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1 História do Brasil Prof. Lamarão 1. A OPÇÃO AÇUCAREIRA. A colonização do Brasil e seu efetivo povoamento pelos portugueses tornavam-se imperativos para a permanência da posse lusitanas das terras de cá. A presença estrangeira rondava o nosso litoral e o comércio com as Índias Orientais declinavam. Desta maneira, era necessário produzir algo em nosso território que pudesse ser revendido na Europa de forma valorizada. Assim, reafirmando o sentido da colonização brasileira, a exploração das terras de cá se deu, inicialmente, sob as bases da empresa açucareira. As formas de produção do açúcar por aqui adotadas não consistiam em uma extrema novidade para a Coroa Portuguesa ao longo da expansão marítima. Este modelo de exploração colonial já fora adotado pelos portugueses ao longo da colonização do Atlântico Sul, em especial nas Ilhas de Madeira e São Tomé. A falta de excedente na forma de produzir dos índios, a ausência de uma riqueza facilmente explorável como o ouro ou prata, e a fartura de rios e terras agricultáveis, e em especial no nordeste, o solo de massapé contribuíram para a opção pelo açúcar que obtinha grande valorização no mercado europeu. A zona litorânea oferecia vantagens para a localização dos Engenhos de Açúcar. Além de serem próximas aos portos, favorecendo o seu transporte para a Metrópole, oferecia vantagens naturais como a foz dos rios. Contudo, uma grave consequência deste tipo de produção foi a destruição de parcela significativa da Mata Atlântica e a progressiva erosão e desertificação do solo, como se observa atualmente no semiárido e sertão nordestino. Dois tipos principais de engenho foram instalados no Brasil colônia, O Engenho Real e o Engenho de Bois (também conhecidos como trapiche ou Engenhoca). 2. O ENGENHO DO AÇÚCAR. Embora o engenho propriamente dito fizesse referencia ao maquinário presente nas fazendas produtoras de açúcar, este termo acabou servindo pra dar nome a todo o complexo social que estivesse atrelado a esta unidade produtiva. Além de cumprir com sua clara função econômica, cumpria um papel militar, pois que os senhores de engenho deveriam fornecer armas e homens em caso de alguma invasão estrangeira. Indo além, estes engenhos concentravam também a função religiosa, pois que além de uma capela que servia de polo atrativo religioso de todo os arredores, o senhor de engenho deveria manter economicamente o capelão. Contudo, outras partes do engenho eram tão importantes quanto o maquinário nele presente. A Casa Grande servia de moradia do senhor de terras e de escravos, bem como de todos os seus familiares e agregados, servia também de escritório e fortificação e, por ocasiões, era utilizada de pousada para viajantes. A senzala era o lugar onde vivam os escravos. Mantidos em condição insalubre, com pouca higiene e conforto, a senzala era apenas um aspecto na degradante vida que levava os escravos no Brasil. A capacidade produtiva dos maiores engenhos poderia atingir a marca de 145 toneladas por ano, embora a média dos engenhos girasse em torno de cinco vezes menos do que isso. O alto custo de instalação dos engenhos levou a grande parte dos senhores de engenho a buscarem parceiros esta empresa, tendo como destaque nesta sociedade os comerciantes holandeses. Em menor escala, temos o recurso a alemães e italianos neste propósito. Desta maneira, os

O branco e o negro no brasil açúcar e escravidão

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Apostila sobre a economia açucareira no Brasil e a escravidão.

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História do Brasil Prof. Lamarão

1. A OPÇÃO AÇUCAREIRA.

A colonização do Brasil e seu

efetivo povoamento pelos

portugueses tornavam-se

imperativos para a permanência

da posse lusitanas das terras de

cá. A presença estrangeira

rondava o nosso litoral e o

comércio com as Índias

Orientais declinavam. Desta

maneira, era necessário

produzir algo em nosso

território que pudesse ser

revendido na Europa de forma

valorizada.

Assim, reafirmando o sentido da

colonização brasileira, a

exploração das terras de cá se

deu, inicialmente, sob as bases

da empresa açucareira. As

formas de produção do açúcar

por aqui adotadas não

consistiam em uma extrema

novidade para a Coroa

Portuguesa ao longo da

expansão marítima. Este modelo

de exploração colonial já fora

adotado pelos portugueses ao

longo da colonização do

Atlântico Sul, em especial nas

Ilhas de Madeira e São Tomé.

