, sem dúvida nenhuma. E as disciplinas eram muito regulares. Eram muitas disciplinas; tinha muita aula, muita. Eu acho que se fazia no mínimo umas dez disciplinas. Havia o elenco disciplinas obrigatórias que reuniam todo mundo e que era normalmente uma carga pesada de leitura: Educação Brasileira  e Pesquisa para todos e acho que havia mais uma obrigatória para cada área. Isso mesmo: duas ou três obrigatórias comuns e as obrigatória de área. Essa era a estrutura fundamental do curso, o resto você compunha em torno disso, mas compunha com muita disciplina, com muito  pouca flexibilidade.Alunos que tinham carências em áreas básicas eram encaminhados para disciplinas na graduação. Era comum também mestrandos cursarem disciplinas em outros departamentos, especialmente na Filosofia ou na Teologia.

TANIA:  Aqui ainda temos esta possibilidade.  OSMAR:  Pe. Bënko e Vera Candau sempre animaram este procedimento. Como durante um bom tempo a maioria dos mestrandos era bolsista, a vida escolar  era mais regular. Não tinha essa correria de defender a dissertação  em dois anos. O mestrado podia durar quatro ou até mais anos.

OSMAR: Lembra? Era o período das máquinas de ensinar, o período inicial da área de Métodos e Técnicas.  E tem uma coisa importante que você não me perguntou: tínhamos três áreas muito bem definidas aqui no Mestrado: Planejamento Educacional, de que já falei; Métodos e Técnicas de Ensino, coordenado pela Vera Candau; e Aconselhamento Psico-Pedagógico, coordenada pela Eloísa.

TANIA: Pois é, a organização do programa.

OSMAR: Havia problemas entre as áreas,  porque tinha muita procura para Planejamento e para Métodos e Técnicas  e menor procura para o Aconselhamento, cujas turmas acabavam sendo mais fracas.  A gente discutia isso com muito cuidado para não haver melindres. Percebia-se

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isto claramente nas disciplinas comuns, na Educação Brasileira e na Pesquisa. Os próprios alunos das duas outras áreas reclamavam dos que não conseguiam acompanhar a turma.   Quando se fez a reforma para o doutorado, no  final dos anos de 1970,  acabou a área de Aconselhamento, inclusive porque Eloisa estava voltando para a Espanha.

TANIA: Você acha que se sustenta falar em fundadores ou geração fundacional? Porque pelo seu relato há uma série de variáveis que foram se combinando... Como é que você vê isso?

OSMAR: Nós vivemos um processo. De acordo com o parecer do CFE [Conselho Federal de Educação], redigido pelo Sucupira,  a matriz do mestrado era a área de concentração. Os mestrandos eram admitidos em uma área de concentração e trabalhavam dentro dela. Na PUC, o elenco das disciplinas obrigatórias também era muito forte, tanto pela Educação Brasileira como pela Pesquisa.  Essa estrutura começa a ser questionada nos anos de 1980, pelo  amadurecimento da área. Agora, eu acho que  algumas pessoas que começaram o Mestrado em Educação da PUC e que trabalharam aqui durante muitos anos foram precursoras, sim.

TANIA: Você pode citar algumas dessas pessoas?

OSMAR: Certamente o Pe. Bënko e o Carmelo. Não se pode esquecer nem a Vera Candau nem a Eloisa Franco. Aqueles seminários de Didática organizados pela Vera foram muito importantes. Eles, antes da ANPEd   ter criado os grupos de trabalho, em 1983,  criaram um modo novo de  apresentar a produção feita na área de Métodos e Técnicas, questionando e revendo o próprio conceito de Didática. Essa construção de caminhos, nesse começo, foi muito inovador. No plano mais teórico, destaco o papel de Durmeval Trigueiro e Eulina Fontoura. Eulina criou um novo modo de ensinar as disciplinas relativas à Estrutura de Ensino de 1º e 2º Graus; não só conhecer as leis, mas entender como foram produzidas. Lourdinha, Waleska e Isabel Alice, entre outras, foram formadas e assumiram esta metodologia de trabalho. E várias mestrandas levaram este modo de ensinar para suas universidades. Nas discussões sobre Planejamento

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Educacional, em geral propostas a partir do caso universitário, Durmeval, por sua vez, nos encaminhava para a análise da política de educação. Eu e Silvério seguimos esta linha. Mas certamente estou me esquecendo de outras pessoas que também foram importantes.

TANIA: Você acha que mudaram muito os programas de pós-graduação em Educação?  

OSMAR:  Mudaram, mudaram bastante.  

TANIA: Você vê alguma continuidade e como é que você vê a mudança e a continuidade?  

OSMAR: Eu vejo continuidade muito mais nas federais e nas católicas, e claro, também na metodista de Piracicaba. Ou seja, nas particulares de grande porte,  PUC de São Paulo, PUC do Rio; nas estaduais paulistas, USP e Unicamp, assim como na Metodista de Piracicaba, e nas federais em algumas federais. Nelas ainda se briga por dissertações bem feitas, ainda se exige ótimo nível nas teses de doutorado. Nelas, mesmo com problemas internos que sempre existem, a exigência de qualidade persiste. A avalanche das públicas do interior e, sobretudo, das particulares mudou muito as características da pós-graduação, não só dos programas de educação. A exigência de fazer uma  dissertação em dois anos e uma tese em  quatro, compromete o nível de qualidade desses trabalhos.  Em dois anos só se pode fazer uma dissertação bem feita se o mestrando tiver alguma maturidade e inserir-se em um grupo de pesquisa. No caso das teses, há outras possibilidades, mas o prazo limite é feroz.    

TANIA:  Aqui isso é tônica; tem que fazer...  

OSMAR: Vocês aqui na PUC conseguem fazer isso até mais sistematicamente do que nós, nas federais, porque somos muito abertos. Recebemos qualquer bom projeto e alguns bons projetos não cabem em nossas linhas de pesquisa. Há algum tempo, já não recebo orientandos a não ser no que estou trabalhando e no que domino. Mas tenho colegas que recebem vários orientandos com propostas  de trabalho variadas. Isso é ruim. Sempre existiu isso, mas era muito

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diferente quando você recebia candidatos com mais idade e de mais experiência, como nas turmas dos anos de 1970. Agora que estão chegando para o mestrado candidatos na faixa dos 20 anos, sem experiência,  e para o doutorado com 30 anos, nem sempre com maturidade ou disponibilidade para produzir uma boa tese.   

TANIA: É isso mudou também, não é?  

OSMAR: Mudou. Na nossa geração entrava-se no doutorado com mais de 40 anos, Eu fui para o doutorado com 45 anos. Tardiamente, pela minha inserção aqui no Mestrado, onde já estava orientando dissertações.

TANIA:  Essa mudança de clientela você acha que se deve a que? Porque hoje em dia não é mais gente que vem da área, não é só mais gente que vem da área de educação, não é?    

Osmar: No início, pelo menos na área de educação, a clientela prioritária era de professores universitários e funcionários das secretarias de educação, alguns de outras agências oficiais, como da Sudene [Superintência de Desenvolvimento do Nordeste], por exemplo. Quase todos com bolsas; no caso dos professores, com salário e bolsa, como já disse.  Aos poucos começaram a chegar professores das redes de ensino e dos movimentos sociais. Foi mudando também a orientação das agências, principalmente da Capes. Hoje existe a “Capes do B”, com cotas de bolsas para professores da educação básica, com direito a manter o salário, mas com a exigência da liberação do trabalho,  o que nem sempre acontece.  Esta era, na verdade, uma antiga aspiração e proposta da área, feita varas vezes pela ANPEd. A exigência de redução do tempo é infernal, porque recebemos em nossos cursos gente que não vem da área de educação e que não domina algumas referências básicas; não dá para recuperá-las em dois anos, no Mestrado, e às vezes nem em quatro, no Doutorado. .

TANIA:  Vocês recebem muita gente que não vem da área de educação?

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Osmar: Trabalham na área de educação, mas com a formação básica em outras áreas: Sociologia, História, Biologia, mesmo das Ciências Exatas, como  professores dos antigos CEFETs, por exemplo.   

TANIA:  Você acha que isso incide como, sobre a formação?  

OSMAR:  O problema maior é a heterogeneidade dos grupos. Individualmente, é mais fácil.  Fico contente quando  recebo orientandos que vêm da História da UFF, da Biologia da UFRJ ou com uma boa formação em Filosofia e Teologia. No caso da História, em especial,  não só sabem ler e escrever bem, principalmente se foram bolsistas de iniciação científica, mas também sabem  fazer pesquisa, sabem trabalhar com fontes, manipular dados... Algum chegam dizendo: “Olha, eu vim trabalhar aqui porque lá na História ninguém me aceitou fazer História da Educação.” Não é preciso ensinar pesquisa para essas pessoas. Pode-se até ensinar como se redige uma dissertação, como se faz uma tese.  Às temos boas surpresas; por exemplo, tem vindo gente muito boa da Educação Física.  

TANIA:  Com certeza; aqui também...  

OSMAR:  Eu já tive dois orientandos de Educação Física. Uma menina nova pesquisou competentemente a renovação do ensino da Educação Física na UFRJ, nos anos de 1940/1950. Fez entrevistas com algumas esportistas “históricas” e redigiu uma dissertação muito boa. Dançava muito bem, tinha um corpo bonito, esguio. Foi convidada para dançar profissionalmente, mas largou tudo e foi fazer Medicina. Disse assim: “Professor em educação não se ganha nada, para dançar ganha-se menos ainda, vou fazer Medicina, para  ver se ganho algum dinheiro.” Já deve estar formada, mas deve ter aprendido que também que não está fácil para um médico ganhar dinheiro.Meu primeiro orientando de doutorado na UFF não só vinha da Educação Física, como tinha sido juiz de futebol.  Havia entrado em um projeto de extensão da UFRJ para trabalhar com o pessoal da favela da Maré. Não só fez uma boa dissertação, como fez uma tese maravilhosa, que deu origem a dois livros.    Agora, o problema maior para mim é o pessoal que fez um curso de Pedagogia fraco e fica trabalhando só em escola, sem oportunidade de

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outra formação. É um pessoal  com os pés muito amarrados, difícil de teorizar um pouco as coisas. Em uma discussão, se você deixar, discute apenas os problemas de sala de aula. Não é que eu acho ruim discutir a sala de aula,  mas tem hora para discutir em sala de aula e hora para discutir mais teoricamente a educação.  TANIA:  É.  

OSMAR:  Minha turma, nesse semestre, foi uma turma que considero de iniciação à pesquisa. Na UFF, o pessoal entra com um projeto para o mestrado, temos num semestre uma disciplina que retoma esse projeto, trabalha um pouco a metodologia de pesquisa em ciências socais, discutindo os textos de pesquisa mais gerais, tendo em vista preparar o exame de qualificação, no começo do segundo ano do curso. Era uma turma pequena, com oito alunos, mista: dois de Biologia, que iam trabalhar o  Ensino de Ciências; dois que iam trabalhar com Linguagem; dois com ensino da Matemática, e os outros dois  da Pedagogia. Percebe-se imediatamente a diferença na formação básica.Ao final da disciplina, fiz com eles um exercício diferente. Como sobraram duas aulas livres, perguntei:  “O que vocês querem fazer nas duas aulas finais?” Propuseram retomar o ponto de partida: “Ah, vamos repensar os nossos projetos.” Eu disse: “Mas repensar o projeto simplesmente como projeto, não. Vamos fazer o  seguinte: cada um retoma a ideia do projeto  e me diz o que a disciplina ajudou a melhorá-lo. Para mim não interessa se melhorou no aspecto teórico ou se melhorou no aspecto metodológico; quero saber o que foi aprendido”. “E como é que a gente faz isso?” Pensei: “E agora?  Se não quero o formato de projeto, o que eu vou sugerir para esse pessoal?” Bom, a criatividade da gente às vezes pinta quando menos se espera, não é? Lembrei-me então que uma das recomendações de Umberto Eco, no livro Como se faz uma tese, é: “Escreva uma carta ao seu orientador e diga o que você quer trabalhar. Ele vai te responder: O seu objetivo está muito amplo, melhor fazer...” Aí propus que escrevessem uma carta para mim. Vieram coisas muito engraçadas. Uma das alunas havia feito Letras depois da Pedagogia  e estava voltando agora para fazer o mestrado em Educação. Escreveu uma carta literária belissimamente, a partir do texto de Zaia Brandão, “Jogo de espelhos”, que havíamos estudado.  Outra aluna, da Biologia, fez um texto rigoroso, correto, extremamente objetivo, nada de literário, mas

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redondo, perfeito. São dois exemplos de duas formações básicas diferentes, com estilos totalmente diferentes, mas os dois trabalhos mereceram nota 10.

TANIA: Continuando,  você pode falar um pouco desse clima no Mestrado da  PUC? E se, no decorrer da sua trajetória, você vê mudanças da sua maneira de atuar em sala de aula e como orientador, sobretudo, pelo efeito da internet  ou outros efeitos.

OSMAR: A gente tinha um relacionamento entre nós professores e com os alunos muito bom. Era uma equipe que trabalhava junto e bastante disponível para os mestrandos, individualmente. Houve um período de uma chefia do Departamento que comprometeu esse clima, mas foi um período curto, uns dois anos. Mas normalmente quando a Vera e Zélia estavam na chefia do Departamento ou na coordenação do Programa, havia uma vida de equipe bastante boa. O entrosamento entre os professores era tranquilo. Embora eu pensasse muito diferente do Cláudio, por exemplo,  não disputávamos. Meu modo de trabalhar também muito diferente do de Célia Lucia, mas convivíamos bem;  nos respeitávamos.Havia também um relacionamento muito bom entre os mestrandos e deles com a gente. Ficávamos muito aqui. Vínhamos a semana inteira, inclusive nas manhãs de sábado. Como muitos  eram de outros estados – as primeiras turmas da PUC eram do Brasil inteiro –, era normal um ou outro mestrando ir para nossa casa, por exemplo, para ficar com nossos filhos pequenos para eu e Lourdinha podermos ir ao cinema. Sentiam saudades dos filhos que estavam longe, e iam brincar com os nossos filhos. Eles têm lembranças de presentes, principalmente do pessoal do Nordeste. Minha filha até hoje lembra diz: “Fulana me trazia um batom cada vez que vinha aqui em casa.” Por outro lado, meus filhos muitas vezes vinham comigo, principalmente aos sábados. A biblioteca era ótima – sei que ainda é –  os alunos podiam entrar com livros e cadernos, para trabalhar. Havia lugares reservados para o trabalho de grupo, nós mesmos professores íamos lá trabalhar com nossos alunos.

TANIA: O acesso a textos, como é que você programava isso?

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OSMAR: Usávamos bastante os livros, mas já era o período das cópias xerox, embora não com a qualidade de hoje. O que a gente fazia muito eram as apostilas com o mimeógrafo a álcool. Quando o livro não era acessível,  fazíamos as matrizes de capítulos de livro em papel termofax e imprimíamos.  Colocávamos  os textos na mão da turma toda. Não havia a história do “vire-se”; isto não era de nossa cultura. O europeu e o americano vão muito às bibliotecas; tem tudo nelas; os estudantes têm cotas de cópias xérox. Não temos isso, se tem o livro na biblioteca, vai-se lá consultar; se não, ou você compra o livro ou então o texto precisa ser  fornecido. Em Planejamento Educacional, havia muitos textos da Unesco, da OIT pouco disponíveis que precisavam ser copiados. Havia um costume importante aqui, que talvez tenha se perdido: alunos que dominavam  bem o francês ou o inglês  traduziam os textos nessas línguas, para serem apostilados. No período, não tínhamos o incentivo de usar periódicos; também não existiam muitos. Usávamos bastante os Cadernos de Pesquisa, da Fundação Carlos Chagas.

TANIA: E quanto ao material disponível pela internet?

OSMAR: A internet não mudou muito meu modo de trabalhar; tenho colegas que usam a internet muito mais do que eu. Tem gente inclusive que disponibiliza pela internet tudo o que produz. Eu a uso para consultas e para contatos, mas como tenho uma boa biblioteca em casa, inclusive com coleções completas de periódicos, prefiro trabalhar com o material impresso.  Quando  não tenho o texto impresso, vou para a internet. Mas ainda assim, quando o texto é importante, eu o imprimo para lê-lo. E recomendo isso para os meus alunos. “É melhor ler o texto impresso, para você trabalhá-lo bem...”

TANIA: Eu concordo.

OSMAR: Nem sempre  é preciso ler uma tese inteira. Se não puder lê-la na tela, imprima pelo menos o que é importante. Se  é preciso debruçar-se sobre o teórico, principalmente, é melhor lê-lo impresso. Eu não peço mais, há muitos anos,  fichas de leitura. Mas isso não quer dizer que não avalie o aproveitamento das leituras obrigatórias de determinada disciplina. Faço fichas de avaliação para checar o nível

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das leituras feitas. Então, não mudei muito não. Não mudei muito porque não sou da geração da internet.

