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O Caminho da Formiga Adriana Cortez Adriano Vieira

O caminho da formiga

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Meu trabalho final de graduação na Universidade Mackenzie, mostrando o dia-a-dia dos policiais do DENARC contra as drogas e os traficantes.

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O Caminho

da Formiga

Adriana CortezAdriano Vieira

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"A luta contra as drogas parece interminável, a proporção que elas tomaram na sociedade atual é gigantesca, e seu impacto na população também. Não só pelo simples fato da dependência, das consequências no organismo ou da exclusão social do usuário. Esses fatores são a camada externa e uma pequena parte de um mundo que envolve um sistema teórico e prático de produção e um tráfico de dar inveja a muitas áreas políticas. O tráfico, que sustenta os consumidores finais, é tão bem esquematizado e tão fortificado que os combatentes – a polícia – precisam sair do tradicionalismo. A união de mente (investigação, meios de punição, prevenção) e corpo (força, punição, esquemas de apreensão) precisa ser atualizada e repensada diariamente, porque o crime está sempre um passo a frente. "

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O Caminhoda Formiga

Adriana CortezAdriano Vieira

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“O caminho das drogas é o caminho da formiga. Ela entra, se divide, passa por um túnel, sai numa cla-

reira, volta para o início se necessário. Não importa como, ela chega no destino final.”

Ricardo Casciano Farabulini

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AGRADECIMENTOS

Nossos mais sinceros agradecimentos à professora e orientadora Dra. Rosana Schwartz, que nos guiou com tranquilidade e conhe-cimento para o desenvolvimento deste trabalho. Agradecemos também à professora Ms. Lenize Villaça por sua paciência com o nosso desespero.

Aos jornalistas Tony Chastinet e André Caramente por sua dispo-nibilidade e contribuição. Agradecemos também a todos os nos-sos entrevistados, essenciais para a realização deste livro.

Por último e não menos importante, às nossas famílias, por nos possibilitar o acesso à faculdade, por nos apoiar nesses quatro anos de curso e também por nos aguentar irritados e passando noites em claro para a realização deste trabalho como um todo.

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INTRODUÇÃO .............................................. 9

AS DROGAS .................................................. 15O COMEÇO DE TUDO ............................................. 17PARA TODOS OS GOSTOS ....................................... 20UM POUCO DE HISTÓRIA........................................ 23LIBERAR OU NÃO, EIS A QUESTÃO .......................... 26O ESPÍRITO DA LEI ................................................... 27

A POLÍCIA CIVIL E O DENARC ...................... 31DO TIRA AO GANSO ................................................ 33A PERFEITA TEORIA .................................................. 37

GUERRA ÀS DROGAS ................................... 43O CONFRONTO INICIAL .......................................... 45A DROGA DA CORRUPÇÃO ..................................... 47EXISTE SOLUÇÃO? .................................................... 49

A INFLUÊNCIA DA MÍDIA ............................. 53O PERIGOSO TRIÂNGULO DE INFLUÊNCIAS ............ 55TIROS DE TODOS OS LADOS ................................... 58

CONCLUSÃO ................................................ 67

SUMÁRIO

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INTRODUÇÃO

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Usuários de drogas dominam região da Cracolândia (Foto: Tiago Queiroz/AE)

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INTRODUÇÃO

A luta contra as drogas parece interminável, a proporção que elas tomaram na sociedade atual é gigantesca, e seu impacto na po-pulação também. Não só pelo simples fato da dependência, das consequências no organismo ou da exclusão social do usuário. Esses fatores são a camada externa e uma pequena parte de um mundo que envolve um sistema teórico e prático de produção e um tráfico de dar inveja a muitas áreas políticas.

O tráfico, que sustenta os consumidores finais, é tão bem esque-matizado e tão fortificado que os combatentes – a polícia – pre-cisam sair do tradicionalismo. A união de mente (investigação, meios de punição, prevenção) e corpo (força, punição, esquemas de apreensão) precisa ser atualizada e repensada diariamente, porque o crime está sempre um passo a frente.

O esquema do tráfico pode ser caracterizado de tal tamanho que envolve bem mais que as favelas, como muitos pensam. A política de atuação, a hierarquia dos “funcionários” e a segurança podem ser ditas quase perfeitas. É algo tão bom para quem participa que o esquema cresce a cada dia. Envolve bem mais que habitantes de casas sem-endereço. Chega até aos políticos e milionários. Vai muito além de Morro do Alemão ou guerrilhas pequenas. Cidades já foram praticamente tomadas por esse meio de trabalho, e a luta é constante.

Por trás de tudo – e na continuação desta bola de neve – há ainda a mídia, a tão importante e poderosa mídia. Capaz de manipular e fazer o pensamento da multidão variar, ela trata das drogas com ênfase, principalmente nos jornais. A questão aqui precisa ir além da verdade e credibilidade, de como se expõe os fatos e o impacto que isso vai causar ao público daquela matéria.

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Sabíamos que seria um desafio unir todos estes fatos, estudá-los e explicá-los nas próximas páginas. A polícia, por mais boa-vontade que demonstre, sempre oculta parte de seu trabalho investigativo. Os traficantes têm motivos cada vez mais convincentes para fazer o que fazem. A mídia faz acusações e mostra defeitos em ambos os lados. Nesse meio sem explicação e sem verdade, entender tudo é o primeiro passo. Mas é importante que a população tenha conhecimento de todo o funcionamento dos extremos deste es-quema, que é mundial e cada vez maior; e queremos que o leitor deste livro chegue aonde chegamos com estas pesquisas.

Afinal, por que usar droga é tão bom? Por que tanta gente entra nesse mundo? Ele é realmente sem volta? Por que o esquema por trás do tráfico é tão grande e envolve tanto dinheiro? Qual o pior problema em tudo isso – se é que existe um problema que seja pior? Onde a mídia entra? Qual sua estratégia e sua atuação? Por que o departamento de narcóticos da polícia é tão pouco divulga-do? Vontade da própria polícia ou preferência da mídia?

Sim, são muitas perguntas, muito além destas acima – e levamos quase um ano atrás de dados e fontes para poder respondê-las. Passamos por delegados, investigadores, repórteres e até usuá-rios para poder responder a todas. Buscamos dados de todos os tipos e lidamos com a falta deles. Fomos da favela de Heliópolis à central do DENARC. Tudo para que a informação possa chegar ao público.

Assim, dividimos esta obra em quatro partes que julgamos impor-tantes e esclarecedoras. Primeiramente, falamos sobre as drogas, a base de tudo. Mostramos todo seu histórico, o boom do uso nos anos 60 com a contracultura, a evolução dos entorpecentes, suas consequências no corpo e por que ela se faz – e a sociedade a faz – tão chamativa. Também falamos sobre a importância do comba-te, dado o nível que alguns entorpecentes chegaram hoje. Por fim, abrimos um espaço para entendermos como funciona a legislação e as punições, e até que ponto a teoria da lei passa para a prática.

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No capítulo seguinte, tratamos do oposto: a polícia. As divisões, a criação do DENARC no fim dos anos oitenta e suas formas de atuação, que vão da prevenção à repressão. Também falamos do seu funcionamento na teoria e na prática e de um assunto muito delicado, que pode ser o motivo do tráfico ser hoje algo tão gran-dioso: a corrupção.

Em seguida unimos estes dois extremos. O capítulo quatro mos-tra a luta dos traficantes com a polícia, e o combate deste com os primeiros. Como tudo funciona na prática. Regras, comandos, apreensões, manipulações. A proporção que isso tudo tomou nos últimos anos e como vai crescendo. A corrupção também tem vez neste trecho, numa área mais prática que teórica.

No quinto capítulo apresentamos a mídia, o terceiro lado do com-bate, muitas vezes conhecido como “mediador”. Como ela trata disso tudo, sua relação com o tráfico, os traficantes e a polícia, sua posição ética na hora da cobertura, o acesso às informações, pes-quisa de fontes e dados, a dificuldade da polícia em aparecer na televisão, e por que isso ocorre. Também mostramos como – até aqui – a corrupção atrapalha seu trabalho e funcionamento.

Por último, finalizamos o livro com uma pequena conclusão desta que foi uma aventura além de uma simples escrita sobre drogas e combate policial. Esperamos que todos os leitores tirem proveito das próximas páginas, seja em caráter acadêmico ou apenas a título de curiosidade.

Boa leitura!

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AS DROGAS

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(Foto:Ken Hawkins)

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O COMEÇO DE TUDO

Ela já passou pela fase da descoberta e da evolução. Já foi vista como brincadeira, como bobeira. Já passou pelo significado de libertação e nova vida, com leis próprias. Já levou muitos para um mundo paralelo, mais colorido e sempre mais divertido que o real. Hoje, no entanto, é vista pela maioria como um problema – e a causa de muitos outros. Qual é a da droga, afinal?

A palavra droga vem do holandês droog, seco, também pode ser chamada de entorpecente, narcótico, dentre outros títulos. Sua definição remete a qualquer produto alucinógeno, que cause de-pendência química, ou seja, um produto tóxico de uso excessivo.

Enquanto alucinógeno, parece ser uma maravilha, leva o usuário a ter sensações tão boas (e de forma tão rápida) que o mundo real dificilmente pode proporcionar. E são sensações de todos os tipos, da visual à tátil. O problema, porém, está na consequência disso.

O ser-humano tem uma tendência a sempre querer mais o que lhe parece bom. E, depois de apresentado ao mundo novo, não se contenta em voltar ao antigo e chato. Quando entra no mundo colorido e divertido que as drogas proporcionam, o usuário não se sente mais satisfeito com o real, onde a dor e as contas para pagar existem. Ele sente falta e vai buscar sempre as boas sensações alucinógenas.

