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ESPECÍFICA DE HISTÓRIA E ATUALIDADES – JEOVÁ AMÉRICA LATINA MÉXICO Maximiliano do México - Um fantoche francês Para rivalizar com os EUA, a França implantou uma monarquia no México em 1863. Foi um papelão histórico! O imperador importado, porém, amou o país que não conseguiu governar e no qual foi fuzilado por Yves Bruley Fernando Maximiliano José, mais tarde chamado de Maximiliano de Habsburgo (1832-1867), nasceu príncipe, na Áustria, e morreu mais nobre do que nunca, no papel de imperador do México. O sangue azul, porém, além de lhe abreviar a vida, foi um item a mais a colocar sua passagem pela política mais próxima do ridículo do que da glória. De fato, governar o México do século XIX não era tarefa para amadores. E Maximiliano, arrastado da Europa para a América, como inocente útil numa intrincada rede de interesses, teve a oportunidade de descobrir isso no seu curto reinado, que durou de 1864 a 1867. Por ora, basta saber que ele foi convencido a entrar nessa empreitada pelo imperador francês Napoleão III. Mas é importante conhecer antes o tamanho da armadilha em que o nobre austríaco caiu. Tempos antes, logo que ficou independente da Espanha, o México já havia tido outro imperador, o desventurado Agustín de Iturbide, que reinou por apenas oito meses, de julho de 1822 a março de 1823. Daí em diante, foi instaurada uma República, na qual o país só conheceu instabilidades. Foram 36 presidentes, em pouco mais de 40 anos, e 50 mudanças de governo. Junto com a desorganização política vieram a social e a econômica. Por causa dessa conjuntura, em que as tentativas de desenvolvimento e de um mínimo de unidade nacional não prosperavam, o México perdeu, nesses anos, a metade do seu território para os Estados Unidos, mais especificamente o Texas, o BIBLIOTECA DO CONGRESSO, WASHINGTON, DC O nobre austríaco em 1864, já dono do trono mexicano: inepto ou apenas ingênuo, pagou caro pelo delírio europeu de conquistar o quintal americano

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ESPECÍFICA DE HISTÓRIA E ATUALIDADES – JEOVÁ

AMÉRICA LATINA

MÉXICO

Maximiliano do México - Um fantoche francês Para rivalizar com os EUA, a França implantou uma monarquia no México em 1863. Foi um papelão histórico! O imperador importado, porém, amou o país que não conseguiu governar e no qual foi fuzilado por Yves Bruley Fernando Maximiliano José, mais tarde chamado de Maximiliano de Habsburgo (1832-1867), nasceu príncipe, na Áustria, e morreu mais nobre do que nunca, no papel de imperador do México. O sangue azul, porém, além de lhe abreviar a vida, foi um item a mais a colocar sua passagem pela política mais próxima do ridículo do que da glória. De fato, governar o México do século XIX não era tarefa para amadores. E Maximiliano, arrastado da Europa para a América, como inocente útil numa intrincada rede de interesses, teve a oportunidade de descobrir isso no seu curto reinado, que durou de 1864 a 1867. Por ora, basta saber que ele foi convencido a entrar nessa empreitada pelo imperador francês Napoleão III. Mas é importante conhecer antes o tamanho da armadilha em que o nobre austríaco caiu.

Tempos antes, logo que ficou independente da Espanha, o México já havia tido outro imperador, o desventurado Agustín de Iturbide, que reinou por apenas oito meses, de julho de 1822 a março de 1823. Daí em diante, foi instaurada uma República, na qual o país só conheceu instabilidades. Foram 36 presidentes, em pouco mais de 40 anos, e 50 mudanças de governo. Junto com a desorganização política vieram a social e a econômica. Por causa dessa conjuntura, em que as tentativas de desenvolvimento e de um mínimo de unidade nacional não prosperavam, o México perdeu, nesses anos, a metade do seu território para os Estados Unidos, mais especificamente o Texas, o

BIBLIOTECA DO CONGRESSO, WASHINGTON, DC

O nobre austríaco em 1864, já dono do trono mexicano: inepto ou apenas ingênuo, pagou caro pelo delírio europeu de conquistar o quintal americano