TANIA: Você saiu quando da PUC? Saiu por que?

OSMAR:  Terminei o doutorado em 1984, fiquei mais um pouco e sai logo depois de ter conseguido a anistia e ter sido reenquadrado  no Incra, em 1985. Saí por dois motivos associados: a possibilidade de ficar em tempo integral no IESAE e ser reeleito presidente da ANPEd. Depois de ter reassumido minha função no Incra, por proposta de Walter Garcia, fui requisitado pelo CNPq e lotado no MAST [Museu de Astronomia  e Ciências Afins], mas liberado para poder me dedicar à ANPEd, no período quente da Constituinte, 1987/1988. No IESAE também fiquei esses dois anos praticamente só com orientação, o que me permitia justificar o trabalho à noite, valendo-me da possibilidade legal de  acumulação de funcionário e professor, desde que os horários de trabalho não coincidissem. Costumo dizer que fiz uma “presidência profissional” da ANPEd, nesse período. Mas guardo muito boas lembranças do tempo em que trabalhei  na PUC.

TANIA: Bem, Osmar, ficamos por aqui. Muito obrigado pela entrevista.

Osmar: Ora, Tania, foi um prazer recordar essas coisas todas.

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MARIA DE LOURDES ALBUQUERQUE FÁVERO

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Nome do entrevistado: Lourdinha FáveroLocal da entrevista: PUC-Rio

Data da entrevista: 18 de agosto de 2011Entrevistadores: Tania DausterTranscrição: Diana Gonçalves

Nome do projeto: Projeto “Fundadores” – a construção da memória da Pós-Graduação em Educação da PUC-Rio.

Tania: Lourdinha, em primeiro lugar quero agradecer sua presença aqui, da maior importância para nós. O Departamento de Educação e eu estamos interessados na construção da memória da Pós-Graduação. Assim, procuramos os professorespioneiros, aqueles que construíram o Programa em suas origens, seu inicio. Já entrevistei: Carmelo, Vera Candau, Zaia Brandão e Osmar Fávero. Agora, estou entrevistando você. Não pude entrevistar ainda a Eulina, por conta da saúde dela. Queremos entrar em contato com a chamada “geração fundacional”, para ver como foram esses primeiros anos; temos interesse também, de não só captar o momento deformação do Programa, mas montar um perfil dos professores dessa geração. Dispomos mais ou menos de duas horas de entrevista, pois mais tempo ficaria cansativo. Isso posto, colocamos uma pergunta: Como se chega a ser o que se é? Essa é a grande pergunta. Para nós, interessa percebermos como você chegou a ser da “geração fundacional”, como veio a ser uma das pioneiras do Programa. Gostaria, se você pudesse, que começasse desde a infância, um pouco de sua história, como foi a formação na família, seus primeiros anos escolares; depois, na juventude, como foi sua escolaridade; como chegou a cursar a universidade e, posteriormente, sua vinda para a PUC.

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Lourdinha: Antes de falar sobre minha trajetória pessoal, gostaria de assinalar a relevância da ideia de se pensar a construção da memória da pós-graduação em educação da PUC-Rio. Isso aparece no projeto que você, Tania, nos enviou. Foi o primeiro programa de pós- graduação em educação no Brasil. Importa salientar não apenas o fato de ter sido o primeiro, mas também, sua contribuição na formação de várias gerações de professores, pesquisadores de diferentes regiões do país. Percebo isso participando de bancas, avaliação de programas, projetos de pesquisa. Muitas vezes encontrei pessoas que diziam: “Eu fui de lá da PUC, lembra?” Esses testemunhos são gratificantes. Vale também observar que não se trata apenas de voltar atrás no tempo, apenas para rever alternativas de ação que se acreditava serem as melhores no passado. Não é isso apenas; vale considerar ainda questões formuladas no presente. A partir do depoimento de pessoas que passaram por essa experiência, vivenciaram o Programa, será possível melhor apreender a história do Programa de Pós- Graduação em Educação na PUC-Rio e a pertinência de ideias que inspiraram e nortearam sua trajetória. Conhecer o passado desse Programa certamente contribuirá para entender seu presente e a história da pós-graduação em educação no Brasil.

Tania: É um pouco da história do Brasil.

Lourdinha: Concordo e acrescentaria: mais do que um conhecimento puro e neutro, o que não podemos perder de vista são as questões e comentários que surgiram nos depoimentos das pessoas que vivenciaram seus primeiros anos. Você entrevistou Carmelo, Vera Candau, Zaia e Osmar. Certamente as questões e os comentários suscitados por essas e outras pessoas que vivenciaram os primeiros anos do Programa como docentes-pesquisadores, mestrandos e doutorandos são realmente valiosos. Considero relevante a ideia e a preocupação de se pensar a construção da memória da pós-graduação

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em educação da PUC-Rio também por sua contribuição, e como você assinala em seu projeto“[...] à formação de várias gerações de professores provenientes de diferentes regiões do país, nas quais, posteriormente, foram gerados outros programas de pós-graduação em educação”

Tania: Pediria até que você me desse uma listinha de pessoas que considera interessante entrevistá-las.

Lourdinha: Ocorreram-me algumas: Zélia Domingues Mediano, Aparecida Mamede, Creusa Capalbo, Silvério Baía Horta. Sobre minha trajetória pessoal, não poderia deixar de registrar, que sou pernambucana e nasci, em 1936, no engenho Lauriano, do Distrito de Aliança/Pernambuco. Era a segunda filha de seis irmãos. Como meu pai era senhor de engenho, fui criada em um de seus engenhos.Tive a sorte de ser alfabetizada com a ajuda da minha mãe e de meu avô paterno. Meu contato com as letras foi marcado, também, com as leituras que meu avô fazia para nós, crianças. Minha mãe tocava piano bem e eu aprendi um pouco de música com ela. Assim, alguns momentos vividos nos meus primeiros anos nos engenhos foram muito saborosos e saudáveis. Depois, fiz o Curso Primário no Ginásio Santa Cristina das Damas da Instrução Cristã, em Nazaré da Mata, em regime de internato. Minha mãe já tinha estudado em outro colégio, da mesma ordem. Logo que entrei no Curso Primário ganhei meu primeiro livro: a cartilha Páginas Infantis -Leitura Preparatória, de Mariano de Oliveira, da Companhia Melhoramentos, que muito me empolgou e que guardo até hoje. Em novembro de 1947, conclui o 4o ano do curso primário e fiz imediatamente o exame de admissão. Sendo aprovada, comecei a fazer o ginasial, na mesma instituição, durante quatro anos. Tive boas professoras nesse ginásio, todas religiosas. Entre outras, lembro-meda Madre Maria Pia, diretora, Madre Imêlda e Madre Elvira. Eram competentes e rigorosas, mas de personalidade afável com as

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alunas. No início dos anos 1950, meu pai resolveu que a família iria morar no Recife, embora ele continuasse trabalhando nos engenhos. De 1952 a 1954, passei a estudar no Colégio Nossa Senhora do Carmo,em regime de externato, no qual fiz o curso científico. Concluído o científico, fiz imediatamente o vestibular para a Faculdade de Filosofia do Recife, onde convivi comcolegas muito agradáveis, como Silke Weber, Argentina Rosas; embora fizessem cursos diferentes na Faculdade, ficamos muito próximas e amigas.

Tania: Isso foi em que ano?

Lourdinha: Nos anos de 1950. Fiz o bacharelado de 1955 a 1957, colando grau de Bacharel em Filosofia, em dezembro de 1957, na Faculdade de Filosofia do Recife. Em 1958, cursei Didática e colei grau de Licenciada em Filosofia, em dezembro de 1958. Como obtive o 1o lugar no Curso, fui contemplada com uma bolsa de estudo pela Reitoria da Universidade. Fiz então, na mesma Faculdade, o Curso de Formação em Orientação Educacional e o respectivo estágio supervisionado, em 1959/1960.

Tania:Na Universidade?

Lourdinha: Era então Universidade do Recife, hoje Universidade Federal de Pernambuco. Nela tive contato com importantes professores, como Padre Almeri Bezerra de Melo, Maria do Carmo Tavares de Miranda, Newton Sucupira, Luiz Maria de Souza Delgado, Paulo Rosas, entre outros. O Curso de Filosofia oferecia uma orientação pragmática, seguindo os manuais de filosofia tomista, predominantemente.

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Tania: O Prof. Newton Sucupira era do Recife?

Lourdinha: Embora natural de Alagoas, veio logo para o Recife, tornando-se mais tarde professor da Faculdade. Às vezes ia à casa dele para conversar sobre o curso, rever temas trabalhados em sala de aula. Ele me emprestava livros de Filosofia que eu não conseguia comprar no Recife e não encontrava nas bibliotecas. Quando tinha acabado de concluir o Curso de Filosofia, o Prof. Sucupira que viajava ao exterior, me convidou para substituí-lo na disciplina que lecionava na Faculdade. Era professor da Cadeira de Psicologia. Como não me considerava apta para substituí-lo, conversei com Paulo Rosas a respeito e ele me propôs: “Eu dou essa disciplina e você me substitui na Escola de Serviço Social de Pernambuco, ministrando Introdução a Psicologia”. Foi então que tive contato com Paulo Freire, professor de Filosofia da Educação naquele período, na Escola de Serviço Social. Foi um momento importante, comecei a ter um contato pessoal com ele e acompanhei sua atuação no Movimento de Cultura Popular no Recife, em 1960. No 1o semestre de 1961, lecionei também Psicologia Geral, na 2a série do Curso de Formação de Professores Primários, no Colégio Padre Félix e no Ginásio Coração Eucarístico de Jesus, no Recife .

Tania: Você saiu de sua área de formação?

Lourdinha: Diria que o Curso de Filosofia, embora numa linha mais ortodoxa, foi importante, por ter oferecido subsídios que me permitiram depois pensar a educação. A partir do Curso de Orientação Educacional comecei a me interessar mais conseqüentemente por educação. Naquele período, os contatos com Paulo Rosas e Paulo Freire muito contribuíram para pensar o conceito de educação, a

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educação como um processo, a formação do educador e outras questões.

Tania: E depois?

Lourdinha: Logo que entrei na Faculdade de Filosofia, comecei a participar da Juventude Universitária Católica (JUC) e em uma das reuniões nacionais, realizada em Olinda/PE, conheci Osmar, que integrava a Direção Nacional do Movimento. Começamos uma aproximação afetiva e, em 2 de julho de 1961, casamos e passamos a residir no Rio de Janeiro. No ano passado, comemoramos 50 anos de casados. Logo que casei não tinha um trabalho fixo no Rio. Em 1962, passei a trabalhar no Movimento de Educação de Base (MEB), onde atuamos Osmar e eu até o início de 1966, quando pedimos afastamento porque as pressões sobre a Igreja Católica para tomar posicionamentos eram muito intensas da parte do governo militare os bispos responsáveis pelo MEB começaram a ceder.

Tania: Isso foi quando mais ou menos?

Lourdinha: Isso ocorreu no inicio de 1966. Mas, como eu tinha Curso de Formação em Orientação Educacional, o Colégio Bennett, por indicação de uma professora que trabalhava lá, convidou-me para ser Coordenadora desse Departamento. A partir de julho de 1966, trabalhei supervisionando a parte de Orientação Educacional nessa instituição até janeiro de 1968, quando fui afastada em virtude de políticas internasno Colégio. De 1968 a 1969, com dois filhos pequenos, desenvolvemos, Osmar e eu, a organização da Coleção Educação e Tempo Presente, com obras de autores nacionais e estrangeiros, na Editora Vozes. Assessorei, também, a Comissão do Livro Técnico e do

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Livro Didático- COLTED/MEC, de abril a setembro de 1969. Em 1970, fui contratada pela PUC/Rio para trabalhar na Graduação.

Tania: Como aconteceu isso?

Lourdinha: Meu contato inicial com PUC-Rio ocorreu em 1970, quando fui admitida no Mestrado. Graças a conhecimentos que tinha, mediante contatos da Ação Católica e de outras pessoas que trabalhavam na Universidade, como o Carmelo, fui contratada, como Professora Assistente, em 1o de março de 1970, sendo promovida em 1976 a Professora Associada. Lecionei na Graduação as seguintes disciplinas:Universidade e Carreiras Profissionais, no Ciclo Básico do CTCH, no 1o e 2o semestre de 1970 e 1o semestre de 1971, com duas turmas cada semestre; Estrutura e Funcionamento do Ensino de 2o Grau, no 2o semestre de 1971; Estrutura e Funcionamento do Ensino de 1o Grau, no 2o semestre de 1972 e no 1o de 1973; Estrutura e Funcionamento do Ensino de 2o Grau, no 2o semestre de 1972 e no 2o semestre de 1974; Educação Permanente e Educação de Adultos, no 1o semestre de 1972 e Estrutura e Funcionamento do Ensino de 1o e 2 o Graus, no curso de Atualização, de 28 de julho a 02 de agosto de 1975. Até os anos 1980 continuei dando aulas de Estrutura e Funcionamento de Ensino do Ensino de 1o e 2o Graus, no Curso de Pedagogia e na Licenciatura.Tania: Quando você terminou o Mestrado?Defendi a dissertação em dezembro de 1972 sob o título “Alfabetização de adultos e sua posição num projeto de desenvolvimento integrado”, orientada pela professora Célia Lúcia Monteiro de Castro. Contei, ainda com ajuda da professora Eulina Fontoura de Carvalho; dialoguei muito com ela e tive uma troca muito rica de ideias. Técnicos do Incra, que trabalhavam no Departamento chefiado por Osmar, deram-me apoio na elaboração e aplicação do questionário e assessoria nos aspectos técnicos, pois a pesquisa de campo foi desenvolvida no projeto de Colonização Agrária de Iguatemi, inclusive com apoio do

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INCRA. Observo, ainda, que o fato de ter trabalhado no MEB, nos anos 1960, muito me motivou e ajudou a fazer essa

dissertação.

Em 1976, fiz concurso de Livre-Docente na PUC-Rio, apresentando a tese “A Universidade Brasileira em busca de sua identidade”, publicada em livro com o mesmo titulo pela Editora Vozes, em 1977.

Tania: Você fez concurso de Livre Docência, então não havia doutorado?

Lourdinha: Não havia doutorado em educação no Rio e eu não tinha condições de sair do país. Embora pretendesse fazer o doutorado, a Suzana Gonçalves, Chefe da Assessoria de Programas da CAPES insistia muito para que eu fizesse a livre docência,assinalando que era equivalente ao doutorado.

Tania: Como era organizada a livre docência?

Lourdinha: Semelhante a um concurso. Tinha uma lista de dez pontos na área de conhecimento, para as provas de habilitação. Dentro os dez pontos era sorteado um para a prova escrita. Dos nove pontos restantes, o candidato podia escolher um para a prova de didática. E havia apresentação e arguição da tese pelos cinco membros da banca examinadora: Victor Valla, Creusa Capalbo, Manuel Ceciliano Salles deAlmeida, Vera Candau e Edivaldo Boaventura. Suzana Gonçalves insistia tanto para que fizesse esse concurso, que me levou a refletir. E

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ocorreu o seguinte: quando entreguei a tese, ela me chamou na Biblioteca Central da PUC.

Tania: Ela trabalhava na PUC?

Lourdinha: Trabalhou na PUC-Rio, mas nessa época servia na CAPES, como Chefe da Assessoria de Programas. Encontramo-nos na Biblioteca, e ela me disse: “Maria de Lourdes, quero conversar sobre o porquê da minha insistência para que fizesse a livre docência. Realmente há uma equivalência de título. Quando você defendeu sua dissertação de Mestrado, eu assisti a defesa e ganhei um exemplar. Considerei muito boa para uma dissertação de mestrado, pois trazia uma contribuição relevante sobre o tema em análise”. Fiquei calada e ela comentou: “Olha quando você defendeu sua dissertação, dois dias depois esteve uma pessoa na CAPES, ligada ao MEC, pedindo que indicasse um nome para uma função determinada. E eu disse a essa pessoa, que exercia um com cargo importante (não citou quem era): tenho um nome a indica rmuito bom, que você poderá convidá-la. Acabou de concluir o Mestrado em Educação e fez uma dissertação sobre Alfabetização de Adultos...”. A pessoa ouviu e não comentou nada. Dois dias depois, voltou à CAPES e disse: “ Dona Suzana, como a senhora indica uma pessoa com a ficha tão complicada como esta senhora?”

Tania: Isso ocorreu em que ano?

Lourdinha: No final de 1972.

Tania: Anos de chumbo ....

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Lourdinha: Segundo essa pessoa “eu tinha uma situação muito complicada.”. Mas, fiquei surpresa porque tive bolsa da CAPES para fazer o Mestrado na PUC. Depois vim a saber quem realmente defendeu para que obtivesse essa bolsa: o professorPaulo de Assis Ribeiro, que na época era Decano do Centro de Ciências Sociais, da PUC.