Não satisfeitas, as drogas ainda causam dependência química. Ou seja, além da falta psicológica que o usuário tem com seu mundo de sensações, seu corpo sente necessidade daquelas mais variadas substâncias da qual foi exposto. Cada droga age de um jeito, mas todas causam dependência – e aqui se inclui até as drogas permi-tidas por lei, como o álcool e o cigarro.

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E ainda tem mais. O terceiro problema é que esse uso causa da-nos de todos os tipos no usuário. Além de afetar completamente seu comportamento durante a queima daquela substância no or-ganismo, ela ainda causa problemas após o uso e algumas vezes permanentes, como perda de neurônios, da capacidade cognitiva, pensativa e, muitas vezes, física, como degeneração dos múscu-los.

Mesmo sabendo disso, muitos acabam entrando neste mundo. Os motivos são os mais variados: por moda; o adolescente é ma-nipulado pelo amigo, que não quer lhe fazer mal, apenas mostrar aquele lado alucinante da coisa; a menina quer chamar atenção da família, já que se sente excluída, e crê que isso fará com que os pais lhe dediquem mais tempo; o cidadão se sente tão deprimido, julga ter problemas além do normal, quer fugir um pouco daquilo e se sentir bem, nem que por poucos minutos.

“A droga é da moda, então no verão o pessoal vai para a praia, no inverno vai para Campos do Jordão. Existe o mercado e existe quem vai utilizar desse mer-cado, então eles [os traficantes] vão sempre diversi-ficando. Em Campos já é mais sofisticado, tem gente que vai querer usar uma maconha na lareira para de-pois passear e dar uma sensação melhor, porque não é como estar na favela. A droga tá na praia, tá em um bairro de elite, está em todo lugar.” (Depoimento de Maurício Ludovico dos Santos, em entrevista realiza-da no dia 23/03 às 10 horas)

Formas de entrar existem várias, mas todas se unem numa única característica: o novo usuário sempre acha que vai sair ileso dali. Como o motorista que nunca usa o cinto de segurança por crer que acidentes não acontecerão com ele, já que dirige consciente-mente, o novo usuário tem a certeza de que vai ser apenas uma experimentação, coisa leve, sem trazer consequência. E sempre – sempre mesmo – tem a certeza absoluta de que é forte ao ponto de não se viciar.

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E assim começa o ciclo: ele experimenta, acha gostoso e se limita àquilo. Dias depois, em uma outra crise psicológica ou qualquer outro fator que o faça sentir falta da substância, a recaída clássica de “dane-se o mundo, apenas mais uma vez” o leva a usar uma segunda. Não muito tempo depois vem a terceira, a quarta, e as-sim ele se torna rapidamente um usuário comum, independente da frequência ou do tempo que levou para chegar ao vício.

Depois de um tempo de uso julga que aquilo não está mais fazen-do o efeito desejado e tão bom do início e, não satisfeito com a substância que está usando – afinal, ele provavelmente optou de início por uma droga que julga leve, como a maconha –, começa a usar entorpecentes mais fortes, que viciam ainda mais, que cus-tam mais caro e trazem consequências maiores.

E neste ponto o problema toma proporções quase que irremediá-veis. A vida “normal” já está afetada, os familiares provavelmente já sentiram uma diferença no comportamento do indivíduo e sus-peitam do problema, os amigos provavelmente acabaram se afas-tando. Neste ponto o usuário julga o mundo real cada vez mais chato, “afinal ninguém está contribuindo comigo”, e parte cada vez mais para o seu mundo particular, que neste ponto também já não é mais tão bom como de início. Não tão bom, mas ainda melhor que ouvir todos julgando sua atitude e fazendo críticas o tempo todo.

Até o usuário perceber a estrada escura, esburacada e sem-fim que entrou, ela já não tem mais retorno e é tarde demais. Mes-mo com toda tecnologia existente hoje, ainda não há um meio totalmente eficaz de se acabar com o vício. Mesmo com clínicas de recuperação especializadas, cheias de tecnologia e psicólogos, a porcentagem de recuperados após um uso mais severo e cons-tante da droga é mínimo – muitas vezes termina com uma recaída depois de um tempo e volta ao ponto infernal que saiu.

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PARA TODOS OS GOSTOS

Existem basicamente três tipos de drogas. Elas são divididas entre as depressoras, alucinógenas e estimulantes. O primeiro tipo é caracterizado por diminuir a capacidade e a atividade cerebral, além de dificultar o processo de informações pelo cérebro. São as drogas que deixam a pessoa “boba” durante o uso. As mais conhecidas são o álcool, a maconha, o lança-perfume e a cola de sapateiro. Seu nome vem do fato de causar uma sensação de relaxamento e bem-estar muito grande durante o uso, o que leva a uma consequente depressão quando o efeito passa e o mundo real “volta”.

Já as alucinógenas são as que mais despersonalizam a pessoas – ou seja, as que mais rápido e de forma mais eficiente o levam pra um mundo cor-de-rosa. Os tipos mais variados são: cogumelos, LSD e ecstasy. Por serem eficazes, são as que mais causam depen-dência psicológica, lembrando que a dependência química varia conforme a substância, e não por tipo de efeito.

“Muito embora seja comum no meio universitário, o ecstasy está nas baladas e na alta roda. Hoje em dia, ao invés de servirem uma bandeja com whisky e cafezinho, se serve uma com cocaína, cigarrinho de maconha e pedras de ecstasy e, quanto maior o poder aquisitivo, mais difícil para a policia traba-lhar. Há uma série de dificuldades, principalmente no DENARC.“(Depoimento de Maurício Ludovico dos Santos, em entrevista realizada no dia 23/03 às 10 horas)

O último tipo, as estimulantes são conhecidas também como dro-gas perturbadoras, e é o tipo mais comum usado em festas e por adolescentes. Seu efeito é o que o próprio nome diz: ela causa aumento da capacidade respiratória, diminui o cansaço, aumenta a vontade de aproveitar a vida e se mexer, além de multiplicar a

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sensação dos sentidos – a pessoa tem a sensação de fazer tudo melhor. Os exemplos mais comuns destas substâncias são a coca-ína, o crack, as anfetaminas e metanfetaminas.

Além disso, pelo seu método de produção e efeito cerebral, as drogas ainda podem ser classificadas como naturais, semi-sintéti-cas ou sintéticas.

O entorpecente mais conhecido no nosso país, além de um dos mais consumidos, é a maconha. É também o que a grande maioria usa no primeiro contato com a droga, por ser julgado como leve, de efeito rápido, com chances menores de dependência e preço baixo. Geralmente a droga, usada em pedaços triturados, é fuma-da em um cigarro de papel caseiro ou cachimbo. Sua composição vem da folha seca da planta Cannabis. Quase toda a produção vem do noroeste da América do Sul, como a Bolívia, e entra no Brasil pela fronteira, escondida nos mais variados tipos de lugares. Por fim, é distribuída pelos grandes centros.

A cocaína, também bem conhecida, tem aspectos muito diferen-tes da maconha. Além do tipo, como explicamos acima, ela causa efeito e é usada de forma diferente. Derivada do arbusto Erythro-xylum coca, é um alcaloide que precisa ser refinado e mistura-do a outras substâncias para ser usado – o popular “batizado”. Completamente pura é tão forte que poucos gramas matariam facilmente o usuário. O pó resultante é cheirado e o efeito, rápido. Além da dependência e distúrbios psicológicos, ela causa hiper-tensão. É das drogas preferidas dos traficantes, pois gera um lucro muito maior que as outras.

LSD e ecstasy são entorpecentes diferentes na origem e produ-ção, mas parecidas no método de venda e consumo. Ambas são potentes alucinógenos, usados de forma maciça em festas e raves por jovens. Podem ser comercializadas em forma de pílulas ou comprimidos. São as maiores causadoras de oversores, e umas das que mais causam óbitos, por ser simples de tomar.

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Finalmente, a última droga que especificaremos aqui é a que mais causa pânico nos últimos tempos: o crack. O produto final é uma pedra, feita da mistura da pasta de cocaína, que por si só já é for-te, com bicarbonato de sódio. A pedra é quebrada em pequenos pedaços ou grãos e fumada pelo usuário. O temor dos especia-listas correlação ao crack é que seu efeito chega ao cérebro em surpreendentes dez segundos, com nível de grau elevado e em um período relativamente curto, entre três e dez minutos, depen-dendo do consumo. Após o uso, o indivíduo sente uma depressão muito forte, o que o leva a querer compensar usando o produto novamente.

Apesar de ter surgido nos anos 70, o estouro do crack foi mais recente, e o temor é causado pela fato de ser das drogas mais viciantes, onde costuma-se dizer que é impossível e recuperação depois da primeira tragada. O viciado perde rapidamente a noção do real, e sua vontade de usar a substância é tamanha que ele procura dinheiro de todas as formas para obtê-la, seja roubando a própria família, ameaçando parentes, vendendo os próprios bens etc. Seis vezes mais potente que o pó de cocaína, seu efeito é devastador.

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UM POUCO DE HISTÓRIA

As drogas foram descobertas e começaram a ser desenvolvidas há séculos. Sua função inicial era medicinal, mas seu uso sempre havia sido feito com cautela, pois pouco sabia-se dos seus efei-tos cerebrais, e suas consequências. Com o avanço da química e pesquisa, descobriu-se um pouco de seus efeitos a médio e longo prazo, o que fez com que seu uso fosse limitado a casos medici-nais.

Com a contracultura na década de 60, no entanto, o uso dos en-torpecentes estourou. Vindo de um público cujo foco era con-testar as normas e leis vigentes na época, nada mais impactante que usar substâncias proibidas e que causassem algo muito além do que uma vida regrada proporcionava. Os principais represen-tantes dessa cultura, os hippies, ficaram conhecidos por surgirem com a época “psicodélica”, onde tudo era colorido e de formas engraçadas. As roupas e os carros usados por eles representavam, de certa forma, o efeito dos entorpecentes. A droga mais usada na época era o LSD, barato, pequeno, fácil de esconder da polícia e com efeito rápido e duradouro.

