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Autoria Desde o segundo século da era cristã, a tradição da Igreja atribui ao apóstolo Mateus a autoria do Evangelho que aparece em primeiro lugar nas várias edições da Bíblia (Mt 9.9 e 10.3). Eusébio, em sua obra História Eclesiástica, no início do século IV, já trazia citações de Papias, bispo do século II, de Irineu, bispo de Leão e de Orígenes, grande pensador cristão do século III. Todos os “pais da Igreja” (como ficaram conhecidos os notáveis discípulos de Cristo e teólogos dos primeiros séculos), concordam em afirmar que este Evangelho foi escrito (ou narrado a um amanuense, pes- soa habilidosa com a escrita), primeiramente em aramaico (hebraico falado por Cristo e pelos jovens judeus palestinos de sua época) e depois, traduzido para o grego. Apesar das muitas evidências sobre a existência do original em aramaico, todas as buscas e pesquisas arqueológicas somente en- contraram fragmentos e cópias em grego. Entretanto, os principais estudiosos e teólogos do mundo não duvidam que o texto grego que dispomos hoje em dia é o mesmo que circulou entre as igrejas a partir da segunda metade do século I d.C. Ainda que não apresentando explicitamente o nome do autor, o Evangelho Segundo Mateus, fornece pelo menos uma grande evidência interna que confirma sua autoria defendida pelos pais da Igreja. A história da narrativa de um banquete ao qual Jesus compareceu em companhia de grande número de publicanos e pecadores (pagãos e judeus que não guardavam a Lei e as determinações dos líderes religiosos da época) é descrita na passagem que começa com as seguintes palavras em grego original transliterado: kai egeneto autou anakeimeou em te(i) oikia(i). Ou seja: “E aconteceu que, estando Jesus em casa,...” (Mt 9.10). Considerando que os últimos três vocábulos significam “em casa”, o trecho sugere que o banquete fosse oferecido “na casa” de Jesus. Contudo, a passagem paralela em Mc 2.15 revela que essa festa aconteceu “na casa” de Levi, isto é, Mateus Levi. O texto em Marcos aparece assim transliterado: en te(i) oikia(i) autou, “na casa dele”. O sentido alternativo de Mt 9.10 esclarece que “em casa” quer dizer “na minha casa”, ou seja, “na casa” do autor, e isto concorda perfeitamente com Marcos e com os fatos apresentados em todos os Quatro Evangelhos. Mateus, que tinha por sobrenome Levi (Mc 2.14), e cujo nome significa “dádiva do Senhor”, era um cobrador de impostos a serviço de Roma, mas que abandonou uma vida de avareza e desonestidade para seguir Jesus, o Messias (Mt 9.9-13). Em Marcos e Lucas é chamado por seu outro nome, Levi. Propósitos O principal objetivo do Evangelho Segundo Mateus é relatar seu testemunho pessoal sobre o fato de Jesus Cristo ser o Messias prometido no Antigo Testamento, cuja missão messiânica era trazer o Reino de Deus até a humanidade. Esses dois grandes temas: o caráter messiânico de Jesus e a presença do Reino de Deus são indissociáveis e devem ser analisados sempre como um todo harmônico. Cada qual representa um “mistério” – uma nova revelação do plano remidor de Deus (Rm 16.25-26). Antes do grande evento da vinda do Messias, como o Filho de Deus (também chamado no AT e pelo próprio Jesus de “o Filho do homem”), em triunfo e grande glória entre as nuvens do céu, a fim de estabelecer Seu Reino sobre o planeta todo, terá em primeiro lugar, de vir sob a mais absoluta humildade entre os homens na qualidade de Servo Sofredor, cônscio de que sua missão será dedi- car a própria vida em sacrifício voluntário a favor da humanidade, especialmente dos que, crendo em Seu Nome, se arrependerem dos seus pecados, nascendo para uma nova vida (Jo 1.12; 3.16). Esse é o mistério da missão messiânica. Era um ensino completamente desconhecido para os judeus do primeiro século da nossa era. Hoje, a maior parte dos cristãos que lêem o capítulo 53 de Isaías não sentem qualquer dificuldade em identificar a pessoa de Jesus Cristo com o Messias prometido. Entretanto, os judeus não observaram com cuidado a descrição do Servo Sofredor e deram mais atenção às promessas de um Messias que viria com grande poder e glória, o que realmente está registrado no contexto dessa passagem (Is 48.20; 49.3). Por esse motivo, os judeus do primeiro século esperavam ansiosamente pelo Filho de Davi, um Rei divino (uma vez que os reis humanos já haviam provado sua incompetência e limitação). O Filho de INTRODUÇÃO O EVANGELHO SEGUNDO MATEUS MT_B.indd 14/8/2007, 14:05 1

O evangelho segundo mateus

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Autoria Desde o segundo século da era cristã, a tradição da Igreja atribui ao apóstolo Mateus a autoria do

Evangelho que aparece em primeiro lugar nas várias edições da Bíblia (Mt 9.9 e 10.3). Eusébio, em sua obra História Eclesiástica, no início do século IV, já trazia citações de Papias, bispo

do século II, de Irineu, bispo de Leão e de Orígenes, grande pensador cristão do século III. Todos os “pais da Igreja” (como ficaram conhecidos os notáveis discípulos de Cristo e teólogos dos primeiros séculos), concordam em afirmar que este Evangelho foi escrito (ou narrado a um amanuense, pes-soa habilidosa com a escrita), primeiramente em aramaico (hebraico falado por Cristo e pelos jovens judeus palestinos de sua época) e depois, traduzido para o grego. Apesar das muitas evidências sobre a existência do original em aramaico, todas as buscas e pesquisas arqueológicas somente en-contraram fragmentos e cópias em grego. Entretanto, os principais estudiosos e teólogos do mundo não duvidam que o texto grego que dispomos hoje em dia é o mesmo que circulou entre as igrejas a partir da segunda metade do século I d.C.

Ainda que não apresentando explicitamente o nome do autor, o Evangelho Segundo Mateus, fornece pelo menos uma grande evidência interna que confirma sua autoria defendida pelos pais da Igreja. A história da narrativa de um banquete ao qual Jesus compareceu em companhia de grande número de publicanos e pecadores (pagãos e judeus que não guardavam a Lei e as determinações dos líderes religiosos da época) é descrita na passagem que começa com as seguintes palavras em grego original transliterado: kai egeneto autou anakeimeou em te(i) oikia(i). Ou seja: “E aconteceu que, estando Jesus em casa,...” (Mt 9.10). Considerando que os últimos três vocábulos significam “em casa”, o trecho sugere que o banquete fosse oferecido “na casa” de Jesus. Contudo, a passagem paralela em Mc 2.15 revela que essa festa aconteceu “na casa” de Levi, isto é, Mateus Levi. O texto em Marcos aparece assim transliterado: en te(i) oikia(i) autou, “na casa dele”. O sentido alternativo de Mt 9.10 esclarece que “em casa” quer dizer “na minha casa”, ou seja, “na casa” do autor, e isto concorda perfeitamente com Marcos e com os fatos apresentados em todos os Quatro Evangelhos.

Mateus, que tinha por sobrenome Levi (Mc 2.14), e cujo nome significa “dádiva do Senhor”, era um cobrador de impostos a serviço de Roma, mas que abandonou uma vida de avareza e desonestidade para seguir Jesus, o Messias (Mt 9.9-13). Em Marcos e Lucas é chamado por seu outro nome, Levi.

PropósitosO principal objetivo do Evangelho Segundo Mateus é relatar seu testemunho pessoal sobre o fato de

Jesus Cristo ser o Messias prometido no Antigo Testamento, cuja missão messiânica era trazer o Reino de Deus até a humanidade. Esses dois grandes temas: o caráter messiânico de Jesus e a presença do Reino de Deus são indissociáveis e devem ser analisados sempre como um todo harmônico. Cada qual representa um “mistério” – uma nova revelação do plano remidor de Deus (Rm 16.25-26).

Antes do grande evento da vinda do Messias, como o Filho de Deus (também chamado no AT e pelo próprio Jesus de “o Filho do homem”), em triunfo e grande glória entre as nuvens do céu, a fim de estabelecer Seu Reino sobre o planeta todo, terá em primeiro lugar, de vir sob a mais absoluta humildade entre os homens na qualidade de Servo Sofredor, cônscio de que sua missão será dedi-car a própria vida em sacrifício voluntário a favor da humanidade, especialmente dos que, crendo em Seu Nome, se arrependerem dos seus pecados, nascendo para uma nova vida (Jo 1.12; 3.16). Esse é o mistério da missão messiânica. Era um ensino completamente desconhecido para os judeus do primeiro século da nossa era. Hoje, a maior parte dos cristãos que lêem o capítulo 53 de Isaías não sentem qualquer dificuldade em identificar a pessoa de Jesus Cristo com o Messias prometido. Entretanto, os judeus não observaram com cuidado a descrição do Servo Sofredor e deram mais atenção às promessas de um Messias que viria com grande poder e glória, o que realmente está registrado no contexto dessa passagem (Is 48.20; 49.3).

Por esse motivo, os judeus do primeiro século esperavam ansiosamente pelo Filho de Davi, um Rei divino (uma vez que os reis humanos já haviam provado sua incompetência e limitação). O Filho de

INTRODUÇÃO O EVANGELHO SEGUNDO

MATEUS

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Deus e Rei governará o Reino messiânico (Is 9 e 11 com Jr 33). Nesse Dia, todo pecado e mal serão extirpados da terra; e a paz e a justiça prevalecerão. O Filho do homem é um ser celestial a Quem está entregue o governo de todas as nações e reinos da terra.

O mistério do Reino é semelhante e está intimamente ligado ao mistério messiânico. No segundo capítulo do livro do profeta Daniel temos a descrição da vinda do Reino de Deus em pinceladas vigorosas e impressionantes. Todo poder que fizer resistência à vontade do Senhor será aniquilado. O Reino virá todo, completo, de uma só vez, varrendo da sua frente todas as hostes do mal e todo império contrário a Jesus Cristo. A terra será toda transformada e uma nova ordem, universal e perfeita será instaurada.

Portanto, tanto a mensagem de Cristo como a Sua pessoa foram totalmente incompreendidas pelos Seus compatriotas e contemporâneos em geral, incluindo os próprios discípulos. Todavia, a nova revelação sobre o propósito de Deus é que o Reino deveria vir em humildade e doação: poder espiritual, antes de vir em plena glória triunfante.

Mateus deixa claro que deseja apresentar, em ordem histórica, o nascimento, ministério, paixão e ressurreição de Jesus Cristo. Para tanto, ele reúne os fatos em cinco grandes discursos proferidos pelo Senhor: o chamado, Sermão da Montanha (Mt 5.1 a 7.27); a comissão aos apóstolos (Mt 10.5-42); as parábolas (Mt 13.1-53); o ensino sobre humildade e perdão (Mt 18.1-35), e a palavra profética (Mt 24.1 a 25.46). Mateus cita várias passagens e profecias extraídas do Antigo Testamento e, de fato, interpreta essas profecias como tendo absoluto e certeiro cumprimento em Jesus Cristo; tudo é escrito e ensinado de um modo que seria para o judeu do século I prova irrefutável, a qual a Igreja cristã adota até nossos dias.

Data da primeira publicaçãoEmbora alguns estudiosos considerem a forte possibilidade de o Evangelho Segundo Mateus ter

sido escrito na Antioquia da Síria, as evidentes características judaicas do texto original apontam sua geração para alguma parte da antiga Palestina.

Considerando o fato de a terrível destruição de Jerusalém, ocorrida por volta do ano 70 d.C., ser ainda considerada um acontecimento futuro (Mt 24.2), e que Mateus, assim como Lucas, terem sido beneficiados pela leitura dos escritos de Marcos, podemos entender que as primeiras cópias do livro de Mateus circularam entre os irmãos da recém igreja cristã (chamada de igreja primitiva), quando a Igreja era em grande parte judaica e o Evangelho pregado quase que exclusivamente aos judeus (At 11.19), por volta dos anos 50 e 60 da nossa era.

Esboço Geral de Mateus 1. Nascimento e infância do Cristo, o Messias (caps. 1,2) A. A genealogia de Jesus (1.1-17). B. O anúncio do seu nascimento (1.18 – 25) C. A adoração ao bebê, filho do Homem, o Salvador (2.1-12) D. A permanência de Jesus no Egito (2.13-23) 2. Prelúdio do ministério de Jesus Cristo (caps. 3.1 – 4.25) A. João Batista e seu ministério preparatório para Jesus (3.1-12) B. O batismo de Jesus Cristo (3.13-17) C. A grande tentação de Jesus (4.1-11) D. A investidura do Senhor (4.12-25) 3. O ensino do Rei Jesus Cristo (caps. 5.1 – 7.29) A. A proposta da Vida no Reino (5.1-16) B. Os princípios espirituais para se viver no Reino (5.17-48) C. A Torá e a Lei de Moisés (5.17-20) D. A lei sobre o assassinato (5.21, 22) E. A lei sobre o adultério (5.27-30) F. A lei sobre o divórcio (5.31, 32) G. A lei sobre os votos (5.33-37) H. A lei da não resistência (5.38-42) I. A lei do amor (5.43-48) 4. Aspectos práticos da vida no Reino (caps. 6.1 – 7.12) A. Sobre as esmolas e ajudas (6.1-4) B. Sobre a oração (6.5-15)

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C. Sobre a disciplina espiritual do jejum (6.16-18) D. Sobre o dinheiro (6.19-24) E. Sobre a ansiedade e preocupações (6.25-34) F. Sobre o Juízo (7.1-5) G. Sobre a prudência (7.6) H. Sobre a oração (7.7-11) I. Sobre o trato com outras pessoas (7.12) J. Sobre o caminho estreito do Reino (7.13-29) 5. Demonstrações da soberania de Jesus (caps. 8.1 – 9.38) A. Poder sobre a impureza (8.1-4) B. Poder sobre a distância (8.5-13) C. Poder sobre as enfermidades (8.14-17) D. Poder sobre os discípulos (8.18-22) E. Poder sobre a natureza (8.23-27) F. Poder para perdoar pecados (9.1-13) G. Poder sobre a lei e as doutrinas (9.14-17) H. Poder sobre a morte (9.18-26) I. Poder sobre as trevas (9.27-31) J. Poder sobre os demônios (9.32-34) K. Poder sobre doenças da alma e do corpo (9.35-38) 6. A grande missão do Rei Jesus (10.1 – 16.12) A. A missão é anunciada (10.1 – 11.1) B. A missão é comprovada (11.2 – 12.50) C. O consolo aos discípulos de João (11.2-19) D. A condenação das cidades infiéis (11.20-24) E. A convocação dos discípulos para Si (11.25-30) F. As controvérsias sobre o uso do sábado (12.1-13) G. O pecado imperdoável da incredulidade (12.14-37) H. Alguns sinais extraordinários (12.38-45) I. Relacionamentos transformados (12.46-50) 7. A missão tem seu objetivo ampliado (13.1-52) A. A parábola do semeador (13.1-23) B. A parábola do trigo e o joio (13.24-30) C. A parábola do grão de mostarda (13.31, 32) D. A parábola do fermento (13.33) E. A parábola do trigo e do joio é explicada (13.34-43) F. A parábola do tesouro escondido (13.44) G. A parábola da pérola de grande valor (13.45, 46) H. A parábola da rede (13.47-50) I. A parábola do pai de família (13.51, 52) 8. A missão sofre fortes ataques (caps. 13.53 – 16.12) A. Pelos conterrâneos do Rei (13.53-58) B. Por Herodes – seguido de milagres (14.1-36) C. Pelos escribas e fariseus – seguido de milagres (15.1-39) D. Pelos fariseus e saduceus (16.1-12) 9. A teologia prática de Jesus, o Messias (caps.16.13 – 20.28) A. Quanto à Sua Igreja (16.13-20) B. Quanto à Sua morte (16.21-28) C. Quanto à Sua glória (17.1-21) D. Quanto à Sua traição (17.22, 23) E. Quanto a impostos (17.24-27) F. Quanto à humildade (18.1-35) G. Alimentar uma fé pura e simples (18.1-6) H. Sincera preocupação com os perdidos (18.7-14) I. Disciplina e restauração entre os crentes (18.15-20) J. Disposição para perdoar tudo e sempre (18.21-35) K. Quanto aos dramas humanos (19.1-26)

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L. Problemas físicos (19.1, 2) M. Divórcio e novo casamento (19.3-12) N. Quanto às crianças e os pequenos na fé (19.13-15) O. Quanto ao acúmulo de riquezas (19.16-26) P. Quanto ao Reino (caps.19.27 – 20.28) Q. Recompensas no Reino (19.27-30) R. Reconhecimento no Reino (20.1-16) S. Graduação e promoções no Reino (20.17-28) 10. A proclamação do Rei Jesus (caps. 20.29 – 23.39) A. O poder do Rei Jesus (20.29-34) B. A aclamação do Rei Jesus (21.1-11) C. A purificação realizada pelo Rei Jesus (21.12-17) D. A maldição da figueira (21.18-22) E. O desafio ao Rei Jesus (21.23-27) F. As parábolas do Rei Jesus (21.28 – 22.14) G. Quanto à rebeldia de Israel (21.28-32) H. A retribuição a Israel (21.33-46) I. A rejeição de Israel (22.1-14) J. Os pronunciamentos do Rei Jesus (caps. 22.15 – 23.39) K. Em resposta aos herodianos (22.15-22) L. Em resposta aos saduceus (22.23-33) M. Em resposta aos fariseus (22.34-40) N. Questionando os fariseus (22.41-46) O. Contra os doutores da lei e fariseus (23.1-36) P. Contra a cidade santa: Jerusalém (23.37-39) 11. As terríveis profecias do Rei Jesus (caps. 24.1 – 25.46) A. A destruição do Templo (24.1, 2) B. As indagações dos discípulos (24.3) C. Os grandes sinais sobre o final dos tempos (24.4-28) D. O sinal do glorioso retorno de Jesus (24.29-31) E. Parábolas ilustrando as profecias (24.32 – 25.46) F. A figueira (24.32-35) G. Os dias de Noé (24.36-39) H. Os companheiros (24.40, 41) I. O pai de família atento (24.42-44) J. O servo leal (24.45-51) K. As dez virgens (25.1-13) L. Os talentos (25.14-30) M. O grande julgamento dos gentios (25.31-46) 12. O sacrifício do Rei Jesus por nossa Salvação (caps. 26.1 – 27.66) A. A preparação da Paixão (26.1-16) B. A Páscoa da Paixão (26.17-30) C. A traição predita (26.31-56) D. Os interrogatórios e julgamentos (26.57 – 27.26) E. Diante do sumo sacerdote (26.57-75) F. Perante o Sinédrio (27.1-10) G. Respondendo a Pilatos (27.11-26) H. A crucificação (27.27-66) I. Martírio e humilhação (27.27-44) J. Jesus entrega sua vida (27.45-56) K. O sepultamento (27.57-66) 13. A ressurreição e a comissão do Rei Jesus (28.1-20) A. O triunfo de Jesus sobre a morte (28.1-10) B. A conspiração alegada (28.11-15) C. A grande comissão dos discípulos (28.16-20)

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O EVANGELHO SEGUNDO

MATEUS

A linhagem real de Cristo(Lc 3.23-28)

1Livro da genealogia de Jesus Cristo, Filho de Davi, Filho de Abraão:

2 Abraão gerou Isaque, Isaque gerou Jacó, Jacó gerou Judá e seus irmãos,3 Judá gerou Perez e Zera, de Tamar; Pe-rez gerou Esrom; Esrom gerou Arão. 4 Arão gerou Aminadabe; Aminadabe ge-rou Naassom; Naassom gerou Salmom, 5 Salmom gerou Boaz, de Raabe, e Boaz ge-rou Obede, de Rute; Obede gerou a Jessé.6 Jessé gerou o rei Davi, e o rei Davi ge-rou a Salomão, daquela que foi mulher de Urias1;7 Salomão gerou Roboão; Roboão gerou Abias; Abias gerou Asa, 8 Asa gerou Josafá; Josafá gerou Jorão; Jorão gerou Uzias; 9 Uzias gerou Jotão; Jotão gerou Acaz; Acaz gerou Ezequias;10 Ezequias gerou Manassés; Manassés gerou Amom; Amom gerou Josias; 11 Josias gerou Jeconias e a seus irmãos no tempo em que foram levados cativos para a Babilônia. 12 Depois do exílio na Babilônia, Je-conias gerou Salatiel; Salatiel gerou Zorobabel; 13 Zorobabel gerou Abiúde; Abiúde ge-rou Eliaquim, e Eliaquim gerou Azor; 14 Azor gerou Sadoque; Sadoque gerou Aquim; Aquim gerou Eliúde,

15 Eliúde gerou Eleazar; Eleazar gerou Matã, Matã gerou Jacó; 16 Jacó gerou José, marido de Maria, da qual nasceu JESUS, denominado o Cristo.2

17 Portanto, o total das gerações é: de Abraão até Davi, quatorze gerações; de Davi até o exílio na Babilônia, quatorze gerações; e do exílio na Babilônia até Cristo, quatorze gerações.

A linhagem divina de Cristo (Lc 2.1-7)18 O nascimento de Jesus Cristo ocorreu da seguinte maneira: Estando Maria, sua mãe, prometida em casamento a José, antes que coabitassem, achou-se grávida pelo Espírito Santo. 19 Então, José, seu esposo3, sendo um homem justo e não querendo expô-la à desonra pública, planejou deixá-la sem que ninguém soubesse a razão. 20 Mas, enquanto meditava sobre isso, eis que, em sonho, lhe apareceu um anjo do SENHOR, dizendo: “José, filho de Davi, não temas receber a Maria como sua mulher, pois o que nela está gerado é do Espírito Santo. 21 Ela dará à luz um filho, e lhe porás o nome de Jesus, porque Ele salvará o seu povo dos seus pecados”.4

22 Tudo isso aconteceu para que se cum-prisse o que o SENHOR havia dito através do profeta:

1 A expressão “daquela que foi mulher” não se encontra nos originais em grego; entretanto, desde 1611, a Bíblia King James traz, junto ao texto bíblico, essa explicação rabínica, cujo emprego passou a se observar na maioria das traduções e versões posteriores, em diversas línguas.

2 A expressão grega christos é o adjetivo verbal semita, equivalente a Messias, que, em hebraico, significa “o Ungido”. No AT, essa forma designava o rei de Israel (o ungido do Senhor, como em 1 Sm 16.6), o sumo sacerdote (o sacerdote ungido – Lv 4.3). No plural, essa expressão se refere aos patriarcas em seu ministério de profetas (“meus ungidos” – Sl 105.15). Jesus cumpriu a profecia messiânica, desempenhando essas três funções.

3 O noivado judaico da época era um compromisso tão solene, que os noivos passavam a se tratar como marido e mulher. A Lei, contudo, proibia qualquer relação sexual antes do casamento formal. O noivado só poderia ser desfeito por infidelidade, que era punida com repúdio público e apedrejamento (Gn 29.21; Dt 22.13-30; Os 2.2).

4 Jesus (em hebraico Yehoshú’a) significa Yahweh Salva ou “O SENHOR é a Salvação”. Yahweh é o nome judaico impronunciável, sagrado e sublime de Deus, na maioria das vezes traduzido por: SENHOR. Em hebraico: (Êx 6.3; Is 41.4). Em grego Egô Eimi.

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6MATEUS 1, 2

23 “Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho, e Ele será chamado de Ema-nuel”, que significa “Deus conosco”.5

24 José, ao despertar do sonho, fez o que o Anjo do SENHOR lhe tinha ordenado e recebeu Maria como sua mulher. 25 Contudo, não coabitou com ela en-quanto ela não deu à luz o filho primogê-nito. E José lhe colocou o nome de Jesus.

A visita dos sábios do Oriente

2 Após o nascimento de Jesus em Belém da Judéia, nos dias do rei Herodes, eis

que alguns sábios vindos do Oriente che-garam a Jerusalém.1

2 E, indagavam: “Onde está aquele que é nascido rei dos judeus? Pois do Oriente vimos a sua estrela e viemos adorá-lo”.2 3 Quando o rei Herodes ouviu isso, ficou perturbado e toda a Jerusalém com ele. 4 Tendo reunido todos os príncipes dos sacerdotes e os escribas do povo,

perguntou-lhes onde havia de nascer o Cristo.3 5 E eles lhe responderam: “Em Belém da Judéia, pois assim escreveu o profeta:4 6 ‘Mas tu, Belém, da terra de Judá, de modo algum és a menor entre as prin-cipais cidades de Judá; pois de ti sairá o Guia, que como pastor, conduzirá Israel, o meu povo’”.5

7 Então Herodes, chamando secretamen-te os sábios, interrogou-os exatamente acerca do tempo em que a estrela lhes aparecera. 8 Mandou-os a Belém e disse: “Ide, e perguntai diligentemente pelo menino, e quando o achardes, comunicai-me, para que também eu vá e o adore”.9 Após terem ouvido o rei, seguiram o seu caminho, e a estrela que tinham visto no Oriente foi adiante deles, até que finalmente parou sobre o lugar onde estava o menino.

5 Mateus demonstra de forma clara e inquestionável que Jesus Cristo é o Messias prometido nas diversas profecias do AT, como nesse texto de Is 7.14. (Mt 2.15-23; 8.17; 12.17; 13.25; 21.4; 26.54-56; 27.9; cf. 3.3; 11.10; 13.14, etc.) O próprio Jesus usa as Escrituras para comprovar sua identidade e ministério (Mt 11.4-6; Lc 4.21; 18.31; 24.44; Jo 5.39; 8.56; 17.12, etc.)

Capítulo 21 O primeiro calendário foi elaborado por Dionísio Exíguo, de Roma (no século VI) e adotado em todo o mundo predominan-

temente cristão. Com o surgimento de novas e mais precisas tecnologias para a medição do tempo, constatou-se que Dionísio errou em pelo menos 4 anos em relação ao mais antigo calendário romano.

Herodes, chamado “O Grande”, recebeu, do Senado romano, o título de “rei da Judéia” e, por isso, ficou conhecido como “rei dos judeus”. Durante seu reinado (de 39 a.C. a 4 a.C.) mandou matar todas as crianças de Belém, de até 2 anos de idade. Nessa época Jesus estaria em seu segundo ano de vida. E os cálculos demonstram que teria nascido quase 5 anos antes do “Anno Domini” (ano oficial do nascimento do Senhor).

Quanto à expressão “sábios”, como traduzida pela Bíblia King James, refere-se a um grupo de sacerdotes babilônios, gentios, reconhecidos entre os povos medo-persas como mestres, cientistas, astrônomos, e que se dedicavam ao estudo da medicina e da astrologia. Algumas versões trazem a expressão “magos”, mas em nossos dias essa palavra tem uma conotação estritamente mística e ocultista. A tradição das igrejas cristãs acrescenta que eles eram três reis, devido aos três presentes de alto valor mone-tário oferecidos a Jesus, mas isso não tem comprovação bíblica.

2 Séculos mais tarde, o astrônomo Kepler calculou que essa imagem de estrela reluzente se tratava da conjunção de Júpiter e Saturno na constelação de Peixes, em 7 a.C. Na China, o mesmo fenômeno foi observado no ano 4 a.C. e interpretado como o aparecimento de uma estrela variável, com surgimento e desaparecimento periódicos.

3 Herodes convoca os responsáveis pela vida religiosa e moral da nação judaica. Os sumos sacerdotes eram os membros das grandes famílias sacerdotais de Jerusalém. Os escribas geralmente pertenciam ao partido político dos fariseus; eram também doutores da Lei e estudantes profissionais, pagos para estudar e ensinar, ao povo, a Lei e as tradições rabínicas. Também fun-cionavam como advogados públicos, sendo-lhes confiada à administração da lei e da ordem, como juízes no Sinédrio (22.35). Esses dois grupos se unem contra Jesus, em 21.15. Mateus associa com mais freqüência os sumos sacerdotes aos anciãos do povo (26.3,47; 27.1). O sentido em ambos os casos é o mesmo: os principais responsáveis pelo drama de um povo são seus líderes e chefes.

4 A palavra “profeta” deriva do grego “pro” que significa “para adiante” ou “à frente” e “phemi” que quer dizer “o que fala”. O profeta é aquele que traz a mensagem de Deus, o servo que anuncia prioritariamente, antes de tudo, a Palavra do Senhor. Esse ministério pode incluir a previsão de futuros eventos. Deus continua a falar através de seus profetas nas igrejas de hoje. Os arautos de Deus nos orientam e ensinam a ouvir o Espírito Santo e a obedecer à Palavra. Entretanto, a Bíblia também nos adverte quanto aos “falsos profetas”, pessoas que são lideradas por um espírito diferente do Espírito Santo e causam confusão à comunidade e grande dano a si próprios (Jr 7.4, Jr 14.14, Lm 2.4, Ez 13.6, Mt 7.15, Mt 24.11-24, 2Pe 2.1, Ap 19.20).

5 Mq 5.2; Jo 7.42; Ap 2.27

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7 MATEUS 2, 3

10 E vendo eles a estrela, alegraram-se com grande e intenso júbilo.11 Ao entrarem na casa, encontraram o menino com Maria, sua mãe, e prostran-do-se o adoraram. Então abriram seus tesouros e lhe ofertaram presentes: ouro, incenso e mirra.6

12 E, sendo por divina revelação avisados em sonhos para que não voltassem para junto de Herodes, retornaram para a sua terra, por outro caminho.

A fuga para o Egito13 Depois que partiram, eis que um anjo do SENHOR apareceu a José em sonho e lhe disse: “Levanta-te, toma o menino e sua mãe, e foge para o Egito. Permanece lá até que eu te diga, pois Herodes há de procurar o menino para o matar”. 14 José se levantou, tomou o menino e sua mãe, durante a noite, e partiu para o Egito. 15 E esteve lá até a morte de Herodes. E assim se cumpriu o que o SENHOR tinha dito através do profeta: “Do Egito cha-mei o meu filho”.7

16 Quando Herodes percebeu que havia sido iludido pelos sábios, irou-se ter-rivelmente e mandou matar todos os meninos de dois anos para baixo, em Belém e em todas as circunvizinhanças, de acordo com as informações que havia obtido dos sábios. 17 Então se cumpriu o que fora dito pelo profeta Jeremias: 18 “Ouviu-se uma voz em Ramá, pranto e grande lamentação; é Raquel que chora por seus filhos e recusa ser consolada, pois já não existem”.8

O retorno para Israel19 Após a morte de Herodes, eis que um anjo do SENHOR apareceu em sonho a José, no Egito, e disse-lhe: 20 “Dispõe-te, toma o menino e sua mãe, e vai para a terra de Israel; porque já estão mortos os que procuravam tirar a vida do menino”. 21 Então, José se levantou, tomou o meni-no e sua mãe, e foi para a terra de Israel.22 Mas, ao ouvir que Arquelau estava reinando na Judéia, em lugar de seu pai Herodes, teve medo de ir para lá. Con-tudo, tendo sido avisado em sonho por divina revelação, seguiu para as regiões da Galiléia.23 Ao chegar, foi viver numa cidade chamada Nazaré. Cumpriu-se assim o que fora dito pelos profetas: “Ele será chamado Nazareno”.9

João Batista prepara o caminho(Mc 1.2-8; Lc 3.1-18; Jo 1.6-8,19-36)

3 Naqueles dias surgiu João Batista pre-gando no deserto da Judéia; e dizia:

2 “Arrependei-vos, porque o Reino dos céus está próximo”.1

3 Este é aquele que foi anunciado pelo profeta Isaías: “Voz do que clama no deserto: Preparai o caminho do SENHOR, endireitai as suas veredas”.4 João tinha suas roupas feitas de pêlos de camelo e usava um cinto de couro na cintura. Alimentava-se com gafanhotos e mel silvestre. 5 A ele vinha gente de Jerusalém, de toda a Judéia e de toda a província adjacente ao Jordão.

6 Sl 72.10-11; Is 60.67 Os 11.18 Jr 31.15 9 A expressão hebraica traduzida por “nazareno” significa: desprezível ou desprezado. Nazaré era o lugar mais improvável para

o surgimento ou a residência do Messias, o Ungido de Deus e libertador do povo de Israel (Sl 22.6; Is 11.1; Is 53.3; Mc 1.24). Capítulo 31 João começa seu ministério no deserto da Judéia, uma região árida e estéril, ao longo da margem ocidental do mar Morto.

O Reino dos céus sinaliza o domínio do céu e dos seus valores sobre a terra e o sistema econômico, político, social e religioso mundial. O povo judeu da época de Cristo esperava esse Reino messiânico (ou davídico) e seu estabelecimento. Foi exatamente esse o Reino que João anunciou como “próximo”. A rejeição de Cristo pelo povo adiou sua plena concretização até a segunda e iminente vinda de Cristo (Mt 25.31). O caráter atual do Reino está descrito na série de parábolas (histórias com objetivo didático) contadas por Jesus em Mt 13.

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8MATEUS 3, 4

6 Confessando os seus pecados, eram batizados por João no rio Jordão.7 E, vendo ele muitos dos fariseus e dos saduceus que vinham ao seu batismo, dizia-lhes: “Raça de víboras, quem vos ensinou a fugir da ira futura?2

8 Produzi, sim, frutos que mostrem vosso arrependimento! 9 Não presumais de vós mesmos, dizen-do: ‘Temos por pai a Abraão’; porque eu vos digo que mesmo destas pedras Deus pode gerar filhos a Abraão.10 O machado já está posto à raiz das árvores, e toda árvore, pois, que não produz bom fruto é cortada e lançada no fogo. 11 Eu, em verdade, vos batizo com água, para arrependimento; mas depois de mim vem alguém mais poderoso do que eu, tanto que não sou digno nem de levar as suas sandálias. Ele vos batizará com o Espírito Santo e com fogo.12 Ele traz a pá em sua mão e separará o trigo da palha.3 Recolherá no celeiro o seu trigo e queimará a palha no fogo que jamais se apaga”.

O batismo de Jesus(Mc 1.9-11; Lc 3.21,22; Jo 1.32-34)13 Então Jesus veio da Galiléia ao Jordão para ser batizado por João. 14 Mas João se recusava, justificando: “Sou eu quem precisa ser batizado por ti, e vens tu a mim?”

15 Jesus, entretanto, declarou: “Deixe assim, por enquanto; pois assim convém que façamos, para cumprir toda a justiça”. E João concordou. 16 E, sendo Jesus batizado, saiu logo da água, e eis que se abriram os céus, e viu o Espírito de Deus descendo como pomba e vindo sobre Ele. 17 Em seguida, uma voz dos céus disse: “Este é meu Filho amado, em quem mui-to me agrado”.

Jesus é tentado pelo Diabo(Mc 1.12,13; Lc 4.1-13)

4 Jesus foi então conduzido pelo Espí-rito, ao deserto, para ser tentado pelo

Diabo.2 Depois de jejuar quarenta dias e qua-renta noites, teve fome. 3 O tentador aproximou-se então dele e disse: “Se tu és o Filho de Deus, manda que estas pedras se tornem em pães”.4 Jesus, porém, afirmou-lhe: “Está es-crito: ‘Nem só de pão viverá o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus’”.1

5 Então o Diabo o conduziu à Cidade Santa, e colocou-o sobre a parte mais alta do templo e desafiou-lhe: 6 “Se tu és o Filho de Deus, joga-te daqui para baixo. Pois está escrito: ‘Aos seus anjos dará ordens a teu respeito, e com as mãos eles te susterão, para que jamais tropeces em alguma pedra’”.2

2 Os fariseus eram a mais influente das seitas do judaísmo no tempo de Cristo. Embora apegados às doutrinas e à ortodoxia, seu zelo, sem o entendimento espiritual da Lei de Moisés levara-os, ao longo dos séculos, a uma observância estrita das normas e regras da Lei e das tradições rabínicas. Eram justos aos próprios olhos e inimigos implacáveis de Jesus Cristo (Mt 9.14; 23.2; 23.15; Mc 12.40; Lc 18.9). Os saduceus, que pertenciam à elite econômica e às famílias sacerdotais, eram anti-sobrenaturalistas (não criam em milagres e no poder sobrenatural de Deus). Opunham-se às tradições dos ensinos e interpretações dos fariseus e colaboravam abertamente com os governantes romanos. Uniram-se aos fariseus apenas em suas perseguições a Cristo (Mt 16.1-4,6).

3 Algumas versões trazem a expressão: “...e limpará a sua eira”. A Bíblia King James optou por uma tradução mais clara dessa frase, a partir do original grego; pois a “pá”, que Jesus traz em sua mão, tem a ver com uma pá de madeira usada para lançar o cereal triturado ao ar, de modo que a palha, mais leve, fosse carregada pelo vento, e os grãos se amontoassem no solo. Isso significa “limpar a eira” e reforça o cumprimento da profecia de Malaquias (Ml 3.1-6 e 4.1).

Capítulo 41 O objetivo do Diabo era levar Cristo, o Ungido, Filho de Deus, a pecar. Apenas um pecado seria o suficiente, desqualificando o

Salvador, frustrando assim, o plano de Deus para a redenção humana. O objetivo de Deus foi provar que seu Filho – perfeitamente divino e perfeitamente humano – viveu, contudo, isento de qualquer pecado; sendo, portanto, um Salvador perfeitamente digno e suficiente (2Co 5.21; Hb 4.15, Rm 8.3; 1Jo 2.16; Tg 1.13). Jesus escolhe uma passagem das Sagradas Escrituras (Dt 8.3) para responder ao tentador e a todos quantos têm seus valores invertidos por ganância, egoísmo e inveja.

2 O orgulho, arrogância e empáfia do Diabo não lhe permitiram compreender, muito menos aceitar, a resposta que Cristo lhe dera. O Diabo tenta, então, replicar, usando também uma passagem bíblica (Sl 91.11-12), mas omitindo parte do texto sagrado

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9 MATEUS 4, 5

7 Contestou-lhe Jesus: “Também está escrito: ‘Não tentarás o SENHOR teu Deus’”.3

8 Tornou o Diabo a levá-lo, agora para um monte muito alto. E mostrou-lhe todos os reinos do mundo em todo o seu esplendor.9 E propôs a Jesus: “Tudo isso te darei se, prostrado, me adorares. 10 Ordenou-lhe então Jesus: “Vai-te, Sata-nás, porque está escrito: ‘Ao SENHOR, teu Deus, adorarás e só a Ele servirás’”.4

11 Assim, o Diabo o deixou; e eis que vieram anjos, e o serviram.

Jesus inicia seu ministério(Mc 1.14-20; Lc 4.14-32; 5.1-11)12 Jesus, entretanto, ouvindo que João estava preso, voltou para a Galiléia. 13 E, deixando Nazaré,5 foi habitar em Cafarnaum, situada à beira-mar, nos confins de Zebulom e Naftali.14 Assim cumprindo-se o que fora dito pelo profeta Isaías: 15 “Terra de Zebulom e terra de Naftali, caminho do mar, além do Jordão, Gali-léia dos gentios!6

16 O povo que jazia nas trevas viu uma grande luz; e aos que estavam detidos na região e sombra da morte, a luz raiou”.17 Daquele momento em diante Jesus passou a pregar e dizer: “Arrependei-vos, porque é chegado o Reino dos céus!”.18 E, caminhando junto ao mar da

Galiléia, viu Jesus dois irmãos: Simão, chamado Pedro e André que lançavam a rede ao mar, pois eram pescadores. 19 Então, disse-lhes Jesus: “Vinde após mim, e Eu vos farei pescadores de homens”.20 Eles, imediatamente deixaram suas redes e seguiram Jesus.21 Seguindo adiante, viu Jesus outros dois irmãos: Tiago, filho de Zebedeu e João, seu irmão, que estavam no barco com Zebedeu, seu pai, consertando as redes; e chamou-os. 22 Eles imediatamente deixaram o barco e seu pai para seguirem a Jesus.23 E percorria Jesus toda a Galiléia, ensinando nas sinagogas, pregando o evangelho do Reino e curando todas as enfermidades e males entre o povo. 24 E sua fama correu por toda a Síria; e trouxeram-lhe, então, todos aqueles que sofriam, acometidos de várias enfermi-dades e tormentos, os endemoninhados, os lunáticos e os paralíticos. E Jesus os curava.25 E uma grande multidão da Galiléia, Decápolis, Jerusalém, Judéia e de além do Jordão seguia a Jesus.

O sermão do monte (Lc 6.20-29)

5 Jesus, vendo as multidões, subiu a um monte e, assentando-se, os seus

discípulos aproximaram-se dele. 2 E Jesus, abrindo a boca, os ensinava, dizendo:

que não se ajustava a seus intentos. Esse mesmo método de interpretação inescrupulosa da Bíblia tem-se repetido ao longo dos séculos, na criação e desenvolvimento de diversas seitas heréticas em todo o mundo.

3 Veja Dt 6.164 Somente uma análise profunda e detalhada dos diálogos aqui travados entre Satanás e Jesus pode revelar a magnitude dessa

batalha espiritual vencida por Cristo por meio da Palavra de Deus (Dt 6.13; 10.20), bem como a astúcia e o poder do Diabo para iludir seus oponentes. Satanás, como príncipe do sistema econômico, político e social do nosso planeta (em grego, Kosmos, que significa: mundo), estava em seu direito ao ofertar a Jesus as glórias de todos os reinos da terra, pois de fato estes lhe foram entregues por algum tempo (Jo 12.31; 1 Jo 2.15; 5.19; Jo 3.19; Tg 1.27; 4.4). Jesus manteve-se, porém, íntegro e fiel, resistindo e vencendo a tentação e o tentador.

5 Conforme Lc 4.16-30, Jesus foi expulso de Nazaré, terra onde fora criado, por ter se apresentado ao povo (em um sábado, na sinagoga) como sendo o Filho de Deus e aquele que veio cumprir as profecias sobre a vinda do Messias, registradas no AT (Is 61.1-2 a. Veja também Is 9.1-2 e 42.6-7).

6 Os melhores originais em grego trazem a palavra “gentios” (todos aqueles que não são judeus) em vez de “nações” como consta em várias versões em português.

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10MATEUS 5

3 “Bem-aventurados1 os pobres2 em espí-rito, pois deles é o Reino dos Céus. 4 Bem-aventurados os que choram, por-que serão consolados.5 Bem-aventurados os humildes, porque herdarão a terra.3

6 Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão fartos.7 Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia.8 Bem-aventurados os limpos de cora-ção, porque verão a Deus.9 Bem-aventurados os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus.10 Bem-aventurados os que sofrem per-seguição por causa da justiça, porque deles é o Reino dos Céus.11 Bem-aventurados sois vós quando vos insultarem, e perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra vós, por minha causa.

12 Exultai e alegrai-vos sobremaneira, pois é esplêndida a vossa recompensa nos céus; porque assim perseguiram os profetas que viveram antes de vós.

O cristão deve ser sal e luz13 Vós sois o sal da terra. Mas se o sal per-der o seu sabor, com o que se há de tem-perar? Para nada mais presta, senão para se lançar fora e ser pisado pelos homens.14 Vós sois a luz do mundo. Uma cidade edificada sobre um monte não pode ser escondida.15 Igualmente não se acende uma candeia para colocá-la debaixo de um cesto. Ao contrário, coloca-se no velador e, assim, ilumina a todos os que estão na casa. 16 Assim deixai a vossa luz resplandecer diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem o vosso Pai que está nos céus.

1 A KJ de 1611 traz a expressão inglesa blessed (abençoado, bendito, muito feliz) que foi adotada pela maioria das traduções em todo o mundo, inclusive pelas mais modernas. “Bem-aventurados” transmite melhor a idéia do original grego makarios refe-rindo-se a uma felicidade que excede às circunstâncias, que tem a ver com o profundo sentimento de paz e alegria que todos os que foram “abençoados” com a Salvação em Cristo e Seu Reino devem sentir e desfrutar, mesmo em meio às aflições cotidianas. Esse discurso, conhecido como Sermão do Monte, é o primeiro dos cinco grandes temas tratados por Jesus (Mt 5 a 7; Mt 10; 13; 18 e em Mt 24 e 25). São ensinos primeiramente dirigidos aos discípulos (convertidos, que desejam proclamar ao mundo sua fé em Jesus Cristo).

A expressão original: “abre a boca”, significa que Jesus passou a falar mais alto para que pudesse ser ouvido pelas demais pessoas ao redor. A proclamação do “Reino dos Céus” é o ponto central da pregação de Jesus. Essa expressão vem do hebraico malekhüth shãmayim. A KJ traduz como “Reino do Céu” mas tanto a palavra grega ouranos como a hebraica shãmayim estão no plural (céus) e têm o mesmo sentido de “Reino de Deus”. Os judeus, por respeito, não mencionavam o nome de Deus e por isso, Mateus, sensível a esse dado cultural, chamou o Reino de Deus de Reino dos Céus. O ser humano não tem em si mesmo força moral e ética para viver como Deus ordena. Por isso Jesus Cristo, que viveu essa plenitude de vida espiritual na terra e venceu o mundo, vem na forma do Espírito Santo habitar na alma humana para ajudar-nos a viver uma nova vida, com uma nova mentalida-de, como cidadãos do Seu Reino, dirigidos por Deus.A plenitude dessa vida espiritual se dará no futuro (Ap 21.1-4).

