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Universidade de São Paulo Centro Universitário Mariantônia Curso de Especialização em Linguagens da Arte CRECHE, CRIANÇAS E CRIAÇÕES: UMA REFLEXÃO SOBRE A ARTE PARA CRIANÇAS MENORES DE 3 ANOS RODRIGO HUMBERTO FLAUZINO São Paulo – SP 2011

Monografia creche, crianças e criações uma reflexão sobre a arte para crianças menores de 3 anos

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O presente Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) constitui-se de um relato crítico realizado a partir da análise de experiências educativas em artes desenvolvidas com um grupo de crianças menores de 3 anos, na Creche / Pré-Escola Central da Universidade de São Paulo – COSEAS / USP, no ano de 2010.

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Universidade de São Paulo

Centro Universitário Mariantônia

Curso de Especialização em Linguagens da Arte

CRECHE, CRIANÇAS E CRIAÇÕES:

UMA REFLEXÃO SOBRE A ARTE PARA CRIANÇAS MENORES DE 3 ANOS

RODRIGO HUMBERTO FLAUZINO

São Paulo – SP

2011

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Universidade de São Paulo

Centro Universitário Mariantônia

Curso de Especialização em Linguagens da Arte

CRECHE, CRIANÇAS E CRIAÇÕES:

UMA REFLEXÃO SOBRE A ARTE PARA CRIANÇAS MENORES DE 3 ANOS

RODRIGO HUMBERTO FLAUZINO

São Paulo – SP

2011

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RODRIGO HUMBERTO FLAUZINO

CRECHE, CRIANÇAS E CRIAÇÕES:

UMA REFLEXÃO SOBRE A ARTE PARA CRIANÇAS MENORES DE 3 ANOS

Monografia apresentada ao Centro Universitário Mariantônia da Universidade de São Paulo para obtenção de título de especialista em Linguagens da Arte Linha de Pesquisa: Reflexões sobre a Prática Docente Orientadora: Stela Maris Sanmartin

São Paulo – SP

2011

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AGRADECIMENTOS

• Às famílias, crianças, professores e demais funcionários da Creche / Pré-Escola Central

da USP, especialmente, àquelas que frequentaram os Grupos 3 e 4 (Berçário Maior,

Módulo 1) no ano de 2010.

• Às professoras Luciene Flávia Rezende, Renata Cristina da Silva, Miriane Amaral

Pereira, Alexsandra Vieira pelos relatórios concedidos e Vanessa Almeida, Júlia Soares

Bayerlein e Laura Gonçalves pelas contribuições no projeto “Transformando caixas em

brinquedos e brincadeiras”, desenvolvido junto às crianças e analisado nesta Monografia.

• À Divisão de Creches da Coordenadoria de Assistência Social da Universidade de São

Paulo (COSEAS – USP) que administra a Creche / Pré-escola Central, lugar onde

trabalho como coordenador pedagógico e onde, felizmente, as crianças brincam não só

com brinquedos, mas também com a arte.

• À professora orientadora Stela Maris Sanmartin pelas orientações e incentivo durante a

realização desta Monografia.

• Ao Centro Universitário Mariantônia pelos momentos e aprendizados que lá vivi nos

últimos dois anos.

• Aos familiares e amigos que estão sempre presentes em minha vida.

• A todos aqueles que contribuíram direta ou indiretamente para a conclusão deste

Trabalho.

• A Deus.

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RESUMO

O presente Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) constitui-se de um relato crítico realizado a

partir da análise de experiências educativas em artes desenvolvidas com um grupo de crianças

menores de 3 anos, na Creche / Pré-Escola Central da Universidade de São Paulo – COSEAS /

USP, no ano de 2010.

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SUMÁRIO

Introdução......................................................................................................................................6

Capítulo 1:

Os contornos da formação continuada: por uma infância mais colorida.................................8

1.1 O papel da coordenação pedagógica........................................................................8

1.2 Diálogos com as professoras sobre a importância da arte

na Educação Infantil.............................................................................................10

Capítulo 2:

Práticas de arte na educação infantil: fragmentos de uma realidade vivida........................12

2.1 O sujeito que precisamos conhecer antes de intervir

com propostas de arte............................................................................................12

2.2 Um panorama sobre a criança

menor de 3 anos.....................................................................................................13

Capítulo 3:

Brincadeiras com caixas: um mundo que se abre para exploração artística.........................19

3.1 Quando as caixas de papelão não servem para encaixotar.....................................19

Considerações finais....................................................................................................................24

Referências Bibliográficas..........................................................................................................26

Anexos...........................................................................................................................................27

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INTRODUÇÃO

O ingresso no curso de Especialização em Linguagens da Arte enriqueceu minha

formação inicial como pedagogo a partir do momento que me permitiu adentrar no universo de

conhecimentos e manifestações que atravessam as gerações humanas. Meus horizontes se

ampliaram assim que aprendi mais sobre dança, teatro, música e artes visuais nesses dois anos de

contato com mestres e alunos – sendo muitos deles também coordenadores, professores, atores e

artistas. Com o tempo e diante de profícuas interações, fui tornando-me uma pessoa mais

sensível e um profissional mobilizado a querer dividir os conhecimentos aprendidos com outras

pessoas.

Esta Monografia, portanto, serve como forma de materializar aquilo que aprendi com o

que quero compartilhar. Constitui-se de um relato crítico acerca de propostas de artes

desenvolvidas com crianças entre 1 e 2 anos de idade, que frequentam a Creche / Pré-escola

Central da Universidade de São Paulo – USP e objetiva investigar: Que possíveis diálogos

podem ocorrer entre formador e professores para que estes profissionais debatam mais sobre

arte, conseguindo inseri-la e consolidá-la no cotidiano das crianças? Quem é a criança menor de

3 anos, sujeito de nossas ações? Que exemplos de situações educativas ligadas às artes plásticas

ocorrem no interior da Creche? Enfim, é possível pensar, de fato, um trabalho de artes para

crianças tão pequenas que respeite os interesses, os níveis de desenvolvimento em diferentes

aspectos e condições da faixa etária?

Na busca de reflexões para estas perguntas, este Trabalho de Conclusão de Curso (TCC)

está organizado da seguinte maneira:

No Capítulo 1, o debate e as intervenções da coordenação pedagógica junto à formação

continuada do professor são discutidos como fundamentais na promoção de práticas de qualidade

no que diz respeito ao ensino de artes para crianças menores de 3 anos. Entende-se a arte como

linguagem que possui suas particularidades ao mesmo tempo em que também se interliga com

outras linguagens.

