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Easton Royce
Digitalização e Revisão
ARLINDO_SAN
Agradecimentos especiais à Yuna por
proporcionar a digitalização desta
obra.
Capítulo 1
estacionamento do shopping center tinha um brilho intenso e oleoso. Depois de
uma tempestade, e com o tempo ainda chuvoso, quase não havia ninguém nas
O ruas. Além disso, a cidadezinha de Connerville, Oklahoma, praticamentefechava
depois das oito horas da noite, e já passava das onze horas.
O próprio shopping center era bastante modesto. Ali não havia mais do que uma
lavanderia, um a loj a de conveniência e um fliperama. A loj a de conveniênciaestava
convenientemente fechada, assim com o a lavanderia. Ma s o fliperam a nuncafechava
antes da meia-noite.
Naquela noite havia apenas um carro estacionado lá fora. Era um conversível
clássico, e tinha a capota arriada, como se estivesse desafiando a tempestade adesabar
sobre ele.
Era assim a personalidade de Jack Hammond. Ele carregava nas costas um pesodo
tamanho do monte Everest e, depois de ter passado uma noite miserável no seutrabalho
de entregador de pizza, descarregava sua frustração contra o vídeo-game.
Como era a única pessoa no fliperama, sabia que não sei ia distraído porninguém,
enquanto jogava o Massacre Virtual II . Ele se imaginava na pele do grande emusculoso
lutador cuja imagem aparecia na tela, dando violentos chutes em seu adversário.
Não era tão emocionante como jogar futebol americano, mas fazia mais de dois
anos que haviam ficado para trás o s dias e m que Jack jogava futebol. E e le jáhavia
engordado quase dez quilos.
Jack batia forte nos botões da máquina, e manejava a alavanca de controle comose
fosse o câm bio d e u m ca rro esporte. J á f a zia vá r ios m e se s q u e e l e haviaconseguido
gravar as iniciais de seu nome na lista de melhores jogadores. Mas um tal de“D.P.O.”,
que ele não sabia quem era, havia somado muito mais pontos do que ele. Jackesperava
colocar seu nome um pouco mais alto na lista naquele dia... mas já havia perdidoduas
vidas.
E estava a ponto de perder a terceira.
— Ei, espere um pouco! — disse uma voz atrás dele. — Era eu quem estava
jogando aí.
Jack virou o rosto por cima do ombro e viu um rapaz magro, com um boné sujode
graxa e uma camiseta de malha, onde estava gravada a palavra VANDALS.
— Eu fui fazer um teste — disse o jovem. — E estou de volta.
Para Jack, aquele rapazinho tinha cara de perdedor. Parecia ter uns dezenoveanos,
e esse número não representava apenas a sua idade, mas talvez também o seuQ.I. Tinha
uma cara de retardado, que Jack simplesmente não suportava. Eram garotoscomo aquele
que davam má reputação às cidadezinhas do interior.
Jack voltou a prestar atenção ao jogo, mas já era tarde demais. Na tela, opescoço
de seu jogador virtual acabara de quebrar, com um golpe fatal de caratê,desfechado pelo
seu adversário.
— Até os mocinhos podem morrer, — disse uma voz sexy e computadorizada,que
explodiu numa gargalhada quando a tela mostrou a s palavras “Game Over” . Aluz
vermelha que piscava iluminou o rosto desapontado de Jack Hammond.
Ele deu um soco na lateral da máquina, e voltou-se para o rapazinho magricelaque
o havia feito perder o jogo.
— Qual é o seu problema? — rosnou ele.
O sujeito esquelético nem olhou para ele, escondendo a metade superior do rosto
embaixo da aba do boné.
— É o meu jogo. Era eu quem estava jogando aí.
— Estava mesmo, seu cabeça de alfinete? — disse Jack. — Pois agora não está
mais. — Ele enfiou a m ão n o bolso, procurando pelas poucas moedas que tinhaganho
como gorjeta naquela noite. E colocou mais um par delas na máquina, como seestivesse
comprando o jogo apenas para si.
O rapaz magricela limitou-se a dar um sorriso amarelo.
— Talvez não tenha me escutado direito — disse ele. — É o meu jogo.
— É o jogo dele — ecoou uma outra voz.
Jack virou o rosto e viu um rapaz bem mais gordo, de cabelos longos e
desarrumados, que trazia na cintura uma bolsa cheia de moedas. Seu nome eraBart, mas
todos o chamavam de Zero, por razões óbvias.
— Quem é você? — perguntou Jack a Zero — Por acaso é o guarda da máquina?
— Não, sou o gerente da noite — disse Zero, com uma expressão de orgulho no
rosto. — E, se eu fosse você, me afastaria dessa máquina.