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Arizona, o Novo México e a Califórnia. Suas riquezas minerais eram, além disso, cobiçadas por muitos países

As lutas políticas locais opunham os conservadores, apoiados pela Igreja e por proprietários de terra, aos ditos “liberais” ou “radicais”, reunidos em torno de um partido anticlerical e favorável ao confisco dos inúmeros bens da Igreja. O último dos presidentes do período foi o radical Benito Juárez, que encontrou o país endividado por obra do antecessor e suspendeu todo e qualquer pagamento para as potências européias. Não bastasse, subiu o tom do discurso político, com ameaças a estrangeiros.Vítimas do calote de Juárez, França e Inglaterra romperam relações diplomáticas com o México. A Espanha, que tinha grandes interesses financeiros na sua ex-colônia, aliouse aos dois países contra o presidente radical. Em 9 de janeiro de 1962, as frotas aliadas desembarcaram em Vera Cruz e ocuparam a cidade, sem enfrentar grande resistência. Essa operação recebeu o nome de Expedição do México.Foi nesse período de transe político que viajantes e missionários europeus passaram a acalentar o sonho de um México regenerado pela França. Não por acaso, eles ofereciam essa teoria para os membros do partido conservador, apeados do poder por Juárez, e para os negociantes. Por alguma razão, idêntica tese chegou à então otimista realeza francesa: sabe-se lá como, Paris começou a achar que os mexicanos estavam fartos de sua República e ávidos por uma monarquia à moda européia. Ao mesmo tempo, um projeto era arquitetado no palácio imperial francês, alimentado também por notícias sobre a existência de generosas minas de prata no noroeste mexicano. O imperador da França, Napoleão III, andava às voltas com uma importante escassez de dinheiro. O suposto filão de prata talvez fosse capaz de equilibrar sua base monetária.

A execução do imperador Maximiliano, óleo sobre tela, Edouard Manet, 1867-1868, Stadtische

Kunsthalle, Mannheim, Alemanha

Opção pela morte: derrotado, ele teve duas chances de abdicar e fugir do país, mas preferiu o fuzilamento

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O monarca, por certo, teve ainda uma visão econômica de mais longo alcance. Dinheiro seria ótimo, mas criar uma zona de influência francesa no centro das Américas poderia ser ainda melhor, garantindo esse mercado para os manufaturados franceses e, do ponto de vista político, a contenção da crescente influência dos Estados Unidos na região.Tais idéias têm a assinatura de outro personagem histórico, o assessor econômico do rei, Michel Chevalier. Para ele, cumpria à França assumir a liderança de um grupo de países latinos – Itália, Espanha e México – para rivalizar economicamente com países de origem anglo-saxã. É difícil imaginar, hoje, o quanto o México fascinava a Europa em meados do século XIX. Naqueles anos de otimismo e audácia inusitados, os intelectuais já estudavam os maias e os astecas, sua escrita misteriosa e seus monumentos enigmáticos.Assim surgiu no império francês o projeto de criação de uma grande monarquia católica no México, tão poderosa quanto a República protestante dos Estados Unidos. Deixado livre, o projeto virou sonho, e o sonho se perdeu no exagero.

Os franceses passaram a imaginar um tipo de efeito dominó: depois do México, haveria um modelo a ser seguido por quase todas as ex-colônias tornadas repúblicas nas Américas. Desse modo, seria possível “civilizar e monarquizar” aqueles Estados, conforme a expressão da imperatriz Eugênia, que já via na região lugar para instalar tronos para a numerosa nobreza européia e seu excesso de príncipes.