Tania: Lourdinha, você percebia no ensino, em suas classes, em sua atuação como professora uma interferência grande da questão política, da repressão?

Lourdinha: Às vezes sentia... Havia muitas dúvidas. Pessoas queriam me entrevistar para saber quem eu indicava como bibliografia, como eram minhas aulas etc.

Tania: Havia censura?

Lourdinha: Não havia censura explícita, mas algumas situações foram complicadas.Estava dando aula no Ciclo Básico aqui no Departamento, no segundo semestre de 1970, quando apareceu um rapaz na sala em setembro, que não constava na lista dos alunos. Achei a pessoa estranha. Então, perguntei: Você é dessa turma? Respondeu: Sou, professora. Indaguei: Qual seu nome? Henrique. Não existia esse nome na pauta. Eu disse: Henrique, quando terminar a aula precisamos conversar.

Tania: Você desconfiou de alguma coisa?

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Lourdinha: Não tinha esse nome na pauta. Estávamos em setembro, as aulas haviam começado em agosto. Precisava conversar com ele, mas não podia interromper a aula

por causa disto. Fazíamos um seminário, a partir de algumas questões que eu tinha dado, e o Henrique sentou-se em um dos grupos. Quando terminou, assinou no relatório do grupo, com letra de forma - HENRIQUE. Os colegas perguntaram: Henrique de que? Ele disse: Está claro aí, Henrique! Terminada a aula, como ele saiu apressado, resolvi então perguntar ao Carmelo, que era o Diretor do Departamento, se existia algum Henrique como aluno no Ciclo Básico, pois não constava da pauta. Carmelo examinou a relação de alunos da Graduação e disse: Não consta nenhum Henrique. Ligou para a Coordenação do Ciclo Básico, do CTCH/PUC-Rio e foi informado que não tinha nenhum aluno com esse nome. Passados alguns minutos, três alunos me procuram, dizendo: Professora, professora... o Henrique saiu com uma mala 007, de paletó, num carro, que o estava esperando. Ficamos com uma interrogação: Quem seria?

Tania: Isso é muito bom para os jovens ouvirem, para verem como foi diferente a situação que se viveu na Universidade durante a ditadura. Havia um clima de perseguição?

Lourdinha: Nada sei sobre perseguição explícita aqui na PUC. Mas eu sofri uma “cassação branca”, por muitos anos. Eu sempre fui chamada de Lourdinha. Nos tempos do MEB, havia uma outra Lourdinha. Para evitar confusões, como ela era do Maranhão, passou a ser chamada Lourdinha do Maranhão. Acontece que, quando solteira meu nome completo era Maria de Lourdes Maranhão de Albuquerque e era, então

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conhecida como Lourdinha Maranhão. Em 1970, essa pessoa estava trabalhando com Osmar, no Incra, e foi presa quando viajava para o Recife, por ser ligada a um grupo da Var Palmares. Isso comprometeu seriamente o Osmar, que não sabia de nada, e acabou sobrando para mim, pois fui confundida com essa pessoa. Nesse período,morávamos na Barra, num condomínio. Passamos a ter o telefone grampeado, com nossas conversas gravadas, e a ser assediados por vendedores de livros e “pesquisadores”. Vale contar um fato: Quando minha filha nasceu, em 1971, era professora aqui, inclusive os colegas do Mestrado brincavam muito e indagavam sobre seu nascimento. Um dia chegaram ao condomínio duas pessoas dizendo que eram da Coca-Cola e queriam entrevistar a dona da casa. Eu estava amamentado e uma das vizinhas, que tinha ido me ajudar a dar banho na criança, os atendeu. Fizeram umas perguntas muito desconectadas: onde eu trabalhava, o que fazia etc. E a vizinha disse: Olha eu acho que vocês estão equivocados. Eu não sou a Maria de Lourdes. Então como se pode falar com ela? Ela não pode atender, está amamentando a filha, que nasceu há poucos dias. Com isso, minha vizinha ficou desconfiada.Os visitantes inesperados não disseram nada e saíram andando. Ela chamou outra vizinha e foi atrás deles. Quando saíram do condomínio havia um carro esperando-os e alguém perguntou: “E aíconseguiram as informações?” “Nada, foi tudo perdido, não conseguimos falar com a pessoa da qual a gente precisava captar as informações”.Foi um período difícil no país, com a implantação do governo autoritário personalidades de relevo da sociedade civil foram excluídas, inclusive de universidades públicas:professores, técnicos do quadro administrativo e estudantes. É nesse período queDurmeval Trigueiro é aposentado como professor titular da UFRJ e técnico de educação do MEC e, ao mesmo tempo, afastado do Conselho Federal de Educação.Nessa ocasião, a PUC acolheu algumas pessoas que estavam sendo marginalizadas pela ditadura. Entre outras, Durmeval Trigueiro, que passou a trabalhar nesta Universidade como professor do Departamento de Educação, em 1970, sendo designado coordenador da Área de Concentração em

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Planejamento Educacional e professor da mesma disciplina na Pós-Graduação em Educação.

Tania: Nesse clima de perseguição, você era professora e entrou para a pós-graduação aqui. Fale um pouco sobre sua trajetória profissional depois disso.

Lourdinha: Como já referi, em março de 1970, fui contratada como professora Assistente do Departamento de Educação desta Universidade e promovida à categoria de Associada em 01/03/1976. De agosto de 1977 a julho de 1979, pedi licença sem vencimentos, por ter assumido a Coordenação de Assuntos de Pós-Graduação junto à Vice-Reitoria Acadêmica da Universidade Santa Úrsula. Em dezembro de 1980, fiz concurso para professor Adjunto na Faculdade de Educação da UFRJ, sendo contratadaem janeiro de 1981, mas continuei trabalhando também na PUC-Rio, até janeiro de 1987. Considero ainda hoje de especial significado para minha trajetória acadêmica e profissional esses anos que vivenciei e atuei aqui como pós-graduanda e docente pesquisadora. Repensando minha experiência docente na PUC -Rio, recordo que, de 1966 a 1972, as disciplinas Estrutura do Ensino Brasileiro I e II eram obrigatórias do núcleo comum do Mestrado. Nesse período, o país vivia uma fase difícil, ante aruptura levada a termo pelo golpe militar de 1964 e a implantação de um governo marcadamente autoritário, quando amplos setores da sociedade civil foram excluídos, entre eles, professores, técnicos-administrativos e estudantes universitários. Nesse contexto, as disciplinas Estrutura do Ensino Brasileiro I e II foram desenvolvidas no Mestrado da PUC-Rio, contrariando a tendência dominante, sob a orientação da Professora Eulina Fontoura de Carvalho, rompendo com o enfoque acrítico e formalista que costumava vigorar em seu estudo nos cursos de educação.

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Tania: Comente um pouco sobre a organização dessa disciplina .

Lourdinha: Como aluna do Mestrado, posso afirmar que a disciplina ministrada pela Professora Eulina não se limitava à apresentação e à análise de textos legais. Seu estudo passou a constituir-se referencial importante, mesmo nos anos de maior cerceamento político e ideológico, sobretudo após o AI-5. As disciplinas Estrutura do Ensino Brasileiro I e II passaram a constituírem-se em pedra de toque para se entender a educação e a organização escolar no país, evitando enfoques tecnicistas. Nas aulas, não era feita apenas uma descrição simples, mas sempre era discutida o porquê de tal reforma e o significado, as implicações decorrentes, além de ajudar professores de graduação a repensar seus programas.

Tania: Fale um pouco mais sobre isso, que me parece um dado importante dessa história.

Lourdinha: O exame de anotações do Programa nesse período revela que Estrutura do Ensino Brasileiro I compreendia a análise do ensino primário e médio e as mudanças introduzidas com a Lei n. 5692/71, que fixava as diretrizes para o Ensino de 1o e 2o Graus, no contexto da realidade brasileira; Estrutura do Ensino Brasileiro II centrava-se no exame do ensino superior e das instituições universitárias no país. De modo geral, os programas enfocavam a análise de princípios e valores que orientavam a concepção, a estrutura, a organização e a evolução dos diferentes graus de ensino em nossa realidade, suas tendências e perspectivas. Recordo que no Mestrado, desde o início, Estrutura do Ensino Brasileiro era uma disciplina que incomodava, pelo volume de trabalhos exigidos dos mestrandos e por ser oferecida sistematicamente

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em dois semestres, o que às vezes não era aceito até por alguns professores. Mas, fazendo um retrospecto, entende-se melhor hoje, o que isso significava, numa fase em que alguns professores, inclusive

da própria PUC, adotavam uma abordagem às vezes tecnicista, com base no controle, em objetivos comportamentais, testes de múltipla escolha, instrução programada etc. A partir de 1973, Educação Brasileira começou a ser oferecida como disciplina obrigatória no Mestrado, num semestre apenas, enquanto Estrutura do Ensino Brasileiro I e II passaram a ser eletivas. Com o pedido de licença da professora Eulina Fontoura de Carvalho, estando eu recém-formada como Mestre em Educação pelo Programa, mas já professora da Graduação do Departamento de Educação da PUC-Rio desde 1970, fui convidada pelo Departamento para lecionar Educação Brasileira, introduzida nesse ano no Mestrado, e continuar ministrando as disciplinas Estrutura do Ensino Brasileiro I e II.

Tania: Este, me parece, foi um momento pioneiro...

Lourdinha: Como todo professor que inicia uma nova etapa em sua trajetória profissional, havia de minha parte certa inquietude, mas também profunda consciência da crise pela qual passava a sociedade brasileira e a educação como parte dessa realidade. Tinha também consciência de minhas limitações para trabalhar a difícil contradição de pensar o futuro, em termos de educação, que superasse o presente inaceitável. Passadas quase quatro décadas, constato a ousadia que me levou a aceitar, naquele período, o compromisso de lutar, dentro do Mestrado, pela implantação de uma proposta de disciplina que superasse uma visão mecanicista da educação e que conseguisse transpor o discurso da “eficiência” e da “produtividade” do ensino e do sistema educacional, presente até os dias atuais na sociedade brasileira. Procurando superar a insegurança de quem começa uma nova

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caminhada e instigada por uma angústia criadora, elaborei, no primeiro semestre de 1973 uma proposta para a disciplina Educação Brasileira,

que tinha como eixo efetuar uma análise da educação no país, procurando apreender e discutir ideias, diretrizes, fatos e dados significativos, do período colonial até os anos 1970, bem como refletir sobre a problemática educacional no processo de transformação da sociedade brasileira nos diferentes períodos. A proposta fundamental que traduzia a perspectiva desse trabalho era esta: não se pode pensar a educação como um sistema sem considerá-la profundamente comprometida com a realidade do país onde se desenvolve. Isto é, a problemática educacional não pode ser analisada apenas em seus aspectos pedagógicos, desligada do contexto histórico, cultural, político, social e econômico. A educação, como práxis social,dificilmente deixará de refletir a estrutura global de que é parte.Essa proposta foi retomada e aprofundada a cada ano e trabalhada em todas as turmas até 1977, procurando analisar, cada vez com maior discernimento, a educação como parte de uma realidade concreta, mas sem perder de vista os conteúdos especificamente pedagógicos. Nessa linha, empenhei-me em estudar e analisar, juntamente com os mestrandos, a relação entre os fatos ou movimentos educacionais e o contexto no qual se inseriam esses fatos.

Tania: Havia uma aplicação do que se estudava e se aprendia com a prática profissional?

Lourdinha: O estudo dessas disciplinas tornou-se essencial não somente para os professores que com elas trabalhavam; professores que lecionavam na Graduação e na Licenciatura, mas também para aqueles que trabalhavam no MEC, nas secretarias de educação e em outros órgãos ligados à área de educação. Estrutura do Ensino Brasileiro I e II e Educação Brasileira eram importantes para todos aqueles que

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estavam preocupados em saber o porquê de certos fatos e acontecimentos educacionais. Atualmente, revendo essas propostas, poderia inferir que, naquele momento, a

disciplina Educação Brasileira poderia ser vista como a origem próxima da disciplina História da Educação Brasileira, no Programa de Pós-Graduação em Educação da PUC, oferecida a partir de 1983. Vale observar ainda que, de 1973 a 1975, Estrutura do Ensino Brasileiro I e II continuou sendo oferecida no Mestrado, com expressiva demanda. A partir desse ano, começa a haver uma procura maior em relação à Estrutura do Ensino Brasileiro II, por estar centrada na problemática da educação superior, o que é testemunhado pelo expressivo número de professores de instituições de ensino superior e de profissionais ligados à administração universitária que buscavam o Mestrado em Educação da PUC e por alunos bastante adultos, alguns mais velhos do que eu, de outros cursos de Mestrado do Rio de Janeiro. Trabalhei nessa disciplina até o primeiro semestre de 1977.

Tania: E o que aconteceu em 1977?

Lourdinha: Em agosto de 1977, como já assinalei, licenciei-me da PUC até julho de 1979. Com meu afastamento, a disciplina Educação Brasileira, ficou sob a responsabilidade de uma equipe de professores: Creusa Capalbo, Durmeval Trigueiro, Silvério Baía Horta e Zaia Brandão. No 2o semestre de 1979, retornando às minhas atividades docentes na PUC, passei a trabalhar em equipe com Durmeval Trigueiro e Zaia Brandão. Nesse período, o programa foi reformulado, estruturando-se em núcleos temáticos: Democratização da educação; Educação e trabalho; Profissionalização; Ensino e pesquisa; Estado e planejamento da educação; Ideologia e educação no Brasil; Ensino superior; Educação de adultos etc., mantendo-se sempre a preocupação

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de desenvolver uma análise crítica da educação brasileira, à luz do contexto global da sociedade na qual ela estava inserida.

Tania: Quem assume mais tarde , em 1983, História da Educação Brasileira?

Lourdinha: Em 1983, a Pós-Graduação em Educação na PUC-Rio passa a oferecer oMestrado e o Doutorado, estruturado em linhas de pesquisa e ensino, em função das quais deveriam ser desenvolvidos as disciplinas e os projetos de pesquisas institucionais e individuais, de professores e alunos. As linhas prioritárias, no biênio 1983/1984, foram: Formação do educador; Democratização da educação; Ensino-aprendizagem: problemas e alternativas; Pensamento educacional brasileiro.Assumi a disciplina História da Educação Brasileira, que tinha como preocupação estudar a relação entre os fatos, movimentos educacionais e o contexto no qual se inserem determinados acontecimentos, retomando para tanto a pesquisa e areinterpretação desses fatos. Como professora, tinha presente que a História da Educação Brasileira não deveria limitar-se à simples apresentação de fatos, à mera descrição. A partir dessa perspectiva, procurei desenvolver a disciplina considerando que um curso, sobretudo a nível de pós-graduação, não poderia ficar apenas no plano da descrição, mas buscando também o porquê, a interpretação e avaliação de fatos e movimentos educacionais, dentro de movimentos sociais mais amplos, como parte de uma realidade concreta. Deveria procurar recolhê-los sim, mas igualmente explicar sua lógica interna e externa. É este “saber os porquês ” que se constituía em objeto de reflexão e discussão no desenvolvimento da disciplina; e que contribuía para a reconstrução e a reinterpretação de alguns fatos e dados da história da educação no país, não como uma história passada, mas uma história cujos fatos têm sentido e de alguma forma estão vivos no presente.Sob essa ótica, havia várias indagações e problemas que se colocavam no

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trabalho,entre outros: o que ensinar? O que seria preciso para levar aqueles que estudavam História da Educação Brasileira a melhor entender e conhecer nosso passado histórico, em relação à educação no país? Como desenvolver nos alunos uma dinâmica que os habilitasse a interrogar, para que aprendessem a pensar historicamente?A disciplina tinha como objetivos: a) analisar a História da Educação Brasileira, não como uma construção pronta acabada. Neste caso, a preocupação não seria apenas saber o que se passou, sem se reocupar em saber o porquê, em se tratando de uma descrição factual; b) estudar a História da Educação como um processo e, por isso, sujeita a constantes interpretações, que permitia compreender o porquê da reinterpretação dos fatos. Neste caso, os temas estudados apoiavam-se num questionamento mais geral: qual o arcabouço teórico-metodológico que indicava e orientava o estudo dos temas propostos, erigindo-os em objeto de análise. E acrescentava-se: se a pesquisa deve procurar romper com certas crenças, o ensino, por outro lado, pode cair em certos equívocos, repassando informações que necessitam melhores esclarecimentos.Trabalhando com História da Educação Brasileira, uma questão analisada, para exemplificar, foi o ensino de religião no currículo escolar, nos anos 1930. Consideramos oportuno na ocasião lembrar a atuação de Francisco Campos, Ministro da Educação, pertinente à introdução do ensino de religião nas escolas públicas. Embora a Constituição de 1891, no art. 72, § 6o dispusesse: “Será leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos”, o ministro apresentou ao presidente Getúlio Vargas, chefe do Governo Provisório, em 1931, exposição de motivos na qual assinala: “Tenho a satisfação de propor a V. Excia. o decreto que a esta acompanha e que reputo da maior utilidade moral para o Brasil” E, após vários considerandos conclui observando: “ O laicismo escolar faz hoje a figura de um verdadeiro anacronismo”. No entanto, mesmo que o Decreto n. 19.941/1931 dispusesse, no art. 2o “Da assistência às aulas de religião haverá dispensa para os alunos cujos pais ou tutores, no ato da matrícula, a requererem”, a questão não me parecia tranquila. Depois de pesquisar vários livros, discutir com os pós-graduandos e não obter