No Brasil, o consumo já existia desde os anos 20, com a utilização de bebidas alcoólicas somadas à cocaína. Era utilizada pela elite intelectual dos grandes centros urbanos, como Rio de Janeiro e São Paulo. Com a repressão dos anos 30 promovida por Getúlio Vargas contra a “malandragem”, as drogas foram consideradas destruidoras dos bons costumes.

Durante as décadas seguintes as drogas estouraram e populariza-ram-se, como o lança-perfume, por exemplo. Entretanto, muitos historiadores defendem a ideia de que, naquela época, a droga era apenas um meio inocente dos jovens se libertarem, de se expres-sarem e se sentirem parte de um novo mundo. As transformações políticas, sociais e econômicas do pós-guerra criaram novas for-

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mas de olhar o mundo e de compreender as novas possibilidades de se atingir ou não sociedades mais justas. Muitos julgam que esse fato provocou o uso da mesma como alternativa para contes-tações e organizações de movimentos políticos, sociais e culturais, e não exclusivamente para cobrir uma dependência, como é hoje. Entretanto, as palavras vício e tráfico sempre a acompanham.

Independente de como foi naquela época, as drogas tomaram proporções gigantes hoje, com um aumento cada vez mais desen-freado. Criou-se um esquema que vai muito além de um morro do Rio de Janeiro. Passa por policiais, passa por corrupção, pode ter passado até pela eleição do seu político preferido.

O primeiro fato a se considerar é que traficar drogas é algo lucra-tivo, muito lucrativo. Sabendo-se administrar, faz-se uma fortuna em pouquíssimo tempo. Some-se isso ao fato de sermos um país cuja maioria da população é pobre e cresce em meio ao tráfico. As crianças, que já estão acostumadas a voltar da aula e cruzar com olheiros armados dos traficantes, vêem no máximo dois mundos: o do pai, pobre e trabalhador, que sua a camisa todos os dias e mal consegue matar a fome de seus filhos; e a do traficante, que tem status ali dentro, causa medo e tem mais bens que todo o resto do cortiço somado. Quando a criança tem essas duas visões, ela facilmente opta pelo mundo fácil. Afinal, estudar é chato e não a levará a um mundo muito distante daquele de quem o sustenta, enquanto traficar sig-nifica ser legal, rico e temido. No caso bem mais comum, quando a criança não tem nem algum familiar para lhe mostrar o bom exemplo e cresce somente com gente se drogando ao seu entor-no, a chance de escapar deste mundo é quase nula.

“O individuo esta, o coleguinha está ali, o pai levanta 5h da manhã e chega as 7h da noite, a mãe traba-lha, aquele dinheiro minguadinho, dá aquela coisinha para ir para escola e ele está vendo o filho do trafican-te com tênis bom, o pai dele chegando com carrão, dá dinheiro, paga dinheiro para todos os coleguinhas, o que ele começa a pensar, quem está certo? O pai dele que é um sofredor, passando fila na porta do hospi-

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tal, passando apertado ali para marcar uma consulta para ali dois meses e o filho do traficante com plano de saúde? Vai criando dois mundos e a tendência é o lado de cá sempre perder. Vai falar assim, na gíria policial do roubo, “vou fazer uma fita”, hoje é en-graçado todo mundo fala perdeu e é gíria que vem do crime, os meninos tudo falando perdeu, é só ver em porta de escola. Então ele fala “vou fazer uma fitinha pra dar um dinheirinho pro meu pai coitado, Zé povinho, maior trabalhador, está lá pingando” en-tão conseguiu uma grana a primeira vez, não vai sair mais. Entrou, está no crime.”(Depoimento de Maurí-cio Ludovico dos Santos, em entrevista realizada no dia 23/03 às 10 horas)

Isso faz com que as drogas – e o mundo do crime – tomem pro-porções cada vez maiores, pois é viciante para quem participa. E está cada vez mais exposto e fácil para quem quer entrar. O resultado só pode ser a já citada bola de neve desenfreada. Fa-velas tomaram morros inteiros, morros ameaçam tomar cidades do tamanho do Rio de Janeiro. Já existem incontáveis municípios próximos das fronteiras que vivem basicamente do tráfico.

É algo que gera e faz circular tanto dinheiro que acaba por des-virtuar até quem não é do meio. Leva policial a se tornar crimino-so. Leva o político a burlar sua ética e pedir financiamento a um traficante em troca de regalias. Um dos nossos entrevistados nos alertou sobre a quantidade de verba que se precisa para fazer uma campanha eleitoral qualquer, seja até para deputado estadual ou mesmo prefeito. Uma verba que muitas vezes o político, geral-mente já conhecido de todo tipo de público, não tem. Ele opta, então, por financiar sua candidatura. A lei não permite que isso ocorra de forma oficial – quando permite, os valores são baixos e o pagamento, alto.

O jeito, então, é pedir emprestado da forma extra-oficial mais prática que existe. Como não podemos afirmar com toda a certe-za sem um dado concreto, diremos então que muitos presidentes e governadores podem ter sido eleitos dessa forma. Mesmo aque-le que sempre pareceu tão bonzinho na televisão, defendendo tudo que a população quer.

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LIBERAR OU NÃO, EIS A QUESTÃO

Entendemos até aqui, que o tráfico é o maior problema por trás das drogas O mundo informal e proibido gera guerrilhas, violên-cia, manipula as pessoas e seu dinheiro compra basicamente tudo o que quer.

Uma das poucas maneiras de se acabar com ele, coincidentemen-te a mais prática e rápida, seria a liberalização dos entorpecentes. Sem motivo pra fazer tudo por debaixo dos panos, o tráfico ins-tantaneamente não teria mais sentido. As drogas seriam vendidas em lojas dedicadas a isso, com uma procedência mais segura. As pessoas teriam o livre-arbítrio para usá-las ou não, cabendo uni-camente à sua responsabilidade a decisão final. Todo o dinheiro público que existe hoje para combater o tráfico poderia ser dire-cionado à parte preventiva, mostrando a todos o problema de se usar aquilo que, apesar de liberado, causa consequências.

Na teoria, parece uma saída perfeita. Por que não é aplicada en-tão? Simples: como dissemos acima, o tráfico gera tanta renda que pode comprar o que quiser, incluindo os políticos. Para eles, que podem ter sido financiados pelas drogas, não vale a pena perder essa fonte de renda. Acabar com o tráfico pode significar acabar com a renda de muita gente que dirige esse país, assim como no mundo inteiro, porque essa é uma questão polêmica que vai muito além do solo nacional. Não há interesse político. Assim, não há como mudar as regras, e tudo se mantém.

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O ESPÍRITO DA LEI

Para muitos, a lei não funciona muito na prática. Mas vamos ver como ela se sai na teoria.

A primeira portaria nacional que abrangia tráfico de drogas e o usuário era a lei 6.368 de 1976, lançada algum tempo depois que o consumo e tráfico já se haviam se estabelecido no país, princi-palmente em capitais como o Rio de Janeiro. Ela era dividida em dois artigos. O primeiro, artigo dezesseis, classificava o portador e usuário como um criminoso, mas de pequeno porte ofensivo. Ele não deixava de estar contra a lei e seria sujeito a punições pelo seu ato, mas, comparativamente, a lei estabelecia que aquele era um crime bem menor que muitos outros. Já o artigo doze da mesma lei classificava o traficante como o grande mentor e criminoso da ação, e sua pena era bem maior que a de um simples usuário. No geral, a regra punia o portador com a perda da liberdade, mas deixava claro que o grande combatente deveria ser o traficante.

Essa lei vigorou por muitos anos, até 1990, quando entrou em vigor a de número 8.072. Sem lidar diretamente com drogas, ela classificava o grau e punição de crimes hediondos, estes que são as infrações do topo da criminalidade, cometidos com cruelda-de e sem nenhuma compaixão. O crime por tráfico, no entanto, não é considerado hediondo, mas é assemelhado a ele. Por isso, as penas ficaram muito maiores, com punições mais severas aos traficantes.

Aqui cabe lembrar que a constituição não permite que o crimi-noso fique preso mais que trinta anos, além de não aceitar prisão perpétua ou pena de morte. Ou seja, assim como qualquer outro criminoso, o traficante poderia ficar preso por, no máximo, três décadas.

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Cinco anos depois foi sancionada a lei 9.099/95. A mudança prin-cipal dela era que o usuário deixava de ser um criminoso, mesmo que de pequeno porte. Era classificado, então, apenas como usuá-rio. Mas isso não significava que ele não estava desrespeitando as regras. Se fosse pego, era passível de punição, mas basicamente apenas com medidas socioeducativas. Depois de passar pelo fó-rum e ser registrada a queixa, então, ele era sentenciado a medi-das como não frequentar tal lugar aos finais de semana, prestar serviço à comunidade, doação de cestas-básicas para locais caren-tes, dentre outros. Foi uma lei, então, que acabou por beneficiar o usuário, pois até então ele não tinha essa possibilidade de acordo, era considerado criminoso e fichado como tal.

Em 2003 entrou em vigor a lei 11.343, uma das primeiras sancio-nadas pelo então presidente Lula. Nela o usuário era ainda mais favorecido. De criminoso de pequeno porte no início, ele era até então obrigado a responder processo no fórum e passar por me-didas socioeducativas. Agora, nem isso precisaria mais. A lei (que vigora até hoje, por sinal), estabelece que o usuário é apenas um doente, um viciado, algo como “vítima da sociedade”. Se ele ti-nha que ao menos prestar contas no fórum, agora ele não devia mais nada a ninguém. Sua maior punição poderia ser algo como assistir uma palestra sobre drogas, frequentar lugares que tratam de dependentes químicos etc. Nada além disso. São penas chama-das educativas.