2 A primeira estocada de Jesus atinge diretamente o coração arrogante e presunçoso. Jesus conhecia bem os ensinos dos escribas e fariseus: “Quem cumpre toda a Lei com exatidão é rico no Altíssimo. Quem, além disso, observa literalmente a Halachá (série de tradições judaicas transmitidas pelos pais de geração a geração) será ainda mais rico”. Jesus não estava dizendo que não há bênção em obedecer a Lei, mas sim que um coração soberbo e orgulhoso por cumprir ordenanças e preceitos, não pode-rá “entrar” (viver com amor, paz, alegria e liberdade) no Reino de Deus. Assim, “pobres em espírito” não é uma contradição nem se refere a pessoas tímidas ou sem poder econômico. Significa sim, que o discípulo (seguidor) de Jesus, aquele que ama a Deus sobre todas as coisas, conhece suas limitações e fraquezas e reconhece que sem a graça do Senhor é impossível viver a vida cristã e que por isso não tem qualquer motivo para se orgulhar, pois o Reino dos Céus é também uma dádiva aos quebrantados, humildes e arrependidos (Jo 3), e não pode ser alcançado através de qualquer esforço, barganha ou talento humano. Reino dos Céus é o domínio de Deus sobre toda a criação, as pessoas e o mundo; tanto no presente como no futuro (Mt 5.3; 12.28 e Rm 14.17). Às vezes refere-se também a um lugar e uma vida futura com Deus (2 Tm 4.18).

3 A KJ traz aqui a palavra inglesa meek que pode ser traduzida como: pacífico, gentil, brando, suave, amável, manso, dócil, submisso, resignado. Entretanto, a palavra: “humilde” é mais fiel ao sentido original do termo em grego e comunica melhor, em português, a idéia dessa qualidade cristã: defender a justiça com paciência e sem amargura, entregando lutas e desafios ao Senhor que tudo julga retamente. Esse caráter cristão, moldado pelo Espírito Santo, nos capacita a perseverar na fé em Cristo ainda que em meio às injustiças, ofensas e falta de reconhecimento neste mundo. A promessa é nada menos do que a terra por herança. Aqueles que aceitam perder algumas coisas nesta terra e neste tempo, mantendo uma fé serena no Senhor, serão os reis de toda a terra no futuro (Ap 5.9-14), pois já vivem no presente como cidadãos do Reino. Seres humanos esses cujas vidas estão sendo transformadas pelo Espírito Santo e cujos frutos de caráter lhes conferem a bênção de serem conhecidos como “bem-aventurados” (muito felizes).

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11 MATEUS 5

A Lei se cumpre em Cristo17 Não penseis que vim destruir a Lei ou os Profetas. Eu não vim para anular, mas para cumprir. 18 Com toda a certeza vos afirmo que, até que os céus e a terra passem, nem um i

4

ou o mínimo traço se omitirá da Lei até que tudo se cumpra.19 Qualquer, pois, que violar um destes menores mandamentos e assim ensinar aos homens será chamado o menor no Reino dos Céus; aquele, porém, que os cumprir e ensinar será chamado grande no Reino dos Céus. 20 Porque vos digo que, se a vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus, de modo nenhum entrareis no Reino dos Céus.21 Ouvistes que foi dito aos antigos: “Não matarás; mas quem assassinar estará su-jeito a juízo”.5

22 Eu, porém, vos digo que qualquer que se irar contra seu irmão estará sujeito a juízo. Também qualquer que disser a seu irmão: Racá, será levado ao tribunal. E qualquer que o chamar de idiota estará sujeito ao fogo do inferno.6

23 Assim sendo, se trouxeres a tua oferta ao altar e te lembrares de que teu irmão tem alguma coisa contra ti, 24 deixa ali mesmo diante do altar a tua oferta, e primeiro vai reconciliar-te com teu irmão, e depois volta e apresenta a tua oferta.25 Entra em acordo depressa com teu ad-versário, enquanto estás com ele a caminho do tribunal, para que não aconteça que o adversário te entregue ao juiz, o juiz te en-tregue ao carcereiro, e te joguem na cadeia.26 Com toda a certeza afirmo que de ma-neira alguma sairás dali, enquanto não pagares o último centavo.7

4 A Lei e os Profetas representavam a totalidade do AT, que incluía os Escritos (Sl 78.12-16 é um exemplo desses Escritos e se refere a Êx 7-12 e Nm 13.22, que fazem parte da terceira seção da Bíblia Hebraica). Jesus é o cumprimento das profecias sobre a vinda do Messias e Seu Reino. Ao mesmo tempo, Ele foi o único ser humano a cumprir de maneira plena e fiel a essência da vontade de Deus, não se limitando a uma obediência apenas religiosa, formal e exterior. Jesus levou seu amor pelo Pai e pela humanidade às últimas conseqüências e enfatizou que toda a Palavra de Deus se cumprirá. Nem a menor letra do alfabeto hebraico: (yod); em grego: i(iôta) que corresponde à letra “i” em português; nem mesmo o menor sinal gráfico (pequeno traço) que serve para distinguir certas letras hebraicas, e que pode alterar o sentido de uma expressão, serão suprimidos das Sagradas Escrituras. Jesus usa essa bem elaborada hipérbole para evidenciar a veracidade e autoridade da Palavra de Deus até o final dos tempos. As próprias Escrituras testemunham acerca de Jesus de Nazaré como Filho de Deus, Messias (Cristo), Rei dos Reis, Senhor do Universo, nosso Salvador para toda a eternidade (Mc 14.49; Lc 24.27; Jo 10.35; At 18.24; 2Tm 3.16, 2Pe 1.20-21). Jesus desejava que os doutores da Lei observassem essa verdade nas Escrituras, uma vez que o povo já estava aceitando que Jesus Cristo era o Messias, pelas obras que realizava e o poder de suas palavras.

5 Jesus toma como exemplo a situação mais drástica da Lei: a morte (Êx 20.13; Dt 5.17) para demonstrar o que significa compreender e obedecer ao espírito da Lei e não apenas à letra. Ou seja, uma vida no sentido mais amplo e saudável dos man-damentos de Deus, em vez da interpretação meramente externa e restrita feita pela tradição rabínica. A KJ traz a palavra murder (assassinar), pois os verbos em hebraico e grego usados nesse texto e em Êx 20.13 têm especificamente esse sentido claro.

6 Jesus demonstra como entender o sentido mais abrangente da Lei, ao relacionar o pecado de tirar a vida de alguém (assassinato) com erros, aparentemente menos graves, como irar-se contra um irmão ou insultar alguém. A KJ e as versões de Almeida acrescentam “sem motivo se irar”. Entretanto, os mais antigos e melhores originais gregos não trazem essa expressão. Jesus revela que a ofensa verbal está no mesmo nível de um assassinato. Racá era uma antiga expressão aramaica rêqâ’ que originou a palavra hebraica rêquïm usada no tempo dos juízes (Jz 11.3) para indicar pessoas de mau caráter, levianas e traidoras. De maneira curiosa, essa era uma expressão freqüentemente usada na tradição rabínica, associada ao vocábulo nãbhãl (néscio), para se referir aos insensatos e sem sabedoria. Já a palavra grega more, traduzida, em algumas versões, como “louco”, tem sua origem na expressão hebraica moreh (desgraçado), alguém que por não crer em Deus merecia o inferno. O cerne do ensino de Jesus está em que o pecado que leva alguém a ofender outra pessoa é o mesmo que motiva o assassinato. O vocábulo grego synedrio cujo correspondente hebraico é sanhedrïn refere-se ao mais alto tribunal dos judeus, que se reunia em Jerusalém. A KJ traduziu o termo para o inglês council (conselho), por se tratar da reunião dos sábios que julgavam as causas do povo. Synedrion deu origem à expressão grega presbyterion que significa “corpo de anciãos” (Lc 22.66; At 22.5) e gerousia “senado” (At 5.21). A expressão “fogo do inferno” tem a ver com o vale de Hinom em hebraico ge’hinnom que deu origem ao nome grego do lugar: geena. Durante o reinado dos perversos Acaz e Manassés, sacrifícios humanos ao deus amonita Moloque foram realizados em geena. Josias profanou o vale por causa das oferendas pagãs que realizou naquele lugar (2Rs 23.10; Jr 7.31,32; 19.6). Com o passar do tempo, esse vale se transformou num grande depósito de lixo, constantemente em chamas, o que fez a palavra geena significar o lugar dos perdidos, imprestáveis e destinados ao fogo que nunca se apaga.

7 Graças a Jesus temos a bênção do perdão à nossa disposição. Não fosse essa graça seríamos todos consumidos pela Lei. Os cristãos devem, então, perdoar tudo e a todos, pedir perdão e procurar a paz com todos aqueles que se sentirem ofendidos

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12MATEUS 5

Adultério no coração27 Ouvistes o que foi dito: ‘Não comete-rás adultério’.28 Eu, porém, vos digo, que qualquer que olhar para uma mulher com intenção impura, em seu coração, já cometeu adultério com ela.29 Se o teu olho direito te leva a pecar, arranca-o e lança-o fora de ti; pois te é mais proveitoso perder um dos teus membros do que todo o teu corpo ser lançado no inferno.30 E, se tua mão direita te fizer pecar, corta-a e atira-a para longe de ti; pois te é melhor que um dos teus membros se perca do que todo o teu corpo seja lança-do no inferno.

O casamento é sagrado 31 Foi dito também: ‘Aquele que se divor-ciar de sua esposa deverá dar a ela uma certidão de divórcio’.32 Eu, porém, vos digo: Qualquer que se divorciar da sua esposa, exceto por imo-ralidade sexual, faz com que ela se torne adúltera, e quem se casar com a mulher divorciada estará cometendo adultério.

Votos e juramentos33 Também ouvistes o que foi dito aos an-tigos: ‘Não jurarás falso, mas cumprirás ri-gorosamente teus juramentos ao Senhor’.

34 Entretanto, Eu vos afirmo: Não jureis de forma alguma; nem pelos céus, que são o trono de Deus;35 nem pela terra, por ser o estrado onde repousam seus pés; nem por Jerusalém, porque é a cidade do grande Rei.36 E não jures por tua cabeça, pois não tens o poder de tornar um fio de cabelo branco ou preto.37 Seja, porém, o teu sim, sim! E o teu não, não! O que passar disso vem do Maligno.8

Jamais use a vingança38 Ouvistes o que foi dito: “Olho por olho e dente por dente”.39 Eu, porém, vos digo: Não resistais ao perverso; mas se alguém te ofender com um tapa na face direita, volta-lhe tam-bém a outra.40 E se alguém quiser processar-te e ti-rar-te a túnica, deixa que leve também a capa.41 Assim, se alguém te forçar a andar uma milha, vai com ele duas.42 Dá a quem te pedir e não te desvies de quem deseja que lhe emprestes algo.9

Ame os que o odeiam43 Ouvistes o que foi dito: ‘Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo’.44 Eu, porém, vos digo: Amai os vossos

com alguma de suas atitudes. Jesus não entra no mérito se o cristão está certo ou não, apenas ordena que a reconciliação seja promovida o mais rápido possível e que a iniciativa seja sempre da parte daquele que crê em Deus. Jesus usa o exemplo do judeu religioso e temente ao Senhor em um de seus atos mais sublimes — o sacrifício oferecido a Deus de acordo com a lei mosaica, para ensinar que não pode haver culto, oração ou oferta maior do que um coração limpo, sincero, humilde, perdoador e em paz com Deus e com os semelhantes. Em seguida, por meio de uma parábola, Jesus exorta os cristãos que estão em demanda com alguém a que se apressem a negociar um acordo e estabeleçam a paz, antes que a questão se prolongue demais e acabe na justiça onde não há misericórdia, apenas a lei.

8 No AT juramentos em nome do Senhor eram obrigatórios em determinadas ocasiões: quando a palavra necessitava de um fiador idôneo ou mesmo diante de um voto. A quebra da palavra empenhada era um ato sujeito às penas da Lei (Êx 20.7; Lv 19.12; Dt 19.10-19). Deus era (e é) o juiz onisciente de toda a falsidade. “...tão certo como o Senhor vive” (1Sm 14.39). Essa ênfase na santidade dos votos ocorria devido à falsidade costumeira entre as pessoas em seus acordos cotidianos. Jesus ensina que o verdadeiro cristão deve ser autêntico e sincero em suas afirmações; afastando-se de toda a ambigüidade e falsidade comuns neste mundo controlado pelas forças do Diabo.

9 Jesus trabalha as questões universais do direito. De fato toda a humanidade participa de um grande julgamento, envolvendo todos os povos de todos os tempos, no qual Cristo é nosso Advogado e garantia absoluta. Jesus começa citando a antiga Lei da Retaliação (Lv 24.20). Entre os judeus, na época de Jesus, o ato de bater na face direita de alguém, com as costas da mão, era um insulto e uma provocação; não exatamente uma agressão. O insultado poderia revidar ou ir ao tribunal pleitear uma punição, em dinheiro, pela ofensa. Jesus exorta seus discípulos a oferecer a outra face, em sinal de paz e disposição para um acordo. A próxima ilustração tem a ver com as leis dos fariseus: um credor tinha o direito de exigir a túnica do devedor por uma dívida não paga. Quando não a recebia por bem, tinha o direito de exigi-la por meio de um processo jurídico. Mas, de acordo com Dt 24.10-13, deveria ceder a roupa ao dono, conforme suas necessidades diárias de uso. Diante dessas questões jurídicas mesquinhas,

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13 MATEUS 5, 6

inimigos e orai pelos que vos perse-guem;45 para que vos torneis filhos do vosso Pai que está nos céus, pois que Ele faz raiar o seu sol sobre maus e bons e derrama chuva sobre justos e injustos.46 Porque se amardes os que vos amam, que recompensa tendes? Não fazem os publicanos igualmente assim?10

47 E, se saudardes somente os vossos ir-mãos, que fazeis de notável? Não agem os gentios também dessa maneira?48 Assim sendo, sede vós perfeitos como perfeito é o vosso Pai que está nos céus.

Como viver no Reino

6 Guardai-vos de fazer a vossa caridade e obras de justiça diante dos homens,

com o fim de serem vistos por eles; caso contrário, não tereis qualquer recom-pensa do vosso Pai que está nos céus.2 Por essa razão, quando deres um do-nativo, não toques trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas, nas sinagogas e nas ruas, para serem glorificados pelos homens. Com toda a certeza vos afirmo que eles já receberam o seu galardão.3 Tu, porém, quando deres uma esmola ou ajuda, não deixes tua mão esquerda saber o que faz a direita.

4 Para que a tua obra de caridade fique em secreto: e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará.

A oração modelo5 E, quando orardes, não sejais como os hipócritas, pois que apreciam orar em pé nas sinagogas e nas esquinas das ruas, para serem admirados pelos outros. Com toda a certeza vos afirmo que eles já receberam o seu galardão.6 Tu, porém, quando orares, vai para teu quarto e, após ter fechado a porta, orarás a teu Pai, que está em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará ple-namente. 7 E, quando orardes, não useis de vãs repetições, como fazem os pagãos; pois imaginam que devido ao seu muito falar serão ouvidos.8 Portanto, não vos assemelheis a eles; porque Deus, o vosso Pai, sabe tudo de que tendes necessidade, antes mesmo que lho peçais.9 Por essa razão, vós orareis: Pai nosso, que estás nos céus! Santificado seja o teu Nome.10 Venha o teu Reino. Seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu.

Jesus exorta os discípulos a serem altruístas. Se credores, a desistir do penhor; se devedores, a dar além do devido, entregando também a capa que era vestida sobre a túnica. Para o discípulo de Jesus, o direito jurídico já foi abolido na Cruz, a nova ordem é a Lei do Amor em Cristo. Outra metáfora de Jesus reforça essa idéia. Tem a ver com o costume judaico de se pedir a companhia de alguém numa viagem pelas perigosas estradas da época. Quando alguém se negava, e acontecia um crime, essa pessoa era responsabilizada pela sua comunidade local, por não ter atendido ao pedido do viajante. O verbo grego traduzido aqui por “forçar” advém de uma antiga palavra persa que significa “recrutar à força”. Curiosamente, é a mesma palavra que aparece no final deste livro, em Mt 27.32, quando os soldados romanos “recrutam à força” Simão, para ajudar Jesus a carregar sua cruz. Os fariseus haviam imposto uma lei: “devemos acompanhar somente a outro fariseu, não devemos caminhar com os incrédulos”. Jesus, entretanto, vai além, e ensina que seus discípulos, ao serem solicitados por qualquer viajante a andar 1.609 metros (uma milha), devem graciosamente estar prontos para caminhar em sua companhia por mais de três quilômetros (duas milhas). Ou seja, exceder em amor, graça e misericórdia ao que pede a Lei.

10 O termo publicano (palavra latina com origem no grego telõnês) denominava um coletor de impostos a serviço do império romano. Esses homens eram odiados por causa da impiedade com que exploravam o povo. Para os judeus, o publicano era imundo, pois estava sempre em contato com os gentios. A palavra “publicano” tornou-se sinônimo de egoísmo, desonestidade, falsidade, impiedade e incredulidade. Gentios (em hebraico gôyïm e do grego ethnikoi ou Hellênes traduzido pela Vulgata, em latim, como gentiles) era um termo geral para significar “nações”. Entretanto, na época de Jesus, esse termo era usado pelos judeus para se referir, em tom discriminatório e preconceituoso, a todas as pessoas que não fossem israelenses. Para os mestres e doutores da Lei, os “gentios” eram idólatras, imorais e pecadores. Um judeu chamado de gentio significava um publicano; ou seja, uma pessoa impura, incrédula, mau-caráter, inescrupulosa, impiedosa e digna de todo o desprezo. Jesus resgata o valor real dos “gentios” (das nações) e convida a todos para Seu Reino (Rm 1.16; Cl 3.11; Gl 2.14; Ap 21.24; 22.2). Jesus conclui essa parte do seu ensino revelando o segredo da ética cristã: o amor deve fazer muito mais do que a obrigação. Este foi o testemunho de Cristo e este deve ser o objetivo maior dos cristãos: buscar o amor perfeito do Pai e agir assim, como filhos amados de Deus, para que outros vejam a luz de Cristo e sejam libertos das trevas deste mundo.

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11 Dá-nos hoje o nosso pão diário.12 Perdoa-nos as nossas dívidas, assim como perdoamos aos nossos devedores.13 E não nos conduzas à tentação, mas livra-nos do Maligno.1

Porque teu é o Reino, o poder e a glória para sempre. Amém.14 Pois, se perdoardes aos homens as suas ofensas, assim também vosso Pai celeste vos perdoará. 15 Entretanto, se não perdoardes aos ho-mens, tampouco vosso Pai vos perdoará as vossas ofensas.

Jejuar é adorar a Deus16 Quando jejuardes, não vos mostreis com aspecto sombrio como os hipócritas; pois desfiguram o rosto com a intenção de mostrar às pessoas que estão jejuando.17 Tu, porém, quando jejuares, unge tua cabeça e lava o rosto.18 Pois, assim, não parecerá aos outros que jejuas; e, sim, ao teu Pai em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará.

Investir os recursos no céu19 Não acumuleis para vós outros tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem destro-em, e onde ladrões arrombam para roubar.20 Mas ajuntai para vós outros tesouros no céu, onde a traça nem a ferrugem podem destruir, e onde os ladrões não arrombam e roubam.21 Porque, onde estiver o teu tesouro, aí também estará o teu coração.

Um corpo iluminado22 Os olhos são a lâmpada do corpo. Portanto, se teus olhos forem bons, teu corpo será pleno de luz. 23 Porém, se teus olhos forem maus, todo o teu corpo estará em absoluta escuridão. Por isso, se a luz que está em ti são trevas, quão tremendas são essas trevas!SSE

Servir somente a Deus24 Ninguém pode servir a dois senhores; pois odiará um e amará o outro, ou será leal a um e desprezará o outro. Não po-deis servir a Deus e a Mâmon.2

1 Jesus ensina a seus seguidores o caminho da verdadeira adoração e comunicação com Deus. O primeiro passo é a humildade, em contraste com o estilo dos fariseus, escribas, publicanos e gentios, que viviam uma religiosidade apenas de aparência, formal e estéril. Os discípulos deveriam também evitar as “vãs repetições”, pois essa era a maneira como os pagãos (aqueles que não passaram pelo batismo, também chamados de “gentios”) tentavam sensibilizar seus deuses para obter favores. Nessa época, os adoradores de Baal (1Rs 18.26-28) estavam cativando até judeus fiéis com suas hipocrisias (encenações teatrais, do grego hupokrites, ator). Por isso Jesus oferece um modelo de oração: O nascimento espiritual dá ao cristão o direito de ser filho de Deus (Jo 3) e, portanto, pode orar a Deus como quem conversa com seu pai amado (em aramaico: Abba, Mc 14.36; Rm 8.15, Gl 4.6). Devemos desejar e trabalhar pelo estabelecimento do Reino de Deus, em nossas vidas e comunidades, ao receber pessoalmente o Espírito Santo, que traz salvação, paz, alegria, e a justiça de Cristo. Reino esse que será estabelecido de forma plena no futuro iminente, quando Jesus voltar, e o último Inimigo for vencido definitivamente (2Ts 2.8; 1Co 15.23-28). Assim a terra usufruirá a mesma glória de Deus que há nos céus (2Pe 3.13). O cristão reconhece que é o Senhor quem supre diariamente todas as nossas necessidades, e é grato por isso. A fome, as guerras e outros sofrimentos sociais não ocorrem por indiferença da parte de Deus, mas pelos pecados dos indivíduos (malignidade) e das nações. Devemos nos lembrar de perdoar as pessoas que nos devem (bens materiais ou justiça) com a mesma misericórdia e generosidade com que Deus nos perdoa sempre (1Jo 1.5-9). Observemos como Jesus ressalta a importância do perdão no Reino de Deus (6.14,15). O servo do Senhor é o alvo favorito dos ataques e artimanhas do Diabo. Mas Deus tem o poder de nos livrar de todo o mal e levar-nos, para lugar seguro, longe do alcance dos demônios. Não há amargura, decepção, fraqueza, vício, perda ou dor maiores do que o amor e o poder de Deus (Tg 1.13; 1Co 6.18; 10.14; 1Tm 6.11; 2Tm 2.22). A maioria das versões da Bíblia em português inclui a frase: “...e não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do mal...”. A KJ apresenta a expressão inglesa: “...and do not lead us into temptation...” (...e não nos induzas à tentação...). Os melhores originais gregos nos permitem traduzir: “...e não nos conduzas à tentação...”. A palavra grega peirasmos aqui significa “tentação”, podendo significar também: “teste ou provação” em outros trechos. Assim, a tentação, que do ponto de vista do Diabo é sempre uma cilada para nos destruir, do ponto de vista de Deus é uma oportunidade para fortalecimento da fé e crescimento espiritual (Lc 22.32). Deus controla o universo visível e invisível, incluindo o Maligno e seu reino; por isso, é ao Senhor que devemos pedir livramento das tentações e forças para vencer as provações (1Co 10.13). Jesus deixa bem claro em sua oração-modelo, que o cristão somente consegue a vitória, vigiando e orando. O próprio Jesus venceu sua grande batalha contra Satanás, com jejum (4.2), e recomendou que seus discípulos também usassem essa arma ao lado das orações, e do contínuo louvor a Deus, contra os desígnios do Inimigo (9.15; 17.21).

2 Jesus escolhe uma palavra aramaica Mâmon para personificar um dos mais poderosos deuses pagãos de todos os tempos: o Dinheiro. O adjetivo Mâmon, deriva do verbo aramaico amân (sustentar) e significa amor às riquezas e dedicação avarenta aos

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15 MATEUS 6, 7

Descanso na providência divina25 Portanto, vos afirmo: não andeis preo-cupados com a vossa própria vida, quanto ao que haveis de comer ou beber; nem pelo vosso corpo, quanto ao que haveis de vestir. Não é a vida mais do que o alimen-to, e o corpo mais do que as roupas?26 Contemplai as aves do céu: não se-meiam, não colhem, nem armazenam em celeiros; contudo, vosso Pai celestial as sustenta. Não tendes vós muito mais valor do que as aves? 27 Qual de vós, por mais que se preocupe, pode acrescentar algum tempo à jornada da sua vida?3

28 E por que andais preocupados quanto ao que vestir? Observai como crescem os lírios do campo. Eles não trabalham nem tecem.29 Eu, contudo, vos asseguro que nem Salomão, em todo o esplendor de sua glória, vestiu-se como um deles. 30 Então, se Deus veste assim a erva do campo, que hoje existe e amanhã é lan-çada ao fogo, quanto mais a vós outros, homens de pequena fé?31 Portanto, não vos preocupeis, dizendo: Que iremos comer? Que iremos beber? Ou ainda: Com que nos vestiremos?

32 Pois são os pagãos que tratam de obter tudo isso; mas vosso Pai celestial sabe que necessitais de todas essas coisas.33 Buscai, assim, em primeiro lugar, o Reino de Deus e a sua justiça, e todas essas coisas vos serão acrescentadas.34 Portanto, não vos preocupeis com o dia de amanhã, pois o amanhã trará suas próprias preocupações. É suficiente o mal que cada dia traz em si mesmo.

Amar mais e julgar menos

7 Não julgueis, para que não sejais julgados.1

2 Pois com o critério com que julgardes, sereis julgados; e com a medida que usardes para medir a outros, igualmente medirão a vós.3 Por que reparas tu o cisco no olho de teu irmão, mas não percebes a viga que está no teu próprio olho?4 E como podes dizer a teu irmão: Per-mite-me remover o cisco do teu olho, quando há uma viga no teu?5 Hipócrita! Tira primeiro a trave do teu olho, e então poderás ver com clareza para tirar o cisco do olho de teu irmão.2

6 Não deis o que é sagrado aos cães, nem

interesses mundanos. Jesus orienta seus seguidores a investir suas vidas na conquista de bens espirituais agradáveis ao Senhor e adverte para a impossibilidade de se servir com lealdade a Deus e ao mesmo tempo amar o deus Dinheiro. Isso não quer dizer que Jesus seja contra os ricos e prósperos, mas, sim, que o amor ao dinheiro é a raiz de todos os males (Gn 13.2; Ec 3.13; 5.10-19; 10.19; 1Tm 6.10). O dinheiro é para ser usado e as pessoas, amadas. A inversão desses valores tem sido a razão de muitas desgraças (Is 52.3; 55.1; Rm 4.4; 1Tm 5.18).

3 A palavra grega psyche (alma) significa: “vida”, pois nas Escrituras, “alma” tem um sentido de algo diferente do atual, derivado da filosofia grega, especialmente a partir de Platão. Na Bíblia, a palavra “alma” vem da expressão hebraica nephesh que significa “personalidade” e indica o centro das emoções e apetites. Por isso, em toda a Bíblia, o comer e o beber são considerados como funções da alma. Algumas vezes pode também se referir à vida natural em contraste com a vida espiritual (Hb 4.12). Jesus usa uma figura de linguagem para ensinar duas verdades: “Deus existe, e você não é Ele”. As preocupações tentam minimizar o poder de Deus e colocar um peso insuportável sobre nossas costas. A versão de Almeida traduz a expressão grega helikia por “estatura”; po-rém, melhores originais e estudos mais acurados, mostram que o termo se refere a tempo e idade. Em certo sentido, essa expressão de Jesus poderia ser traduzida assim: “Ninguém ultrapassa, nem por meio metro, o ponto final da sua existência na terra”. Por isso, Jesus recomenda um estudo (análise, consideração filosófica) sobre a maneira cuidadosa, generosa e particular com que Deus trata cada um dos seres mais simples da terra, e os reveste de grande glória (1Rs 1-11; 1Cr 28; 2Cr 9; 1Rs 10.4-7). Concluindo: temos uma visão distorcida da vida e de nossas prioridades. Somente a busca do Reino de Deus vai nos colocar em harmonia com o Criador, e, assim, descobriremos a tão almejada paz, justiça e real felicidade (Jo 6.52-59; Jo 10.10, Rm 3.21-31 e 14.17-18).

Capítulo 71 Jesus mostra que é possível ajudar nosso semelhante com conselhos e críticas (v. 5 e 23.13-39), bem como devemos estar

sempre dispostos a aprender, avaliar e ensinar (Rm 2.1; 1Co 5.9; 2Co 11.14; Fp 3.2; 1Jo 4.1; 1Ts 5.21).Entretanto, como cristãos, nosso dever é amar antes de julgar. Um coração repleto do amor de Deus não será acusador, mesquinho, invejoso, crítico con-tumaz ou difamador. A marca do cristão deveria ser seu amor irrestrito e altruísta pelo próximo, em especial por seus irmãos em Cristo (Jo 13.5; Jo 14.15; Rm 12.10; 1Pe 1.22).

2 Jesus usou muitas histórias (parábolas) e figuras de linguagem para ensinar. Em 19.24, por exemplo, Ele fala de um camelo passando pelo fundo de uma agulha. Nesta outra hipérbole, Ele compara uma partícula de serragem ou pedaço de qualquer

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jogueis aos porcos as vossas pérolas, para que não as pisoteiem e, voltando-se, vos façam em pedaços.

Perseverança na oração 7 Pedi, e vos será concedido; buscai, e encontrareis; batei, e a porta será aberta para vós.8 Pois todo o que pede recebe; o que bus-ca encontra; e a quem bate, se lhe abrirá.9 Ou qual dentre vós é o homem que, se o filho lhe pedir pão, lhe dará uma pedra?10 Ou se lhe pedir peixe, lhe entregará uma cobra?11 Assim, se vós, sendo maus, sabeis dar bons presentes aos vossos filhos, quanto mais vosso Pai que está nos céus dará o que é bom aos que lhe pedirem!3

12 Portanto, tudo quanto quereis que as pessoas vos façam, assim fazei-o vós também a elas, pois esta é a Lei e os Profetas.4

Os dois únicos caminhos13 Entrai pela porta estreita, pois larga é a porta e amplo o caminho que levam à perdição, e muitos são os que entram por esse caminho.14 Porque estreita é a porta e difícil o ca-minho que conduzem à vida, apenas uns poucos encontram esse caminho!5

Pelo fruto se conhece a árvore15 Acautelai-vos quanto aos falsos profe-tas. Eles se aproximam de vós disfarçados de ovelhas, mas no seu íntimo são como lobos devoradores.16 Pelos seus frutos os conhecereis. É possível alguém colher uvas de um espi-nheiro ou figos das ervas daninhas?17 Assim sendo, toda árvore boa produz bons frutos, mas a árvore ruim dá frutos ruins.18 A árvore boa não pode dar frutos ruins, nem a árvore ruim produzir bons frutos.19 Toda árvore que não produz bons fru-tos é cortada e atirada ao fogo.20 Portanto, pelos seus frutos os conhe-cereis.21 Nem todo aquele que diz a mim: ‘Se-nhor, Senhor!’ entrará no Reino dos céus, mas somente o que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus. 22 Muitos dirão a mim naquele dia: ‘Senhor, Senhor! Não temos nós profe-tizado em teu nome? Em teu nome não expulsamos demônios? E, em teu nome, não realizamos muitos milagres?’ 23 Então lhes declararei: Nunca os co-nheci. Afastai-vos da minha presença, vós que praticais o mal.

O sábio e o insensato24 Assim, todo aquele que ouve estas

material com uma grande trave (viga) de madeira usada na estrutura de construções, para destacar a humildade, carinho e sen-sibilidade que devemos ter para com nosso semelhante, quando tivermos de emitir um juízo, criticar ou aconselhar. Pois somos sujeitos a erros, fraquezas e dificuldades iguais ou maiores que os de qualquer pessoa.

3 Jesus explica que o bem e o mal têm, às vezes, certa semelhança inicial, podendo enganar alguém ingênuo ou desinformado. A pedra a que Jesus se refere era parecida com os pães orientais da época: redondos, achatados e endurecidos (por isso o pão suportava longas viagens e era quebrado para ser servido). A cobra peçonhenta é semelhante às enguias comestíveis, apreciadas pela culinária da época. O Senhor é Pai bondoso e fica feliz em dar os presentes (dádivas) que seus filhos lhe pedem, mas só Ele sabe o que é realmente bom para cada um de nós.

4 Este versículo é conhecido em todos os continentes como “A Regra de Ouro”, a manifestação prática do amor cristão. Orienta-nos Jesus aqui quanto ao procedimento diário: o amor, sem egoísmos, deve ser a força motriz das nossas ações (1Co 13.4-8), concedendo ao próximo o que buscamos para nosso próprio bem. Devemos chegar ao ponto máximo do amor e da fé em Deus, que é retribuir com o bem a qualquer pessoa que, por algum motivo, nos ferir ou fizer qualquer mal. Foi assim que Deus respondeu à rebelião e indiferença da humanidade, oferecendo-se em sacrifício, para nos salvar pela Graça (Ef 2.8-9). A “Lei e os Profetas” é uma referência a toda a Escritura Sagrada, tanto em sua letra como em seu pleno conteúdo (Rm 13.8-10; Mt 5.17).

5 Jesus denomina o caminho para o céu de “porta estreita” ou “caminho difícil”, em algumas versões “caminho apertado”. Não porque Deus tenha diminuído sua generosidade, graça e desejo de salvar a todos (2Pe 3.9), ao contrário, estamos vivendo a “Época da Graça” onde todos – mais do que nunca – são bem-vindos ao Reino de Deus. Entretanto, poucos permanecerão no Caminho, porque jamais foram dele realmente, e não suportam o negar-se a si mesmo, as renúncias do “Eu” nem os apelos de uma sociedade cada vez mais hedonista e materialista. A idéia e a figura dos dois caminhos é muito anterior a Cristo, data de 400 a.C e foi difundida através do trabalho filosófico de Sócrates. O mesmo pensamento reaparece em duas grandes obras do primeiro século depois de Cristo: Didaquê e Epístola de Barnabé.

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17 MATEUS 7, 8

minhas palavras e as pratica será compa-rado a um homem sábio, que construiu a sua casa sobre a rocha.25 E caiu a chuva, vieram as enchentes, sopraram os ventos e bateram com vio-lência contra aquela casa, mas ela não caiu, pois tinha seus alicerces na rocha.26 Pois, todo aquele que ouve estas mi-nhas palavras e não as pratica é como um insensato que construiu a sua casa sobre a areia.27 E caiu a chuva, vieram as enchentes, sopraram os ventos e bateram com vio-lência contra aquela casa, e ela desabou. E grande foi a sua ruína”.28 Quando Jesus acabou de pronunciar estas palavras, estavam as multidões atô-nitas com o seu ensino.29 Porque Ele as ensinava como quem tem autoridade, e não como os mestres da lei.6

Jesus purifica o imundo

8 Quando Ele desceu do monte, gran-des multidões o seguiram.

2 E eis que um leproso, tendo-se apro-ximado, adorou-o de joelhos e clamou: “Senhor, se é da tua vontade podes pu-rificar-me!”3 Então, Jesus, estendendo a mão, to-cou-lhe, dizendo: “Eu quero. Sê limpo!” E no mesmo instante ele ficou purifica-do da lepra.

4 Em seguida, disse-lhe Jesus: “Veja que não digas isto a ninguém, mas segue, mostra teu corpo ao sacerdote, e faze a oferta que Moisés ordenou, para que sirva de testemunho.”1

Um comandante romano crente5 Entrando Jesus em Cafarnaum, dirigiu-se a ele um centurião, suplicando:2

6 “Senhor, meu servo está em casa, para-lítico e sofrendo horrível tormento”.7 Então, Jesus lhe disse: “Eu irei curá-lo”. 8 Ao que respondeu o centurião: “Se-nhor, não sou digno de receber-te sob o meu teto. Mas dize apenas uma palavra, e o meu servo será curado. 9 Porque eu também sou homem de-baixo de autoridade e tenho soldados às minhas ordens. Digo a um: Vai, e ele vai; e a outro: Vem, e ele vem. Ordeno a meu servo: Faze isto, e ele o faz”.10 Ao ouvir isto, Jesus maravilhou-se, e disse aos que o seguiam: “Com toda a cer-teza vos afirmo que nem mesmo em Israel encontrei alguém com tão grande fé. 11 Digo-vos que muitos virão do Oriente e do Ocidente e tomarão lugares à mesa com Abraão, Isaque e Jacó no Reino dos céus.12 Entretanto, os herdeiros do Reino se-rão lançados para fora, nas trevas, onde haverá choro e ranger de dentes”.3

13 Então disse Jesus ao centurião: “Vai-te, e da maneira como creste, assim te su-

6 Os doutores da lei (em grego grammateis, nomikoi) e os mestres da lei (em grego nomodidaskaloi) eram técnicos no estudo da lei de Moisés (Torah). Em princípio era uma função reservada aos sacerdotes. Esdras, um homem de Deus, acumulou as fun-ções de sacerdote e escriba (em hebraico sôpherïm). Veja Ne 8.9. Com o passar do tempo, os escribas se tornaram extremamente formais e espiritualmente estéreis. Além disso, muitos se envolveram com o partido político dos fariseus e deixaram de ser impar-ciais em relação ao ensino da lei. Jesus, entretanto, ensinava com “exousia”, em grego, “poder sobrenatural” que a todos deixava maravilhados, pasmos, atônitos (1Co 2.4-5). Isso despertou a inveja e o ódio de muitos “líderes religiosos” contra Jesus Cristo.

Capítulo 81 A lei de Moisés (Lv 13,14) ordenava que em casos de doenças de pele, especialmente a lepra, somente um sacerdote ou seu

filho poderia realizar a cerimônia de purificação. O conceito de quarentena (para isolamento e tratamento de doenças infecciosas) teve início naquela época. Para os judeus, a çãra’ath, palavra hebraica para um dos tipos de hanseníase, simbolizava o pecado, por ser nojento, contagioso e incurável. Além disso, o sacerdote que tocava no leproso tornava-se cerimonialmente imundo. Je-sus ao curar um homem da mais terrível doença de sua época, revela ao mundo parte de sua natureza e ministério. As instruções mosaicas para o cerimonial de purificação dos imundos tipificam a nossa redenção em Cristo (Lv 14.2-32).

2 A centúria era uma divisão do exército romano, formada por cem homens e comandada por um centurião. Cornélio, um outro centurião gentio, convertido, foi notável exemplo de cristão (At 10).

3 A tradição rabínica considerava o judaísmo como uma garantia herdada e absoluta de entrada no Reino de Deus, e por isso também se dizia: “filhos do reino” (Is 41.8). Embora, os judeus sejam de fato o povo escolhido, Jesus está comemorando a entrada dos gentios (todos os que não são judeus) no Reino do Pai, como verdadeiros filhos (Sl 107.3; Is 49.12; 59.19; Ml 1.11). Jesus demonstra seu lado humano ao ficar admirado (surpreso) com a fé e a compreensão que aquele homem, não-judeu, demonstrou

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18MATEUS 8

cederá!” E naquela mesma hora o servo foi curado.

Jesus salva, cura e liberta 14 Tendo Jesus chegado à casa de Pedro, viu a sogra deste acamada, enferma e com febre. 15 Então, Jesus tocou a mão dela e a febre a deixou. Em seguida, levantou-se ela e passou a servi-lo. 16 No início da noite, trouxeram-lhe mui-tos endemoninhados; e Ele, com apenas uma palavra, expulsou os espíritos e curou todos os que estavam doentes.17 Assim se cumpriu o que fora dito por intermédio do profeta Isaías: “Ele tomou sobre si as nossas enfermidades e pesso-almente levou as nossas doenças”.4

A prioridade do discipulado18 Quando Jesus viu que uma multidão o rodeava, ordenou que atravessassem para o outro lado do mar. 19 Então, aproximando-se dele um escri-ba, disse-lhe: “Mestre, seguir-te-ei para onde quer que fores”. 20 Jesus lhe respondeu: “As raposas têm

suas tocas e as aves do céu têm seus ni-nhos, mas o Filho do homem não tem onde repousar a cabeça”.21 Outro de seus discípulos lhe disse: “Se-nhor, permite-me ir primeiro sepultar meu pai”.22 Ao que Jesus lhe respondeu: “Segue-me e deixa que os mortos sepultem os seus próprios mortos”.

Jesus domina as circunstâncias23 Entrando Jesus no barco, seus discípu-los o seguiram. 24 De repente, sobreveio no mar uma violenta tempestade, de tal maneira que as ondas encobriam o barco. Ele, contu-do, dormia.25 Então, seus discípulos vieram des-pertá-lo, clamando: “Senhor, salva-nos! Vamos todos perecer!”26 Mas Jesus disse a eles: “Por que estais com tanto medo, homens de pequena fé? E, levantando-se, repreendeu os ventos e o mar, e houve plena calmaria. 27 Então, os homens maravilhados, excla-maram: “Quem é este que até os ventos e o mar lhe obedecem?”.

ter acerca do seu poder e autoridade divina. Aproveita o evento para proclamar a salvação para todos os povos e raças (22.1-14; Lc 14.15-24), ao mesmo tempo em que adverte duramente aos judeus quanto ao fato de que a herança da vida eterna e do Reino está em crer em Deus e na aceitação de Seu Filho que veio ao mundo para salvar todos os seus. De agora em diante a humanidade não seria mais dividida entre judeus e gentios (os próximos e os distantes de Deus); mas, sim, entre crentes e descrentes. O padrão de reconhecimento da herança não repousa mais sobre a nacionalidade ou linhagem judaica, mas numa fé sincera e absoluta no Senhor (Sl 147.13,20; Mt 4.17; 9.28; Mc 4.40; 11.22; Lc 5.20; Jo 5.37-47; 8.45; At 14.16). Por isso acontecerá que do oriente e do ocidente (de todo o mundo) virão gentios para o Reino (Is 49.12) e terão o direito de se assentar ao lado dos grandes pais da fé, pois aceitaram a Graça da Salvação (Ef 2.8). Jesus conclui duramente, que muitos judeus, “herdeiros do Reino” (sacerdotes ou filhos do reino) tornaram-se “filhos da desobediência” (piores dos que os pagãos e gentios), razão pela qual serão expulsos para o “reino dos mortos” (sheol, em hebraico e hades, em grego), onde haverá tanto remorso e tristeza que se ouvirá o som do bater dos queixos das pessoas aterrorizadas. Nesse estado intermediário entre a morte e a ressurreição (sheol ou hades), os salvos gozarão de paz e descanso, enquanto os incrédulos estarão na escuridão (um lugar chamado: inferno) e sob tormentos. Na ressurreição, os salvos habitarão plenamente o Reino, e os incrédulos (judeus ou não) sofrerão a segunda morte e serão banidos para o lugar de punição e fogo eterno ou lago de fogo (em grego ten geennan tou pyros). Onde até mesmo o inferno será lançado (Ap 20).

4 Ao contrário do que alguns céticos e críticos afirmam, Jesus não andava com o AT nas mãos procurando cumprir profecias. Mas, a cada instante, um evento admirável ocorria e seus discípulos, e todos os que conheciam a Lei e os Profetas testemunhavam, na pessoa de Jesus o cumprimento de várias profecias messiânicas do AT. Tudo isso diante dos olhos atônitos de todos. Algumas dessas profecias haviam sido escritas há mais de 1.000 anos antes que Jesus começasse a andar pelas terras da Palestina pregando a Nova Aliança, como é o caso do Salmo 22 e outros (Sl 2,8,16,40,41,45,68,69,89,102,109,110 e 118). A profecia de Isaías 53.4 (cerca de 750 a.C segundo os melhores estudos sobre os Papiros do Mar Morto) nos revela que Jesus, o Messias (Palavra hebraica que sig-nifica: Rei Ungido, e que foi traduzida para o grego como: Cristo), refere-se ao ministério de cura e libertação de Jesus, cuja obra lhe custou caro fisicamente (Mc 5.30, Lc 8.46). Os cristãos, hoje em dia, podem ter uma idéia desse desgaste físico e emocional quando participam ativamente de qualquer dos ministérios da Igreja: exposição da Palavra, evangelização, louvor, adoração, missões, cura, libertação, aconselhamento, administração, contribuição, ação social e outros, pois a verdadeira obra cristã requer do Espírito Santo (que é o próprio Jesus habitando na vida de cada indivíduo que crê) o mesmo poder demandado da pessoa de Jesus Cristo.