No Capítulo 2, procuramos saber quem é a criança menor de 3 anos, que aspectos são

distintos para esta faixa etária marcada por importantes transformações e conquistas motoras,

cognitivas, emocionais... O capítulo analisa, ainda, os fragmentos de situações nas quais as

experimentações artísticas se fazem presentes e são registradas com detalhes em relatórios

produzidos1 por professoras implicadas em garantir: ambientes coletivos instigantes, diversidade

1 Os nomes das crianças são fictícios.

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de materiais, propostas contextualizadas e, sobretudo, respeito ao pensamento particularmente

curioso e lúdico da criança.

Por sua vez, o terceiro Capítulo analisa um projeto cujo principal destaque ficou por

conta das interações e brincadeiras que as crianças fizeram com objetos não estruturados, tais

como, caixas de papelão. Das explorações iniciais, passando pelas pinturas, até chegar às

complexas composições feitas com as caixas, crianças e professoras viveram o lado mais

significativo da arte: o processo criativo construído coletivamente. A experiência dialoga com as

ideias de Viktor Lowenfeld e W. Brittain (1970) que abordam o desenvolvimento da capacidade

criadora para a faixa etária dos dois anos como sendo um processo vivo a ser incentivado por

aqueles que educam as crianças.

A realização desta Monografia encerra um ciclo ao mesmo tempo em que inaugura um

novo processo de descobertas para mim mesmo e para todos aqueles que procuram na educação

em arte e suas diferentes abordagens um caminho para fazer dos sujeitos mais criativos,

criadores e reflexivos. Ou seja, seres humanos em sua plenitude.

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CAPÍTULO 1:

OS CONTORNOS DA FORMAÇÃO CONTINUADA:

POR UMA INFÂNCIA MAIS COLORIDA

1.1. O Papel da Coordenação Pedagógica

Na atual condição de coordenador pedagógico de uma Creche / Pré-escola pública situada

no Campus da USP, destinada à educação e ao cuidado de crianças filhos e filhas de

funcionários, alunos e docentes desta instituição, tenho me deparado e refletido sobre questões

importantes relativas às complexas funções inerentes à profissão.

No trabalho intitulado “O Coordenador/formador como um dos agentes de transformação

da/na escola”, ORSOLON (2001) sinaliza algumas ações e atitudes do coordenador pedagógico

que, para ela, são capazes de desencadear mudanças nas práticas dos professores, a partir de

determinados limites e possibilidades, e dentro de uma conjuntura de formação continuada.

A abrangência da atuação do coordenador pedagógico é grande, mas também consiste na

promoção de um trabalho de orientação em sintonia com a organização/gestão escolar; na

realização de um trabalho coletivo, integrando com os diversos atores educacionais; na mediação

da competência docente, dentre outros pontos.

Por convergir com as ideias apresentadas por ORSOLON (2001) e acreditar que um

trabalho de qualidade no âmbito educacional, especialmente na educação infantil, deve ser

pautado numa relação de debates, estudos e reflexões coletivas, parto da premissa que devo

contribuir na mediação do saber e do saber-fazer de minhas parceiras educadoras. E isso somente

é possível a partir das experiências, interesses e modos de trabalhar que elas desenvolvem com

as crianças no dia-a-dia da creche.

As aspirações por este desafio foram fomentadas por algumas ideias e trabalhos

realizados pelas professoras, sob minha orientação, no ano de 2010. Cito, a título de ilustração, a

transformação da obra “Barco com bandeirinhas e pássaros” (Alfredo Volpi, 1955) em um tapete

sensorial para bebês de 1 ano, onde o principal fato a ser destacado, para além das

experimentações táteis das crianças, foi o interessante movimento das profissionais em querer

inserir uma obra de arte no cotidiano do Berçário (Ver Anexo, Figura 1a, 1b e 1c).

Um segundo trabalho, que será analisado ao longo deste TCC, diz respeito a um projeto

que contou com as interações, explorações, pinturas e construções com caixas de papelão de

diferentes tamanhos, realizado com crianças de 2 anos. O trabalho recebeu o nome de

“Transformando Caixas em Brinquedos e Brincadeiras”.

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Mesmo sabendo dos limites da Monografia de um curso de Especialização em

Linguagens da Arte, mas reconhecendo suas possibilidades e querendo que ela se articule com

algo que faça sentido pessoal e profissional, pretendo analisar a arte para crianças menores de 3

anos de idade dentro do contexto das práticas vividas no setor que denominamos Berçário Maior,

na Creche / Pré-Escola Central da USP. Acredito que, assim, as reflexões se tornam mais

maduras e ressignificadas para voltar à cena de onde surgiram, servindo como foco formativo e

avanços tanto para professores quanto para a própria coordenação pedagógica.

Ao tomarmos consciência de que é preciso refletir sobre nossa prática num intercâmbio

com a teoria, colocamos em movimento nosso saber, transformando-o em ação sobre o mundo.

Assim, abandonamos verdades absolutas, partirmos em busca de experiências positivas e

parcerias que nos ajudam a entender como abordar as artes visuais, e tantos outros

conhecimentos, com crianças desde a primeira infância. Com isso, o coordenador pedagógico

poderá realmente encontrar, na instituição, sua essência de trabalho junto à equipe de

professores, pois, como bem expressa ORLOSON (2001:25):

O trabalho de parceria, que se constrói articuladamente entre professores e coordenação, possibilita tomada de decisões capazes de garantir o alcance das metas e a efetividade de processo para alcançá-las. O professor se compromete com seu trabalho, com o aluno, com seu contexto e consigo mesmo. Por sua vez, o coordenador tem condições de respeitar e atender aos diferentes ritmos de cada professor. Compartilhar essas experiências no pensar e no agir possibilita rever seu papel, historicamente dado, de supervisionar, de deter informações, para “co-visionar”. Nas relações com o professor, institucionalmente hierarquizadas, criam-se possibilidades efetivas de aprender junto, de complementar o olhar, de ampliar as perspectivas de atuação em sala, de maneira menos fragmentada.

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1.2. Diálogos com as professoras sobre a importância da arte na Educação Infantil

Durante os momentos formativos de 2010 – encontros quinzenais ou mensais entre

coordenação e professorado – nos implicamos em delinear uma proposta formativa construída

coletivamente com o grupo de educadoras, cujas crianças de 2 anos estavam sob a

responsabilidade naquele ano.

No início, antes mesmo de se definir um projeto sobre caixas, foi discutido com as

profissionais a importância da introdução de “brinquedos não estruturados” nas brincadeiras

infantis coletivas. Chamamos de brinquedos não estruturados aqueles em que são as crianças que

atribuem “valor” e características a partir do próprio uso, da invenção durante o brincar. Como

exemplos desses objetos, podemos citar: os tecidos, os pedaços de madeiras, os pneus, as pedras,

as caixas de papelão...