A falta de excedente na forma

de produzir dos índios, a

ausência de uma riqueza

facilmente explorável como o

ouro ou prata, e a fartura de rios

e terras agricultáveis, e em

especial no nordeste, o solo de

massapé contribuíram para a

opção pelo açúcar que obtinha

grande valorização no mercado

europeu.

A zona litorânea oferecia

vantagens para a localização dos

Engenhos de Açúcar. Além de

serem próximas aos portos,

favorecendo o seu transporte

para a Metrópole, oferecia

vantagens naturais como a foz

dos rios. Contudo, uma grave

consequência deste tipo de

produção foi a destruição de

parcela significativa da Mata

Atlântica e a progressiva erosão

e desertificação do solo, como

se observa atualmente no

semiárido e sertão nordestino.

Dois tipos principais de engenho

foram instalados no Brasil

colônia, O Engenho Real e o

Engenho de Bois (também

conhecidos como trapiche ou

Engenhoca).

2. O ENGENHO DO

AÇÚCAR.

Embora o engenho

propriamente dito fizesse

referencia ao maquinário

presente nas fazendas

produtoras de açúcar, este

termo acabou servindo pra dar

nome a todo o complexo social

que estivesse atrelado a esta

unidade produtiva. Além de

cumprir com sua clara função

econômica, cumpria um papel

militar, pois que os senhores de

engenho deveriam fornecer

armas e homens em caso de

alguma invasão estrangeira.

Indo além, estes engenhos

concentravam também a função

religiosa, pois que além de uma

capela que servia de polo

atrativo religioso de todo os

arredores, o senhor de engenho

deveria manter

economicamente o capelão.

Contudo, outras partes do

engenho eram tão importantes

quanto o maquinário nele

presente. A Casa Grande servia

de moradia do senhor de terras

e de escravos, bem como de

todos os seus familiares e

agregados, servia também de

escritório e fortificação e, por

ocasiões, era utilizada de

pousada para viajantes. A

senzala era o lugar onde vivam

os escravos. Mantidos em

condição insalubre, com pouca

higiene e conforto, a senzala era

apenas um aspecto na

degradante vida que levava os

escravos no Brasil. A capacidade

produtiva dos maiores engenhos

poderia atingir a marca de 145

toneladas por ano, embora a

média dos engenhos girasse em

torno de cinco vezes menos do

que isso.

O alto custo de instalação dos

engenhos levou a grande parte

dos senhores de engenho a

buscarem parceiros esta

empresa, tendo como destaque

nesta sociedade os

comerciantes holandeses. Em

menor escala, temos o recurso a

alemães e italianos neste

propósito. Desta maneira, os

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História do Brasil Prof. Lamarão

holandeses participavam da

circulação do açúcar refinado na

Europa, tendo parte significativa

dos lucros deste comércio

também.

Viviam no entorno do Engenho

de Açúcar não só senhores e

escravos, mas toda sorte de

lavradores livres, desde os mais

abastados aos mais pobres,

dependendo em menor ou

maior escala do maquinário e

ferramentas do engenho. Assim,

quando estes iam usar as

máquinas do senhor de terras

(para moer a cana, por

exemplo), pagavam uma taxa

por isso, em geral, sob a forma

de produção de cana-de-açúcar

(cana obrigada).

No interior do Engenho também

conviviam o trabalho livre e o

trabalho escravo, sendo que

este último é,

reconhecidamente, a principal

forma de trabalho empregada

na lavoura do açúcar. Em geral,

o trabalho livre era empregado

em funções mais técnicas,

especializadas. Dentre os papeis

realizados pelos trabalhadores

livres estavam: (1) o Feitor-mor

que era o “gerente” do

engenho, responsável pelo

controle do trabalho escravo e

livre no interior do engenho; (2)

o caixeiro do engenho que era

responsável pelo transporte em

caixa do engenho até os portos

ou centros comerciais; (3) o

cobrador de rendas era

responsável pela cobrança de

taxas de todos os trabalhadores

livres no entorno do engenho

(cana obrigada e outras taxas de

arrendamento de terras); (4) os

purgadores eram responsáveis

pela clarificação do açúcar; (5)

os barqueiros ou levadeiros que

eram responsáveis pelo controle

da força no engenho na

moenda; (6) o escrivão

responsável pela resolução

jurídica relativa à posse ou ao

uso da terra; (7) o caldeireiro

que limpava o caldo durante o

processo de decoada; (8) o

banqueiro que substituía na

supervisão noturna do trabalho,

etc..