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19 MATEUS 8, 9

Jesus domina as forças do mal28 Quando Ele chegou ao outro lado, à província dos gadarenos, foram ao seu encontro dois endemoninhados, saindo dentre os sepulcros. Eram tão agressivos que ninguém podia passar por aquele caminho. 29 E, de repente gritaram: “Que temos nós contigo, ó Filho de Deus? Vieste aqui para nos atormentar antes do devido tempo?”30 Não muito longe deles estava pastando uma grande manada de porcos. 31 Então, os demônios imploravam a Ele: “Se nos expulsas, permite-nos entrar naquela manada de porcos!”32 E Jesus lhes disse: “Ide!” Assim que saíram entraram nos porcos. De repen-te, toda a manada correu em disparada e atirou-se violentamente precipício abaixo, em direção ao mar, e nas águas pereceram.33 Aqueles que cuidavam dos porcos fu-giram, foram para a cidade e contaram tudo, inclusive o que ocorrera com os endemoninhados.34 Então toda a cidade saiu ao encontro de Jesus; e assim que o viram, suplica-ram-lhe que se retirasse da sua região.

Jesus perdoa e cura

9 E, entrando Jesus num barco, atraves-sou o mar e foi para a sua cidade.

2 E eis que lhe trouxeram um paralítico

deitado em sua maca. Observando-lhes a fé, disse Jesus ao paralítico: “Tem bom ânimo, filho; os teus pecados estão per-doados”. 3 Diante disso, alguns escribas diziam consigo mesmos: “Este homem blasfe-ma!”4 Mas Jesus, conhecendo-lhes os pensa-mentos, questiona: “Por que cogitai o mal em vossos corações?”5 Pois o que é mais fácil dizer: ‘Os teus pecados estão perdoados1’, ou: ‘Levanta-te e anda?’6 Entretanto, para que saibais que o Filho do homem1 tem na terra autoridade para perdoar pecados – disse então ao paralí-tico: “Levanta-te, toma a tua maca, e vai para tua casa”. 7 Levantando-se, o homem partiu para sua casa. 8 Ao ver isso, a multidão se encheu de temor e glorificava a Deus, pois dera aos homens tamanha autoridade.

Jesus veio para os necessitados9 Saindo, viu Jesus um homem chamado Mateus, sentado na coletoria, e disse-lhe: “Segue-me!” Ele se levantou e o seguiu. 10 E aconteceu que, estando Jesus em casa, à mesa, muitos publicanos e peca-dores vieram para cear com Ele e seus discípulos.2

11 Quando os fariseus viram isso, per-guntaram aos discípulos dele: “Por que

1 Freqüentemente Jesus refere-se a si mesmo como Filho do Homem (Mc 8.38; 13.26, 14.62; Lc 17.24; 21.27). Ele usou essa expressão do AT para descrever seu caráter e missão em termos da visão de Daniel (Dn 7.13). O Filho do Homem se humilhou como verdadeiro ser humano, sendo ao mesmo tempo, o Eterno Vitorioso (Mt 24.30). Além disso, Jesus revestiu essa expressão com a necessidade e o profundo significado dos seus sofrimentos, morte e ressurreição expiatória (Mc 8.31; 9.31; 10.33; 14.21-41; Lc 18.31-33; 19.10; Mt 20.18-28; 26.45; Lc 21.25-28; 22.29-30; Mc 13.26-27; 14.24-25,62; Jo 13.31-32).

2 Cafarnaum foi a cidade onde Jesus permaneceu mais vezes e por mais tempo, por isso era chamada de a “cidade de Jesus” (Mt 4.12,13; 9.9; Mc 2.1; Lc 4.13, 23, 31, 38). Mas, apesar de Cafarnaum ter sido um grande centro comercial, presenciado mais sinais e recebido mais da presença e da Palavra de Cristo do que qualquer outra localidade, Jesus encontrou ali apenas uns poucos seguidores. Por isso o Senhor exclama seu “ai” sobre a cidade (Mt 11.23). Hoje Cafarnaum é um campo de entulhos, chamado Tel Hum. Mateus era um cobrador de impostos a serviço de Roma. Os judeus se referiam a eles como “publicanos e pecadores”, pois os consideravam “amaldiçoados” como os gentios (Jo 7.49). Jesus viu, porém, em Mateus, um discípulo e o autor deste Evangelho o chamou, em aramaico akolutheo (Segue-me!), que é uma expressão que significa: “ir atrás de”. Na época, essa expressão era um convite de honra. O aluno do profeta, em sinal de respeito, passaria a caminhar atrás do seu mestre (rabino) e, por dois anos, aprenderia as leis do judaísmo. Mateus (Matias, em hebraico), deixa tudo e começa uma nova vida com Cristo (Lc 5.28). Oferece uma ceia, em sua casa (Lc 5.27), para Jesus, os discípulos e seus muitos amigos pecadores. No Oriente e naquela época, convidar alguém para cear em casa era uma grande demonstração de amizade e intimidade e por isso recebia o nome de: “comunhão de mesa”. Isso foi o suficiente para provocar a ira de um grupo de fariseus (hassïdïns – leais a Deus - em hebraico; eram os sacerdotes e doutores da Lei, temidos por seu rigor e poder político).

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20MATEUS 9

ceia o vosso mestre com publicanos e pecadores?”12 Mas Jesus, ouvindo, responde: “Os sãos não necessitam de médico, mas sim, os doentes.13 Portanto, ide aprender o que significa isto: ‘Misericórdia quero, e não sacrifí-cios’. Pois não vim resgatar justos e sim pecadores’”.3

O novo e definitivo vinho14 Então, chegaram os discípulos de João e lhe perguntaram: “Por que jejuamos nós, e os fariseus, muitas vezes, e os teus discípulos não jejuam?”15 Respondeu-lhes Jesus: “É possível que os amigos do noivo fiquem de luto en-quanto o noivo ainda está com eles? Dias virão, quando o noivo lhes será tirado; então jejuarão.16 Ninguém coloca remendo novo em roupa velha; porque o remendo força o tecido da roupa e o rasgo aumenta. 17 Nem se põe vinho novo em odres velhos; se o fizer, os odres rebentarão, o vinho derramará e os odres se estragarão. Mas, põe-se vinho novo em odres novos, e assim ambos ficam conservados”.4

Jesus tem poder sobre a morte18 Enquanto, Ele estava falando, um dos dirigentes da sinagoga aproximou-se e, ajoelhando-se diante dele, rogou: “Mi-nha filha acaba de morrer; mas vem, impõe a tua mão sobre ela, e viverá”. 19 Jesus então levantou-se e seguiu com ele, e seus discípulos os acompanharam.20 De repente, uma mulher que há doze anos vinha sofrendo de hemorragia, al-cançou-o por trás e tocou na borda do seu manto. 21 Pois dizia essa mulher consigo mesma: “Se eu conseguir apenas lhe tocar as ves-tes, serei curada”.22 Então Jesus voltou-se e assim que viu a mulher lhe disse: “Anime-se grande-mente, filha, a tua fé te salvou!” E, desde aquele momento, a mulher ficou sã.5

23 Quando Jesus chegou à casa do diri-gente da sinagoga e viu os flautistas fúne-bres e a multidão em alvoroço, ordenou: 24 “Retirai-vos daqui! Esta menina não está morta, mas adormecida”. E todos zombavam dele.25 Assim que a multidão foi retirada, Jesus entrou, tomou a menina pela mão e ela se levantou.

3 O maior e mais agradável sacrifício (holocausto) para Deus é o nosso amor sincero, sem restrições e em plena fé. A enfermidade da qual todos padecemos, inclusive muitos religiosos e líderes cristãos, é a distância do mais verdadeiro e puro amor (em grego: agape) ao Senhor (1Jo 4.16) e aos nossos semelhantes. Jesus pede que os doutores em teologia, filosofia, direito e ética da época, voltem às Escrituras, leiam atentamente Oséias 6.6, especialmente na edição grega do AT, a Septuaginta (cerca de 260 a.C.), e entendam que Ele não estava pactuando com o pecado, mas salvando todos aqueles que reconhecerem nele o Messias, o Filho de Deus.

4 Segundo a lei mosaica, apenas o jejum do Dia da Expiação era obrigatório (Lv 16.29,31; 23.27-32; Nm 29.7). Após o exílio na Babilônia, outros quatro jejuns deveriam ser feitos durante o ano (Zc 7.5; 8.19). Na época de Jesus, os fariseus jejuavam duas vezes por semana (Lc 18.12). Os casamentos judaicos eram grandes celebrações familiares, cujas festas chegavam a durar uma semana e, nessas ocasiões, os convidados eram dispensados da obrigação do jejum, uma vez que esse ato era sempre associado à tristeza. Jesus então faz uma analogia entre as festividades das bodas e seu relacionamento com seus discípulos (os amigos do noivo), dispensando-os do jejum enquanto o noivo (Ele) estiver presente. Jesus jejuava em particular, mas rejeitava a observação da Lei de forma legalista e para autoglorificação (Is 58.3-11). O jejum seria praticado por seus discípulos, após sua ascensão, voluntariamente e para edificação pessoal (Mt 4.2; 6.16-18). Jesus veio estabelecer uma nova ordem para o relaciona-mento das pessoas com Deus. A lei deve ceder lugar à graça (o novo vinho, a nova aliança). Os odres eram bolsas feitas de pele de cabra, onde se conservava o vinho (Gn 27.28; Êx 29.40; Lv 10.9; Sl 104.15; Ec 10.19; 1Tm 5.23; 1Tm 3.8; Tt 2.3; Rm 13.13; Rm 14.21). À medida que o suco de uvas frescas fermentava, o vinho se expandia. Os odres novos tinham maior resistência e flexibilidade, e se esticavam. Mas os odres usados e envelhecidos não suportavam a pressão e estouravam, colocando o vinho a perder. Jesus usa essa metáfora para revelar que seu novo, puro e poderoso ensino não pode ser recebido pelas antigas formas do judaísmo, nem pelo legalismo religioso.

5 Jesus se agrada da nossa fé e está sempre pronto para nos socorrer em qualquer necessidade. Basta que o procuremos com sinceridade. O verbo grego sõzein significa “salvar e curar”. A mulher pensou em salvar-se, livrar-se de uma doença horrível e antiga. Mas Jesus deu-lhe a cura integral, da alma e do corpo, quando a abençoou com a tradicional bênção dos rabinos da época: “a tua fé te salvou”. Jesus demonstrou que essa não era apenas uma frase religiosa, mas a indicação de que o Reino de Deus havia chegado para todos aqueles que nele cressem, pois que as palavras de Jesus são acompanhadas de poder.

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26 Então a notícia desse acontecimento espalhou-se por toda aquela região.

Os cegos passam a ver 27 Partindo Jesus dali, dois homens cegos o seguiram, clamando: “Filho de Davi, tem misericórdia de nós!”28 Entrando Ele em casa, aproximaram-se os cegos, e Jesus lhes perguntou: “Cre-des que Eu seja capaz de fazer isto?” E, responderam-lhe: “Sim, Senhor!”29 Então, lhes tocou os olhos, dizendo: “Seja-vos feito conforme a vossa fé”. 30 E os olhos deles foram abertos. Jesus os advertiu, então, severamente: “Cuidai para que ninguém saiba disto”.31 Contudo, ao partirem, propagaram os feitos de Jesus por toda aquela região.

Os endemoninhados são libertos 32 Após terem se retirado, algumas pes-soas trouxeram a Jesus um homem, mu-do e possuído por um demônio. 33 Assim que o demônio foi expulso, o mudo passou a falar; e as multidões admiradas exclamavam: “Jamais se viu algo assim em Israel!”.34 Por outro lado, os fariseus maldiziam: “Ele expulsa os demônios pelo príncipe dos demônios”.

Todos os enfermos são curados35 E Jesus ia passando por todas as cidades e povoados, ensinando nas sinagogas, pre-gando as boas novas do Reino e curando todas as enfermidades e doenças.

Jesus pede mais discípulos 36 Ao ver as multidões, Jesus sentiu gran-de compaixão pelas pessoas, pois que estavam aflitas e desamparadas como ovelhas que não têm pastor.37 Então, falou aos seus discípulos: “De fato a colheita é abundante, mas os tra-balhadores são poucos.38 Por isso, orai ao Senhor da seara e pedi que Ele mande mais trabalhadores para a sua colheita”.

Jesus envia seus apóstolos

10 Jesus, tendo chamado seus doze discípulos, deu-lhes poder para

expulsar espíritos imundos e curar todas as doenças e males. 2 E são estes os nomes dos doze apósto-los: primeiro, Simão, chamado Pedro, e André, seu irmão; Tiago, filho de Zebe-deu, e João, seu irmão; 3 Filipe e Bartolomeu; Tomé e Mateus, o publicano; Tiago, filho de Alfeu, e Tadeu;4 Simão, o zelote, e Judas Iscariotes, o mesmo que traiu a Jesus.5 Assim, a esses doze homens, enviou Jesus com as seguintes recomendações: “Não vos encaminheis aos gentios, nem entreis em cidade alguma dos samaritanos.6 Antes, porém, buscai as ovelhas perdi-das da casa de Israel. 7 E, à medida que seguirdes, pregai esta mensagem: O Reino dos Céus está a vosso alcance!8 Curai enfermos, purificai leprosos, res-suscitai mortos, expulsai demônios. Gra-ciosamente recebestes, graciosamente dai.9 Não vos provereis de ouro, nem prata ou cobre em vossos cinturões. 10 Não leveis sacolas de viagem, nem uma túnica a mais, segundo par de sandálias ou um cajado; pois digno é o trabalhador do seu sustento.11 Em qualquer cidade ou povoado em que entrardes, procurai alguém digno de vos receber; ficai nesta casa até vos retirardes.12 E, quando entrardes na casa, saudai-a. 13 Se a casa for digna, que a vossa paz repouse sobre ela; se, todavia, não for digna, que a paz retorne para vós.14 Porém, se alguém não vos receber, nem der ouvidos às vossas palavras, assim que sairdes daquela casa ou cidade, sacudi a poeira dos vossos pés.15 Com toda a certeza vos afirmo que haverá mais tolerância para Sodoma e Gomorra, no dia do juízo, do que para aquelas pessoas.16 Observai! Eu vos envio como ovelhas entre os lobos. Sede, portanto, astutos como as serpentes e inofensivos como as pombas.17 E, acautelai-vos dos homens; pois que vos entregarão aos tribunais e vos açoita-rão nas suas sinagogas.

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22MATEUS 10

18 Sereis levados à presença de governa-dores e reis por minha causa, para teste-munhardes a eles e aos gentios.19 Todavia, quando vos prenderem, não vos preocupeis em como, ou o que deveis falar, pois que, naquela hora, vos será mi-nistrado o que haveis de dizer.20 Isso porque, não sois vós que estareis falando, mas o Espírito de vosso Pai é quem se expressará através de vós.21 Um irmão entregará à morte seu irmão, e o pai ao filho, e os filhos se rebelarão contra seus pais e lhes causarão a morte. 22 E, por causa do meu Nome, sereis odiados de todos. Contudo, aquele que permanecer firme até o fim será salvo.23 Quando, porém, vos perseguirem num lugar, fugi para outro; pois com toda a certeza vos asseguro que não tereis pas-sado por todas as cidades de Israel antes que venha o Filho do homem.24 O pupilo não está acima do seu men-tor, nem o escravo acima do seu amo. 25 Basta ao discípulo ser como seu mestre, e ao servo ser como seu senhor. Se chama-ram de Belzebu ao cabeça da Casa, quanto mais aos membros da sua família!26 Entretanto, não os temais! Nada há escondido que não venha a ser revelado, nem oculto que não venha a se tornar conhecido.

A entrega do temor a Deus27 O que vos digo na escuridão, dizei-o à

luz do dia; e o que se vos diz ao ouvido, proclamai-o do alto dos telhados.28 E, não temais os que matam o corpo, mas não têm poder para matar a alma. Temei antes, aquele que pode destruir no inferno tanto a alma como o corpo.29 Não se vendem dois pardais por uma moedinha de cobre? Mesmo assim, nenhum deles cairá sobre a terra sem a permissão de vosso Pai.30 E quanto aos muitos cabelos da vossa cabeça? Estão todos contados. 31 Por isso, não temais! Bem mais valeis vós do que muitos passarinhos.32 Assim sendo, todo aquele que me decla-rar diante das pessoas, também eu o decla-rarei diante de meu Pai que está nos céus.33 Entretanto, qualquer que me negar diante das pessoas, também Eu o negarei diante de meu Pai que está nos céus. 34 Não penseis que vim trazer paz à terra; não vim trazer paz, mas espada.35 Pois Eu vim para ser motivo de discór-dia entre o homem e seu pai; entre a fi-lha e sua mãe e entre a nora e sua sogra. 36 Assim os inimigos do homem serão os da sua própria família.1

37 Quem ama seu pai ou sua mãe mais do que a mim não é digno de mim; e quem ama o filho ou a filha mais do que a mim não é digno de mim.38 E aquele que não toma a sua cruz e não me segue, também não é digno de mim. 39 Quem encontra a sua vida a perderá.

1 Jesus não veio trazer a paz no sentido de uma religiosidade cômoda e inconseqüente. O verdadeiro cristianismo é uma mudança radical de vida com implicações conflituosas, inadequações e até perseguições cruéis. Algumas vezes na própria família (Mq 7.6) e, com certeza, neste mundo secularizado, materialista e agnóstico. A paz do cristão está em sua plena comunhão com Deus (Jo 14.27) e a terra só verá paz completa na volta do Rei Jesus (Is 2.4). Uma das ofensas que mais feriram o coração de Cristo foi ouvir dos teólogos da época (seu povo e família) que realizava milagres e sinais no poder de Belzebu (9.34; 12.24-29; Mc 3.22; Lc 11.15-19; Jo 8.52). Chamar o Filho de Deus – o cabeça da raça humana – de Diabo, foi uma das maiores blasfêmias já ditas na história do mundo. Belzebu é a forma grega da expressão hebraica Baal-Zebub que se refere a Satanás, o “príncipe dos demônios” e significa: “senhor das moscas” (2Rs 1.2). Por isso, é preciso muito cuidado ao julgar e expressar publicamente opiniões dessa natureza con-tra qualquer pessoa ou movimento cristão. Em 10.38, pela primeira vez em Mateus, aparece a palavra “cruz”. Os cristãos não devem buscar o sofrimento, nem se desesperar diante dele, mas ter a atitude de Jesus: enfrentar as circunstâncias com fé, humildade e coragem. O império romano obrigava seus condenados à morte a caminhar com a trave de suas cruzes nas costas até o local da execução. Os discípulos já haviam visto milhares de judeus serem crucificados, por isso essa ilustração (metáfora) de Jesus foi tão significativa. O crente, salvo por Cristo, deve carregar consigo a mesma cruz: renunciar a si mesmo, para servir com total dedicação ao Senhor Jesus, como mortos para as demandas do sistema mundial e do nosso “eu” (Gl 2.20). Por isso, quem busca frenetica-mente se dar bem nesta vida, acabará perdendo as bênçãos inerentes à condição dos salvos, agora e eternamente (2Co 5.17). Em 10.42, Jesus conclui esse trecho bíblico fazendo menção notável de recompensa a todos aqueles que ajudam e cooperam com os servos do Senhor no estabelecimento da nova ordem: o Reino de Deus (1Co 15.58; Gl 6.9; Mt 25.35-36).

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23 MATEUS 10, 11

Mas quem perde a vida por minha causa a achará.40 Quem vos recebe, a mim mesmo rece-be; e quem recebe a minha pessoa, recebe aquele que me enviou. 41 Quem recebe um profeta por reconhe-cê-lo como profeta, receberá a recom-pensa de profeta; e quem recebe um justo por suas qualidades de justiça, receberá a recompensa de justo. 42 E quem der, mesmo que seja apenas um copo de água fria a um destes peque-ninos, por ser este meu discípulo, com toda a certeza vos afirmo que de modo algum perderá a sua recompensa”.

João. O arauto de Jesus

11 Havendo, pois, terminado de ins-truir seus doze discípulos, partiu

Jesus dali para ensinar e pregar nas cida-des da Galiléia. 2 Assim que, no cárcere, João ouviu falar sobre o que Cristo estava realizando, enviou dois dos seus discípulos para lhe perguntarem: 3 “És tu Aquele que haveria de vir ou devemos aguardar outro?” 4 Jesus, respondendo, disse-lhes: “Ide e con-tai a João o que estais ouvindo e vendo:5 Os cegos enxergam, os mancos cami-nham, os leprosos são purificados, os surdos ouvem, os mortos são ressuscita-dos, e as Boas Novas estão sendo prega-das aos pobres. 6 E, abençoado é aquele que não se es-candaliza por minha causa”. 7 Enquanto saíam os discípulos de João,

começou Jesus a falar às multidões a res-peito de João: O que fostes ver no deser-to? Um caniço agitado pelo vento? 8 E então? O que fostes ver no deserto? Um homem vestido com roupas finas? De fato, os que usam roupas finas estão nos palácios reais. 9 Mas, afinal, o que fostes ver? Um pro-feta? Sim, Eu vos afirmo. E mais do que um profeta! 10 Este é aquele a respeito de quem está escrito: “Eis que Eu enviarei o meu men-sageiro à frente da tua face, o qual prepa-rará o teu caminho diante de Ti”.1

11 Com toda a certeza vos afirmo: Entre os nascidos de mulher não se levantou ninguém maior do que João, o Batista; entretanto, o menor no Reino dos céus é maior do que ele.12 Desde os dias de João Batista até agora, o Reino dos céus é tomado à força, e os que usam de violência se apoderam dele. 13 Porque todos os Profetas e a Lei profe-tizaram até João.14 E, se desejarem aceitar, este é o Elias que havia de vir.15 Aquele que tem ouvidos para ouvir, que ouça! 16 Mas, a quem hei de comparar esta ge-ração? São como crianças que, sentadas nas praças do mercado, ficam gritando uma às outras: 17 ‘Nós vos tocamos músicas de casa-mento, mas vós não dançastes; entoamos lamentos fúnebres e não pranteastes!’18 Assim, veio João, que jejua e não bebe vinho, e dizem: ‘Este tem demônio’.

1 João Batista foi o último dos profetas do AT e o precursor de Cristo. O mensageiro do Rei (arauto) que veio anunciar a che-gada do Filho de Deus à terra (Ml 3.1; 4.5-6). João estava preso em Maqueros, uma fortaleza inóspita, nas proximidades do mar Morto (14.3-12; Lc 7.18-35) e desejava confirmar se Jesus era mesmo o Messias profetizado no AT. Jesus manda sua resposta de maneira inequívoca, assim João poderia descansar e se alegrar no Senhor, pois sua missão estava cumprida: “os cegos enxergam” e os demais milagres profetizados por Isaías (730 a.C.) sobre as obras que o Messias realizaria quando chegasse (Is 35.5; 61.1). Quem saiu para ver algo tão comum e simples como um pé de cana balançando ao vento, viu e ouviu o maior dos profetas do AT, parente e amigo amado do Senhor (Lc 1.36; Jo 3.29). Entretanto, aqueles que têm o privilégio de ouvir o Filho de Deus foram contemplados com bênção ainda maior que João (Ef 5.25-32). Jesus ainda registra o comportamento infantil dos seres humanos em relação à vinda dos profetas de Deus - são como crianças: se ouvem uma música alegre, tocada com flautas, nos casamentos (da época), não ficam contentes. Se ouvem uma melodia mais triste, como as executadas nos enterros, não se emocionam. Ou seja, para muitos, infelizmente, não há como comunicar o Evangelho de modo a que este seja bem compreendi-do. Por isso, muito felizes (bem-aventurados) são os que ouvem e aceitam a Palavra de Deus. A KJ de 1611 traz a expressão: “a sabedoria é justificada por seus filhos” e significa que os frutos (obras) do ensino de João e Jesus são visíveis, palpáveis, práticos e têm a ver com uma nova e abençoada maneira de viver.

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24MATEUS 11, 12

19 Então chega o Filho do homem, comen-do e bebendo, e dizem: ‘Eis aí um glutão e bebedor de vinho, amigo de publicanos e pecadores!’ Todavia, a sabedoria é compro-vada pelas obras que são seus frutos”.

Ai dos povos incrédulos20 Então, começou Jesus a admoestar se-veramente as cidades nas quais realizara numerosos feitos prodigiosos, porque não se arrependeram: 21 “Ai de ti Corazim! Ai de ti Betsaida! Porque se os milagres que entre vós foram realizados tivessem sido feitos em Tiro e Sidom, há muito que elas se teriam arrependido, vestindo roupas de saco e cobrindo-se de cinzas. 22 Entretanto, Eu vos afirmo que no dia do juízo haverá menos rigor para Tiro e Sidom, do que para vós outros.23 E tu, Cafarnaum, te arrogas subir até os céus? Pois serás lançada no inferno. Por-que se as maravilhas que foram realizadas em ti houvessem sido feitas em Sodoma, teria ela permanecido até o dia de hoje.24 Eu, contudo, vos afirmo que haverá mais tolerância para com o povo de So-doma no dia do julgamento, do que para contigo”.

Vinde a Cristo, os cansados25 Naquela ocasião, em resposta, Jesus proclamou: “Graças te dou, ó Pai, Senhor

dos céus e da terra, pois escondeste estas coisas dos sábios e cultos, e as revelaste aos pequeninos.26 Amém, ó Pai, pois assim foi do teu agrado!27 Todas as coisas me foram entregues por meu Pai. Ninguém conhece o Filho senão o Pai; e ninguém conhece o Pai a não ser o Filho, e aquele a quem o Filho o desejar revelar.28 Vinde a mim todos os que estais cansa-dos de carregar suas pesadas cargas, e Eu vos darei descanso.29 Tomai vosso lugar em minha canga e aprendei de mim, porque sou amável e humilde de coração, e assim achareis descanso para as vossas almas. 30 Pois meu jugo é bom e minha carga é leve”.2

O Senhor do sábado

12 Naquela época, Jesus passou pe-las lavouras de cereal, em dia de

sábado. Seus discípulos estavam com fome e começaram a colher espigas e comê-las.2 Assim que os fariseus viram aquilo, disseram-lhe: “Vê! Teus discípulos estão fazendo o que não é lícito em dia de sábado!”3 Mas Jesus lhes respondeu: “Não lestes o que fez Davi quando ele e seus compa-nheiros estavam com fome?

2 Corazim, mencionada apenas duas vezes nas Escrituras (aqui e em Lc 10.13) distava cerca de quatro quilômetros ao norte de Cafarnaum. Betsaida ficava na extremidade ao norte do mar da Galiléia. Tiro e Sidom eram cidades pagãs da Fenícia. Jesus con-clui esse trecho bíblico com uma “resposta” emocionada às graves circunstâncias descritas anteriormente. A expressão: “Graças te dou” (em grego exomologoumai), significa: “reconheço”. A expressão: “Amém” (em hebraico transliterado amen) vem de uma raiz que significa “digno de fé” ou “verdade” (Is 65.16), por isso a palavra grega é mera transliteração do hebraico, usada por algumas versões na forma poética: “em verdade, em verdade”. No AT era, também, uma expressão de concordância (assim seja) com uma doxologia ou bênção (1Cr 16.36; Sl 41.13). Jesus fez uso dessa expressão com autoridade messiânica, algo incomum aos rabinos e mestres de sua época (2Co 1.20). Em certo sentido, Jesus pode ser chamado de “o Amém de Deus” (Is 65.16; Ap 3.14). Muitas sinagogas usaram essa expressão, que passou para as primeiras igrejas cristãs (1Co 14.16).

Nos versos 28 a 30 Jesus faz menção às Escrituras (Jr 6.16) e usa mais uma notável ilustração para mostrar como o cristão pode encontrar descanso para as suas aflições: Jesus aponta para a canga dos bois. Uma trave de madeira robusta, quase sempre ocupada por dois animais, colocados lado a lado, presos pelo pescoço e ligados ao arado ou carro que deveriam puxar. Jesus considerou sua cruz (canga), útil e boa (no original grego chrestos). Algumas versões usam a palavra: “suave”. Jesus considerou seu “fardo” leve, não pesado ou difícil de transportar até seu destino. Para alcançar o pleno descanso devemos ocupar nosso lugar ao lado de Jesus e partilhar da sua canga; que não era um instrumento de tormento para os animais, mas um meio útil e cômodo de levar mais carga com menos esforço, evitando os sofrimentos das antigas cordas amarradas pelo corpo. Jesus quer partilhar sua força conosco. Além disso, bondade, paciência, mansidão, humildade são qualidades que nos possibilitam trabalhar e descansar com fé no amor e na soberania do Senhor. Uma pessoa assim será querida e amável, e isso a ajudará a vencer muitos problemas e descansar diariamente em paz.

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25 MATEUS 12

4 Como entrou na casa de Deus, e come-ram os pães da Presença, os quais a lei não lhes permitia comer, nem a ele nem aos que com ele estavam, mas exclusiva-mente aos sacerdotes?1

5 Ou não lestes na Lei que, aos sábados, os sacerdotes no templo violam o sábado e, contudo, são desculpados?6 Pois Eu vos afirmo que aqui está quem é maior do que o templo. 7 Entretanto, se vós soubésseis o que significam estas palavras: ‘Misericórdia quero, e não holocaustos’, não teríeis condenado os que não têm culpa.8 Pois o Filho do homem é o Senhor do sábado!”.

Jesus cura no sábado 9 Tendo Jesus saído daquele lugar, foi para a sinagoga deles.10 Encontrava-se ali um homem que tinha uma das mãos atrofiada. Mas, pro-curando um motivo para acusar Jesus, eles o questionaram: “É lícito curar no sábado?”11 Ao que Jesus lhes propôs: “Qual de vós será o homem que, tendo uma ovelha, e, num sábado, esta cair em um buraco, não fará todo o esforço para retirá-la de lá?12 Assim sendo, quanto mais vale uma pessoa do que uma ovelha! Por isso, é lícito fazer o bem no sábado”.13 Então, dirigiu-se ao homem e disse:

“Estende a tua mão”. Ele a estendeu e ela foi restaurada, ficando sã como a outra.14 Diante disso, saíram os fariseus e co-meçaram a conspirar sobre como pode-riam matar Jesus.

Eis meu Servo amado! 15 Mas, Jesus, sabendo disto, afastou-se daquele lugar. Uma multidão o seguiu e a todos Ele curou. 16 Contudo, os advertiu para que não divulgassem suas obras.17 Ao acontecer isso, cumpriu-se o que fora dito pelo profeta Isaías:18 “Eis o meu Servo, que escolhi, o meu amado, em quem tenho alegria. Farei repousar sobre Ele o meu Espírito, e Ele anunciará justiça às nações.19 Não contenderá nem gritará; nem se ouvirá nas ruas a sua voz.20 Não esmagará a cana rachada, nem apagará o pavio que fumega, até que faça vencer a justiça.21 E em seu Nome os gentios colocarão sua esperança”.

O pecado imperdoável22 Depois disso, aconteceu que lhe trouxe-ram um endemoninhado, cego e mudo; Ele o curou, de modo que pôde falar e ver.23 Então, toda a multidão ficou atônita e exclamava: “É este, porventura, o Filho de Davi?”

1 O sábado (em hebraico shabbãth) é estabelecido nas Escrituras como princípio: um em cada sete dias deveria ser separado (santificado) para o descanso. A raiz hebraica da palavra “sábado” é shãbhath, que significa “cessar”. Na Criação, o próprio Deus legou à humanidade o exemplo da santificação do sábado (Gn 2.2; Êx 20.8-11). Em Êx 16.21-30 há uma menção explícita sobre o sábado em relação à provisão do maná. O sábado (dia do descanso em homenagem ao Criador) nesse contexto, é representado como um dom de Deus, visando o repouso e o benefício do povo. Não era necessário trabalhar no sábado (juntar o maná), pois dupla porção era provida no sexto dia da semana. Os fariseus, no entanto, haviam acrescentado à Lei e ao sábado uma série imensa de minuciosas regras e observâncias não prescritas por Moisés. Ao entrar pelos campos de trigo, Jesus e seus discípulos estavam usufruindo um direito concedido pela Lei a todo viajante: comer para satisfazer a fome, sem levar nada (Dt 23.25), mas os fariseus implicaram com o ato de debulhar no sábado (Lc 6.1). Jesus então faz referência a 1Sm 21.1-6, lembrando que em caso de necessidade, alguns detalhes da lei cerimonial podiam ser suprimidos. Os pães da Presença ou Proposição, como em algumas versões, referem-se à presença do próprio Deus (Êx 33.14,15; Is 63.9). Os doze pães (cada um simbolizando uma tribo) representavam uma oferta perpétua, de pão, ao Senhor, mediante a qual Israel declarava consagrar a Deus os frutos do seu trabalho que, por sua vez, era uma bênção do Senhor (Lv 24.5,9). Esses pães eram colocados na mesa do lugar santo do tabernáculo, todos os sábados, e depois da cerimônia podiam ser comidos pelo sacerdote e sua família. Ocorre que os sacerdotes preparavam os pães e os sacrifícios no sábado, mesmo sob a proibição geral do trabalho nesse dia. Jesus então argumenta que se as necessidades do culto no templo permitiam que o sacerdote profanasse o sábado, com muito mais razão a missão de Cristo (o Messias) merece a mesma liberdade. Jesus ensina que a ética é mais importante que o ritual, e o espírito da Lei maior que as letras e os mandamentos. Jesus declara que Ele é Deus, ao afirmar que é Senhor do sábado (Jo 5.17) e enfatiza que o sábado foi dado à humanidade para o seu bem e não como uma obrigação prejudicial.

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26MATEUS 12

24 Mas os fariseus, ao ouvirem isso, mur-muraram: “Este homem não expulsa demônios senão pelo poder de Belzebu, o príncipe dos demônios”. 25 Entretanto, Jesus compreendia os pen-samentos deles, e lhes afirmou: “Todo reino dividido contra si mesmo será arruinado, e toda cidade ou casa dividida contra si mesma não resistirá.26 Se Satanás expulsa Satanás, está divi-dido contra ele próprio. Como poderá então subsistir o seu reino? 27 E se Eu expulso demônios por Belze-bu, por quem os expulsam vossos filhos? E, por isso, eles mesmos serão os vossos juízes. 28 Mas, se é pelo Espírito de Deus que Eu expulso demônios, então, verdadei-ramente, é chegado o Reino de Deus sobre vós!29 Ou ainda, como pode alguém entrar na casa do homem forte e roubar-lhe todos os bens sem primeiro amarrá-lo? Só depois disso será possível saquear a sua casa.30 Quem não está comigo, está contra mim; e aquele que comigo não colhe, espalha. 31 Portanto, Eu vos assevero: Todos os pecados e blasfêmias serão perdoados às pessoas; a blasfêmia contra o Espírito Santo não será, porém, perdoada!

32 Qualquer pessoa que disser uma pa-lavra contra o Filho do homem, isso lhe será perdoado; porém, se alguém falar contra o Espírito Santo, não lhe será isso perdoado, nem nesta época, nem no tempo futuro.33 Ou fazei a árvore boa e o seu fruto bom, ou a árvore má e o seu fruto mau; pois uma árvore é conhecida pelo seu fruto.34 Raça de víboras! Como podeis falar coisas boas, sendo maus? Pois a boca fala do que está cheio o coração. 35 Uma boa pessoa tira do seu bom te-souro coisas boas; mas a pessoa má, tira do seu tesouro mau, coisas más.36 Por isso, vos afirmo que de toda a pa-lavra fútil que as pessoas disserem, dela deverão prestar conta no Dia do Juízo.37 Porque pelas tuas palavras serás ab-solvido e pelas tuas palavras serás con-denado”.2

O sinal da ressurreição38 Então alguns dos mestres da lei e fari-seus lhe pediram: “Mestre, queremos ver de tua parte algum milagre”. 39 Ao que Jesus respondeu: “Uma gera-ção perversa e adúltera pede um sinal miraculoso! Todavia, nenhum sinal lhe será dado, exceto o sinal miraculoso do profeta Jonas.3

2 Filho de Davi era um título exclusivo do Messias (Mc 3.22-30; Lc 11.14-22). A vinda e a vida de Jesus eram o evidente cumpri-mento das profecias, especialmente de Isaías 42.1-4. Deus, assumindo a forma humana em Jesus, tratou os seres humanos com misericórdia e delicadeza: como caniços (varas de pesca) que podem ser quebrados ou esmagados com facilidade; ou ainda como pequenas chamas que podem ser apagadas com um simples movimento. Jesus percebeu, compreendeu (no original gre-go eidôs) o que de fato os fariseus estavam tramando. Os judeus já praticavam o exorcismo (At 19.13-16) e Jesus os questionou sob qual autoridade exerciam essa prática. Jesus já havia vencido Satanás em seus quarenta dias no deserto (4.1-11) e agora estava invadindo o reino do Maligno (1Jo 3.8), para tirar das trevas as almas de todos aqueles que nele cressem, e para destruir a “casa do homem forte” (Is 49.24-26; Lc 11.21). Por isso não pode haver neutralidade no Reino de Deus: quem não serve a Cristo está servindo ao Diabo que é o diretor-geral do sistema (econômico, político, social e religioso) deste mundo. O único pecado sem perdão é a rejeição consciente e sistemática da salvação graciosa em Cristo e a alegação de que Jesus e o Diabo são a mesma pessoa ou as duas faces da verdade (o bem e o mal), como pensam algumas correntes filosóficas (Hb 6.4-6; 10.26-31). Jesus acrescenta que o caráter de uma pessoa será sempre revelado por meio de suas palavras (Tg 3.2) e que essas palavras pesam na balança da terra e do céu (Pv 18.21). Há três palavras gregas para designar milagres: 1) teras – algo portentoso; 2) du-namis – poder maravilhoso; 3) semeion – uma prova ou sinal sobrenatural. No passado, muitos líderes de Israel haviam concedido ao povo provas de sua missão por parte de Deus. Assim, para autenticar a obra de Moisés, o Senhor enviou o maná; para Josué, o Senhor fez parar o Sol e a Lua; para Samuel, enviou o Senhor, trovões, de um céu claro e limpo, sem tempestades; para Elias, mandou Deus, fogo do céu; para Isaías, fez recuar a sombra do relógio (da época) do Sol. Mas, para confirmar a obra de Jesus Cristo, o Messias, seria realizado o maior milagre de todos: Deus ressuscitaria a Seu Filho Jesus da sepultura e esse seria um sinal ainda maior do que aquele realizado para a conversão de toda a antiga cidade de Nínive (39-41).

3 O AT usa freqüentemente a metáfora: “adúltera” para significar “infiel a Deus”. Os três dias e três noites de Jonas e de Jesus

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27 MATEUS 12, 13

40 Portanto, assim como esteve Jonas três dias e três noites no ventre de um grande peixe, assim o Filho do homem estará três dias e três noites no coração da terra. 41 O povo de Nínive se levantará no Dia do Juízo com esta geração, e a condenará; pois eles se arrependeram com a prega-ção de Jonas. E eis que aqui está quem é maior do que Jonas. 42 A rainha do Sul se levantará no Juízo com esta geração e a condenará, pois ela veio dos confins da terra para conhecer os sábios ensinamentos de Salomão. E eis que aqui está quem é maior do que Salomão. 43 Quando um espírito imundo sai de uma pessoa, passa por lugares áridos procurando descanso, mas não encontra onde repousar. 44 Então diz: ‘Voltarei para a minha casa de onde saí’. E, retornando, encontra a casa desocupada, varrida e arrumada. 45 Diante disso, vai e leva consigo outros sete espíritos, piores do que ele, e, en-trando, passam a morar ali. E o estado final daquela pessoa torna-se pior que o primeiro. Assim também ocorrerá com esta geração má!”.

A mãe e os irmãos de Jesus46 Enquanto, Jesus estava pregando à grande multidão, do lado de fora, sua mãe e seus irmãos procuravam falar com Ele.47 Então alguém o avisou: “Tua mãe e teus irmãos estão lá fora e desejam fa-lar-te”. 48 Jesus, entretanto, respondeu ao que lhe trouxera a informação: “Quem é minha mãe e quem são os meus irmãos?”4

49 E, estendendo a mão na direção dos discípulos, afirmou: “Eis minha mãe e meus irmãos. 50 Pois todo aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus, este é meu irmão, minha irmã e minha mãe”.

A parábola do semeador(Mc 4.1-20; Lc 8.1-15)

13 Naquele mesmo dia Jesus saiu de casa e foi assentar-se à beira-mar.

2 Uma grande multidão reuniu-se ao seu redor e, por esse motivo, entrou num barco e assentou-se. E todo o povo esta-va em pé na praia.3 Jesus ensinou-lhes então muitas coisas por meio de parábolas, como esta: “Eis que um semeador saiu a semear.1

(Jn 1.17) referem-se ao período que vai da sexta-feira à tarde até o domingo de manhã. A expressão hebraica traduzida por algumas versões como “baleia”, significa no original: “grande monstro marinho”. A rainha do Sul (também chamada de rainha do meio-dia) é a mesma rainha de Sabá (1Rs 10) cujo reino ficava a sudoeste da Arábia, onde é hoje o Iêmen. Jesus recorre à história de Israel para fazer referência ao processo de purificação da idolatria, entre os judeus, durante o cativeiro babilônico, mas cujo estado atual – de incredulidade e dureza de coração – era muito pior que antes do exílio (Lc 11.24-26).

4 Jesus tinha quatro irmãos (mencionados os seus nomes em Mc 6.3) e mais um número de irmãs não especificado nas Escrituras. Alguns teólogos defendem a idéia de que esses seriam primos de Jesus, filhos de Alfeu com a irmã da mãe de Jesus que também se chamava Maria. Mas, Jo 7.5 e At 1.14 os distinguem claramente dos filhos de Alfeu. Jesus aproveita o que seria uma interrupção do seu discurso para ilustrar a verdadeira fraternidade: uma nova família espiritual à qual todos os cristãos pertencem e a quem devem amar como à própria mãe e aos irmãos. Em nenhum momento Jesus tem a intenção de divinizar sua mãe, muito menos de tratá-la sem o devido carinho e respeito.

Capítulo 131 Jesus saiu da casa de Simão e André, em Cafarnaum (8.14), e dirigiu-se às margens do “mar da Galiléia”, chamado também de

“o grande lago”. Os hebreus não tinham apreço pelo mar, pois as antigas crenças semíticas diziam que a profundidade (abismo) personificava o poder do mal que combatia contra Deus. Para Israel, entretanto, Deus era o criador do mar e seu controlador, fazendo que o mar coopere para o bem da humanidade (Gn 1.9; Gn 49.25; Êx 14,15; Dt 33.13; Sl 104.7-9; Sl 148.7; Mt 14.25-33; At 4.24). O triunfo final de Deus será acompanhado pelo desaparecimento total do mar (Ap 21.1). A expressão “parábola” vem do original grego paraboles, que significa, colocar coisas semelhantes, lado a lado, para estabelecer comparação, estudo e tirar um ensinamento. Em nossa língua, a parábola é uma figura de linguagem em que uma verdade moral ou espiritual é ilustrada por uma analogia derivada da experiência cotidiana. Com essa parábola, conhecida como “do semeador” Jesus inicia o primeiro grupo de histórias didáticas sobre o Reino de Deus, registradas em Mateus. Os evangelhos sinóticos contêm cerca de trinta parábolas. O evangelho segundo João não apresenta parábolas, mas emprega outras figuras de linguagem.

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4 Enquanto realizava a semeadura, parte dela caiu à beira do caminho e, vindo as aves, a devoraram.5 Outra parte caiu em terreno rochoso, onde havia uma fina camada de terra, e logo brotou, pois o solo não era pro-fundo. 6 Porém, quando veio o sol, as plantas se queimaram; e por não terem raiz, secaram.7 Outra parte caiu entre os espinhos. Es-tes, ao crescer, sufocaram as plantas.8 Contudo, uma parte caiu em boa terra, produzindo generosa colheita, a cem, sessenta e trinta por um.9 Aquele que tem ouvidos para ouvir, que ouça!”.

O propósito das parábolas 10 Então, os discípulos se aproximaram dele e perguntaram: “Por que lhes falas por meio de parábolas?”11 Ao que Ele respondeu: “Porque a vós outros foi dado o conhecimento dos mistérios do Reino dos céus, mas a eles isso não lhes foi concedido.2

12 Pois a quem tem, mais se lhe dará, e terá em abundância; mas, ao que quase não tem, até o que tem lhe será tirado.13 Por isso lhes falo por meio de pará-bolas; porque, vendo, não enxergam; e escutando, não ouvem, muito menos compreendem.14 Neles se cumpre a profecia de Isaías: ‘Ainda que continuamente estejais ouvin-do, jamais entendereis; mesmo que sem-pre estejais vendo, nunca percebereis.15 Posto que o coração deste povo está petrificado; de má vontade escutaram com seus ouvidos, e fecharam os seus

olhos; para evitar que enxerguem com os olhos, ouçam com os ouvidos, compre-endam com o coração, convertam-se, e sejam por mim curados’.16 Mas abençoados são os vossos olhos, porque enxergam; e os vossos ouvidos, porque ouvem.17 Pois com certeza vos afirmo que mui-tos profetas e justos desejaram ver o que vedes, e não viram; e ouvir o que ouvis, e não ouviram.