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resposta a essa questão, surgiu a oportunidade de uma entrevista com o historiador Jacobina Lacombe, Secretário do Conselho Nacional de Educação, nos anos 1930, um dos fundadores da PUC-Rio e que conhecera Francisco Campos pessoalmente. Para minha surpresa, durante a entrevista em que discutimos outras questões da educação brasileira nos anos 1930, ele comentou: “A senhora não sabe que foi o Padre Leonel Franca quem elaborou a exposição de motivos do ensino religioso e o decreto”. E complementou: “Após ter entregue pessoalmente ao Presidente a Exposição e o decreto, que dispunha sobre a instrução religiosa nos cursos primário, secundário e normal, Campos voltou ao Ministério e comunicou simplesmente a seus assessores: “O assunto relativo ao ensino religioso está resolvido”. Com esse depoimento do professor Jacobina Lacombe, ocorreu-me fazer com os alunos uma releitura dessa “reforma”, supondo que já dispunha de elementos para entender o problema. Mas, um mês depois, pesquisando no Arquivo de Getúlio Vargas, no CPDOC/FGV, encontrei uma carta manuscrita de Francisco Campos, em papel timbrado do Ministério da Educação e Saúde Pública, dirigida ao Presidente Getúlio Vargas. Os termos são muito claros. Após assinalar o caráter facultativo do ensino religioso nas escolas públicas a ser ministrado aos alunos, na conformidade dos pais e tutores, afirma não pretender violar a consciência de ninguém, nem mesmo o princípio de neutralidade do Estado em matéria de crenças religiosas. De forma explícita coloca a importância que a assinatura desse decreto teria em termos políticos para o governo. Assinando-o o governo, por certo, contaria com o apoio da Igreja Católica, que ficaria muito agradecida.Em face dessa carta manuscrita do Ministro Francisco Campos, dirigida ao Presidente Vargas, discutimos com os pós-graduandos : com que frequência a “conciliação política” terá desempenhado papel considerável na História do Brasile na História da Educação Brasileira? Sobretudo se tivermos presente, como observa Michel Debrun, em seu livro A conciliação e outras estratégias, que a “conciliação política” não é um compromisso entre iguais, mas um

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mecanismo que, mediante certas vantagens ao pólo mais fraco, é consolidada a posição do pólo mais forte.

Tania: Esse fato teve algum reflexo? Como apareceu?

Lourdinha : A questão do ensino religioso nas escolas públicas foi objeto de discussão no período e vai aparecer um posicionamento muito explícito no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932, em defesa da laicidade da educação. Durante as aulas , discuti com os alunos da pós- graduação essa questão. Apoiando-nos nesses fatos, não seria demais observar que o ensino tomando como base a pesquisa, especialmente com fontes documentais, deveria se constituir para o docente-pesquisador num diálogo, permeado de questões, dúvidas e cujo resultado pretendido nem sempre surge de análises bem arrematadas. No exemplo, lecionando História da Educação Brasileira, levei certo tempo para apreender melhor o porquê da Reforma do Ensino Religioso, em 1931, ao lado de outras reformas de Francisco Campos que alteraram a estrutura do ensino vigente no período, o que deixa também claro que, embora o docente-pesquisador tenha como preocupação tentar responder a necessidades e conhecer os fatos para apreender uma realidade histórica, como essa, esse conhecimento não pode ser entendido como um dado acabado, definitivo.

Tania: Fale um pouco sobre a organização da disciplina Educação Brasileira. Gostaria que você me inteirasse da organização do curso, como você organizava as práticas de sala de aula.

Lourdinha: Educação Brasileira tinha como objetivos analisar a educação como parte da realidade brasileira; refletir sobre a problemática educacional no país nos diferentes períodos e caracterizar

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as forças atuantes nesse processo. Inicialmente, a disciplina foi organizada em quatro unidades de estudo: 1) Educação no período

colonial; 2) Educação no período monárquico; 3) Educação na 1a República (1989-1930) e 4) Educação a partir da 2a República até os anos de 1970. Cada unidade podia ser desdobrada e devido à extensão e complexidade do conteúdo da disciplina e do tempo disponível para trabalhos durante um semestre, trabalhava-se em sala de aula uma ou duas unidades do programa, escolhidas pelos mestrandos. Durante o curso eram fornecidas as indicações consideradas importantes e necessárias para o estudo individual das unidades não abordadas em sala. Havia encontros semanais em sala e individuais para discussão de temas específicos, a partir de bibliografia previamente selecionada, sendo indicados textos de leitura básicos, complementares e de aprofundamento.

Tania: Como era feita a avaliação da disciplina e quais eram os trabalhos exigidos?

Lourdinha: A avaliação levava em consideração a participação dos mestrandos nos debates e a contribuição para uma síntese dos temas estudados. Era exigido, pelo menos, um trabalho escrito individual, elaborado a partir de leituras feitas sobre um tema de uma das unidades do programa; relatórios ou intervenções feitas nos trabalhos de grupo e uma auto-avaliação de cada aluno. No final do semestre era solicitada de cada aluno uma avaliação do curso, tendo em vista futuras programações.

Tania: Qual o perfil dos alunos ?

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Lourdinha: Havia uma clientela de alunos bastante adultos, alguns mais velhos do que eu. Por isso, passadas quase quatro décadas, repito: foi uma certa ousadia, que me levou a aceitar dar essas disciplinas naquele período.

Tania: Mas você tem algum arrependimento?

Lourdinha: Ao contrário, o compromisso de lutar dentro do Mestrado por uma proposta de disciplina que superasse exatamente uma visão tecnicista de educação e que conseguisse transpor o discurso, que chamaria da eficiência e da produtividade do ensino e do sistema educacional, foi uma experiência importante, na minha trajetória como docente. De certa forma, isso se faz presente até os dia atuais.

Tania: Mas, isto é um legado...

Lourdinha: Não deixa de ser. Procurando superar a insegurança e começar uma nova caminhada instigada por uma angústia criadora, elaborei no primeiro semestre de 1973 uma proposta para a disciplina Educação Brasileira que tinha como objetivo, como já mencionei, efetuar uma análise da educação no país, procurando discutir ideias, diretrizes, fatos e dados significativos do período colonial até os anos 1970, bem como refletir sobre o projeto da educação no processo de transformação da sociedade brasileira. Dessa proposta alguns dados traduzem desafios, sem dúvida relevantes. Pois, não se pode pensar em educação como um sistema sem considerá-la profundamente comprometida com a realidade do país onde se desenvolve. Assim

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sendo, a problemática educacional não pode ser analisada apenas em seus aspectos pedagógicos,

desligados do contexto histórico, cultural, político, social e econômico. Comecei a ver mais claro que, para dar conta da construção do objeto de estudo, era necessário apoiar-me em autores que me ajudassem a refletir e elaborar, também, a construção de categorias ou conceitos, além da compreensão de questões quanto ao ensino da história da educação brasileira; havia problemas que eram suscitados: O que ensinar e como ensinar? O que era preciso para que os pós-graduandos pudessem melhor conhecer nosso passado histórico, em relação à educação no Brasil? Nesse período, passei a trabalhar, além de autores brasileiros, com: Edward Carr. Que é História eKarel Kosik. Dialética do Concreto. Em 1983, comecei a ler, também, Antonio Gramsci , Adolfo Sánchez Vázquez. A partir daí, passei a debater nas disciplinas que ministrava, que a relação teoria e prática não se faz de maneira simplista e linear; faz-se por meio de um processo concreto, no qual se passa da prática à teoria e vice-versa. Além disso, era pela práxis, entendida como atividade teórico-prática do homem como ser social, que se processava a unidade teoria e prática em sentido completo. .

Tania: Foi então um momento pioneiro.

Lourdinha: Diria que foi um privilégio continuar responsável pelas disciplinas Estrutura do Ensino Brasileiro I e II que a professora Eulina lecionava. Mas, foi também uma oportunidade de dialogar, trocar ideias com pessoas e colegas da pósbgraduação. Lembro, que eram bastante elucidativos os diálogos que mantive com Durmeval Trigueiro, que muito me ajudou e também com outros colegas.

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Tania: Quais eram seus pares e colegas, nessa época que você está descrevendo ?

Lourdinha: Além do Durmeval, Zaia, Vera Candau, Carmelo, Silvério, Menga, Marli André e Stella Cecília Duarte. Havia também outras pessoas que ainda trabalham na PUC, como Ana Waleska, Isabel Lellis que conheci nesse período. Osmar, também, trabalhava no Programa de Pós-Graduação e trocávamos muitas ideias. Eulina permaneceu até 1972 .

Tania: Como era a orientação de teses e dissertações?

Lourdinha: Além da orientação individual, a partir de 1983 havia seminários de dissertação de Mestrado e de tese de Doutorado. No período que trabalhei na pós-graduação orientei onze dissertações de Mestrado e uma tese de Doutorado.Participei de dezoito bancas de Mestrado e duas de Doutorado. A partir de 1981 já estava na UFRJ e tive outras orientações lá, como na Universidade Católica de Petrópolis nos anos de 2000 a 2006. Das orientações de Mestrado, que realizei na PUC, destacaria, entre outras: a de Gilles Bernier. Interpretação Praxilogista da Escola Católica. Estudo de caso: Colégio Santo Inácio, em 1974 e a de Danilo Martins de Lima Educação Igreja, Ideologia - Uma análise sociológica das influências da Igreja Católica na elaboração das diretrizes e Bases da Educação Nacional, em 1975. Essa dissertação desencadeou muita discussão dentro da universidade. Foi bom que estivesse presente na banca, entre os três examinadores, o padre José Vasconcelos, que fez observações importantes, mas aprovou a dissertação . Foi publicada como livro, em 1978, no Rio de Janeiro, pela Francisco Alves. Ressalto, também, a tese de doutorado de Maria Célia Marcondes de Moraes, intitulada Educação e Política no

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Pensamento de Francisco Campos, de especial consistência, defendida em 1990.

Tania: Ela depois fez uma bela carreira.

Lourdinha: De fato. E a tese foi publicada dez anos mais tarde em livro, com o titulo: Reforma de Ensino, Modernização Administrada. A experiência de Francisco Campos: anos vinte e trinta. Oferecendo-me um exemplar, Célia agradece, observando que aquele livro era a tese que ajudei a construir com certo deleite.Fiquei muito contente com o reconhecimento da Maria Célia. Ela e Danilo já faleceram.

Tania: Já havia grupos de pesquisas e os alunos participavam ?

Lourdinha: Segundo “Relatórios de pesquisas desenvolvidas por professores e alunos, do Departamento de Educação, da PUC-Rio,” de 1975 a 1985, foram desenvolvidos 33 projetos de pesquisa, que integravam professores e alunos, como auxiliares de pesquisa. Entre outros, cito a pesquisa “Análise das práticas de formação do educador: especialistas e professores”, desenvolvida de maio de 1982 a maio de 1984. A equipe de trabalho era constituída por mim, como Coordenadora, Vera Candau, Menga Lüdke, Ana Waleska, Isabel Alice Lellis, Marli André (substituindo Vera Candau a partir de maio de 1983), Dyla de Sá Brito (representante da SEEC/RJ junto ao Projeto). Como auxiliares de pesquisa, o projeto contou com : Ana Augusta de Medeiros, Iliana Aída Paulo e Izabel Miranda Garcia de Souza. A pesquisa foi desenvolvida com o auxílio financeiro da FINEP e o apoio administrativo da PUC, especialmente do Departamento de Educação, por meio de sua Diretora, Zélia Mediano. Teve vários produtos, entre

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outros, um artigo que publiquei, sob o mesmo título na Revista Brasileira de Estudos Pedagógico, n. 160 de 1987.

Tania: O CNPq já era órgão financiador nessa época ?

Lourdinha: O CNPq já financiava projetos de pesquisa. Passei a receber bolsa desseórgão a partir de 13 julho de 1976, que apoiou um projeto de pesquisa que vinha desenvolvendo de junho de 1975 a julho de 1976: “A Universidade brasileira em busca de sua identidade”. Este projeto ofereceu subsídios para a minha tese de livre docência. Outras pesquisas que desenvolvi aqui na PUC, com o apoio de CNPq, foram: “Universidade, tendências e funções. O caso brasileiro nos anos 30” ( julho de 1976 a junho de 1977); “Ensino Superior e Sociedade Brasileira: 1945 a 1961” (julho de1977 a junho de 1978). Essa pesquisa surgiu em decorrência da disciplina Estrutura do Ensino Brasileiro II . De julho de 1978 a junho de 1979, desenvolvi com o apoio do CNPq, o projeto “ Ensino Superior e Sociedade Brasileira: de 1930 a 1945”,motivado pela disciplina História da Educação Brasileira, e deu origem ao livro de minha autoria: Universidade e poder. Análise crítica/ fundamentos históricos: 1930-45. A 1a edição foi publicada no Rio de Janeiro pela Achiamé, em 1980. Em 2000houve uma 2a edição revista, publicada em Brasília, pela Editora Plano.A partir de 1980, continuei desenvolvendo projetos de pesquisa com o apoio do CNPq, havendo obtido promoções, cheguei à categoria de Nível 1A. Em abril de 1991, passei a receber bolsa de pesquisa, nessa Categoria, permanecendo até fevereiro de2009, quando decidi não solicitar mais apoio do CNPq, mesmo continuando a desenvolver projetos e estudos nas duas linhas de pesquisa, que ainda trabalho no PROEDES/FE/UFRJ: Instituições Educacionais e Científicas e seus Atores e Pensamento Educacional Brasileiro.

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Tania: O que você deseja acrescentar para encerrar esta entrevista? Gostaria ainda de assinalar que considero minha trajetória na PUC, quando vivi e atuei como pós-graduanda, docente e pesquisadora, um período de significadoespecial para a minha trajetória acadêmica profissional, inclusive os primeiros passos para estabelecer alguns anos depois as linhas de pesquisa que até hoje venho trabalhando.

Tania: Os resultados valeram a pena?

Lourdinha: Creio que sim. O contato com colegas docentes-pesquisadores, o estudo e aprofundamento de questões educacionais, a troca de ideias e também esses estímulos, dados a minha vida profissional, valeram a pena.

Tania: Lourdinha só me resta agradecer sua inestimável colaboração aqui, sem dúvida de especial alcance no caminhar da educação brasileira.

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MARIA APPARECIDA MAMEDE

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Nome do entrevistado: Maria Apparecida MamedeLocal da entrevista: PUC‐Rio

Data da entrevista: 31 de agosto de 2011Entrevistadores: Tania DausterTranscrição: Diana Gonçalves

Nome do projeto: Projeto “Fundadores” – a construção da memória da Pós‐Graduação em Educação da PUC‐Rio

Tania: Quero te entrevistar sobre a fase inaugural do nosso programa de pós‐graduação em educação na PUC‐RIO. Sei que você fez a primeira dissertação do mestrado...

APPARECIDA: Primeira mestra... (rindo)

Tania: Primeira mestra... Gostaria de saber o que você pode contar não só sobre essa época, mas a idéia é coletar também histórias de vida, perfis dessa turma a que você pertence, e que fez esse departamento nos primórdios. Eu já entrevistei um dos “fundadores”, o Carmelo.Ainda não consegui entrevistar a Eulina que não está bem e estou agendando outros professores.

APPARECIDA: Vários professores, certo.

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Tania: Além de você ter sido a primeira mestranda, você foi professora aqui também.

APPARECIDA: Desde 69.

Tania: Pois é. Logo em seguida. Bom, como estou falando de história de vida, querendo compor o perfil dos profissionais dessa época, eu queria que você falasse um pouco também da sua infância. A entrevista tem a duração aproximada de duas horas. Como foi sua infância? Como foi a sua formação? Como eram as relações de família em casa? Como foi a sua vida escolar nessa primeira fase de vida? Infância, primeiros anos...

APPARECIDA: OK.

Tania: Depois gostaria de saber como foi no decorrer da juventude a sua vida escolar. Como você escolheu... Porque a questão é essa: como se chega a ser o que se é. Como é que você escolheu a PUC? Como você entrou para esse departamento? Enfim, um pouco disso tudo, e eu farei algumas perguntas durante o seu depoimento.