A apresentação das caixas surgiu de uma demanda das próprias educadoras que

buscavam alternativas para incrementar as brincadeiras de pátio, para além do uso de brinquedos

convencionais nas interações entre as crianças. Assim como na prática diária o professor se

depara com desafios, o coordenador pedagógico também precisa fazer seu planejamento baseado

no conhecimento que tem sobre as necessidades de seu público, para descobrir o que já sabem e

o que precisam aprender.

Como a discussão sobre os brinquedos não estruturados foi bem aceita, o desafio agora

era o de aproximar as crianças pequenas – e também educadoras – do universo artístico,

fornecendo instrumentos para que todos pudessem entender, experimentar e refletir sobre

diferentes maneiras de expressão e impressões diante do mundo, a partir do contexto que estava

sendo instaurado. Afinal, como afirma IAVELBERG (2010:2), na construção da identidade

artística das crianças, os professores possuem um desempenho significativo e sua cooperação é

ainda maior quando “sabem respeitar os modos de aprendizagem e dedicar o tempo necessário a

fornecer orientações e conteúdos adequados para a formação em arte, que inclui tanto saberes

universais como aqueles que se relacionam ao cotidiano do aluno”.

Nesse processo em que as ideias se cruzavam e em que todos eram autores para buscar

soluções de como incrementar com mais arte as propostas realizadas com as crianças,

conhecemos publicações em revistas, livros (BABY-ART – Os primeiros passos com a arte, de

Anna Marie Holm. MAM, 2007) e também práticas de outras instituições, por meio de visitas de

profissionais ou vídeos (Vídeos Casa Redonda – Carapicuíba; Escola Vera Cruz – SP; Vídeo das

exposições 2008/2009 – Creche / Pré-Escola da USP São Carlos).

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Acreditamos que a possibilidade de diálogo se alicerçou em três pontos importantes: a

existência de espaços formativos propícios para o debate, à autonomia dada às professoras em

suas práticas e a uma coordenação pedagógica sensibilizada e atenta às artes. A combinação

desses fatores contribuiu em muito no sentido de imprimir modos de inserção da linguagem

artística nos planejamentos de nosso cotidiano institucional. A troca coletiva de ideias ajudou na

concretização de práticas significativas às crianças, ao mesmo tempo em que elevaram o (a)

docente à condição permanente de pesquisador (a). Ao final do processo, o resultado apontou

para uma equipe comprometida que passou a abordar a arte com mais propriedade,

contextualizando-a em seu fazeres e em suas reflexões.

Dedicar tempo e estudo a uma proposta formativa em artes para crianças de até 2 anos

colaborou, sobretudo, para desmitificarmos pontos importantes que, vez ou outra, permeavam o

cotidiano, tais como: Será que os bebês só choram? Só precisam ser trocados e alimentados?

Aprendemos que os bebês são muito mais do que isso, uma vez que possuem formas de

comunicação e expressão importantes para relação com o mundo físico e social. Nessa

empreitada de discussões, o primeiro aspecto que buscamos foi reafirmar entre nós mesmos que

os bebês não poderiam apenas receber cuidados em relação à higiene, alimentação e sono, mas

deveriam sim vivenciar propostas ligadas ao desenvolvimento da expressão e criação, conforme

suas possibilidades de atuação sobre a realidade. Em nossos encontros, portanto, buscamos

muitas vezes conhecer a trajetória histórica da educação infantil, seus dilemas e avanços, para

concebermos nossas crianças com sujeitos ativos e históricos, que se expressam por meio de

diferentes linguagens e maneiras (gestos, olhares, palavras), dialogando com o mundo, agindo e

aprendendo sobre ele em inter-relação com os outros.

O crescimento coletivo foi outro ponto que ocorreu aos poucos, na medida em que

trocávamos a realidade vivida entre nós, buscando juntos um entendimento e refinamento do

olhar para abordar a arte como fundamental à formação humana – já que ela é produzida

historicamente, por todas as culturas. Conforme expressam as artistas e arte-educadoras Ana

Tatit e Maria Silvia Machado, na obra “300 propostas de artes visuais” (2009:22), “a arte sempre

influenciou diretamente a formação dos povos. Em qualquer época, sociedade ou civilização,

sempre foi uma fonte de conhecimento, de transcendência espiritual”.

Todas essas questões foram vistas a partir de práticas reais que já ocorriam

concomitantemente ao processo de formação dos professores sobre suas atividades in lócus. Com

passar do tempo, o diálogo com as professoras nas reuniões formativas revelou um dia a dia cada

vez mais permeado com propostas artísticas, nas quais o processo de criação das crianças era

legitimado porque respeitava as perspectivas cognitivas, afetivas, sensíveis e sociais do grupo.

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CAPÍTULO 2:

PRÁTICAS DE ARTE NA EDUCAÇÃO INFANTIL:

FRAGMENTOS DE UMA REALIDADE VIVIDA

2.1. O sujeito que precisamos conhecer antes de intervir com propostas de arte

Um caminho sensato e criterioso a percorrer antes de propor algo para alguém é saber

sobre quem é este sujeito foco de interesse. Em diferentes áreas de atuação, conhecer mais de

perto quem é o público alvo para o qual se destina(m) uma ou mais ações implica em fazer com

que o pesquisador lance mão de variadas estratégias nessa empreitada – estudos, entrevistas,

pesquisas, diários de campo, levantamento de bibliografia sobre o assunto etc.

O artista, por exemplo, deverá conhecer muito sobre: a história da arte, o material mais

adequado para determinado resultado esperado, a melhor técnica para exprimir sua poética, a

linguagem que despertará mais emoção, impacto e curiosidade no público, entre outros pontos.

O pesquisador, por sua vez, precisará fazer um levantamento desta ou daquela literatura a

fim de discorrer sobre um tema, formulando hipóteses, desvelando problemas, aprofundando

questões e propondo novas indagações. Assim também ocorre com a profissão do professor, que,

antes de conceber suas atividades, precisará conhecer sua sala, seu grupo de crianças/jovens para

saber dos interesses, pensamentos e entender como é a dinâmica do desenvolvimento humano

em suas várias etapas.

Ter em mãos um “retrato” de realidades, situações e entendimentos sobre como as

pessoas processam o conhecimento permite que os profissionais tenham mais condições para

desenvolver trabalhos significativos, interessantes e excelentes do ponto de vista da qualidade na

experiência vivida. Garante-se, assim, que as ações educativas rumem ao encontro de relações de

ensino-aprendizagem mais efetivas para os envolvidos nos processos.

Conhecer quem serão os sujeitos focos de nossa ação independe da fase de ensino na qual

o educador leciona. Porém, no caso da educação infantil – primeira etapa da educação básica e

parte de nosso objeto de estudo – o conhecimento sobre o desenvolvimento da criança pequena é

primordial.