Jesus explica essa parábola18 Portanto, atentai para o que significa a parábola do semeador:19 Quando uma pessoa escuta a mensa-gem do Reino, mas não a compreende, vem o Maligno e arranca o que foi semeado em seu coração. Estas são as sementes que foram semeadas à beira do caminho.20 O que foi semeado em terreno rocho-so, esse é o que ouve a Palavra e logo a aceita com alegria.21 Contudo, visto que não tem raiz em si mesmo, resiste por pouco tempo. E, quando por causa da Palavra chegam os problemas e as perseguições, logo perde o ânimo.22 Quanto ao que foi semeado entre os espinhos, este é aquele que ouve a Pala-vra, mas as preocupações desta vida e a sedução das riquezas sufocam a mensa-gem, tornando-a infrutífera.23 Mas, enfim, o que foi semeado em boa terra é aquele que ouve a Palavra e a entende; este frutifica e produz grande colheita: alguns, cem; outros, sessenta; e ainda outros trinta vezes mais do que foi semeado”.

2 A expressão original grega, aqui traduzida por “mistérios”, refere-se a revelações especiais a que somente os devotos (cren-tes, consagrados) a Jesus Cristo têm acesso. O v.12 anuncia um princípio básico do mundo espiritual: quem aceita a Palavra de Deus, com humildade e reverência, receberá muitas outras bênçãos do Senhor, mas aos arrogantes e incrédulos, até a parcela de fé e bênçãos que lhes foi concedida será retirada. Veja os exemplos do “filho pródigo” (Lc 15.17-24) e o que aconteceu com o Faraó do Egito depois de ter feito pouco caso do aviso de Moisés (Êx 8.1-32; 9.1-12). As coisas de Deus não fazem sentido para aqueles dotados apenas de crítica racional. Precisam ser iluminados em sua compreensão espiritual e isso é dom de Deus (Rm 5.15,16; 1Co 2.14-16; Ef 2.8). Os versos 14 e 15 são copiados, palavra por palavra, da Septuaginta (Is 6.9,10), que descreve o chamado do profeta Isaías, a mensagem que deveria pregar e o estado de calamidade espiritual do povo. Como no tempo de Isaías, assim também na época de Cristo, os judeus fecharam os olhos à verdade (Mc 4.12). Jesus e Sua Igreja são as últimas grandes luzes a brilhar neste mundo para todo aquele que quiser abrir os olhos (Ef 3.2-5; 1Pe 1.10-12).

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29 MATEUS 13

O trigo e o joio24 Jesus lhes contou outra parábola: “O Reino dos céus é semelhante a um ho-mem que semeou boa semente em seu campo.25 Entretanto, quando todos dormiam, chegou o inimigo dele, lançou o joio no meio do trigo, e seguiu o seu ca-minho.3

26 Assim, quando o trigo brotou e for-mou espigas, o joio também apareceu. 27 Os servos do dono da plantação fo-ram até ele e perguntaram: ‘Senhor, não semeaste boa semente no teu campo? Então, de onde vem o joio?’.28 Ele, porém, lhes respondeu: ‘Um inimigo fez isso’. Então os servos lhe propuseram:‘Senhor, queres que vamos e arranquemos o joio?’29 Ao que o senhor respondeu: ‘Não, pois ao tirar o joio, podereis arrancar junta-mente com ele o trigo.30 Deixai-os, pois, crescer juntos até à

safra, e, no tempo da colheita, direi aos ceifeiros: ‘Primeiro ajuntai o joio e amar-rai-o em feixes para ser queimado; mas o trigo, recolhei-o no meu celeiro’”.

O grão de mostarda 31 Outra parábola ainda lhes propôs Je-sus, dizendo: “O Reino dos céus é como um grão de mostarda, que um homem tomou e plantou em seu campo. 32 Embora seja a menor dentre todas as sementes, quando cresce chega a ser a maior das plantas, e se torna uma árvore, de maneira que as aves do céu vêm ani-nhar-se em seus ramos”.

O fermento 33 E contou-lhes mais outra parábola: “O Reino dos céus é semelhante ao fermento que uma mulher pegou e misturou em três medidas de farinha, até que toda a massa ficou levedada”.34 Todas essas coisas falou Jesus à mul-

3 O propósito desta parábola é revelar o método por meio do qual Deus está agindo no mundo durante a era (tempo) do Evangelho (das Boas Novas de Cristo). Jesus raramente interpretava suas histórias enigmáticas (parábolas). Isso porque sabia que todas as pessoas que verdadeiramente amavam a Deus entenderiam sua mensagem. Mas, para que nada faltasse aos discípulos, ele explica algumas delas (18-23; 36-43). O joio é uma erva daninha, também chamada de cizânia ou centeio falso, que enquanto está crescendo é muito semelhante ao trigo. Apenas quando as espigas se formam é que é possível fazer uma distinção correta. A farinha de trigo feita com a mistura desse centeio falso é venenosa. A semente de mostarda era a menor semente que os agricultores da Palestina, na época de Cristo, costumavam semear. Em condições favoráveis, essas “plantas” (no original grego lachanôn) podiam alcançar cerca de três metros de altura. Jesus aproveita essa ilustração da árvore para lembrar as Escrituras (Ez 17.23, 31.5; Sl 104.12; Dn 4.12,21). Em Ez 17, por exemplo, a “árvore” é o “Novo Israel”, mas em Ez 41 e Dn 4, a árvore representa os impérios dos gentios: Assíria e Babilônia (região onde hoje se situa o Iraque). Dessa maneira, a parábola antecipa o desenvolvimento da Igreja de Cristo. Entretanto, as aves (v.19), como figura do Maligno, completam o quadro da Igreja visível (na terra) em sua apostasia (tempo de frieza espiritual da Igreja) e revelam aos discípulos que o Reino de Deus, tendo um início tão humilde quanto a menor das sementes, se expandiria até atingir domínio mundial, envolvendo pessoas de todas as nações (Dn 2.35-45; 7.27; Ap 11.15). Nas Escrituras, o fermento quase sempre é um símbolo de algo perverso ou impuro. Nesta parábola, entretanto, significa: crescimento, progresso. A expressão “uma medida” vem do hebraico seah (no original grego: sata) e corresponde a cerca de seis litros. Ou seja, assim como o bom fermento se alastra pela massa, dessa mesma maneira, o Reino de Deus envolve a alma da pessoa que recebe o Espírito Santo, e vai moldando seu caráter à imagem de Cristo (2Co 4.1-15). No v.35, a citação bíblica vem do Sl 78.2-3, sendo que a primeira parte é tirada da Septuaginta (tradução grega do AT) e a segunda parte, do hebraico. Mateus interpreta esse texto como mais uma profecia sobre Jesus Cristo. A palavra “filhos” neste contexto e no original significa: “aqueles que pertencem”. No v.41 há uma alusão ao texto hebraico de Sf 1.3, sendo que a palavra grega anomian, traduzida algumas vezes por “iniqüidade”, e aqui por “mal”, também significa: “ilegalidade”. A expressão “consumação do século” como aparece em algumas versões, aqui traduzida por “final desta era”, como base a tradução dos melhores origi-nais; nos quais, a palavra grega, éon, significa mais propriamente: um período de tempo marcante na história da humanidade, ou seja, uma era. Literalmente: “finalização do éon” ou do período que vai do nascimento de Cristo à sua volta triunfante (Mt 24; 25; Mc 13). A expressão: “fornalha ardente”, mencionada muitas vezes nos textos apocalípticos (Ap 19.20; 20.14), ocorre mais cinco vezes em Mateus (8.12; 13.50; 22.13; 24.51; 25.30) e em nenhuma outra parte do NT. Não compete à Igreja de Jesus Cristo arrogar-se o direito de julgar e condenar pessoas antes do Dia do Juízo (a grande colheita). Essa parábola não se aplica às questões da disciplina comunitária que é tratada em Mt 18; mas, sim, da necessária e inevitável convivência que deve haver entre cristãos e descrentes enquanto estivermos neste mundo, até a segunda vinda do Senhor (1Co 4.5; 2Co 10.4). Não devemos nos preocupar em destruir o joio, mas em levar a todos a Palavra da graça salvadora de Jesus Cristo e assim brilharemos por toda a eternidade (Dn 12.3).

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tidão por meio de parábolas e nada lhes dizia sem usar palavras enigmáticas.35 E assim cumpriu-se o que fora dito por meio do profeta: “Abrirei em parábolas a minha boca; proclamarei coisas ocultas desde a fundação do mundo”.

Jesus explica a parábola do joio36 Então, Jesus se despediu da multidão e foi para casa. Seus discípulos aproxima-ram-se dele e pediram: “Explica-nos a parábola do joio na plantação”.37 E Jesus explicou: “Aquele que semeou a boa semente é o Filho do homem.38 O campo é o mundo, e a boa semente são os filhos do Reino. O joio representa os que pertencem ao Maligno.39 O inimigo que semeou o joio é o Diabo. A colheita é o final desta era, e os ceifeiros são os anjos.40 Da mesma maneira que o joio é colhi-do e jogado ao fogo, assim será no fim desta era.41 O Filho do homem mandará os seus anjos, e eles ceifarão do seu Reino tudo o que causa tropeço e todos os que pra-ticam o mal.42 Eles os lançarão na fornalha ardente e ali haverá pranto e ranger de dentes.43 Então os justos reluzirão como o sol no Reino de seu Pai. Aquele que tem ou-vidos para ouvir, que ouça!

O tesouro escondido44 O Reino dos céus assemelha-se a um tesouro escondido no campo. Certo ho-mem, tendo-o encontrado, escondeu-o novamente. Então, transbordando de ale-gria, vai, vende tudo o que tem, e compra aquele terreno.

A pérola de grande valor 45 Da mesma forma, o Reino dos céus é como um negociante que procura péro-las preciosas. 46 E, assim que encontrou uma pérola va-liosíssima, foi, vendeu tudo o que tinha e a comprou.

Os bons e os maus peixes47 O Reino dos céus é ainda semelhante a uma rede que, lançada ao mar, recolhe peixes de toda espécie.48 E, quando está repleta, os pescadores a puxam para a praia. Então se assentam e juntam os bons em cestos, mas jogam fora os ruins.49 Assim também ocorrerá no final desta era. Chegarão os anjos e irão separar os maus dentre os justos.50 E lançarão os maus na fornalha arden-te; e ali haverá grande lamento e ranger de dentes”.

O mestre é um pai de família 51 Então lhes perguntou Jesus: “Enten-destes todas estas parábolas?” Ao que eles responderam: “Sim, Senhor”.52 E Jesus lhes disse: “Portanto, todo mestre da lei, bem esclarecido quanto ao Reino dos céus, é semelhante a um pai de família que sabe tirar do seu tesouro coisas novas e coisas velhas”.4

O profeta não é honrado pelos seus53 Havendo terminado de contar essas parábolas, retirou-se Jesus dali. 54 Chegando à sua cidade, começou a ensinar o povo na sinagoga, de tal maneira que as pessoas se admiravam, e exclamavam: “De onde lhe vem tanta

4 Depois que os judeus blasfemaram contra o Espírito Santo (12.24-30) e começaram a tramar seu assassinato (12.14), Jesus passa a revelar aspectos mais profundos sobre o Reino de Deus, apenas aos seus discípulos, preparando-os para continuar sua obra. O termo grego grammateus (escriba), significa “escrivão” ou “letrado”. Poucos sabiam ler e escrever naquela época e lugar. Os escribas eram responsáveis por copiar e arquivar as leis e tradições judaicas, e assim se tornaram mestres, doutores e advogados (Lc 5.21), pois não havia distinção entre a lei de Deus e a dos homens. A sinagoga era a principal instituição religiosa judaica daqueles dias e podia ser estabelecida em qualquer cidade com mais de dez judeus casados. Teve origem no exílio e servia de local onde os judeus podiam estudar as Escrituras e adorar a Deus. Jesus, como também Paulo (At 13.15; 14.1; 17.2; 18.4), aproveitou o costume judaico de convidar mestres visitantes para pregar nas sinagogas locais e lhes anunciou a chegada do Reino de Deus: O Evangelho de Cristo. No original grego, a palavra aqui traduzida por “carpinteiro” é a mesma usada para identificar o trabalho do “pedreiro”. Jesus, como filho mais velho da família, era o principal ajudante do pai nos trabalhos com madeira e alvenaria, ofício que desempenhou para cooperar com o sustento da família, após a morte de José (Mc 6.3; Lc 8.19).

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sabedoria e estes poderes para realizar milagres?55 Ora, não é este o filho do carpinteiro? O nome de sua mãe não é Maria, e o de seus irmãos: Tiago, José, Simão e Judas?56 Não vivem entre nós todas as suas irmãs? Portanto, de onde obteve todos esses poderes?”.57 E ficavam escandalizados por causa dele. Entretanto, Jesus lhes afirmou: “Não há profeta sem honra, a não ser em sua própria terra, e em sua própria casa”.58 E Jesus não realizou ali muitos mila-gres, por causa da falta de fé daquelas pessoas.5

João Batista é decapitado

14 Por aquele tempo Herodes, o tetrarca, ouviu os relatos sobre os

feitos de Jesus.2 E disse aos seus servos: “Este é João Batista; ele ressuscitou dos mortos e, por isso, nele operam poderes para fazer milagres.3 Porque Herodes tinha mandado pren-der João, amarrar suas mãos e jogá-lo na prisão. Isso por causa de Herodias, mulher de Filipe, seu irmão. 4 Pois João o havia advertido, dizendo: “Não te é lícito esposá-la”.5 Herodes, portanto, queria matá-lo, mas temia o povo, pois este o considerava profeta.6 Mas, tendo chegado o dia da celebração

do aniversário de Herodes, a filha de He-rodias dançou diante de todos, e muito agradou a Herodes.7 Por conta disso, ele lhe prometeu, sob juramento, conceder qualquer pedido que ela desejasse fazer. 8 Foi então que ela, influenciada por sua mãe, pediu: “Dá-me aqui, num prato, a cabeça de João Batista”.1

9 O rei ficou angustiado; contudo, por causa do juramento e da presença dos convidados, ordenou que lhe fosse dado o que ela pedira.10 Então mandou decapitar João na prisão.11 Sua cabeça foi levada num prato e en-tregue à jovem, que a entregou à mãe.12 Os discípulos de João vieram, levaram seu corpo e o sepultaram. E foram contar a Jesus o que havia acontecido.

A multiplicação dos pães 13 Assim que Jesus ouviu essas coisas, re-tirou-se de barco, em particular, para um lugar deserto. As multidões, entretanto, ao saberem disso, saíram das cidades e o seguiram a pé.14 Quando Jesus deixou o barco, viu numerosa multidão; sentiu-se movido de grande compaixão pelo povo, e curou os seus doentes.15 Ao final do dia, os discípulos se apro-ximaram de Jesus e disseram: “Este é um lugar deserto, e já está entardecendo. Manda embora, pois, as multidões, para

5 Existe uma clara correlação entre a fé e a realização dos milagres de Jesus em Mateus (8.10,13; 9.2,22,28,29). A arrogância dos teólogos e líderes religiosos e a presunção dos que pensavam conhecer a Jesus desde criança, fizeram com que eles perdessem a maravilhosa oportunidade de receber as preciosas revelações e bênçãos do Messias, o Filho de Deus em pessoa: Jesus Cristo.

Capítulo 141 Herodes Antipas, que reinou de 4 a.C. a 39 a.D., era o tetrarca (em grego tetrarches), ou seja, “aquele que rege uma quarta

parte do império”, no caso, a quarta parte da Palestina, mais a Galiléia e a Peréia, que foi herança de seu pai Herodes, o Grande (Mt 2.1,22), quando dividiu seu reino entre quatro de seus muitos filhos. Depois das maravilhosas viagens de Jesus pela Galiléia, muito cresceu sua fama em todas as regiões vizinhas, originando muitas idéias sobre sua pessoa e missão (16.13-14). A consciência pagã, supersticiosa, culpada e amedrontada de Herodes, o fez criar a teoria de que Jesus seria a encarnação do espírito de João Batista que ele mandara decapitar (Mc 6.16). Herodias era ex-esposa do meio irmão de Herodes, Filipe, tio de Herodias. Ela fora persuadida a abandonar o marido para casar-se com Herodes Antipas, cometendo assim, incesto (Lv 18.16; 20.21). João Batista falou francamente com o tetrarca e o chamou ao arrependimento; e Herodes sabia que João era homem de Deus e estava certo em sua denúncia (Mc 6.20). Salomé, filha de Herodias, tinha cerca de 20 anos e dançou de forma lasciva diante de muitas autoridades, agradando a todos, em especial a Herodes. O grande historiador judeu Flávio Josefo, que viveu entre os séculos I e II, conta que Salomé veio a se casar com um tio-avô, também chamado Filipe (filho de Herodes, o Grande), que reinou sobre as terras do norte (Lc 3.1). O prato (v.11), no qual a cabeça de João é apresentada, era uma peça de madeira onde serviam as carnes nas festas. João permanecera por mais de um ano no cativeiro, devido à indecisão de Herodes, que além de permitir a visita dos discípulos de João, também gostava de ouvir o profeta (11.2).

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que possam ir aos povoados comprar comida”.16 Jesus, porém, lhes respondeu: “O povo não precisa ir embora; dai-lhes vós mes-mos algo para comer”.17 Ao que eles replicaram: “Tudo o que temos aqui são cinco pequenos pães e dois peixes!”18 Mas Jesus lhes disse: “Tragam-nos aqui para mim”.19 E mandou que as multidões se assen-tassem sobre o gramado. Tomou, então, os cinco pães e os dois peixes e, olhando para o céu, os abençoou. Em seguida, tendo partido os pães, deu-os aos discí-pulos, e estes serviram às multidões.2

20 Todos comeram até ficar satisfeitos, e os discípulos recolheram doze cestas cheias de pedaços que sobraram.21 Os que se alimentaram foram cerca de cinco mil homens, sem contar as mulhe-res e as crianças.

Jesus anda sobre o mar 22 Imediatamente após, Jesus insistiu com os discípulos para que entrassem no bar-co e fossem adiante dele para o outro lado, enquanto Ele despedia as multidões. 23 Assim que mandou o povo embora, subiu sozinho a um monte para orar. Ao chegar da noite, lá estava Ele, só.24 Todavia, o barco já estava longe, no meio do mar, sendo fustigado pelas on-das; pois o vento era contrário.25 Na quarta vigília da noite, foi Jesus ter com eles, andando por sobre o mar.3

26 Quando os discípulos o viram andan-do sobre as águas, ficaram aterrorizados e exclamaram: “É um fantasma!” E gri-tavam de medo.27 Mas, imediatamente, Jesus lhes disse: “Tende bom ânimo! Sou Eu. Não temais!”.28 Ao que Pedro exclamou: “Senhor! Se és tu, manda-me ir ao teu encontro por sobre as águas”.

2 Jesus, triste pela morte do grande amigo João, e não querendo ser confundido com o líder militar que muitos esperavam que fosse, busca a solitude, um tempo a sós para orar e refletir. Atravessa o mar da Galiléia, deixando Cafarnaum e os territórios de Herodes Antipas, e segue em direção a Betsaida Júlia. A multidão, entretanto, o vê partir só e caminha cerca de 8 km por uma região deserta até se encontrar com Cristo nos planaltos do território de Felipe. Era alta primavera na Palestina (que começa no meio de fevereiro), os campos estavam cobertos de relva e a Páscoa dos judeus estava próxima (Jo 6.4). Jesus se coloca entre a multidão como o pai no meio de sua família. Esse é o único milagre de Jesus, registrado por todos os evangelistas (Mc 6.30-46; Lc 9.10-17; Jo 6.1-15). Mateus, entretanto, não tem uma preocupação cronológica em relação aos fatos, narra a história no passado (vv. 1,2,13), pois deseja apresentá-la de modo que as pessoas a gravem na memória. De acordo com a tradição judaica, o chefe da família proferia, no início de cada refeição, sobre o pão que ele partia, uma “oração de agradecimento” que era chamada de “bênção” e, por isso, na KJ de 1611, esse termo aparece como blessed (abençoou). Jesus estava revelando ao povo que, assim como o Pai libertou seu povo do Egito e os alimentou no deserto, Ele estava novamente no meio do seu povo para os salvar, curar e alimentar. A palavra grega original kophinous, traduzida no vv.20 como “cestas” refere-se a uma pequena cesta de vime ou folhas de palma, usada para compras domésticas. A “bênção” não acontece por ser costume, mas porque por meio de Jesus, a fórmula é preenchida com um novo conteúdo: a presença do Cristo, que abre o acesso ao Pai (Jo 1.51). O povo e especialmente os discípulos viram que a ação de graças de Jesus produziu milagres, e aprenderam que um método milagroso que traz bênçãos é agradecer pelo pouco que temos, e dividi-lo com o próximo.

3 Jesus “insistiu” para que os discípulos saíssem depressa. A palavra grega usada aqui é enfática e significa “compeliu”, sugerindo uma forte transição. João registra que depois do milagre dos pães e peixes, as multidões pretendiam proclamar Jesus rei dos judeus, à força (Jo 6.15), o que indicava uma compreensão totalmente errada da missão de Cristo; nesse momento os discípulos também haviam sido influenciados por essas idéias e Jesus precisou ser enérgico com eles e enviá-los para o outro lado do mar. O dia judaico, isto é, o intervalo entre a aurora e o crepúsculo, era dividido em três partes: manhã, meio-dia e tarde (Sl 55.17). Os judeus distinguiam duas tardes no dia: a primeira começava por volta das três horas, e a segunda ao pôr-do-sol (Êx 12.6, literalmente: entre as tardes). Portanto, os judeus contavam apenas três vigílias. No v. 13, trata-se da primeira tarde; no v. 23 refere-se à segunda. Mateus faz registro de Jesus orando apenas aqui e no Getsêmani (26.36-46). Para os romanos, entretanto, a noite era dividida em quatro vigílias: 1) das 18 às 21h. 2) das 21h à meia noite. 3) da meia noite às 3h e 4) das 3h às 6h. O estádio (em grego stadion), termo que aparece em algumas versões, equivalia a 1/8 de milha romana, ou cerca de 185 metros.

Durante a madrugada, Jesus se aproxima do barco sobre o mar revolto e lhes pede para ter bom ânimo (na KJ de 1611 Be of good cheer!). Literalmente: “tenham coragem”. E, em seguida, revela a razão de se ter ânimo (coragem) e esperança no meio das aflições: Sou Eu, mas que no original vem grafado: Eu Sou (em grego egô eimi), o nome e o caráter de Deus (Êx 3.14). A proximidade do Senhor lança fora todo temor, destrói o mal e enche a alma de paz, alegria e vontade renovada de viver. Por isso, no Reino de Deus, ser é mais importante que ter.

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29 Então Jesus lhe responde: “Vem!” E Pe-dro, deixando o barco, andou por sobre as águas e foi na direção de Jesus.30 Todavia, reparando na força do vento, teve medo, e começando a afundar, gri-tou: “Senhor! Salva-me!”31 Jesus estendeu imediatamente a mão, segurou-o e lhe disse: “Homem de pe-quena fé, por que duvidaste?”.32 Assim que ambos entraram no barco, cessou o vento.33 Então os que estavam no barco adora-ram-no, exclamando: “Verdadeiramente Tu és o Filho de Deus”.4 34 Depois de atravessarem o mar, chega-ram a Genesaré.

Jesus curou a todos que o tocaram35 Quando os homens daquele lugar re-conheceram Jesus, divulgaram a notícia em toda aquela região e lhe trouxeram todos os enfermos.36 Suplicavam então a Ele que ao menos pudessem tocar na borda do seu manto. E todos os que nele tocaram ficaram plenamente sãos.

Jesus, as tradições e a Lei (Mc 7.1-23)

15 Então alguns fariseus e escribas, vindos de Jerusalém, foram até

Jesus e questionaram:2 “Por que os seus discípulos transgridem a tradição dos anciãos? Visto que eles não lavam as mãos antes de comer!”.3 Ponderou-lhes Jesus: “E porque trans-gredis vós também o mandamento de Deus, por causa da vossa tradição?4 Pois Deus ordenou: ‘Honra a teu pai e a tua mãe’, e ainda, ‘Quem amaldiçoar seu pai ou sua mãe seja punido com a morte’. 5 Contudo, vós dizeis que se alguém disser a seu pai ou a sua mãe: ‘Oferta é ao Senhor a ajuda que de mim devias receber’;6 esse jamais estará obrigado a honrar seu pai ou sua mãe com seus bens. E assim invalidastes a Palavra de Deus, por causa da vossa tradição.1

7 Hipócritas! Bem profetizou Isaías sobre vós, denunciando: 8 ‘Este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim.9 Em vão me adoram; pois ensinam dou-

4 Apenas Mateus registra esse episódio na vida de Pedro. A expressão em aramaico, usada pelos discípulos para concluir tudo o que se passou naquela madrugada no meio do mar da Galiléia, aqui traduzida como Verdadeiramente Tu és o Filho de Deus, significa que aqueles homens haviam reconhecido, sem sombra de dúvida, que Jesus de Nazaré e Deus (Yahweh) são a mesma pessoa. Genesaré, também conhecida como Planície Estreita, ficava do lado ocidental do mar da Galiléia, ao norte de Magdala. Essa planície era um grande jardim na Palestina, fértil e todo irrigado, com cerca 6,5 km de extensão e 3 km de largura. As pessoas receberam a Jesus com grande fé, e muitas maravilhas Ele realizou ali (Mc 5.28; At 19.12).

Capítulo 151 Os escribas e fariseus chegaram de Jerusalém para reforçar o grupo dos inimigos de Jesus, que já estava se estruturando, como

no caso dos fariseus com os herodianos (Mc 3.6). Mais tarde, até os saduceus, tradicionalmente rivais dos fariseus, se juntariam aos perseguidores do Senhor (Mt 16.6). A “tradição dos anciãos” era a interpretação oral e escrita da Lei de Moisés, mas com muitas outras doutrinas e preceitos que foram sendo adicionados com o tempo; e que tinha autoridade quase igual a da própria Lei, entre os fariseus (5.43). Todas essas orientações deram origem, mais tarde (200 a.D.) à Mishná, a parte mais importante do Talmude, que é a fonte da lei judaica. O legalismo e o volume de pequenos preceitos haviam crescido tanto que a simples tradição, por motivos higiênicos, de se lavar as mãos antes das refeições, tornou-se um ritual de purificação para afastar a mínima possibilidade de um judeu ter sido contaminado pela poeira vinda de algum pagão (10.14). A ocupação romana intensificou esse estado de “guerra contra a impureza” mediante o cumprimento de inúmeras doutrinas e obrigações religiosas. A intenção por traz dessas práticas, entretanto, era conseguir o favor de Deus para a expulsão dos pagãos (romanos). Jesus passa a citar os mandamentos (Êx 20.12; Dt 5.16; Êx 21.17; Lv 20.9), mostrando como a tradição dos judeus e muitas interpretações e práticas religiosas estavam em desacordo com a própria Lei e, portanto, se constituíam em maior pecado contra Deus. Por exemplo, se alguém desejava livrar-se da responsabilidade judaica de cuidar dos pais idosos, era só fazer uma declaração falsa de que havia doado seus bens ao templo (em hebraico korban, quer dizer, oferta). Assim, os bens dessa pessoa seriam registrados em nome do templo como uma oferta ao Senhor, até a morte dos pais, quando então se “negociaria” com os escribas, um valor a ser pago para reavê-los. Jesus censura esse tipo de amor às regras, maior do que o amor devido a Deus e às pessoas (Is 29.13). Adverte que a comida que não foi preparada segundo as tradições dos antigos mestres não prejudica o corpo ou traz pecado sobre a alma (At 10.10-15). Jesus usa um vocábulo raro (em grego aphedrôna), que significa: esgoto, privada, latrina. O que profana (em grego koinein), ou seja, torna uma pessoa comum, impura e, portanto, sem direito a participar do culto público ou, sequer, aproximar-se de Deus em oração, é o mal concentrado no íntimo do ser humano e que é expresso por meio das palavras da boca (Tg 3.6-12).

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trinas que não passam de regras criadas por homens’”.10 Então, Jesus conclamou a multidão a aproximar-se e pregou: “Ouvi e entendei!11 Não é o que entra pela boca o que tor-na uma pessoa impura, mas o que sai da boca, isto sim, corrompe a pessoa”.12 Então, aproximando-se dele os discí-pulos, avisaram: “Sabes que os fariseus se ofenderam quando ouviram essas tuas palavras?”.13 Mas Ele respondeu: “Toda planta que meu Pai celestial não plantou será arran-cada.14 Deixai-os! Eles são guias cegos guian-do cegos. Se um cego conduzir outro cego, ambos cairão no buraco”.15 Então, pediu-lhe Pedro: “Explica-nos a outra parábola?”.16 Ao que Jesus replicou: “Também vós não compreendeis até agora?17 Não entendeis ainda que tudo o que entra pela boca desce para o estômago, e mais tarde é lançado no esgoto?18 Entretanto, as coisas que saem da boca vêm do coração e são essas que tornam uma pessoa impura. 19 Porque do coração é que procedem os maus intentos, homicídios, adultérios, imoralidades, roubos, falsos testemu-nhos, calúnias, blasfêmias.20 Essas coisas corrompem o indivíduo, mas o comer sem lavar as mãos não o torna impuro”.

Jesus atende ao clamor dos gentios(Mc 7.24-30)21 Deixando aquele lugar, Jesus retirou-se para a região de Tiro e de Sidom.

22 E eis que uma mulher cananéia, natural daquelas regiões, veio a Ele, clamando: “Senhor! Filho de Davi, tem compaixão de mim! Minha filha está horrivelmente tomada pelo demônio”. 23 Ele, porém, não lhe respondeu qual-quer palavra. Então, os seus discípulos, aproximando-se, pediram-lhe: “Manda essa mulher embora, pois vem gritando atrás de nós”. 24 Ao que Jesus replicou: “Eu não fui en-viado, senão às ovelhas perdidas da casa de Israel”.2

25 Chegou então a mulher e o adorou de joelhos, suplicando: “Senhor, ajuda-me!”26 Ao que Jesus lhe respondeu: “Não é justo tirar o pão dos próprios filhos para alimentar os cães de estimação”.27 Ela, porém, replicou: “Sim, Senhor, mas até os cães de estimação, comem das miga-lhas que caem das mesas de seus donos”. 28 Então Jesus exclamou: “Ó mulher, grande é a tua fé! Seja feito a ti conforme queres”. E naquele exato momento sua filha ficou sã.

Outra multiplicação de pães(Mc 8.1-10) 29 Partiu Jesus dali e foi para a orla do mar da Galiléia; e, subindo a um monte, assentou-se ali.3

30 Então, multidões dirigiram-se a Ele, levando consigo mancos, aleijados, cegos, mudos e muitos outros doentes, e os colo-caram aos pés de Jesus; e Ele os curou. 31 O povo ficou atônito quando viu os mudos falando, os aleijados curados, os mancos andando e os cegos enxergando. E louvaram o Deus de Israel.

2 A expressão “cananéia” ocorre muitas vezes no AT, mas no NT, apenas aqui. Tem a ver com os descendentes dos cananeus que Josué expulsou de Canaã, a Terra Prometida, cuja civilização ficou estabelecida na cidade de Tiro. Marcos chamava essa senhora de “grega” (gentia), quer dizer, helênica, por causa de sua origem sírio-fenícia (Mc 7.26). A palavra “cães de estimação” ou “cachorrinhos”, como em algumas versões, vem do grego original kunarion, que significa: pequenos cães de colo. Jesus precisava deixar claro que a prioridade máxima de sua missão era salvar os judeus. Por algum motivo, aquela senhora grega e gentia compreendeu perfeitamente a mensagem de Jesus, e reverentemente, usou a própria metáfora do Senhor para reivindicar seu espaço no coração compassivo de Cristo. A fé daquela mulher humilde mostrou-se maior, mais verdadeira e pura que a fé de-monstrada pelos mestres e líderes religiosos que haviam contestado a santidade (pureza religiosa) de Jesus e seus discípulos.

3 O monte era uma subida para a planície atrás de Cafarnaum, no sentido de quem sobe do mar da Galiléia. Nesse lugar Jesus costumava pregar, ensinar e curar as muitas pessoas que sempre o procuravam; o mesmo local onde pregou o Sermão do Monte (5.1). Ao contrário do que pensam alguns teólogos, esse milagre não é apenas outra versão do mesmo fato ocorrido em 14.15-21. O próprio Jesus destaca claramente os dois acontecimentos (16.9 e10), além do que, essa segunda multiplicação ocorreu em

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32 Chamou Jesus os seus discípulos para dizer-lhes: “Tenho compaixão destas mui-tas pessoas, pois há três dias permanecem comigo e não têm o que comer. Não que-ro mandá-las embora em jejum, porque podem desfalecer no caminho”. 33 Mas os discípulos lhe disseram: “Onde poderíamos, encontrar, neste lugar deser-to, pães suficientes para alimentar tantas pessoas?”34 Perguntou-lhes Jesus: “Quantos pães tendes?” Ao que eles responderam: “Sete, e mais uns pequenos peixes”.35 Ele mandou, então, que o povo se as-sentasse no chão.36 Tomou os sete pães e os pequenos pei-xes e deu graças. Em seguida os partiu e os entregou aos discípulos, e estes distri-buíram à multidão.37 Todas as pessoas comeram até se far-tarem. E foram recolhidos sete grandes cestos, cheios de pedaços que haviam sobrado. 38 E assim, os que comeram eram quatro mil homens, sem contar as mulheres e as crianças. 39 A seguir, Jesus se despediu da multi-dão, entrou no barco e foi para a região de Magadã.

Religiosos pedem um sinal(Mc 8.11-13)

16 Os fariseus e os saduceus apro-ximaram-se de Jesus e, para o

provar, pediram que lhes mostrasse um sinal vindo do céu. 2 Então Ele lhes ponderou: “Quando começa a entardecer, dizeis: ‘Haverá bom tempo, pois o céu está avermelhado’.3 Ou, pela manhã, dizeis: ‘Hoje haverá tempestade, porque o céu está de um vermelho nublado’. Sabeis, com certe-za, discernir os aspectos do céu, mas

não podeis interpretar os sinais dos tempos?4 Esta geração perversa e infiel pede um sinal; mas nenhum sinal lhe será conce-dido, a não ser o sinal de Jonas”. Jesus se afastou, então, deles e partiu dali.

O fermento dos religiosos(Mc 8.14-21)5 Indo os discípulos para o outro lado do mar, esqueceram-se de levar pães. 6 E Jesus lhes falou: “Estejais alerta, e acautelai-vos do fermento dos fariseus e saduceus”.7 Entretanto, eles discutiam entre si, di-zendo: “É porque não trouxemos pães”.8 Percebendo a desavença, Jesus indagou: “Por que discordais entre vós, homens de pequena fé, sobre o não terdes pães?9 Não compreendeis até agora? Nem sequer lembrais dos cinco pães para cinco mil homens e de quantas cestas recolhestes?10 Nem dos sete pães para aqueles outros quatro mil e de quantos cestos recolhestes?11 Como não entendeis que não vos fala-va a respeito de pães? E, sim: tende, pois, cuidado com o fermento dos fariseus e saduceus”. 12 Compreenderam, então, que não lhes dissera que se guardassem do fermento dos pães, mas que se acautelassem da doutrina dos fariseus e saduceus.

Deus revela Jesus Cristo a Pedro(Mc 8.27-30; Lc 9.18-21)13 Quando Jesus chegou à região de Ce-saréia de Filipe, consultou seus discípu-los: “Quem as pessoas dizem que o Filho do homem é?”1

14 E eles responderam: “Alguns dizem que é João Batista; outros Elias; e ainda há quem diga, Jeremias ou um dos profetas”.

outro lugar (Decápolis, Mc 7.31), com um número diferente de pães e peixes, uma multidão menor, menos sobras recolhidas, os “cestos” (no original grego spyridas), mencionados aqui eram usados nos mercados da época e maiores do que as alcofas, pequenas “cestas” de vime ou folhas de palma, usadas na primeira multiplicação (14.20). Jesus toma um rumo diferente, após a segunda multiplicação, desta vez segue com seus discípulos para Magadã, também conhecida como Magdala e Dalmanuta (Mc 8.10), a cidade de Maria Madalena, que ficava entre Tiberíades e Cafarnaum.

Capítulo 161 A cidade de Cesaréia de Filipe ficava ao norte do mar da Galiléia, perto das encostas do monte Hermom. Seu nome antigo era

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15 Então Jesus interpelou: “Mas vós, quem dizeis que Eu sou?”.16 E, Simão Pedro respondeu: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo”.2

17 Ao que Jesus lhe afirmou: “Abençoado és tu, Simão, filho de Jonas! Pois isso não foi revelado a ti por carne ou sangue, mas pelo meu Pai que está nos céus.18 Da mesma maneira Eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do Hades não prevalecerão contra ela.3

19 Eu darei a ti as chaves do Reino dos céus; o que ligares na terra haverá sido li-gado nos céus, e o que desligares na terra, haverá sido desligado nos céus”.4

20 E, então, ordenou aos discípulos que a ninguém dissessem ser Ele o Cristo.

Jesus prediz seu sacrifício(Mc 8.31-9.1; Lc 9.22-27)21 A partir daquele momento Jesus co-meçou a explicar aos seus discípulos que era necessário que Ele fosse para Jerusa-

Panéias (em homenagem ao deus grego Pan). O filho de Herodes, Filipe, reconstruiu essa cidade, como parte de sua tetrarquia, e lhe deu um novo nome, em homenagem a Tibério César e a si mesmo. Essa era, portanto, uma região extremamente pagã. Jesus costumava se intitular de “o Filho do homem”, expressão que aparece mais de 80 vezes no NT, jamais se referindo a qualquer outra pessoa. No AT, em Dn 7.13,14, esse título é usado para retratar a personalidade celestial a quem, no final dos tempos, Deus confiou toda a sua glória, honra e poder (soberania divina).

2 Havia muitas lendas e superstições nessa época e lugar. O próprio Herodes cria na reencarnação de João Batista, que foi um profeta muito estimado pelo povo e até pelo rei. A volta de Elias foi profetizada em Ml 4.5 e muitos judeus ligavam o nome de Jeremias ao profeta prometido em Dt 18.15. Contudo, em meio a tantas idéias e correntes religiosas, Pedro (Bar-Jonas ou, melhor traduzido, filho de Jonas), que falou em nome dos discípulos (v. 20), é agraciado com a maior das revelações que uma pessoa pode receber de Deus: a compreensão de que Jesus de Nazaré (o Jesus histórico) é o Filho Unigênito de Deus, o Cristo prometido (Messias, em hebraico), que significa,Ungido. Palavra que, no original hebraico, transmite a idéia de uma pessoa escolhida por Deus, separada (consagrada, santificada), e revestida de poder para a realização de uma missão divina e específica na terra (Êx 29.7,21; 1Sm 10.1,6; 16.13; 2Sm 1.14,16). No final do AT, essa palavra passou a ter uma conotação particular: referia-se a um rei ideal, ungido e capacitado por Deus para libertar os judeus dos inimigos pagãos e estabelecer um reino de justiça e paz (Dn 9.25,26). Por isso, na época de Cristo, o título Messias tendia a uma compreensão política, nacionalista, revolucionária e militar e isso fez que Jesus evitasse usar o termo em relação à sua pessoa e missão (Mc 8.27-30; 14.61-63). Pedro obteve de Deus a revelação de que Jesus é o Messias prometido desde a antiguidade, o Cristo. Essa é a pedra (o alicerce) sobre a qual a Igreja seria construída e nada poderia deter o seu avanço e o cumprimento da sua missão até o Dia do Senhor.

3 Jesus comemora a bênção da revelação de Deus a Simão (nome comum em Israel, com origem no AT) conferindo-lhe um sobre-nome marcante. Jesus conviveu com várias pessoas com o nome de Simão: um dos filhos de José e Maria, seu irmão (Mt 13.55; Mc 6.3), um amigo leproso, na casa do qual foi ungido (Mt 26.6; Mc 14.3), um homem de Cirene, compelido a ajudá-lo a levar sua cruz e que, mais tarde, tornou-se cristão (Mc 15.21; At 13.1), um fariseu em cuja casa os pés de Jesus foram ungidos (Lc 7.40), Simão Iscariotes, pai de Judas (Jo 6.71; 12.4; 13.2). Na época dos apóstolos, houve um outro Simão, samaritano, ilusionista, feiticeiro e enganador, que misturava elementos de magia com ensinos helenísticos e judaicos. Foi o criador da doutrina gnóstica e alegava ser o principal representante de Deus na terra. Dizia-se convertido ao cristianismo, mas desejou comprar o poder dos apóstolos e recebeu enérgica repreensão de Simão Pedro (At 8.9-24). Em Pedro, temos o exemplo de que Jesus nos concede um novo nome, a marca espiritual da salvação e da bravura cristã. O nome Pedro (em grego Petros) significa “pedra separada” ou “homem-pedra”. Na frase seguinte, Cristo usou a palavra grega petra (“sobre esta rocha”), que significa “leito de rocha resistente” e que não era um nome próprio. Jesus utilizou a arte dos significados das palavras para ampliar o poder do que desejava comunicar aos seus discípulos, e não apenas para aqueles dias. Ele não disse “sobre ti, Pedro” ou “sobre teus sucessores”, mas sim “sobre esta rocha” – sobre esta revelação de Deus e sobre este seu testemunho de fé em Jesus. O uso do tempo futuro do verbo demonstra que a formação da Igreja ainda estava por acontecer. E, de fato, a Igreja – como a conhecemos hoje – teve início no dia de Pentecostes (At 2). Nos Evangelhos a palavra Igreja (em grego ekkesia ou ekklesia; e em latim ecclesia) é usada somente por Mateus, aqui e duas vezes em 18.17. Na Septuaginta (o AT em grego), é usada para identificar a congregação (sinagoga) de Israel. Entre os gregos, nos tempos de Jesus, significava a assembléia dos cidadãos livres e votantes da cidade (At 19.32,39,41). Hades (em grego haidês, e no hebraico Sheol) é a palavra grega que consta nos originais das Escrituras neste texto e significa o lugar onde estão os espíritos dos que morreram. Onde, também, os salvos desfrutam de paz e os descrentes de aflições. Todos, no entanto, aguardam a volta de Jesus, quando os cristãos desfrutarão plenamente das bênçãos da vida eterna e os incrédulos (os que, na terra, rejeitaram a salvação) o Juízo e a pena da segunda morte: o afastamento eterno de Deus (Gn 37.35; Jó 17.16). Assim sendo, “as portas do Hades” significam “os poderes da morte” e todas as forças opostas a Cristo. Algumas versões usam a palavra “inferno” (em grego geena que deriva do hebraico gê’ hinnõm, e significa: lugar de punição para pecadores), como sinônimo de Hades.

4 A partir daquele momento, Jesus estava concedendo a Pedro e aos demais discípulos, poder e autoridade para abrir as portas da cristandade aos judeus, prosélitos e mais tarde a todos os gentios e pagãos em todo o mundo. Pedro usou essas chaves com os judeus no dia de Pentecostes (At 2) e para os gentios na casa de Cornélio (At 10). Deus, e não os apóstolos ou discípulos, é quem inicia o “ligar” e o “desligar” nos céus. Os apóstolos devem proclamar tais fatos (At 5.3,9). Em Jo 20.22-23 Jesus fala de

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lém e sofresse muitas injustiças nas mãos dos anciãos, dos chefes dos sacerdotes e dos escribas, para então ser morto e res-suscitar ao terceiro dia.22 Pedro, porém, chamando-o à parte, começou a admoestá-lo, dizendo: “Deus seja gracioso contigo, Senhor! De modo algum isso jamais te acontecerá”.23 E virando-se Jesus repreendeu a Pedro: “Para trás de mim, Satanás! Tu és uma pedra de tropeço, uma cilada para mim, pois tua atitude não reflete a Deus, mas, sim, os homens”.5

24 Então Jesus declarou aos seus dis-cípulos: “Se alguém deseja seguir-me, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e me acompanhe.25 Porquanto quem quiser salvar a sua vida, a perderá, mas quem perder a sua vida por minha causa, encontrará a verdadeira vida. 26 Pois que lucro terá uma pessoa se ganhar o mundo inteiro, mas perder a sua alma? Ou, o que poderá dar o ser humano em troca da sua alma?

27 Mas o Filho do homem virá na glória de seu Pai, com os seus anjos, e então recompensará a cada um de acordo com suas obras. 28 Com toda a certeza vos afirmo que alguns dos que aqui se encontram não experimentarão a morte até que vejam o Filho do homem vindo em seu Reino”.6

A transfiguração de Jesus

17 Passados seis dias, Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e João, ir-

mão de Tiago, e os levou, em particular, a um alto monte.1

2 Ali Ele foi transfigurado na presença deles. Sua face resplandeceu como o sol, e suas vestes tornaram-se brancas como a luz.3 De repente, surgiram à sua frente Moi-sés e Elias, conversando com Jesus.4 Expressando-se Pedro, disse a Jesus: “Senhor, é bom estarmos aqui. Se dese-jares, farei aqui três tendas: uma para ti, uma para Moisés e outra para Elias”. 5 Enquanto ele ainda estava falando, uma nuvem resplandecente os envolveu, e

pecados; aqui ele está falando de práticas. Veja um exemplo dessas práticas determinativas em At 15.20. Jesus pede aos discí-pulos sigilo quanto à confissão pública de Pedro. Isso porque uma multidão dos seus seguidores queria proclamá-lo libertador nacional e iniciar logo uma revolução contra Roma. Crescia a inveja dos doutores da lei e líderes religiosos, contra Jesus, e já planejavam sua morte. O Senhor queria completar sua missão, mas o entusiasmo de Pedro e dos apóstolos poderia precipitar os acontecimentos (9.30; 12.16; Mc 1.44; 5.43; 7.36; 8.4; Lc 8.56).

