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jus.com.br http://jus.com.br/artigos/28010/o-artigo-3-da-constituicao-federal-de-1988-o-pnedh-e-os-entraves-historicos-impeditivos- as-suas-realizacoes Sergio Henrique O artigo 3° da Constituição Federal de 1988, o PNEDH e os entraves históricos impeditivos as suas realizações São mantidas no Brasil as mesmas engrenagens higienistas do passado: de um lado, a elite a ter todo o aporte das políticas públicas em melhorias em seus bairros; de outro lado, o “povão”, que sof re a cada dia com as políticas públicas de desenvolvimento precaríssimas em suas localidades. Índices: 1. Introdução; 2. Na aurora humana; 3. Origens das discriminações; 4. Guetos e guetos brasileiros; 5. Pobreza é doença [étnica]; 6. Solução higienista, imigração; 7. Os pobres no século XXI; 8. Manif estações universalistas e retaliações; 9. Manif estações unilaterais e o engessamento do Estado; 10. A gênese das f avelas e os problemas atuais; 11. O que se esperar de conceitos darwinistas e eugenistas? 12. Conclusão. 1. Introdução Tanto os Poderes Públicos como a sociedade civil organizada são responsáveis pelos objetivos e materializações do PNEDH e do artigo 3° da CF. Ambos devem caminhar como um só corpo e mente para que o Brasil se torne um país livre de conceitos históricos de segregações e discriminações. Não se trata de exclusividade brasileira as teorias discriminatórias quanto à etnia e a condição socioeconômica, pois são f rutos de acontecimentos históricos mundiais. O Brasil, inf elizmente, abraçou tais teorias, que ainda existem nas concepções ideológicas de muitos brasileiros, pois se perpetuaram de gerações a gerações. Incinerar morador de rua, f uzilamento de crianças moradoras de ruas, piadas maldosas quanto ao tipo morf ológico, cor, sexualidade, etnia, estado psíquico, eis o que se presencia, ainda, nos tempos atuais. As mulheres ainda são vistas como posses masculinas cujos corpos devem satisf azer as lascívias masculinas, a capacidade intelectual delas ainda são consideradas absurdas e duvidosas, a f orça de trabalho f eminino é coadjuvante no cenário masculino de poder, f ama e status. Todas as discriminações têm suas origens em teorias pretéritas. Em meu outro artigo f oi abordado quanto às questões de preconceitos e racismos cujo título é Eugenia institucionalizada no Brasil. O texto abordou uma parte da história humana, mas f undamental para compreensão do racismo e discriminação tão comuns em nossa sociedade, em pleno século XXI. Este texto não tem a pretensão de se esgotar em si tamanha a história humana, contudo of erece uma [possível] síntese para se chegar aos problemas em que os brasileiros enf rentam desde violência, serviços públicos péssimos etc. O assistencialismo do Estado, desde a década de 1990, tem causado indignações e revoltas em alguns grupos sociais, pois a ajuda apenas estaria f omentando a indolência dos grupos assistidos pelo Estado, em outras palavras, para os que condenam o assistencialismo do Estado tais pessoas, que recebem Bolsa Família, por exemplo, só querem se dar bem à custa do trabalho alheio, no caso, das camadas sociais mais altas. Essa visão nas classes sociais mais altas tem origens científ icas, que eclodiram como verdadeiras e importantes para a sobrevivência humana. De outra maneira, tais teorias f oram passadas de geração a geração, mesmo que tais teorias não tenham sido detalhadas, substancialmente transmitidas. Todavia conceitos discriminatórios f oram passados com justif icativas respaldadas em jornais, que na grande maioria, antes da Constituição de 1988, por exemplo, na grande maioria, só noticiavam crimes envolvendo moradores de áreas não nobres. Por quê? Porque a censura era muita, a ponto de evitar notícias de pessoas elitizadas que cometiam crimes. A maioria era encoberta, pois a elite brasileira tinha grande inf luência na imprensa, de f orma a abaf ar os acontecimentos com alva de autoridade policial, ou ajuda

O artigo 3 da Constituio Federal de 1988, o PNEDH e os entraves histricos

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Sergio Henrique

O artigo 3° da Constituição Federal de 1988, o PNEDH e osentraves históricos impeditivos as suas realizações

São mantidas no Brasil as mesmas engrenagens higienistas do passado: de um lado, a elite a ter todo oaporte das polít icas públicas em melhorias em seus bairros; de outro lado, o “povão”, que sof re a cada diacom as polít icas públicas de desenvolvimento precaríssimas em suas localidades.

Índices: 1. Introdução; 2. Na aurora humana; 3. Origens das discriminações; 4. Guetos e guetos brasileiros;5. Pobreza é doença [étnica]; 6. Solução higienista, imigração; 7. Os pobres no século XXI; 8.Manif estações universalistas e retaliações; 9. Manif estações unilaterais e o engessamento do Estado; 10.A gênese das f avelas e os problemas atuais; 11. O que se esperar de conceitos darwinistas e eugenistas?12. Conclusão.

1. Introdução

Tanto os Poderes Públicos como a sociedade civil organizada são responsáveis pelos objetivos ematerializações do PNEDH e do artigo 3° da CF. Ambos devem caminhar como um só corpo e mente paraque o Brasil se torne um país livre de conceitos históricos de segregações e discriminações. Não se tratade exclusividade brasileira as teorias discriminatórias quanto à etnia e a condição socioeconômica, poissão f rutos de acontecimentos históricos mundiais. O Brasil, inf elizmente, abraçou tais teorias, que aindaexistem nas concepções ideológicas de muitos brasileiros, pois se perpetuaram de gerações a gerações.