No entanto, reiteramos que a

principal força de trabalho no

engenho do açúcar era o

trabalho escravo negro que fora

estimulado pela alta

lucratividade que poderia gerar

ao produtor de açúcar como

também, pelo lucrativo tráfico

negreiro.

3. O TRABALHO ESCRAVO

NO BRASIL DO AÇÚCAR.

A escravidão acompanha a

história das sociedades

humanas desde sua tenra idade.

Os povos da antiguidade

utilizavam-se da escravidão

como forma de aumentar a

produtividade do trabalho

doméstico. Contudo, o seu baixo

custo com relação a outras

formas de mão-de-obra

estimulou o emprego desta

forma de trabalho em outros

setores da economia. O termo

escravo, oriundo de slave foi

difundido pela massiva

escravização dos eslavos. A

conquista do Mediterrâneo

pelos mulçumanos fez

permanecer a escravidão como

atividade econômica. Desta

maneira, ao longo do Périplo

Africano, os portugueses

passam a rivalizar e concorrer

com os mulçumanos no

fornecimento de mão de obra

cativa. Além disso, o início do

cultivo do açúcar nas ilhas de

São Tomé e Açores utilizou-se,

largamente, da mão de obra

escrava negra, promovendo

também profundas alterações

nas sociedades africanas que

passaram a, cada vez mais,

guerrearem entre si como forma

de se obter prisioneiros e estes

serem comercializados como

escravos.

No Brasil, inicialmente, buscou-

se utilizar a mão-de-obra

indígena como escrava, devido

ao seu custo inicial pequeno se

comparado com a mão de obra

livre portuguesa ou mesmo a

mão de obra cativa africana. No

entanto, a escravização dos

índios sofre grande resistência

no interior da sociedade

colonial, em especial, por conta

das ordens religiosas que

desejavam catequizá-los. Outro

ponto importante em favor da

escravidão negra era 0- cada vez

mais- lucrativo tráfico negreiro,

permitindo a certos

comerciantes um rápido

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História do Brasil Prof. Lamarão

enriquecimento e, em alguns

casos, na acumulação primitiva

de capitais. O amplo

conhecimento que os índios

tinham do território brasileiro

dificultava a sua captura pelos

colonos portugueses. Outro

ponto importante era a extrema

vulnerabilidade que os índios

apresentavam com relação às

doenças trazidas pelos homens

brancos. Simples gripes, devido

ao não condicionamento

biológico dos índios para com

estas doenças, promoveram

verdadeiros extermínios às

populações indígenas. Além

disso, os índios não se

submetiam facilmente a formas

de trabalho intenso e não fazia

parte de sua cultura uma

produção que se voltasse não

para a sobrevivência do povo,

mas sim para o comércio e a

troca.

Contudo, a força de trabalho

mais utilizada no Brasil

açucareiro fora, sem dúvida

alguma a mão escrava negra.

Como já foi dito pesavam contra

a escravização do índio a

pressão da Igreja Católica, a

resistência e conhecimento do

terreno que facilitavam os

índios na fuga, a inadequação ao

trabalho. Ao contrário, no caso

da mão-de-obra negra escrava,

ademais o alto custo inicial

desta empresa, além de

extremamente lucrativa sob a

forma de tráfico negreiro

contava com uma experiência

bem sucedida anteriormente e,

principalmente, os negros não

contavam com a mesma

proteção da Santa Igreja.

Designados por estas como sem

alma, devido à existência de

rituais religiosos primários,

considerados ora heréticos, ora

satânicos pela Igreja, em geral

os negros eram tratados como

similares dos animais: sem alma.