5 O Senhor reconheceu nas palavras de Pedro a influência de Satanás; a mesma artimanha que o Inimigo usou no deserto para tentar persuadi-lo a ter compaixão de si mesmo e trocar o alto custo da sua missão pela glória e os prazeres deste mundo. Jesus usa a palavra aramaica Enganador, não para dizer que Pedro estava endemoninhado, mas para alertar a todos que é muito fácil cairmos na ilusão do Diabo e começarmos a pensar com os valores, conceitos e argumentos do pai da mentira. Jesus recorre à força da linguagem (palavra) e usa a metáfora: “pedra de tropeço”, que no original significa: “rocha de ofensa” ou “motivo de escândalo” (Rm 9.33), para admoestar Pedro quanto à sua recente revelação, nova posição no Reino de Deus e missão. Assim como a palavra hebraica traduzida por “Satanás”, a palavra grega “Diabo” significa “Acusador” ou “Caluniador”. Em Jó, essa expressão (Jo 1.6), no original hebraico, vem sempre acompanhada do artigo definido (o Acusador, o Caluniador, ou ainda, o Enganador), mas com o passar do tempo essa palavra virou o nome próprio do Inimigo (1Cr 21.1 com 2Sm 24.1; 1Sm 16.14 com 2Sm 24.16; 1Co 5.5; 2Co 12.7; Hb 2.14; Ap 2.9).

6 Uma semana depois desses acontecimentos, Pedro, Tiago e João presenciam o cumprimento dessa profecia na experiência da transfiguração de Cristo (17.1-8), que foi também uma antevisão da plenitude do Reino, com o Senhor aparecendo em glória (Dn 7.9-14). A passagem bíblica de 16.13 a 17.8 trata do ministério do discipulado cristão. Os versículos de 13-20 falam da obra do Messias; de 21-23 tratam da expiação; 24-26 advertem para o custo da missão; 27-17.8 dizem respeito à escatologia com suas recompensas. Juntos, esses textos, tratam das verdades fundamentais da teologia bíblica do NT.

Capítulo 171 Lucas fala em “cerca de oito dias” em seu texto paralelo (Lc 9.28), pois indica os seis dias de intervalo mais o dia em que Jesus

falou e o dia em que a transfiguração aconteceu em algum ponto do monte Hermom (com cerca de 3000 metros de altura), a 20 km de Cesaréia de Filipe. Como prometera, Jesus oferece a alguns discípulos (mais íntimos), uma antevisão da exaltação futura do Senhor e do pleno estabelecimento do seu Reino. Jesus foi visto em sua forma glorificada. Moisés comparece representando a antiga aliança e a promessa da salvação (que dentro em breve seria cumprida no sacrifício de Jesus). Elias representa os profetas e o cumprimento da Palavra de Deus. Lucas acrescenta que conversavam a respeito da iminente morte de Cristo (Lc 9.31). Jesus é revelado como a realidade gloriosa à qual a totalidade do AT apresenta como o cumprimento de toda a história da redenção

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dela emanou uma voz dizendo: “Este é o meu Filho amado em quem me regozijo: a Ele atendei!”. 6 Ao ouvirem isso, os discípulos prostra-ram-se com o rosto em terra e ficaram atemorizados. 7 Então Jesus, aproximando-se deles, tocou-os e disse: “Levantai-vos, e não temais!”.8 Ao erguer os olhos, a ninguém mais viram, senão somente a Jesus. 9 Enquanto desciam do monte, Jesus lhes ordenou: “A ninguém conteis a visão que tivestes, até que o Filho do homem res-suscite dentre os mortos”. 10 E os discípulos lhe perguntaram: “En-tão, por que os escribas ensinam que é preciso que Elias venha primeiro?”.11 Ao que Jesus lhes respondeu: “Elias, com certeza, vem e restaurará todas as coisas.212 Eu, todavia, vos afirmo: Elias já veio, mas eles não o reconheceram e fizeram com ele tudo quanto desejaram. Da mes-ma forma, o Filho do homem irá sofrer nas mãos deles”. 13 Os discípulos entenderam, então, que era a respeito de João Batista que Ele havia falado.

A cura do menino possesso14 Ao chegarem onde se reunia a multi-dão, um homem aproximou-se de Jesus, ajoelhou-se diante dele e clamou: 15 “Senhor, compadece-te do meu filho, pois tem sofrido horrivelmente com ata-ques epiléticos. Muitas vezes cai no fogo, e outras tantas, na água.3

16 Apresentei-o aos teus discípulos, mas eles não conseguiram curá-lo”.

17 Então Jesus exclamou: “Ó geração sem fé e perversa! Até quando estarei convos-co? Até quando vos terei de suportar? Trazei-me aqui o menino”.18 E Jesus repreendeu o demônio; este saiu do menino, que daquele momento em diante ficou são. 19 Então os discípulos chegaram-se a Jesus e, em particular, lhe perguntaram: “Por qual motivo não nos foi possível expulsá-lo?”.20 E Ele respondeu: “Por causa da peque-nez da vossa fé. Pois com toda a certeza vos afirmo que, se tiverdes fé do tama-nho de um grão de mostarda, direis a este monte: ‘Passa daqui para acolá’, e ele passará. E nada vos será impossível!21 Contudo, essa espécie só se expele por meio de oração e jejum”.

Jesus prediz novamente seu martírio 22 Ao se reunirem na Galiléia, compar-tilhou com eles, dizendo: “O Filho do homem está prestes a ser entregue nas mãos dos homens.23 Eles o matarão, mas no terceiro dia Ele será ressuscitado”. Então, profunda tristeza abalou os discípulos.

Jesus paga o imposto secular24 Quando Jesus e seus discípulos che-garam a Cafarnaum, os cobradores do imposto de duas dracmas abordaram a Pedro e questionaram: “O vosso mestre não paga o imposto das duas dracmas, ao templo?”.25 “Sim, paga”, respondeu Pedro. Mas quando ele entrou em casa, Jesus se

humana, desde o dia em que Abraão foi chamado para obedecer a Deus e abandonou tudo o que tinha, para receber a herança prometida (Gn 12.2,3; 15.4,5).

Na experiência da transformação de Jesus, Deus Pai intervém na história para consolar o Filho, que já estava a caminho da crucificação (22-23 com 16-21), e também aos discípulos, a fim de darem toda a atenção às palavras de Jesus e continuarem firmes na fé após sua morte e ascensão. Bem mais tarde, Pedro vai citar esse evento em suas pregações, como uma das provas irrefutáveis da divindade de Jesus, o Messias (2Pe 1.16-18).

2 Os mestres da lei (escribas) defendiam, com base em Ml 4.5-6, que Elias deveria reaparecer em Israel para anunciar a vinda do Messias. Contudo, Jesus demonstrou que foi João, o Batista, a pessoa que cumpriu essa missão profética, pois até suas vestes, maneira de viver e personalidade revelavam o caráter de um Elias, e esse era o sentido da profecia.

3 A expressão grega original, em algumas versões traduzida por “lunático”, significa: “epilético”. Evidentemente nem todo ataque epilético tem a ver com possessão demoníaca; mas, neste caso, o menino estava mesmo possuído por um demônio muito poderoso. Todavia, qualquer discípulo que tivesse fé e comunhão com Deus (jejum e oração) poderia expulsá-lo e curar o menino.

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antecipou e perguntou-lhe primeiro: “Simão, qual a tua opinião? De quem cobram os reis da terra impostos e tributos? Dos seus filhos ou dos estranhos?”.26 “Dos estranhos”, respondeu Pedro. Ao que Jesus concluiu: “Logo, estão, os filhos, livres dessa obrigação”.4

27 Entretanto, para que não os escan-dalizemos, vai ao mar, lança o anzol, e o primeiro peixe que fisgar, tira-o, e, abrindo-lhe a boca, acharás um es-táter. Retira aquela moeda e entregue a eles para pagar o meu imposto e o teu também.

Quem é o maior no Reino?(Mc 9.33-37,42-26; Lc 9.46-48)

18 Naquele momento os discípulos aproximaram-se de Jesus e per-

guntaram: “Quem é o maior no Reino dos céus?”.1

2 E Jesus, chamando uma criança, colo-cou-a no meio deles.3 E disse: “Com toda a certeza vos afirmo que, se não vos converterdes e não vos tornardes como crianças, de modo al-gum entrareis no Reino dos céus.2

4 Portanto, todo aquele que se tornar hu-milde, como esta criança, esse é o maior no Reino dos céus. 5 E quem recebe uma destas crianças, em meu nome, a mim me recebe.

Jesus adverte sobre as ciladas6 Entretanto, se alguém fizer tropeçar um destes pequeninos que crêem em mim,

melhor lhe seria amarrar uma pedra de moinho no pescoço e se afogar nas profundezas do mar.7 Ai do mundo, por causa das suas cila-das! É inevitável que tais ofensas ocor-ram, mas infeliz da pessoa por meio da qual elas acontecem!8 Sendo assim, se a tua mão ou o teu pé te fizerem cair em pecado, corta-os e lança-os fora de ti; pois melhor é entrares na vida, mutilado ou aleijado, do que, tendo as duas mãos ou os dois pés, seres atirado no fogo eterno.9 Se um dos teus olhos te faz pecar, ar-ranca-o, e lança-o fora de ti, pois melhor é entrares na vida com um olho só, do que, tendo os dois, seres lançado no fogo do inferno.

A parábola da ovelha perdida (Lc 15.3-7)10 Tende todo cuidado para que não des-prezeis a qualquer destes pequeninos; pois Eu vos asseguro que seus anjos nos céus vêem continuamente a face de meu Pai celestial.3

11 Porque o Filho do homem veio para salvar o que se havia perdido.12 Que opinião tendes? Se um homem tiver cem ovelhas, e uma delas se desgar-rar, não deixará ele as noventa e nove nos montes, indo procurar a que se perdeu?13 E se conseguir encontrá-la, com toda a certeza vos afirmo que maior contenta-mento sentirá por causa desta do que pelas noventa e nove que não se extraviaram.

4 O imposto das duas dracmas era cobrado anualmente de todos os homens de 20 anos para cima, sendo destinado à manuten-ção do templo. Havia cobradores para outros valores e tipos de impostos (Êx 30.13; 2Cr 24.9; Ne 10.32). Valia meio estáter ou siclo, por pessoa (valor que correspondia a dois dracmas ou dois dias de trabalho braçal). Jesus se antecipa à confusão mental de Pedro, ao demonstrar que os membros da família real ficam isentos de pagar os impostos do Reino. Assim, Jesus, o Filho de Deus (dono do templo) não estaria pessoalmente obrigado a arcar com parte do sustento da casa do seu Pai (Lc 2.49). Como Pedro ainda não tinha entendido a amplitude desse conceito e, além disso, já havia se comprometido com o pagamento, Jesus ilustra para ele, e para nós, mais esse ensino sobre a Sua pessoa, Reino e Missão, além dos nossos deveres civis e religiosos (Rm 13.7).

Capítulo 181 Este é o último grande discurso de Jesus antes de ir para Jerusalém (Mc 9.33 com 17.25). Estavam todos reunidos na casa de

Pedro e Jesus notou que havia se manifestado entre seus discípulos o mal do ciúme, da inveja e da competição por proeminência no ministério.

2 A expressão grega straphete significa “virar”, “mudar completamente” e está relacionada a uma nova vida voltada (consagrada) para Deus e não apenas a adoção de certa religiosidade formal. Ser como as crianças, é admitir um novo começo e dispor-se humildemente a aprender a viver como cidadão do Reino.

3 A referência aos pequeninos pode ser tanto às crianças quanto ao novos (neófitos) na fé cristã. O escândalo e o desprezo

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14 Da mesma maneira, vosso Pai, que está nos céus, não deseja que qualquer desses pequeninos se perca.4

Como tratar o pecado de um irmão 15 Se teu irmão pecar contra ti, vai e, em particular com ele, conversem sobre a falta que cometeu. Se ele te der ouvidos, ganhaste a teu irmão.16 Porém, se ele não te der atenção, leva contigo mais uma ou duas pessoas, para que pelo depoimento de duas ou três testemunhas, qualquer acusação seja confirmada.5

17 Contudo, se ele se recusar a considerá-los, dizei-o à igreja; então, se ele se negar também a ouvir a igreja, trata-o como pagão ou publicano.18 Com toda a certeza vos asseguro que tudo o que ligardes na terra terá sido li-gado no céu, e tudo o que desligardes na terra terá sido desligado no céu.19 Uma vez mais vos asseguro que, se

dois dentre vós concordarem na terra em qualquer assunto sobre o qual pedirem, isso lhes será feito por meu Pai que está nos céus. 20 Porquanto, onde se reunirem dois ou três em meu Nome, ali Eu estarei no meio deles”.6

Quantas vezes se deve perdoar (Lc 17.3-4)21 Então, Pedro chegou perto de Jesus e lhe perguntou: “Senhor, até quantas ve-zes meu irmão pecará contra mim, que eu tenha de perdoá-lo? Até sete vezes?”. 22 E Jesus lhe respondeu: “Não te direi até sete vezes; mas, sim, até setenta vezes sete”.7

A parábola do servo que não perdoou23 “Portanto, o Reino dos céus pode ser comparado a certo rei, que decidiu acer-tar contas com seus servos.24 Quando teve início o acerto, foi trazi-

por essas pessoas teriam o efeito de uma cilada (uma armadilha provocada pelo Diabo), afastando-as da verdadeira vida em Cristo. O provocador de escândalos receberá o mais severo julgamento de Deus. Quanto aos anjos, são seres criados por Deus para Sua adoração e serviço. Há várias classes de anjos com diversas especialidades. Aqui, Jesus se refere aos anjos guardiões, destacados pelo Senhor para cuidar das crianças e do povo de Deus em geral (Sl 34.7; 91.11; At 12.15; Hb 1.14).

4 A história da ovelha perdida também se acha em Lc 15.3-7. Ali é aplicada aos incrédulos, mas aqui aos cristãos. O v.14 não exclui a possibilidade da perdição, mas ressalta que a vontade de Deus é que todos sejam salvos. A pessoa que vai para o inferno, desde já recusa a salvação e aceita – direta ou indiretamente – a condição de perdido, não porque Deus queira (25.41;1Tm 2.4). Jesus usou a mesma parábola para ensinar verdades diferentes em situações específicas.

5 Jesus orienta seus discípulos quanto aos passos que devem ser observados para resolver os problemas de relacionamento interpessoal, pecados evidentes, e casos de excomunhão da igreja (congregação local): 1) Como primeiro passo (muitas vezes ignorado), o crente que se sente vítima de alguma ofensa ou que descobre um pecado em seu irmão de fé, deve convidá-lo para uma conversa a sós (ninguém mais deve saber desse assunto) e tentar estabelecer um diálogo honesto, sincero e cordial com o ofensor, a fim de “ganhar o seu irmão”; ou seja, que haja acertos e reparações (se necessário) para que os dois obtenham paz e alegria, e sigam servindo ao Senhor, dando bom exemplo ao mundo. 2) No caso da recusa ou indiferença do ofensor, a pessoa ofendida deve convidar um ou mais irmãos maduros na fé, que chamarão o ofensor para uma conversa em grupo, onde se buscará o Conselho de Deus, as reparações necessárias e a celebração da paz em Cristo (Gl 6.1-5). Jesus cita o texto de Dt 19.15, da Septuaginta (o AT em grego), incorporando esse justo e sábio princípio da lei mosaica para benefício da Igreja Cristã. 3) No caso de total indiferença ou falta de arrependimento por parte do ofensor, os líderes espirituais da igreja devem ser informados pelo grupo que tentou trazer o irmão faltoso ao bom senso e à perfeita comunhão em Cristo. Os líderes devem fazer o possível para “não perder” o irmão faltoso. No caso de claro desrespeito à Palavra de Deus e à liderança da igreja, então esse pecador obstinado deve ser afastado da comunhão cristã, ao menos até que recobre a sensatez, reconheça suas faltas e se disponha sinceramente a viver de acordo com os princípios da Palavra de Deus (1Co 5.4-5; 1Tm 1.20).

6 Essas são promessas dirigidas a todos os discípulos de Cristo (cristãos totalmente consagrados ao Senhor), pois saberão agir com sabedoria celestial. O v.19 é uma das grandes promessas do Evangelho, em relação à oração. Entretanto, é preciso observar a conexão desse versículo com o seu contexto imediato e o conteúdo do capítulo. Ou seja, a promessa é dada aos discípulos reunidos, tendo Jesus Cristo em seu meio (v. 20), com o objetivo de restaurar um irmão que esteja vivendo no erro (pe-cado – v. 17). Jesus confirma a autoridade dos discípulos para o exercício dessa função (v. 18 e 16.19), e a promessa é cumprida porque agem da parte do Pai, em nome do Filho (v. 20). O verdadeiro entendimento e unidade entre os seres humanos é algo raro, mesmo entre os cristãos. Deus só exige um acordo entre as pessoas: que Jesus Cristo, seu Filho, seja a grande paixão da humanidade e o ponto comum e central da fé. Jesus é o fator básico da unidade (Jo 17.19-21). É possível discordar e viver em comunhão, respeito e cooperação no Reino.

7 Os rabis e mestres judaicos ordenavam perdoar até três vezes. Pedro sugeriu um salto espiritual: sete vezes! O número

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do à sua presença um que lhe devia dez mil talentos.8

25 Porém, não tendo o devedor como saldar tal importância, ordenou o seu se-nhor que fosse vendido ele, sua mulher, seus filhos e tudo quanto possuía, para que a dívida fosse paga.26 O servo, então, com toda a reverência, prostrou-se diante do rei e lhe implorou: ‘Sê paciente comigo e tudo te pagarei!’27 E o senhor daquele servo, teve compai-xão dele, perdoou-lhe a dívida e o deixou ir embora livre.28 Entretanto, saindo aquele servo, en-controu um dos seus conservos, que lhe estava devendo cem denários. Agarrou-o e começou a sufocá-lo, esbravejando: ‘Paga-me o que me deves!’29 Então, o seu conservo, caindo-lhe aos pés, lhe suplicava: ‘Sê paciente comigo e tudo te pagarei’.30 Mas, ele não queria acordo. Ao con-trário, foi e mandou lançar seu conservo devedor na prisão, até que toda a dívida fosse saldada.31 Quando os demais conservos, compa-nheiros dele, viram o que havia ocorrido, ficaram indignados, e foram contar ao rei tudo o que acontecera.32 Então o rei, chamando aquele servo lhe disse: ‘Servo perverso, perdoei-te de toda aquela dívida atendendo às tuas súplicas. 33 Não devias tu, da mesma maneira, com-

padecer-te do teu conservo, assim como eu me compadeci de ti?’34 E, sentindo-se insultado, o rei entre-gou aquele servo impiedoso aos carras-cos, até que lhe pagasse toda a dívida. 35 Assim também o meu Pai celestial vos fará, a cada um, se de todo o coração não perdoardes cada um a seu irmão”.

Casamento e Divórcio(Mc 10.1-12)

19 E aconteceu que, concluindo Jesus essas palavras, partiu da Galiléia e

dirigiu-se para a região da Judéia, no ou-tro lado do Jordão.2 Grandes multidões o seguiam e a todos curava ali.1

3 Alguns fariseus também chegaram até Ele e, para prová-lo, questionaram-lhe: “É lícito o marido se divorciar da sua esposa por qualquer motivo?”.2

4 E Jesus lhes explicou: “Não tendes lido que, no princípio, o Criador ‘os fez ho-mem e mulher’,5 e os instruiu: ‘Por este motivo, o homem deixará pai e mãe e se unirá à sua mulher, e os dois se tornarão uma só carne’? 6 Sendo assim, eles já não são dois, mas sim uma só carne. E, portanto, o que Deus uniu, não o separe o ser humano”.3

7 Replicaram-lhe: “Então por qual razão mandou Moisés dar uma certidão de divórcio à mulher e abandoná-la?”.

perfeito, completo. Mas, Jesus lhe respondeu com uma expressão matemática e filosófica que tende ao infinito. Ou seja: sempre! O cristão, por sua fé no Senhor, deve perdoar todas as vezes que o ofensor arrependido lhe pedir perdão. Só assim será possível ao crente compartilhar do amor, misericórdia e generosidade de Deus.

8 Jesus ilustra por que devemos perdoar sem limites. O perdão que Deus nos concedeu, ao nos abençoar com o dom da salva-ção, é tão grandioso, que qualquer ofensa que outro ser humano venha a praticar contra nós torna-se irrisória, embora possa nos fazer sofrer por algum tempo. Perdoar sempre dará mais espaço à plenitude divina em nossa alma. O “talento” era uma medida de peso, usada para pesar ouro e prata, equivalente, a cerca de 35 quilos. Cada talento valia cerca de 6.000 denários. O “denário” era uma moeda de prata que equivalia a um dia de trabalho braçal. Deus, finalmente, julgará a todos conforme seu amor longânimo e justiça severa; e espera de nós o mesmo senso de misericórdia (Tg 2.13).

Capítulo 191 Jesus entrou na região da Peréia, em direção a Jerusalém, onde hoje se situa a Jordânia. Na época fazia parte das terras (tetrar-

quia) de Herodes Antipas, ficava a leste do rio Jordão, estendendo-se do mar da Galiléia até próximo ao mar Morto (Lc 13.22).2 Mateus escreveu com o propósito de evangelizar os judeus, por isso, usa a expressão “Reino dos céus” significando “Reino de

Deus”, respeitando o cuidado extremo que os judeus tinham ao pronunciar o nome de Deus. Assim também, Mateus adiciona a frase “por qualquer motivo” a esse versículo, que não consta do texto paralelo escrito por Marcos (Mc 10.2). Isso, para esclarecer ao leitor quanto ao ensino de duas escolas rabínicas: Hillel, que permitia ao marido repudiar (rejeitar, mandar embora, abandonar, divorciar), sua esposa por qualquer motivo que o desgostasse, até mesmo pelo sabor ou preparo de uma refeição. E a escola Shammai, a qual pregava que o único motivo suficiente para um homem divorciar-se de sua esposa era a infidelidade conjugal comprovada.

3 Mais uma vez os doutores da Lei procuram desmoralizar Jesus, pois o assunto estava dividido, há muitos anos, entre duas

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8 Ao que Jesus declarou: “Moisés, por cau-sa da dureza dos vossos corações, vos con-cedeu separar-se de vossas mulheres. Mas não tem sido assim desde o princípio”.9 Eu, porém, vos afirmo: “Todo aquele que se divorciar da sua esposa, a não ser por imoralidade sexual, e se casar com outra mulher, estará cometendo adultério”.4

10 Então os discípulos consideraram: “Se estes são os termos para o marido e sua esposa, não é vantagem casar!”. 11 Mas Jesus ponderou-lhes: “Nem todos conseguem aceitar essa palavra; somente aqueles a quem tal capacidade é dada.12 Pois há alguns eunucos que nasceram assim do ventre de suas mães; outros foram privados de seus órgãos reprodu-tores pelos homens; e há outros ainda que a si mesmos se fizeram celibatários, por causa do Reino dos céus. Quem for

capaz de aceitar esse conceito, que o receba”.5

Jesus abençoa as crianças(Mc 10.13-16; Lc 18.15-17)13 Então, trouxeram-lhe algumas crian-ças, para que lhes impusesse as mãos e orasse por elas. Os discípulos, contudo, os repreendiam.14 Mas Jesus lhes ordenou: “Deixai vir a mim as crianças, não as impeçais, pois o Reino dos céus pertence aos que se tor-nam semelhantes a elas”.15 E, depois de ter-lhes imposto as mãos, partiu dali.6

Dificilmente os ricos serão salvos(Mc 10.17-31; Lc 18.18-30)16 Eis que alguém chegou perto de Jesus e consultou-o: “Mestre, que poderei fazer de bom para ganhar a vida eterna?”.7

grandes e respeitadas correntes de pensamento. Mas Jesus apela, novamente, para o espírito da Lei e não apenas para a letra. Jesus leva sua audiência para o princípio da criação e para o pensamento originário de Deus – O Criador – e cita a Septuaginta (AT em grego), defendendo assim a doutrina da inspiração das Escrituras (Gn 1.27; 2.23-24). Portanto, o propósito divino na criação é de que marido e esposa se unam de forma a se tornarem a mesma carne, sendo os corpos (o sangue) o meio para a unidade indissolúvel do parentesco e comunhão, fazendo, assim, do casamento, a mais profunda forma de unidade física e espiritual. Esse conceito vital deve ser ensinado às pessoas na época do namoro. Elas precisam aprender a namorar (se conhecer bem) segundo a vontade de Deus. Isso evitaria muitos problemas no casamento.

4 A intenção dos fariseus não era compreender a verdade, mas achar um pretexto para destruir Jesus. Eles recorrem, assim, à lei de Moisés (Dt 24.1). Mas Jesus demonstra que certas concessões, na história, não foram feitas por serem o plano original de Deus para a humanidade, mas em atenção aos pedidos insistentes da sociedade; da alma dos homens, dos seus corações arrogantes, vaidosos e egoístas. Características que acompanharam o ser humano após a sua Queda e que se relacionam com a influência do Diabo na terra (Gn 3.8-13; 22-24).

5 A palavra “eunuco” (em hebraico sãrïs) é derivada de um termo assírio que significa “aquele que é cabeça” ou “o braço direito”. No NT, o vocábulo grego eunouchos, é uma derivação de eunen echõ, que pode significar “conservar o leito” ou “manter a padrão”. Nos escritos de Heródoto aprendemos que nos países orientais os eunucos eram contratados especialmente para tomar conta dos haréns dos monarcas, sendo, entretanto, reputados como dignos de confiança em todos os sentidos. Em todos os casos, a palavra refere-se a pessoas da mais alta confiança do rei e pode ser usada no sentido de: “oficial da corte” ou “castrado”. Em At 8.27 ambos os sentidos estão em foco. Aqui, porém, a expressão original é clara e refere-se ao homem castrado. O judaísmo conhecia apenas duas categorias de eunucos: Os “feitos pelo homem” (em hebraico sãrïs ’ãdhãm), e aqueles que nasceram congenitamente incapazes ou sem libido (instinto e desejos sexuais) chamados de “natural” ou “eunuco do sol” (em hebraico sãrïs hammâ). Jesus usou uma metáfora para mostrar o radicalismo do amor: na união com Deus e com o próximo, na aliança do matrimônio e no ministério cristão. Jesus surpreende seus inquiridores com uma terceira classe de eunucos: os celibatários, aqueles que, de forma livre e espontânea, sacrificaram seus desejos naturais e legítimos por amor ao Senhor e para melhor e maior dedicação ao Reino de Deus. Em nenhum momento Jesus defendeu o asceticismo (doutrina dos primeiros séculos que exigia dos líderes cristãos a total abstinência sexual e punia severamente os pensamentos impuros). Jesus e Paulo (dois celibatários) deixam claro que não é necessário que um homem ou uma mulher se privem do casamento para serem bons obreiros ou líderes espirituais da Igreja de Cristo, isso é dom de Deus; e, portanto, é graça e não maldição. Pessoas com esse dom devem ser orientadas a dedicar-se exclusivamente ao Senhor e à Igreja; caso contrário, Satanás poderá se aproveitar disso e tentar recrutá-las para servir ao reino do mal (1Co 7.7,8,26,32-35). Orígenes, um dos pais da Igreja do século II, interpretando erradamente essa palavra de Jesus, entendendo-a de forma literal, mutilou a si mesmo.

6 Era costume dos judeus levar as crianças para serem abençoadas por um rabino que fosse mestre comprovado da Lei. Ao ouvirem o ensino de Jesus, as pessoas não tiveram dúvidas em enviar seus filhos para receberem a dádiva real (Gn 27). Entretan-to, Jesus aproveitou o evento para pregar sobre a chegada e a disponibilidade do Reino de Deus para todos que o recebessem com a humildade, sinceridade, fé e alegria das crianças (Mt 6.9; Rm 8.14).

7 Os judeus, no tempo de Cristo, criam que a realização de um grande e único ato digno podia garantir-lhes um lugar

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17 Questionou-o Jesus: “Por que me per-guntas a respeito do que é bom? Há so-mente um que é bom. Se queres entrar na vida eterna, obedeça aos mandamentos”.18 Ao que ele perguntou: “Quais?”. E Jesus lhe respondeu: “Não matarás, não adulterarás, não furtarás, não darás falso testemunho,19 honra a teu pai e a tua mãe, e amarás o teu próximo como a ti mesmo”.20 Replicou-lhe o jovem: “A tudo isso tenho obedecido. O que ainda me falta?”.21 Jesus disse a ele: “Se queres ser perfeito, vai, vende os teus bens, dá o dinheiro aos pobres, e terás um tesouro no céu. De-pois, vem e segue-me”.22 Ao ouvir essa palavra, o jovem afas-tou-se pesaroso, pois era dono de muitas riquezas.8

23 Então disse Jesus aos seus discípulos: “Com toda a certeza vos afirmo que dificilmente um rico entrará no Reino dos céus. 24 E lhes digo mais: É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do

que um rico entrar no Reino dos céus”.9 25 Ouvindo isso, os discípulos ficaram atônitos e exclamaram: “Sendo assim, quem pode ser salvo?”.26 Mas Jesus, fixando o olhar neles, re-velou-lhes: “Isso é impossível aos seres humanos, mas para Deus todas as coisas são possíveis”.

As recompensas no Reino27 Então Pedro manifestou-se dizendo: “Veja! Nós deixamos tudo e te seguimos; o que será, pois, de nós?”.28 Jesus lhes respondeu: “Com toda a certeza vos afirmo que vós, os que me seguistes, quando ocorrer a regeneração de todas as coisas, e o Filho do homem se assentar no trono da sua glória, também vos assentareis em doze tronos, para jul-gar as doze tribos de Israel.10

29 Também todos aqueles que tiverem deixado casas, irmãos, irmãs, pai, mãe, filhos ou terras, por causa do meu Nome, receberão cem vezes mais e herdarão a vida eterna.

privilegiado no céu. Outros acreditavam que a completa e restrita observância da Lei os levaria ao Reino de Deus. Lucas revela que esse jovem ocupava posição de grande prestígio (Lc 18.18). Marcos salienta que, ao aproximar-se de Jesus, correu e ajoelhou-se (Mc 10.17). O jovem possuía tudo o que alguém pode desejar, mas lhe faltava a certeza da vida eterna. Entretanto, ele não pensou na incompatibilidade que existe entre o mundanismo e o Reino de Deus (6.33). A riqueza gera soberba e arrogância, provocando rejeição à simplicidade e humildade que existe na fé em Cristo. Após a Queda, o ser humano perdeu a capacidade de ser bom e fazer o bem (continuamente). Por isso, Deus fez da Salvação um presente (dádiva), não podemos adquiri-lo, só nos é possível aceitá-lo (Ef 2.8).

8 Jesus mostra que o jovem em questão (assim como algumas pessoas) imaginava obedecer a todos os mandamentos da Lei: ele não matava, não roubava e não era um mau filho. Acontece que a própria Escritura garante que ninguém é capaz de cumprir a Lei e, por isso, precisamos desesperadamente da Graça do Senhor. O rapaz tinha tudo, e queria também ser perfeito (em grego teleios, aperfeiçoado, tendo alcançado a meta). Jesus, contudo, ao relacionar os mandamentos (Êx 20.12-16; Dt 5.16-20; Lv 19.18) omitiu “não cobiçarás”. Esse era, pois, justamente, o grande obstáculo para que o rapaz recebesse, de graça, a tão almejada vida eterna. Jesus não está ensinando que todo cristão deva ser pobre, muito menos que todo pobre vai para o céu. Ele estava provando o coração daquele homem para revelar a ele (e a nós) a necessidade de arrependimento e conversão dos pecados que, muitas vezes, pensamos que não temos.

9 Jesus recorre a outra metáfora: o maior animal na Palestina em contraste com a menor passagem conhecida pelo povo na época: o buraco de uma agulha. A expressão também se refere, curiosamente, a uma pequena entrada, situada ao lado da porta principal da cidade de Jerusalém, por onde (por motivos de segurança) um camelo não podia passar carregado e, mesmo assim, somente conseguia atravessá-la de joelhos (Mc 10.25). A salvação não é possível pelo esforço humano. É um ato sobrenatural de Deus, que busca corações humanos onde receba amor incondicional e tenha prioridade absoluta. Ele acrescentará todas as demais coisas necessárias (6.33-34). O amor ao dinheiro e às riquezas pode escravizar uma pessoa, exacerbando seu egoísmo e desviando-a do Reino (1Tm 6.9-10). Jesus faz ainda uma alusão ao AT e reafirma que para Deus nada é impossível (Gn 18.14; Jó 42.2; Zc 8.6-7).

10 A expressão grega palingenesia, aqui traduzida por “regeneração” refere-se ao mundo renovado do futuro (o novo céu e a nova terra de Ap 21.1). As doze tribos, com as dez tribos do norte (Israel), perdidas séculos antes de Cristo (pela mistura com po-vos gentios), serão restauradas para o julgamento (25.31; At 3.20-21; Ap 7.4-8). O outro único uso da palavra “regeneração” tem a ver com a renovação espiritual das pessoas (Tt 3.5). Jesus ensina que o Reino de Deus não é uma competição, como em quase tudo nas sociedades humanas. Jesus tranqüiliza Pedro e promete que todos os que tomarem parte em sua batalha, comparti-

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30 Entretanto, muitos primeiros serão últimos, e muitos últimos serão primei-ros”.

A parábola dos pagamentos

20 “Portanto, o Reino dos céus é se-melhante a um proprietário que

saiu ao raiar do dia para contratar traba-lhadores para a sua vinha.1

2 Depois de combinar com cada traba-lhador o pagamento de um denário pelo dia, os enviou ao campo das videiras.2

3 Por volta das nove horas da manhã, ao sair, viu na praça do mercado, outros que estavam parados, sem ocupação.3

4 Então lhes disse: ‘Ide vós também tra-balhar na vinha, e Eu vos pagarei o que for justo’. E eles foram.5 Tendo saído outras vezes, próximo do meio dia e das três horas da tarde, agiu da mesma maneira. 6 Ao sair novamente, agora em torno das cinco horas da tarde, encontrou outros que estavam sem trabalho, e indagou deles: ‘Por qual motivo estivestes aqui desocupados o dia todo?’7 E lhe informaram: ‘Porque não houve alguém que nos contratasse’. Então lhes falou: ‘Ide igualmente vós para o campo das videiras’. 8 Ao pôr-do-sol, o senhor da vinha or-denou ao seu administrador: ‘Chama

os trabalhadores e paga-lhes o salário, começando pelos últimos contratados e terminando nos primeiros’.4

9 Chegaram os que haviam sido contra-tados em torno das cinco horas da tarde, e cada um deles recebeu um denário.10 Quando vieram os que haviam sido contratados primeiro, deduziram que receberiam mais; contudo, também estes receberam um denário cada um. 11 No entanto, assim que o receberam, começaram a se queixar do proprietário da vinha,12 dizendo-lhe: ‘Estes últimos homens trabalharam apenas uma hora; apesar disso o senhor os igualou a nós que su-portamos o peso do trabalho e o calor do dia’. 13 Mas o dono da vinha, explicando, falou a um deles: ‘Amigo, não estou sendo injusto contigo. Não combina-mos que te pagaria um denário pelo dia trabalhado?14 Sendo assim, toma o que é teu, e vai-te; pois é meu desejo dar a este último tanto quanto dei a ti. 15 Porventura não me é permitido fazer o que quero do que é meu? Ou manifestas tua inveja porque eu sou generoso?’5

16 Portanto, os últimos serão primeiros, e os primeiros serão últimos. Pois muitos serão chamados, mas poucos escolhidos”.6

lharão igualmente das bênçãos de sua vitória completa e eterna. Entretanto, em 20.1-16, Ele adverte os seus seguidores sobre o perigo de julgar o assunto das recompensas divinas por um padrão meramente político, econômico e financeiro (terreno).

Capítulo 201 A declaração de Jesus feita em 10.30, é explicada por meio desta história e repetida em 20.16, enfatizando a soberana gene-

rosidade de Deus Pai. Essa parábola foi registrada apenas em Mateus.2 O denário ou dinheiro (em latim denarius) era uma moeda romana, de prata. Tinha o mesmo valor de um dracma (em grego

drachma), ou meio shekel judaico. Correspondia a um dia de trabalho de um soldado romano na época de Jesus. Um escrivão de documentos altamente qualificado, na Palestina daquele tempo, ganhava dois denários por dia.

3 A contagem das horas começava às 6h da manhã. Portanto, a terceira hora correspondia às 9h da manhã e assim por diante. Nos originais gregos, assim como na tradução KJ de 1611 constam as expressões: “da hora terceira; sexta; nona e da décima primeira hora”. Entretanto, o Comitê Internacional de Tradução da Bíblia King James decidiu, para melhor compreensão dessa parábola, pelo uso do atual sistema de divisão do dia natural em 24 horas. Tempo que a Terra leva para fazer uma rotação completa sobre si mesma.

4 A Lei de Moisés garantia aos trabalhadores pobres (que ganhavam salário mínimo, ou um denário por dia) que fossem pagos por seus contratadores até o fim do dia ou até que o brilho das primeiras estrelas pudesse ser observado no céu (Lv 19.13; Dt 24.14,15).

5 A parte final deste versículo no original grego é: “...ou o olho teu mau é porque eu bom sou?” Essa expressão está relacionada ao suposto poder de amaldiçoar que existe nos olhos de uma pessoa que inveja (não apenas do invejoso compulsivo). Desde o AT (1Sm 18.6-16), havia uma associação entre o olhar perverso e a inveja (daí a expressão popular: mau-olhado).

6 Esta parábola está repleta de ensino e sabedoria. Não é possível um comentário extenso aqui, mas é importante dizer que Jesus usou uma história bem conhecida dos judeus para esclarecer um pouco mais sobre como é a vida no Reino de Deus.

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Outra vez Jesus prediz seu sacrifício(Mc 10.32-34; Lc 18.31-34)17 Jesus estava, então, pronto para subir a Jerusalém, quando chamou à parte seus doze discípulos e lhes falou: 18 “Agora estamos subindo para Jerusa-lém, e o Filho do homem será entregue aos chefes dos sacerdotes e aos escribas. Eles o condenarão à morte.19 E o entregarão aos gentios para ser zombado, torturado e crucificado; mas ao terceiro dia Ele será ressuscitado!”.7

É preciso sabedoria para pedir(Mc 10.35-45)20 Naquele momento, aproximou-se de Jesus a esposa de Zebedeu, com seus filhos e, prostrando-se, fez um pedido a Ele.8

21 “O que desejas?” - perguntou Jesus. Ela respondeu: “Ordena que no teu Reino estes meus dois filhos se assentem um à tua direita, e o outro à tua esquerda”.22 “Não sabeis o que pedis!”, contestou-lhes Jesus. “Podeis vós beber o cálice que Eu estou prestes a beber e ser batizados com o batismo com o qual estou sendo batizado?”. E eles afirmaram: “Podemos!”.23 Então Jesus lhes declarou: “Certamen-te bebereis do meu cálice; mas quanto ao assentar-se à minha direita ou à minha esquerda, não cabe a mim outorgá-lo. Esses lugares pertencem àqueles a quem foram reservados por meu Pai”.9

24 Ao ouvirem isso, os outros dez ficaram injuriados contra os dois irmãos. 25 Então Jesus os chamou e explicou:

Desde o AT, muitos mestres e rabinos usavam parábolas para comunicar seus ensinos. Acontece que essa história, em várias versões, era contada para realçar a doutrina das recompensas divinas, e seguia a mesma linha moral da conhecida fábula de La Fontaine: “A Cigarra e a Formiga”. A história rabínica, em síntese, era assim: “Um rei recrutou muitos trabalhadores, mas um deles trabalhou muitos dias para o reino. No dia do pagamento, o rei pagou pouco aos que tinham trabalhado pouco e recompensou regiamente ao que fora fiel o tempo todo”. Ou seja: muito trabalho, muita recompensa; nenhum trabalho, punição ou nenhuma recompensa. Jesus, porém, dá um desfecho novo, inusitado e ameaçador ao recontar essa parábola tradicional. Jesus declarou que Deus dá recompensas aos seus filhos (Mt 5.12,46; 6.1; 5.16; 10.41). Mas, da mesma maneira inequívoca, ensinou que todos os que servem a Deus com a principal intenção de com isso “merecer” bênçãos e favores, perderão a verdadeira felicidade, aqui e na eternidade. Quem realiza boas obras contando com as recompensas, vai se aborrecer com a misericórdia e a bondade de Deus. É por isso que os judeus, especialmente os que mais se esforçavam (escribas e fariseus), começaram a odiar a Jesus. Eles tinham um lema na época: “A Torá (a Lei) foi dada a Israel para mostrar como adquirir méritos”. É até compreensível que eles se irritassem com o novo ensino e com a generosidade de Deus; e que muitos deles, como na parábola, de “primeiros” se tornaram “últimos”, ou como o irmão mais velho, que na história do “filho pródigo” irou-se e excluiu-se da alegria de reaver o irmão perdido (Lc 15.11-32). Jesus ensina também, através dessa parábola, que os judeus, os primeiros a receber a gloriosa chamada divina, não serão os primeiros a receber o galardão final (recompensa, prêmio), pois a Salvação não vem da herança racial, nem do legalismo religioso, mas da generosidade e graça divinas. Assim também, a Salvação é a maior gratificação que um ser humano pode receber em toda a sua vida e vale por toda a eternidade. Portanto, não existem “salvos de segunda classe”. Uma vez salvo; salvo de primeira classe e para sempre. Deus é soberano e, absolutamente tudo depende dele. O ser humano não pode fazer nada para salvar-se, a não ser aceitar humildemente a vontade do Senhor e andar segundo a Palavra. Entretanto, a graça de Deus pode transformar qualquer fariseu em um dos “primeiros” (novamente), como aconteceu com Saulo de Tarso, nosso irmão Paulo (At 9.1-31). A frase: “Pois, muitos serão chamados, mas poucos escolhidos”, não consta de alguns manuscritos gregos, embora faça referência às palavras de Jesus em 19.23-26 e refíra-se a parte de todas as revisões da KJ desde 1611 até hoje.

7 Esta é a última viagem de Jesus a Jerusalém. Teve início na cidade de Efraim (Jo 11.54), passando pela Galiléia (Lc 17.11), seguindo mais para o sul, chegando a Jericó, passando pela Peréia (Lc 18.35), por Betânia (Lc 19.29), até chegar a Jerusalém (Lc 19.41). Jesus desejou muito celebrar sua última Páscoa com seus discípulos; uma multidão de peregrinos os acompanhava. Jesus seria o Cordeiro Pascal da humanidade; mas nem seus discípulos mais chegados conseguiam entender por que o Messias haveria de ser humilhado e morto se as profecias apontavam para um grande libertador, maior que Moisés. Nesta terceira predição sobre o seu sacrifício, Jesus acrescenta que Ele não seria executado pelos judeus, que o apedrejariam, mas pelos gentios (romanos). Todos esses detalhes proféticos só fariam sentido na mente dos discípulos após a morte e ressurreição de Jesus (28.6).

8 Marcos nos revela que esses filhos de Zebedeu e Salomé (irmã de Maria, mãe de Jesus) eram os primos do Senhor: Tiago e João. O pedido foi feito numa reunião com Jesus, solicitada pela mãe dos dois apóstolos (27.56; Mc 10.35; 15.40; Jo 19.25). Tanto o pedido como a indignação dos outros discípulos revela que todas aquelas pessoas aguardavam para breve o estabelecimento do poderoso reino do Messias na terra, apesar da clara profecia sobre a Paixão do Senhor.