APPARECIDA: Ok.

Tania: Então como é que você viveu esses primeiros anos na família e na escola?

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APPARECIDA: Sou carioca, nasci aqui no Rio de Janeiro.Há uma dualidade no inicio da minha vida que perdura até hoje. Sempre estou entre duas situações existenciais. Isso aconteceu muito na casa que eu morava, eu morava no Rio Comprido, que hoje é um bairro muito deteriorado, mas era um bairro interessante. Mamãe era filha de um casal com muitos filhos. Ela tinha doze irmãos e nessa família eu fui filha, sobrinha única por muito tempo é interessante, não é? Eu tinha uma história familiar com três pessoas mas quando chegava em casa do meu avô era muita gente. Ali, o predomínio era o magistério, todas as mulheres eram professoras, de diferentes coisas, professoras de piano, professora escolar. Ali era um grupo de mulheres para as quais não havia dúvidas quanto ao seu caminho. Acabando o primário, você fazia o ginásio e o normal. E esse ginásio na época, como eu estou um pouco velhinha (rindo), eu ainda sou do tempo de ginásio, depois normal, cientifico ou clássico. Então não havia dúvidas que eu iria para o normal. Uma coisa importante, eu acho, que vai ser importante aqui nesta entrevista, é essa não dúvida de que eu iria fazer normal e pararia ali. Minha infância foi no Rio Comprido, em escola pública, eu cursei o tempo todo escola pública, nada em escola particular.

Tania: Você lembra o nome da escola?

APPARECIDA: Escola Pereira Passos No Rio Comprido. E essa entrada minha foi um pouquinho antes da idade regular, porque eu entrei com seis anos em uma época que só se entrava com sete. Eu acredito que tenha sido a força da minha mãe, que era professora dessa escola. Mamãe era uma pessoa que viveu toda a “escola nova”. Ela trabalhou com Anísio Teixeira, com Lourenço filho, com Carneiro Leão...

Tania: Tinha pedigree... (rindo)

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APPARECIDA: Ela trazia uma história diferente das outras professoras, tinha esse diferencial nela. Então fiz escola pública, eu me lembro muito bem do primeiro dia de aula, o dia que eu percebi que as regras escolares eram diferentes.

Tania: Eu acho importante falar sobre isso. Tinha jardim de infância naquela época?

APPARECIDA: Não, não. Acho que já existia aquele do Campo de Santana, mas o do Campo de Santana para mim era inexequível, porque a mamãe não tinha quem me levasse e, como também não tinha quem ficasse comigo,, eu entrei com 6 anos, talvez mamãe com a idéia de ser um jardinzinho.

Tania: Entrou alfabetizada?

APPARECIDA: Não. Não, não. Entrei absolutamente sem alfabetização. Agora, eu já enchia caderninhos com lápis fazendo cobrinhas como se fosse escrita. Eu enchia o caderno com letras, eu gostava muito dessa questão.

Tania: Você tem esses cadernos?

APPARECIDA: Este caderno que estou falando, não. Eu tinha tudo isso muito guardado porque achava um patrimônio muito interessante, até porque na minha trajetória aqui, com os 40 anos, aqui na PUC, eu

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acompanhei muitas vezes alunas que vinham do Normal e também a questão do letramento, daquela pesquisadora do México (Emília Ferreiro) , que trabalha a evolução de lecto‐escritura... Então, é muito interessante porque ( nos cadernos com rabiscos) eu já tinha o hábito de ler e o hábito de escrever, que Ferreiro demonstra que é muito importante. Havia também, em casa, uma ambiência de professoras. Era muito interessante.

Nós jantávamos e íamos ouvir, veja bem, ouvir ‐ não era ver ‐ ouvir o repórter Esso, na casa do meu avô, na sala de jantar que tinha uma mesa de dois metros, dois metros e pouco. Lá ficavam todos os irmãos que moravam nesse casarão, cada um fazendo uma atividade em torno da mesa, e geralmente as tias professoras estavam corrigindo cadernos de alunos. Esse ambiente era muito interessante e o meu avô que não era avô, mas tio, irmão mais velho da minha mãe, que a criou porque o pai morreu cedo, o meu avô era médico, ficava em outro lugar..

Tania: Avô‐tio?

APPARECIDA: Ele era tio que assumiu o lugar de avô; ele ocupava o lugar diferenciado. Anos depois, estudando psicologia de grupo e psicologia social, eu comecei a perceber como, na minha casa, havia duas grandes áreas, a área docente que era do pessoal que ficava na mesa escrevendo, corrigindo e o outro lugar que era em volta de uma cadeira confortável, do meu avô que ouvia o repórter Esso. Então eram situações que hoje eu imagino os jovens diriam: “peraí, baixa, não posso corrigir” (rindo) . Não havia isso, convivia‐se na maior harmonia, era o lugar social estabelecido.

Tania: Sua mãe também?

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APPARECIDA: Minha mãe ia de visita, ela ia comigo e papai para ouvir o repórter Esso.

Tania: Moravam perto?

APPARECIDA: Sim, nós morávamos perto. E eu acho que eu sempre fui uma criança cujo pai, embora sendo filha única, papai tinha horror que eu fosse filha única, não gostava desse termo, agia como se eu tivesse tinha 10 irmãos, o que se tornava uma coisa estranha porque eu era filha única... Mas enfim, por causa dessa situação,convivendo com adultos, eu sempre fui muita perguntadeira, e logicamente era também considerada levada, impossível. A Apparecida era perigosa, porque eu questionava. Então foi uma das coisas que, quando eu passei a titular aqui (na PUC), eu coloquei no meu memorial e um professor que foi da minha banca de titular perguntou, se aquilo não era afetivo demais. Eu lhe respondi que essa lembrança era afetiva, mas também estruturadora do meu eu. Era uma coisa assim,... em torno daquela mesa, fora as correções, se discutia as questões daquela época, da guerra. Eu me lembro que uma das questões que era muito polemizada era qual seria a verdadeira personalidade da Madame Bovary? Quem é esta Madame Bovary, eu ,me perguntava?

Tania: Quem era o leitor na família?

APPARECIDA: Todos eram leitores. Todos sabiam. Havia muito a idéia de se ler desde o folhetim. Minhas tias mais velhas tinham lido Machado de Assis, José de Alencar, etc que publicavam suas idéias no jornais da época.

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Tania: Que época mais ou menos?

APPARECIDA: A delas era no início do sécolu. Agora, eu nasci em 1936, isso da casa de meu avô era época de 1942, em plena guerra. Era muito interessante. E também uma das questões que eu ficava muito impressionada era a discussão sobre o comportamento de Capitu. Capitu e Madame Bovary varriam um pouco esse cenário, principalmente porque a maioria era de mulheres. Três tios homens da família tinham morrido, um militar morava fora. Então a maioria era de mulheres. Isso era discutido e quando eu queria emitir alguma opinião, falavam que(rindo) isso era conversa de gente grande. Eu ficava perguntando: quem é essa Madame Bovary, gente? Quem é? Bom, enfim essa constituição, essa coisa de argüir o mundo, de perguntar era uma característica minha. Outra coisa também muito importante, eu aprendi na escola. Eu estava na escola um dia, a professora Nair Pilar Guimarães, minha primeira professora, deu o conceito de número, e ela levou uns números de madeira desse tamanho (mostra tamanho) de 0,1,2,3..até 9. Depois ela deu todas as possibilidades de formar números, e ai ela chamou a atenção de que ” a série de números reais é infinita”.( Infinito para mim era o céu) “ Porque sempre se pode colocar mais um.” Acontece que eu estava no nível do pensamento concreto de 6,7 anos ( para Piaget. Logo, eu pensei: se ela trouxe os números de madeira, eles iam encher uma sala. Então, eu perguntei para ela: dona Nair, como é que é essa questão? Vai encher, encher e vai chegar um tempo que não cabe mais... (rindo) Ela riu muito na época e me respondeu uma coisa terrível: “A escola tem muitas salas.” E Eu fiquei com essa idéia. Eu não perguntei mais a ela, fui enchendo as salas na minha cabeça, enchi o bairro inteiro e fiquei feliz. Bom, o bairro grande vai dar e assim vai caner em tudo. Mas, outro dia, ela trouxe uma laranja com um algodão em volta para gente estudar atmosfera. Ela disse o seguinte: a laranja era como a

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Terra, e que havia uma camada em que era permitida a vida humana e que essa camada era a atmosfera. Eu apliquei isto ao conceito de série numérica, se vai encher de números a Terra inteira; se a Terra é redonda, vai chegar um ponto que vai encostar um com o outro. Cheguei à minha conclusão mas não dei mais nenhuma informação para ela.

Quando eu participei de uma maratona de matemática, na escola ali na Glória, Escola Marechal Deodoro, caiu uma questão A série de números é ......... Eu completei: finita, porque eu tinha consciência de que não era infinita. Quando perdi a maratona, ela ( a professora) disse: Olha, você é muito teimosa! (rindo) Então, eu acho que essa teimosia pautou muito minha vida. Uma vida de menina muito doente, eu era uma pessoa com problemas respiratórios graves em uma época que o problema respiratório era como tuberculose.

Tania: Asma?

APPARECIDA: Era asma, ninguém conhecia asma nessa época. Por isso, havia um lado da família que dizia que era de opinião de que eu deveria ser preservada, ter professores em casa e havia o outro lado da família que achava que devia ir à frente, ir à luta. E meu avô estava nessa facção de ir à luta, então, como ele era lei e eu fui. Por isso é que eu digo, é uma dualidade de um corpo complicado e um desejo de galgar. Entrei para o Instituto de Educação. Acho que nós lembramos bem dos concursos da época, 3000 candidatos. Eu entrei, fiz o Normal, e me formei. Mas se deu um negócio muito interessante. Uma colega, professora Heloisa Cardoso, me telefonou perguntando se eu queria fazer faculdade. Eu achei a pergunta mais idiota do mundo. Isso eu estou falando de 1954.

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Tania: Você já estava fazendo...?

APPARECIDA: Estava trabalhando como professora primária, assumia ser professora primária totalmente. Eu achei que ela estava me gozando, porque nem eu nem ela podiamos fazer nada naquela época; Normal não dava direito a nada. Só clássico ou cientifico, o Normal era

terminal.

Tania: Você tinha quantos anos quando acabou?

APPARECIDA: Tinha 16 para 17. 17 anos. Nessa altura, quando me formei até papai teve que me emancipar, porque menor não podia ser funcionária pública. Assim,. quando ela me convida para fazer o vestibular, eu pensei que teria que fazer científico. Eladiz: não, não. Pedagogia pode fazer. Mas eu lhe disse: eu quero psicologia. Você faz...

Tania: Você já estava com a psicologia em mente?

APPARECIDA: Sempre, porque no normal eu fui aluna da professora Iva Waisberg, que era maravilhosa...

Tania: Iva Waisberg, amiga da minha mãe.

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APPARECIDA: Que me encantava, como me encantava muito sua mãe também, a Professora Josefa Dauster. Mas eu gostava do que fazia, era uma professora alfabetizadora, recebo uma turma AE ‐ de alunos especiais. O aluno especial era o aluno com problema de aprendizagem, que não conseguia aprender Esse aluno AE, essa pessoa, eu comecei a ver com outros olhos. Então comecei a fazer por em prática o que tinha visto, porque a idéia de inclusão estava começando. Topei ter alunos cegos, estudei Braille para poder me comunicar com eles, nessa primeira instãncia. Minha entrada na faculdade foi com a ideia de que eu poderia fazer uma outra coisa. Bom, quando eu cheguei à faculdade, a faculdade não teve essa importância que podia ter para outras pessoas. Para mim o Normal foi que teve; os professores me marcaram. Com exceção (na Faculdade) do Carneiro Leão e do professor Lourenço Filho, que eram professores da atual UERJ,que na época era UEG.

Tania: porque na verdade a Escola Normal tinha um leque de professores bons!

APPARECIDA: Tinha, tinha. Quando eu penso na lista de professores...os de matemática...

Tania: Muito bons!

APPARECIDA: Para mim, aquilo já era uma universidade. Então, quando eu cheguei na faculdade, que era um prédio na rua Haddock Lobo, emprestado, sem nada, aquilo não tinha...

Tania: O prédio do Instituto tão nobre...

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APPARECIDA: Nobre, com piscina, com tudo. Porém, por que eu estou dizendo isso? Porque isso vai ser importante quando eu entro aqui na PUC. Quando entrei para faculdade, eu tive uma impressão péssima, achei uma coisa doida. Eu ia, eu fui colega do Niskier, tive vários colegas bons, mas cada um no seu curso, tudo partido.

Tania: Tinha vestibular?

APPARECIDA: Tinha vestibular, mas eu não fiz pré, nem nada. Fiz com conteúdo do Normal, fiz vestibular e passei bem. Também não dei muita bola...

Tania: Em que ano? Você lembra?

APPARECIDA: Entrei em 1954. 1954 para 1955. Fiquei 1955,1956,1957 e 1958. E me formo em pedagoga, (rindo) mas pedagogia na época era um curso com habilitações. Era pedagoga que podia ser orientadora educacional, podia ser administradora, tinha umas especializações. E eu preferi ser generalista, que não indefinido quando você terminava. Imagine que você saía com licença para lecionar matemática, filosofia e as matérias pedagógicas ; eu fiz questão de não aceitar lecionar matemática porque eu achava que o que eu aprendi em educação não dava para ser professora desse conteúdo do atual 5a a 8a, 6a a 9a. Fiz faculdade, continuei como professora primária, passo a ser Professora de Escola Normal, me caso e vou embora para os EUA. Acho que a separação desses dois mundos começa aí.

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Tania: E ai você foi para os Estados Unidos?

APPARECIDA: Fui. Eu me casei em 59, eu casei com um recém formado em medicina também professor, instrutor, uma categoria de professor iniciante. Ele era médico e trabalhava em

clinica médica na Santa Casa na Universidade do Brasil e teve um convite para fazer residência nos EUA. E a residência era assim: quem escolhia não era você, era seu orientador, seu chefe. Então escolheram para ele que ele deveria estudar hematologia. Porque era um campo muito defasado aqui. Nós fomos para Philadelphia. Fui para lá com licença sem vencimentos, mas com uma menina pequena, já tinha uma filha. Fui para Temple University, porque a Temple, agora não sei, mas até pouco tempo tinha vários campi, que na verdade eram vários prédios separados, em lugares diferentes, como era a UEG na minha época.

Tania: Ele foi para qual universidade?

APPARECIDA: Ele foi para um College. Porque o maior College de hematologia que existia era esse, Jefferson Medical College, tudo dentro de Philadelphia. Para o meu Estágio, eu me habilitei para psicologia. Aqui não existia psicologia, é bom que se diga, não havia, mas lá não precisava da graduação. Você precisava ter interesse e uma graduação que desse a base para a Especialização..

Tania: Mas você já tinha uma graduação, não tinha?

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APPARECIDA: Tinha, eu acabei em 1958.

Tania: Eles lá aceitaram você?

APPARECIDA: Tranquilamente. Eu fui para fazer um estágio de 2 anos. Eu fui diretamente para o que seria hoje a Secretaria Municipal de Educação de Philadelphia.

Tania: Você teve uma bolsa para ir?

APPARECIDA: Daqui a licença. De lá, não. Tive apenas gratuidade do curso. Não tinha bolsa remunerada, eu vivia com o salário de bolsista do Mamede que era médico residente.

Tania: E como era sua vida? Você estudava, era dona de casa, mãe, como foi essa adaptação?

APPARECIDA: (rindo) Nós precisamos entender essa mudança de paradigma. O modelo de dona de casa de 58 daqui e dos Estados Unidos. Quando eu chego em Philadelphia, primeiro, tinha sempre uma comida quase semi pronta, semi descascada, etc. Essa era a primeira questão. A segunda questão era, em contrapartida, que você não tinha ninguém para ajudar em nada. Inclusive me chocou muito quando eu cheguei, pois havia um programa da universidade, com pais americanos, famílias americana que adotavas estudantes, casais que quisessem manter relações com a vida na América. O casal, chamado por nós de pais americanos, , o Tom e a Mary, nos escolheram porque nós tínhamos uma filha e eles correspondiam à idade de papai e

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mamãe.Eles tinham um filho de vinte e poucos anos que era um monge trapista (ele seguiu Fulton Sheen, que era um grande pensador na época) e um filho de 11 anos. Eles estavam muito carentes do filho mais velho, que era a grande figura da

casa. Creio que nós viemos completar aquela idéia que eles tinham de serem avós. Porque o filho não ia casar e o outro era muito pequeno.