Para tanto, nos valemos de bibliografias da área educacional e dos relatos de atividades

produzidos por professoras de creche, já que tais fazeres e saberes nos ajudam a trilhar caminhos

de entendimento sobre quem é a criança menor de 3 anos e o que significa planejar, desenvolver

e avaliar propostas de artes para este público.

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2.2. Um panorama sobre a criança menor de 3 anos

Na experiência de educação infantil da Creche / Pré-Escola Central da USP, onde as

crianças passam cerca de 8 horas por dia em um ambiente coletivo de educação e cuidado, as

ações precisam ser necessariamente múltiplas, contextualizadas dentro de uma proposta

pedagógica que valoriza as produções culturais humanas construídas socialmente, e que, ao

mesmo tempo, levam em conta o desenvolvimento de cada criança em seus grupos.

No que diz respeito às propostas de arte para crianças menores de 3 anos, o trabalho

precisa ser minucioso, apropriado àquilo que nos apresenta o desenvolvimento humano deste

período, com o olhar atento do professor e em sintonia com a articulação daquela linguagem com

as demais. Afinal, como nos diz a poesia do italiano Loris Malaguzzi (Apud EDWARDS, 1999):

A criança é feita de cem. A criança tem cem mãos, cem pensamentos, cem modos de pensar, de jogar e de falar. Cem, sempre cem modos de escutar as maravilhas de amar. Cem alegrias para cantar e compreender. Cem mundos para descobrir. Cem mundos para inventar. Cem mundos para sonhar. A criança tem cem linguagens (e depois, cem, cem, cem)...

Considerando inicialmente a criança entre 1 e 2 anos, do ponto de vista motor, notamos

que há grandes experimentações de sua capacidade de equilibrar-se, movimentar-se, lançar-se no

espaço para explorar cada nova possibilidade que seu corpo lhe confere, como: subir, tocar nos

objetos e pessoas, andar com mais agilidade, já que há pouco conseguiu manter-se ereta e/ou

adquiriu a marcha. Diferentemente do primeiro ano de vida, a nova condição de andar sobre dois

pés, correr, pular com mais propriedade, por si só já torna visível um grande avanço no que diz

respeito à maneira como a criança passa a perceber tudo à sua volta. Muda-se, sobretudo, a sua

perspectiva, o seu olhar e ponto de vista sobre si mesma e o mundo. Para complementar essa

ideia, a autora OLIVEIRA (2002:148) expressa:

A motricidade também se desenvolve por meio da manipulação de objetos de diferentes formas, cores, volumes, texturas. Ao alterar sua colocação postural conforme lida com esses objetos, variando as superfícies de contato com eles, a criança trabalha diversos segmentos corporais em contrações musculares de diferentes intensidades. Nesse esforço, ela se desenvolve.

Do ponto de vista do desenvolvimento da capacidade criadora, expressões estas que dão

título à clássica obra de LOWENFELD e BRITTAIN (1970:115), os primeiros anos de vida são

provavelmente os mais decisivos no desenvolvimento das crianças por constituírem “os

primórdios da auto-expressão”. Para os autores, durante esse período inicial, a criança pequena

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começa a estabelecer padrões de aprendizagem, atitudes e um sentido de si mesma como ser, o

que traz reflexos para vida inteira.

LOWENFELD e BRITTAIN (1970:115) afirmam que a arte pode contribuir

imensamente para o processo de desenvolvimento, pois é na interação que a criança inicia a

aprendizagem. O foco da aprendizagem é a criança dinâmica, a qual se torna cada vez mais

consciente de si própria e do meio. De acordo com estes estudiosos:

Embora pensemos, geralmente, que a arte começa com o primeiro rabisco que a criança faz, num pedaço de papel, na realidade principia muito mais cedo, quando os sentidos estabelecem o primeiro contato com o ambiente, e a criança reage a essas experiências sensoriais. Tocar, cheirar, ver, manipular, saborear, escutar, enfim, qualquer método de perceber o meio e reagir contra ele é, de fato, a base essencial para a produção de formas artísticas.

Ainda para os autores, é por volta de 1 ano e 6 meses que a criança exprime seu primeiro

registro, em forma do que se chama garatuja. Esta, por sua vez, representa um passo importante

no desenvolvimento infantil, pois é o início da expressão que conduzirá não somente ao desenho

e pintura, mas, à palavra escrita. As garatujas classificam-se em três categorias: (1) as garatujas

desordenadas, (2) as garatujas controladas e (3) as garatujas com atribuição de nomes.

Vale dizer que não nos deteremos na explicação detalhada de cada uma dessas

classificações pelos próprios limites deste TCC, no entanto, como dizem os autores, na garatuja

desordenada, os primeiros traçados “são fortuitos e a criança parece não se aperceber de que

poderia fazer deles o que quisesse. Variam em comprimento e direção (...) à medida que a

criança movimenta o braço para trás e para frente” (Idem, 1970:117).

Na garatuja controlada, a criança descobrirá que existe uma ligação entre seus

movimentos e os traços que faz no papel, o que ocorre cerca de seis meses após ela começar a

garatujar. Segundo LOWENFELD e BRITTAIN (Idem: 120), “ainda que uma olhadela não

encontre grande diferença nos desenhos, a

aquisição do controle sobre os movimentos é

uma experiência vital para a criatividade

infantil”.

Nessa fase, as linhas podem ser

repetidas e, geralmente, traçadas com vigor.

Podem ser riscadas horizontalmente,

verticalmente ou em círculos, como revela o

desenho ao lado, “cheio de energia” de Miro (2

anos).

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A terceira etapa – a atribuição de nomes à garatuja – é quando a criança começa a nomear

as formas que ela desenha no papel, mesmo que estas não sejam reconhecíveis. É uma fase de

grande importância, pois indica uma transformação no pensamento. Se inicialmente a criança

estava satisfeita com os movimentos, agora, passa a ligar esses movimentos com o mundo ao seu

redor. Embora LOWENFELD e BRITTAIN (1970) nos digam que essa fase se dá, usualmente,

por volta dos três anos e meio, notamos em nossa experiência de creche que, algumas vezes, a

atribuição de nomes às garatujas aparece também um pouco antes, por volta dos 2 anos e meio a

3 anos.