9 Jesus usa uma metáfora bastante conhecida dos judeus, especialmente no AT (Sl 75.8; Is 51.17-23; Jr 25.15-28; 49.12; 51.7), quase sempre associada ao juízo e à ira de Deus contra o pecado. A expressão hebraica: beber o cálice significava compartilhar do destino de alguém. Assim, o cálice refere-se ao castigo divino que Jesus teria de receber em lugar de cada ser humano. O batismo é outra figura de linguagem que, assim como o cálice, explica o sentido do sofrimento e morte do Senhor (Lc 12.50; Rm 6.3,4). Jesus demonstra mais uma vez sua absoluta divindade ao revelar que conhecia o destino dos discípulos, mas que não podia usurpar a

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“Sabeis que os governadores dos po-vos os dominam e que são as pessoas importantes que exercem poder sobre as nações.26 Não será assim entre vós. Ao contrário, quem desejar ser importante entre vós será esse o que deva servir aos demais.27 E quem quiser ser o primeiro entre vós que se torne vosso escravo. 28 Assim como o Filho do homem, que não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida como único resgate por muitos”.10

Os cegos recuperam a visão(Mc 10.46-52; Lc 18.35-43)29 Ao saírem de Jericó, uma grande mul-tidão acompanhava Jesus.30 De repente, dois cegos, que estavam assentados à beira do caminho, tendo ouvido que Jesus passava, puseram-se a gritar: “Senhor! Filho de Davi, tem mise-ricórdia de nós”.31 Entretanto, a multidão os repreendeu para que se calassem, mas eles clamavam ainda mais: “Senhor! Filho de Davi! Tem misericórdia de nós!”.32 Jesus, parando, chamou-os e lhes

perguntou: “O que quereis que Eu vos faça?”.11

33 “Senhor! Que se abram os nossos olhos”, responderam eles. 34 Jesus sentiu compaixão e tocou nos olhos deles. No mesmo instante os cegos recuperaram a visão e o seguiram.

Jesus é aclamado pelas multidões(Mc 11.1-11; Lc 19.28-40; Jo 12.12-19)

21 Ao se aproximarem de Jerusalém, chegaram a Betfagé, no monte

das Oliveiras. Então, Jesus enviou dois discípulos,1

2 e recomendou-lhes: “Ide ao povoado que está adiante de vós e logo encon-trareis uma jumenta amarrada, com seu burrico ao lado. Desamarrai-os e trazei-os para mim.2 3 Se alguém vos questionar algo, deveis dizer que o Senhor necessita deles e sem demora os devolverá”.4 No entanto, isso ocorreu para que se cumprisse o que fora dito por meio do profeta:5 “Dizei à filha de Sião: ‘Eis que o teu rei chega a ti, humilde e montado num bur-rico, um potro, cria de jumenta’”.

autoridade do Pai. Assim, Tiago foi o primeiro dos apóstolos a ser martirizado (At 12.2). A última parte da pergunta de Jesus não consta de alguns originais gregos, mas é clara em Mc 10.38 e consta de todas as revisões textuais da KJ desde 1611.

10 Não é aconselhável rejeitar a ajuda e o serviço dos nossos companheiros, mas “ser servidos” não deve ser a nossa ambição. Devemos seguir o exemplo de Jesus que, sendo Deus, entregou “a sua vida” ou “a sua alma” (em grego ten psychen autou) para pagar toda a punição imposta à humanidade pela quebra da ordem (Lei) de Deus no Éden: a morte eterna. Todo pecado demanda indenização, expiação e pagamento. A Lei de Deus jamais ordenou sacrifícios humanos; mas, em relação ao pecado original, era necessário que um ser humano sem pecado fosse imolado. Jesus se ofereceu para pagar nosso “resgate” (em grego lytron), palavra derivada do verbo grego luo que significa “libertar” e usada na época ao se tratar da alforria de escravos. Jesus usou outra forte me-táfora para comparar seu sacrifício ao ato de pagar o preço pedido pela venda de um escravo muito caro, comprado, todavia, para ganhar a liberdade. Por isso, os cristãos estão livres, de uma vez por todas, do poder e da escravidão do pecado (do erro) e da pena da morte eterna. Essa frase de Cristo é uma das poucas ocasiões em que a doutrina da redenção vicária é citada nos Evangelhos sinóticos (1Tm 2.6). A salvação é oferecida de graça a todos, mas apenas os “muitos” a recebem em seus corações (1Jo 1.12-14).

11 Mateus cita dois cegos, enquanto os demais sinóticos destacam apenas um (Mc 10.46-52; Lc 18.35-43). Realmente eram dois cegos, ocorre que Bartimeu, devido à sua personalidade, ganhou proeminência. A cura ocorreu durante a saída da Velha Jericó para a Nova Jericó.

Capítulo 211 Betfagé, em hebraico significa “Casa dos Figos” (Lc 19.29). Segundo o Talmude, era uma pequena vila situada a cerca de

um quilômetro a leste de Jerusalém, na encosta sul do monte das Oliveiras. Aqui tem início a última semana da vida humana de Jesus Cristo.

2 Jesus decide entrar em Jerusalém, desta vez, montado em um jumentinho (Jo 12.15). E isso, sob as homenagens das multi-dões, para demonstrar claramente que Ele era o Messias prometido há séculos (Zc 9.9). O Filho de Davi, escolhido para ocupar seu trono (1Rs 1.33,44). Os potros ou burricos (crias de jumenta), antes de serem submetidos a qualquer trabalho secular, eram especialmente considerados para trabalhos religiosos (Nm 19.2; Dt 21.3; Sm 6.7), e simbolizavam humildade, paz, e a majestade de Davi. Mateus revela o cuidado de Jesus em não apartar o jumentinho de sua mãe e levar ambos consigo para sua procissão triunfal como Rei de Israel.

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6 Então os discípulos foram e fizeram o que Jesus lhes havia mandado.3

7 Trouxeram-lhe a jumenta com o jumentinho, os selaram com mantas para cavalgar, e sobre as mantas Jesus montou. 8 Então, uma grande multidão estendia suas capas pelo caminho, muitos outros cortavam ramos de árvores e os espalha-vam pela estrada.9 E as multidões, tanto as que iam adi-ante dele, quanto as que o seguiam, pro-clamavam: “Hosana ao Filho de Davi! ‘Bendito seja Ele que vem em o Nome do Senhor!’ Hosana nas alturas!”4

10 Assim que Jesus entrou em Jerusalém, toda a cidade ficou alvoroçada, e comen-tavam: “Quem é este?”11 Então as multidões exclamavam: “Este é o profeta Jesus, vindo de Nazaré da Galiléia!”.

O templo é casa de oração! (Mc 11.15-19; Lc 19.45-48)12 Tendo Jesus entrado no pátio do tem-plo, expulsou todos os que ali estavam comprando e vendendo; também tom-bou as mesas dos cambistas e as cadeiras dos comerciantes de pombas.

13 E repreendeu-os: “Está escrito: ‘A mi-nha casa será chamada casa de oração’; vós, ao contrário, estais fazendo dela um ‘covil de salteadores’”.5

14 Então levaram a Jesus, no templo, ce-gos e aleijados, e Ele os curou.15 Entretanto, quando os chefes dos sacerdotes e os escribas viram as mara-vilhas realizadas por Jesus, e as crianças exclamando no templo: “Hosana ao Fi-lho de Davi!”, revoltaram-se e indagaram dele:16 “Não ouves o que estas crianças estão proclamando?”. Ao que Jesus lhes res-pondeu: “Sim. E vós, nunca lestes: ‘Dos lábios das crianças e dos recém-nascidos suscitaste louvor’”.17 E, deixando-os, saiu da cidade em di-reção a Betânia, onde passou a noite.6

A figueira que não deu fruto(Mc 11.12-14; 20-25) 18 Ao amanhecer, quando retornava para a cidade, Jesus teve fome.19 Avistando uma figueira à beira da estrada, aproximou-se dela, porém nada encontrou, a não ser folhas. Então decre-tou-lhe: “Nunca mais se produza fruto

3 O próprio Jesus usa a expressão: “Senhor” (Senhor de Israel) como seu título divino (16.18). Mateus usou as profecias regis-tradas na Septuaginta (AT em grego), em Is 62.11 e Zc 9.9 para mostrar que a maioria do povo havia compreendido que Jesus era mesmo o Rei-Messias prometido.

4 Hosana é uma expressão grega (hõsanna), que significa “Salva-nos!” e vem do hebraico transliterado (hôshi´â nã´), que quer dizer: “Salva, Senhor, por misericórdia!” Mateus revela que expressões de júbilo emanavam da multidão, e não que fosse uma frase só a ser repetida indefinidamente. Essa aclamação do povo é baseada em 2Sm 14.4, Sl 118.25-27 e Sl 148.1-2, cantada na Festa dos Tabernáculos e, em Mateus, aplicada a Jesus. Como um ato de homenagem régia, o povo pavimentou, com seus próprios mantos (capas), o caminho por onde passou o Senhor. Com o passar do tempo, a palavra “hosana” tornou-se uma exclamação de louvor e alegria espiritual.

5 O termo grego original (to hieron), que significa “o templo”, indica toda a área sobre o monte Moriá, ocupada pelos diversos re-cintos e a corte do templo. No domingo, após a entrada triunfal, Jesus continua sua obra de purificação da Casa do Senhor, iniciada três anos antes (Jo 2.14). Uma atitude para demonstrar o quanto os judeus haviam ofendido ao Senhor, permitindo que seus cora-ções fossem corrompidos pela ganância, dominados pelo pecado, e faltos de amor sincero para com Deus e com seu próximo. Isso ocorre infelizmente ainda hoje em alguns templos cristãos, e entre seus membros. Jesus citou as Sagradas Escrituras, usando, da versão Septuaginta (AT em grego), os textos de Is 56.7 com Jr 7.11. As ofertas, taxas e compras de animais para sacrifícios no templo só podiam ser pagas com moeda hebraica (siclo hebreu), pois as demais moedas eram cunhadas com a imagem de divindades pagãs ou do imperador, considerado pelos romanos e outros gentios como um deus. Entretanto, esse serviço de troca de moedas (câmbio), compra e venda de animais, e produtos para os sacrifícios, deveria ser realizado com dignidade, no “grande átrio exterior dos gentios”, um espaço reservado para essas atividades com mais de 50.000 m2. Todavia, os cambistas estavam explorando os romeiros que vinham de muito longe e com dinheiro gentio para ofertar e sacrificar no templo. Além disso, a venda dos animais cul-tualmente aceitáveis transformara-se apenas em lucrativo comércio, tanto que a área antes reservada já não comportava os estandes de vendas e haviam invadido até o recinto sagrado. Vários sacerdotes lideravam a corrupção institucionalizada no templo, posto que ao receberem os animais para holocausto, em vez de efetuarem o ritual do sacrifício, matavam apenas alguns deles, e repassavam todos os demais para comerciantes fraudulentos, que os revendiam sucessivas vezes.

6 Os líderes dos sacerdotes e os doutores da lei viram os milagres de Cristo e temeram por suas vidas e negócios. Tentaram enredar o Senhor num sofisma, ao alegar que um mestre tão zeloso como Jesus, não deveria deixar que crianças o adorassem

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em ti!”. E, no mesmo instante, a figueira ficou completamente seca.20 E quando viram o que ocorrera, muito se admiraram os discípulos e exclamaram: “Como foi possível esta figueira secar tão depressa?”.21 Então Jesus explicou-lhes: “Com certeza vos asseguro que, se tiverdes fé e não duvidardes, podereis fazer não apenas o que foi feito à figueira, mas da mesma forma ordenardes a este monte: ‘Ergue-te daqui e lança-te no mar’, e assim acontecerá.22 E tudo o que pedirdes em oração, se crerdes, recebereis”.7

Líderes religiosos duvidam de Jesus(Mc 11.27-33; Lc 20.1-8)23 Tendo Jesus chegado ao templo, en-quanto ensinava, acercaram-se dele os chefes dos sacerdotes e os anciãos do povo e o questionaram: “Com que auto-ridade fazes estas coisas aqui? E quem te deu essa autorização?”.8

24 Jesus, porém, replicou-lhes: “Eu igual-mente vos lançarei uma questão. Se me responderdes, também Eu vos direi com que autoridade faço o que faço.25 De onde era o batismo de João? Divino ou humano?”. E eles discutiam entre si, avaliando: “Se respondermos: divino, Ele

nos indagará: ‘Sendo assim, por que não acreditastes nele?’26 Porém, se alegarmos: humano, teme-mos o povo, pois todos consideram João como profeta”.27 Por isso disseram a Jesus: “Não sa-bemos!”. Ao que Jesus afirmou-lhes: “Nem Eu vos direi com que autoridade procedo.9

A parábola do pai e dois filhos28 Agora, qual a vossa opinião? Um ho-mem tinha dois filhos. Aproximando-se do primeiro, pediu: ‘Filho, vai trabalhar hoje na vinha’. 29 Mas este filho lhe disse: ‘Não quero ir’. Todavia, mais tarde, arrependido, foi.30 Então chegou o pai até o segundo filho e fez o mesmo pedido. Então este lhe res-pondeu: ‘Sim, senhor!’ Mas não foi.31 Qual dos dois fez a vontade do pai?”. Ao que eles responderam: “O primeiro”. Então Jesus lhes revelou: “Com toda a certeza vos afirmo que os publicanos e as prostitutas estão ingressando antes de vós no Reino de Deus.32 Porquanto João veio para vos mos-trar o caminho da justiça, mas vós não acreditastes nele; em compensação, os cobradores de impostos e as meretrizes creram.Vós, entretanto, mesmo depois

como se fosse Deus. Entretanto, Jesus citou novamente as Escrituras e revelou que mais uma profecia acerca dele se cumpria naquele momento (Sl 8.2). Jesus foi, então, para a casa dos seus queridos amigos Lázaro e suas irmãs, Marta e Maria, que ficava em Betânia, uma aldeia no declive oriental do monte das Oliveiras, uns dois quilômetros a leste de Jerusalém.

7 Mateus condensava suas narrativas, em contraste com o texto dos demais autores sinóticos (Marcos e Lucas). Marcos situa a maldição da figueira na manhã de segunda-feira, mas na terça-feira pela manhã foi que os discípulos, passando por ela outra vez, a observam completamente aniquilada (Mc 11.12-14, 20-25). Mateus, mais tarde, ao escrever seu Evangelho (testemunho ocular da vida, mensagem e sinais de Jesus), segundo a inspiração do Espírito Santo, enfatiza o caráter imediato do Juízo de Deus. Diversas podem ser as inferências teológicas acerca dessa passagem, especialmente em relação a Israel (Os 9.10; Na 3.12). Con-tudo, a única aplicação que o próprio Senhor Jesus faz, tem a ver com a eficácia da oração que não duvida do poder de Deus.

8 Aqui começa a terça-feira da chamada “Semana Santa”. O Sinédrio (supremo juiz da corte de Israel) decide apelar para o legalismo e pede credenciais autorizadas a Jesus por estar realizando um ato oficial no templo. Eles já haviam usado essa estratégia com João Batista (Jo 1.19-25) e, em outra ocasião, com o próprio Jesus (Jo 2.18-22). Os líderes religiosos sentiam em Jesus uma forte ameaça à sua posição, privilégios e lucros financeiros ilícitos. Por isso, procuravam apresentá-lo como um revolucionário, fora da lei, e inimigo de Roma.

9 Grandes oradores e conhecedores do poder da palavra, os líderes religiosos procuram comprometer a Jesus por meio de um questionamento ardiloso. Jesus é levado a declarar publicamente que era o Messias (como o povo aclamava). Assim poderiam prendê-lo e entregá-lo aos romanos. A outra opção seria negar sua autoridade divina, passando então a ser totalmente desacre-ditado pela multidão que o acompanhava. Jesus apelou para o testemunho de João Batista acerca dele e lhes propôs também uma questão (Jo 1.32-34).

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de presenciardes a tudo isso, não vos arre-pendestes para acreditardes nele.10

A parábola dos vinicultores maus(Mc 12.1-12; Lc 20.9-19)33 E mais, atentai a esta parábola: Havia um certo proprietário de terras, que plantou um campo de videiras. Ergueu uma cerca ao redor delas, construiu um tanque para prensar as uvas e edificou uma torre. Finalmente, arrendou essa vinha para alguns vinicultores e foi viajar.11

34 Chegando a época da safra, enviou seus servos até aqueles lavradores, para receber os seus dividendos.35 Porém os lavradores atacaram seus servos; a um espancaram, a outro mata-ram, e apedrejaram o terceiro. 36 Então lhes mandou outros servos, em maior número do que da primeira vez, mas os lavradores os trataram da mesma maneira.37 Por fim, decidiu enviar-lhes seu pró-prio filho, considerando: ‘Eles respeita-rão o meu filho’. 38 Contudo, assim que os lavradores viram o filho, tramaram entre si: ‘Este é o herdeiro! Então vamos, nos unamos para matá-lo e apoderemo-nos da sua herança’.39 E assim, eles o agarraram, jogaram-no

para fora da plantação de videiras e o assassinaram.12

40 Sendo assim, quando vier o dono da vinha, o que fará com aqueles lavradores?”.41 Diante disso, responderam-lhe: “Ele destruirá esses perversos de forma ter-rível e arrendará seu campo de videiras para outros cultivadores que lhe enviem a sua parte no devido tempo das colhei-tas”.13

42 Então Jesus lhes inquiriu: “Nunca lestes isto nas Escrituras? ‘A pedra que os construtores rejeitaram, tornou-se a pedra angular; e isso procede do Senhor, sendo portanto, maravilhoso para nós’.43 Por isso, Eu vos declaro que o Reino de Deus será retirado de vós para ser entregue a um povo que produza frutos dignos do Reino.44 Todo aquele que cair sobre esta pedra se arrebentará em pedaços; e aquele sobre quem ela cair ficará reduzido a pó!”.14

45 Depois que os chefes dos sacerdotes e os fariseus ouviram as parábolas que Je-sus lhes havia contado, compreenderam que era sobre eles próprios que Jesus estava falando. 46 E por causa disso procuravam um motivo para prendê-lo; mas tinham receio das multidões, porquanto elas o consideravam profeta.

10 As versões de Almeida invertem a posição dos versículos 29 e 30. Entretanto, a Bíblia King James e a NVI seguem a mesma ordem original. Jesus resolve o debate com os sacerdotes, propondo duas histórias (as respostas parabólicas de Jesus). A autoridade maior vem da obediência amorosa e sincera a Deus; não de uma liderança autoritária, maquiavélica e despótica, que depende apenas de títulos e diplomas e, ainda mais, corrompida pela falta de dignidade. Como podem os eleitos para cuidar da Casa do Senhor (autoridades eclesiásticas), rejeitar o dono da Casa e o Evangelho do Reino?

11 Segundo a tradição rabínica, uma “torre” deveria ser construída na vinha, para abrigar o responsável pelo campo, que vigiava a plantação, especialmente quando chegava o tempo da colheita e as uvas ficavam maduras. Era, normalmente, uma plataforma elevada feita de madeira, com cerca de 5m de altura por 2m de lado.

12 Assim como seria um absurdo que os agricultores de um campo arrendado pudessem herdar essa terra ao assassinar seu dono, maior loucura foi os líderes espirituais e teólogos da época imaginarem que a incriminação e a crucificação de Jesus Cristo, o Filho de Deus, lhes garantiria a herança e o domínio de Israel.

13 Ao se escandalizarem com o erro dos outros, sem atentarem para seus pecados, e julgarem severamente os lavradores da parábola de Jesus, os sacerdotes estavam decretando sua própria punição: os judeus que não aceitassem a verdadeira men-sagem de Deus em Cristo ficariam sem a herança espiritual. No ano 70 d.C. o Templo e toda a cidade de Jerusalém sofreram a mais arrasadora destruição até hoje registrada em sua história. Uma vez que o Evangelho foi rejeitado pelos judeus, Deus dirige sua graça salvadora aos gentios, salva e convoca Paulo para ser seu apóstolo (em grego apostellõ, enviado por Deus com uma missão específica). Já no segundo século da era cristã, a Igreja era composta, quase que totalmente, por não judeus (gentios).

14 Jesus é o alicerce seguro, a pedra fundamental, para todos aqueles que confessam o seu nome e edificam suas vidas nele, passando assim a fazer parte do grande edifício de Cristo, como pedras vivas (16.18; 1Pe 2.4-5). Entretanto, para os que rejeitam o Senhor, recusando-se a crer em Jesus, o Cristo (o Messias prometido), Ele se torna em pedra de tropeço e de condenação

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A parábola do banquete nupcial(Lc 14.15-24)

22 Jesus continuou a pregar-lhes por meio de parábolas, dizendo:

2 “O Reino dos céus é semelhante a um rei que mandou realizar um banquete nupcial para seu filho.1 3 E, por isso, enviou seus servos a concla-mar os convidados para as bodas do fi-lho; mas estes rejeitaram o chamamento.4 Uma vez mais, mandou outros servos, com esta ordem: ‘Dizei aos que foram convidados que lhes preparei meu ban-quete; os meus bois e meus novilhos gordos foram abatidos, e tudo está pre-parado. Vinde todos os convidados para as bodas do meu filho!’2

5 Mas os convidados nem deram atenção ao chamado dos servos e se afastaram: um para o seu campo, outro para os seus negócios.6 E outros ainda, atacando os servos, maltrataram-nos e os assassinaram. 7 O rei indignou-se sobremaneira e, en-viando seu exército, aniquilou aqueles criminosos e incendiou-lhes a cidade.3

8 Então, disse o rei a seus servos: ‘O ban-quete de casamento está posto, contudo os meus convidados não eram dignos. 9 Ide, pois, às esquinas das ruas e convi-dai para as bodas todas as pessoas que encontrardes.10 E, assim, os servos saíram pelas estra-das e reuniram todos quantos puderam

encontrar, gente boa e pessoas más, e a sala do banquete das bodas ficou repleta de convidados. 11 Entretanto, quando o rei entrou para saudar os convidados que estavam à mesa, percebeu que um homem não trajava as vestes nupciais. 12 E indagou-lhe: ‘Amigo, como aden-traste este recinto sem as suas vestes próprias para as bodas?’ Mas o homem não teve resposta.13 Então, ordenou o rei aos seus servos: ‘Amarrai-lhe os pés e as mãos e lançai-o para fora, às trevas; ali haverá grande lamento e ranger de dentes’.4

14 Portanto, muitos são chamados, mas poucos, escolhidos!”.

Dai a César o que é de César (Mc 12.13-17; Lc 20.20-26)15 E, assim, se afastaram os fariseus, tra-mando entre si como fariam para enre-dar a Jesus em suas próprias afirmações. 16 Então, mandaram-lhe seus seguidores juntamente com alguns herodianos, que lhe questionaram: “Mestre, sabemos que és íntegro e que ensinas o caminho de Deus, de acordo com a verdade, sem te deixares induzir por quem quer que seja, pois não te seduzes pela aparência das pessoas. 17 Sendo assim, dize-nos: que te pareces? É correto pagar impostos a César ou não?”.5

18 Contudo, Jesus percebeu a má inten-

eterna (Is 8.14-15; Lc 20.17; Rm 9.32; 1Pe 2.6-8). Assim como um vaso de barro se despedaça ao ser arremessado contra uma rocha, ou é esmagado ao ser atingido por uma enorme pedra, da mesma forma virá a destruição sobre todos aqueles que rejei-tarem o senhorio de Cristo (Is 8.14; Dn 2.34,35,44; Lc 2.34). É importante notar que, mais tarde, o apóstolo Pedro fez questão de salientar que Jesus era a sua Pedra, Rocha Principal, seu Sustentador, e que cada indivíduo deve aceitar a Pedra (Jesus), para ser salvo e ganhar a vida eterna (At 4.8-12).

Capítulo 221 Jesus apresenta o Reino dos céus em outras parábolas, veja no capítulo 13.2 A proclamação do Evangelho é o doce e insistente convite do Rei do Universo a todo ser humano, para tomar parte em seu

maravilhoso banquete de núpcias. Ainda assim, muitas pessoas estão de tal forma iludidas com suas exigências presentes e materiais que se recusam a dar atenção à generosidade divina.

3 Todos aqueles que se apresentam como inimigos declarados do Evangelho, assim como os falsos cristãos, serão destruídos. Da mesma forma como a cidade de Jerusalém foi completamente arrasada e queimada pelos romanos, no ano 70 d.C.

4 Era costume, naquela época e região, o anfitrião fornecer roupas adequadas ao casamento, para os convidados que não pudessem comprá-las. Como esse grupo de pessoas veio diretamente das ruas, todos ganharam suas roupas cerimoniais. Entretanto, um daqueles novos convidados, rejeitou também a hospitalidade e a generosidade do rei. A veste nupcial simboliza a justificação com a qual Cristo veste todas as pessoas que aceitam o dom gratuito da Salvação (Rm 13.14; Ap 19.8).

5 Os fariseus, como nacionalistas radicais, eram contra o domínio romano. Os herodianos, entretanto, como a própria denomi-nação revela, apoiavam o império romano de Herodes. Mas, diante de uma ameaça maior, fariseus e herodianos se unem numa cilada dialética contra Jesus. Os maus se juntam no ataque ao Sumo Bem. Se a resposta de Jesus fosse “Não”, os herodianos

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ção deles e replicou-lhes: “Por que me tentais, hipócritas?19 Deixai-me ver a moeda com a qual se pagais os tributos”. E eles lhe mostraram um denário.20 Então lhes indagou: “De quem é esta figura e esta inscrição?”.21 Responderam-lhe: “De César!”. Então, lhes afirmou: “Portanto, dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus!”.22 Ao ouvirem tal resposta, ficaram per-plexos e, afastando-se dele, se retiraram.6

Os saduceus e a ressurreição (Mc 12.18-27; Lc 20.27-40) 23 Naquele mesmo dia, os saduceus, que pregam a inexistência da ressurreição, aproximaram-se de Jesus com uma questão:7

24 “Mestre, Moisés ensinou que se um homem morrer sem deixar filhos, seu irmão deverá casar-se com a viúva e dar-lhe descendência. 25 Entre nós havia sete irmãos. O primei-ro casou-se e morreu. Como não teve filhos, deixou a mulher para seu irmão. 26 Da mesma maneira ocorreu com o segundo, com o terceiro, até chegar ao sétimo.

27 Finalmente, após a morte de todos, a mulher também faleceu.28 Sendo assim, na ressurreição, de qual dos sete ela será esposa, considerando que todos foram casados com ela?”29 Então Jesus lhes esclareceu: “Vós estais equivocados por não conhecerdes as Es-crituras nem o poder de Deus!30 Na ressurreição, as pessoas não se ca-sam nem são dadas em matrimônio; são, todavia, como os anjos do céu. 31 E, com relação à ressurreição dos mortos, não tendes lido o que Deus vos declarou: 32 ‘Eu Sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó’? Por isso, Ele não é Deus de mortos, mas sim, dos que vivem!”.8

33 Ao ouvir tudo isso, as multidões fica-ram estupefatas com o ensino de Jesus.

O maior dos mandamentos(Mc 12.28-34)34 Assim que os fariseus ouviram que Jesus havia deixado os saduceus sem pa-lavras, reuniram-se em conselho. 35 E um deles, juiz perito na Lei, formulou uma questão para submeter Jesus à prova: 36 “Mestre, qual é o maior mandamento da Lei?”9

o delatariam ao governador romano, que teria o direito de executá-lo por traição. Se respondesse “Sim”, então os fariseus o denunciariam diante do povo judeu, por deslealdade a Israel e ao judaísmo.

6 O dinheiro usado no império romano para pagar os impostos chamava-se “denário”. Uma moeda romana, cujo valor corres-pondia a um dia de trabalho braçal, criada no governo de Tibério, e que trazia, em um dos lados, o retrato do imperador, e do outro, a inscrição em latim: “Tibério César Augusto, filho do divino Augusto”. Jesus explana sua tese de forma magistral e deixa todos atônitos diante de sua devoção ao Pai, sabedoria, simplicidade e coerência. Foi Deus quem deu a César poder e autoridade (Rm 13.1-7). Todos os governos deste mundo, em todas as épocas, vivem de tributos recolhidos do povo. Entretanto, o governo espiritual tem sua moeda própria e eterna: fé, amor, bondade, compaixão, misericórdia (Lc 20.20-25; Gl 5.22-26). O Reino de Deus não é deste mundo. Seu modus vivendi (estilo de vida) é espiritual e visa o benefício de todos os seres e não a exploração do ho-mem pelo homem. Jesus reconheceu a distinção entre responsabilidades políticas e espirituais. Ao governo devemos impostos e obediência, política justa. No tributo às autoridades cívicas, apenas retribuímos parte daquilo que oferecem. Para Deus, devemos nossa adoração, louvor, gratidão, obediência, serviço e a dedicação de todo o nosso ser.

7 Os “saduceus” formavam um partido aristocrático que dominava a vida política dos judeus, inclusive a posição do sumo sa-cerdote. Não acreditavam na ressurreição, nem na existência dos anjos e, muito menos, na imortalidade da alma. Para eles, a vida era apenas um “aqui e agora” e nada mais. Esse era um dos aspectos que mais lhes causava divergências com os fariseus.

8 Os saduceus apresentaram uma questão fechada para Jesus. Eles aceitavam apenas os primeiros cinco livros da Bíblia como autoridade divina, e há séculos estudavam o assunto sobre o qual interrogaram Jesus. Reivindicaram a lei do levirato (do latim levir, cunhado), promulgada a fim de proteger as viúvas, garantir as propriedades e a continuidade da linhagem familiar (Dt 25.5,6; Gn 38.8), para zombar da doutrina da ressurreição defendida por Cristo e com isso desmoralizá-lo. Entretanto, Jesus usou o próprio Pentateuco para mostrar que eles não estudavam as Escrituras com o devido amor a Deus e por isso erravam. Nos céus não há casamentos e re-ceberemos novos corpos, como os de anjos, entre os quais não há macho ou fêmea. Portanto, debater esse assunto não faz sentido. Além disso, os crentes ressuscitados viverão eternamente, uma verdade firmada no caráter de Deus (Êx 3.6; Lc 20.28).

9 Os fariseus eram muito legalistas, tanto que se emaranhavam em suas próprias leis e decretos. Discutiam sempre sobre quais, dentre suas muitas ordenanças, eram prioritárias para que um judeu alcançasse o Reino dos céus e o Shabbãth (o grande

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37 Asseverou-lhe Jesus:

“Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e com toda a tua inteligência.10

38 Este é o primeiro e maior dos manda-mentos.

39 O segundo, semelhante a este, é:‘Amarás o teu próximo como a ti mesmo’.

40 A estes dois mandamentos estão sujei-tos toda a Lei e os Profetas”.

Jesus é o Senhor de Davi (Mc 12.35-37; Lc 20.41-44)41 Estando reunidos os fariseus, Jesus lhes indagou: 42 “Qual a vossa opinião acerca do Mes-sias? De quem Ele é filho?”. Ao que eles lhe afirmaram: “É filho de Davi”.43 Contestou-lhes Jesus: “Então, como se explica que Davi, falando pelo Espírito, o trata de ‘Senhor’? Pois ele afirma: 44 ‘O Senhor disse ao meu Senhor: Assen-ta-te à minha direita, até que Eu ponha os teus inimigos debaixo dos teus pés’.45 Considerando que Davi o chama ‘Senhor’, como pode ser Ele seu filho?”.11

46 E ninguém foi capaz de oferecer-lhe uma só palavra em resposta à questão; tampouco ousou alguém mais, a partir daquele dia, dirigir-lhe qualquer outra pergunta.

Os doutores da Lei falam, mas não agem(Mc 12.38-40; Lc 11.37-52; 20.45-47)

23 Então, Jesus pregou às multidões e aos seus discípulos:

2 “Os escribas e os fariseus se assentam na cadeira de Moisés.1

3 Fazei e obedecei, portanto, a tudo quanto eles vos disserem. Contudo, não façais o que eles fazem, porquanto não praticam o que ensinam. 4 Eles atam fardos pesados e os colocam sobre os ombros dos homens. No entan-to, eles próprios não se dispõem a levan-tar um só dedo para movê-los.5 Tudo o que realizam tem como alvo serem observados pelas pessoas. Por isso, fazem seus filactérios bem largos e as franjas de suas vestes mais longas.2

6 Amam o lugar de honra nos banquetes e os primeiros assentos nas sinagogas.7 Gostam de ser cumprimentados nas

Sábado, ou o descanso eterno). Eles haviam interpretado e abstraído do AT um total de 248 preceitos afirmativos. E mais 365 negativos, que acreditavam ser da vontade de Deus, pois o número coincidia com o número de dias do ano. Além disso, o total desses mandamentos: 613, era o mesmo que o número de letras contidas no Decálogo.

10 Jesus mais uma vez aproveita a oportunidade para mostrar àqueles líderes religiosos e a seus muitos discípulos ao redor, res-ponsáveis pela continuação do ensino das Escrituras ao povo, que a mentalidade divina e o modo espiritual de raciocinar dife-riam em muito da limitada e egoísta dialética humana. Jesus então cita Dt 6.5, uma parte do Shema, orações e reflexões diárias dos judeus. Na Septuaginta (o AT em grego) a palavra aqui traduzida por “inteligência” é, literalmente, “mente” (Mc 12.30). O verbo grego traduzido aqui por “amarás” não é phileõ, como em algumas versões, que significa uma afeição entre amigos; mas, sim, o verbo agapaõ: uma obrigação de dedicação absoluta a alguém, determinada pela vontade (Mq 6.8; Am 5.4; Is 33.15; Hc 2.4). Jesus foi o primeiro líder espiritual judeu a combinar os dois mandamentos de amor, para formar o mais sintético resumo da Lei (Lv 19.18), revelando aos fariseus, e a todos nós, que não são os muitos regulamentos e leis que tornam uma pessoa santa; mas, sim, seu genuíno e sincero amor a Deus e a seu próximo mais achegado (familiares), e a seus próximos e vizinhos (comunidade, sociedade).

11 Finalmente, é Jesus quem questiona. Os fariseus eram profundos estudiosos sobre o Messias e sua vinda, como Libertador de Israel. Entretanto, há séculos interpretavam erroneamente a pessoa e a obra do Messias. Imaginavam um rei, pleno de poderes divinos, que viria como guerreiro invencível, para libertar Israel do império gentio e conceder saúde, paz e riqueza ao povo judeu. Conheciam o Messias como Filho de Davi, mas não como o Senhor de Davi (Sl 110.1), tampouco seu domínio espiritual em amor e humildade (Lc 20.42-44). Jesus desejava que os seus compreendessem que ele era o Messias prometido: o descendente humano de Davi e o seu divino Senhor.

Capítulo 231 Os escribas, doutores e mestres da Lei, bem como os fariseus, partido político religioso que defendia a observância literal

da Torah (Lei) e mais uma série de ordenanças e preceitos por eles criados para situações não diretamente cobertas pela Torah. Convencidos de que possuíam a correta interpretação da vontade de Deus, afirmavam que a tradição dos anciãos, a lei oral (tôrâ shebe‘al peh) vinha de Moisés e desde o monte Sinai. Fariseus e escribas eram, portanto, os sucessores autorizados da tradição de Moisés como mestres da Lei.

2 Os filactérios ou tefilins eram pequenos rolos ou caixinhas de couro que os judeus religiosos usavam presos à testa, perto do coração, e no braço esquerdo. Essas pequenas cápsulas continham quatro passagens da Torah: Êx 13.1-10 e 11-16; Dt 6.4-9 e 11.13-21. Com o passar do tempo, os judeus começaram a respeitar e honrar esses pequenos recipientes, tanto quanto

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praças e de serem, pelas pessoas, chama-dos: ‘Rabi, Rabi!’.3

8 Vós, todavia, não sereis tratados de ‘Rabis’; pois um só é vosso Mestre, e vós todos sois irmãos. 9 E a ninguém sobre a terra tratai de vos-so Pai; porquanto só um é o vosso Pai, aquele que está nos céus. 10 Também não sereis chamados de líde-res, pois um só é o vosso Líder, o Cristo.4

11 Porém o maior dentre vós seja vosso servo.12 Portanto, todo aquele que a si mesmo se exaltar será humilhado, e todo aquele que a si mesmo se humilhar será exaltado.13 Ai de vós, doutores da Lei e fariseus, hipócritas! Porque fechais o reino dos céus diante dos homens. Porquanto vós mesmos não entrais, nem tampouco dei-xais entrar os que estão a caminho!5

14 Ai de vós, doutores da Lei e fariseus, hipócritas! Porque devorais as casas das viúvas e, para disfarçar, encenais longas orações. E, por isso, recebereis castigo ainda mais severo!15 Ai de vós, doutores da Lei e fariseus, hipócritas! Porque viajais por mares e

terras para fazer de alguém um prosé-lito. No entanto, uma vez convertido, o tornais duas vezes mais filho do inferno do que vós! 16 Ai de vós, guias cegos! Porque ensinais: ‘Se uma pessoa jurar pelo santuário, isso não tem significado; porém, se alguém jurar pelo ouro do santuário, fica obriga-do a cumprir o que prometeu’.17 Tolos e cegos! Pois o que é mais impor-tante: o ouro ou o santuário que santifica o ouro?18 E mais, dizeis: ‘Se uma pessoa jurar pelo altar, isso nada significa; mas, se alguém jurar pela oferta que está sobre ele, fica, assim, comprometido ao seu juramento’.19 Embotados! O que é mais importante: a oferta, ou o altar que santifica a oferta?20 Portanto, a pessoa que jurar em nome do altar, jura pelo altar e por tudo o que está sobre ele.21 E quem jurar pelo santuário, jura pelo santuário e em nome daquele que nele habita. 22 E aquele que jurar pelos céus, jura pelo trono de Deus e em nome daquele que nele está assentado.6

as Escrituras, e seu tamanho era considerado um sinal de zelo espiritual de quem os ostentava. Os fariseus acreditavam que o próprio Deus usava filactérios. Por isso, eram considerados como amuletos de boa sorte e proteção contra o mal. As “franjas” eram as borlas descritas em Nm 15.37-41 que todo judeu deveria usar. Jesus também as usava nas quatro pontas de seu manto (em Mt 9.20 são chamadas de “orla”), essas borlas eram um tipo de madeixas de lã, branca e azul, e tinham a singela função de declarar o amor de quem as usava a Yahweh (o Senhor) e a vontade do seu coração de cumprir a Torah (ou Torá, a Lei) da maneira mais fiel possível. As borlas tinham o tamanho médio de até 10 cm; entretanto, os fariseus as alongavam muito mais em sinal de maior espiritualidade. O que Deus criou para ser apenas um lembrete de fé e marca de devoção, tornou-se objeto de adoração e ostentação (fetiche).

3 Os mestres da Lei e os fariseus gostavam de ocupar os melhores e mais importantes assentos na sinagoga, aqueles que ficam defronte à representação da arca e que continha os rolos das Escrituras Sagradas. Além disso, os que se assentavam ali podiam ser facilmente vistos por toda a congregação. Eles também apreciavam muito ouvir as pessoas os chamarem, insistentemente, aos gritos e em público (nas praças do mercado) de Rabbei (em grego), que significa literalmente em hebraico: “meu professor, meu mestre!”

4 A expressão “pai” ou “padre” (em hebraico ’abh) não deve ser usada como título de qualquer autoridade religiosa. Jesus faz uma séria advertência quanto à busca desenfreada por reconhecimento e prestígio, coisas que alimentam a soberba humana. Entretanto, devemos ter cautela com possíveis aplicações de literalismo insensato dessas passagens. Jesus está ensinando princípios de vida espiritual a quem só conseguia enxergar regras exatas de comportamento religioso. Os cristãos, líderes (em grego kathegetai, guias ou dirigentes) ou não, devem ser conhecidos por um espírito e atitudes diaconais (em grego diakonos, servo).

5 “Ai” é uma expressão de profunda tristeza e indignação da parte de Deus, expressa através dos lábios do seu Filho contra a falsidade (hipocrisia) dos maiores conhecedores das Sagradas Escrituras da época e líderes religiosos dos judeus, o povo do Cristo (Messias). Essa atitude apenas legalista, arrogante, soberba e desprovida de sincero amor a Deus e às pessoas, fazia que os “prosélitos” (pagãos e gentios que se convertiam ao judaísmo) se tornassem ainda piores que seus mestres e não tivessem verda-deira comunhão com Deus, o Pai (em aramaico: abba). Esses líderes religiosos e juízes de direito, eram tão dissimulados que chega-vam a usar suas posições como juristas para processar viúvas ricas ou para fazer que elas lhes legassem suas propriedades.

6 Com relação aos juramentos, Jesus argumenta com os mestres fariseus, com seus próprios pressupostos em relação à Lei, para lhes revelar o verdadeiro espírito da Lei e a vontade de Deus (5.33-37).

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23 Ai de vós, doutores da Lei e fariseus, hipócritas! Porque dais o dízimo da hor-telã, do endro e do cominho, mas tendes descuidado dos preceitos mais impor-tantes da Lei: a justiça, a misericórdia e a fé. Deveis, sim, praticar estes preceitos, sem omitir aqueles!7

24 Líderes insensíveis! Pois coais o peque-no mosquito, mas engolis um camelo!8

25 Ai de vós, doutores da Lei e fariseus, hipócritas! Porque limpais o exterior do copo e do prato, mas por dentro, estes estão repletos de avareza e cobiça.26 Fariseu que não enxerga! Limpa, an-tes de tudo, o interior do copo e do pra-to, para que da mesma forma, o exterior fique limpo! 27 Ai de vós, doutores da Lei e fariseus, hipócritas! Porque sois parecidos aos túmulos caiados: com bela aparência por fora, mas por dentro estão cheios de ossos de mortos e toda espécie de imundície!9

28 Assim também sois vós: exterior-mente pareceis justos ao povo, mas vosso interior está repleto de falsidade e perversidade.29 Ai de vós, doutores da Lei e fariseus, hipócritas! Porque construís os sepul-cros dos profetas, adornais os túmulos dos justos.

30 E declarais: ‘Se tivéssemos vivido na época dos nossos antepassados, não tería-mos tomado parte com eles no assassina-to dos profetas!’31 Dessa forma, porém, testemunhais contra vós mesmos que sois filhos dos que mataram os profetas.32 Acabai, pois, de encher a medida do pecado de vossos pais!33 Cobras venenosas, ninho de víboras! Como escapareis da condenação do inferno?34 Por isso, eis que Eu vos envio profe-tas, sábios e mestres. A uns assassinareis e crucificareis; a outros açoitareis nas vossas sinagogas e perseguireis de cida-de em cidade.35 E, dessa maneira, sobre vós recairá todo o sangue justo derramado na terra, desde o sangue do justo Abel, até o sangue de Zacarias, filho de Baraquias, a quem ma-tastes entre o santuário e o altar.10 36 Com toda a certeza vos asseguro, que tudo isso ocorrerá a esta geração”.

O lamento sobre Jerusalém (Lc 13.34-35) 37 “Ó Jerusalém, Jerusalém, que assassi-nas os profetas e apedrejas os que te são enviados! Quantas vezes Eu quis reunir os teus filhos, como a galinha acolhe os

7 Oferecer ao Senhor a décima parte (o dízimo) de diversas ervas era uma prática religiosa baseada em Lv 27.30. Embora o dízimo dos grãos, frutos, vinho e azeite fosse o exigido, dos judeus, pela Lei (Nm 18.12; Dt 14.22-23), os escribas e fariseus haviam ampliado a lista dos itens especificados na Lei, para incluir o dízimo das menores e mais simples hortaliças. A hortelã era usada como tempero e para adornar o chão das casas e sinagogas. O endro era usado como medicamento e para perfumar ambientes. O cominho, que são as sementes de erva-doce, tinha vários usos culinários. Entretanto, o valor comercial dessas ervas era mínimo; mas os fariseus desejavam mostrar ao povo um zelo religioso que, na verdade, não fazia parte de suas vidas com Deus e com seus próximos.

8 Os escribas e fariseus coavam com muito cuidado toda água que bebiam através de um pano branco, bem tecido, para ter certeza de não engolir nenhum pequeno mosquito; considerado pelos religiosos como o menor ser vivo impuro. Entretanto, figuradamente, engoliam um camelo inteiro, um dos maiores animais impuros para os judeus, ao praticarem uma série de fraudes, atrocidades e pecados.

9 Por ocasião da celebração da Páscoa, época em que os peregrinos de várias partes da Palestina iam a Jerusalém, e momento no qual Jesus está falando, era costume pintar, várias vezes, toda a parte exterior dos sepulcros (túmulos) com cal. Isso para que os túmulos pudessem ser vistos inclusive à noite, uma vez que, pela Lei, se alguém pisasse sobre um túmulo ou área de sepultura tornava-se instantaneamente impuro (Nm 19.16). Por isso, todos pareciam iguais, limpos, belos e puros; mas em seu interior jazia a morte, o mau cheiro e a podridão.

10 Os líderes religiosos judaicos no tempo de Jesus estavam acrescentando pecados sobre pecados à longa lista de seus pais (antepassados) históricos. Jesus também seria um dos profetas martirizados. Seus apóstolos não seriam igualmente aceitos (10.17,23). E Jesus resume a história dos martírios no AT citando o assassinato de Abel (Gn 4.8; Hb 11.4) e o martírio do profeta Zacarias registrado no livro de Crônicas. Na Bíblia Hebraica, o último livro do AT (2Cr 24.20-22).