Essa mesma lei não mudou a vida do traficante de forma dire-ta, mas afrouxou um pouco as rédeas de quem cometia crimes hediondos, que acaba por incluí-los. Entre as vantagens, está a progressão de regime, que o faz ter direito a ir para o regime semiaberto com um sexto da pena cumprida. Existe também o direito de liberdade condicional com dois terços da pena cumpri-dos. Na realidade essa parte já existia antes, mas era feita após a aprovação de um juiz, coisa que ficou automática há oito anos. Independente do que fez e como se portou, o bandido tem o di-reito automático de liberdade condicional depois de, no máximo,

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vinte anos após ser preso. Há também possibilidade de responder o processo em liberdade, mesmo que pego em flagrante, algo inexistente até 2002. E é esta lei que vigora até hoje.

E ainda há mais dois pontos para salientar neste quesito. Primeira-mente, a lei de drogas não especifica a quantidade de entorpecen-te que alguém deve possuir para ser considerado usuário ou cri-minoso. Isso acaba sendo interpretativo de quem fez o flagrante e julgar depois. Se o juiz crer que os quatro cigarros de maconha encontrado com um jovem, por exemplo, caracterizam algo além de uso próprio, ele acaba sendo enquadrado como traficante. Isso piora se ele possuir algum valor alto no bolso, que geralmente acaba sendo interpretado como dinheiro de drogas já traficadas, mesmo que não seja.

O outro ponto importante a ser esclarecido é que, ao contrário de venda, tráfico não precisa ter retorno financeiro para ser conclu-ído. Ou seja, Fulano de Tal foi à balada se divertir e levou quatro comprimidos de ecstasy. Lá encontrou seu amigo Cicrano e resol-veu que este deveria se divertir como ele, e simplesmente deu a ele um comprimido daqueles. Não vendeu, simplesmente o doou para seu conhecido. Pela lei, ele é um traficante. Não é necessário que o doador da droga receba alguma quantia em dinheiro para ser enquadrado como traficante, necessita apenas concluir o ato de passar a droga para frente.

Vimos então o balaio de gato que são as drogas, suas consequ-ências, todo o tráfico que há por trás, a grandiosidade que isso tomou e como funciona a lei – pelo menos na teoria – perante isso. No próximo capítulo trataremos da outra ponta do iceberg.

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A POLÍCIA CIVIL E O DENARC

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(Foto Montagem: Viviane Franco)

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DO TIRA AO GANSO

Ela mete medo em muitos, é alvo de chacota para outros e segue indiferente para alguns. O fato é que todos têm uma opinião for-mada sobre a polícia e o cumprimento – ou não – suas funções.

“Polícia” é um termo dado a uma ou mais corporações governa-mentais, cujo foco principal e prático é fazer com que a população siga as leis, com a função de manter a ordem e a segurança do país. Ela é presente em todas as nações do mundo, com ações de prevenção (onde ensina a população a importância de seguir as normas) e repressão (que flagra, caça e pune os infratores). Tam-bém tem o poder de usar da força, se necessário.

Quando se fala em polícia por aqui, os mais velhos logo se lem-bram da ditadura, da rigidez de regras e até opiniões próprias que tinham que ser mudadas, para não ocorrerem os clássicos "sumiços" tão comuns. O fim da ditadura nos anos oitenta revelou uma polícia fraca, despreparada e que não sabia lidar muito com a população seguindo regras, digamos, humanas.

Desde então ela vai tentando se equipar e mostrar que tem cada vez mais capacidade. Se chegou ao nível do bandido e tem con-dições de combatê-lo, a história é outra e veremos no próximo capítulo. Aqui caberá apenas colocar na teoria como é seu funcio-namento, com o foco no departamento que investiga narcóticos, desde a sua criação até os dias de hoje. Logo mais veremos como isso tudo se situa na prática, e se a polícia merece a fama que tem.

No Brasil há vários órgãos policiais distintos, como a Polícia Rodo-viária Federal, ocupada em manter a ordem nas rodovias federais; a Polícia Científica, que foca em provas e análises técnicas utili-zando-se de análises científicas; as Guardas Metropolitanas, que contribuem para a proteção dos patrimônios de cada município em que atua; dentre muitas outras

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As mais conhecidas, no entanto, e as que citaremos neste capítulo, são a Polícia Militar e a Civil, as bases para o controle de drogas. A primeira é a que todos conhecem como a polícia comum, que sai nas ruas com suas viaturas cheias de sirenes, prende bandidos e tenta manter a ordem das multidões em passeatas e descontroles populacionais. Na teoria, ela atua na proteção do patrimônio e da população.

Como cada Estado brasileiro tem a sua PM, o comando é subor-dinado ao governador e suas ordens. Na prática, uma burocracia e regras formais impedem que isso seja feito de maneira direta, porém.

Já a Polícia Civil, apesar de ter a mesma função primordial da Mi-litar em proteção da nação e caráter estadual, seu modo de atua-ção é distinto, ou seja, faz a mesma coisa de forma diferente. Ela atua de modo investigativo, com a missão de desvendar crimes através de inquéritos policiais, além de ajudar no desenvolvimento científico da polícia como um todo.

Ou seja: basicamente, a Polícia Militar é a que age nas ruas, pren-dendo criminosos e fazendo flagrantes, além de manter a ordem em caráter preventivo, tentando coibir os crimes, usando da vigi-lância e rondas. Já a Polícia Civil tem como função primordial in-vestigar os crimes já ocorridos para achar os infratores – e, quando achado, pode ser que recorram à PM para fazer a apreensão.

A Polícia Civil é um órgão gigantesco e sua “árvore genealógica” mostra artérias e divisões dos mais variados tipos, como a Divisão de Homicídios, a de Crimes de Informática ou ainda a de Atendi-mento à Terceira Idade. Vamos nos focar, no entanto, em uma das principais divisões, na verdade um departamento, conhecido por todos como DEIC.

A sigla vem do nome original, Departamento Estadual de Inves-

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tigações Criminais. No entanto, após reformas internas dentro da PC, acabou se tornando o Departamento de Investigações sobre o Crime Organizado, que atua em São Paulo. Ele é o departamento mais conhecido e o que dá mais fama à Polícia Civil, já que seu foco é única e exclusivamente a investigação criminal.

É um departamento tão grande e importante que ele próprio tinha suas divisões, que atuavam em áreas específicas. Uma delas, que funcionava até os anos oitenta, era a DISE, a Divisão de Investiga-dores Sobre Entorpecentes. Era essa área que tinha como função investigar e flagrar os crimes correlação aos narcóticos. Na prá-tica, apenas uma delegacia que cuidava dos crimes de tráfico de drogas. Havia limitações financeiras, de pessoal e de equipamen-tos, que poderia até estar dentro dos padrões dos anos sessenta e começo dos oitenta, mas o aumento considerado de drogas e tráfico fez com que apenas uma delegacia de combate fosse algo minúsculo perto do problema real e da situação da época.

Ou seja, o tráfico e as drogas tomaram proporções tão grandes na sociedade, nos anos oitenta, que apenas uma divisão de um departamento acabava sendo subdimensionada para o tamanho do problema. Assim, foi necessária uma resposta rápida do go-verno para a tentativa de retomada do controle – termo que eles mesmos usam –, e a solução foi transformar a DISE em um de-partamento do mesmo nível e autonomia do DEIC, ficando então como um dos maiores departamentos da Polícia Civil. Em 24 de setembro de 1987 nasceu o Departamento de Narcóticos, mais conhecido como DENARC.

Sua principal atribuição é prevenir e reprimir o uso fora da lei de drogas, o tráfico, investigar os desvios, os furtos e roubos de ma-terial entorpecente. Agora, então, não haveria mais limitações fi-nanceiras ou de policiais, e poderiam responder seus atos direta-mente aos chefes da polícia, sem passar por superiores menores.Avançando um pouco à prática e abrindo um parêntese, pode-mos demonstrar aqui os nomes mais populares e internos usados

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na área. Primeiramente o ladrão, o malandro, também conhecido como truta, que nada além é do que o criminoso profissional que obtém suas vontades a partir de ações ilegais como roubo, furto, sequestro etc. É o que a polícia tem por batalha. Como intermedi-ário há o advogado porta de cadeia, devo, o profissional do direito no mais baixo escalão, que procura seus clientes nas portas das cadeias.

Já o ganso é aquele que vende informações à polícia. Esse apeli-do veio da necessidade dos mesmos em andarem com o pescoço torto para fora da janela dos carros para melhor visualização do que procuram, o que os fazem parecer o animal que lhes rendeu o apelido. Não podemos nos esquecer do usuário, conhecido pela polícia como noia, pelo seu comportamento fora do comum. Por último temos o policial corrupto, o tira, nome que muitas vezes é atribuído a qualquer agente da lei pela população.

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A PERFEITA TEORIA

A arquitetura básica do DENARC funciona da seguinte forma: no topo da pirâmide existe a diretoria, que determina e controla as funções dos subordinados. Abaixo dela está a administração, que cuida das áreas específicas e o controle das delegacias, como dis-tribuir funções e horários e controlar o setor de manutenção, este que mantém o departamento em ordem e funcionando, desde as instalações, lâmpadas queimadas, licitações e até o funcionamen-to das viaturas.

Existem quatro divisões: DISE, DIPE, NAPE e DIAP. A primeira era um departamento e depois se torou uma divisão do DENARC. Sua função diminiur a oferta através da repressão, ou seja, flagrar e punir os criminosos, tanto traficantes como usuários. Também abre inquéritos, faz escutas telefônicas, apreensões, por isso é o setor mais sigiloso.