O fato é que a criança desde bem pequena gosta de experimentar diversas maneiras de se

expressar e isso precisa ser incentivado no ambiente educativo das creches e pré-escolas. É

preciso garantir-lhe o direito de: lambuzar as mãos, correr com os pés descalços, pisar na areia,

na terra, na água, observar as cores produzidas pelas tintas durante sua pintura, procurar por

folhas, pedras, ouvir um barulho diferente, experimentar vez ou outra o alimento com as mãos,

investigar os traçados no papel ou riscar-se, como revela o fragmento de relatório da professora:

Quando está com canetinha, Laureana gosta de desenhar no papel, mas também nos braços, nas pernas, de experimentar seu corpo como se fosse uma tela para depois procurar por um interlocutor e contar: ‘eu desenhei no braço’. A mesma ação se repete com as tintas, tornando a experiência ainda mais divertida! Laureana inicia com os pincéis e depois já a vemos com suas mãos todas cheias de guache, esfregando uma na outra e passando no corpo todo. Ela gosta de sentir a textura da tinta nas mãos, vê-la escorrendo entre os dedos para, em seguida, contar: ‘Ó, eu passei na mão’.

Este caleidoscópio de experimentações (Ver Anexo, Figura 2) ligadas aos movimentos,

sensações e sentidos agrega outro ponto importante na faixa dos menores de 3 anos: o

desenvolvimento da linguagem. De maneira geral, a oralidade mostra-se numa crescente,

relevando-se como grande aliada na qualidade das interações, especialmente, pelas novas

atribuições de significados que vão sendo dadas às dinâmicas estabelecidas entre: criança-

criança, criança-adulto, criança-objetos. Para elucidar, passemos a análise de outro relato sobre a

criança e suas experimentações com a arte, descrito por sua educadora:

Laureana, bastante curiosa, se aproxima muito de suas professoras quando a proposta é ‘lambuzar’ as mãos ou iniciar uma pintura com guache. Quer ver e tocar, irrequieta em esperar que mostremos como vai ser a atividade e assim que pode, quer colocar sua mão naquela mistura diferente e, claro, experimentar. Então falamos que não se deve por na boca, mas ela sempre dá um jeitinho de saber que gosto novo vai conhecer. Quando iniciamos uma atividade de arte, usamos a camiseta de pintura. Assim que Laureana é chamada pra colocá-la, já começa suas interrogativas a respeito do que vamos fazer e depois diz: ‘colocar a camiseta de pintura?’. E então começa a chamar seus amigos que ainda não se vestiram para se apressarem: ‘Vem Didi, a camisa, a camisa, tinta!’.

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Podemos notar neste trecho que existem vários elementos a serem organizados antes do

início da atividade de arte propriamente dita. É possível ver as negociações que as professoras

fazem com as crianças pequenas, conversando com elas sobre qual será a proposta, bem como

dando dicas de como o material precisa ser utilizado.

Notem aqui que a intenção não é de antemão direcionar a ação da criança, mas sim fazer

os combinados iniciais para a atividade em grupo. Muitos conhecimentos estão em jogo, pois,

conforme explica OLIVEIRA (2002:136): “a construção de significações, a gênese do

pensamento e a constituição de si mesmo como sujeito se fazem graças às interações constituídas

com outros parceiros em práticas sociais concretas de um ambiente que reúne circunstâncias,

artefatos, práticas sociais e significações”, elementos estes que podemos visualizar na cena

descrita acima. E, como também expressam LOWENFELD e BRITTAIN (1970:137), “o mais

importante, em todos os períodos, é a compreensão e o incentivo do adulto”.

Na fala de Laureana outro item parece chamar bastante à atenção das crianças: a camiseta

de pintura. Esta se configura como um marcador que, quando surge, indica a iminência de uma

proposta de arte. Mais que um pedaço de tecido para evitar que as crianças se “lambuzem”, a

camiseta serve como elemento que agrega o grupo e o motiva a participar da atividade pensada

para o dia. No caso de menina, a camisa ainda serviu como um complemento para sua fala ao

convidar o amigo Didi para integrar-se à situação que, como se vê, traz muita curiosidade e

desejo para as crianças.

Contudo, quando falamos sobre crianças convivendo em grupo, devemos ter em mente a

heterogeneidade presente nesse círculo social. E que bom que há a diversidade! Ela nos amplia e

nos impele a entender os outros e a compreender a nós mesmos. Assim, se por um lado, a

pequena Laureana aguardava impaciente pelas propostas de artes, por outro, Ariel, de dois anos,

rejeitava, a princípio, esse tipo de situação, como mostram as observações das profissionais:

Ariel, uma garotinha de pouco mais de um ano e meio, voltou à creche meio avessa às artes, se a compararmos com o ano anterior quando era um bebê ainda menor. No início, ela apreciava muito as sensações gelatinosas e as variadas temperaturas que as misturas e tintas lhe proporcionavam: lambuzava-se e tinha interesse em experimentar tais elementos nos suportes que lhe eram oferecidos. Mas, no principio do semestre do novo ano, Ariel teve certa resistência a estas situações.

Em encontros formativos, as professoras relatavam que, enquanto estavam preparando

uma brincadeira com tintas e consistências, elas convidavam as crianças para colocarem as já

mencionadas camisetas de pinturas. Ariel, nessas ocasiões, demonstrava não querer colocar a

camiseta, começava a sinalizar negativamente e fazia um semblante de choro, então, suas

educadoras não insistiam, respeitando a decisão da menina.

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Com sensibilidade, as professoras deram inicio à atividade com as demais crianças do

grupo, deixando que Ariel se aproximasse naturalmente. Depois de pouco tempo caminhando

pelo espaço ao redor, a menina se aproximou,

juntou-se aos colegas, procurou por um pote

com tintas, acomodou-se num lugar e deixou

suas marcas no papel, e às vezes no rosto

também.

Em outra situação, desta vez com uma

mistura de beterraba, as professoras colocaram

um pouco na mão de Ariel para que ela a

espalhasse sobre o papel. No início, ficou bem

incomodada, visto que aquela era uma de suas primeiras experiências diante dos pedacinhos

finos de aspecto avermelhado. Logo, sua mão foi lavada para que pudesse escolher outra

brincadeira e, caso quisesse, poderia voltar à pintura, o que naquele momento não ocorreu...

Mas, com o passar dos dias, de certa constância nas atividades e de apostas em novas

propostas, Ariel começou a se readaptar a essas brincadeiras e participar delas deixou de ser uma

dificuldade.

Semanas depois, notou-se que Ariel

dava preferência à manipulação de massinhas

caseiras (farinha e água) e barro. Certa vez,

estava fazendo bolotas de argila e começou a

descrever: “a perna”, “a boca”. Então, quando

suas professoras se aproximaram, Ariel colou

uma lantejoula em sua produção e, apontando

com seu dedo, disse: “aqui a boca”.