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seus pintinhos debaixo das suas asas, mas vós não o aceitastes!11

38 Eis que a vossa casa ficará abandona-da!12

39 Pois eu vos declaro que, a partir de agora, de modo algum me vereis,até que venhais a dizer: ‘Bendito é o que vem em o Nome do Senhor!’”13

Jesus prediz o final dos tempos(Mc 13.1-2; Lc 21.5-6)

24 Então, Jesus saiu do templo e, ao caminhar, seus discípulos chega-

ram mais perto dele para lhe apontar as construções do templo. 2 Ele, entretanto, lhes observou: “Estais vendo todas estas coisas? Com toda a certeza Eu vos afirmo que não ficará aqui pedra sobre pedra, pois que serão todas derrubadas”.1

O princípio das dores(Mc 13.3-13; Lc 21.7-19) 3 Tendo Jesus se assentado no monte das Oliveiras, os discípulos chegaram até Ele em particular e lhe pediram: “Dize-nos

11 O próprio Jesus reconhece que os seus próprios irmãos não o receberam. Deus tem feito tudo para seu povo, mas a rejeição de Israel ilustra o coração empedernido da raça humana, em relação ao seu Criador (Jo 1.11).

12 Jesus faz referência a 1Rs 9.7-8; Jr 12.7, 22.5 e adverte seu povo. No ano 70 d.C. toda a nação de Israel e, em especial, a cidade de Jerusalém, foram assoladas e profanadas pelos exércitos pagãos de Roma.

13 Jesus se despede de Jerusalém e do seu povo, declarando que não os ensinaria mais em público até sua volta em glória no final dos tempos, quando Israel o receberá como o Messias que fora rejeitado (Zc 12.10). De agora em diante a salvação dos judeus, como de qualquer outra pessoa sobre a face da terra, do mais alto líder religioso ou político ao mais simples ser humano, só tem uma única possibilidade: a confissão do Senhor Jesus Cristo, como Salvador, Senhor e Filho de Deus (21.9, Sl 118.26).

Capítulo 241 O primeiro Templo foi idealizado por Davi (2Sm 7.2; 1Cr 22.8,3; 2Sm 24.18-25). Entretanto, coube a Salomão (em hebraico

transliterado shelômõh, homem de paz), seu filho com Bate-Seba (2Sm 12.24), a honra da sua construção, que teve início no quarto ano do seu reinado e foi concluída sete anos mais tarde. Mas o filho de Salomão, Reoboão, não deu a mesma atenção ao Templo e sucessivas pilhagens ocorreram desde Sisaque, do Egito (1Rs 14.26), até a invasão de Nabucodonosor em 587 a.C. (2Rs 25.9,13-17). Mesmo depois de sua destruição, alguns fiéis ainda iam oferecer sacrifícios entre suas ruínas (Jr 41.5). Hoje em dia não há qualquer estrutura do antigo Templo de Salomão acima do nível do chão. Porém, curiosamente, sobre os seus escombros foi construída a mesquita mulçumana, conhecida como “Cúpula da Rocha”, destaque na maioria dos cartões postais de Israel (2Cr 3.1; 2Sm 24.24). O segundo Templo foi erguido por ocasião do retorno dos exilados da Babilônia, cerca de 537 a.C, conforme autorização e ajuda de Ciro, rei da Pérsia, e do ministério de Neemias e Esdras (Nm 2.11-20). Toda a área teve de ser limpa do entulho do primeiro Templo destruído (Ed 1; 3.2-10). A arca havia desaparecido no tempo do exílio e jamais foi encontra-da. No lugar do candelabro de Salomão, com dez lâmpadas, foi colocado um novo, com sete hastes, juntamente com uma mesa de ouro para os pães da proposição e o altar do incenso. Esses e outros objetos sagrados foram tomados como despojos pelo rei da Síria, Antíoco IV Epifânio (entre 175 e 163 a.C.), o qual colocou um altar e uma estátua pagã no lugar santo, no dia 15 de dezembro de 167 a.C. Os macabeus venceram os sírios e purificaram o Templo (1Macabeus 1.54; 4.35-59), substituindo todos os seus móveis e transformando o Templo numa fortaleza que lhes permitiu resistir durante três meses ao cerco de Pompeu (63 a.C.) quando foi, então, destruído (os livros dos Macabeus, com alguns outros, não são considerados canônicos, por isso não fazem parte da maioria das Bíblias evangélicas em língua portuguesa, entretanto, muitos de seus relatos históricos são dignos de crédi-to). A terceira construção, chamada de Templo de Herodes, começou no ano 19 a.C., mas seu motivo principal não foi glorificar a Deus, e, sim, reconciliar os judeus com o seu rei gentio (idumeu). Mesmo assim, o rei teve grande cuidado com a reverência ao Templo, convocou mil sacerdotes que foram treinados como pedreiros para conduzir a edificação do santuário, e procuraram construir uma cópia do Templo de Salomão. Em uma área com mais de 144.000 m2, ergueu-se uma magnífica estrutura de pedras creme, adornadas de ouro. Um muro feito com blocos de pedras com 60 cm de largura por até 5 metros de comprimento circundava o Templo. Contudo, alguns anos após o término da construção, exatamente 40 anos depois da profecia de Jesus, durante as celebrações da Páscoa judaica, as tropas do comandante romano Tito tomaram posição de combate, às portas de Jerusalém. A cidade estava em festa e repleta de judeus de todas as partes. Os dois mais poderosos partidos judaicos, que deve-riam estar atentos à defesa da cidade contra Roma, achavam-se em violenta guerra interna, a ponto de incendiarem os estoques de alimentos um do outro. Somente quando os enormes aríetes dos romanos arrebentaram o primeiro portão de Jerusalém foi que os políticos decidiram se unir contra o invasor. Tarde demais. Tito incendiou tudo, e até as pedras foram separadas para colher o ouro derretido que se infiltrara nas junções. O comandante romano deixou apenas um resto da muralha, como símbolo do aniquilamento de Israel, conhecido em nossos dias como ‘Muro das Lamentações’. Mais de um milhão de judeus morreram naquela época. Todas as estradas que passavam por Jerusalém estavam tomadas por judeus crucificados. Os sobreviventes fo-ram vendidos ou negociados como escravos. Israel desapareceu como nação e os judeus foram espalhados pelo mundo inteiro, sob a maior humilhação já sofrida por um povo até nossos dias. Em homenagem à marcha triunfal de Tito, foi construído o arco do triunfo, o “Arco de Tito”. Esse monumento persiste em Roma até hoje e mostra, em seus trabalhos de escultura, cenas das

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quando ocorrerão estas coisas?2 E qual será o sinal da tua vinda e do final dos tempos?”.4 Então Jesus lhes revelou: “Cuidado, que ninguém vos seduza. 5 Pois muitos são os que virão em meu nome, proclamando: ‘Eu sou o Cristo!’, e desencaminharão muitas pessoas. 6 E vós ouvireis falar de guerras e rumo-res de guerras, todavia não vos deses-pereis, porque é preciso que tais coisas ocorram, mas ainda não será o fim.7 Porquanto, nação se levantará contra nação, e reino contra reino. Haverá fo-mes e terremotos em vários lugares.8 Contudo, esses acontecimentos serão ape-nas como as primeiras dores de um parto.9 Então eles vos entregarão para serem afligidos e condenados à morte. E sereis odiados por todas as nações por serem meus seguidores.10 Nessa época, muitos ficarão escandali-zados, trairão uns aos outros e se odiarão

mutuamente.11 Então, numerosos falsos profetas sur-girão e enganarão a muitos.12 E, por causa da multiplicação da mal-dade, o amor da maioria das pessoas se esfriará.13 Aquele, porém, que continuar firme até o final será salvo.14 E este evangelho do Reino será pre-gado em todo o mundo habitado, como testemunho a todas as nações, e então chegará o fim.

A grande tribulação(Mc 13.14-23; Lc 21.7-19)15 E, assim, quando virdes a profanação horrível da qual falou o profeta Daniel, no Lugar Santo (ao ler o profeta entendereis isso),3

16 então, os que estiverem na Judéia fu-jam para os montes.4

17 Quem estiver sobre o telhado de sua casa, não desça para retirar dela coisa alguma.

legiões romanas carregando os objetos sagrados e valiosos do Templo, e os mais valorosos guerreiros judeus algemados. Tito profanou o Templo, entrando no santo lugar, despojando todo o tesouro e utensílios preciosos, tais como o grande candelabro de ouro maciço, uma réplica dourada da arca com os preciosos rolos sagrados da Lei, a mesa de ouro e muitos outros objetos preciosos. Finalmente, o imperador Vespasiano, pai de Tito, declarou toda a nação de Israel como sua propriedade particular e doou grandes propriedades a seus amigos e colaboradores, entre eles o conhecido historiador judeu e fariseu, Flávio Josefo, cujo carisma e poder intelectual haviam conquistado a amizade do rei e a cidadania romana.

2 Jesus se retira do Templo e sobe com os discípulos em direção ao monte das Oliveiras - uma cordilheira, a leste de Jerusalém, do outro lado do vale Cedrom, com quase dois quilômetros de extensão e cerca de 70 metros acima do nível da cidade (Mc 11.1). De agora em diante, nunca mais entrará no Templo. Tudo é parte da grande visão profética de Ezequiel, que viu a glória do Senhor abandonar a cidade de Jerusalém e o Templo, mais precisamente em direção ao monte das Oliveiras (Ez 8.4-6). Naquele momento estava se cumprindo a Palavra do Senhor que veio a Ezequiel em 592 a.C. Ao chegar ao alto do monte, Jesus lança um último olhar sobre a cidade amada que o rejeitou. Ao pôr-do-sol, senta-se com seus discípulos e ficam observando a noite chegar sobre o Templo e o povo de Jerusalém. Jesus não revela quando sucederão essas coisas, mas responde, em forma de profecia, às demais questões: O fim dos tempos entre os versículos 4-14; a destruição de Jerusalém entre 15-22 (Lc 21.20), e o glorioso retorno de Jesus Cristo entre 23-31.

3 A expressão grega, aqui transliterada por bdelugma tes eremoses vem do hebraico shiqquçe shõmem e significa: “a profanação horrível”, “o sacrilégio terrível”, ou ainda, como em versões antigas: “o abominável da desolação”. Essas são formas de traduzir o significado literal da frase original: “a coisa abominável que causa horror e repulsa” (Dn 9.27; 11.31; 12.11). Jesus ressalta que os leitores do livro escrito pelo profeta Daniel poderão compreender melhor o que ele está dizendo. Jesus faz referência a um tipo de idolatria tão perversa e antagônica a todos quantos crêem no Pai de Cristo, como ocorreu no ano 168 a.C., quando o rei Antíoco Epifânio erigiu um altar a Zeus no lugar do altar de Jeová (em hebraico transliterado por Yahweh – 1Macabeus 1.54-59; 6.7; 2Macabeus 6.1-5). Assim também aconteceu no ano 70 d.C., quando os romanos ofereceram sacrifícios pagãos em Jerusalém, no lugar sagrado, ao proclamar Tito imperador supremo (2Ts 2.4; Ap 13.14-15). A história registra que muitos cristãos e judeus, pouco antes do ano 70 d.C., lembraram-se das palavras de Jesus, cumpriram à risca as orientações proféticas e tiveram suas vidas salvas daquelas catástrofes e perseguições. O Grande Retorno de Jesus, em glória, marca o final da ordem mundana, na qual vivemos. Porém, antes disso, surgirão muitos enganadores, falsos messias (cristos), o tema guerra e terrorismo dominará a mídia mundial, tribulações, terremotos, vulcões, tempestades, alterações na atmosfera, no clima, falsos profetas por toda parte, multiplicação da iniqüidade (maldade) e da arrogância cientifica, lascívia, bestialidades, esfriamento do amor e das virtudes morais e éticas. Todos esses são apenas sinais que criam o ambiente para a manifestação do maior dos sinais: a pregação do Evangelho até os confins da terra (28.18-20). Então virá o fim.

4 A história registra que muitos cristãos, pouco antes do ano 70 d.C., fugiram de Jerusalém e se refugiaram nas montanhas

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18 E aquele que estiver no campo, não volte para pegar sua túnica. 19 Serão dias terríveis para as mulheres grávidas e para as que estiverem ama-mentando. 20 E orai para que a vossa fuga não ocorra durante o inverno nem no sábado.5

21 Porquanto haverá nessa época grande tribulação, como jamais aconteceu desde o início do mundo até agora, nem nunca mais haverá.6

22 E, se aqueles dias não tivessem sido abreviados, nenhuma carne seria salva. Mas, por causa dos eleitos, aquele tempo será encurtado.7

23 Então, se alguém vos anunciar: ‘Vede, aqui está o Cristo!’ ou ‘Ei-lo ali!’ Não acrediteis.24 Pois se levantarão falsos cristos e falsos profetas e apresentarão grandes milagres e prodígios para, se possível, iludir até mesmo os eleitos.8

25 Vede que Eu o preanunciei a vós!26 Portanto, se vos disserem: ‘Eis que Ele está no deserto!’- não saiais. Ou ainda: ‘Ele está ali mesmo, nos cômodos de uma casa!’- não acrediteis. 27 Pois, da mesma maneira como o re-lâmpago parte do oriente e brilha até no ocidente, assim também se dará a vinda do Filho do homem.9

28 Onde houver um cadáver, aí se reuni-rão os abutres.

O retorno de Cristo em glória(Mc 13.24-27; Lc 21.25-28) 29 Imediatamente após o tormento da-queles dias, o sol escurecerá e a lua não dará a sua luz; e as estrelas cairão do céu, e os poderes celestes serão estremecidos. 30 Então surgirá no céu o sinal do Filho do homem, e todos os povos da terra prantearão e verão o Filho do homem chegando nas nuvens do céu com poder e majestosa glória.10

31 Ele enviará os seus anjos, com podero-so som de trombeta, e estes reunirão os seus eleitos dos quatro ventos, de uma a outra extremidade dos céus.

A lição da figueira: o Dia do Senhor(Mc 13.28-37; Lc 21.29-36)32 Portanto, aprendei com a parábola da figueira: quando, pois, os seus ramos se renovam e suas folhas começam a brotar, sabeis que está próximo o verão.33 Da mesma forma vós: quando virdes todos esses acontecimentos, sabei que Ele está muito próximo, às portas.11

34 Com toda a certeza Eu vos afirmo, que não passará esta geração até que todos esses eventos se realizem.

da Transjordânia, onde se localizavam as terras de Pella. Fuga semelhante haverá num período futuro de tribulação conhecido como a 70a Semana de Daniel (Dn 9.27). Entretanto, aquelas pessoas que verdadeiramente crêem no Senhor (os salvos, a Igreja), serão arrebatadas da terra no exato momento em que Cristo cruzar a atmosfera da terra. Os cristãos não precisarão fugir, apenas devem perseverar até o Dia do Senhor.

5 Gestantes, idosos e pessoas com deficiência física terão maior dificuldade naqueles dias de tribulação e perseguição. Mateus, como escreve principalmente aos judeus, observa os detalhes do inverno e do sábado, dia em que os judeus somente podiam caminhar 800 metros.

6 O historiador judeu-romano Flávio Josefo foi testemunha ocular desta terrível tribulação e narra o episódio com palavras pareci-das às de Jesus. Entretanto, aquela grande tribulação foi apenas mais um sinal da maior das tribulações ainda por vir (Dn 12.1).

7 Este último e terrível tempo de aflição será abreviado em relação ao que já havia sido pré-determinado nas profecias (como a 70a Semana de Daniel – Dn 9.27, ou os 42 meses mencionados em Ap 11.2; 13.5). Os eleitos são o povo de Deus em todo o mundo, a Igreja de Jesus Cristo.

8 Compare esta descrição com a pessoa do anticristo revelada em 2Ts 2.9-10.9 Que ninguém se iluda. A segunda e definitiva volta de Jesus Cristo será um evento portentoso. Em segundos, a glória e o

brilho da sua presença varrerão o planeta, e os salvos (sua Igreja) serão arrebatados, sumindo instantaneamente de toda a terra. (27, 31, 1Co 15.12; 1Ts 4.16,17). Jesus cita um antigo provérbio para explicar que seu glorioso retorno será tão certo quanto o es-voaçar dos urubus (abutres: aves falconiformes e vulturídeas comuns no Oriente e Europa) sobre um cadáver. Ou seja, o mundo está moribundo e os urubus já sobrevoam aqueles que morrerão e lhes servirão de banquete (Lc 17.37).

10 Fenômenos cósmicos acompanharão a volta triunfal do Filho do homem (Mc 8.31, Ap 1.7). O brilho, como um relâmpago, que o mundo inteiro verá, é a Shekinah: a glória do Senhor (Is 13.10; 24.21-23; 34.4; Ez 32.7-8; Jl 2.10,31; 3.15; Am 8.9, 2Ts 1.6-10; Ap 19.11-16).

11 No Oriente as figueiras anunciam o início do verão, quando renovam seus ramos e novas folhas brotam. Esse evento é tão certo e esperado quanto o será a volta de Cristo, e por isso todos os cristãos devem estar preparados para não serem apanhados

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35 O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras jamais passarão.

Só Deus sabe o dia e a hora exatos(Mc 13.32-37)36 Entretanto, a respeito daquele dia e hora ninguém sabe, nem os anjos dos céus, nem o Filho, senão exclusivamente o Pai.12

37 Como aconteceu nos dias de Noé, assim também se dará por ocasião da chegada do Filho do homem.38 Porque nos dias que antecederam ao Dilúvio, o povo levava a vida comendo e bebendo, casando-se e oferecendo-se em matrimônio, até o dia em que Noé entrou na arca,39 e as pessoas nem notaram, até que chegou o Dilúvio e levou a todos. Assim ocorrerá na vinda do Filho do homem.40 Dois homens estarão na lavoura: um será arrebatado, mas o outro deixado. 41 Duas mulheres estarão trabalhando num moinho: uma será arrebatada, a outra ficará pra trás. 42 Por isso, vigiai, porquanto não sabeis em que dia virá o vosso Senhor.13

43 Contudo, entendei isto: se o proprie-tário de uma casa soubesse a que hora viria o ladrão, se colocaria em sentinela e não permitiria que a sua residência fosse violada.

44 Portanto, ficai igualmente vós alertas; pois o Filho do homem virá no momento em que menos esperais.14

O destino do bom e do mau servo (Lc 12.42-46)45 Sendo assim, quem é o servo fiel e sábio, a quem o senhor confiou os de sua casa para dar-lhes alimento no seu devido tempo?46 Feliz aquele servo a quem o seu senhor, quando voltar, o encontrar agindo dessa maneira.47 Com certeza vos afirmo que o senhor confiará a seu servo todos os seus bens. 48 Entretanto, supondo que esse servo, sendo mau, diga a si mesmo: ‘Meu se-nhor está demorando muito’,49 e, por isso, passe a agredir os seus conservos e a comer e beber com be-berrões.50 O senhor daquele servo virá num dia inesperado e numa hora que o servo desconhece. 51 E o senhor o punirá com toda a seve-ridade e lhe dará um lugar ao lado dos hipócritas, onde haverá grande lamento e ranger de dentes.15

As virgens sábias e as tolas

25 Portanto, o Reino dos céus será semelhante a dez virgens que pe-

de surpresa, como acontecerá com o mundo descrente. Jesus ainda afirma que a geração que presenciar o início dos sinais também verá sua volta triunfal. A expressão “geração” (em grego antigo genea), também podia significar “raça” ou “família” e, por certo, Jesus fez referência à profecia de que o povo judeu não seria exterminado da terra por mais que seus muitos inimigos, em todas as épocas, tenham se empenhado nesse objetivo (Mc 13.30; Lc 21.32). As palavras de Jesus são todas mais verdadeiras e duradouras que o Universo.

12 O Dia do Senhor é uma expressão que se refere ao AT como o dia em que Jesus voltará em glória para levar seu povo (a Igreja) para a Nova Jerusalém (Am 8.3,9,13; 9.11; Mq 4.6; 5.10; 7.11). Mas o dia exato desse evento a ninguém foi revelado, e Jesus, enquanto esteve na terra, também não pretendeu saber, pois decidiu em tudo obedecer ao Pai e viver pela fé como todo ser humano deveria.

13 Jesus dedica seis parábolas para enfatizar a extrema necessidade da vigilância, enquanto estamos vivos na terra e ele não retorna: O porteiro (Mc 13.35-37). O pai de família (Mt 24.43-44). O servo fiel (24.45-51). As dez virgens (25.1-13). Os talentos (25.14-30). As ovelhas e os bodes (25.31-46). A vida passa, e passa muito rápido. É preciso estar com a consciência tranqüila de que amamos ao Senhor e buscamos praticar sua vontade em todas as áreas de nossa vida íntima e relacional.

14 Jesus nos adverte de que perto da sua volta, o mundo estará descrente, religioso talvez, mas sem a convicção da salvação nem da militância evangélica. O poder do sistema mundial forçará muitos religiosos a se afastarem de Deus e de sua Palavra. Intérpretes de um “evangelho” que não é o de Cristo conduzirão milhões de pessoas à perdição. Até os cristãos fiéis correrão o risco de ser enganados por um estilo de vida massificado pelo sistema (globalização do pensamento humanista, cético e hedonis-ta) e serão apanhados de surpresa pela iminente volta do Senhor. Não é sábio tentar calcular a data do retorno de Jesus. É mais errôneo, porém, negligenciar esse evento fatal. A expectativa da volta de Cristo confere senso de urgência e dinâmica à missão evangélica em toda a terra. A parábola do “bom e mau servos” ensina como o filho de Deus deve viver sua vida cristã (45-51).

15 O contexto revela que “hipócrita” é aquele cuja vida prática não corresponde à sua alegada fidelidade a Cristo. A expressão

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garam suas candeias e saíram para encon-trar-se com o noivo.1

2 Cinco delas eram sábias, mas outras cinco eram inconseqüentes. 3 As que eram inconseqüentes, ao pega-rem suas candeias, não levaram óleo de reserva consigo. 4 Entretanto, as prudentes, levaram óleo em vasilhas, junto com suas candeias.2

5 O noivo demorou a chegar, e todas fica-ram com sono e adormeceram. 6 À meia-noite, ouviu-se um grito: ‘Eis que vem o noivo! Saí ao seu encontro!’7 Então, todas as virgens acordaram e foram preparar suas candeias.3 8 As insensatas recorreram às sábias: ‘Dai-nos um pouco do vosso azeite, porque as nossas candeias estão se apagando’.9 Porém as sábias responderam: ‘Não po-demos, pois assim faltará tanto para nós quanto para vós outras! Ide, portanto, aos que o vendem e comprai-o’.10 Mas, saindo elas para comprar, chegou o noivo. As virgens que estavam prepara-das entraram com ele para o banquete de núpcias. E a porta foi fechada.11 Mais tarde, todavia, chegaram as vir-gens imprudentes e clamaram: ‘Senhor! Senhor! Abre a porta para nós!’

12 Contudo ele lhes respondeu: ‘Com certeza vos afirmo que não vos conheço’.13 Portanto, vigiai, pois não sabeis o dia, tampouco a hora em que o Filho do homem chegará.4

O investimento dos talentos14 Digo também que o Reino será como um senhor que, ao sair de viagem, con-vocou seus servos e confiou-lhes os seus bens. 15 A um deu cinco talentos, a outro, dois e a outro, um talento; a cada um con-forme a sua capacidade pessoal. E, em seguida, partiu de viagem.5

16 O que havia recebido cinco talentos saiu imediatamente, investiu-os, e ga-nhou mais cinco.17 Da mesma forma, o que recebera dois talentos ganhou outros dois. 18 Entretanto, o que tinha recebido um talento afastou-se, cavou um buraco na terra e escondeu o dinheiro que o seu se-nhor havia confiado aos seus cuidados. 19 Após um longo tempo, retornou o se-nhor daqueles servos e foi acertar contas com eles. 20 Então, o servo que recebera cinco ta-lentos se aproximou do seu senhor e lhe

“ranger de dentes” só é usada em Mateus (8.12; 13.50; 22.13; 24.51; 25.30) e tem a ver com o profundo, doloroso e eterno arre-pendimento que os incrédulos e os falsos cristãos (hipócritas) sentirão a partir do Dia do Senhor.

Capítulo 251 Havia duas fases nos casamentos judaicos típicos da época de Cristo. Na primeira, o noivo ia à casa da noiva e participava da

cerimônia de entrega da noiva. Na outra fase, o noivo voltava e a levava para um grande banquete em sua casa. As virgens eram damas-de-honra e tinham o dever cerimonial de preparar a noiva para o encontro com o noivo.

2 Essas candeias eram grandes tochas, capazes de permanecer acesas ao ar livre, feitas com longas varas, com trapos enrolados numa das pontas, embebidos em azeite de oliva. Pequenas candeias de barro eram comumente usadas no interior das residências.

3 Quando o azeite era consumido pelo fogo cortavam-se as pontas chamuscadas dos trapos e adicionava-se mais óleo para um novo período médio de iluminação de 15 minutos.

4 Essa parábola é continuação da mensagem de Jesus sobre a necessidade do cristão estar sempre preparado e vigilante, pois a volta do Senhor é certa, repentina e iminente. Essa expectativa quanto ao glorioso retorno de Jesus confere ética, dinamismo e senso de urgência à evangelização e ao estilo de vida cristão. A mensagem de Cristo é também um forte apelo aos israelitas em todo o mundo, para que coloquem sua esperança no Noivo Eterno: O Senhor Jesus. Ele é o Messias prometido. A parábola das dez virgens, como é conhecido este trecho das Escrituras, não está ensinando que Cristo arrebatará os atentos e preparados es-piritualmente e deixará para trás “crentes” distraídos ou negligentes. Se cinco virgens ficaram sem óleo (o Espírito) é porque nun-ca creram verdadeiramente no Senhor, pois todo o que crê – recebe o Espírito Santo – e será salvo (24.13; Jo 1.12; Hb 3.13-14).

5 Um talento correspondia à cerca de 35 quilos de prata pura, o equivalente a 6.000 denários (o denário, como já vimos, era uma moeda de prata e valia um dia de trabalho de um soldado romano). Deus concede, aos cristãos, fé e capacidades espirituais para, em primeiro lugar, compreenderem a pessoa e a obra do Seu Filho Jesus, e, em seguida, para servirem no Reino: testemunhando, anunciando a Salvação e cooperando com o Corpo de Cristo, a Igreja. Curiosamente, o uso atual da expressão portuguesa “talento”, significando o conjunto de dons, capacidades e habilidades de uma pessoa, originou-se com base nessa parábola (Lc 19.13). Jesus não está ensinando que o julgamento das pessoas em geral e dos cristãos em particular tem algo a ver com o esforço pessoal e o pleno uso dos dons e capacidades, pois o caminho da Salvação é bem diferente. O uso dos talentos é

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entregou mais cinco talentos, informan-do: ‘O senhor me confiou cinco talentos; eis aqui mais cinco talentos que ganhei’. 21 Respondeu-lhe o senhor: ‘Muito bem, servo bom e fiel! Foste fiel no pouco, muito confiarei em tuas mãos para ad-ministrar. Entra e participa da alegria do teu senhor!’.22 Assim também, aproximou-se o que recebera dois talentos e relatou: ‘Senhor, dois talentos me confiaste; trago-lhe mais dois talentos que ganhei’.23 O senhor lhe disse: ‘Muito bem, servo bom e fiel! Foste fiel no pouco, muito con-fiarei em tuas mãos para administrar. En-tra e participa da alegria do teu senhor!’. 24 Chegando, finalmente, o que tinha recebido apenas um talento, explicou: ‘Senhor, eu te conheço, sei que és um ho-mem severo, que colhe onde não plantou e ajunta onde não semeou. 25 Por isso, tive receio e escondi no chão o teu talento. Aqui está, toma de volta o que te pertence’.26 Sentenciou-lhe, porém, o senhor: ‘Servo mau e negligente! Sabias que co-lho onde não plantei e ajunto onde não semeei? 27 Então, por isso, ao menos devíeis ter investido meu talento com os banquei-ros, para que quando eu retornasse, o recebesse de volta, mais os juros.6

28 Sendo assim, tirai dele o talento que lhe confiei e dai-o ao servo que agora está com dez talentos.29 Pois a quem tem, mais lhe será con-fiado, e possuirá em abundância. Mas a

quem não tem, até o que tem lhe será tirado.30 Quanto ao servo inútil, lançai-o para fora, às trevas. Ali haverá muito pranto e ranger de dentes’.7

O juízo final 31 Quando o Filho do homem vier em sua glória, com todos os anjos, então, se assentará em seu trono na glória nos céus.32 Todas as nações serão reunidas diante dele, e Ele irá separar umas das outras, como o pastor separa os bodes das ove-lhas. 33 E posicionará as ovelhas à sua direita e os bodes à sua esquerda.34 Então, dirá o Rei a todos que estiverem à sua direita:‘Vinde, abençoados de meu Pai! Recebei como herança o Reino, o qual vos foi preparado desde a fundação do mundo.35 Pois tive fome, e me destes de comer, tive sede, e me destes de beber; fui es-trangeiro, e vós me acolhestes. 36 Quando necessitei de roupas, vós me vestistes; estive enfermo, e vós me cui-dastes; estive preso, e fostes visitar-me’. 37 Então, os justos desejarão saber: ‘Mas, Senhor! Quando foi que te encontramos com fome e te demos de comer? Ou com sede e te saciamos?38 E quando te recebemos como estran-geiro e te hospedamos? Ou necessitado de roupas e te vestimos?39 Ou ainda, quando estiveste doente ou encarcerado e fomos ver-te?’.

apenas uma conseqüência natural na vida diária de quem já foi contemplado, abraçou a fé em Jesus e agora vive a alegria da Salvação, mesmo em meio aos sofrimentos deste mundo. É um julgamento semelhante àquele pronunciado contra o convidado que comparece à festa eterna sem vestir-se da justificação (salvação) em Cristo (22.12-14).

6 A palavra “banqueiro” vem do grego trapeza (mesa), e ainda hoje é comum ver essa palavra nas fachadas das instituições financeiras na Grécia. Na época de Jesus, os “banqueiros” eram pessoas que ficavam sentadas atrás de pequenas mesas e trocavam dinheiro (21.12). Outra palavra interessante é “juro”, que tinha o sentido de “prole”, ou seja, os juros eram considerados “filhotes” do principal emprestado ou investido.

7 Os escravos foram libertos e elevados à posição de servos (mordomos), aos quais aquele senhor confiou todos os seus bens. O servo que não fez uso do talento concedido, agiu assim porque não gostava do seu senhor e desconfiava dele. Não queria trabalhar e se arriscar apenas para tornar o senhor mais rico. Preferiu a conveniência e a tranqüilidade de uma aparente isenção de responsabilidade. Os dons e talentos de Deus multiplicam-se quando os utilizamos, pois transformam nossas vidas e ficamos preparados para receber ainda mais da plenitude do Espírito Santo. O amor de Cristo em nós gera mais amor, a fé mais fé, o caráter mais caráter de Deus nos crentes, e a obediência à Palavra do Senhor produz uma fonte de virtudes que influencia todo o ambiente (2Pe 1.3-7).

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40 Então o Rei, esclarecendo-lhes respon-derá: ‘Com toda a certeza vos asseguro que, sempre que o fizestes para algum destes meus irmãos, mesmo que ao me-nor deles, a mim o fizestes’.8

41 Mas o Rei ordenará aos que estiverem à sua esquerda: ‘Malditos! Apartai-vos de mim. Ide para o fogo eterno, preparado para o Diabo e os seus anjos. 42 Porquanto tive fome, e não me destes de comer; tive sede, e nada me destes de beber. 43 Sendo estrangeiro, não me hospedas-tes; estando necessitado de roupas, não me vestistes; encontrando-me enfermo e aprisionado, não fostes visitar-me’.44 E eles também perguntarão: ‘Mas Se-nhor! Quando foi que te vimos com fome, sedento, estrangeiro, necessitado de rou-pas, doente ou preso e não te auxiliamos?’45 Então o Rei lhes sentenciará: ‘Com toda a certeza vos asseguro que, sempre que o deixastes de fazer para algum des-tes meus irmãos, mesmo que ao menor deles, a mim o deixastes de fazer’. 46 Sendo assim, estes irão para o sofri-mento eterno, porém os justos, para a vida eterna”.

A trama para matar Jesus(Mc 14.3-9; Lc 22.1-2; Jo 11.45-53)

26 Tendo Jesus concluído esses en-sinamentos, declarou aos seus

discípulos: 2 “Como sabeis, daqui a dois dias, a Pás-coa será celebrada; e o Filho do homem será entregue para ser crucificado”.1

3 Enquanto isso, os chefes dos sacerdo-tes e os anciãos do povo se reuniram no palácio do sumo sacerdote, cujo nome era Caifás.2

4 E fizeram um acordo para prender Je-sus por meio de traição e matá-lo. 5 Porém recomendaram: “Que isso não seja feito durante a festa, para que não ocorra grande alvoroço entre o povo”.

Jesus é ungido para o sacrifício(Mc 14.3-9; Jo 12.1-8) 6 E aconteceu que, estando Jesus em Be-tânia, na casa de Simão, o leproso, 7 chegou próximo dele uma mulher portando um frasco de alabastro, repleto de perfume caríssimo, e lhe derramou sobre a cabeça, enquanto ele estava reclinado à mesa. 8 Diante daquela cena, os discípulos se

8 Jesus ensina que o grande pecado do ser humano é a falta do exercício do amor verdadeiro: primeiro em relação ao seu Criador e depois para com seu semelhante e próximo (Tg 4.1-17). Há duas interpretações escatológicas mais aceitas, sobre esse aspecto do Julgamento: 1) Vai acontecer no início de um reino milenar na terra e definirá quem terá o direito de fazer parte do Reino (vv.31,34), com base no tratamento dispensado ao povo israelense (“meus irmãos, mesmo que ao menor deles” – vv.40-46) no período anterior à Grande Tribulação (vv.35-40, 42-45). 2) Para muitos estudiosos, o Julgamento ocorrerá diante do Trono Branco no final dos tempos (Ap 20.11-15). Seu objetivo será identificar as pessoas de todas as épocas, culturas, povos e nações que poderão ingressar no reino eterno dos salvos e aqueles que serão condenados a viver em punição eterna no inferno (vv.34,36). A base desse julgamento definitivo será a atitude de amor com a qual, aqueles que afirmam crer em Deus, trataram seus irmãos e semelhantes (1Jo 3.11-24).

Capítulo 261 Jesus deixou o templo para nunca mais voltar a ele (24.1). Com a saída de Jesus o templo perdeu sua característica de

habitação de Deus. Em frente ao templo, contemplando Jerusalém, Jesus prediz o futuro e seu glorioso retorno. Depois de um período de grande atividade, chega o momento do silêncio e do sacrifício maior. Os Evangelhos não relatam quase nada sobre a juventude de Jesus. Entretanto, narram a história do martírio e do holocausto do Salvador, praticamente, hora a hora. A Paixão (o sacrifício) e a ressurreição, que inicialmente eram fatos enigmáticos e incompreensíveis para os apóstolos, tornam-se agora o significado absoluto de suas vidas e obras. A Paixão de Cristo corresponde à Páscoa dos judeus (em hebraico Pêssach que significa “passar por cima” ou “passar ao lado”): celebração do livramento do povo hebreu do jugo egípcio ocorrido há mais de 35 séculos (Êx 12.13,23,27). Os cordeiros (simbolização de Jesus Cristo) e os cabritos eram sacrificados, em penitência (arrepen-dimento) pelos pecados cometidos, no dia 14 de Nisã (mês judaico por volta de março e abril). A refeição da Páscoa era comida no fim dessa mesma tarde. Como o dia judaico começava após o pôr-do-sol do dia anterior, a Festa da Páscoa foi celebrada no dia 15 de Nisã, uma quarta-feira. Em seguida ocorria a Festa dos Pães sem Fermento (ou Pães Asmos), durava mais sete dias, e fazia parte das comemorações da Páscoa (Êx 12.15-20; 23.15; 34.18; Dt 16.1-8).

2 Os chefes dos sacerdotes, chamados de “principais” e os anciãos (sábios e líderes religiosos do povo), reuniram-se como Sinédrio (Supremo Tribunal dos Judeus) no palácio de Caifás, saduceu, eleito sumo sacerdote (de 18 a 36 d.C), genro e sucessor de Anás (Jo 18.13), que ocupou o cargo entre os anos de 6 a 15 d.C.

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indignaram e comentaram: “Por que este desperdício?9 Porquanto esse perfume poderia ser vendido por alto preço e o dinheiro dado aos pobres!”.10 Percebendo isso, Jesus repreendeu-os: “Por que molestais esta mulher? Ela pra-ticou uma boa ação para comigo.11 Pois, quanto aos pobres, sempre os tendes convosco, mas a mim nem sem-pre me tereis. 12 Ao derramar sobre o meu corpo esse bálsamo, ela o fez como que preparando-me para o sepultamento.3

13 Com toda a certeza vos afirmo: Em todos os lugares do mundo, onde este evangelho for pregado, igualmente será contado o que essa mulher realizou, como um memorial a ela”.

O pacto da traição(Mc 14.10-11; Lc 22.3-6)14 E aconteceu que um dos Doze, chama-do Judas Iscariotes, foi ao encontro dos chefes dos sacerdotes e lhes propôs:15 “O que me dareis caso eu vo-lo entre-

gue?”. E lhe pagaram o preço: trinta moe-das de prata.16 E, desse momento em diante, procu-rava Judas uma ocasião apropriada para entregar Jesus.

A Ceia do Senhor(Mc 14.12-26; Lc 22.7-23; Jo 13.18-30)17 No primeiro dia da festa dos Pães Asmos, os discípulos aproximaram-se de Jesus e o consultaram: “Onde desejas que preparemos a refeição da Páscoa?”.18 Ao que Jesus os orientou: “Ide à cidade, procurai um certo homem e falai a ele: ‘O Mestre manda dizer-te: É chegada a minha hora. Desejo celebrar a Páscoa em tua casa, juntamente com meus discípulos.’”19 Os discípulos fizeram como Jesus lhes havia instruído e prepararam a Páscoa.4

Jesus revela o traidor(Mc 14.17-21; Lc 22.21-23; Jo 13.21-30)20 Ao pôr-do-sol, estava Jesus reclinado, próximo à mesa, com os Doze.5

3 Era costume, no antigo Oriente, ungir a cabeça dos convidados em dias festivos, que praticamente deitavam-se sobre um tipo de almofada ou divã, ao redor de uma mesa bem mais baixa do que as nossas. Com o braço esquerdo se apoiavam sobre as al-mofadas e com o direito se serviam dos alimentos. Davi escreve um poema em louvor a Yahweh (O nome impronunciável de Deus, em hebraico: ), no qual descreve a felicidade que há na comunhão com Deus usando a metáfora de uma ceia preparada pelo Senhor (Sl 23.5). Jesus foi visitar alguns amigos em Betânia, uma aldeia que distava cerca de 3 km de Jerusalém. O anfitrião, Simão, fora curado de lepra por Jesus (Mc 14.3). Lázaro estava presente, Marta servia e Maria, irmã de Lázaro e Marta, assume a responsabilidade da hospitalidade amorosa e reverente (Lc 7.46), mas realiza o ato tradicional à sua maneira. Um escravo ungiria a cabeça do hóspede do seu senhor com óleo e lavaria seus pés com água. Maria ofereceu a mais preciosa e cara essência de plantas (nardo, palavra persa nard que em sânscrito nalàdá significa “óleo perfumado”) importada da Índia (em grego Myrón). Marcos (Mc 14.5) informa que o valor daquele alabastro (frasco de mármore lacrado e com gargalo longo, o qual era quebrado no instante do uso, e cujo conteúdo devia ser todo consumido em uma só aplicação para não perder suas propriedades químicas e aromáticas) era de 300 denários, o que correspondia ao salário anual de um trabalhador ou soldado romano (20.2; Jo 6.7). Maria ungiu a cabeça e os pés de Jesus (Mc 14.3-9; Jo 12.1-8) realizando a cerimônia completa de honra e hospitalidade com a qual os judeus deveriam acolher seus irmãos e amigos, numa demonstração de temor a Deus, humildade e amor ao próximo, princípios básicos da Torá (os primeiros cinco livros da Bíblia, a Lei de Deus) e dos ensinos de Jesus (Lc 7.44; Jo 13.1-17). Considerando que Judas traiu Jesus por cerca de 120 denários, é fácil imaginar sua irritação ao ver a atitude de Maria em relação unicamente à pessoa de Cristo (Jo 12.4-5). Na época da Páscoa era um costume judaico presentear os pobres. Jesus aproveita para esclarecer os discípulos e amigos quanto à proximidade do seu martírio, salientando que Maria havia compreendido verdadeiramente quem é Deus, qual o sentido da adoração (que é consagrar a Deus os nossos mais caros afetos), e que estava cuidando da preparação (somente os nobres tinham seu corpo embalsamado ou mumificado) do seu corpo para o sepultamento. Jesus ainda faz uma alusão à Lei e afirma que a ajuda e o acolhimento aos mais necessitados é tarefa contínua do povo de Deus todos os dias do ano (Dt 15.11). Jesus ergue um memorial a Maria, uma pessoa desconhecida na história, mas cujo ato inspira gerações e gerações em todo o mundo, a ter uma visão correta e prática do que significa amar a Deus.

4 Os discípulos prepararam a Ceia conforme a orientação de Jesus e as prescrições da Lei (Êx 12.1-11) e tiveram de imolar o cordeiro pascal. Jesus celebrou sua última Páscoa judaica com seus discípulos na véspera da data oficial, pois no dia do feriado religioso e nacional que marca a Páscoa, Ele mesmo estaria sendo retirado, morto, da Cruz. O Cordeiro Pascal Imolado para a Salvação de todo aquele que nele crer (Jo 1.12).

5 É interessante notar a ordem dos acontecimentos daquela noite: a refeição pascal; o ato de lavar os pés dos discípulos (Jo

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21 E, durante a refeição, Jesus revelou: “Com toda a certeza vos afirmo que um dentre vós me trairá”. 22 Essa declaração consternou a todos e começaram a indagar, um após outro: “Senhor! Porventura, serei eu?”.23 Indicou-lhes Jesus: “Aquele que comeu juntamente comigo, do mesmo prato, este é o que vai me trair.24 O Filho do homem vai, como de fato está escrito a respeito dele. Mas ai daque-le que trai o Filho do homem! Melhor lhe seria jamais haver nascido”. 25 Então Judas, que haveria de consumar a traição, disse: “Acaso, seria eu, meu Mestre?”. E Jesus afirmou-lhe: “Sim, tu o declaraste!”.6

A Ceia do Senhor(Mc 14.22-26; Lc 22.14-20; 1Co 11.23-25)26 Enquanto comiam, Jesus pegou um pão, deu graças, quebrou-o, e o deu aos seus discípulos, recomendando: “Tomai, comei; isto é o meu corpo”. 27 Em seguida tomou um cálice, deu graças e o entregou aos seus discípulos, procla-mando: “Bebei dele todos vós. 28 Pois isto é o meu sangue da aliança, derramado em benefício de muitos, para remissão de pecados.

29 E vos afirmo que, de agora em diante, não mais tomarei deste fruto da videira até aquele dia em que beberei o novo vinho, convosco, no Reino de meu Pai”.30 E assim, após terem cantado um hino de louvor, saíram para o monte das Oli-veiras.7

Jesus prediz a traição de Pedro(Mc 14.27-31; Lc 22.31-34; Jo 13.36-38)31 Então Jesus lhes revelou: “Ainda esta noite, todos vós me abandonareis. Pois assim está escrito: ‘Ferirei o pastor, e as ovelhas do rebanho serão afugentadas’.8

32 Todavia, depois de ressuscitar, seguirei adiante de vós rumo à Galiléia”.33 Respondeu-lhe Pedro: “Ainda que venhas a ser motivo de escândalo para todos, eu jamais te abandonarei!”.34 Replicou-lhe Jesus: “Com certeza te asse-guro que, ainda nesta noite, antes mesmo que o galo cante, três vezes tu me negarás”.35 Então Pedro lhe declarou: “Mesmo que seja necessário que eu morra junto a ti, de modo algum te negarei!”. E todos os discí-pulos fizeram a mesma afirmação.

Jesus ora no Getsêmani (Mc 14.32-42; Lc 22.39-46) 36 Seguiu Jesus com seus discípulos e

13.1-20); a revelação de Judas como o traidor (Mt 26.21-25); a deserção de Judas (Jo 13.30); a instituição da Ceia do Senhor (Mt 26.26-29); os discursos no Cenáculo e a caminho do Getsêmani (Jo 14, 15 e 16); a oração sacerdotal de Jesus (Jo 17); a angústia de Cristo no Getsêmani (Mt 26.36-46); o desfecho da traição e a prisão de Jesus (Mt 26.47-56).

6 Jesus não foi vítima involuntária das artimanhas do Diabo nem da inveja ou da avareza dos homens. Jesus não foi surpre-endido pelos ardis do inferno nem pelas fraquezas da humanidade. Ele, por sua livre e espontânea vontade, se ofereceu em obediência ao Pai e em sacrifício (holocausto) para resgate de todo o mundo. Jesus respondeu, decerto, a Judas em voz baixa, para que os demais discípulos não ouvissem e viessem a impedir o intento do traidor.