Ai foi ótimo, ótimo por um lado, terrível por outro. Por quê? . Estava assustadíssima, com uma filha, uma criança de 5 meses... E Mamede teve que ir a New York num congresso na semana em que cheguei. Pois o vovô Tom me diz no telefone assim: Are you afraid? (você está com medo?) Oh Yes (rindo) If somethig happens with you or Vicky, Don ́t call me. Don ́t call us: (Se acontecer algo, não nos telefone).Se você precisar de alguma coisa, disque o zero e diz “I need na ambulance or ...) entendeu”? Só depois igasse para eles. Eu pensei: Gente!A primeira frase que você diz no Brasil é: Se precisar de alguma coisa me chama, não é? . Quer dizer, é uma coisa muito pragmática, perfeita. Mas era o oposto do que eu aprendi na minha vida inteira de solidariedade. (rindo) E assim aconteceu. Eu tive um choque cultural muito grande. Uma outra questão, por exemplo, muito grande de racismo, apesar de na Philadelphia, não haver as dificuldades que o sul tinha. Também uma cidade problemática em relação ao credo porque Philadelphia tinha uma maioria católica, mas um católico estrito, como meus pais americanos eram, não se dá com uma pessoa presbiteriana. A minha vizinha me tratava muito bem. Ela dizia: Eu vi você entrando no ônibus da sua missa. Quando eu perguntei qual era a religião dela, ela me respondeu:Claro que sou católica! Quer dizer, jamais ela pensaria em falar com uma pessoa que não fosse do mesmo credo. E era uma vizinha minha!! Mas, por outro lado, o que a vida universitária da Temple me deu foi maravilhoso. Meu curso, eu ia para tudo quanto era, chamavam antigamente, distritos educacionais do Ensino Fundamental. Foi muito engraçado porque você fala sempre

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que as escolas americanas são maravilhosos. Foi quando meu supervisor me disse: Você vai conhecer a outra realidade daqui. Eu fui observar uma turma com 100 alunos com uma única professora, claro que no bairro porto‐riquenho. Mas era impressionante. Eu fui morar no campus da Universidade de Philadelphia, não no da Temple, nem no Jefferson Medical College. E foi quando eu comecei a perceber a vida universitária, a vida universitária que eu não viviaexatamente ali, mas que eu percebia quando andava pelas ruas...

Tania: Estava no contexto.

APPARECIDA: É, estava no contexto. Isso vai determinar o meu deslumbramento quando cheguei a PUC.

Tania: Então conta um pouquinho. Quanto tempo você ficou lá?

APPARECIDA: Eu não cheguei a 2 anos porque minha outra filha nasceu. Eu fiquei esperando bebê lá, mas fiz questão de vir para o Rio, para o Brasil.

Tania: Você estava com que idade nessa época?

APPARECIDA: (fazendo as contas) Vick nasceu quando eu tinha 22, estava com 24

Tania: Ai você...

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APPARECIDA: Voltamos com todos os problemas de desadaptação de quem retorna, mas uma coisa foi boa. Porque eu acho que a minha família praticamente aceitou a mudança muito benéfica, que era não tomar conta da gente, porque nós tínhamos morado no estrangeiro. Isso era uma espécie de guarda chuva que cabia tudo dentro. Por exemplo: Não podemos ir ao seu almoço... ‐ porque tinha quer ir todo domingo a casa dos pais. (rindo) “Tudo bem”, porque consideravam que moráramos no estrangeiro. Era uma boa desculpa. Quanto à parte profissional, eu vivi uma verdadeira maluquice. Porque quando eu voltei psicologia já era uma profissão regulamentada, eu entrei com meu pedido fora de tempo.

Tania: Isso foi em que ano?

APPARECIDA: Já 1963. A profissão é regulamentada em 1962. Eu chego nessa época.

Tania: Mas lá você fez...

APPARECIDA: Fellowship em Psicologia.

Tania: Só Psicologia.

APPARECIDA: O Master naquela época não era importante para quem fosse um profissional de ação, o fellow seria o bacharelado nosso.

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Tania: Então você migrou da Educação...

APPARECIDA: Na verdade, no Brasil eu trabalhava como professora primária e depois como Professora do Curso Normal. Quando eu vou para os Estados Unidos, eu conheço outro

contexto e vou trabalhar com duas áreas: o estudo e as pesquisas sobre os fenômenos psicológicos, na universidade e no Estágio, com problemas de aprendizagem, entendeu? Lá me foi possível o estudo da construção do conhecimento, eu tive grandes mestres, fui aluna de Arnold Gesel, é um dos papas da psicologia do desenvolvimento na época. Eu me interei de experiências universidade com macacos mostrando como se dá a filiação social e a vivenciei a grande mudança do Behaviorismo para Psicologia Social. Quando eu retorno, eu sou recebida na Secretaria de Educação com a seguinte frase:”Você não fez nada, ganhou uma licença...tem que voltar para sala! Acontece que o trabalho final da Especialização que eu estava fazendo em Phila , era a adaptação e validação do teste ABC do Lourenço Filho nos EUA. O interesse deles no teste era porque o teste ABC não precisa de um psicólogo para aplicar, a própria professora aprende a aplicar. Então,. isso tinha uma vantagem para o ponto de vista da Secretaria de Educação de Philadelphia. Eles ficaram encantados. Com o meu produto em mãos, quiseram validar essa minha experiência e o meu trabalho de validação. Assim, combinaram que um grupo viria ao Brasil, ficar no Brasil, ir às escolas para sentir qual era a importância dos achados do teste ABC. Comparar as duas realidades. Eu tinha a permissão irrestrita de Lourenço Filho para realizar o que preciso fosse para o Teste ABC E eu consegui por minha parfte todo o apoio de láem Phila. lá,quando eu chego aqui, fui umas quatro vezes na Secretaria de Educação do Rio na época para marcar a vinda deles . Na quarta vez, a secretária me diz : você pode dizer o que a quer ? Porque o Secretário não vai lhe atender não. Diante disso, achei melhor eu ir ter minha

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filha; procurei o professor Lourenço Filho para ver se ele poderia reverter a situação, mas ele disse: eu perdi um filho, estou muito triste estou muito abatido! (Ele havia perdido, um filho de uma forma trágica), Cancelei a vinda dos

americanos e a historia minha acabou ali. Contudo, em mim a vivência do modelo de uma universidade integrada,. Luto pelo reconhecimento de ser psicóloga e não consigo. Volto a ser professora alfabetizadora e sou transferida para o Carmela Dutra porque eu tinha habilitação para trabalhar em curso secundário.

Tania: Você foi professora de quê no Carmela Dutra ?

APPARECIDA: Professora de Didática. No caso, era de Prática de Ensino. Havia a Didática Geral as Didáticas Especiais e a Psicologia . Com a fundação da Escola Normal Julia Kubitschek, no centro da cidade, eu vim para ela. Nessa passagem do Carmela para lá, eu recebi um telefonema de um colega, que me disse que estava fazendo Mestrado em Educação aqui em Aconselhamento Psicopedagógico.

Tania: Não era Orientação Educacional?

APPARECIDA: Não, no Mestrado era Aconselhamento,.

Tania :Você esta falando do curso de especialização?

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APPARECIDA: Não, Mestrado em Educação que integrava várias linhas de pesquisa.

Tania: Em que ano foi isso ?

APPARECIDA: 1967, eu me habilitei para o ano de 1968 .

Tania: Você já era professora do Carmela?

APPARECIDA: Já era do Júlia, Acontece o seguinte: eu venho para cá, é muito interessante, quem me entrevistou foi o Carmelo.

Tania: Pois é.

APPARECIDA: Foi a primeira pessoa que eu encontrei aqui na Educação Eu me perdi no campus, claro, porque para mim era um universo enorme . Tive que ir à portaria que é até hoje onde é, e perguntei: onde era. O Carmelo me atendeu em uma salinha no quinto andar, com a mesa dele e Ada secretaria; era tudo em um lugar sono quinto andar do Leme. Imagina eu ser entrevistada pelo professor Carmelo , diretor de tudo! E o padre Benko me entrevistou depois que eu passei pelo professor Carmelo. Na verdade, quem me admitiu foi o Carmelo e a equipe, principalmente a Eloisa Lopes Franco. Naquela época era só entrevista; e fui admitida. Vera Candau estava no exterior... Uma que era pensada como “messias” aqui, era Teresa Penna Firme , que sempre estava para vir, mas não chegava. Depois, eu descobri que ela estava em São Salvador e fizemos uma parceria muito grande. Eu vim por causa do Aconselhamento porque eu tinha visto o

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Aconselhamento Psicopedagógico de Carl Rogers lá nos EUA, uma mistura de psicologia com psicanálise, um “negocio” meio estranho, mas que eu gostei. E que me aproximava da Psicologia e conservava meu lugar na Educação. Mas, é bom que se saiba que eu paguei o curso de Mestrado, é bom que fique claro, porque naquela época não havia bolsa, você tinha que pagar. Na minha turma

só houve duas bolsas, uma delas foi a Waleska que recebeu.

Tania: Mas você fez o mestrado na mesma época que...

APPARECIDA: Ana Waleska e Maria Luiza. Eu era mais velha, entenda, eu estava “atrasada”, elas tinham acabado a graduação e tinham sido incentivadas a fazer o mestrado , Maria LuizaTeixeira foi minha colega em Aconselhamento..

Tania: Você entrou para fazer o mestrado em que ano?

APPARECIDA: 1968, e eu fiz os 24 créditos em 1 ano, o que e foi a maior maluquice, mas consegui.

Tania: Mas por quê? (35:06)

APPARECIDA: Porque eu tinha 3 filhas, não tinha babá, ninguém. Eu consegui uma licença prêmio que dava para ter 9 meses, então eu tinha praticamente 1 ano de licença e só.. Eu saía de manhã com tudo na bolsa .

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Tania: E as filhas?

APPARECIDA: Havia um esquema. Meu marido vinha na hora do almoço, dava almoço, elas eram no primário público, tinham o piano, estavam com a estrutura montada. Aliás, não lhe disse que eu tive uma formação de piano, que eu gostei muito.

Tania: Onde você se formou em piano?

APPARECIDA: No Conservatório Brasileiro de Música.. Mas isso é de outra ordem.

FITA 2

APPARECIDA: Bem, eu relatei isso tudo porque existe uma regra de correspondência do que eu vivi, na questão da universidade da UERG, na Tijuca, diferente da Universidade do Brasil de meu marido, que era a faculdade de medicina. Depois, veio o meu deslumbramento na Universidade da Pensilvânia, que era viver num campus completo. Então, quando eu chego aqui na PUC, eu me deslumbrei não só pela beleza porque o campus é muito bonito mesmo, mas porque você tinha essa possibilidade de conviver com todo mundo. Após os 24 créditos havia a questão da tese. A tese era um bicho papão, ninguém sabia fazer, como construir, embora houvesse turmas anteriores porque eu não sou do mestrado mais antigo da PUC. Ou seja: havia colegas que não tinham ainda defendido, porque não havia prazo estrito. Quando eu entrei, na mesma hora apareceu o prazo de 3 anos. Outra questão

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interessante, coisa que, parece, só acontece comigo. No meio do ano, eu sou chamada pelo Carmelo,dizendo‐me que eu estava no lugar errado, que eu deveria fazer o mestrado em Psicologia. Eu disse: “Olha, professor Camelo, vou dizer uma coisa, eu não vou

agora no meio do ano porque eu não vou poder levar essas matérias para lá, eu agora acabo a Educação; eu sou formada em Pedagogia.” Acabei em 69 e, recebi o convite para dar aula aqui.

Tania: Como foi isso?

APPARECIDA: Eu não sei dizer como que foi isso, eu acho até que foi o padre Benko...

Tania: Quem te convidou?

APPARECIDA: Deve ter sido Eloisa Lopes Franco, porque ela formou uma equipe de Aconselhamento. Maria Luiza já era mais antiga na PUC que eu. A Maria Luiza logo que se formo um entrou como professora. Eu, não. Em 69 eu entrei como professora horista, como todas nós éramos e acabei o Mestrado em Educação fazendo aquilo que era a tese. Não havia paradigma, modelo, não havia nada, eu fiquei quase doida. Fui orientada pela Célia Lucia Monteiro de Castro. Eu e um monte de colegas fomos orientados por ela. Grande mestra! Foi aí que eu aprendi a pesquisar. Eu tinha muita insegurança em pesquisa, porque de repente, tive que aprender tipos de estatística: paramétrica, não paramétrica.Eu gostei muito das aulas dela e no ano de 70 eu fui convidada para ir trabalhar na sua equipe no Instituto Oswaldo Cruz, onde ela dirigia uma pesquisa de campo enorme sobre a identidade do profissional de saúde.

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Tania: Que ano foi esse?

APPARECIDA: 70 , o estudo era sobre todos profissionais de saúde, menos os da psicologia. Daí eu perguntei a Célia Lúcia se eu poderia fazer a tese sobre a identidade dos psicólogos com o desenho da que ela estava fazendo, ela disse que sim. Já professora da PUC, eu fiz um projeto, . Pela vantagem dos contatos nos estados ( pela Celia Lúcia), fiz em nível de Brasil. Em 1970, eu defendi a tese. Em 69 eu havia completado os créditos da Psicologia eram quase 24, Já que havia tido a possibilidade de fazer mestrado de Psicologia.Eu fiz os 2 mestrados , só que tinha que defender as 2 teses. Eu quis, inclusive,,fazer uma tese híbrida, mas eles não deixaram. Por isso, eu fiz uma tese (como era chamada) de mestrado em Educação, sobre como era a Estrutura do Ensino Superior do Curso de Psicologia no Brasil. Nunca imaginei que seria tão difícil, porque havia uma” briga palaciana” entre psiquiatras que não queriam permitir o exercício dos psicólogos. Em 19 71 eu a defendi, e em 1972 defendi a de Psicologia. Em 1971, era Diretora do Departamento.

Tania: Quem foi sua orientadora na psicologia?

APPARECIDA: O Doutor Carlos Paes de Barros que eu também conheci de uma forma muito interessante. Você conheceu um livreiro que ficava no segundo andar? Foi do seu tempo? Aquele senhor que ficava, era o Lecy , eu encontrava com ele e sempre comprava ou via os livros. Um belo dia, eu estou com o professor Aroldo Rodrigues que já me conhecia, tinha sido meu professor, o diretor da Psicologia, e comento perto do Lecy:”Prof Aroldo, eu queria muito fazer a disciplina do Dr. Carlos Paes de Barros, mas me disseram que eu teria que fazer

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uma entrevista, uma prova com ele. Será que o senhor pode me encaminhar a ele?”, “Sim, mas você quer fazer...?” Neste momento, o livreiro Lecy disse: “Ela vai passar.” “ Mas que cara mais metido , ela vai passar por cima do professor?”, pensei eu” Aí, depois de conversar um pouco,

eu disse: “Bom professor, então o senhor me apresenta. “ Respondeu ele: Você nã o conhece, pois não? Muito bem, esse é o Carlos Paes de Barros.” Logo, não era o Lecy!! Eu tinha errado; na verdade, era a mesma figura de terno azul marinho, gravata que era obrigatória naquela época . Eu acho esse momento muito importante na minha carreira, porque é a partir desse momento quase mágico que eu entro na Psicanálise. Fui ser aluna dele na graduação, fiz as disciplinas dele na Pós, Estudo Individual, Orientação da tese de mestrado e, partir daí, passei a ter 2 mundos outra vez: a Educação onde eu ficava contratada e lecionava e a Psicologia. onde eu era chamada a substituir Dr. Carlos e onde também orientei teses...

Tania: Você foi professora na Educação e na Psicologia?

APPARECIDA: Sim. Isso só acabou, quando a PUC ficou muito mal de dinheiro. Foi resolvido assim: cada departamento cuidava do seu ninho, então você não podia ter dois ninhos.

Tania: Apparecida, você atravessou um momento de muita perturbação política, como que isso afetou a sua trajetória? Afetou ou não afetou?

APPARECIDA: Eu acho que afetou muito e eu me senti muito atuante. Primeiro, porque já em 64 foi aquela confusão que nós

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sabemos. Nós tínhamos um estigma, porque tínhamos morado nos EUA, então, do ponto de vista da revolução que parecia vir do lado esquerdista, nós seríamos do grupo dos gorilas. Já foi difícil, foi complicado, mas atravessei bem. Quando eu vim para cá, a PUC era ao mesmo tempo muito respeitada e também muito ciosa

das suas coisas. Por exemplo, todos os lugares tinham fechado os diretórios, aqui eles permaneciam, e havia aquele espaço Kennedy, o espaço da liberdade onde se podia falar. Deveriam escrever a história dos jesuítas nessa época, porque na verdade eu não vejo nada escrito das coisas que eu vivi aqui. Você está dando aula e, de repente, entra um senhor, assiste sua aula e você não deveria perguntar quem era , por exemplo. Eu peguei todos esse reitores famosos pelas suas posições políticas: Padre Veloso, Padre Mc Dowel, Padre Laercio. Como diretora de departamento, tinha um compromisso com a PUC: quando algum aluno do seu departamento era preso ‐ e nós tivemos vários alunos que foram presos, a maioria era mulher ‐ o padre reitor levava de carro você com ele para interceptar a ida dessa pessoa antes que ela entrasse no Forte de Ijuí. (10:30)

Tania: É importante esta história envolvendo a questão política.