Isso nos remete àquilo que

LOWENFELD e BRITTAIN (1970) dizem em sua obra, quando afirmam que o barro ou a

plastilina são excelentes materiais para a idade que estamos discutindo aqui, o que elucida

também o caso de Ariel. Conforme dizem os autores, há uma relação entre o material

tridimensional e as etapas da garatuja:

A manipulação do material tridimensional proporciona à criança o ensejo de usar os dedos e os músculos de modo diferente. Bater e amassar o barro, sem nenhum propósito visível, é a fase paralela às garatujas desordenadas. A formação de roscas e bolas, sem tentar a representação de objeto específico, corresponde às garatujas controladas. De repente, a criança pega num pedaço de barro, e talvez com acompanhamento ruidoso, chama-o de avião, ou dirá: “Isso é um automóvel”.

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Psicologicamente, trata-se da mesma transformação no processo mental (...). Também, neste caso, a criança transferiu-se do pensamento cinestésico para o pensamento imaginativo. (Idem: 139, Grifo meu).

Com um ambiente educativo sensível e atento àquilo que as crianças nos dizem (com ou

sem palavras), a relação com a arte parece tornar-se mais favorável para as experimentações e

criações de crianças e professoras. Além da escuta e do respeito ao ritmo individual dos meninos

e meninas, o espaço é também um importante elemento estruturante que contribui para o sucesso

de cada proposta. As atividades descritas foram planejadas para o pátio externo da instituição,

lugar amplo, bastante apreciado pelos grupos e que extrapola os limites das salas internas. Como

bem destaca IAVELBERG (2010:3):

Cada imagem, cada gesto, cada som que emerge nas formas artísticas criadas em sala de aula [e em outros tantos ambientes] têm grande importância, uma vez que se referem ao universo simbólico do aluno. Portanto, exigem a atuação precisa do professor, o planejamento do tempo, a organização do espaço e a atenção aos processos de comunicação tanto entre professor e aluno como entre os colegas de classe. Uma aprendizagem assim percorrida deixará marcas positivas na memória do aprendiz (...).

Desse modo, foi importante considerar as conversas de Laureana pensando sobre as

propostas e convidando seus amigos para participar delas. Também foi curioso acompanhar as

gradativas aproximações de Ariel, respeitando seu tempo e propondo alternativas em relação às

suas explorações de arte. Concomitantemente a tudo isso, novos interesses surgiam no grupo de

crianças, a partir de suas brincadeiras e jeitos de explorar os materiais, propostas e espaços da

instituição. As experiências se somavam e os aprendizados se multiplicavam.

A variedade de situações com gizes, canetas, tintas, massas de diferentes consistências,

cheiros e cores, além da distribuição de superfícies para exploração em diversos planos (no chão,

nas mesas, nas paredes) promoveram uma gama enorme de registro das marcas infantis. Em

nossa instituição, portanto, o trabalho com arte muitas vezes “extrapolou as margens dos papéis”,

no sentido de expandir as possibilidades de ação do sujeito ao considerar sua capacidade de

expressar-se de maneira plural.

A linguagem artística atrelou-se a muitas manifestações humanas, incluindo, a

brincadeira com objetos inusitados. Ponto este que será discutido no capítulo a seguir, a partir de

considerações sobre as brincadeiras das crianças com as caixas de papelão.

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CAPÍTULO 3:

BRINCADEIRAS COM CAIXAS:

UM MUNDO QUE SE ABRE PARA EXPLORAÇÃO ARTÍSTICA

3.1. Quando as caixas de papelão não servem para encaixotar...

Segundo PLACCO e SILVA (2009), a formação de professores é uma construção social,

cuja discussão é antiga e atual ao mesmo tempo, uma vez que se constitui em diferentes

dimensões, num movimento constante de indagar e produzir respostas, sendo estas sempre

relativas e provisórias. Uma dimensão a ser destacada, sem que haja menosprezo de outras, diz

respeito àquela chamada de “crítico-reflexiva” pelas autoras, que dizem: “perceber-se e perceber

as ações que realiza, avaliá-las e modificá-las em função da percepção e avaliação são questões

fundamentais e sensíveis na formação do professor, que exigem do formador e do formando

disponibilidade e compromisso” (Idem:27).

Nesse sentido, mostrou-se fundamental a coordenação acompanhar e refletir em conjunto

sobre os relatos organizados pelas educadoras, pois estes traduziam a escuta das profissionais

para os interesses das crianças e davam elementos para discutirmos sobre que propostas

poderiam ser desenvolvidas. Num dos trechos dos depoimentos, as professoras diziam que:

(...) as crianças tinham um grande interesse por entrar e sair de espaços apertados, passar pelos cubos e túnel de pano, engatinhar e brincar embaixo de mesas. A partir dessa motivação, foi proposto o oferecimento de materiais não usuais ou não estruturados, os quais pudessem criar possíveis e atraentes brincadeiras e que trouxessem outros contextos, dissociados do significado do objeto em si. As caixas de papelão, então, eram suportes adequados para a pesquisa com as crianças.

Assim, diante deste desafio inerente à própria condição de professor, ou seja, criar

situações significativas para a construção do processo de ensino-aprendizagem, as profissionais

pensaram em como mostrar às crianças que as caixas poderiam virar diversos brinquedos e

brincadeiras. Tal indagação desmembrou-se em um projeto grandioso, capaz de envolver outros

grupos também.

A atividade disparadora do projeto começou quando as educadoras contaram a história do

“Homem que Amava Caixas”, do australiano Stephen M. King (editora Brinque Book, 2009) em

que um pai demonstra o seu amor pelo filho criando brinquedos e brincadeiras com caixas de

papelão. Na percepção e dizeres das professoras, “como as crianças já apreciavam o livro, a

apresentação das caixas como lugar e coisa para brincar foi aceita por todos e logo eles já

estavam empilhando, entrando, saindo, arrastando”.

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A próxima etapa do trabalho consistiu em

disponibilizar caixas, de diferentes tamanhos, no

gramado da instituição para que fosse possível observar

o movimento individual e coletivo das crianças. Elas

exploraram e transformaram as caixas em experiências

ricas de brincadeiras. Ao se aproximarem dos grandes

objetos, entravam e saiam circulando entre os diversos

tamanhos e disposições que encontravam. Ora as

explorações ocorriam em pequenos grupinhos de crianças, ora individualmente. Dessa forma,

todos os dias, um ambiente era organizado especialmente para a brincadeira com as caixas.

Tal disponibilidade em organizar previamente os espaços para assim observar como as

crianças interagem nele desvela uma importante concepção que procuramos aprofundar em

nossos estudos sobre desenvolvimento infantil durante muitos de nossos encontros formativos.

Para nós, profissionais da educação da Creche / Pré-escola Central da USP, assim como expressa

OLIVEIRA (2002:193), o ambiente:

(...) pode ser considerado com um campo de vivência e explorações, zona de múltiplos recursos e possibilidades para a criança reconhecer objetos, experiências, significados de palavras e expressões, além de ampliar o mundo de sensações e percepções. Funciona esse ambiente como recurso de desenvolvimento, e, para isso, ele deve ser planejado pelo educador, parceiro privilegiado de que a criança dispõe.