Mergulhados na Guerra da Secessão, os Estados Unidos estavam debilitados para impor

Retrato de Napoleão III, óleo sobre tela, 1862, Hippolyte Flandrin,

Palácio de Versalhes, França

Reino da fantasia: Napoleão III impõe uma monarquia católica na América

Batalha de Miahuatlán, óleo sobre tela, Francisco de Paula Mendoza, 1906, Museu Nacional de História,

México

Enfrentamento final: derrubada do império e restauração da república no México

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a chamada Doutrina Monroe – que pregava a oposição a intervenções européias no continente americano. Italianos e ingleses, por sua vez, já haviam deixado o México depois da tomada de Vera Cruz. “Livremo-nos da triste questão mexicana” era uma espécie de bordão dos aliados, que previam problemas com os nativos e com a França.Por desinformação ou paixão pelo próprio projeto, Napoleão III achou por bem propor à Áustria que o arquiduque Maximiliano, irmão do imperador do país, fosse levado ao trono no México. O que se seguiu foi a ocupação do México pela França, numa luta que de saída registrou mil baixas no exército invasor.

SÓ ERROS Os franceses descobriram que o México tinha um exército e um povo que, ao contrário da conversa palaciana de Paris, não estava à espera de um salvador nem se levantaria contra um dos seus. Para salvar a honra nacional francesa, porém, era preciso ficar na ex-colônia, ir até o fim. A chegada de reforços possibilitou o difícil avanço europeu até a tomada da Cidade do México, em junho de 1863.

Foi proclamada a monarquia, e Maximiliano ganhou a coroa imperial do México. O arquiduque hesitou. Queria subordinar sua aceitação a condições de aprovação popular e garantias européias. Tinha razão, mas a vitória lá estava; a coroa, a seu dispor; o trono, à sua espera. Um ano depois, no dia 12 de junho de 1864, Maximiliano I instalou-se na capital com a esposa, a imperatriz Carlota. Em pouco tempo começaram os problemas, encadearam-se os erros, acumularam-se os fracassos. Em paga pelo seu esforço militar, a França exigia os direitos sobre as famosas minas de Sonora, no noroeste do país. Maximiliano recusou. A Igreja reclamava a devolução das terras confiscadas por Juárez. Maximiliano não quis. O partido conservador reivindicava participação no poder. Maximiliano negou. Na tentativa de conciliar tantos diferentes lados, o imperador foi perdendo apoio sem que ninguém

BIBLIOTECA DO CONGRESSO, WASHINGTON, DC

Benito Juárez: deposto, vira guerrilheiro, vence Maximiliano e volta à presidência com a ajuda dos EUA

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aderisse à sua causa.Por sua vez, o presidente deposto, Benito Juárez, seguia vivo e em liberdade. Seus partidários controlavam boa parte do México e, apesar de alguns sucessos, o exército francês estava acossado pela guerrilha que ia ganhando terreno. Em 1865, ficou claro que era impossível ganhar aquela guerra.

O golpe de misericórdia sobre a monarquia veio dos Estados Unidos. Desembaraçado da Guerra de Secessão, o governo americano se recusou a reconhecer o imperador Maximiliano e exigiu a retirada das tropas francesas. A alternativa seria a guerra.

Napoleão III calculou o prejuízo de uma guerra e, em fevereiro de 1866, escreveu: “Minhas intenções assim se resumem: evacuar o mais depressa possível, mas fazer tudo que estiver ao nosso alcance para que a obra que fundamos não desmorone no dia seguinte ao da nossa partida”.

Com Maximiliano rifado interna e externamente, Juárez avançou e não tardou a chegar à capital mexicana. Desprezando os conselhos de Napoleão III, Maximiliano recusou-se a abdicar. Em 15 de maio de 1866 foi preso na cidade de Querétaro. Os guerrilheiros lhe propuseram a fuga, que ele chegou a aceitar, mas mudou de idéia – dizem que amava o país. Condenado à morte, foi executado no dia 19 de junho de 1867. Suas últimas palavras teriam sido: “Viva o México!”