APPARECIDA: É um forte em Niterói cuja entrada era só por mar, só havia entrada para os militares. A ideia era essa. O padre Veloso, que foi um grande padre que eu peguei como reitor quando estava na Direção, ligava de noite para você para lhe buscar. Aliás, nesse ponto, papai prestou um grande serviço aos jesuítas, porque papai era perito criminal, trabalhava no Setor de Inteligência, com polícias internacionais. Ele, mais ou menos, sabia dos trajetos que seriam feitos e isso ajudava padre Veloso a interceptar, e realizar negociação com o tenente, com oficial que tinha prendido; não era com a pessoa em si.

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Esse período foi um período muito forte. Lembro‐me de uma invasão que houve na PUC nessa época de chumbo, do Medici uma invasão militar na PUC . Eu e padre Djalma, aluno também do Mestrado em Educação, ficamos atrás, ali perto dos pilotis,, atrás de um coqueiro e os

soldados entrando com baionetas caladas. O caso tinha sido o seguinte: o professor de Física Pierre Luci, aliás, muito famoso,, desceu, no auge da invasão, para saber o que estava acontecendo, já que houve um grande barulho porque eles dinamitaram o portão de entrada da PUC ( aquele que já era um portão só de pedestres, porque o acesso livre era pela Rua Madre Jacinta, na esquina onde tem o Teresiano). Os soldados chegaram e dinamitaram o portão de ornamento sem necessidade, claro, e o Pierre Luci desceu de paletó branco e... foi preso! O grande Pierre Luci foi preso e chegou a ir para o quartel militar, aqui perto. Lá ele apenas disse: “olha eu preciso voltar porque as minhas experiências estão fervendo, vai haver uma explosão”. (rindo) Foi um período em que tivemos que nos unir muito.

Tania: Você foi diretora de que época até que época ?

APPARECIDA: 71 e 72. Depois veio a Vera. Esse período dos anos 70 foi uma coisa fantástica, os alunos não podiam reclamar de nada do governo porque estava tudo censurado. Daí, que resolveram fazer uma grande manifestação contra o reitor (rsrs) , porque estavam revindicando algo para o bandejão. Eu fui chamada para dialogar com eles e você via claramente que havia um deslocamento por parte dos alunos. Na verdade, estava todo mundo danado com a situação (política). Sabe, mas eu achava que os reitores sabiam lidar com isso. Outro fato: um dia eu recebi um comunicado, como diretora, que a partir de uma data, às 23h da noite, eu tinha que notificar quem estava na PUC. Isto porque, para melhorar a segurança do prédio, haveria

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vigias com cães do tipo pastor alemão. Bem, como eu sou faladeira, fui falar com o padre reitor. “Reitor, isso é um absurdo porque não podem desligar os computadores e o pessoal de informática passa a noite toda na PUC ,” O padre Veloso me respondeu; tenho meus motivos. Um dia, passando nos pilotis, ele me chamou: “Vou lhe contar, mas eu estou

lhe contando aqui no meio do campus, nós estamos fazendo isso para facilitar a fuga. Ou seja, algumas pessoas, inclusive alunos, eram escondidas aqui dentro e a fuga se dava por ali. (mostra a mata vista pela janela) e eles passavam para o Leblon porque a mata essa aqui vai dar no Leblon fugiam pelo Leblon e pela avenida Niemeyer”. Eu passei a achar ótimo haver os cães de guarda, não para atacar porque os cães ficavam soltos, eles iam andando, eles eram fiscais dessa mata , sobre comando do vigia. Bem pensado, não??

Tania: E os alunos?

APPARECIDA: Não, não eles iam com ele. Houve mil e uma coisas interessantíssimas que aconteceram, todas elas meio difíceis, meio complicadas. Uma reação agressiva de um professor da Psicologia que era um americanófilo, no momento que houve a ruptura, houve a revolução que não se sabia de que lado estava vindo. Ele imaginava que era uma revolução de esquerda e, eu me lembro, foi para o então SPA ( Serviço de Psicologia Aplicada) pegar o seu revólver para se defender de uma possível prisão. Coisas assim engraçadas, quase bizarras. Foi também um período complicado da minha direção, porque foi um período que houve um corte de orçamento e eu me recordo que nesse corte eu resolvi ser fiel aos meus princípios sociais. Eu tinha que resolver o corte no coletivo e a maioria dos diretores não fez isso, fez o seguinte: se fechava com seus secretários e decidia.

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Tania: Tinha que cortar alguns professores?

APPARECIDA: Tinha que cortar. Eu achei que era melhor colocar o problema para o coletivo, para o colegiado e a solução sair do grupo. Na época, a solução que saiu do nosso colegiado era de desprendimento , que dizer, se todos nós aceitássemos a não aumentar a carga e alguns até, como a Yara, se propuseram a perder horas em favor do coletiv. Por exemplo, eu era 20 horas não aceitei o aumento pela situação do cargo . Com isso, pudemos preservar a maioria dos professores.Mas, isso provocou descontentamento e muitas críticas em alguns professores.

Tania: Quais eram os professores?

APPARECIDA: Os que tomaram a decisão no colegiado foram muitos. Na época, eu me lembro muito da, Eulina , Yara, Maria Luiza Teixeira, Osmar Fávero, Maria de Lourdes Fávero, o professor que foi orientador da Waleska, o Carmelo, entre outros.

Tania: Você comandava essa turma ?

APPARECIDA: Eu “comandava” essa turma e mais uns outros. (risos)

Tania: Qual era sua disciplina ?

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APPARECIDA: Minha disciplina na Pós era Aconselhamento e Fundamentos de Educação. Mais adiante, nós criamos, na graduação, a Orientação Educacional; eu dava Psicologia da Educação l e ll, fazendo troca com a Maria Luiza, ,Orientação Vocacional; Psicologia do Desenvolvimento

e Personalidade na Psicologia. Na verdade, não existia na Educação o professor de tempo integral, com tempo para fazer pesquisa. Isso não existia no CTCH. No CTC, sempre houve, porque eles recebiam por outra fonte, então eram dois salários.

Tania: E professor com carga horária de 40 horas ?

APPARECIDA: Não existia , existia 36 até pouco tempo e eram muito poucos os que tinham.

Tania: Você era 36 ?

APPARECIDA: Eu era 20 horas, eu era 12 passei a 20, ia passar a 24, quando eu abri mão das minhas 4 horas para ver se o grupo se mantinha solidário, o que recebeu uma crítica grande na época por alguns como eu já disse, mas concordei com o grupo nessa maneira que achavam sés a mais democrática de resolver.

Tania: E o lugar da pesquisa nessa época?

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APPARECIDA: A pesquisa era um diferencial na PUC. Quando eu cheguei aqui, eu percebi que todos alunos de graduação já davam Pesquisa em Educação com padre Benko.Eu, por exemplo, fazia uma diferença enorme da Waleska e da Maria Luiza, porque eu não tinha dado pesquisa nenhuma na universidade. Então, quando eu cheguei aqui fiquei quase excluída; na

verdade, eu pensei inclusive em desistir porque eu achava que havia uma grande defasagem entre mim e os colegas. Mas eunão desisti. Enfrentei e fui trabalhar como pesquisadora com a Célia Lucia. O lugar da pesquisa era muito importante, sempre foi, como também aqui sempre houve muita ênfase nos pressupostos filosóficos que baseavam a pesquisa, a questão dos pressupostos epistemológicos. Isso era muito forte aqui e o Carmelo era um dos grandes defensores .

Tania: E a organização dos seus cursos, como que você fazia? Livros, textos como que os de hoje em dia...

APPARECIDA: É bom lembrar que não havia nem xerox. Minhas dissertações de Mestrado foram digitada 3 vezes para dar à banca... havia apenas a impressão por mimeógrafo de textos com carbono.. Bom, diante disso, eu acho que a biblioteca era a de suprema importância. Quanto às minhas aulas, elas eram fieis às minhas ideias; logo, a minha organização de cursos era sempre de com a ótica gestáltica de ver o fenômeno: ou seja, considerar que o todo é mais que a soma das, não a soma das partes. Esta ideia – a do behaviorismo –era muito forte no Departamento, como a instrução programada, os objetivos instrucionais da Didática... muito forte aqui, até a época do que coincide com o lançamento daquele livro da Vera A Didática em Questão”. Até aquele momento, o Behaviorismo era adotado com bastante ortodoxia. Nesta sala em que estamos, era o laboratório áudio visual, em que havia inclusive máquinas de ensinar, que eram

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máquinas nas quais você botava o rolinho e ia estudando. Porque eu já vim dos Estados Unidos já conhecendo o computador da época, já que na Temple, a gente já trabalhava com computador, com a linguagem específica dos informatas, o precursor do DOS (Sistema Operacional em Discos ).Eu já trabalhava com o cartão perfurado tipo Hollerith que trabalha com um código binário. Quando eu cheguei aqui fiquei encantada com essa metodologia e até propus dar Psicologia no curso da Vera, porque eu me doutorei em Psicologia em 1976.

Tania: Onde ?

APPARECIDA: Aqui na Psicologia da PUC. O doutoramento daquela época era a Livre Docência antiga que foi extinta em 1977.

Tania: Mas quem foi seu orientador ?

APPARECIDA: Não havia orientador, era você que caminhava sozinho e olhe lá. Havia prova escrita (num sorteio entre 10 pontos); prova de aula; exame e avaliação de currículo l e, finalmente, a defesa de sua tese. Era como se fosse o exame para catedrático. Apesar desse doutoramento, não pude trabalhar com a Vera, porque ela considerava que eu não tinha uma posição behaviorista, o que era verdade. Anos depois, houve um encontro, que eu considero o maior encontro da Educação daqui do nosso departamento. Foi o seminário e o lançamento da “Didática em Questão”, na qual Vera Candau abandonava aquela posição na didática ....

Tania: E você continuou dando aula aqui?

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APPARECIDA: Sempre aqui. Eu orientava mestrado enquanto não havia doutorado... Surgiu aqui um doutorado em Psicologia Educacional, Psicologia da Educação, que era uma iniciativa dos Departamentos de Educação e de Psicologia. Mas acabou logo; ele não agradou a nenhum

dos dois departamentos e se perdeu. Demoramos um tempo a termos doutorado. Sempre orientei muito, o número de teses que eu tenho ou dissertações que eu tenho que contar não pode ser só daqui, tem que ser lá da Psicologia também, porque eu era atuante nos dois., Esse é um aspecto que eu acho interessante.

Tania: Mas você fez uma carreira lá?

APPARECIDA: Eu não era nem de um lado, nem do outro, o que é um problema porque, na verdade, você acaba que, se você não tiver cuidado, você fica partida. Aqui não era reconhecida como verdadeiramente da Educação e, na Psicologia, eu não tinha o famoso CRP porque eu me doutorei em Psicologia, mas não fizera o curso regular de Psicologia. Aliás, como eu estava fora na época da regulamentação, não entrei com processo em tempo. Entrei com um processo no MEC que foi chamado de intempestivo que não se solucionava, porque nunca era analisado. Um dia uma conselheira do Conselho Federal de Educação me disse “Olha Apparecida, não tente conseguir por lá, porque eles perderam seu processo na passagem do Rio de Janeiro para Brasília e não vão dizer nunca . Então eu resolvi entrar no curso de Psicologia por Concurso de Títulos, uma coisa que estava me violentando porque era um concurso desigual para com os outros concorrentes. Você imagina uma pessoa Mestre em Psicologia, com Livre Docência em Psicologia, pedir para ser aluna da graduação. Claro que eu entrei e fui aluna de mim mesma 2 vezes!! Fui aluna em

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Personalidade II e fui aluna em Psicanálise! Era tão bizarra a situação que o Aroldo (na época diretor) colocou meu nome só como aluna da turma. Eu me formei na turma que eu era paraninfa!!! O decano da época, me deu de manhã a colação de grau para, de noite, eu ser a paraninfa do curso, do qual eu era aluna. Um “negócio” muito interessante! Por isso que eu lhe disse, eu tenho essa dualidade que apareceu muito cedo na minha vida.

Tania: que te constituiu...

APPARECIDA: Que me constituiu. Eu acho que tenho isso muito forte no contexto social, de ser uma pessoa que ora é vista em um lugar, ora é vista para um lado, ora é vista para outro...

Tania: E quais foram os autores que te marcaram nessa época? Pessoas também.

APPARECIDA: Na faculdade, as personalidades de Lourenço Filho e de Anísio Teixeira que eu conheci através de Lourenço Filho e que ainda era vivo; de Carneiro Leão, de todos professores nossos da faculdade, foram eles que me deram a condição de um conhecimento que caminhava contra tudo e contra todos. Um pouco semelhante à situação que eu percebia quando minha mãe foi minha professora por dois anos. Mamãe trabalhava na escola em que eu estudava, ela era respeitada porque seu ensinar dava certo, mas todo mundo achava que era um pouco estranha essa situação. Mas foi no Instituto de Educação, sim, que eu tive a minha fundamentação. Lá tinha muita gente boa, sua mãe, a Professora Josefa, era uma delas! Com ela, passei a estudar todos aqueles livros filosóficos que ela indicava porque eu achava a sua mãe uma criatura fantástica. Outra pessoa que eu achava muito

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interessante era o professor de história, Professor Ariosto Pinheiro. Ele tinha uma coleção de livros chamada de “Viagem através do Brasil”muito conhecida na época. Era um homem muito feio, com óculos, mas o que eu achava bonito nele, maravilhoso, era que ele tinha uma maneira de ensinar gestáltica,vendo o fato como um todo

emais contextualizadaBem, na faculdade de Pedagogia foram aqui citados. Depois, na PUC, eu gostava da Eloisa Lopes Franco, por causa dessa concepção de aconselhamento psicoledagógico mais dentro da Educação.

Tania: Era uma linha de pesquisa?

APPARECIDA: Era uma linha de pesquisa, a dissertação de Maria Luisa foi de acordo com essa linha. A minha já não foi, porque eu era meio rebelde e queria ir além, do pensamento rogeriano. Eu sempre apreciei também muito aquele professor e filósofo Durmeval Trigueiro. O Durmeval, na época da ditadura militar, foi totalmente banido de todas as faculdades e empregos que tinha, mas aqui os padres jesuítas não demitiram. Uma pessoa também muito importante na minha vida, como exemplo muito fantástico, foi o professor de latim, de grego, aquele...

Tania: Junito?

APPARECIDA: Junito Brandão! No Instituto, ele era professor de Latim e se tornou um especilista em Mitologia Grega, adorado pelos alunos da PUC. Por razões de estudo meu em Psicanálise, eu o consultava muito. Tivemos muitas conversas. E, claro,há o Dr. Carlos

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Paes Barros que foi a pessoa que mais definiu o meu modo de ser pesquisadora, de irá profundidade dos temas, de dar aula, de ser uma estudiosa crítica de Freud . Ele era um grande mestre, ele era o meu mestre, de uma didática, de uma forma de transmitir!! No dia que eu o confundi com o livreiro e ele me disse ‐ vá no escuro ‐, eu fui totalmente e depois me tornei inclusive colaboradora dele lá na Psicologia. Ele já era professor associado, eu era

professora assistente. Há também um momento muito interessante que marca um pouco a visão prospectiva da Vera Candau que me tocou. Ela interfere e muda a minha vida duas vezes, não sei se ela lembra disso : uma vez, foi me perguntando se eu estava afim de sair de uma programação horista para tempo continuo. Eu achei aquilo maravilhoso dar aula, ter espaço para pesquisa, eu me encantei, aceitei e devo isso a ela. Outra vez, quando chegou para mim dizendo, “o que você está esperando para fazer doutorado?” Eu falei: Vera, eu já fui convidada para ir para a Universidade Católica de Louvain, para voltar para Temple, mas o que eu faço com marido e 3 filhos? Ao que ela me respondeu: “Não senhora, você vai fazer o exame de livre docência que é como o doutorado”. Então foi ela, de certa forma, que me abriu, me mostrou. Também foi ela que produziu uma divisão de águas no Departamento que eu acho que foi o evento mais bonito.

Tania: Conta um pouco sobre isso...

APPARECIDA: No ano que ela lançou o livro, ela fez o seminário “A didática em questão”. Havia a perspectiva de que haveria uma briga de titãs porque Zaia tinha uma maneira de pensar que você conhece e Vera, na época, era completamente diferente de hoje . Contudo, de repente a Vera lança a importância do cultural, o culturalismo. Abandona, por assim dizer, o Behaviorismo.. Quando chega no dia

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seguinte do Seminário, Zaia vem e discute a necessidade de você ter algumas amarras, pensar em outras classes sociais além da E ! Pensa que estamos vivendo em 82, foi uma polêmica na qual houve mudança de papéis. Foi um simpósio que foi muito marcante para mim.