Mas Jack começou a desconfiar que o rapaz magricela fosse o misterioso D.P.O.
Então, ele disse:
— Muito bem, quer dizer que você quer lutar? Pois vamos lutar...
Mas uma lula no videogame não era o que Jack tinha em mente.
Jack estendeu a mão para a frente e agarrou o magricela pela camiseta suja,
levantando-o em pleno ar.
— Eu começo — disse Jack. E atirou o rapaz contra a máquina, com toda aforça.
O boné do rapazinho caiu quando seu corpo tombou, deixando ver uma enormecicatriz
que ele tinha em um dos lados da cabeça, como se seu crânio tivesse sido abertopara
uma operação no cérebro, ou coisa parecida.
Jack achava que o rapaz iria arrastar-se e fugir, escondendo-se embaixo damesma
pedra de onde provavelmente teria saído. Mas ele não se arrastou.
Foi nesse momento que a luz apagou.
— Cara! — exclamou Zero. — Você não devia ter feito isso.
Ainda no chão, Darin Oswald respirou fundo, bem devagar. Não fazia isso para
controlar seu ódio, mas para ficar com mais raiva ainda. A única luz que haviaagora no
fliperama vinha da lâmpada de mercúrio que iluminava o estacionamento láfora.
Darin apanhou seu boné sujo de graxa e levantou-se com toda a calma, tornandoa
cobrir com o boné a enorme cicatriz que dividia o s seus cabelos loiros. Mesmocom o
seu ódio crescendo, ele mantinha uma visível frieza. A coisa ficava maisdivertida desse
modo.
No canto do salão, uma vitrola automática começou de repente a tocar sozinha,
deixando claro que aquilo não era uma interrupção normal no fornecimento deenergia.
A música irritante que tocava bem alto era do grupo The Vandals.
Darin aproximou-se de Hammond, de quem se lembrava desde os tempos de
colégio... embora freqüentassem círculos muito diferentes.
— Então, agora é minha vez? — perguntou Darin.
A profunda tranqüilidade que sua voz irradiava era como a calmaria antes deuma
tempestade.
Com um primeiro sinal de medo no rosto, Hammond deu um par de passos para
trás.
— Não vou perder meu tempo com você, — rosnou ele.
E caminhou na direção da porta.
O ar aberto do estacionamento foi um grande alívio para Jack Hammond. Ainda
não sabia direito o que havia acontecido lá dentro, no salão do fliperama, e nemestava
interessado em descobrir isso.
Entrou no seu conversível, enfiou a chave no contato e, quando fez isso, o rádio
ligou-se, no máximo do volume. A música que tocava era conhecida, talvez atédemais.
Era a mesma que estava tocando instantes atrás na vitrola automática dofliperama, uma
canção do grupo The Vandals.
E só uma coincidência... — pensou Jack. Mesmo assim, ele girou os botões do
rádio, para mudar de estação. E acabou desligando o aparelho. Mas a músicacontinuava
tocando. Era impossível. Ele virou o botão da sintonia para os dois lados, mas amesma
música continuava tocando.
Na frente dele, na porta do fliperama, estava parado o rapaz magricela, olhando
calmamente para ele.
Hammond engatou a primeira marcha do carro e pisou fundo no acelerador,
queim ando pneus n o asfalto m olhado, a té q u e finalm ente o c a r r o sa iu emdisparada,
dançando de um lado para o outro do estacionamento.
Coisas muito estranhas aconteciam naquela cidade, desde as misteriosas
experiências dos cientistas que trabalhavam no alto da colina com seus estranhospáraraios, até os acidentes inexplicáveis que ocorriam em quase todas asencruzilhadas. Mas
nada poderia ser mais estranho e fantasmagórico do que aquele rapazinho do
fliperama.
Quanto maior fosse a distância entre Jack e ele, melhor.
Seu carro estava a ponto de sair do estacionamento e alcançar a segurança dasruas
quando o motor simplesmente parou. Não falhou nem tossiu antes de parar.
Simplesmente morreu, e o carro foi diminuindo a marcha até parar.
Jack girou a chave na ignição diversas vezes. Nada.
Mas o rádio continuava tocando alto.
Ele virou para trás e viu o misterioso rapaz magricela ainda parado na porta do
fliperama, observando tudo, em silêncio.
Houve um clarão de luz muito forte, e Jack voltou-se para ver, aterrorizado, que
havia pegado fogo o letreiro da pizzaria, preso à antena do carro. E foi e ssa aúnica
advertência que ele teve. De repente, uma fortíssima onda de choque pareceuexplodir a
partir do centro de seu peito, irradiando dali para suas pernas, seus braços e suacabeça.