7 O NT apresenta quatro relatos sobre a Ceia do Senhor (Mt 26.26-28; Mc 14.22-24; Lc 22.19,20 e em 1 Co 11.23-25). Lucas e Paulo registraram a ordem de Jesus para que a Igreja continuasse a celebrar a Ceia, como um memorial, até a Sua volta iminente. Jesus escolheu o pão sem fermento e o vinho comum para serem apenas símbolos (metáforas físicas) do que Ele é para os crentes (todos os que crêem em Cristo) e do seu ato de sacrifício, para pagar o preço do pecado de todo ser humano. Por isso, todos os seguidores de Jesus (discípulos) são convidados e devem participar da Ceia do Senhor todas as vezes em que for celebrada, comendo do pão e tomando do vinho; com consciência pura diante de Deus (1 Co 11.28), louvor e esperança no coração. A palavra “eucaristia” vem de um termo grego que significa “dar graças”. A primeira “Aliança” foi estabelecida pela aspersão do sangue de animais sacrificados (Êx 24.8; Jr 31.31; Zc 9.11; Hb 9.19-28). A nova e derradeira “Aliança” foi instaurada pelo próprio sangue do Filho de Deus, vertido sobre a verga e umbral da Cruz (Hb 8.7-13). Depois de cearem, Jesus e seus discípulos cantaram um hino tradicional de louvor a Deus, baseado nos salmos 115 a 118, chamado em hebraico Hallel (Louvor) da Páscoa. Em seguida partiram para o Getsêmani (nome que significa em hebraico “prensa de azeite”), espécie de grande pomar localizado na encosta inferior do monte das Oliveiras, também chamado de “Jardim das Oliveiras”, um dos locais preferidos de Jesus para oração e meditação (Lc 22.39; Jo 18.2) e onde se esmagava o fruto das oliveiras para a produção de azeite.

8 Todos os seguidores de Jesus, inclusive os discípulos mais chegados, abandonariam o Senhor antes do final daquela noite (verso 56) conforme já havia sido profetizado (Zc 13.7).

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chegando a um lugar chamado Getsê-mani disse-lhes: “Assentai-vos por aqui, enquanto vou ali para orar”. 37 Levou consigo a Pedro e aos dois filhos de Zebedeu, e começando a entristecer-se ficou profundamente angustiado.38 Então compartilhou com eles dizendo: “A minha alma está sofrendo dor extre-ma, uma tristeza mortal. Permanecei aqui e vigiai junto a mim”.39 Seguindo um pouco mais adiante, prostrou-se com o rosto em terra e orou: “Ó meu Pai, se possível for, passa de mim este cálice! Contudo, não seja como Eu desejo, mas sim como Tu queres”. 40 Mas, ao retornar à presença dos seus discípulos os encontrou dormindo e questionou a Pedro: “E então? Não pudes-tes vigiar comigo durante uma só hora? 41 Vigiai e orai, para não cairdes em tenta-ção. O espírito, com certeza, está prepara-do, mas a carne é fraca”.9 42 E afastando-se uma vez mais, orou dizendo: “Ó meu Pai, se este cálice não puder passar de mim sem que eu o beba, seja feita a tua vontade”. 43 Quando voltou, entretanto, surpre-endeu novamente seus discípulos dor-mindo, pois não suportaram os olhos pesados de sono.

44 Então, retirou-se novamente, e foi orar pela terceira vez, proferindo as mesmas palavras.45 Passado algum tempo, voltou aos discípulos e indagou: “Ainda dormis e descansais? Eis que a hora é chegada! Agora o Filho do homem está sendo entregue nas mãos de pecadores.46 Levantai-vos e sigamos! Eis que meu traidor está se aproximando”.10

Jesus é traído e preso (Mc 14.43-50; Lc 22.47-53; Jo 18.1-11)47 E, estando Ele ainda a falar, eis que chegou Judas, um dos Doze, e trazia consigo uma grande multidão armada de espadas e porretes, vinda da parte dos chefes dos sacerdotes e dos líderes religiosos do povo.11

48 Mas o traidor havia combinado um sinal com eles, informando-lhes: “Aquele a quem eu saudar com um beijo, esse é quem procurais, prendei-o!”.49 Então, aproximando-se rapidamente de Jesus, disse-lhe Judas: “Eu te saúdo, ó Mestre!”. E lhe deu um beijo.50 Jesus, contudo, lhe perguntou: “Amigo, para que vieste?”. os homens avaçaram sobre Jesust?”. No mesmo instante sobre Jesus e o prenderam.12

9 Este é um dos trechos bíblicos onde a completa humanidade de Jesus é retratada com mais evidência (Hb 5.7). Jesus demons-tra que o verdadeiro caráter de uma pessoa se revela nos momentos mais difíceis e dramáticos. Aprendemos também a aceitar que haverá ocasiões em nossa vida em que teremos de enfrentar o sofrimento sem o apoio, conforto ou companhia dos amigos. O Senhor, porém, estará sempre presente. Por isso Jesus pede que os discípulos vigiem com Ele. Não apenas para seu consolo, posto que se afasta dos discípulos à distância de um arremesso de pedra (como se relata nos originais), mas para que eles pudessem se preparar espiritualmente para a grande batalha. Jesus clama por seu Abba (em aramaico “pai querido”). Experimenta a fraqueza humana ao extremo, mas sem pecar. Cita Sl 43.5. Busca a orientação e o consolo do Pai. Sente quão terrível é ficar sem o amparo de Deus, ainda que por instantes, e assume sobre si todo o pecado que a raça humana deveria pagar por sua infidelidade para com Deus, desde os primórdios (Gn 2.15-17; 3.22-24; 4.1-8). O ato de obediência amorosa e aceitação espontânea de Jesus no Getsê-mani corresponde à tentação no deserto, quando Jesus rejeitou governar o mundo sem Deus. Agora Ele concorda em morrer por nós com Deus. Por isso, sua morte e ressurreição foram ainda mais relevantes que sua vida de testemunho e milagres, ao contrário de todos os líderes que a terra já conheceu (1Co 2.2). Contudo, o Pai não responde. O Filho, em agonia, insiste por três vezes (Lc 22.44). Deus fica em silêncio na imensidão da noite; os amigos dormem. Jesus compreende que a resposta às suas aflições já havia sido dada (Hb 5.8; 12.2). O Pai tinha de permitir o cumprimento da história. Jesus se levanta da batalha, liberto dos seus temores e aflições; consciente do alto preço a pagar, mas resoluto quanto à sua missão (Lc 22.22; Hb 9.14).

10 A frase de Jesus, nos melhores originais, indica não que ele tenha procurado fugir, mas, sim, que partiu e convocou seus discípulos para se encontrarem com os oficiais que o procuravam.

11 Judas organiza sua emboscada contra Jesus acompanhado dos mais importantes sacerdotes, mestres da Lei e líderes religio-sos do povo. E cerca de 500 policiais armados e serventes do Sinédrio (Tribunal), destinados a manter a ordem pública; soldados especiais da corte romana (Jo 18.3), vindos da fortaleza de Antônia, equipados com armas e lanternas (apesar da forte lua cheia da época), pois conheciam e temiam os poderes sobrenaturais de Jesus, embora Ele nunca os tenha usado em benefício próprio.

12 A palavra grega usada para descrever o beijo de Judas é kataphilein, o mesmo tipo de saudação calorosa com que o pai

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51 Eis que um dos que estavam com Je-sus, estendendo a mão, puxou a espada e ferindo o servo do sumo sacerdote, decepou-lhe uma das orelhas. 52 Mas Jesus lhe ordenou: “Embainha a tua espada; pois todos os que lançam mão da espada pela espada morrerão! 53 Ou imaginas tu que Eu, neste momen-to, não poderia orar ao meu Pai e Ele co-locaria à minha disposição mais de doze legiões de anjos?54 Entretanto, como então se cumpririam as Escrituras, que afirmam que tudo deve acontecer desta maneira?”.55 E naquele mesmo instante Jesus se dirige às multidões indagando-lhes: “Lidero Eu algum tipo de rebelião, para que venham contra mim com espadas e porretes e me prendam? Pois todos os dias estive ensinan-do no templo e vós não me prendestes!56 Todavia, esses fatos todos ocorreram em cumprimento às Escrituras dos profetas”. E assim, todos os discípulos abandonaram a Jesus e fugiram.13

Jesus diante do tribunal (Mc 14.53-65; Lc 22.63-71; Jo 18.12-14, 19-24)57 Então, os que prenderam Jesus o con-duziram à presença de Caifás, o sumo sacerdote, em cuja residência estavam reunidos os mestres da lei e os anciãos.

58 Contudo Pedro seguiu a Jesus de longe até o pátio do sumo sacerdote, entrou e sentou-se junto aos guardas, para sondar qual seria o fim daquela ocorrência. 59 Mas os líderes dos sacerdotes e todo o Sinédrio estavam tentando suscitar um falso testemunho contra Jesus, para que tivessem o direito de condená-lo à morte.14

60 Todavia, nada encontraram, apesar de se terem apresentado vários depoi-mentos inverídicos. Ao final, entretanto, compareceram duas testemunhas que alegaram: 61 “Este homem afirmou: ‘Tenho poder para destruir o santuário de Deus e re-construí-lo em três dias’”.15

62 Então o sumo sacerdote levantou-se e interrogou a Jesus: “Não tens o que res-ponder a estes que depõem contra ti?”.63 Mas Jesus manteve-se em silêncio. Diante do que o sumo sacerdote lhe inti-mou: “Eu te coloco sob juramento diante do Deus vivo e exijo que nos digas se tu és o Cristo, o Filho de Deus!”.16

64 “Tu mesmo o declaraste”, afirmou-lhe Jesus. “Contudo, Eu revelo a todos vós: Chegará o dia em que vereis o Filho do homem assentado à direita do Todo-Poderoso, vindo sobre as nuvens do céu!”.

recebeu o filho pródigo (Lc 15.20). Apesar de Judas estar cometendo uma ofensa terrível, Jesus consegue ver na pessoa de Judas a figura do ser humano distante de Deus: avarento, invejoso, arrogante, iludido, tresloucado e perdido; mas, ainda assim, alguém a quem Jesus amava e considerava como membro da sua família de discípulos. Da mesma maneira o Senhor amou os seus próprios algozes (Lc 23.34) e pela salvação de todos nós se entregou (Lc 15.1-2; Jo 3.16).

13 O discípulo amado, João, escrevendo seu Evangelho, após a morte dos protagonistas, esclarece que foi Pedro quem, num golpe de espada, cortou fora a orelha de Malco, um dos servos do sumo sacerdote (Jo 18.10). Jesus declara que poderia receber de Deus uma ajuda imediata, com mais de 72.000 anjos (considerando que, naquela época, uma legião era formada por até 6.000 soldados). Lembremos que apenas um anjo foi suficiente para ferir todo o Egito (Êx 12.23-27) e libertar o povo de Israel do cativei-ro. Jesus estava consciente de que a vontade do Pai deveria ser cumprida em todos os detalhes (Zc 13.7). Aceitou tomar o cálice do sacrifício histórico e servir de holocausto para a libertação do crente (toda pessoa que crê em Sua obra vicária e Palavra).

14 O julgamento de Jesus foi injusto e ilícito por vários motivos, especialmente por ter ocorrido durante a noite e com testemunhas e acusações forjadas, contrariando as leis judaicas (Dt 19.15) e romanas da época. Jesus foi levado primeiro para uma audiência perante Anás, ex-sumo sacerdote (Jo 18.12-14, 19.23); depois para julgamento diante de Caifás, sumo sacerdote em exercício e genro de Anás, e do Supremo Concílio Judaico, chamado de Sinédrio (26.57-68; 27.1). Em seguida, levado ao julgamento romano, diante de Pilatos (Mc 15.2-5), depois levado à presença de Herodes Antipas (Lc 23.6-12), retornando à presença de Pilatos (Mc 15.6-15) para conclusão e condenação final.

15 Obrigar um réu a declarar algo sob juramento diante de Deus era uma atitude ilícita, claramente expressa na jurisprudência israelita, que não tolerava qualquer tipo de tortura ou coação moral e religiosa.

16 Jesus jamais fez tal afirmação. As falsas testemunhas distorceram as palavras de Jesus (Jo 2.19), para forjar uma acusação de blasfêmia, cuja pena era a morte.

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65 Diante disso, o sumo sacerdote rasgou as suas vestes denunciando: “Ele blasfe-mou! Por que necessitamos de outras testemunhas? Eis que acabais de ouvir tal blasfêmia!”.17

66 “Que vos parece?”. Responderam eles: “Culpado e merecedor de morte é!”.67 Neste momento, alguns cuspiram em seu rosto e o esmurravam, enquanto ou-tros lhe desferiam tapas, vociferando: 68 “Profetiza-nos, pois, ó Cristo, quem é que te bateu?”.18

Quando Pedro negou a Jesus (Mc 14.66-72; Lc 22.54-62; Jo 18.15-18, 25-27)69 Pedro encontrava-se assentado do lado de fora da casa, no pátio, quando uma criada, aproximando-se dele, afirmou: “Tu também estavas com Jesus, o galileu!”. 70 Ele, entretanto, negou a Jesus perante todos os presentes, declarando: “Não sei do que falas.”. 71 E, saindo em direção à entrada do pátio, foi ele reconhecido por outra criada, a qual o denunciou a todos que ali se achavam, exclamando: “Este homem estava com Jesus, o Nazareno!”.72 Mas Pedro, sob juramento, o negou uma vez mais, afirmando: “Não conheço tal indivíduo”.. 73 Algum tempo mais tarde, os que esta-vam ao redor aproximaram-se de Pedro e o acusaram: “Com toda a certeza és igualmente um deles, porquanto o teu modo de falar o denuncia”.19

74 Então, ele começou a jurar e a pedir a Deus que o amaldiçoasse caso não es-tivesse dizendo a verdade, e exclamou: “Não conheço esse homem!”. No mes-mo instante um galo cantou.75 E naquele momento, Pedro se lembrou da palavra de Jesus que lhe advertira: “Antes que o galo cante, tu me negarás três vezes.” E, deixando aquele lugar, chorou amargamente.20

Jesus é levado a Pilatos (Mc 15.1; Lc 23.1-2; Jo 18.28-32)

27 Assim que o dia amanheceu, to-dos os chefes dos sacerdotes, e os

líderes religiosos, anciãos do povo, cons-piraram para condenar Jesus à morte.1

2 Então, amarrando-o, levaram-no e o entregaram a Pilatos, o governador.2

Judas com remorso suicida-se! 3 E sucedeu que Judas, seu traidor, ao ver que Jesus havia sido condenado, sentiu terrível remorso e procurou devolver aos chefes dos sacerdotes e aos anciãos as trinta moedas de prata. 4 E declarou: “Pequei, pois traí sangue inocente”. Mas eles alegaram: “O que temos a ver com isso? Esta é tua ques-tão!”.5 Judas atirou então as moedas de prata dentro do templo e, abandonando aque-le lugar, foi e enforcou-se.

6 Entretanto, os chefes dos sacerdotes ajuntaram as moedas e comentaram: “É

17 O sumo sacerdote era proibido pela lei de agir dessa maneira e com tamanha força emocional (Lv 10.6); mas, para caracterizar seu horror diante do suposto pecado de infâmia e jogar o público presente contra Jesus, ele se permitiu o chamado “ato extremo”.

18 Marcos informa que vendaram os olhos de Jesus (Mc 14.65), o que explica a provocação em tom de zombaria.19 Pedro, como Jesus, tinha um sotaque indiscutivelmente galileu, facilmente identificado pelos naturais de Jerusalém. 20 A seqüência de erros cometidos por Pedro tem muito a nos ensinar: 1) Demasiada autoconfiança e falta de humildade (v.33).

2) Desobediência ao pedido de Jesus para dedicar-se à vigilância e oração (vv.40-44). Esquecimento quanto às advertências e conselhos de Jesus (v.75; conforme v.34). Conclusão: grandes quedas na vida cristã são conseqüência da prática de pequenos erros despercebidos ou tratados com displicência.

Capítulo 271 Como a Lei não permitia que o Sinédrio (Supremo Tribunal dos Judeus) tivesse reuniões juridicamente válidas, durante a noite, for-

mou-se um outro conselho logo ao nascer do dia com o propósito de oficializar a acusação de “traição” perante a autoridade civil (Lc 23.1-14), mais incriminadora para os romanos do que “blasfêmia” para os juízes judeus; e assim, levar Jesus à sentença de morte.

2 O Sinédrio tinha sido destituído pelo governo romano do seu poder de condenar qualquer cidadão à pena de morte. Por esse motivo, Jesus só poderia ser executado por ordem expressa de Pilatos, o governador romano da Judéia (26 a 36 d.C.). Sua residência oficial ficava em Cesaréia, no litoral do Mediterrâneo. Quando visitava Jerusalém, especialmente nas festas nacionais, para garantir a ordem e ostentar o domínio de Roma, hospedava-se no deslumbrante palácio erguido por Herodes, o Grande, localizado a oeste do Templo, onde presidiu o julgamento romano de Jesus.

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contra a lei depositarmos este dinheiro no cofre das ofertas, pois foi obtido a preço de sangue”. 7 Mas concordaram em usar aquelas moedas de prata para comprar o Campo do Oleiro, e formar um cemitério para estrangeiros.8 Por esse motivo ele se chama Campo de Sangue até estes dias.9 E assim se cumpriu o que fora anuncia-do pelo profeta Jeremias: “Então eles to-maram as trinta moedas de prata, o valor que lhe atribuíram os filhos de Israel.3

10 E as usaram para comprar o Campo do Oleiro, assim como o Senhor me ha-via indicado”.

Pilatos lava as mãos (Mc 15.1-15; Lc 23.1-5, 13-25; Jo 18.33-19.16)11 Jesus foi conduzido à presença do go-vernador; e este o interrogou: “És tu o rei dos judeus?”. Afirmou-lhe Jesus: “Tu o dizes”.4 12 Então, passou a ser acusado pelos che-fes dos sacerdotes e pelos anciãos, mas Ele nada respondeu.13 Foi quando lhe questionou Pilatos: “Não ouves a acusação que todos levan-tam contra Ti?”14 Jesus, entretanto, mantinha-se em ab-soluto silêncio; e, por isso, ficou o gover-nador fortemente impressionado. 15 Contudo, por ocasião da festa, era cos-

tume do governador dar liberdade a um prisioneiro escolhido pelo povo. 16 Detinham eles, naqueles dias, um criminoso muito conhecido de todos, chamado Barrabás. 17 Então, Pilatos dirigiu-se à multidão que ali se havia reunido e lhes propôs: “A quem desejais que eu vos solte, a Bar-rabás ou a este Jesus, que é chamado de Messias?”.18 Isso porque tinha conhecimento de que o haviam entregado por inveja. 19 E aconteceu que estando Pilatos senta-do no trono do tribunal, sua esposa lhe enviou a seguinte mensagem: “Não faças nada contra este homem inocente; pois hoje, em sonho, muitas coisas sofri por causa dele”.5

20 Todavia, os chefes dos sacerdotes e os anciãos influenciaram a multidão para exigir o livramento de Barrabás e a exe-cução de Jesus.21 Então, o governador entregou à mul-tidão o dilema: “Qual dos dois homens quereis que eu vos deixe livre?” Exclama-ram eles: “Barrabás!”.22 Pilatos ainda questionou-lhes: “Se assim é, que farei de Jesus, que é chamado de Messias?” Bradaram todos: “Crucifica-o!”. 23 Outra vez insta Pilatos: “Por quê? Que crime cometeu este homem?”. Apesar de tudo, a multidão esbravejava ainda mais furiosa: “Crucifica-o!”.

3 Lucas (At 1.18) informa que Judas comprou um terreno argiloso (Campo de Sangue ou Vale da Matança de Jr 19.1-13 com Zc 11.12,13 e Jr 18.2-12 com Jr 32.6-9), pois pela lei judaica considerava-se a aquisição em nome da pessoa da qual provinha o dinheiro, mesmo no caso de falecimento. Enforcou-se e foi empalado (suplício persa usado algumas vezes pelos exércitos israelenses, Gn 40.19; Et 2.23, e que consistia em espetar o condenado em uma estaca, pelo ânus, deixando-o assim até morrer). Quando seu corpo caiu apodrecido sobre a terra, partiu-se ao meio. Mateus faz alusão a dois textos do AT para revelar o cumpri-mento desta terrível profecia (Jr 32.6-9 e Zc 11.12-13). Era comum citar-se o profeta maior quando se combinavam seus escritos com profetas menores (assim como Marcos 1,2,3 cita Ml 3.1 e Is 40.3, mas atribui todo o texto a Isaías). Judas sempre teve olhos somente para si mesmo e seus interesses. Por isso, em vez de chorar e se arrepender como Pedro, não consegue tirar os olhos de si mesmo e do seu pecado e só viu a morte como solução. Exatamente o que o Diabo espera que todo ser humano faça.

4 Flávio Josefo, historiador judeu que viveu em Roma entre os séculos I e II d.C.; narra vários atos de impiedade e falta de sabedoria de Pilatos, cujo principal registro na história está ligado exclusivamente à sua atuação na condenação de Jesus. Pilatos desviava fundos do templo, massacrou alguns samaritanos sem um julgamento justo, foi deposto pelos romanos e suicidou-se entre os anos 31 e 41d.C.

5 Pilatos era muito supersticioso e pesou-lhe o sonho de sua esposa pagã. Além disso, o nome “Barrabás” em aramaico significa “filho do pai” e Jesus era conhecido como “Filho do Pai” em relação a Deus. Pilatos percebeu a divindade de Jesus (Jo 19.11-12). Tentou aproveitar a tradição do indulto de Páscoa para influenciar a multidão a pedir a libertação de Jesus. Mas o povo, atiçado pelos sacerdotes e anciãos, sedento pela volta do bandido zelote (Mc 15.7,27; Jo 18.40) às suas atividades

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24 Percebendo Pilatos que não conseguia demover o povo, mas, ao contrário, um princípio de tumulto já era visível, or-denou que lhe trouxessem água, lavou as mãos diante da multidão e exclamou: “Estou inocente do sangue deste homem justo. Esta é uma questão vossa!”.25 E todo o povo respondeu: “Caia sobre nossas cabeças o seu sangue, e sobre nos-sos filhos!”.”6

26 Diante disso, Pilatos soltou-lhes Bar-rabás, mandou que Jesus fosse flagelado e o entregou para ser crucificado.7

Jesus é humilhado e agredido (Mc 15.16-20)27 E sucedeu que os soldados do gover-nador conduziram Jesus ao Pretório e agruparam toda a tropa ao redor dele.8

28 Despojaram-no de suas vestes e o co-briram com um manto vermelho vivo.29 Trançaram uma coroa de espinhos e a forçaram sobre sua cabeça. Puseram em sua mão direita um caniço e, ajoelhando-se diante dele, escarneciam exclamando: “Salve! Salve! Ó Rei dos Judeus!”.30 Cuspiram nele e, tirando o caniço de sua mão, espancavam-lhe com ele a cabeça. 31 Depois de haverem zombado dele, despiram-lhe o manto e o vestiram com suas próprias roupas. Em seguida, o leva-ram para ser crucificado.

A crucificação do Rei (Mc 15.22-32; Lc 23.32; Jo 19.17-24)32 Assim que saíram, encontraram um homem da cidade de Cirene, chamado Simão, e o obrigaram a carregar a cruz.9

subversivas contra Roma, rejeita o “Filho de Deus” e aclama o “filho do homem pecador”. A humanidade, narcisista e hedonista, tende a ignorar o verdadeiro Deus e seus profetas e se entrega nas mãos de sua própria imagem e caráter, de um seu semelhante induzido pelo Diabo.

6 Pilatos, de sua cátedra (trono, cadeira, estrado) de juiz, evoca uma tradição judaica de obediência à Lei de Moisés (Dt 21.1-9), numa tentativa de esquivar-se da responsabilidade de condenar um justo à pena de morte, ainda mais sendo o “Filho de Deus”. Entretanto, uma pequena multidão ensandecida tomou para si e para seus descendentes todo o ônus daquele julgamento injusto. Alguns líderes justos se manifestaram contra, mas não foram ouvidos (Lc 23.51). Cerca de 40 anos mais tarde, mesmo antes do cerco a Jerusalém, o sangue dos judeus jorrava por todo país. Ao final do ano 66 foram trucidados mais de 20.000 judeus em Cesaréia, por seus próprios concidadãos gentios. Em Citópolis os sírios massacraram 13.000 judeus. Em Alexandria, mais de 50.000 judeus foram chacinados por cidadãos gregos e soldados romanos, e suas casas, reduzidas a cinzas. O massacre em Je-rusalém não poupou nem os bebês. O próprio pátio do templo virou um lago de sangue. Durante o sítio, os poucos sobreviventes esfomeados eram forçados a roer as próprias sandálias e cintos de couro. Diariamente mais de 500 judeus morriam crucificados, até que não houvesse mais madeira para confeccionar cruzes. Segundo o historiador Flávio Josefo, mais de um milhão de judeus foram mortos durante todo o período do sítio romano. Cerca de 97.000 homens jovens que sobreviveram foram vendidos como escravos, transformados em gladiadores ou morreram na arena do anfiteatro, lutando contra animais ferozes.

7 Pilatos tenta evitar a morte “do divino”, como teria se referido ao Senhor mais tarde, e saciar a sede sanguinária da multidão, submetendo Jesus a uma terrível sessão de açoites. Esse tipo de castigo era tão cruel que fora proibido aos cidadãos romanos, sob qualquer motivo. Apenas escravos e provincianos eram chicoteados como preparação para a crucificação. Os chicotes eram feitos de finas tiras de couro duro, trançadas com pedaços de osso, chumbo e espinhos agudos e venenosos. O martírio de Policarpo, por exemplo, é descrito nos documentos da comunidade de Esmirna como: “dilacerado pelos açoites, a ponto de ser possível ver os vasos sanguíneos interiores e a estrutura do seu corpo”. Eusébio relata sobre o flagelo do cristão Doroteu, sob Diocleciano: “até seus ossos ficaram expostos”. Por isso, eram comuns os flagelados morrerem antes da crucificação. Mas Jesus suportou tudo em silêncio (Is 53). Muito sacrifício foi oferecido para que os discípulos de hoje possam servir a Cristo com liberdade e alegria.

8 O Pretório era a fortaleza de Antônia, residência de Pilatos quando estava em Jerusalém. Dizia-se que uma “tropa” ou “coorte” era composta de um décimo dos soldados que formavam uma “legião”, algo entre 360 e 600 homens.

9 Tem início a via crucis ou via-sacra, o caminho da cruz. O Talmude relata que era costume oferecer ao condenado, antes da crucificação, uma bebida anestesiante, que algumas mulheres piedosas de Jerusalém mandavam preparar às suas custas. Entretanto (v.34), Jesus nega-se a aceitar esse tipo de alívio (Sl 69.19-21; Pv 31.6; Mc 15.23). A cruz era composta de duas peças de madeira, uma viga vertical staticulum e outra horizontal antenna. Na primeira, mais ou menos no centro, era fixado um pino de madeira, chamado de cornu chifre, sobre o qual o crucificado ficava montado. Os crucificados viviam em média cerca de doze horas. A febre que logo se manifestava causava um tipo de sede ardente. A crescente inflamação das feridas nas costas, mãos e pés, o ataque dos insetos e aves carniceiras que se aproximavam devido ao odor de sangue e dos excrementos, assim como a pressão do fluxo sanguíneo contra a cabeça, o pulmão e o coração, e o inchaço de todas as veias provocavam a mais horrível agonia e dor. Cícero dizia: “A crucificação é o mais cruel e terrível dos castigos”. A execução tinha de ocorrer fora da cidade (Lv

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33 Chegaram a um lugar conhecido como Gólgota, que significa Lugar da Caveira.10

34 Deram-lhe para beber uma mistura de vinho com absinto; mas ele, depois de prová-la, negou-se a beber.35 E aconteceu que após sua crucificação, dividiram entre si as roupas que lhe per-tenciam, jogando sortes.36 E se acomodaram ali, para o vigiar. 37 Acima de sua cabeça fixaram por es-crito a acusação forjada contra ele: “ESTE É JESUS, O REI DOS JUDEUS”.38 Dois ladrões foram crucificados com ele, um à sua direita e outro à sua esquerda. 39 As pessoas que passavam lançavam-lhe impropérios, balançando a cabeça. 40 E exclamavam: “Ó tu que destróis o templo e em três dias o reconstróis! Ago-ra salva-te a ti mesmo. Desce desta cruz, se és o Filho de Deus!”. 41 Do mesmo modo, os chefes dos sa-cerdotes, os mestres da lei e os anciãos zombavam dele, vociferando: 42 “Salvou a muitos, mas a si mesmo não pode salvar-se. É o Rei de Israel! Desça agora da cruz, e passaremos a crer nele. 43 Pregou sua confiança em Deus. Então que Deus o salve neste instante, se ver-

dadeiramente por ele tem piedade, pois afirmou: ‘Sou Filho de Deus!’”.44 Igualmente o ultrajavam os ladrões que ao seu lado haviam sido também crucificados.11

A morte de Jesus na cruz(Mc 15.33-41; Lc 23.44-49; Jo 19.28-30)45 Então, profundas trevas caíram por sobre toda a terra, do meio-dia às três horas da tarde daquele dia.12

46 E, por volta das três horas da tarde, Jesus clamou com voz forte: “Eloí, Eloí, lamá sabactâni?”, que significa “Meu Deus, Meu Deus! Por que me abandonaste?”.47 Mas alguns dos que ali estavam, ao ouvirem isso, comentaram: “Ele chama por Elias”.13

48 Sem demora, um deles correu em busca de uma esponja, embebeu-a em vinagre, colocou-a na ponta de um caniço, ergueu-a até Jesus e deu-lhe a beber. 49 Entretanto, os outros o censuraram: “Deixa! Vejamos se Elias vem livrá-lo”.50 Então Jesus exclamou, uma vez mais, em alta voz e entregou o espírito.14

51 No mesmo instante, o véu do santu-

24.14), como um sinal da exclusão da sociedade humana (Hb 13.12). João relata que Jesus saiu da cidade (Jo 19.17) e, segundo o costume (Mt 10.38), carregou pessoalmente sua cruz. Um seu discípulo africano, chamado Simão, de Cirene (região localizada na Líbia, onde viviam muitos judeus), foi constrangido (em grego, engareusan – palavra que tem a ver com o costume militar romano de obrigar os civis a entregar cartas) a seguir o caminho do Calvário, carregando a cruz de Jesus. Mais tarde, Simão e sua família serviram à comunidade cristã que se formava (Mc 15.21; At 6.9; Rm 16.13).

10 A palavra Gólgota é a tradução latina do nome em aramaico da nossa palavra Calvário. Um monte fora dos muros de Jeru-salém, que, visto de longe, se assemelha a uma caveira humana.

11 Jesus, Deus encarnado, foi cravado e erguido numa cruz entre o céu e a terra, fora da sua cidade amada, como sinal de vergonha e horror, com uma acusação escrita nas três principais línguas da sua época. Posto entre dois criminosos, foi escar-necido principalmente pelos mais religiosos e conhecedores das Escrituras. Cumpriram-se todas as profecias sobre o Messias, notadamente as descritas por Davi no Salmo 22 (mil anos antes do nascimento de Jesus). Cristo morreu pelos nossos pecados (1Co 15.3-4). Felizes são os que, humildemente, reconhecem esse fato.

12 Jesus foi crucificado às 9 horas da manhã (a terceira hora dos judeus da época, contada desde o raiar do sol). Ao meio dia (12 horas), densas trevas cobriram a terra. Às três da tarde Jesus expirou. As sete frases que Jesus pronunciou durante essas seis horas de martírio, estão registradas na seguinte ordem: Lc 23.34; Jo 19.26-27; Lc 23.43; Mt 27.46; Jo 19.28; Jo 19.30 e em Lc 23.46.

13 Jesus, num último fôlego, brada em seu dialeto de família, aramaico nazareno, o início do Salmo 22. Chegamos ao mais profundo do mistério da redenção. O Filho de Deus e Filho do homem experimenta a terrível e momentânea separação do Pai, para que seu sacrifício pudesse ser aceito e consumado em resgate de todos os que nele cressem em todas as eras (2Co 5.21). Os circunstantes não compreenderam bem essas palavras e deduziram que Jesus chamava por Elias.

14 Cristo não foi morto diretamente por alguém ou vencido por qualquer infecção (comum aos crucificados na época). Ele, vo-luntariamente, e no auge do seu poder espiritual entregou a sua vida humana (Jo 19.31-37). Depois do seu brado de vitória, Jesus explode seu próprio coração. Especialistas afirmam que foi por isso que, ao perfurarem seu lado com uma lança, imediatamente verteu uma mistura de sangue coagulado e soro (este tem aparência de água). Esse quadro clínico ocorre nos casos de ruptura

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ário rasgou-se em duas partes, de alto a baixo. A terra estremeceu, e fenderam-se as rochas.15 52 Os sepulcros se abriram, e os corpos de muitos santos que haviam morrido foram ressuscitados. 53 E, deixando as sepulturas, logo após a ressurreição de Jesus, entraram na cidade santa e apareceram para muitas pessoas. 54 E aconteceu que o centurião e os que com ele vigiavam a Jesus, vendo o terremo-to e tudo o que se passava, foram tomados de grande pavor e gritaram: “É verdade! É verdade! Este era o Filho de Deus!”.55 Estavam presentes várias mulheres, observando de longe; eram discípulas, que vinham seguindo Jesus desde a Ga-liléia, para o servirem.16 56 Entre as quais estavam Maria Mada-lena; Maria, mãe de Tiago e de José; e a mãe dos filhos de Zebedeu.

O sepultamento do corpo de Jesus (Mc 15.42-47; Lc 23.50-56; Jo 19.38-42)57 Ao pôr-do-sol chegou um homem rico, de Arimatéia, por nome José, o qual havia se tornado discípulo de Jesus. 58 Teve ele uma audiência com Pilatos para pedir-lhe o corpo de Jesus, e Pilatos ordenou que lhe fosse entregue. 59 Então, José tomou o corpo e o envol-veu com um lençol limpo de linho. 60 E o colocou em um sepulcro novo, o

qual ele próprio havia mandado cavar na rocha. E, fazendo rolar uma grande pedra sobre a entrada do sepulcro, retirou-se. 61 Estavam ali, assentadas em frente ao se-pulcro, Maria Madalena e a outra Maria.

Pilatos manda vigiar o sepulcro 62 No dia seguinte, isto é, no sábado, reuniram-se os principais sacerdotes e os fariseus e foram até Pilatos e argu-mentaram: 63 “Senhor, recordamo-nos de que aque-le enganador, enquanto vivia, prometeu: ‘Passados três dias ressuscitarei’. 64 Manda, portanto, que o sepulcro dele seja guardado até o terceiro dia, para que não venham seus discípulos e, raptando o corpo, proclamem ao povo que ele ressuscitou dentre os mortos. E esta der-radeira fraude cause mais dano do que a primeira”.65 Ao que ordenou Pilatos: “Levai con-vosco um destacamento! Ide e guardai o sepulcro como melhor vos parecer”.66 Seguindo eles, organizaram um siste-ma de segurança ao redor do sepulcro. E além de manterem um destacamento em plena vigilância, lacraram a pedra.17

Jesus foi ressuscitado!(Mc 16.1-8; Lc 24.1-12; Jo 20.1-9)

28 Tendo passado o sábado, ao raiar do primeiro dia da semana, Maria

do pericárdio (o tecido celular que reveste o exterior do coração). Esse episódio anula uma teoria surgida no século XIX, a qual tentando explicar a ressurreição, alegava que Jesus desmaiou nesse momento, para então despertar no túmulo.

15 Desde Moisés sempre houve, no santuário, uma cortina (véu) de tecido que separava o ambiente do Santo dos Santos (Êx 26.37; 38.18; Hb 9.3). Lugar sagrado onde ninguém podia entrar a não ser o sumo sacerdote, e este apenas no Dia da Expiação. Este acontecimento foi trágico para os judeus, mas um grande sinal para os cristãos de todos os povos, culturas e épocas: Em Cristo ficou abolida toda e qualquer separação entre o pecador arrependido (adorador) e Deus, nosso Pai (Jo 14.6). O fato de o véu ter-se partido de alto a baixo, sem contato humano, demonstra que o próprio Senhor abriu um novo e vivo caminho para Sua Santa presença (Hb 10.20; Ef 2.11-22). E muitos vieram a ser reconciliados para sempre com Deus (At 6.7).

16 Jesus sempre tratou as mulheres com o respeito e a dignidade que Deus requer, diferentemente da forma como os homens as tratavam em sua época. Era proibido às mulheres aproximarem-se do crucificado. Aquela cena foi um escândalo. Várias dis-cípulas seguiram o Senhor desde o início do seu ministério, na Galiléia, e permaneceram servindo até sua morte e novo começo (28.1; Jo 20.11-18). O perfeito amor lança fora o medo (1Jo 4.18).

17 Dois juízes e membros do Sinédrio, que não compactuaram com a condenação de Jesus, José, da cidade de Arimatéia (uma próspera aldeia montanhosa a cerca de 32 km ao noroeste de Jerusalém) e Nicodemos (Jo 19.38-39), cuidaram do sepul-tamento de Cristo. Trataram das formalidades civis, das despesas, e proveram um túmulo novo (Is 53.9), nunca antes usado, que pertencia a José de Arimatéia e localizava-se no monte do Calvário (Jo 19.41). Os líderes civis e religiosos, para evitar qualquer tentativa de remoção do corpo e possível versão sobre a ressurreição do Mestre, violaram o sábado de Páscoa para tomar todas as providências necessárias e vigiar a área do túmulo.

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Madalena e a outra Maria foram visitar o túmulo.1

2 E eis que aconteceu um forte terremoto, pois um anjo do Senhor desceu dos céus e, chegando ao túmulo, rolou a pedra da entrada e assentou-se sobre ela.3 O anjo tinha o aspecto de um relâm-pago, e suas vestes eram alvas como a neve.2

4 Os guardas foram tomados de grande pavor e ficaram paralisados de medo, como mortos. 5 Contudo, o anjo dirigiu-se às mulheres e lhes anunciou: “Não temais vós! Sei que viestes ver a Jesus, que foi crucificado. 6 Mas aqui Ele não está. Foi ressuscitado, como havia dito. Vinde e vede vós onde Ele jazia.7 Ide caminhando depressa e anunciai aos seus discípulos: Ele ressuscitou den-tre os mortos e está seguindo adiante de vós rumo à Galiléia. Lá o vereis. Atentai para o que vos disse!”.8 As mulheres abandonaram o túmu-lo correndo, amedrontadas, mas com grande júbilo, e foram imediatamente anunciá-lo aos seus discípulos.9 De repente, Jesus veio ao encontro delas e as saudou: “Alegrai-vos!” Elas se apro-ximaram dele, jogaram-se aos seus pés abraçando-os, e o adoraram.10 Então Jesus lhes declarou: “Não te-mais! Ide e dizei aos meus irmãos que sigam para a Galiléia, lá eles me verão”.

Os sacerdotes subornam os guardas 11 E sucedeu que enquanto as mulheres estavam a caminho, alguns dos guar-das foram à cidade e contaram aos chefes dos sacerdotes tudo o que havia ocorrido. 12 Então, os chefes dos sacerdotes reu-niram-se em conselho com os anciãos e tramaram outro plano. Deram aos sol-dados vultosa quantia em dinheiro.13 E lhes recomendaram que declaras-sem a todos: “Os discípulos dele vieram durante a noite e raptaram o corpo, en-quanto cochilávamos. 14 Se isso chegar ao conhecimento do governador, nós o persuadiremos a vosso favor e vos livraremos de qualquer repri-menda”.3

15 Os soldados receberam o dinheiro e fizeram como haviam sido orientados. E, por isso, essa versão dos aconteci-mentos se conta entre os judeus até o dia de hoje.

A Grande Comissão16 Os onze discípulos rumaram para a Galiléia, em direção ao monte que Jesus lhes determinara.17 Assim que o viram, prostraram-se e o adoraram, mas alguns ficaram em dúvida. 18 Então, Jesus aproximando-se deles lhes assegurou: “Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra.

1 Conforme o horário judaico, o domingo começava logo após o pôr-do-sol do sábado. Lucas nos informa que Maria Madalena e Maria, mulher de Clopas (Lc 24.1; Jo 19.25) saíram de madrugada, ainda escuro (Jo 20.12), para visitar o corpo de Jesus, lamentar e ungi-lo com mais especiarias. Chegaram ao túmulo com os primeiros raios da aurora na esperança de que lhes fosse autorizada a entrada para a continuação do ritual fúnebre (período de luto) judaico da época (Mt 28.1; Mc 16.2-3).

2 Deus manda seus anjos anunciarem o nascimento e a ressurreição de Jesus. Ele é concebido e ressuscitado pelo poder do Altíssimo (Lc 1.35; Rm 6.4; Ef 1.20). Essas mensagens são comunicadas em primeiro lugar a mulheres devotas e humildes e que receberam um nome simples, mas conhecido em todo o mundo: Maria (forma helenizada do nome hebraico Miriã, que foi derivado de um antigo vocábulo egípcio Marye, e que significa: princesa, amada, mulher de esperança). O anjo não rolou a pedra para que Jesus saísse do sepulcro, a pedra foi rolada para que as mulheres e, mais tarde, outras pessoas, entrassem e verificassem o túmulo vazio, o selo (lacre estatal feito com cordas que envolviam a pedra e eram atadas ao sepulcro com as marcas de Roma e do Sinédrio) rompido e nenhum outro sinal ou dano. Séculos mais tarde, expedições arqueológicas, como as organizadas pelo General Christian Gordon, localizaram esse túmulo e confirmaram algumas alterações para acomodar um corpo maior do que o de José de Arimatéia (segundo a tradição de baixa estatura). Contudo, análises físicas e químicas jamais atestaram qualquer vestígio de restos mortais na sepultura. O túmulo era novo quando foi oferecido para sepultar o corpo do Senhor e continuou novo após sua ressurreição.

3 Agostinho (354-430 d.C.) observou: “Se acordados, por que permitiram a alguém raptar o corpo de Jesus? E, se dormindo, como podiam declarar que foram os discípulos?” De qualquer modo seriam todos condenados à morte, não fosse o interesse dos

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19 Portanto, ide e fazei com que todos os povos da terra se tornem discípulos, ba-tizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo;

20 ensinando-os a obedecer a tudo quanto vos tenho ordenado. E assim, Eu estarei permanentemente convosco, até o fim dos tempos”.4

líderes religiosos judaicos em divulgar uma falsa versão sobre o desaparecimento do corpo de Cristo e levar a população a não crer na intervenção divina, presenciada por soldados e discípulos, nas primeiras horas daquele domingo no monte Calvário.

4 Jesus recebeu todo o poder de Deus (em grego ) e do Senhor Ressuscitado parte a ordem plenipotenciária: Ide! (lite-ralmente “indo”, em grego ~). Agora esse “envio” não é provisório, limitado e transitório como em Mt 10, mas definitivo, ilimitado e permanente. Rompeu-se o estreitamento étnico das sinagogas e abriu-se a Salvação (comunhão com Deus) para todos os povos, raças e culturas. A comunidade de Jesus que abrange o mundo inteiro substituiu a “velha aliança” pela “nova aliança”, que congrega toda e qualquer pessoa cujo coração creia no Senhor para ser convertido em discípulo. Jesus ensinou e demonstrou com a sua própria vida o que significa ser um discípulo do Senhor (obediência a Deus). A tríplice ordem missionária (discipular, batizar e ensinar a discipular) é emoldurada pela garantia da onipresença de Jesus na alma daquele que crê (o crente). A essência da Igreja de Jesus é que o Ressuscitado continua vivo e atuante no indivíduo e na comunidade. Ao orarmos, não é mais necessário buscarmos a Deus nos céus, mas, sim, em nossos corações. A promessa da presença contínua de Deus é a chave de ouro com a qual vários livros da Bíblia são concluídos (Êx 40.38; Ez 48.35; Ap 22.20).

Jesus, após ressuscitar, apareceu a várias pessoas em diversas ocasiões: a Madalena (Jo 20.11-18), a algumas discípulas (28.9-10), aos discípulos a caminho de Emaús (Lc 24.13-33), a Pedro (Jo 21.15-19; Lc 24.34-35), a dez discípulos no Cenáculo (Jo 20.19), aos onze discípulos (Jo 20.24-29), a sete discípulos na Galiléia (Jo 21.24-29), aos onze no monte, na Galiléia (Mt 28.16-17), a Tiago e a todos os apóstolos (1Co 15.7), a uma multidão no monte das Oliveiras (Lc 24.44-49), ao apóstolo Paulo (At 9.3-8).

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