Como é uma área muito sigilosa e lida com traficantes que pos-suem muito dinheiro, como vimos no capítulo anterior, é frequen-temente acusada de ser corrupta – na verdade os policiais dessa área devem ser bem sérios, pois ser corrupto ali é bem fácil e há poucas chances de ser descoberto, justamente pelo sigilo imposto. Se ela é ou não, é um assunto que trataremos no próximo capí-tulo.

Junto da DISE foi criado a DIPE, a Divisão de Prevenção e Edu-cação. Ela trabalha no oposto da anterior, ou seja, não reprime, serve exclusivamente para prevenção. Cabem a seus delegados, policiais e funcionários a função de relacionamento com o públi-co externo, visando cursos e programas de prevenção ao uso de substâncias narcóticas e o tráfico de entorpecentes. Suas palestras são realizadas em escolas de todos os tipos, igrejas, associações de bairros, sindicatos etc. Ou seja, são vários policiais e palestrantes com a função de mostrar a população que a droga e o tráfico não funcionam.

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“O que chamamos de prevenção primária, secundaria e terciária, ou seja, primária para quem não teve con-tato com a droga, a secundaria para quem é usuário e não chegou a condição de dependente químico e a terciária é aquele cara que merece e precisa de um tratamento,que já é dependente químico. A preven-ção é parte da solução do problema, a outra parte é a repressão” (Depoimento Reinaldo Peres, em entrevis-ta realizada no dia 06/04 às 13 horas)

Quando fomos à delegacia do DENARC pedir informações para a criação deste livro, são eles que fazem o atendimento e o en-caminhamento. Sempre muito simpáticos, não têm problema ne-nhum em mostrar todos seus serviços e dia-a-dia, suas palestras, folhetos de circulação interna e externa e coisas do tipo. Quando fomos encaminhados para o setor de repressão, no entanto, a história muda. Todos sempre muito ocupados, nunca podem nos atender, mesmo o delegado responsável por relacionamento com a imprensa.

Já o Núcleo de Apoio e Prevenção em Escolas, cuja função é pre-venção e repressão de narcóticos nas escolas e em seu entorno.Como colégios são áreas delicadas, por serem facilmente alvo de traficantes e mexer diretamente com crianças, foi-se necessário criar essa divisão que tenta bloquear os problemas do narcotráfico dentro e perto dos colégios.

Também foi criada a DIAP, a Divisão de Inteligência e Apoio Poli-cial, que foca exclusivamente no desenvolvimento e levantamen-to de pesquisas, serviço técnico de informações, setor de investi-gações especiais, entre outros serviços. É quase como uma área de tecnologia e investigação dentro de uma polícia investigativa. Um setor mais especializado ainda.

E como falar do funcionamento do DENARC como um todo? En-quanto na área de prevenção, eles contam tudo e descobre-se

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fácil. Já na DISE, tudo que pegamos são os depoimentos de fun-cionários da DIPE, que não tem ligação. Então, o que fizemos foi apurar os dados que nos foram dados e explicar aqui como eles agem, pelo menos na teoria.

O funcionamento da DISE – e basicamente do DENARC, já que sua atuação é a maior – é o seguinte: primeiramente eles recebem a denúncia, que é anônima através do telefone 0800-111718. Eles frisam que a denúncia é mesmo completamente anônima, sem identificação de número, nome ou qualquer dado de quem a faz. O importante é o número maior de dados que o denunciante possa dar sobre o ocorrido.

Essa denúncia vira uma ordem de investigação, vai para o setor responsável, passa para o delegado, é encaminhada para o assis-tente e que a deixa em ordem para o chefe dos investigadores. Aí começa a apuração: vão e analisam o local da denúncia. Se houver flagrante, o criminoso é preso no ato e acabou-se aquele inquérito. Caso não haja flagrante, a investigação e ida ao local podem se repetir por até quinze dias. Caso não seja encontrado nada, faz-se um relatório minucioso da investigação e ele é arqui-vado. Aqui cabe dizer que algumas denúncias recebidas são falsas, e outras feitas por má-fé.

“Tem por ai um monte de vagabundo que deve pinga no boteco e ai o dono do boteco vai cobrar e vira aquele bate boca e o cara com raiva liga no 0800 e denuncia que o dono do boteco esta traficando no boteco, eu mando uma equipe lá com viatura desca-racterizada, bermuda e camiseta, com jeito de malan-dro, ai equipe vai lá investiga, o cara não é traficante,é um cara trabalhador e alguém fez uma denuncia para ferrar o cara. Então imagine só eu perdi uma equipe 10 dias investigando um negocio que era mentira e ai as denuncias vão chegando e eles tem um prazo

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para me devolver a denuncia que não tem crime ou então me dizer um prazo, eu preciso de mais 10 dias, mais 15 dias. Porque lá tem movimento, poucas de-nuncias são falsas, mas elas ainda existem. Para saber que não tem nada lá não é imediato, uma denuncia aqui equivale é 10 dos bombeiros por exem-plo, porque o bombeiro vai lá não tem incêndio ele volta, nós não, voltamos no outro dia, no outro final de semana. Demora um tempo para descobrir que a denuncia é falsa, mas todo trabalho é com base em relatório, até porque relatório de investigador instrui o inquérito policial”. (Depoimento Reinaldo Peres, em entrevista realizada no dia 06/04 às 13 horas)

Se a investigação mantiver uma motivação, porém, com algo re-almente suspeito e que pode levar a apreensões reais, ela pode seguir por meses. Usa-se desde escutas telefônicas, policiais à pai-sana, plantão em viaturas descaracterizadas etc, tudo que tiver ao alcance das forças policiais para chegar ao criminoso suspeito. Se pego, ele é encaminhado ao juiz, que determinará sua pena, e o caso finalmente é arquivado.

Concluindo, o DENARC parece ser um departamento bem focado, com área própria e específica de atuação, métodos investigativos convincentes, policiais que cumprem com suas partes e infraestru-tura muito bem instalada. Tudo parece funcionar muito bem na teoria. Na prática, porém, a coisa é um pouco diferente, e vários problemas impedem que a polícia aja tão perfeitamente como pa-receu até aqui.

“É burocrático, é tudo muito sigiloso, e a impressão que se tem é que eles querem ter a informação pra conseguir algum beneficio que você não consegue enxergar. Mas tem muito policial bom lá, que sabe de fato investigar o crime de tráfico, principalmen-

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te aqueles policiais que trazem grande quantida-de de droga, policiais muito especializados. É gen-te que sabe trabalhar como policial, tem faro pra ir atrás, informação do traficante, ser rastreado, pro-curam não deixar rastro. E os policiais do DENARC têm esse tino aí, essa sagacidade de saber ir atrás do traficante.“(Depoimento de André Caramente, em entrevista realizada no dia 22/03 às 12 horas)

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GUERRA ÀS DROGAS

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Complexo do Alemão - Rio de Janeiro 2007(Foto: LATUFF 2007)

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O CONFRONTO INICIAL

O funcionamento teórico do DENARC parece perfeito então, e é mesmo. A parte difícil é manter isso na prática. O primeiro pon-to a se colocar aqui é que o departamento não divulga dados e apreensões. Ou seja, não fala nada de um inquérito nem quando ele está terminado. O motivo? Nem com um ano de pesquisa con-seguimos alguma justificativa concreta. O máximo que chegam a nos dizer é que mesmo inquéritos finalizados podem ter ligações com os que estão correndo, e fornecer dados deles também po-dem mostrar como os policiais agem para finalizar as investiga-ções. Se isso vai convencer quem está interessado no assunto, é outra história.

O fato é que as drogas tomaram proporções imensas no país e, mesmo os policiais sendo sigilosos, vemos apreensões e a atuação da polícia no combate de entorpecentes todos os dias. A dificul-dade aqui é saber o quanto disso representa no mundo do crime, ou seja, se essas apreensões significam que sobram poucas drogas para serem traficadas ou o que a polícia apreende é apenas uma minúscula parte do que acaba chegando ao usuário final.

Mesmo sem dados numéricos, cremos que dê para ter uma noção usando de um pouco de lógica. Considerando que cada favela tenha no mínimo um traficante dominante, que cada escola tenha uma pessoa que vende drogas e que cada bairro afastado tenha uma rua conhecida como "boca", além do que vemos nos centros, dá para se ter uma noção de quanta droga é transitada todos os dias em todo o país, no mínimo. Como não somos ingênuos e sabemos que há muito mais que uma criança na escola, uma rua no bairro e um traficante por favela, podemos imaginar porque traficar parece ser tão bom e rentável.

A polícia parece ter muito mais para combater do que faz. Sua justificativa é sempre a limitação de verbas, de armamento e de

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pessoal, além do fato de trabalharem com denúncias anônimas e inquéritos. Se não houver meios de alguém contar sobre o tráfico para eles, eles nunca vão descobrir. Aqui não nos cabe julgar se este realmente é um problema ou uma desculpa de quem trabalha menos do que poderia.

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A DROGA DA CORRUPÇÃO

Por trás de tudo isso há uma questão que deve ser tratada com muita cautela por todos nós, porque não existe confirmação ofi-cial, quiçá julgamentos oficiais. Existe ou não a corrupção dentro da polícia?

Neste caso, vamos focar aqui unicamente no DENARC, que é a área de que estamos tratando. Como já explicamos, é um depar-tamento extremamente sigiloso, onde conta-se nos dedos a quem os policiais e delegados devem prestar contas. E com um bom conhecimento de qualquer integrante que está ali há algum tem-po, sabe-se aonde consegue enganar até a quem deve-se prestar contas, porque tudo nunca é 100% aberto.