Aos poucos a brincadeira mostrou-se realmente produtiva, proporcionando novas

parcerias e descobertas, mas, segundo as professoras dos pequenos grupos de crianças, ainda

assim faltavam algumas coisas, como aparece no trecho a seguir:

Faltava cor, porque apesar de já se diferenciarem das caixas de papelão comuns, por estarem inseridas em outro contexto, esses novos brinquedos estavam longe de serem tão coloridos quanto os espaços da Creche e também faltava algo grande, grandes construções, como as que O Homem que Amava Caixas fazia para seu filho.

Há uma consideração a ser feita com base no trecho acima. De acordo com

LOWENFELD e BRITTAIN (1970:126), a “cor desempenha um papel decisivamente

secundário na fase das garatujas”, já que a “satisfação da criança deriva da experiência de

movimentos cinestésicos”, entre os menores de 3 anos. Contudo, acreditamos que é importante

oferecer à criança a possibilidade de usar esses materiais plásticos, deixando-a explorar as

consistências, texturas e novas misturas. Tais manipulações e descobertas, como dizem os

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mesmos autores, são encaradas pela criança “como uma atividade divertida”. (LOWENFELD e

BRITTAIN, 1970:127).

A partir desse entendimento e percepção,

crianças e adultos se propuseram à pintura das

caixas para então montarem um castelo com

várias entradas, saídas, portas e janelas. Diante da

possibilidade de usar as tintas, as crianças viveram

momentos importantes para seu desenvolvimento

artístico que podem ser confirmados diante da

continuidade de considerações feitas pelas

professoras:

No dia em que pintamos as caixas, Laureana, entre pincéis e trinchas, começou a pintá-las. Sempre conversando com o amigo que estava ao lado, ia dizendo como estava sua pintura. Depois de algum tempo, já sem pincéis e com as mãos todas cheias de guache, passava-as diretamente nas caixas. (...). Já para outra garotinha, a Andréia, a aproximação nas atividades de pinturas ocorreu inicialmente tímida, mas tão logo passou a dividir trinchas e tintas com alguns amigos e a pintar algumas partes da caixa. No entanto, a descoberta maior foi querer ‘degustar’ a tinta, senti-la escorrer pelas mãos e pintar o seu corpo para deixá-lo colorido, numa brincadeira que a divertia muito. (...). Gustavo, por sua vez, explorou outro modo de pintar usando a posição vertical.

Podemos perceber que as impressões registradas pelas profissionais da educação infantil

sobre as crianças acabam, então, sendo validadas pelos autores LOWENFELD e BRITTAIN

(1970:138-139) quando estes consideram que a “têmpera ou tinta, conservando uma consistência

razoável, pode ser usada com vantagem pelas crianças”. Para os estudiosos, a “oportunidade de

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usar tinta pode satisfazer algumas das necessidades emocionais da criança (...)” e “o resultado é a

alegria óbvia na exploração de uma gama de cores (...)” que “proporciona uma experiência

verdadeiramente artística”. Nas fotografias anteriores, a dedicação e a concentração de Laureana,

Andréia e Gustavo diante das tintas mais uma vez confirmam as considerações dos autores e

também das professoras da creche.

A interação entre as crianças da faixa etária abaixo de 3 anos foi o ponto alto de um

trabalho que serviu como palco para emergência da atividade artística pautada na expressividade

gestual, plástica e no brincar. A brincadeira não tinha objetos com finalidades determinadas, não

eram caixas que serviam para encaixotar, eram simplesmente caixas de papelão que deixavam

sempre abertas e sem amarras as possibilidades de criações infantis. Para LOWENFELD e

BRITTAIN (1970:48):

As crianças não precisam ser habilidosas para serem criadoras, mas, em qualquer forma de criação, existem graus de liberdade emocional: liberdade para explorar e experimentar, e liberdade para envolver-se, emocionalmente, na criação. Isso é verdade tanto no uso dos temas como no uso dos materiais artísticos.

Durante cerca de quatro ou cinco meses, diversas construções foram surgindo, algumas

organizadas pelas educadoras, outras pensadas e construídas por grupos de crianças, que se

mostraram competentes nessa ação, empilhando e posicionando as caixas de acordo com o seu

interesse perante a brincadeira. No processo surgiram tendas, casinhas e percursos, e a cada dia,

relatavam as professoras, todos descobriam “mais uma coisa em que as caixas poderiam se

transformar”.

Para finalizar o projeto, as crianças e professoras organizaram um grande labirinto na sala

de sono da creche. Dentro dele estavam brincadeiras que contornavam o universo das

descobertas pelas crianças: portas com espelhos e reproduções de obras de arte escondidas atrás

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de janelas, móbiles de colheres, espaços estreitos e largos, um canto com as bolinhas de plástico

e tecido, outro com instrumentos musicais e uma parte do chão forrado com plástico-bolha.

Desde o planejamento do projeto, foi pensado como seria

mostrar para as crianças que um objeto comum, de uso diário,

poderia ir além da sua função usual. Segundo dito pelas

educadoras, por várias vezes elas se perguntaram o que teriam

que fazer para que o objetivo fosse alcançado. No decorrer do

trabalho, perceberam com muita clareza que as crianças não se

preocupavam em transformar as caixas, pois as transformações do

espaço e dos objetos aconteciam para eles com muita naturalidade

e em parcerias que não eram visualizadas até então. Notou-se,

então, que quando uma proposta é verdadeiramente viva, ela modifica os sujeitos e é modificada

por eles, como uma ciranda que nunca cessa, mas que está em constante movimento. Como frisa

um dos últimos trechos do relatório construído pelas professoras: “Descobrimos que o prazer de

transformar é a brincadeira e foram as crianças que nos mostraram isso”.

Esta reflexão final vai ao encontro daquilo que LOWENFELD e BRITTAIN (1970:144)

argumentam sobre a importância do professor de educação infantil, uma vez que este

profissional:

(...) está numa posição excelente para propiciar a oportunidade de a criança progredir, por meio das suas experiências artísticas, para ajudá-la a desenvolver a confiança e a sensibilidade imprescindíveis à auto-expressão e para proporcionar-lhe toda a gama de materiais e a atmosfera favorável às atividades criativas. É sumamente importante facilitar a estimulação e a motivação necessárias ao desenvolvimento de uma crescente conscientização do meio, assim como o incentivo e a aprovação dos atos criadores.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Significativo e formativo. Estes são os termos que podem qualificar o processo de

revisitar as práticas de artes desenvolvidas na Creche / Pré-Escola Central da USP, buscando

analisá-las a partir das bibliografias, das experiências como aluno do Curso de Especialização

em Linguagens da Arte, e, especialmente, como profissional parceiro dos professores na tarefa

de pensar sobre as propostas com as crianças.