CRONOLOGIA 1810Começa a luta contra os espanhóis pela independência do México

1821O México conquista a independência da Espanha

1822É criado o primeiro império mexicano

1824È proclamada a República, seguida de 40 anos de grande instabilidade

1845O país entra em guerra com os EUA pela posse do Texas

1848Os EUA anexam Texas, Califórnia, Arizona e Novo México a seu território por meio do Tratado de Guadalupe

1864Com a restauração da monarquia, Maximiliano se torna o 2º imperador mexicano

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1867Maximiliano é fuzilado pelas forças que restauraram a República

A “INVENÇÃO” DA AMÉRICA LATINA Em meados do século XIX, as antigas colônias portuguesas e espanholas eram alvo de cobiça da Grã-Bretanha, Estados Unidos e França. Cada um desses países queria colocar as jovens repúblicas sob sua esfera de influência.

Foi nesse contexto que o imperador francês Napoleão III criou a idéia do “pan-latinismo”. Como as novas nações eram todas tributárias de povos latinos, os franceses poderiam lutar ao lado de seus irmãos americanos para enfrentar a influência dos anglo-saxões, ou seja: ingleses e americanos.

Essa idéia difundiu-se entre franceses e francófilos dos dois lados do Atlântico. Tudo indica que o primeiro a utilizar a expressão “América Latina” tenha sido o político e intelectual chileno Francisco Bilbao, em uma conferência proferida em Paris em 1856. No mesmo ano, o escritor e diplomata colombiano José Maria Torres Caicedo voltou a utilizá-la em um poema intitulado “Las dos Américas”.

A formulação caiu como uma luva para os interesses europeus, e em 1961, o intelectual francês L. M. Tisserand publicou um texto na revista Revue des races latines, no qual usava o termo para se referir aos países surgidos das antigas colônias ibéricas. A ação das tropas francesas no México foi uma primeira tentativa de implementar na prática esse bloco “latino-americano” sob a liderança da França. O fracasso da empreitada, no entanto, não impediu que a denominação “América Latina” fosse apropriada pelos próprios povos do continente para afirmar sua autonomia em relação aos Estados Unidos.

BRUNO FIUZA é editor-assistente de História Viva

ESPECÍFICA DE HISTÓRIA E ATUALIDADESJEOVÁ CANHETE

Terra, justiça e liberdade no México Conheça o processo que há 100 anos fez eclodir a primeira revolução social do século XX por Carlos Alberto Sampaio Barbosa Em 1910, o México vivia sob uma ditadura de mais de 30 anos e tentava se adaptar a um surto capitalista que em poucas décadas transformara profundamente o país. No poder desde 1876, o general Porfírio Díaz havia

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aberto a economia aos interesses internacionais em um processo que favoreceu os grandes latifundiários e prejudicou a maior parte da população mexicana.

Em nome do progresso, o ditador havia feito do México uma terra de oportunidades para investidores estrangeiros, principalmente americanos e britânicos, que passaram a explorar os recursos naturais do país por meio de empresas de mineração, de grandes fazendas e de uma nascente indústria petrolífera. Bancos e ferrovias se espalharam pelo território nacional e uma parte da elite local celebrou a entrada do México no clube dos países modernos. A esmagadora maioria da população, no entanto, não ficou muito feliz com a política econômica de Díaz. Em todo o país, o descontentamento era grande entre indígenas e camponeses expulsos de suas terras pela expansão da agricultura e da pecuária comerciais. No Norte, cidades surgidas praticamente do nada em torno das empresas mineradoras concentravam uma massa de operários nada satisfeitos com os baixos salários e com o fato de as companhias reservarem os melhores empregos a estrangeiros. Como se não bastasse, até as elites provinciais estavam contrariadas com a perda de poder acarretada pela chegada das multinacionais, que passaram a controlar setores econômicos antes monopolizados por elas. A situação era insustentável. Algo precisava mudar. E a mudança veio: no dia 20 de novembro de 1910 eclodia a primeira revolução social do século XX.

O estopim do movimento foi a indignação popular diante do anúncio de que Porfírio Díaz iria se candidatar à sua oitava reeleição. A luta contra o continuísmo político aglutinou diversos setores da sociedade, desde as elites até as camadas populares, e foi encabeçada por um fazendeiro do norte do país, Francisco Madero, natural do estado de Coahuila. Antes mesmo das eleições, porém, Madero foi preso e as eleições ocorreram normalmente. Díaz se reelegeu com facilidade, em um processo marcado, como de costume, por fortes indícios de fraude.