Incinerar morador de rua, f uzilamento de crianças moradoras de ruas, piadas maldosas quanto ao tipomorf ológico, cor, sexualidade, etnia, estado psíquico, eis o que se presencia, ainda, nos tempos atuais. Asmulheres ainda são vistas como posses masculinas cujos corpos devem satisf azer as lascíviasmasculinas, a capacidade intelectual delas ainda são consideradas absurdas e duvidosas, a f orça detrabalho f eminino é coadjuvante no cenário masculino de poder, f ama e status. Todas as discriminaçõestêm suas origens em teorias pretéritas.

Em meu outro artigo f oi abordado quanto às questões de preconceitos e racismos cujo título é Eugeniainstitucionalizada no Brasil. O texto abordou uma parte da história humana, mas f undamental paracompreensão do racismo e discriminação tão comuns em nossa sociedade, em pleno século XXI.

Este texto não tem a pretensão de se esgotar em si tamanha a história humana, contudo of erece uma[possível] síntese para se chegar aos problemas em que os brasileiros enf rentam desde violência, serviçospúblicos péssimos etc.

O assistencialismo do Estado, desde a década de 1990, tem causado indignações e revoltas em algunsgrupos sociais, pois a ajuda apenas estaria f omentando a indolência dos grupos assistidos pelo Estado,em outras palavras, para os que condenam o assistencialismo do Estado tais pessoas, que recebem BolsaFamília, por exemplo, só querem se dar bem à custa do trabalho alheio, no caso, das camadas sociais maisaltas. Essa visão nas classes sociais mais altas tem origens científ icas, que eclodiram como verdadeiras eimportantes para a sobrevivência humana. De outra maneira, tais teorias f oram passadas de geração ageração, mesmo que tais teorias não tenham sido detalhadas, substancialmente transmitidas. Todaviaconceitos discriminatórios f oram passados com justif icativas respaldadas em jornais, que na grandemaioria, antes da Constituição de 1988, por exemplo, na grande maioria, só noticiavam crimes envolvendomoradores de áreas não nobres. Por quê? Porque a censura era muita, a ponto de evitar notícias depessoas elit izadas que cometiam crimes. A maioria era encoberta, pois a elite brasileira t inha grandeinf luência na imprensa, de f orma a abaf ar os acontecimentos com alva de autoridade policial, ou ajuda

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polít ica. Atualmente, o jornalismo é plenamente livre, ressalvados limites encontrados na própriaConstituição. Crimes até então considerados de f avelados passaram a ser noticiados: passional,estelionato, estupro etc.

2. Na aurora humana

Sobrevivência e subsistência nortearam a vida dos seres humanos em seus primórdios. Sem os meios deproduções, nos quais os conhecemos atualmente, grupos humanos desenvolverem mecanismo desobrevivência, com ou sem violência. Em algumas tribos af ricanas (caçadores e coletores) era comum,quando havia f artura de alimento, o compartilhar de alimentos, a tribo que tinha mais comida of erecia aoutra tribo que tinha pouco. A solidariedade – redistribuição de alimento - servia, então, comosobrevivência. A ideia era simples: “hoje se tem, amanhã não, mas alguém me ajudará mais tarde”.

Textos relacionados

Harris (1974) vê a redistribuição como um sistema regional de “seguro”. Ele argumenta que em sociedadesonde existe maior probabilidade de sof rer crises de f ome precisa-se de um sistema de redistribuição.

O antropólogo Richard Lee (1968) conta que certa vez comprou um boi para f azer uma f esta ao bandodos! Kung, com o qual andava. Quando Lee f alou do considerável tamanho do animal, sempre recebia aresposta de que o animal não valia nada. Lee depois perguntou por que as pessoas desmereciam o seupresente. A resposta veio: o caçador não pode f icar orgulhoso, pois algum dia poderia matar alguém.

3. Origens das discriminações

Em 1789, o economista Thomas Malthus criou uma teoria onde o controle populacional seria preciso, poisa população mundial crescia de f orma geométrica enquanto os recursos para manutenção da humanidadecresciam em proporção aritmética. Para impedir que a humanidade passasse f ome seria preciso acabarcom as polít icas caritativas aos mais pobres porque sendo mais pobres estariam naturalmente tirando dosmais abastados, mas gerando diminuições nas riquezas destes. Em outras palavras, os miseráveisdeveriam morrer de f ome, já que estes não tinham a capacidade de sobreviverem por si mesmos.

Herbert Spencer inf luenciado por Malthus dizia que as condições sociais modernas f avoreciam amultiplicação dos menos aptos. A “sobrevivência do mais apto” f oi uma expressão criada por ele, e nãoCharles Darwin. Mas muitas das teorias justif icando controle populacional dos inaptos, e até suas mortes,quando os abastados não dessem qualquer ajuda, encontravam f ortes adeptos de tais teorias naburguesia industrial inglesa, que incentivava a concorrência entre os homens, todavia, de f orma ideológicaonde somente os mais inteligentes e corajosos poderiam conseguir melhores condições sociais. Amobilidade entre classes sociais era, então, conceituada como condição aos que tinham melhorescondições – seleção natural – a própria sobrevivência.