Acredito que o exercício de escrever a Monografia nos “tira do lugar”, a partir do

momento em que nos faz debruçar mais sobre determinado assunto com um foco pontual e

rigoroso para responder às nossas inquietações. O desafio de superar o desejo de não falar tudo

ao mesmo tempo, mas dizer sobre um objeto de estudo com propriedade foi um aprendizado

fundamental. Houve avanços diante da possibilidade de dialogar com a professora orientadora,

com outros autores e de investigar a própria prática pedagógica, como alguém que está na

condição de coordenar um trabalho coletivo de educadores de infância, cuja intenção é melhorar

cada vez mais as atuações junto às crianças e famílias.

Muitas vezes, o dia a dia das instituições imprime um ritmo em que o coordenador fica

mais envolvido em “aparar arestas” do que a buscar sua essência em formar sujeitos, e isso,

pouco a pouco, compromete sua identidade profissional. Porém, a partir deste trabalho escrito,

foi possível quebrar um ciclo, voltar à tona, pensar coletivamente, dialogar e, sobretudo,

socializar e dar visibilidade aos “saberes e fazeres”, nos quais as crianças são convidadas a

desenvolver suas criações como protagonistas de uma história pintada com muitas cores e

pessoas.

Para além dos atravessamentos que insistem em acontecer numa instituição de educação

infantil (complexidade nas relações interpessoais; necessidade de formação perseverante; tempos

quase sempre insuficientes para os planejamentos; certa demora em obter determinados materiais

etc.), conseguimos ver de novo como as crianças aprendem e nos surpreendem. Vimos, ainda,

como os professores ensinam e como transformam sua prática por meio do debate, da reflexão e

da reavaliação de suas atuações, o que contribui sobremaneira para o crescimento profissional

dentro de um processo conjunto, recíproco e vivo. Percebemos, ao longo deste trabalho, a

criança pequena como um sujeito criativo, que tem o direito a conviver com a brincadeira e com

a arte em suas diferentes expressões (os movimentos, os pensamentos, os grafismos, as

explorações sensoriais e plásticas).

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Também descobrimos que podem – e devem – existir ambientes organizados capazes de

provocar o ensino e a aprendizagem de forma prazerosa, lúdica, diversa e permeada por

elementos de nossa e de outras culturas. Vale ressaltar que em tais ambientes há muito mais do

que crianças, professores e materiais artísticos desse ou daquele tipo. Na verdade, em cada

proposta desenvolvida, há conversas, combinados, relações delicadas de afeto e respeito ao

universo infantil em seus mais variados ângulos.

Ter acesso às formas como se organizam os planejamentos e conhecer as propostas de

arte nas quais se utilizam: a argila, as pinturas com tintas de vegetais ou guache e, ainda, as

brincadeiras com caixas, metaforicamente, abrem preciosos “pacotes” reveladores de concepções

educativas, nas quais a infância é entendida como um período a ser vivido por inteiro.

Considerar as propostas de artes promovidas no âmbito da Creche / Pré-Escola Central da

USP nos permite dizer que, de fato, a criança é vista como cidadã portadora de direitos (às

brincadeiras, às experimentações...) e muitos dos profissionais que lá trabalham estão

comprometidos em indagar suas práticas para aprimorá-la, dentro de um contexto de formação

continuada que envolve muitas modalidades e personagens (reuniões semanais, mensais, debates,

planejamentos com parceiros, visitas às exposições, encontros com especialistas, reavaliação).

São muitos anos experimentando modelos e discutindo formatos para organizar situações

propícias às aprendizagens “de gente grande” para contribuir com a formação de “gente

pequena”. Em todas as oportunidades os educadores e demais funcionários orientam suas ações

por princípios democráticos e de respeito às diferenças. Esse intercâmbio constante de ideias nos

ajuda a compreender a criança a partir das contribuições das diferentes áreas, incluindo a Arte.

Esta, por sua vez, precisa continuar a ter destaque na vida das pessoas e saber que ela está

presente cotidianamente nos ambientes da educação infantil traz grande orgulho para o

profissional e para crianças que ajudam a construir e a viver essa história.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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IAVELVERB, Rosa. O Desenho Cultivado: práticas e formação de educadores. 2. ed. rev. Porto

Alegre, RS: Zouk, 2008. LOWENFELD, Viktor; BRITTAIN, W. Lambert. O Desenvolvimento da Capacidade Criadora.

São Paulo: Editora Mestre Jou, 1970. OLIVEIRA, Zilma Ramos de. Educação Infantil: Fundamentos e Métodos. São Paulo: Cortez,

2002. ORSOLON, Luiza A. Marino. O coordenador/formador como um dos agentes de transformação

da/na escola. In: ALMEIDA, Laurinda Ramalho de PLACCO, Vera Maria Nigro de Souza (Orgs.). O coordenador pedagógico e o espaço da mudança. São Paulo: Edições Loyola, 2001.

PLACCO, Vera Maria Nigro de Souza; SILVA, Sylvia Helena Souza da. A formação do

professor: reflexões, desafios, perspectivas. In: BRUNO, Eliane Bambini Gorgueira; ALMEIDA, Laurinda Ramalho de; CHRISTOV, Luiza Helena da Silva (Orgs.). O coordenador pedagógico e a formação docente. São Paulo: Edições Loyola, 2009..

SOUZA, Vera Lúcia Trevisan. O coordenador pedagógico e a constituição do grupo de

professores. In: ALMEIDA, Laurinda Ramalho de; PLACCO, Vera Maria Nigro de Souza (Orgs.). O coordenador pedagógico e o espaço da mudança. São Paulo: Edições Loyola, 2001.

TATIT, Ana; MACHADO, Maria Silvia M. 300 propostas de artes visuais. São Paulo: Edições

Loyola, 2009.

WEBGRAFIA

IAVELBERG, Rosa. Entrevista: O ensino de arte. Disponível em: <http://www.projetopresente.com.br/revista/rev6_ensino_arte.pdf>. Acesso em: 01/12/2010.

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ANEXOS

Figura 1a: Barco com Bandeirinhas e Pássaros (1955)

Alfredo Volpi, Lucca, Itália, 1896

São Paulo, SP, Brasil, 1988 Barco com Bandeirinhas e Pássaros, 1955

Têmpera s/ tela Coleção MAC – USP

Disponível em: http://www.mac.usp.br/mac/templates/exposicoes/volpi/img11.asp. Acesso em 04/04/2010.

Figura 1b – Professoras confeccionando o Tapete Sensorial

Figura 1c – Bebês e suas interações no tapete

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Figura 2: “Caleidoscópio” de Experiências