Após o pleito, Madero foi posto em prisão domiciliar e fugiu para os Estados Unidos, onde lançou um manifesto, o Plano de San Luis Potosí, convocando os mexicanos a se sublevar contra a ditadura porfirista no dia 20 de novembro às 18 horas. Em todo o México, grupos descontentes com o governo atenderam ao chamado, principalmente entre as camadas populares. Pequenos núcleos de guerrilheiros pipocaram em vários pontos do país e logo se organizaram em torno de dois centros geográficos. Um, no Centro-Sul, era formado pelas forças camponesas do estado de Morelos

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lideradas por Emiliano Zapata e tinha como principal objetivo fazer uma reforma agrária radical para recuperar as terras perdidas para os grandes fazendeiros. Outro, no Norte, era formado pelas tropas de chefes políticos locais como Pascual Orozco, Venustiano Carranza e Álvaro Obregón. Esses líderes eram originários, em sua maioria, da classe média ou das antigas elites provinciais, mas havia uma exceção: Francisco “Pancho” Villa, um ex-bandoleiro que com a revolução transformou-se em um dos lideres mais importantes do movimento, à frente da chamada Divisão do Norte.

Nessa primeira fase, a única bandeira que unia o emaranhado de forças políticas e sociais articuladas em torno do chamado de Madero era a luta contra Porfírio Díaz. E a mobilização funcionou: depois de cinco meses de conflito, o ditador finalmente renunciou, em maio de 1911, encerrando um longo período da história mexicana.

A escolha de Madero

Após a primeira vitória, as contradições internas do movimento começaram a aparecer. Em novembro de 1911, Francisco Madero foi eleito presidente e seu governo escancarou o embate entre interesses antagônicos no interior da aliança revolucionária: permitiu a livre organização dos trabalhadores, mas foi hostil ao movimento operário e tratou de tentar controlá-lo e regulamentá-lo. Acabou com a censura à imprensa e em geral foi um governo de respeito às liberdades democráticas, mas fechado às transformações sociais.

Com suas posições ambíguas, Madero passou a enfrentar uma violenta oposição, tanto à esquerda quanto à direita. Em Morelos, onde os camponeses haviam realizado a reforma agrária, Zapata e seus homens não depuseram as armas. Decididos a obrigar o novo governo a cumprir seus compromissos sociais, lançaram, em novembro de 1911, um manifesto político, o Plano de Ayala. Enquanto isso, do outro lado do espectro político, os órfãos do porfirismo – Exército, Igreja e setores conservadores – articulavam tentativas de golpe com o apoio dos Estados Unidos.

A primeira, em outubro de 1912, foi comandada por Félix Díaz, sobrinho de Porfírio Díaz, mas acabou debelada e seu líder foi preso. A segunda foi deflagrada pelo

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general Manuel Mondragón em 9 de fevereiro de 1913, em plena capital. Os conspiradores queriam tomar o Palácio Nacional, mas foram obrigados a recuar e se entrincheiraram em um local conhecido como Ciudadela. O governo de Madero, então, designou o general Victoriano Huerta para comandar as tropas federais encarregadas de sufocar a rebelião militar. O que o presidente não imaginava é que Huerta faria um acordo secreto com os rebelados, com a intermediação do embaixador americano, e voltaria para destituí-lo e assassiná-lo. Em fevereiro de 1913, Huerta proclamou-se chefe da nação e deu início a seu governo contra-revolucionário.