“É o departamento mais complicado da Polícia Civil de São Paulo, porque há os problemas de corrupção, envolvendo historicamente muitas pessoas, não toda, a minoria. Mas exatamente o DENARC sempre teve gente envolvida em questões e processos judiciais por conta de corrupção. Mudou muito, mas não tá perfei-to ainda. É inadmissível que um policial cobre propina de alguém pra não levá-la pra prisão por trafico de drogas, pegar a droga de algum traficante e vendê-la pra outro.” (Depoimento de Maurício Ludovico dos Santos, em entrevista realizada no dia 23/03 às 10 horas)

Sendo assim, se houver algum tipo de fadiga para resolver um inquérito que o policial julgue pessoalmente que não há nada, ele tem meios de fazê-lo, se tiver alguma lábia. Do mesmo jeito, delegados superiores podem confirmar investigações que nunca existiram, para finalizar casos que, por algum motivo, não quei-ram fazer na pra prática.

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A má-vontade é ainda o menor dos problemas em ser corrup-to. Como já dissemos, traficante tem dinheiro, muito. Consegue comprar políticos, possivelmente até governadores conhecidos, imaginemos então um simples policial que queira prendê-lo. Por mais que os salários dentro da Polícia Civil sejam significativamen-te maiores que o da Polícia Militar, justamente por tratarem de modo mais inserido com quem tem muito dinheiro e possa torná-los corruptos, muitos ainda os julgam insuficientes para se manter uma boa vida e que os livrem de uma oferta de grande quantia em dinheiro que ganhem de uma vez, talvez, mais de dois anos de serviço, por exemplo.

Dá para se ter uma noção então de como é fácil ser corrupto den-tro do DENARC, quase tanto quanto ser corrupto na política, mais uma vez por acabar mexendo com muito dinheiro e não dever explicações práticas a quase ninguém. Se há policiais corruptos ali dentro do departamento, o quanto de dinheiro eles levam e há quanto tempo isso ocorre, somente uma investigação superior, oficial e muito sigilosa poderia dizer. Para nós, que vivemos de apurar e pegar dados, acabamos ficando somente nos achismos e deduções. É fato de que suspeitaríamos bem menos se eles tives-sem uma boa vontade maior para atender quem quer informações sobre a área, nem que fosse em uma camada mais superficial, sem entrar em detalhes investigativos ou dados oficiais. Enquanto usam de sigilo total e frases do tipo "quem trata desses assuntos com vocês está em reunião, me dê seu telefone e eu retorno", eles abrem inúmeras possibilidades para nossa imaginação, esteja ela certa ou não.

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EXISTE SOLUÇÃO?

Se a corrupção existe, quais seriam as maneiras de acabar com ela? É bem difícil responder a isso, se fosse mais fácil talvez ela simplesmente não existisse. Para pensar em um meio, devemos nos focar nos dois pontos que deixam o policial tão suscetível a isso, o sigilo de seus atos e prestação de contas, além do grande dinheiro que o tráfico manipula.

O primeiro ponto é praticamente impossível de resolver, porque um dos fatos do DENARC resolver crimes é justamente não dei-xando claro como o faz, ou seja, descrevendo os métodos que usa. Divulgar isso seria como dizer aos criminosos como burlar to-das as investigações. Eles têm de prestar contas, mas ninguém diz exatamente para quem e com que frequência. A saída que vemos é colocar alguém realmente incorruptível nesta prestação de con-tas, alguém que realmente o faça de forma correta e que controle os pontos negativos dentro da corporação. O problema é que isso tecnicamente já ocorre. Como garantir que o chefão que recebe os dados realmente seja livre de corrupção? Afinal, ele é um dos mais fáceis de ser manipulado, e para provar isso antes teríamos que provar que praticamente todo o DENARC usa da corrupção.

O segundo ponto, o dinheiro, acaba de uma única forma. Como ninguém espera que os traficantes sejam bonzinhos e parem de comprar os policiais, a solução seria tirar o dinheiro deles ou aca-bar com os traficantes, e ironicamente quem tem de fazer isso são quem eles compram. O círculo vicioso surge aqui, porque o traficante depende do policial corrupto para seguir em liberdade ganhando dinheiro, e a tal autoridade precisa do traficante cheio de dinheiro para complementar seu salário. Assim é conveniente para ambas as partes que a outra exista. Não é de interesse de um policial corrupto que o traficante seja preso, ao contrário do que seu salário oficial sugere. Se uma corporação inteira seguir estas regras, então, estamos fadados e nunca ver, nem de perto, o fim do tráfico e da corrupção policial.

Outra solução seria a já exposta aqui, acabar com os traficantes usando do meio mais prático, cortando pela raiz a necessidade

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de se traficar drogas. A liberalização dos entorpecentes faria au-tomaticamente os traficantes virarem pessoas inúteis dentro da escala capitalista, que acabaria com seu dinheiro e quem ele com-pra. Porém, como sempre há uma pedra no caminho, eles po-dem comprar quem os proibiria de ganhar dinheiro, e fica sendo mais interessante para o político embolsar uns tostões a mais que acabar com todo o tráfico e ter que redirecionar os policiais que exercem esse combate.

Poderíamos citar também a diminuição do consumo de entorpe-centes como uma das poucas saídas. E isso acontece somente de uma forma: a conscientização. Parece-nos que o governo até ten-ta, afinal, se tratarmos o usuários como doente, como a lei de 2003 já discutida aqui faz, vemos que a saída é a conscientização do futuro usuário para que não o seja, além da desintoxicação do atual, para que se livre do vício.

Mais uma vez, a teoria é perfeita. Existem diversos programas de conscientização, palestras dadas em escolas públicas e particula-res, diversos livretos impressos todo mês e distribuídos a grande parte da população carente, a que mais necessita de instrução – mas nunca a única. O DIPE está aí e trabalha a todo o vapor pra cumprir essa meta. Fora isso existe também o direito do usuário de se tratar em hospitais e clínicas destinadas a este fim, que também contam com os tais cursos de conscientização.

Na prática, porém, a coisa pouco funciona. Os meios de conscien-tização são fracos e não tão abrangentes. A criança e o adolescen-te, facilmente manipuláveis, vão sempre escutar quem conhece e confiar mais no que vê – o traficante subindo de vida e sua família lutando para sobreviver – do que confiar em estranhos que apa-recem na escola e dizem que tudo aquilo que move o seu bairro é ruim e deve ser combatido. Dá para se imaginar qual lado uma criança dessas escolherá. Claro que existem vários níveis, aqui fa-lamos do pior deles, e a conscientização já tirou sim, muitos jo-vens de iniciar sua vida e carreira no mundo das drogas. Só que esse muito não chega nem perto de ser o suficiente.

Já para quem é viciado ou mesmo para um simples usuário não tão frequente, o problema é bem maior. Todos têm direito a tal clínica

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de recuperação, mas ela inexiste na prática. O drogado não tem a quem recorrer. Uma porcentagem muito pequena ainda possui família melhor estabelecida financeiramente e com consciência, que o interna em uma clínica particular – isso quando ele já reco-nheceu seu erro e aceita ser internado.

Mesmo supondo que uma grande parte pudesse e fosse para os tais meios de recuperação, eles não têm poder de reabilitação de 100%, nem perto disso. Se a droga for forte – porque, convenha-mos, se chegou ao ponto de precisar ser internado, a situação é realmente grave –, como o crack, a chance é quase nula. E ainda existe a possibilidade final de uma recaída depois de recuperado, o que o leva a um vício ainda maior do que o inicial.

Não existe ainda, então, uma forma eficaz de se recuperar um viciado, apenas tentativas. A conscientização dos futuros usuá-rios é muito importante, mas singela demais para o tamanho do problema. Não podemos contar com uma esperança muito gran-de, então, de que os traficantes percam compradores. Muito pelo contrário.

Assim explicado, dá para termos uma noção de como é grandiosa – e meio infinita – a bola de neve que o tráfico e as drogas toma-ram. Não é difícil perceber ainda que isso só tende a aumentar, porque o lucro parece cada vez maior e o número de usuários aumenta à medida que o tempo passa. Se isso vai acabar um dia e nos veremos completamente livres dos traficantes e seus meios sujos de ganhar a vida e comprar a todos, não saberemos tão cedo. Mas as notícias atuais não são muito capazes de deixar al-guém otimista sobre o assunto.

O que os cidadãos podem fazer é cobrar mais atitude da polícia e do governo, e torcer para que isso não aumente. Mas enquanto soubermos que essas duas partes que poderiam acabar de vez com o tráfico e todo o problema que ele gera não vão tomar uma atitude, porque isso acabaria interferindo no problema deles, ser pessimista não é muito difícil.

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A INFLUÊNCIADA MÍDIA

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O PERIGOSO TRIÂNGULO DE INFLUÊNCIAS

O primeiro passo para entender como a mídia funciona é vê-la como uma atividade lucrativa. Sem entrar em uma área crítica, ela é como uma grande empresa que visa o lucro. E como estamos em um mundo capitalista, o lucro é sempre o primeiro foco. Tudo que se faz é causa para se obter dinheiro. Nada muito diferente de qualquer outra área empresarial, e também do problema que traz à tona a corrupção e a bola de neve que o mundo das drogas lançou.

Dentro da área jornalística, então, a mídia procura mostrar o que impacta o público e acaba por dar audiência e gerar vendas de co-merciais e merchandising. Muitos criticam que os jornais de hoje em dia são quase como filmes de terror, só mostrando violência e cobrindo notícias ruins. Mas o fato é que isso que a grande massa, cliente final dos jornais, busca. No fundo, por qualquer motivo que não entra no mérito deste livro, é o que gostamos de ver, mesmo que inconscientemente, quando abrimos o jornal ou ligamos a televisão.

