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O que é o mercado de carbono e como ele opera no Brasil? Fernando B. Meneguin 1 O crédito de carbono é um certificado eletrônico que é emitido quando há diminuição de emissão de gases que provocam o efeito estufa, gerador de aquecimento global. Um crédito de carbono equivale a uma tonelada de CO 2 (dióxido de carbono) que deixou de ser emitido para a atmosfera. Aos outros gases reduzidos são emitidos créditos, utilizando-se uma tabela de equivalência entre cada um dos gases e o CO 2 . Empresas que conseguem diminuir a emissão de gases de efeito estufa (GEE) obtêm esses créditos, podendo vendê-los nos mercados financeiros. Os créditos de carbono são considerados commodities (mercadorias negociadas com preços estabelecidos pelo mercado internacional). Estes créditos geralmente são comprados por empresas no exterior que, em função do Protocolo de Quioto, têm metas obrigatórias de redução de emissões de gases de efeito estufa, mas não conseguem atingir o patamar determinado. A compra dos créditos permite-lhes manter ou aumentar suas emissões. Ou seja, empresas que poluem acima do limite permitido pelo Protocolo de Quioto pagam pela poluição adicional que geram, remunerando as atividades que reduzem as emissões de gases. Pelo Protocolo de Quioto, os países industrializados deverão reduzir suas emissões de GEE em relação às emissões de 1990. O Protocolo estabeleceu três mecanismos inovadores, conhecidos como Comércio de Emissões, Implementação Conjunta e o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). Os dois primeiros são exclusivos dos países que possuem metas obrigatórias, o que não é o caso do Brasil. Somente no caso do MDL é que existe a finalidade de contribuir para o desenvolvimento sustentável dos países em desenvolvimento. O comércio de emissões é um sistema global de compra e venda de emissões de carbono, baseado no esquema de mercado cap-and-trade. A expressão cap-and-trade, que na tradução livre seria algo como “limite e negociação”, é usada para denominar um 1 Doutor em Economia. Mestre em Economia do Setor Público. Editor do Brasil, Economia e Governo.

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O que é o mercado de carbono e como ele opera no Brasil?

Fernando B. Meneguin1 

O crédito de carbono é um certificado eletrônico que é emitido quando há

diminuição de emissão de gases que provocam o efeito estufa, gerador de aquecimento

global. Um crédito de carbono equivale a uma tonelada de CO2 (dióxido de carbono)

que deixou de ser emitido para a atmosfera. Aos outros gases reduzidos são emitidos

créditos, utilizando-se uma tabela de equivalência entre cada um dos gases e o CO2.

Empresas que conseguem diminuir a emissão de gases de efeito estufa (GEE)

obtêm esses créditos, podendo vendê-los nos mercados financeiros. Os créditos de

carbono são considerados commodities (mercadorias negociadas com preços

estabelecidos pelo mercado internacional).

Estes créditos geralmente são comprados por empresas no exterior que, em

função do Protocolo de Quioto, têm metas obrigatórias de redução de emissões de gases

de efeito estufa, mas não conseguem atingir o patamar determinado. A compra dos

créditos permite-lhes manter ou aumentar suas emissões.

Ou seja, empresas que poluem acima do limite permitido pelo Protocolo de

Quioto pagam pela poluição adicional que geram, remunerando as atividades que

reduzem as emissões de gases.

Pelo Protocolo de Quioto, os países industrializados deverão reduzir suas

emissões de GEE em relação às emissões de 1990. O Protocolo estabeleceu três

mecanismos inovadores, conhecidos como Comércio de Emissões, Implementação

Conjunta e o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). Os dois primeiros são

exclusivos dos países que possuem metas obrigatórias, o que não é o caso do Brasil.

Somente no caso do MDL é que existe a finalidade de contribuir para o

desenvolvimento sustentável dos países em desenvolvimento.

O comércio de emissões é um sistema global de compra e venda de emissões de

carbono, baseado no esquema de mercado cap-and-trade. A expressão cap-and-trade,

que na tradução livre seria algo como “limite e negociação”, é usada para denominar um

                                                            1 Doutor em Economia. Mestre em Economia do Setor Público. Editor do Brasil, Economia e Governo.

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mecanismo de mercado que cria limites para as emissões de gases de um determinado

setor ou grupo. Com base nos limites estabelecidos, são lançadas permissões de emissão

e cada participante do esquema determina como cumprirá estes limites.

As cotas (ou permissões) de emissão podem ser comercializadas, ou seja,

aqueles países (ou firmas) que conseguem emitir menos do que foi estabelecido a eles

podem vender o excedente àqueles que não conseguiram (ou não quiseram) limitar suas

emissões ao número de cotas que tinham.