Os constitucionalistas

Com o fim do governo de Madero desapareceu o último verniz de legitimidade do sistema e a revolução entrou em uma nova etapa. Em Morelos, Zapata e seus homens se organizaram no Exército Libertador do Sul e declararam guerra ao governo central. No Norte, o governador do estado de Coahuila, Venustiano Carranza, declarou não reconhecer a legitimidade da nova administração e, em 26 de março de 1913, lançou seu Plano de Guadalupe, por meio do qual convocou a nação a derrubar o “governo usurpador” da Cidade do México. O chamado de Carranza foi atendido por dois grupos do Norte: um formado pelos líderes políticos do estado de Sonora – Álvaro Obregón, Adolfo de la Huerta, Plutarco Elias Calles e Salvador Alvarado – e outro composto pelos guerrilheiros dos estados de Chihuahua e Durango liderados por Francisco Villa. Em 18 de abril de 1913, essas várias forças do Norte selaram uma aliança militar por meio do Pacto de Monclova, que deu origem ao chamado Exército Constitucionalista, pois seus integrantes diziam defender o retorno à Constituição de 1857.

Esse exército era formado pela Divisão do Norte, comandada por Francisco Villa; pelo Exército do Nordeste, liderado por Álvaro Obregón; e pelo Exército do Noroeste, capitaneado por Pablo González, um aliado de Venustiano Carranza. Por trás da cooperação militar, no entanto, as forças constitucionalistas eram marcadas por importantes contradições internas: enquanto Carranza e os políticos de Sonora eram membros da elite ou da classe média (antigos latifundiários, comerciantes, rancheiros ou pequenos e médios agricultores), Francisco Villa era um autêntico líder popular. Como se não bastasse, Carranza e seus aliados de Sonora viam o exército do sul,

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comandado por Zapata, com extremo preconceito. Consideravam os zapatistas uma força de tradição colonial, católica e indígena, “com o cheiro do México velho”, enquanto eles mesmos se apresentavam como os representantes do progresso, do Norte laico, empreendedor, branco e rancheiro.No entanto, mesmo com tantas contradições políticas e sociais, a ofensiva conjunta lançada pelas forças do Norte e do Sul contra o Exército Federal de Victoriano Huerta foi um sucesso militar. Entre 1913 e 1914, os constitucionalistas avançaram em direção à capital conquistando importantes cidades no Norte, como Monterrey, Tampico e Torreón, enquanto os zapatistas atacaram o estado de Guerrero, no Sul. Os revolucionários ainda contaram com uma ajuda inesperada. Em março de 1913, Woodrow Wilson assumiu a presidência dos Estados Unidos e mudou a política de seu país em relação ao México. Os americanos retiraram o apoio ao governo de Victoriano Huerta e ocuparam o porto de Veracruz em 21 de abril de 1914. Isolado, o presidente renunciou em julho. Em agosto, as tropas do Exército Federal se renderam a Álvaro Obregón e foram dissolvidas. Venustiano Carranza assumiu como presidente provisório e o Exército Constitucionalista se tornou a guarda oficial do novo governo.

A vez dos camponeses

Vencido o inimigo comum, as profundas divergências no interior da aliança revolucionária vieram à tona. Carranza e Obregón defendiam, basicamente, um retorno à Constituição de 1857, sem grandes inovações na área social. Já Zapata e Villa (que rompera com seus antigos aliados do Norte) reivindicavam a adoção do projeto social contido no Plano de Ayala, que propunha a devolução aos #pueblos# das terras expropriadas pelas grandes fazendas de açúcar durante o governo de Porfírio Díaz.Para tentar estabelecer um ordenamento jurídico para o país, os líderes revolucionários se reuniram em uma convenção realizada na cidade de Aguascalientes entre 10 de outubro e 10 de novembro de 1914. A convenção adotou os principais artigos do Plano de Ayala, destituiu Carranza do posto de chefe do Poder Executivo e designou para o cargo de presidente interino Eulálio Gutierrez, chefe revolucionário de San Luis Potosí. Derrotado, Carranza não reconheceu a autoridade jurídica da convenção e retirou-se para Veracruz. Álvaro Obregón e seus delegados o acompanharam e também abandonaram a assembleia.A vitória política da aliança entre villistas e zapatistas em novembro de 1914 permitiu a tomada do poder pelas classes populares, e foi celebrada pela entrada triunfal das tropas da Divisão do Norte e do Exército Libertador do Sul na Cidade do México em 6 de dezembro daquele ano. O

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governo camponês procurou reorganizar o Estado mexicano por meio de novas leis em áreas como relações exteriores, comunicação, agricultura, fazenda e justiça, além de remodelar o Exército, criar uma ampla rede de educação pública e fundar um banco para o crédito rural. Tais iniciativas desmentem a ideia de que os camponeses não tinham capacidade de organizar um governo central.