A Origem do Homem e a Seleção Sexual", o inglês Charles Darwin:

"Os notáveis êxitos dos ingleses como colonizadores, em comparação com outras nações europeias,f oram atribuídos à sua "energia audaz e persistente"; um resultado que f icou bem evidenciado ao compararo progresso dos canadenses de extração inglesa e f rancesa; mas, quem pode dizer como é que osingleses adquiriram a sua energia? Aparentemente existe muita verdade na opinião de que os maravilhososprogressos dos Estados Unidos e o caráter deste povo são o resultado da seleção natural; com ef eito,os homens mais enérgicos, irrequietos e corajosos de todas as partes da Europa emigraram durante asúltimas dez ou doze gerações para esse grande país e lá t iveram o melhor êxito. Olhando para o f uturodistante, não creio que o Revdo. Z incke sustente uma hipótese exagerada quando af irma: "Todas asoutras séries de acontecimentos — como da civilização espiritual da Grécia ou aquela do Império Romano— parecem ter um signif icado e um valor somente quando pensadas em conexão, ou antes, comosubsidiárias da grande cheia da emigração anglo-saxônica no ocidente". Por mais obscuro que seja oprogresso da civilização, podemos pelo menos ver que uma nação que, durante um período prolongado,

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produziu o máximo número de homens de maior intelecto, enérgicos, corajosos, patrióticos, generosos,em geral deveria prevalecer sobre as nações menos f avorecidas.

A seleção natural deriva da luta pela existência e esta de uma rápida taxa de aumento. Não é possíveldeixar de lamentar a taxa com que o homem tende a aumentar; mas se isto é prudente, é outra questão.Ef etivamente, nas tribos bárbaras isto leva aos inf anticídios e a muitos outros males e, nas naçõescivilizadas, à pobreza abjeta, ao celibato e aos matrimônios mais tardios dos homens prudentes. Mas,dado que o homem está sujeito aos mesmos males f ísicos dos animais inf eriores, ele não tem o direito deesperar por uma imunidade contra os males resultantes da luta pela existência. Se nos temos primitivosnão tivesse estado sujeito à seleção natural, seguramente não teria atingido a situação atual" (HemusEditora, 1974, p. 170).

Francis Galton, primo de Charles Darwin, publicou a obra “A Hereditariedade do Gênio”. Para Galton,“pobres e indolentes” eram obstáculos hostis ao aumento numérico dos “homens superiores”, estes, osricos, os aristocratas, os industriais, poetas etc. Para Galton, a seleção artif icial seria o meio ef icaz paraconter o avanço dos pobres, dos medíocres intelectualmente, pois a mistura genética destes com os“homens superiores” macularia a genética posit iva dos “superiores”, o que causaria graves problemas ahumanidade, como vandalismo, homicídios, empobrecimento intelectual etc. O restabelecimento dasqualidades biológicas ao “homem superior”, ou “sangue-bom”, se daria com o não casamento ou relaçõessexuais com qualquer “sangue-ruim”.

“Sangue-ruim”, ou “degenerado”, na visão de Galton eram os criminosos contumazes, osirremediavelmente pobres, os def icientes f ísicos e mentais, os epilépticos e todas as pessoas que eramtidas como um peso para a sociedade. Assim, nas palavras de Galton “Nenhum progresso ou intervençãosocial poderia ajudar o incapacitado”. A teoria de Galton ganhou tamanha expressividade que o própriogoverno norte-americano mandou, compulsoriamente, esterilizar mulheres que possuíssem ascendênciascom características de “degenerados”. Porém não f icou só na esterilização f eminina, a deportação dosimigrantes indesejados, a castração de criminosos e def icientes mentais, a eutanásia passiva e até a ideiade se usar a câmara de gás f oram medidas tomadas – no últ imo caso, não f oi aplicado.

A "higiene ou prof ilaxia social", com o intuito de impedir a procriação de pessoas portadoras de doençastidas como hereditárias e até mesmo de eliminar os portadores de problemas f ísicos ou mentaisincapacitantes, prolif eraram em vários países, eis alguns: Alemanha, França, Dinamarca, Tchecoslováquia,Hungria, Áustria, Bélgica, Suíça União Soviética, Estados Unidos, Brasil, Argentina, Peru.

4. Guetos e guetos brasileiros

Se por um momento na história brasileira os guetos se f ormaram por conceitos de civilização e higienepopulacional – segregação aos menos capacitados à sobrevivência, que tiveram que residir em morros enos subúrbios - , na atualidade, por não ser capaz de se isolar, ef icientemente, nos morros e subúrbios, osmenos capacitados, os capacitados a seleção natural, ou geneticamente, se isolam em condomínios deluxo.

No tempo do Império brasileiro, a nobreza tinha a vida social em locais pré-estabelecidos para as reuniões[edif icações]. Com o passar do tempo, principalmente com as ref ormas urbanas ao estilo europeu, naRepública, as ruas passaram a serem pontos de encontros e lazer da elite.

Em f inais do século XIX, a tônica da República brasileira era a ordem pública. A sua proclamação nada tinhade revolucionário, pois era resultado de uma cisão entre as classes dominantes que compuseram oSegundo Reinado de onde eclodiu a articulação entre as oligarquias agrícolas paulistas e as ForçasArmadas (Patto, 1999).

A concentração de escravos na capital f ederal já era uma grande preocupação desde a época imperial, poiso negro era visto como naturalmente propenso à desordem, o que poderia trazer–na visão da elite urbana– levantes populares prejudiciais à ordem pública (Pechman, 2002; Valladares, 2000).

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No Rio de Janeiro, do início do século XIX, que era a Capital Federal do Brasil, com as polít icas higienistase de modernidade do Estado, as f amílias que não possuíam nome e sobrenome conceituados (desde oImpério), ex-escravos e, posteriormente, os nordestinos (ex-soldados da Guerra de Canudos) f oramf orçados a se alojarem nos morros cariocas – no caso dos nordestinos, em 1897, os ex-combatentesexigiam do governo moradia própria, como premiação por terem lutadona guerra, como não conseguiramnada, os ex-combatentes se instalaram, inf ormalmente, nos terrenos do morro, que passaram a chamar deMorro da Favela, em alusão ao morro chamado “f avela”, onde se alojaram para o combate. O termo“f avela” se deve a uma planta, que tinha no morro onde se alojaram durante a guerra.