Nesse ponto é que surge o interesse nos projetos de MDL realizados nos países

em desenvolvimento (que não possuem metas obrigatórias), pois esses projetos dão

direito aos seus idealizadores de receberem créditos de carbono para comercializar.

Há uma série de critérios para reconhecimento desses projetos, como estarem

alinhados às premissas de desenvolvimento sustentável do país hospedeiro, definidos

por uma Autoridade Nacional Designada. No caso do Brasil, tal autoridade é a

Comissão Interministerial de Mudança do Clima. Somente após a aprovação pela

Comissão, é que o projeto pode ser submetido à ONU para avaliação e registro.

De acordo com o estabelecido pelas regras do MDL, todo projeto deve ter um

proponente, que será o responsável por ele perante as instâncias do Conselho Executivo

do MDL.

O proponente deve ser uma pessoa jurídica – o que significa que projetos de

MDL podem ser propostos por governos, ONGs, cooperativas, associações e empresas

ou outras instituições formais, mas não por indivíduos ou entidades informais.

Os requisitos gerais que devem ser atendidos por um projeto de MDL, segundo o

Conselho Executivo, são:

ter a participação voluntária dos atores envolvidos;

contar com a aprovação do país onde será implantado;

apoiar os objetivos de desenvolvimento sustentável definidos pelo país onde

será implantado;

reduzir as emissões de GEE em relação ao que ocorrerá se ele não for

implementado – princípio da adicionalidade;

contabilizar o aumento de emissões de GEE que ocorra fora dos limites das

suas atividades (chamadas “fugas”) e que seja atribuível a essas atividades;

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trazer uma estimativa dos impactos de suas atividades – as partes envolvidas

e/ou afetadas por esses impactos deverão ter sido comprovadamente

consultadas;

gerar benefícios climáticos – mensuráveis, reais e de longo prazo.

Depois que um projeto de MDL entra em vigor, o Conselho Executivo do MDL

emite, de tempos em tempos, a Redução Certificada de Emissões (RCE), documento

eletrônico que especifica os créditos de carbono alcançados por esse projeto.

Em termos mundiais, o valor total do mercado de carbono cresceu 11% em

2011, alcançando a cifra de US$ 176 bilhões (o que corresponde à transação de 10,3

bilhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente), conforme o relatório “State

and Trends of the Carbon Market”, publicado pelo Banco Mundial neste ano.

Relativamente aos números do mecanismo de desenvolvimento limpo, até julho

de 2012, foram aprovados e registrados na ONU 4.329 projetos de MDL oriundos de

todo o mundo. Desses, 49 % ocorreram na China.

O Brasil conta com apenas 5 % do total. Muitos advogam que essa pequena

participação no País é fruto da falta de regulamentação do mercado de carbono no

Brasil.

Há que se comentar que é natural que a China tenha muito mais projetos de

MDL que o Brasil, pois, primeiramente, a economia chinesa é mais de três vezes maior

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que a brasileira. Além disso, a economia da China possui uma matriz energética baseada

em combustíveis fósseis, diferente do Brasil, cuja matriz energética é muito limpa,

predominando as hidrelétricas. Isso cria muito mais oportunidades para a China pensar

em projetos de MDL.

Quanto à regulamentação do mercado de carbono no Brasil, esta cabe à

Comissão Interministerial na condição de Autoridade Nacional Designada do

Mecanismo de Desenvolvimento Limpo.

Algumas resoluções foram emitidas pela Comissão, sendo que se destaca a

Resolução n° 1, de 11 de setembro de 2003 da Comissão Interministerial de Mudança

Global do Clima, que estabelece os documentos que devem ser enviados pelos

proponentes com vistas a obter a aprovação de projetosde MDL. Há também, no site da

Comissão, um manual para facilitar a elaboração das propostas.2

No âmbito do Poder Legislativo, a proposição que talvez mais debate tenha

gerado sobre a regulamentação dos créditos de carbono foi o PLS nº 33, de 2008, fruto

dos trabalhos da Comissão Mista Especial sobre Mudanças Climáticas, que funcionou

no Congresso Nacional entre fevereiro de 2007 e junho de 2008.

O objetivo da proposição é definir a natureza jurídica da Redução Certificada de

Emissão. As RCE são títulos virtuais – negociáveis no mercado financeiro internacional

– correspondentes a reduções efetivas de emissões de gases de efeito estufa derivadas da

implementação de projetos baseados no Mecanismo de Desenvolvimento Limpo.