No entanto, a fugaz república camponesa e popular não se sustentou por muito tempo. No final de janeiro de 1915, Carranza e Obregón lançaram uma contra-ofensiva e as tropas constitucionalistas retomaram a capital. Em troca de pequenas concessões aos trabalhadores urbanos, como a criação da Casa do Operário Mundial, Carranza e Obregón formaram batalhões vermelhos para apoiar seus exércitos particulares na perseguição a zapatistas e villistas, dando início a uma Guerra Civil que se estenderia por um ano e meio.

A nova elite

Em meados de 1916, os exércitos camponeses estavam extremamente debilitados e os constitucionalistas já haviam reconquistado grande parte do território nacional. Separados geograficamente, villistas e zapatistas nunca mais voltariam a se reunir, e recuaram para Chihuahua e Morelos, respectivamente, onde ainda permaneceriam ativos por algum tempo. O domínio do México, no entanto, agora estava nas mãos de Carranza e Obregón. Em 19 de setembro de 1916, Venustiano Carranza, novamente à frente do Poder Executivo, convocou um Congresso Constituinte para transformar em lei o novo ordenamento de poder nascido da Revolução. A assembleia contou com a participação de aproximadamente 200 deputados divididos em uma ala liberal, ou jacobina, e outra conservadora. Os jacobinos, liderados por Álvaro Obregón, defendiam uma maior intervenção na economia e em reformas sociais. Os conservadores, que se aproximavam de Carranza e eram originários de Coahuila e do centro do país, defendiam poucas mudanças em relação à Constituição de 1857, não acreditavam em reformas sociais e propunham um Estado com pouca capacidade de intervenção na esfera econômica e social.

No final, prevaleceram as propostas da ala jacobina. A nova Constituição foi aprovada em janeiro de 1917, e se tornou uma das mais avançadas do mundo na época. O texto expressava, mesmo que indiretamente, as aspirações das camadas populares mexicanas derrotadas no campo de batalha. A ala mais radical da burguesia mexicana sabia que devia incorporar as demandas dos movimentos sociais para pacificar o país.Uma vez aprovada a nova Constituição, foram convocadas eleições, nas quais Venustiano Carranza foi eleito presidente. O novo mandatário tomou posse em maio de 1917 para exercer um mandato até 1920, inaugurando o primeiro governo constitucional do México em quase uma década. No entanto, em vez de colocar em prática as medidas progressistas previstas pela nova Constituição, Carranza fez um governo profundamente conservador. Devolveu terras expropriadas aos seus antigos donos, reprimiu os movimentos sindicais e enviou leis ao Congresso que propunham a revisão dos artigos mais avançados do texto constitucional. Além disso, para acabar de vez com os últimos focos de resistência ao seu poder, Carranza organizou a liquidação de antigos adversários. Em abril de 1919, seus homens assassinaram Emiliano Zapata em uma emboscada

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e a ala mais moderada dos zapatistas, encabeçada por Gildardo Magaña, assinou a rendição. Alguns meses depois, Villa assinou um acordo para depor as armas e se retirou para uma fazenda em Durango.

O último combate

Conforme se aproximavam as eleições de 1920, porém, Carranza viu surgir um novo inimigo: descontente com o conservadorismo do antigo aliado, Álvaro Obregón havia rompido com o governo no final de 1917 e em junho de 1919 lançou sua candidatura à presidência, apoiado por socialistas, sindicalistas e até por alguns líderes zapatistas remanescentes.Venustiano Carranza tentou, então, barrar os projetos do ex-apoiador e, em 1920, decretou uma intervenção militar no estado de Sonora, berço político de Obregón. As autoridades locais se rebelaram e deram início à Revolução Constitucionalista Liberal, que terminou com a vitória dos exércitos de Sonora sobre as forças do governo. Carranza e seus seguidores mais próximos tentaram fugir a cavalo, mas foram aprisionados e mortos. A vitória de Álvaro Obregón e de seus aliados marcou o fim do último levante de uma facção regional e representou o fim do período de conflito armado da Revolução. A chegada ao poder do último grande líder constitucionalista também deu início à chamada Dinastia de Sonora, já que o México seria governado, durante os 14 anos seguintes, por herdeiros de Obregón, o caudilho que conseguiu aglutinar os fios políticos e sociais que o carrancismo havia deixado escapar e conciliou o constitucionalismo jacobino com as aspirações de camponeses, operários e generais revolucionários. Depois de dez anos de conflitos, um novo país começava a ser construído a partir dos escombros da Revolução.