Como alternativa de habitação, a população pobre aglomerou-se em habitações coletivas conhecidascomo cortiços e sem quaisquer condições de habitabilidade; porém, a localização central e o baixo preçodo aluguel f aziam com que se tornassem opção válida de moradia (Santos, 2006;Gonçalves, 2007).

A cidade do Rio de Janeiro passava por transf ormações prof undas como reurbanização e melhoria nostransportes a interligar a cidade f avorecendo o escoamento de mercadorias e pessoas. A elite da épocaqueria uma França [estilo] dentro do Rio de Janeiro e, como tal, não poderia comportar pessoas pobres,pois representavam uma ameaça à modernidade da cidade. Os cortiços f oram derrubados para dar lugar àsnovas edif icações dignas do desenvolvimento urbanístico que se esperava.

Esse contexto f azia das f avelas a única opção de habitação por parte da população mais pobre. Semcapacidade de intervenção, o Estado torna-se complacente com a situação. A expansão das f avelastornou-se, então, a maior representação da moradia popular do início do século XX, vistas, à época, muitomais como um problema de segurança do que de habitação(Mattos, 2007)

Apesar dos esf orços da elite da época, de mandar para bem longe os incompatíveis com a modernidade,os morros cariocas passaram a serem moradias para os excluídos, por serem locais próximos da cidade, oque f rustrou muitíssimo a elite brasileira, principalmente com os assentamentos - consentimento velado daadministração pública - de casas irregulares nos morros.

Mesmo com o assentamento dos indivíduos “desiguais” nos morros cariocas, a pobreza passou a ser umgrande problema de saúde, o que tornou mais acentuado o desprezo pelos pobres:

“Pobreza passou a signif icar sujeira, que signif icava doença, que signif icava degradação, que signif icavaimoralidade, que signif icava subversão. A doença não era só um mal do f ísico, mas deterioração da alma,da raça, que se traduzia nos mais variados vícios.”(Patto, 1999:184).

Como a Constituição Federal de 1988 preconiza os direitos humanos sem distinções, resta aosdescontentes o ref úgio e isolamento das classes sociais “perniciosas”. A violência presente no Brasil, pelopoder de guerra dos narcotraf icantes, milicianos e agentes públicos ímprobos, e pela incompetência dosadministradores públicos, justif icam as construções de condomínios com todos os aparatos ao lazer, àalimentação (minissupermercados) e à segurança, o que gera não só a perpetua divisões sociais abissais,mas discriminações.

5. Pobreza é doença [étnica]

Com modernização de cidades como o RJ e SP, no início do século XIX, os higienistas encontraram apossibilidade de se isolarem os “problemáticos” étnicos. Como a vida nos cortiços era precária, taishabitações eram problemáticas à saúde pública, além de não serem arquitetonicamente aceitáveis ao novoestilo [europeu] que se queria edif icar nas cidades.

Para os eugenistas, beleza e estética se aliam à estética e tudo que não seja estética burguesa – europeu– não poderia ser existir no novo quadro sociopolít ico nas ref ormas das cidades brasileiras. Assim, ahigienização das cidades deveria começar pela destruição dos cortiços, que eram habitações dos negroslibertos, para dar lugar à nova estética.

Apesar da existência de certa preocupação meramente sanitarista por parte de determinados médicos

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[eugenistas], o movimento higienista também estava articulado com setores econômicos, que seapropriavam das áreas centrais das metrópoles com intuito de f uturos ganhos com a especulaçãoimobiliária (Patto, 1999).

6. Solução higienista, imigração

Para muitos, o que f oi ensinado nas escolas e colégios, a imigração se deu por f atores de GuerrasMundiais, o que f avoreceu o desenvolvimento econômico brasileiro, e só. Mas, na realidade, a imigraçãotinha grande apreço pelas elites brasileiras ao processo de higienização social e eugenia racial.

Ao invés do imigrante ser visto como um inimigo, a imigração é f omentada – notadamente a europeia, vistoo período das duas Grandes Guerras. Na visão da elite brasileira, o imigrante branco europeu poderiaauxiliar no embranquecimento da população e na regeneração do povo (Patto, 1999).

Não se pode esquecer que f oi na Europa que surgiu as ideias higienizadoras do darwinismo social. Ascolonizações na Áf rica serviram, além da exploração econômica, como processo higienizador. Apartheid f oia máxima das atuações dos higienizadores europeus darwinistas.

7. Os pobres no século XXI

Pobreza, imoralidade, criminalidade e vício estão vinculados, de f orma que pobreza é sinônimo dedegradação humana, o que representa grave problema ao desenvolvimento social, econômico e espiritual.Não é de se espantar que, inf elizmente, moradores de rua, viciados ou não, representam “sujeiras edoenças”, cânceres sociais a importunar a vida dos que pagam caro por loteamentos urbanos, quetransitam com seus carros, que deambulam com calçados da últ ima moda, que se sentam em bancos naspraças públicas, mas tendo que suportar a sujeira deixada pelos indigentes.