As drogas são um dos assuntos preferidos dos clientes das mí-dias, como chamaremos aqui quem compra jornal impresso e dá audiência para os telejornais, entre outros meios. Por seu caráter impactante e ser um assunto completamente inserido na cultura e até no dia-a-dia de muitos, ela junta esses fatores e está no topo das matérias que vendem – e causam lucro a quem as faz.

Também há a exploração visual da polícia por parte dos filmes, como falaremos adiante, que utilizam de mostrar a vida dos po-liciais como foco das suas histórias. Até aonde elas retratam a re-alidade?

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PSICOLOGIA DOS DADOS

Existe todo tipo de cobertura de drogas. Desde matérias dentro de morros tomados por traficantes, tráfico em escolas, tentativas de mostrar o funcionamento da polícia no combate, dentre ou-tros. Quando a polícia divulga alguma apreensão ou prisão, en-tão, qualquer empresa de mídia que se preze convoca os melhores repórteres e câmeras para fazer a cobertura.

Já no tratamento com a polícia, a apuração fica mais difícil. Apesar de a polícia no geral – aqui ainda estamos falando no geral e não focados no DENARC – possuir uma assessoria de imprensa, uma voz oficial e até uma relativa facilidade de ceder dados, atos que inexistem quando se apura o tráfico diretamente, há uma descon-fiança e uma dificuldade para chegar nos dados reais e em sua totalidade.

Existem diversos meios que afirmam que a polícia mente e omite muito dos seus dados. Mais uma vez, essa é uma crítica mundial, não apenas local. Vamos analisar por partes agora.

Com relação aos dados oficiais sobre crimes, estes nunca serão confiáveis e verdadeiros, e a culpa é da própria população. Muito mais comum do que se imagina, muitos crimes não chegam à oficialização policial, seja porque a vítima acha que não há neces-sidade, porque ela simplesmente não viu ou mesmo porque é tão descrente com a polícia que tem a certeza que ir até a delegacia prestar uma queixa é total perda de tempo.

As estatísticas oficiais, dadas pelas próprias polícias, também difi-cilmente são verdadeiras, e isso tem a função de obter um caráter psicológico na população. Mesmo que a linha de criminalidade não mude, exibir dados de que ela é menor deixa a população mais tranquila e com sentimento de segurança maior. Provavel-

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mente se a polícia divulgasse todos os crimes que ocorrem diaria-mente, a pessoa teria tanto medo de sair à rua que a evitaria ao máximo.

E a mídia é prova viva disso. Logo após a ditadura e quando os jornais começaram a ter liberdade para cobrir o que quisessem, descobriram que a divulgação de crimes era um ramo muito lucra-tivo. Isso fez com que os jornais se entupissem de matérias sobre criminalidade, violência e drogas. Um lado que foi se desenvol-vendo e se especializando em cada ano que passava da década de oitenta. Isso significa que, mesmo a criminalidade tendo diminuí-do conforme essa década chegasse ao fim, a sensação de insegu-rança da população cresceu assustadoramente, e a cobrança à po-lícia também. Por mais que esta já estivesse fazendo seu trabalho e mostrando que a criminalidade havia diminuído, a população acreditava mais no efeito psicológico televisivo que o estouro de matérias havia causado.

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TIROS DE TODOS OS LADOS

Mídia e polícia nunca se bateram. Sempre com as mesmas acu-sações de atrapalhar o lado alheio. De certa forma, estão certas: a polícia trabalhando com sigilo faz seu trabalho melhor, por não mostrar aos novos bandidos como agem. E a mídia também traba-lharia mais tranquilamente se seu acesso à área criminalística fosse mais fácil e as informações, mais corretas. Mas ambas precisam existir para a população, e conseguem trazer, juntas, a mostra pra o cliente da mídia de que trabalham e fazem sua parte.

Quando o assunto é o DENARC então, a dificuldade de penetra-ção da mídia é muito maior, e sentimos isso na pele. Os outros de-partamentos policiais ainda possuem até assessores de imprensa ou delegados que são focados em dar o parecer de casos à popu-lação e à mídia. Talvez não em processo de solução, mas quando solucionados, não tem nada contra divulgar seu trabalho.

Já o departamento de narcóticos fecha totalmente seu acesso a qualquer um que não sejam os superiores aos quais têm de prestar contas. Mesmo que o inquérito esteja resolvido, existe uma difi-culdade absurda de se conseguir informações sobre ele.

Quando perguntamos a qualquer conhecido se ele já ouviu fa-lar sobre o DENARC, ou fazemos uma pesquisa pública com o mesmo intuito, a resposta é quase sempre negativa. No caso de questionar se há um aparecimento do departamento de narcóti-cos na televisão, então, a resposta negativa nesse caso é geral e independe da instrução do questionado. O fato é que mesmo que apareça mais do que o próprio DENARC deseja e tanto quando a mídia consegue, a população carece do nome DENARC em suas televisões ou jornais.

“É porque muitas vezes as pessoas que lá [traba-lhando no DENARC] têm informação, têm um belo

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trabalho feito e não divulgam. Por que será que não divulgam? Que será que querem fazer com essa in-formação? Eu acho que é um problema mais lá do que da imprensa, a imprensa costuma fazer muita coi-sa. (...) A gente não sabe o por que, qual o interesse de não se divulgar um trabalho bem feito. O DENARC tem bons policiais, eles costumam dizer que lá dentro existem os “Pelés”, os caras que têm muita informa-ção sobre os traficantes em são Paulo e costumam fazer grandes apreensões de drogas. Essas pessoas são meio que mitos na polícia, seria muito interes-sante poder fazer o perfil de um cara como esse. E o DENARC não deixa. Então é muito mais uma política de divulgação mal feita que má vontade por parte da imprensa. E outra, a gente não vai divulgar somente o que eles querem, o dia que isso acontecer vai deixar de ser jornalismo e eu vou deixar de ser repórter, en-tão, existe essa dificuldade. Lá é uma caixa preta, eles querem que apareça apenas aquilo que eles filtram, filtram, filtram e aí te dão de mão-beijada. As minhas reportagens não vão sair do jeito que eles querem, vão sair do jeito que eu quero e a empresa que me paga quer.“(Depoimento de André Caramente, em entrevista realizada no dia 22/03 às 13 horas)

Qual seriam os motivos do público não conhecer o DENARC, en-tão? O primeiro e mais óbvio é a falta de divulgação do mes-mo. Eles não divulgam, não querem divulgar e não querem que seja divulgado. E como jornalista não pode perder tempo, acaba procurando assessores do DEIC ou da Polícia Militar e cobrindo matérias daquela área, já que, para o consumidor final, é tudo criminalidade e dá audiência parecida.

Quando o DENARC aparece, então, é algo grandioso e que tem ligação direta com as drogas e com o conhecimento da popula-ção, como o caso de Juan Carlos Abadia. Nunca o DENARC foi

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tão citado – e deixou ser citado – como naquela época. Mesmo assim, dados são mínimos. Aqui entra, mais uma vez, o problema da corrupção. Muitos jornalistas acusam que esse excesso de si-gilo acaba por existir para também cobrir o excesso de corrupção e de trabalhos não feitos, ou ainda feitos de forma errada. É mais um impedimento no final das contas, e uma área que muitos não desejam – ou nem conseguem – cobrir.

Jornalistas que ainda insistem e querem trabalhar nesta área fazem suas matérias apenas com fontes sigilosas, sejam entendedores do assunto, mediadores ou até mesmo investigadores que aceitam dar sua palavra anônima em troca de um pagamento. Outra di-ficuldade que esta área impõe à mídia é que os repórteres que vão cobrir têm que se lembrar e manter na mente o tempo todo que ali eles são, no máximo, mediadores. Não é difícil alguém que, depois de cobrir aquela área por vários dias atrás de alguma coisa parar colocar na matéria que está produzindo e conviver tão diretamente com sua pesquisa, não acabe por se sentir um pouco polícia ou um pouco bandido e se infiltrando de maneira pessoa no caso. Mais uma vez é o efeito psicológico sobre o ser-humano causando estragos. Ele precisa manter-se ligado o tempo todo unicamente na sua produção e seu foco ali, e não deixar o enclausuramento mudar isso.

Há outro impedimento que faz com que o DENARC apareça tão pouco na mídia. Apesar de sempre estar presente no combate às drogas e nas matérias de combate às drogas, muitas mídias aca-bam por eliminar o nome do departamento. Isso porque, além de ser pouco conhecido, quase a totalidade da atuação do DENARC é no Estado de São Paulo, e próximos à capital. Por mais que alguns outros Estados tenham o seu DENARC, a divulgação é quase nula. Como é algo cultural, poucas pessoas vão saber do que se trata se ouvirem as siglas DENARC na televisão. E como as matérias são contadas e espremidas, muitas vezes feitas para veiculação no país todo ou em grande parte dele, os jornalistas preferem usar a ex-pressão Polícia Civil, no geral, que carece de maiores explicações.

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Também não seremos ingênuos de dizer que a mídia é algo perfei-to, imparcial e que só tenta fazer seu trabalho. Apesar de estudos concluírem que o povo brasileiro é um dos que mais acredita na ética televisiva – e com razão, afinal é uma das mais corretas do mundo –, isso não os isola de ter um lado, digamos, maldoso. Com uma concorrência tão acirrada entre canais de comunicação, uma matéria especial, exclusiva e feita de forma diferente se so-bressai muito do meio. Podem ser raras, mas existem as matérias falsas, compradas, feitas de forma ilegal e até aquelas corruptas, que aceitam algumas regalias do criminoso em troca de qualquer palavra dele que cause impacto no produto final e no consumidor.

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TROPA UM, TROPA DOIS, SALVE!