Ao tempo que o Tráfico

Internacional de Escravo negro

fora permitido no Brasil, estima-

se terem entrado por nossos

portos algo em torno de 9,5

milhões de africanos para a

América, onde o Brasil ocupa a

primazia do destino destas

almas. O comércio de escravos

negros representava, em geral,

uma brecha no sistema colonial,

tendo em vista que os

agenciadores deste tráfico

eram, em geral, colonos (em

grande parte situada nas

maiores cidades como Rio de

Janeiro e Salvador) que

comercializavam diretamente

com a região fornecedora, na

África. Embora este comércio

permanecesse no âmbito do

Império Português, onde uma

colônia americana

comercializava com uma colônia

africana, não havia efetiva

participação da Metrópole. Os

principais portos fornecedores

foram Cabinda, Benguela e

Luanda na África. Já os

principais destinos destes

escravos foram os de Recife,

Salvador, Belém, São Luís e Rio

de Janeiro. Este comércio, como

dito, teve efeitos devastadores

para a própria África

estimulando o aumento de

guerras tribais e promovendo

uma das maiores dispersões

populacionais já assistidas na

história: a diáspora africana.

Estes negros eram trazidos em

condições sub-humanas, em

navios com nenhuma higiene,

amontoados em seus porões,

submetidos a doenças várias,

fome, desidratação. Estima-se

que numa viagem de navio

negreiro aproximadamente 20

% da população negra

embarcada não resistia à

viagem. Caso fosse um navio

pequeno, transportava-se cerca

de 200 negros, caso fosse um

navio grande a capacidade

aumentava para 750 negros. O

historiador Felipe Alencastro

conseguiu, após levantar

distintas informações, montar o

seguinte panorama do tráfico de

escravos para a América.

Page 4: O branco e o negro no brasil  açúcar e escravidão

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História do Brasil Prof. Lamarão

Ao chegar ao Brasil, à

expectativa de vida de um

escravo negro girava em torno

de 10 anos. Isso se devia a

péssima alimentação, a pesada

carga de trabalho, a disenteria e

a saudade de sua terra (em sua

língua, banzo). Os escravos

nascidos em cativeiro no Brasil

tinham uma expectativa de vida

de 23 anos. Já o brasileiro médio

comum tinha uma expectativa

de vida de 28 anos. A título de

comparação, na América do

Norte, nesta mesma época, a

expectativa de vida do colono

chegava a 40 anos de idade.

Na América, em especial nas

colônias holandesas, francesas e

inglesas houve uma maior

miscigenação entre etnias

africanas na América, como

tática do colonizador de

minimizar a resistência destes

povos. Nestas localidades em

especial fora criada uma língua:

o crioulo que misturava uma

série de dialetos africanos e

buscava ser uma língua comum

entre os negros ininteligíveis aos

europeus.

No Brasil, a entrada de escravos

angolanos- território também

colonizado pelos portugueses –

permitiu o uso da língua lusa

pelos escravos e colonos. Outro

ponto importante da dominação

branca sobre os negros no Brasil

foi a catequese que pregava a

obediência como forma de

salvação. Contudo, muitas

tradições religiosas vindas da

África foram mantidas,

constituindo assim outro ponto

de resistência a dominação

europeia pelo cristianismo. Foi

desta amalgama que se

originam religiões como o

acontundá e o candomblé. A

baixa natalidade, a alta

mortalidade infantil e o

desequilíbrio entre o número de

escravas (menor) e o número de

escravos (maior) prejudicou a

formação de famílias.