As metrópoles se misturam com as modernidades da vida com os corpos humanos, em dissonância comesta modernidade. De certo, na visão dos darwinistas e eugenistas, moradores de ruas viciados ou nãosão considerados incapazes por natureza, o que causa dependência ou até “vampirismo” as pessoas quelutaram e alcançaram patamares socioeconômicos capazes de proporcionar condições de sobrevivênciadigna – isto em muitas mentalidades presentes no Brasil, inf elizmente. Se tais presenças de moradores deruas representam incapacidades emocionais e intelectuais aos moradores “civilizados” em habitats deconcreto e aço, por outro, o descaso enseja uma representação íntima de que o simples olhar para estaspessoas pode “contaminar” a vida dos que possuem certa condição de vida digna, em outras palavras, omedo de ser aquela pessoa desencadeia pavor.

A sobrevivência capitalista, em países cujas polít icas de desenvolvimento catalogam e excluem pessoas(quanto ao regionalismo, à etnia etc.) e alicerçam interesses não universalistas, mantém a mobilidadesocioeconômica acessível a certos setores e classes sociais, se verif ica, então, mobilizações sociaisparciais e, quando se f ala em direitos humanos de segunda dimensão, o dever do Estado em agir, vozeseclodem contra o assistencialismo do Estado, pois o Estado apenas está mantendo a sobrevivência depessoas incapazes para a vida competit iva aos mais “adaptados” e “f ortes”.

8. Manifestações universalistas e retaliações

As manif estações nas ruas servem como demonstrativos do que se passa no Brasil (momentosociopolít ico). As manif estações de junho de 2013 surpreenderam a todos, desde intelectuais atéjornalistas, pois, até então, nunca, na atual Constituição, os brasileiros (os esquecidos e delegados aúltima importância – seria continuação da mentalidade eugenista?) se uniram contra a corrupção, asdesigualdades sociais. O movimento “não é por R$ 0,20” mostrou que a preocupação não era somentecom os estudantes, mas com todos os brasileiros que, em grande maioria, dependem do serviço detransporte público – que reconhecido como transporte de massa [inf eriores], que é precário, perigoso edesumano. As manif estações f orçaram os senadores e deputados f ederais a agilizarem alguns projetos“esquecidos” – interesses pessoais, claro - há anos, como o f im do voto secreto, que f avoreceu muitasmaracutais.

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Em primeiro momento, os manif estantes “não é por R$ 0,20” f oram chancelados de “vândalos” por suaspichações nas paredes e muros, por exemplo. Somente após as gravações f eitas pelos própriosmanif estantes e postados, posteriormente, em sites de compartilhamentos de vídeo e, depois, derepórteres de grandes empresas de jornalismos serem violados em seus direitos constitucionais, tantof ísico como prof issionalmente, a situação mudou e passou a se questionar ação dos policiais e dasautoridades públicas.

No meio do f ogo cruzado restaram os discursos oportunistas de Democracia e direitos Constitucionaisaos legítimos manif estantes. Até então, antes das manif estações, os discursos enf adonhos e a contínuaviolação de direitos humanos, o que ainda persiste, aos passageiros de transportes públicos.

9. Manifestações unilaterais e o engessamento do Estado

Bem dif erentes são as manif estações ocorridas nas comunidades. Em muitos momentos se vê a inf luênciado narcotráf ico para desacreditar a presença do Estado nos morros cariocas incitando os moradores àviolência. Certo que há policiais que agem com mentalidades eugênicas – não se pode esquecer que aspolícias no Brasil f oram ensinadas a reprimirem os excluídos, os desiguais, os problemáticos aodesenvolvimento do Brasil - , de f orma que menos um é atuação prof ilática à cidade. Misturam-se tambéminteresses econômicos subversivos, pois os morros cariocas são extensos e podem esconderarmamentos, drogas. Não se pode esquecer que os morros cariocas surgiram por ações sociopolít icashigienizadoras, ou seja, af astar os pobres, os incapacitados da convivência dos “superiores” (elit izados).Como o Estado não intervia, diretamente, no crescimento dentro das f avelas, cada qual achou a suamaneira de sobreviver, uns honestamente, outros pela marginalidade. Dentro do caos, nada se tem deconcreto, mas articulações diversas para conf undir e se manter poderes e negociatas diversas – querendoou não, o f ilme Tropa de Elite 2 retratou o Rio de Janeiro.

O que é de se estranhar é que as intervenções nos morros cariocas acontecem justamente para a Copado Mundo, que atrairão estrangeiros. Outro importante enf oque é que boa parte do dinheiro empregadopelos cof res públicos se f az em áreas que sediarão a Copa, nas perif erias brasileiras, onde não se terá aCopa do Mundo, a inf raestrutura aos serviços públicos permaneceu intocável, ou seja, o pior do pior aindacontinua existindo para as populações de tais localidades.

10. A gênese das favelas e os problemas atuais

Se a escravidão era desumana, a liberdade não trouxe tantos benef ícios aos negros. Como não tinhamestudo e não haviam aprendido uma prof issão, os negros não conseguiam empregos por f alta dequalif icação. Ficaram marginalizados, sof rendo preconceito e discriminação, o que já era costumeiro desdea colonização do Brasil. Na luta pela sobrevivência, o f urto era um dos meios de sobrevivência. Mesmo quealguns negros cult ivassem alguns alimentos em seus terrenos, mesmo assim, não eram suf icientes –pense que para colher f eijão, arroz, milho, necessita-se de terrenos e tempo - , já medicamentos, roupas eutensílios necessitavam de dinheiro. Para a elite era muito f ácil catalogar os negros como delinquentes,pois nos lares daqueles não f altava comida, a qualif icação prof issional estava presente, assim como osaber ler e escrever, os maridos, geralmente, eram industriais. Muito f ácil f alar dos problemas alheios deuma visão privilegiada sem passar necessidade.