O muralismo A Revolução Mexicana produziu um novo estilo de pintura, o Muralismo, nascido logo depois que as armas se calaram, na década de 1920. Artistas como Diego Rivera, José Clemente

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Orozco e David Alfaro Siqueiros pintaram diversas cenas da revolução e da história do México nas paredes de edifícios públicos, no intuito de educar as “massas” analfabetas. Na obra ao lado, um grupo de soldados zapatistas é retratado no mural Do porfirismo à revolução.

Zapata e o Exército Libertador do Sul Emiliano Zapata nasceu no pequeno pueblo de Anenecuilco, no estado de Morelos, e logo se destacou por sua inteligência e habilidade como domador de cavalos. Mestiço, era uma figura típica do ambiente rural, onde conquistou o respeito dos indígenas e camponeses que sofreram com as expropriações do tempo de Porfírio Díaz. Quando eclodiu a Revolução, em 1910, ele soube catalisar a insatisfação generalizada dos pequenos agricultores que haviam perdido suas terras e os reuniu em um grupo guerrilheiro que mais tarde seria batizado de Exército Libertador do Sul. A princípio, os zapatistas se assemelhavam aos movimentos camponeses tradicionais: lutavam para recuperar a terra perdida, inspirados por uma tradição que remetia aos tempos pré-hispânicos, quando o solo não era visto como bem individual, mas sim como patrimônio coletivo de toda a comunidade. Essa concepção se chocava radicalmente com o modelo de agricultura comercial que Porfírio Díaz tentou implantar no México. Em 1910, a insatisfação deu origem a um grande movimento insurgente. Os zapatistas se destacavam por suas vestimentas e suas tradições marcadamente indígenas. Adotaram táticas de guerrilha, seus comandantes eram escolhidos entre os mais corajosos ou enérgicos de um povoado e, apesar de não possuírem uma organização centralizada, tinham uma intendência e um setor de finanças que coordenava as ações de seus diversos núcleos. Os combatentes seguiam trabalhando a terra mesmo durante os períodos de combate e recebiam forte apoio das comunidades, que lhes abasteciam com alimentos.

Os guerreiros de Villa Doroteo Arango ou Franscico “Pancho” Villa foi um dos mais carismáticos líderes revolucionários de todos os tempos. Para alguns, era uma vítima do despotismo dos latifundiários e das autoridades porfirianas e se viu obrigado a cair na marginalidade para fugir da distorcida justiça da época. Para outros, não passava de um bandido sanguinário, que teria se juntado à revolução por mero acaso. Por fim, a lenda épica forjada ao longo da própria década de 1910 o apresentou como uma espécie de Robin Hood mexicano, que roubava os grandes latifundiários e ajudava a população mais pobre da sua região.

Cercado por essa aura mítica, ele liderou a Divisão do Norte, movimento armado formado em sua maioria por descendentes dos colonos que se estabeleceram no extremo norte do México no século XVIII para desbravar aquela região de fronteira. Essa população se acostumou com os constantes conflitos armados contra populações indígenas e ladrões de gado. Forjados em um ambiente militarizado e propenso à autonomia, os villistas se revelaram exímios combatentes quando foram chamados a combater a elite que os via como meros bárbaros.

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Carlos Alberto Sampaio Barbosa é professor de história da América da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp) e autor de A Revolução Mexicana (Editora Unesp, 2010)