A maior parte dos escravos que

chegavam ao Brasil era alocada

nas zonas rurais, trabalhando

nas diversas etapas da produção

do açúcar, como também nos

serviços domésticos da casa

grande. Nas cidades os escravos

poderiam tanto ocupar os

serviços domésticos, como

serem auxiliares em alguma

tarefa comercial ou urbana,

sendo alguns casos, escravos de

ganhos que recebiam do seu

proprietário autorização para

trabalharem em serviços na rua

(vendedores, sapateiros,

barbeiros, carpinteiros,

marceneiros, alfaiates,

prostitutas, eram algumas das

profissões mais recorrentes) e

devolviam ao proprietário

parcela considerável do que fora

arrecadado podendo manter

consigo, contudo, certa quantia

em dinheiro. Sem dúvida

alguma, a mão-de-obra escrava

foi a principal forma de trabalho

adotada no Brasil colonial e

imperial. Isto levou certos

historiadores, como Ciro

Flamarion Cardoso, a definirem

o modo de produção do Brasil

Monárquico como modo- de-

produção escravista ou

escravagista. Isto não significa

que outras formas de trabalho

não convivam simultaneamente

com o trabalho escravo no

Brasil, mas a principal forma, a

mais importante, pois que

gerava a maior parcela de

riquezas, foi a escravidão.

3.1 A RESISTÊNCIA DO

NEGRO À ESCRAVIDÃO

Em certo momento da

historiografia brasileira foi

comum afirmar que um dos

motivos que levaram os

portugueses a optarem pelos

negros teria sido certa

docilidade dos negros. Esta

docilidade teria a ver com a

presença da escravidão por

guerra no continente africano.

Quando uma tribo capturava ou

vencia outra tribo, ela teria o

direito de tornar certos soldados

inimigos em escravos, daí que a

escravidão era uma das

realidades possíveis na África,

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5

História do Brasil Prof. Lamarão

tornando o espírito dos

africanos mais conformados

com esta realidade. Esta visão,

embora com certo grau de

realidade, quer, a bem da

verdade, minimizar o papel dos

portugueses e outros europeus

neste processo, entregando ao

acaso ou aos aspectos culturais

a responsabilidade pela mazela

que se abateu (e ainda se abate)

por todo o continente africano,

sendo este o continente mais

pobre do planeta e, não á toa, o

historicamente mais explorado.

É necessário notar que, embora

existentes, ao longo do tempo,

estas guerras eram equilibradas

e esporádicas, contando com

um nível tecnológico e bélico

muito similar dentre as tribos. A

presença do elemento

português neste cenário além

de privilegiar certas tribos que

se aliaram aos portugueses e

puderam contar, a partir daí,

com maior potencial bélico,

tornou-se a guerra e a

escravidão cada vez mais

corriqueira e numerosa, pois

que se tratava de um valioso

comércio.

No caso brasileiro, embora

inicialmente o tráfico tenha sido

realizado por comerciantes

metropolitanos ele passou a ser

feito entre comerciantes

coloniais e as fontes africanas. A

elite carioca, por exemplo, por

durante longo tempo, teve

como principal ocupação o

tráfico de almas negras. Quando

na invasão holandesa, os

holandeses bloquearam portos

de fornecimento de escravos

para o Brasil, foram os cariocas

que organizaram as tropas e, em

nome da coroa portuguesa,

retomaram os portos africanos.

Portanto, a visão da docilidade

dos negros tem, historicamente,

três objetivos dos quais

discordamos: (1) minimizar a

responsabilidade europeia e, em

especial, portuguesa, na miséria

do continente africano e seus

povos e, (2) omitir as inúmeras

formas de resistência que os

negros experimentaram e

praticaram para fugir ou

amenizar a sua condição de

escravo e (3) dizer que a

escravidão no Brasil não foi das

mais duras, o que permitiu uma

maior integração entre as raças

e, assim, sustenta-se uma

democracia racial no Brasil. A

luta e a resistência negra não foi

só muito necessária e

importante na história, como é

fundamental nos dias atuais. A

condição escravocrata e

autoritária do Brasil ainda se faz

presente, não na forma jurídica,

mas na mentalidade e prática de

inúmeros brasileiros, condição

escravocrata esta que condena

inúmeros negros a mais vil

condição de vida nas cidades e

nos campos do nosso país.

A nova senzala?

Cabe, portanto, relatarmos as

principais formas de resistência

negra contra a escravidão. As

mais importantes formas de

resistência consistiam no

suicídio, nas fugas e nos

quilombos. O aborto também

era prática comum como forma

de resistir à escravidão. O

“corpo-mole”, ou seja, o pegar

leve no trabalho era uma

resistência corriqueira e

cotidiana. A capoeira, misto de

dança e luta, também nasceu

como forma de resistência à

escravidão tanto cultural quanto

física.