Algumas obras fictícias também tentam retratar, de alguma ma-neira, o funcionamento da polícia, seu lado humano e até mesmo a parte criminosa, do bandido.

Para exemplificar, selecionamos três filmes que lidam diretamente com o assunto deste livro: Tropa de Elite, Tropa de Elite 2 e Salve Geral. Os três são obras próximas da realidade e têm a caracterís-tica de mostrar ao público o funcionamento da guerra urbana que o tráfico ajudou a gerar.

O primeiro Tropa de Elite, feito por José Padilha, se passa no ano de 1997 e conta a história do policial Nascimento, capitão do BOPE no Rio de Janeiro, designado para chefiar uma missão de apaziguar o Morro do Turano. O filme retrata o policial que sofre pressão de todos os lados, como cumprir ordens das quais não concorda, procurar um substituto para seu cargo e cuidar de sua esposa em final de gravidez.

Na continuação, Tropa de Elite 2, a história se passa treze anos após a primeira, em 2010, e continua mostrando problemas pes-soais do Capitão Nascimento, agora com a missão de cuidar de seu filho adolescente. O filme também retrata o crescimento do BOPE e a delicada guerra com as milícias, grupo formado por cidadãos com poder militar ou não, criado de forma ilegal geralmente para segurança interna – no caso, das favelas do Rio de Janeiro.

Já Salve Geral, dirigido em 2009 por Sérgio Rezende, mostra outro extremo. Saindo do Rio de Janeiro e de seus morros, o filme abor-da o primeiro ataque do PCC à cidade de São Paulo, em 2006. Como funcionou todo o esquema, as ordens dos bandidos, a luta com a polícia e toda sua ação para retomar o controle da cidade.

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No caso do Tropa de Elite, podemos considerar que é um filme de ficção, por mostrar a vida real de um personagem fictício do Bata-lhão de Operações Especiais da polícia fluminense. Já Salve Geral tenta abordar com fidelidade os ataques em São Paulo. Conse-guiram? Muitos dos nossos entrevistados os julgaram como boas obras, que retratam bem a realidade, com uma ou outra fantasia, mas sempre dentro de uma realidade possível.

“Acho que assim, é uma ficção, assim, pro grande pú-blico acho que a maior importância desses dois filmes, Tropa de Elite 1 e o 2, é trazer a discussão sobre o policial para mais pessoas, porque normalmente as pessoas costumam parar pra prestar atenção no pro-blema da violência policial, da corrupção policial, ape-nas quando alguém do lado dessa pessoa é atingido diretamente, ”ah, o rapaz da minha empresa era um bom menino e tomou um tapa na cara, aí, durante uma blitz policial, aí”, as pessoas ficam indignadas. Quando a gente, as pessoas costumam deixar quie-to, mas quando atinge alguém ligado àquela pessoa, o tom de indignação aumenta, então eu acho que o filme tem a função de trazer essa discussão de segu-rança pública à tona, então ele é bastante importante, a gente sabe que não é um documentário, né, é uma ficção, apesar de ter muita coisa próxima da realida-de, foi baseado numa historia real, ainda sim é uma obra de ficção.” (Depoimento de André Caramente, em entrevista realizada no dia 22/03 às 13 horas)

“Ali mostram duas realidades na visão do autor, do produtor do filme. Eu como policial, a parte do inter-mediário eu vejo duas apologias, uma apologia ao cri-me e outra a policia. Eu acho que de certa maneira o filme mostra uma realidade mas que deve ser passado para as pessoas que tem um pouco de discernimento para filtrar o que é bom e o que é ruim. Se a pessoa

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ela tem um policial, ele tem uma visão muito fechada, ele vai achar que o que o capitão Nascimento está fa-zendo, o que o BOPE está fazendo é certo. É coisa que extrapola a lei, aquilo não condiz com a realidade. E a mesma coisa para o lado do Salve Geral, ele faz uma apologia de que todo criminoso é um coitado. Você vê naquela visão de que aquele cara não merecia isso, ai você encontra uma viatura e fala “olha eles ai”. Então a pessoa tem que olhar friamente para fazer esse critério, fazer uma divisão, até aqui é assim, tem que ter um meio. Não existe, aquilo ali para angariar dinheiro, como é para angariar dinheiro se os lideres estão usando cueca de 300 reais. As esposas dando a luz no Santa Marcelina, passa perto de qualquer presídio em dia de visita e vê os carrões que chegam trazendo as esposas, que a maioria se você ver na declaração está ajudante geral. Alguma coisa tem que ser mudada e não somos nos que vamos conseguir.” (Depoimento de Maurício Ludovico dos Santos, em entrevista realizada no dia 23/03 às 10 horas)

Os filmes são chocantes para a maioria da população, justamente por esta não ter consciência de como realmente a guerra fun-ciona. Há ingênuos que julgam as obras totalmente fantasiosas, representando uma realidade que não é possível de existir.

Independentes disso, os filmes fizeram sucesso e trouxeram reper-cussões mundiais e títulos de prêmios. Tropa de Elite 2 foi o filme nacional mais visto de todos os tempos, com mais de onze milhões de espectadores, ultrapassando o último sucesso nacional, Dona Flor e seus Dois Maridos, de 1976. Salve Geral foi escolhido para participar do Oscar de melhor filme estrangeiro.

Cabe a nós concluir, então, que a mídia tenta de todas as formas conseguir dados sobre a polícia e suas ações para divulgá-las. Afi-nal, é algo que vende ao grande público. Por mais que envolva

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uma ação sigilosa, é de se entranhar uma censura tão grande da parte policial nas suas divulgações. Os motivos que ela tem – ou não – para manter este anonimato nós mostramos, e não queremos influenciar o leitor a respeito de suas conclusões sobre o assunto.

Mas algo parece estar errado. Como foco principal deste traba-lho, vimos como é difícil conseguir dados ou mesmo falar com o departamento de narcóticos sobre seu trabalho no geral, quiçá sobre algum caso em específico. Isso porque somos jornalistas e nosso compromisso é a divulgação de informação. Mas um cida-dão comum que queira matar sua curiosidade ou saber de algum assunto de seu interesse provavelmente nem será atendido.

Seja tratando de filmes, de cobertura jornalística ou de censura interna, a mídia, a polícia e o traficante são três pontas de uma pirâmide que de boazinha e ingênua não tem nada, cada uma com suas preferências e seu foco em jogo, com a convivência nada pacífica, mas necessária.

Se essa relação mudará algum dia, não podemos prever. Mas uma vivência melhor entre a polícia e o jornalista – obviamente aqui não cabe ao bandido – seria melhor para quem ambos ser-vem: o público.

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CONCLUSÃO

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Complexo do Alemão - Rio de Janeiro 2007(Foto: LATUFF 2007)

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CONCLUSÃO

Nosso maior trabalho era passar para o leitor o funcionamento dos dois lados dessa moeda e como cada um trabalha, na teoria e na prática. Como o foco inicial foi o estudo sobre a polícia no combate aos narcóticos e sua relação com a mídia, nossas pes-quisas e fontes tenderam mais para este ponto, mas sem deixar o combatente de lado, até porque esclarecimentos sobre ele ajuda-ram a entender a forma de agir da polícia como um todo.

O mais importante de tudo, no entanto, é ter mostrado o tama-nho e a proporção que as drogas tomaram na sociedade, além da importância que o combate tem de ter. Muito mais do que vemos na televisão, devemos cobrar uma solução pelas autoridades, e não permitir que esse jogo sujo continue de forma tão desenfrea-da. Não há uma visão otimista sobre o assunto, e ela é o primeiro passo para que a esperança nasça no combate a isso.

A mídia também tem papel importantíssimo nesse meio, sendo uma terceira ponta ou a mediadora dos casos, que permite ao público ver o que ocorre nesse mundo. O convívio com ambas as partes nunca é bom, mas sempre necessário. Cremos que os jornalistas poderiam deixar um pouco de lado o sensacionalismo e o foco apenas nos lucros, em ficar falando apenas da camada externa do tráfico, e apurar casos mais internos, como a corrup-ção que denunciamos de forma limitada aqui – porque o buraco é bem mais embaixo. O poder da mídia perante a população é gigantesca, e ela pode ajudar muito para que uma solução parta desse meio.

Nós jornalistas temos o poder de manipulação do grande público na mão, e devemos levar a ele crescimento pessoal, não apenas políticas de entretenimento. Por isso mesmo esperamos que este livro contribua de alguma forma para com que não só a população tenha acesso a este assunto – de maneira correta e não-manipula-

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dora – mas para quem for fazer pesquisas e quiser escrever mais e continuar este assunto tão amplo e pouco divulgado.

Chegando neste ponto, esperamos que o leitor tenha sanado a maioria das suas dúvidas e agregado um pouco de conhecimento nesta área específica. Foram muitas limitações de dados, de fontes e até de tempo para a produção desta obra, todas por motivos de força maior. Nossa vontade era ter nos aprofundado e traba-lhado bem mais em cada assunto de uma forma mais específica e detalhada, para trazer bem mais detalhes do que conseguimos. Mesmo assim, o resultado nos pareceu satisfatório.

Finalmente, agradecemos a todos que nos ajudaram com a cons-trução desta obra e a todos que um dia leram – ou lerão – e fica-ram gratos por ter enriquecido seu conhecimento.

Até a próxima!

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As drogas são elementos cada vez mais comuns na sociedade, o tráfico está cada vez mais inteligente e utilizando métodos cada vez menos tradicionais. O caminho da formiga relata da fabricação até o cliente final, os efeitos da droga e a relação desta com a mídia.

"O caminho das drogas é o caminho da formiga. Ela entra, se divide, passa por um túnel, sai numa clareira, volta para o início se necessário. Não importa como, ela chega no destino final." - Ricardo Casciano Farabulini