Em certos momentos os punguistas f urtavam dinheiro não para ostentação, poder, mas por necessidadesa sobrevivência pessoal. Mesmo libertos, os negros encontravam dif iculdades em conseguir empregosf ormais, o que os levavam a vender, em certos locais, comidas que preparavam em suas casas, porexemplo, mas mesmo assim não provinham todas as necessidades.

Mas f oi no Golpe de Estado promovido pelos militares (1964 a 1985) que a situação dos morros cariocasmudou. No início dos assentamentos de habitações nos morros, os excluídos socialmente, os detentoresde “más qualidades” tentavam sobreviver como podiam. Num ambiente sem educação, água e esgotoencanados, o crescimento desordenado das casas e a f alta de policiamento – quando havia era paraconter os desordeiros, em outras palavras, incursões para controles limitadores para áreas próximas de

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loteamentos urbanos de algum polít ico, magnata - , nada mais entendível que se surgissem grupos“criminosos”. Esses criminosos eram f rutos de um ambiente desumano, os desajustamentos sociais eramconsequências do desequilíbrio econômico e a má assistência social governamental, além disto, asmentalidades darwinistas imputavam conceitos desumanos aos negros, o que dif icultava ainda mais asobrevivência destes. O inf erno em vida.

Mas como dito, o Golpe de Estado (militar) mudou a vida dos habitantes das f avelas cariocas. Os presospolít icos ensinaram aos presos comuns como poderiam conseguir melhorias em suas comunidades, claroque com intuito de combater o Estado Ditador Militar. As trocas de inf ormações entre os presos polít icos eos presos comuns (analf abetos polit icamente) f oram decisivas para a f ormações de f acções nas f avelascariocas. O Comando Vermelho f oi uma das primeiras f acções no Rio de Janeiro, ou do Brasil.

Amorim transmite um pouco desta realidade ao relatar no livro CV_PCC: A Irmandade do Crime, trechos dediálogos seus com algumas pessoas que estiveram no presídio como presos polít icos:

Ele me disse na ocasião que os presos comuns, quando reunidos aos presos polít icos, “viviam umaexperiência educadora”.“Passavam a entender o mundo e a luta de classes”, explicou, “compreendendo asrazões que produzem o crime e a violência”. O mais importante da conversa com o velho comunista seresume num comentário: - A inf luência dos prisioneiros polít icos se dava basicamente pela f orça doexemplo, pelo idealismo e altruísmo, pelo f ato de que, mesmo encarcerados, continuávamos mantendoorganização e a disciplina revolucionárias.(AMORIM, 2004, p.64).

Os presos comuns passaram a ler livros onde aprenderam técnicas sobre guerrilha e sobre o marxismo,tais como: A guerrilha vista por dentro, Guerra de guerrilha (Che Guevara), O Manif esto do PartidoComunista(Karl Marx e Friedrich Engels), A Concepção Materialista da História(Af anassiev), A História daRiqueza do Homem(Leo Hubberman) e Conceitos Elementares de Filosof ia (Martha Hannecker) (AMORIM,2004, P. 95). Sobre a herança deste intercâmbio cultural também f alou Willian (1991 apud AMORIM, 2004, p.95), f undador do Comando Vermelho:

[...] Quando os presos polít icos se benef iciaram da anistia que marcou o f im do Estado Novo, deixaram nacadeia presos comuns polit izados, questionadores das causas da delinquência e conhecedores dos ideaisdo socialismo. Essas pessoas, por sua vez, de alguma f orma permaneceram estudandoe passando suasinf ormações adiantes[...]Repercutiam f ortemente na prisão os movimentos de massa contra ditadura, echegavam notícias da preparação da luta armada. Agora Che Guevara e Régis Debray eram lidos. Nãotardaria contato com grupos guerrilheiros em vias de criação. (WILLIAN, 1991 apud AMORIM, 2004, p. 95).

Em certo momento, os presos comuns, os excluídos socialmente, passaram a ter conhecimentos sobredireitos até então desconhecidos. Ao retornarem para suas localidades começaram a organizar aspopulações locais, de f orma que eles mesmos pudessem ter os direitos inalienáveis qualquer ser humano:dignidade. Mas como ter direitos e qualidade de vida? Armas, contrabandos e venda de drogas ilícitas. Emsuas raízes, os “donos” dos morros davam proteções aos moradores, como segurança, além disto,f orneciam alimentos e tudo o que f osse possível para suprir as necessidades dos moradores.

Todavia, com o tempo, os “donos” viram que poderiam lucrar com isso, mas não só os “donos”, masinescrupulosos agentes públicos vislumbraram inúmeras possibilidades de ganhos, af inal, para estes, nosmorros poderiam f azer de tudo, pois, o Estado era omisso, e a elite nada queria saber sobre os“desiguais”; enquanto no asf alto a vida seguia tranquilamente – termo usado pelos moradores das f avelaspara classif icar os moradores que viviam f ora das f avelas – nas f avelas se f orjava as mais ignóbeisações. Sim, o darwinismo social e a eugenia são as mazelas que culminaram nos problemas sociais doBrasil atual.