Caso o negro fosse capturado,

ele poderia ser submetido a

uma série de castigos físicos e

torturas. Os anjinhos, anéis de

ferro que apertavam os dedos

mediante uma chave de fenda,

as mascaras de ferro ou de

couro, com pequenas

perfurações para evitar a asfixia,

o bacalhau, um chicote de couro

com tiras na sua ponta

destinada a chibatar os negros.

Após as sessões de chibatadas

os negros tinham suas feridas

cobertas com sal e vinagre, ou

limão. As peias, bolas de ferro

que se prendiam ao tornozelo;

as calcetas, pesadas argolas de

ferro presas na canela; a golilha,

argola que prendia o escravo

pelo pescoço em um poste; o

pau de arara, que deixava o

escravo preso pelo joelho e

braço de cabeça pra baixo; o

ferro em brasa que marcava

com a letra f o rosto do escravo

fujão, o corte de tendão,

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6

História do Brasil Prof. Lamarão

visando diminuir a capacidade

de corrida dos negros, etc., etc.,

etc..

Contudo, caso o escravo não

fosse pego, o seu destino mais

provável teria sido algum

quilombo, a mais forte

contestação negra a sociedade

escravocrata. Tratava-se de uma

comunidade, encravada no meio

do mato, para onde se dirigiam

não só os negros escapados,

mas também mulatos índios e

brancos pobres. O mais

importante quilombo foi o

Quilombo dos Palmares, no

interior de onde hoje se situa o

Alagoas, ganhou este nome por

em sua região haver muitas

palmeiras. Praticava uma

agricultura comunitária onde o

excedente era trocado nas

cidades vizinhas por outras

mercadorias. Contudo, havia

forte hierarquia no interior da

sociedade quilombola, sendo

bem definidos os papeis de cada

chefe político e militar. A

necessidade desta hierarquia se

explica pelo caráter militar da

comunidade quilombola, pois

que ela vivia sob constantes

ataques das autoridades

colônias. Assim, uma das

práticas mais contumaz de

reforço dos exércitos

quilombolas era a organização a

ataques a engenhos e a

promoção de fugas em massa. O

maior de seus líderes foi Zumbi,

reconhecidamente uma das

personalidades mais

importantes na luta contra a

escravidão. Tendo nascido

liberto, criado por um padre,

resolve se integrar a

comunidade de Palmares, onde

comanda a resistência aos

maiores ataques organizados

pelas autoridades coloniais, com

o auxílio de tropas

bandeirantes, chefiadas por

Domingos Jorge Velho. Três

interesses principais motivavam

a elite colonial no combate a

Quilombo: primeiro um motivo

político, pela óbvia atração que

Palmares exercia nos negros

escravizados; o segundo e

terceiro são motivos

econômicos, um porque os

negros ali capturados poderiam

ser escravizados novamente e as

terras agricultáveis da região

poderiam ser aproveitadas no

circuito açucareiro. Além de

chegar a reunir mais de 21 mil

habitantes, a experiência de

Palmares teve início em

provavelmente antes de 1630,

perdurando até 1692, sendo a

mais expressiva experiência

deste tipo.

4. A SOCIEDADE

AÇUCAREIRA E OUTRAS

ATIVIDADES ECONÔMICAS DA

COLÔNIA.

A sociedade açucareira legou-

nos como sua herança dois

traços fundamentais da nossa

sociedade: o racismo e o

autoritarismo nas relações de

poder. Diferentemente do que

supôs alguns dos teóricos sociais

do Brasil no século XIX e início

do século XX, não houve uma

democracia racial no Brasil, nem

há. A ideia de que aqui a

miscigenação e os casamentos

entre etnias teria fundado um

povo mais tolerante, uma

escravidão mais amena, como já

vimos, não condiz com a história

da escravidão no Brasil.