Além de todo o procedimento estabelecido no âmbito do Protocolo de Quioto

(certificação, validação e verificação nos âmbitos doméstico e internacional), a

proposição determina que as RCE deveriam ser registradas junto à CVM.

Esse projeto não prosperou e o principal argumento é que a caracterização como

valor mobiliário submeteria as RCE a rígidos critérios da CVM, que se somariam a

outros requisitos estipulados pelos órgãos técnicos responsáveis pela análise dos

projetos de MDL. Esse duplo controle introduziria dificuldades substantivas no

comércio dos créditos de carbono, inclusive com o aumento dos custos das reduções de

emissões promovidas no Brasil, com prejuízo para a competitividade das RCE

brasileiras no mercado internacional.

                                                            2 Para ter acesso ao conteúdo, basta acessar o site http://www.mct.gov.br/index.php/content/view/14799.html. Acessado em 09/07/2012.

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Por fim, relativamente ao arcabouço jurídico no Brasil sobre o tema, há que se

comentar acerca da Lei nº 12.187, de 2009, que institui a Política Nacional sobre

Mudança do Clima - PNMC. O art. 9º dessa norma estabelece que: “O Mercado

Brasileiro de Redução de Emissões - MBRE será operacionalizado em bolsas de

mercadorias e futuros, bolsas de valores e entidades de balcão organizado, autorizadas

pela Comissão de Valores Mobiliários - CVM, onde se dará a negociação de títulos

mobiliários representativos de emissões de gases de efeito estufa evitadas certificadas”.

Esse mercado não foi implementado no Brasil e os motivos não são a falta de

regulamentação. O principal motivo para que o mercado não funcione é simplesmente o

fato de que não existe uma demanda para créditos de carbono no País (até existe oferta,

mas não demanda). As empresas brasileiras demandariam créditos de carbono se elas

possuíssem metas obrigatórias de redução de emissões (como no mecanismo cap and

trade). Pode-se pensar então que a solução para começar a funcionar o mercado

brasileiro de redução de emissões seja estabelecer metas obrigatórias internas. Mas isso

geraria mais problemas para a economia brasileira, pois ter que se ajustar a uma meta

gera custos e isso diminuiria a competitividade brasileira perante os outros países em

desenvolvimento, que também não possuem metas.

Isso não significa que a venda de RCE não aconteça no Brasil. A

BM&FBOVESPA possui um ambiente eletrônico de negociação desenvolvido para

viabilizar o fechamento de negócios com créditos gerados por projetos de MDL. As

operações são realizadas por meio de leilões eletrônicos, via web, e agendados pela

BM&FBOVESPA a pedido de entidades – públicas ou privadas – que desejem ofertar

seus créditos de carbono no mercado.

Algumas iniciativas sustentáveis desenvolvidas no Brasil, considerando o atual

marco regulatório, já souberam aproveitar bem as oportunidades, beneficiando-se de

créditos de carbono que foram vendidos para outros países.

Para exemplificar, podemos citar um dos casos mais conhecidos de projetos de

MDL desenvolvidos no Brasil. Trata-se do Aterro Sanitário Bandeirantes, localizado em

Perus, na região metropolitana de São Paulo. Com uma área total de 1.400.000 m²,o

Aterro Bandeirantes está desativado desde março de 2007 tendo operado durante 28

anos e recebido, até 2006, cerca de 36 milhões de toneladas de resíduos.

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A captação do biogás gerado no aterro foi iniciada em 2004 após uma série de

estudos preliminares sobre a viabilidade do projeto e a instalação de uma usina

termelétrica a biogás em 2003, onde o gás captado no aterro é tratado (retirada a

umidade e feita uma pré-filtragem) e depois transformado em energia. O Aterro

Bandeirantes possui capacidade para gerar aproximadamente 170 mil MWh de energia

elétrica por ano e possibilitou, até então, a comercialização pela prefeitura de São Paulo,

de 1.262.793 RCEs.

Os recursos arrecadados não são desprezíveis. Basta saber que, em setembro de

2007, o banco holandês Fortis Bank NV/SA desembolsou R$ 34 milhões pelo lote de

808.450 créditos de carbono colocados em negociação pela Prefeitura de São Paulo na

Bolsa de Mercadorias e Futuros.

Concluindo, ao estudar a matéria, o que se percebe é que para o

desenvolvimento de projetos de MDL no Brasil, não é necessária mais regulamentação.

Muito pelo contrário, talvez outras normas sobre o assunto dificultem ainda mais

iniciativas do Brasil na área. O que foi estabelecido pelo Protocolo de Quioto já cuida

do necessário para que haja o devido controle sobre os projetos.