11. O que se esperar de conceitos darwinistas e eugenistas?

[...] Vou aos morros e vejo crianças com disposição, f umando e vendendo baseado. Futuramente, elasserão três milhões de adolescentes que matarão vocês [a polícia] nas esquinas. Já pensou o que serãotrês milhões de adolescentes e dez milhões de desempregados em armas? Quantos Bangu Um, Dois,

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Três, Quatro, Cinco... Terão que ser construídos para encarcerar essa massa? (AMORIM, 2004, p. 348)

As raízes dos problemas atuais presenciados no Brasil têm suas bases em teorias aceitas no passado,principalmente na Constituição brasileira de 1934. Os séculos se passaram, mas as mentalidades e aspolít icas públicas não. A aprovação automática, por exemplo, serviu de miragem aos países desenvolvidos,mas que prejudicou, substancialmente, o Brasil, e manteve mais uma vez, a ignorância polít ica. A educaçãopública, assim como todos os demais serviços públicos violam direitos humanos, mas direitos de quem?Dos mesmos excluídos em outrora. O que houve f oi uma mudança na polarização. Nos transportespúblicos, por exemplo, os interesses empresariais (elite) – Barão de Mauá entendeu muito bem em suaépoca - coadunados com interesses subversivos de gestores públicos, se distanciam dos interesses dopovo (desiguais), que quer transporte ef iciente, seguro, humanizado. Sim, mais uma vez se vê odarwinismo social, queira ou não. Pode-se dizer que, no Brasil, o capitalismo serve aos interesses deminorias, as elites empresariais. E é muito f ácil de ver isso. Há incentivos ao consumismo desenf reado,para melhorar a economia, que melhorará o desenvolvimento nacional, o que é de se estranhar é que taisdesenvolvimentos continuam, secularmente, nos polos e regiões onde se concentram grupos sociaiselit izados, enquanto nas regiões, nas localidades onde se concentram os excluídos, se veem poucasmudanças. Não é à toa que as perif erias, os subúrbios continuam como estão: ruas não asf altadas;saneamento inexistente etc.

E quando acontece algum evento? Da mesma f orma que aconteceu com a derrubada dos cortiços o êxododos moradores para outras localidades, ainda se vê nos tempos atuais, porém com o nome de Supremaciado Interesse Público, mas de quem mesmo? Mesmo que as populações locais sejam remanejadas, e quetenham casas para morarem, a mobilidade urbana continua a cercear a mobilidade social destes excluídos.Em muito se discute o porquê de moradores removidos de certas áreas retornarem para as suaslocalidades originais, se o Estado deu moradia. O problema não está em dar casa, mas f atores quedif icultam a vida dessas pessoas a deus dará. Se as primeiras casas construídas nos morros cariocas, ouas cidades satélites, no Distrito Federal – nordestinos que participaram da construção de Brasília e depoisconstruíram casas perto de Brasília – t inham como propósitos de atender as necessidades dos primeirosmoradores – logística - , não é de se estranhar que muitos moradores removidos pref erem retornar aosantigos locais que f oram expulsos. Um grande entrave no Brasil é a f alta de concretização da mobilidadeurbana. A concentração de riquezas se f az em algumas cidades, o que não mudou muito desde o séculoXIX.

12. Conclusão

O artigo 3°, assim como muitos outros artigos Constitucionais, como o artigo 7°, por exemplo, nãopassam de tintas gastas em árvores cortadas (f olhas). Apesar das mudanças, o Brasil continua sendo umdos países mais desiguais socioeconomicamente, do mundo. A economia cresce, mas não se veemmelhorias substanciais igualitariamente, universais. Apesar de ser um Estado Democrático, o que se vê, narealidade é um Estado Absolutista. Brasília passou a ser o Palácio de Versalhes no coração do Brasil, osque querem ingressar na polít ica, salvo em alguns casos, é para se dar bem. As construções, asurbanizações acontecem quando há algum evento mundial, ora, se não houve dinheiro para se construir,ref ormar, ampliar os serviços públicos, antes, como houve agora?

Os moradores de ruas são deslocados para alguns pontos da cidade, quando importunam com seuscorpos maus cheirosos em f rente a estabelecimentos comerciais e residências, sem que haja interessedos “superiores” sobre o destino de cada morador. Pedem-se a liberação da maconha, como diminuição docrime organizado, mas sem se ater aos problemas cotidianos de milhões de brasileiros subnutridos, aosque rogam a Deus uma morte rápida, para não sof rerem com o mercantilismo da saúde humana; ao eventoesportivo mais adorado do país, centenas de milhares entram e f renesi, sem se importarem com osproblemas af lit ivos dignos da Idade Média; na construção de novas vias públicas e f acilidades creditíciasao comprar veículos particulares, f ilas se f ormam nas concessionárias, o sonho da libertação, aos ônibus,soa como grande oportunidade e ascensão social, sem, contudo, a visão de que se aumentará mais apoluição atmosf érica e os problemas de mobilidade urbana, tudo por conta de mentalidade de statusgrandioso, o que se observa muito dif erentemente em países desenvolvidos, cujos cidadãos valorizam o

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transporte público.

Nos presídios brasileiros, as condições desumanas, mas com propósitos higienistas e capitalização. Noprimeiro caso, higienista, a maioria são pessoas de classes sociais relegadas ao esquecimento porséculos, desde que se matem e não importunem f ora dos presídios, não há o que se importar com ospresidiários, tanto a sociedade como os agentes públicos polít icos higienista nada f azem para mudar asituação deles, no caso, a ressocialização. No segundo caso, capitalização, pois sem ressocialização eindividualização das penas dos presidiários, o caos aumenta e se f ormam, dentro dos presídios, doutoresdo crime. Lucram [capitalizam] quem tem interesse no caos social, de f orma que, lucros advindos dainsegurança pública, engrandeça a venda de paraf ernálias tecnológicas de segurança particular, que passaa ser um dos mercados mais lucrativos da história brasileira. Aos que podem pagar pelas paraf ernáliastecnológicas de segurança, o direito à vida, aos que não podem o não direito de viver. Estranhamente éque se mantêm as mesmas engrenagens higienistas do passado brasileiro: de um lado, a elite a ter todo oaporte das polít icas públicas em melhorias em seus bairros, de outro lado, o “povão”, que sof re a cada diacom as polít icas públicas de desenvolvimento precaríssimas em suas localidades.