Tania: Quais eram as pessoas envolvidas de um lado e do outro, você lembra ?

APPARECIDA: Eram os alunos da Vera e eram os alunos da Zaia. Na verdade, digamos era uma briga acadêmica que não me dizia muito respeito porque eu era de outra área. Mas achei isso interessantíssimo, esse debate histórico entre dois grupos de pensamento.

Tania: Apparecida, de que outro movimento histórico você participou e tem na memória?

APPARECIDA: Eu acho muito importante aquele movimento de professores. A famosa “Associação dos Professores” (ADPUC). A Waleska teve lá por muito tempo em posição de destaque; havia professores do CTC, do CCS, eu acho que foi uma experiência muito grande nessa abertura.

Tania: Que acabou?

APPARECIDA: Que acabou. É interessante que isso merecia ser estudado porque quando uma pessoa alcança o que quer, seja aumento salarial ou a esperada igualdade enrte CTCH e CCS com o CTC, porque o CTC não tinha mais o apoio da FINEP, o que acontece?

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Silêncio do movimento, porque o motivo real das discussões deixaram de existir. Para mim, nós precisávamos criar essa cultura de cidadania, não é que você tenha que ser sempre contra, você deve ser a favor se é algo respeitável; uma política que não seja apenas porque meu bloco está sendo ...

Tania: PragmáticO?

APPARECIDA: Não. Penalizado.

FITA 3

APPARECIDA: A Waleska dizia que esse rio aqui separava o CTC do CCS edo CTCH, mas não era verdade porque o CTC era aqui, mas havia essa divisão sim e os churrascos que o reitor oferecia a todos os Professores no dia do Mestre minimizavam um pouco essa disparidade. Mas, era uma comunidade docente muito pequena. Depois que eu virei professor de 24 horas, a PUC passou a ser praticamente uma outra casa casa para mim; eu chegava de manhã e ficava até de noite, às vezes. À proporção que as filhas foram crescendo, foram se independentizando... era minha casa aqui também. Eu já fazia pesquisa desde de 70, a minha primeira pesquisa patrocinada pelo CNPQ foi sobre a Escola Normal Juscelino Kubitschek, foi sobre a mudança de alunos das épocas antigas para modernas. Mas, foi aqui que eu cresci como pesquisadora.

Tania: Quais foram outros momentos marcantes da PUC para você, da sua vivência?

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APPARECIDA: Foi um período dos anos de chumbo e essa resistência ativa. Devo confessar a você que eu fui professora da UERJ e da Santa Úrsula, mas aqui a postura era muito forte.

Eu era da Santa Úrsula quando eu entrei para PUC. Na verdade, eu entrei na Santa Úrsula em 1963 e depois eu levei esses anos para entrar aqui . Com a UERJ, se deu uma coisa muito interessante. Eu era pesquisadora do CAP (Colégio de Aplicação ), por isso que eu digo que desde cedo eu já pesquisava. O CAP da UERJ é diferente do CAP da Federal. No CAP da UERJ você é professora da universidade, lotado no CAP e na Federal há dois corpos docentes. Então na UERJ me pediram para me transferir para o mestrado e eu aceitei. Foi quando eu pude comparar exatamente as duas universidades. Na UERJ você não tinha uma mesa, uma cadeira, nada era seu e foi assim que eu comecei a gostar de andar com a minha sacola, minha bolsinha, era muito engraçado . Eu e a Sonia.

Tania: Você sempre está com uma bolsa (rindo).

APPARECIDA: Mas isso vem daí porque você não tinha um lugar lá para botar um livro... Coisas que eu tinha da UERJ, eu resolvia aqui na PUC, porque aqui dentro tinha mesa ...

Tania: Mas agora você tem.

Tania: Então fala um pouco do espaço físico...

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APPARECIDA: Eu iria falar exatamente isso, eu acho que o espaço físico da PUC como campus é maravilhoso, primeiro porque ele permite essa troca para quem quer a troca. Lógico, quem não quer, vai morrer sem conhecer o lado de lá do rio da PUC. Mas quem quer, são projetos integrados, entre departamentos, eu transitei por uma quantidade enorme deles.

E considero outra questão. Por exemplo, na universidade portuguesa que eu fui professor Visitante em Lisboa e a universidade de Milão, quando chega 5:30 da tarde, fecham as portas e põem o cadeado. Então nas férias, acabou ; você (professores e alunos) não tem acesso a nada que está lá dentro. É isso que eu achava e acho fantástico aqui, pois quantas vezes eu saí daqui às 23:30h ou 23:45h. Noite alta, a PUC tinha (e tem) vida, tinha movimento, tinha gente. Você encontrava um ou outro, Carmelo sempre foi, como chamávamos, “vagalume” . Também para mim, eu acho que foi uma coisa muito interessante, essa possibilidade de conseguir participação acadêmica , inclusive eu nunca recebi um não, quando eu pedia ajuda de Letras, Psicologia, Comunicação , porque meus projetos às vezes eram (e são) projetos interdisciplinares.

Tania: Com que departamentos?

APPARECIDA: Psicologia, Comunicação, Serviço Social desde o início e Matemática. Eu criei o NOAP (Núcleo de Orientação e Atendimento Psicopedagógico). A criação do NOAP não foi em princípio muito aceita pela Educação, porque era uma época em que essas iniciativas eram consideradas “laboratórios” de treinamento, uma época em que a educação estava pensando nos grandes grupos sociais. Assim,quando eu criei o NOAP, pensou‐se que seria um laboratório

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de problemas de aprendizagem. Mas não era nada disso. Eu achava que tínhamos que entender o fracasso escolar num micro cosmos para depois chegarmos às escolas. Eu comecei com a Maria Luiza Teixeira, eu dirigi o NOAP durante 10 anos Ele foi criado em 1982, vai fazer 30 anos agora. Eu fiquei até 92, como diretora. Partimos da criança com problema de aprendizagem adotando as ideias de Emília Ferreiro, uma grande piagetiana. Eu trouxe a Emilia Ferreiro para ver pessoalmente a questão do letramento, da alfabetização; depoisfiz parceria com Teresinha Machado, uma figura importantíssima nesse detalhe. Teresinha Machado entrou no NOAP e, juntas, começamos a sair do estudo da criança ou grupos isolados, para o estudo da escola. A Matemática levou o trabalho do NOAP para congressos no Canadá, na Hungria, na França em Educação Matemática. Quando eu deixei o NOAP, nós já tínhamos quase 40 escolas integradas a nós. Depois, com Teresinha, aumentou o número, houve todo um movimento de estudar as formas de inclusão e parece que hoje o NOAP ampliou mais. Nós queríamos, ao invés de trazer a criança com problemas para o NOAP, ensinar a escola ou ajudar a escola a ver diferente essa criança, mudar sua ótica. Eu acho que, inclusive, isso se deu porque eu pertencia a todo movimento da Psicopedagogia, que começara da clínica para a institucional. O NOAP sempre teve essa proposta, e às vezes acho que o departamento não percebe que é um trabalho fantástico. Agora, eu tive a sorte de o NOAP não ficar preso na Educação, porque a portaria que criou o NOAP , o fazia ligado diretamente à reitoria, então ele existia independente . Mas, realmente, foi um período que o pessoal o via como um o laboratório meio behaviorista, de treinamento, o que não era.

Tania: E, além disso, você tem consultório ?

APPARECIDA: Eu tive, mas agora não tenho mais. Eu preferi sair do consultório a sair da PUC, no sentido de continuar uma atividade

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acadêmica aqui. Quando eu terminei a Psicologia, em 80, eu propus à Maria Luiza ficarmos juntas na clínica, com atividades de orientação vocacional . Não sei se você sabe, mas o NOAP foi criado primeiramente para servir para dentro da universidade, para ajudar os professores a verem que problemas havia em uma reprovação excessiva do CTC, como Álgebra Linear, Matemática I.

Tania: Quer dizer que não era só para as crianças e adolescentes?

APPARECIDA: Era inicialmente para o estudante da universidade , e nós tínhamos vontade que os professores entendessem que muito dessas reprovações era forjada pelo próprio meio. Eu trabalhei com Bevilaqua, que junto com a Stella Segenreich deu força para a criação do NOAP. Foi aí que eu conheci o Departamento de Matemática; foi exatamente no NOAP que o pessoal da matemática ficou perplexo com a constatação. Começamos então com Pitombeira e Gilda.a desenvolver um trabalho com essas disciplinas que foi até 1995. Considero que esse trabalho era um trabalho muito interessante, como era o da licenciatura. A licenciatura permitiu uma visibilidade da Educação em todos os outros departamentos . Foi positivo a gente lutar para que a licenciatura não fosse 3 mais 1, ou 4 mais 1, pois achávamos que uma licenciatura era um trabalho maior. Agora, há quatro anos, os departamentos quiseram lançar sozinhos a licenciatura em Química, História, Geografia e Física, etc.

Tania: Um espaço que se perdeu...

APPARECIDA: Se perdeu. Eles constituíram uma licenciatura própria. Eu fui chamada para dar a disciplina Psicologia da Educação na licenciatura de História pela CCEAD. Havia quase 1000 alunos. Mas

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veja que eu fui convidada individualmente por eles. Aconteceu a mesma coisa com a Educação a Distância que foi um legado da Marilut, outro elemento fantástico aqui dentro, maravilhoso. Vale a pena você assistir uma palestra que eu pedi que ela fizesse; está guardada no acervo da CCEAD. Posso gravar para você, toda filmada, sobre a origem da

Educação a Distancia na PUC, como ela começa como a CEAD e como surgiu a Coordenação Central da Educação a Distância (CCEAD).

Tania: Outra coisa que eu acho muito marcante em você, além de todas essas que você já comentou, é a sua competência na tecnologia eletrônica digital.

APPARECIDA: Talvez a origem tenha saído do tempo quando eu cheguei nos EUA... Papai trabalhou na introdução das máquinas Hollerith no serviço publico...,

Tania: O pagamento era...

APPARECIDA: Assim, Vinha com aquela ficha perfurada. ... Também você pegava um questionário escrito e transformava no código das máquinas Holleriths. É tão antigo, Tania, que no Brasil , em pesquisa de grandes grupos, sabe como você separava feminino de masculino? Isso eu estou falando de Conselho de Medicina dos anos 70, trabalhando com a Célia Lucia. Pegava‐se uma vareta de metal enfiava no buraquinho que era o masculino, os que não caíssem, , eram, masculino, ou vice versa. Imagine, em 1970 era assim! Como

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mudamos! Quando surgiu propriamente o computador pessoal eu logo me encantei. Um fato: acho que a minha idade não permitia que meu genro ( Fernando ) entendesse que eu iria gostar tanto disso. Quando lhe pedi uma dica para comprar um computador, deu a indicação de um

horrível, com écran âmbar!!

Tania: Porque você tem uma competência nessa área, sabe tudo.

APPARECIDA: Não, não sei. Mas, o gozado é que eu perguntei a ele porque sugerira comprar um computador tão horrível, ele me disse: Olha Apparecida, eu vou confessar, eu não imaginei nunca que você e o Mamede iriam se interessar por isso. Na verdade, eu sempre gostei do novo, eu nunca me acomodei, esse negocio de ficar fazendo a mesma coisa todo dia para mim não dá.

Tania: Pelo que eu te vejo, qualquer coisa que aconteça na sua vida você ultrapassa, vai em frente e é uma força...

APPARECIDA: É isso a história da minha vida, porque você não passa impunemente, por exemplo, o fato de você ser vista como a menina doente, a que não pode! Havia uma frase que sempre mortificou a minha a vida quando criança: quando convidavam papai ou mamãe para alguma coisa, eles sempre diziam “se a Apparecida acordar bem“. Eu era a responsável. Claro, geralmente eu não passava bem, eu tinha asma .

Tania: Mas hoje em dia você tem asma ?

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APPARECIDA:Nem sempre, mas eu tive sequela da asma, eu tive embolia pulmonar, depois da cirurgia cardíaca.

Tania: Eu sei que você vai tendo e nada te pega!

APPARECIDA: Você conheceu um médico chamado Doutor Pontual, não se lembra dele no Instituto de Educação?

Tania: Não.

APPARECIDA: Quando entrei no Instituto, havia o exame médico de entrada e precisava mostrar que eu não tinha asma para ser aprovada. Depois conversando com ele, ele era cardiologista, quando eu falei da minha asma, que minha asma era um inferno, que todo mundo se metia nela, isso com 12 anos, (a gente entrava com essa idade para o Instituto, 11 anos para 12 ) ele me disse: A partir de agora a asma é sua! Ele me mandava todo dia de manhã, (a aula era 7:20 ou 7:30), chegar antes, ir para piscina e nadar. Depois eu me vestia e ia para aula. Com isso, aprendi a ninguém regular a minha asma. Por isso é que acho que fiquei assim. Por exemplo, o movimento que houve aqui de 78 a quase 80, esse período todo, eu aprendi muito com os jesuítas porque ele caminham muito silenciosamente, você aparentemente não sabe o que está acontecendo, mas está acontecendo tudo. Na época, a gente via isso como uma não democracia porque pensava‐se que sempre precisava ter que botar as cartas na mesa , porém quando veio esse padre no segundo mandado dele...

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Tania: Qual ?

APPARECIDA: O Padre Veloso e também o Padre Laércio. Já faleceram. Na época ( da ditadura) eu compreendi, eu senti que não era hora de abrir claramente a oposição, como na UERJ ou na

Santa Úrsula que abriam o peito dos alunos e eram metralhados. Você tinha que agir por baixo...na resistência permanente.

Tania: Essa segunda fase foi quando ?

APPARECIDA: Do Veloso, foi quando eu era aluna e depois ele deixou. Em 72 entrou aquele que era nosso colega daqui de Educação

Tania: Viveiros de Castro.

APPARECIDA: Viveiros de Castro não foi bem, infelizmente, como Reitor! Então, voltou o Veloso que botou ordem na casa. A mesma coisa aconteceu, deu um trabalho muito grande à ADPUC (Associação de Docentes da PUC ) quando nós conseguimos que até os vices‐ reitores fossem eleitos, porque na verdade os diretores de departamento, nada disso era . Você mandava uma lista tríplice e eles escolhiam. Mas conseguimos num processo democrático.

Tania: Apparecida, para finalizar, o que você está fazendo hoje ?

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APPARECIDA: Você sabe que a CCEAD foi fundada a partir da ideia de Marilu, a ideia era criar EAD, Educação a Distancia do Departamento, com sede no departamento. Como nós deixamos isso, perdemos isso, e realmente considero que era melhor haver um coisa central , fizemos a CEAD (Coordenação de Educação a Distância), não da educação mas pela via da educação.

Infelizmente, como ela foi muito ignorada, o Padre Hortal considerou que ia fazer essa coordenação, a despeito da educação e criou a Coordenação Central de Educação a Distância que, na verdade, o seu embrião foi no Departamento. Eu fiquei na equipe com um Professor que, se não me engano, foi quem criou o CCE, mas não deu muito certo porque tínhamos horários diferentes ( eu de dia e ele após 17 horas). Quando o Prof. Paulo Fernando foi para a Coordenação Geral da CCEAD, fiquei como coordenadora pedagógica até a saída de Paulo Fernando. Hoje a Coordenação Geral está com a Gilda. Eu deixei a CCEAD quando me jubilei. . E nessas 5 horas que eu tenho agora como professora emérita , eu tenho feito duas coisas: Pesquisa, continuo como pesquisadora do CNPQ (até pensei não eles não concediam a aposentados) . Sou e continuo sendo. Essas parcerias internacionais foram muito importantes para PUC e para mim em particular. Eu continuo com as pesquisas e continuei em alguns projetos do departamento, mas parcialmente. Esse, por exemplo, para outra graduação em Pedagogia ( Gestão de Mídias), o mérito é da Rosália.. E agora o Design me pediu para orientar dois alunos em...

Tania: Estudo individual.

APPARECIDA: Isso. Uma delas é Roberta Portas que já é professora do Design e um rapaz que é aluno de doutorado. Estou também dando consultoria num projeto muito interessante de Design. Eu continuo um

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pouco com o que gosto de fazer, só que em outro universo. Continuei a pesquisar, a orientar, a dar consultoria. É isso.

Tania: Muito obrigada Apparecida.

FOTOS CEDIDAS POR MARIA APPARECIDA

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Acervo do Núcleo de Memória da PUC-Rio – sem dataVera Candau à direita

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Acervo do Núcleo de Memória da PUC-Rio – sem data

Seminário do Departamento de EducaçãoNicia Bessa primeira à esquerda

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Acervo do Núcleo de Memória da PUC-Rio – sem data