O patriarcalismo, ou seja, a

autoridade baseada na figura

masculina, no chefe da família,

no dono da casa grande, que

também era a autoridade

pública, tornava inseparável

aquilo que era público- da

alçada do governo-, daquilo que

era privado- da alçada do

senhor do engenho. Este Estado

personalista, patrimonialista (já

que estas autoridades passam

confundir o próprio Estado

como seu patrimônio) ainda

hoje se faz presente na política

brasileira. Além disso, a função

da mulher era subalternizada

nesta sociedade, cabendo-lhe o

domínio da casa, dos afazeres

domésticos, sendo tratada,

quando da elite, com a

sexualidade reprimida, e,

quando escrava, com a

sexualidade violentada, já que

muitos senhores de escravos e

seus filhos tratavam as escravas

como objetos.

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7

História do Brasil Prof. Lamarão

O filho mais velho do senhor era

preparado para herdar todos os

bens dos pais. Já os demais

filhos se encaminhariam ou para

a Igreja ou para a Universidade,

em Coimbra, Portugal. Já as

filhas eram objetos de

negociações familiares, tendo os

seus casamentos arranhados

segundo a conveniência de suas

famílias, casadas muito cedo e

que se esperava pudesse

cumprir o papel de gerar um

filho homem, saudável que daria

continuidade na família.

Havia ainda famílias pobres

livres, os chamados

desclassificados do açúcar que

dependiam direta ou

indiretamente do engenho, ou

se ocupava de alguma das

poucas atividades urbanas

existentes á época. Estes

privilégios do homem branco

rico no Brasil também é uma

característica que tem

perdurado, como tem

perdurado a grandiosa

concentração de riqueza em

nosso país que, desde o período

colonial, tem como traço

inseparável desta aberrante

concentração o autoritarismo,

ou o uso desmedido da força

contra as classes mais pobres

e/ou exploradas.

Além da atividade açucareira se

destacou também a lavoura do

tabaco e a produção de

subsistência como importantes

produtos que complementavam

a pauta exportadora brasileira.

O tabaco foi, ao longo deste

período, o segundo produto

mais importante na pauta de

exportação brasileira sendo

superado somente pelo açúcar.

Abastecia também o mercado

interno, como poderia servir de

moeda de troca com escravos

na África. Diferentemente do

açúcar, a produção do tabaco

pode conviver com a pecuária,

pois que esta acabava por

fornecer adubo para aquela.

Já a pecuária teve importante

papel na expansão territorial

brasileira e apresenta

característica distinta dos

demais setores, a maior

presença do trabalho livre nesta

atividade econômica.

Margeando os principais rios do

Brasil, a atividade pecuária foi

fundamental para o processo de

interiorização da colônia. Ela

também se volta ao mercado

interno da colônia,

demonstrando que o caráter

exportador da nossa economia

poderia conviver com outras

atividades econômicas que lhe

fossem complementares.

A pecuária encontrou na região

sul, lugar propício para o seu

desenvolvimento, sendo ali

desenvolvida uma atividade

oriunda da pecuária, a produção

de charque, importante

alimento do Brasil colonial. Nas

fazendas, a pecuária, em geral,

teria de conviver com outras

atividades econômicas, como o

tabaco. Já os currais eram os

locais onde se realizava a marca

no boi. Com um ferro em brasa,

se marcava as iniciais do dono

no boi (ou outro símbolo), com

o intuito de identificar a

propriedade do gado. Já as

fazendas de engorda eram

lugares que se deixavam o gado

alimentando e engordando com

o intuito de revenda. Assim o

dono comprava o gado a preços

baixos e os revendia a preços

mais altos.

Além disso, o açúcar não era o

único produto final dos

engenhos, sendo a cachaça um

subproduto importante de

muitos engenhos. Servia tanto

para o consumo da colônia

quanto como moeda de troca

no mercado africano.

Um dos maiores problemas da

colônia era a produção de

alimentos para o consumo

interno, não sendo raras as

crises de fome ocorridas por

conta disto. A determinação

régia de obrigatoriedade de

mandioca em todos os cultivos

buscava dar conta deste

problema, contudo esta

determinação nunca fora

cumprida na prática. Desta

maneira, o alimento era um

produto valorizado no mercado

interno, dando origem a um

fenômeno denominado brecha

camponesa onde a produção de

alimentos aparecia – para

pequenos camponeses- não só

como a forma mais imediata de

subsistência, mas também como

possibilidade de aumento de

ganhos através de sua

comercialização.