Nos primórdios, os serviços públicos eram ef icazes, pois a elite os usava. A partir do momento em que aelite começou a deixar de usuf ruir os serviços públicos é que estes começaram a se deteriorar. Em suma, oque houve f oi uma f orte atuação, incentivo empresarial na f orma de atuação do Estado, de f orma que osserviços particulares tomassem o lugar dos serviços públicos. Um exemplo é quanto aos transportespúblicos. Por pressões de empresários de ônibus, os bondes f oram deixando de existirem.

Se as privatizações passaram a ser necessárias, para alguns, a certeza de que tais privatizaçõesmeramente especularam melhorias na vida dos brasileiros não é f alsa. Escuto muito o dizer que somentecom a privatização da telecomunicação f oi possível ter telef one. Concordo que é mais f ácil ter telef one ecelular, mas o que adianta tê- los se os serviços são péssimos? Quantas reclamações existem nosPROCONs quanto às gravíssimas violações aos direitos dos consumidores? E o que dizer da píf ia atuaçãoda Agência Reguladora, que permite que os direitos dos consumidores sejam violados?

Há f ortes pressões de empresários, de todos os tipos (transportes, medicamentos etc.), ao Estado, def orma que este passa os f avorecer. E conseguem, pois ímprobos polít icos estão vendendo o Brasil e asaúde do povo.

Enf im, os problemas são muitos, e não apenas de uma parcela, mas cultural. Só o conhecimento traz aliberdade.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

"Não é preciso penetrar na intenção do agente, porque do próprio objeto resulta a imoralidade.Isto ocorre quando o conteúdo de determinado ato contrariar o senso comum de honestidade,retidão, equilíbrio, justiça, respeito à dignidade do ser humano, à boa fé, ao trabalho, à éticadas instituições. A moralidade exige proporcionalidade entre os meios e os fins a atingir; entreos sacrifícios impostos à coletividade e os benefícios por ela auferidos; entre as vantagensusufruídas pelas autoridades públicas e os encargos impostos à maioria dos cidadãos.

Por isso mesmo, a imoralidade salta aos olhos quando a Administração Pública é pródiga emdespesas legais, porém inúteis, como propaganda ou mordomia, quando a população precisade assistência médica, alimentação, moradia, segurança, educação, isso sem falar no mínimoindispensável à existência digna.”

Referências:

1) Associação Cultural Montf ort. Eugenia: o pesadelo genético do Século XX. Parte I: o início. Disponível em:http://www.montf ort.org.br/old/index.php?secao=veritas&subsecao=ciencia&artigo=eugenia1&lang=bra#,

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acessado em 23 de Abril de 2014;

2) Revista Eletrônica de Ciências Humanas, Letras e Artes. OS PENSADORES QUE INFLUENCIARAM APOLÍTICA DE EUGENIA DO NAZISMO. Disponível em:http://ruisoares65.pbworks.com/f /darwinismo+social+e+eugenismo.pdf , acessado em 23 de abril de 2014;

3) Mendes, Iba. Apartheid e darwinismo social. Disponível em: http://www.ibamendes.com/2010/05/apartheid-e-darwinismo-social.html, acessado em 23 de abril de 2014;

4) Werne, Dennis. Uma Introdução às Culturas Humanas. Ed. Vozes, 1987;

5) Ballone GJ - Alf red Adler, in. PsiqWeb, internet, disponível em http://www.psiqweb.med.br/site/?area=NO/LerNoticia&idNoticia=186, revisto em 2008. Baseado no livro "Teorias da Personalidade"- J.Fadiman, R. Frager - Harbra – 1980. Acessado em 23 de abril de 2014;

6) Loughnan, Stephen. Quanto mais desigual uma sociedade, mais as pessoas se acham melhores queseus pares. Disponível em http://direito.f olha.uol.com.br/6/post/2012/06/quanto-mais-desigual-uma-sociedade-mais-as-pessoas-se-acham-melhores-que-seus-pares.html, acessado em 23 de abril de 2014;

7) Geraldi, Juliano. E assim nasceu a Favella: cidadania de segunda classe no início da República Brasileira.Disponível em http://cabodostrabalhos.ces.uc.pt/n7/documentos/04-JulianoGeraldi.pdf , acessado em 25 deabril de 2014;

8) GRILLO, CRISTINA. Guetos no Brasil são das classes média e alta, diz sociólogo f rancês. São Paulo,domingo, 22 de abril de 2001. Disponível em http://www1.f olha.uol.com.br/f sp/cotidian/f f 2204200119.htm,acessado em 25 de abril de 2014;

9) IPEA. História - O destino dos negros após a Abolição. Disponível emhttp://www.ipea.gov.br/desaf ios/index.php?option=com_content&id=2673%3Acatid%3D28&Itemid=23,acessado em 25 de abril de 2014;

10) Benedito, Deise. As mulheres negras no dia 14 de maio de 1888. Disponível emhttp://amaivos.uol.com.br/amaivos09/noticia/noticia.asp?cod_noticia=8598&cod_canal=71, acessado em 25de abril de 2014;

11) AMORIM, Carlos. CV_PCC: A irmandade do crime. 4. Ed. Rio de Janeiro: Record, 2004.

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