Ele sentiu os olhos inchando e todo o seu corpo entrando em violenta convulsão,
fazendo-o sa lta r sobr e o ba nc o d o c a r ro. A d o r e m s e u s m úsc ulos erainsuportável e,
nesse mesmo instante, ele percebeu que jamais sairia daquele estacionamento.
Seus dedos contraíram-se e endureceram com a alta voltagem que fluía através
deles. Jack estendeu a mão para abrir a porta do carro, m as tremia de maneiratão
violenta que acabou arrebentando com a cabeça a j anela lateral. Enquanto oscacos de
vidro caíam ao seu redor, ele nada podia fazer... nada além de sentir que estava
morrendo.
Do lugar onde permanecia, na porta do fliperama, Darin Oswald observou amorte
de Jack Hammond, sem demonstrar o menor sinal de emoção. Ele abandonou ocontrole
que exercia sobre o rádio do carro, e o aparelho fez silêncio. D o banco dianteirodo
conversível, uma fina nuvem de fumaça foi-se erguendo, na direção da lâmpadade
mercúrio do estacionamento.
Darin voltou-se e entrou de novo no fliperama, onde Zero esperavapacientemente
por ele. Sorrindo, Zero ofereceu-lhe uma moeda... Mas Darin não precisavadisso.
Limpando da testa algumas gotículas de transpiração, Darin parou na frente do
jogo Massacre Virtual II, e a máquina voltou à vida com o se fosse por um passede
mágica, do mesmo modo como havia acontecido antes com a vitrola automática.
Ele moveu um único músculo de sua face, e começou uma nova partida, comose
houvesse colocado uma moeda na máquina.
— Sinto que vou registrar um novo recorde, cara — disse Darin, ao dar um passo
para a frente e assumir os controles.
Capítulo 2
ssim como quase tudo em Connerville, o edifício onde ficava a sede
administrativa do Condado de Wharton era uma estrutura comum, sem cor, e
A bastante antiga. A maior parte das pessoas que passava na sua frente nemnotava
o prédio. Afinal de contas, o que ele abrigava? A coletoria de impostos, aadministração
dos serviços sociais e o cartório de registros. E, claro, o Instituto Médico Legal.
Stan Buxton tinha visto muita coisa, na sua qualidade de médico legista. Mas nada
d o que vir a antes j am ais atraíra a atenção d o FBI . E l e observava nervoso,enquanto a
j ovem agente d o FBI exam inava o cadáver c u j o a testado d e óbito Buxtonassinara na
noite anterior.
Acompanhada de seu parceiro de olhos sempre atentos, ela havia chegadoapenas
trinta minutos antes, exibindo seu distintivo e proclamando aos quatro ventos queestava
realizando uma investigação federal. Então, a jovem havia informado Stan, coma maior
formalidade possível, que tinha estudado patologia e que insistia e m ve r o s restosdo
rapaz chamado Hammond.
Buxton não estava habituado a ter alguém investigando o seu trabalho, e estava
preocupado, c om m e do d e que a j ovem encontrasse a lgum a c oisa q u e elepoderia ter
deixado passar. Especialmente porque sabia que sua conclusão seria considerada
estranha: de que o rapaz havia sido atingido por um raio, no meio de uma noite decéu
claro.
Do mesmo modo que os outros...
A mulher estava curvada sobre o cadáver, olhando profissionalmente através dos
óculos de proteção para dentro do canal auditivo do falecido rapaz. Então elagirou em
noventa graus a cabeça do morto, e olhou na outra orelha. Finalmente endireitou-se e
olhou para o parceiro.
— Ambos os tímpanos estão furados, — disse a agente Dana Scully .
Sua voz era totalmente neutra, exceto por um leve suspiro.
Scully já havia examinado dezenas de cadáveres, muitos em condições bastante
piores do que as daquele. Tinha orgulho do profissionalismo com o qual realizavaseu
trabalho. Mas jamais conseguiria afastar completamente do pensamento aconsciência de
que a massa morta de carne e ossos que havia à sua frente tinha sido uma pessoa
humana, menos de vinte e quatro horas antes. Um rapaz saudável — talvez cheiode
esperanças e de am bições, e ta lvez j á m agoado po r diversos tipos d e cruéisfrustrações
— mas, de qualquer modo, uma pessoa humana, viva e saudável.
Com os dedos envolvidos por uma luva, ela levantou uma das pálpebras fechadas
de Jack Hammond, e examinou o olho sem vida. A córnea havia se transformadoem
uma membrana esbranquiçada e opaca, escondendo a pupila. Ela examinou ooutro olho.
— Está com catarata nos dois olhos — disse ela, com a voz ainda neutra de
emoções. E tornou a olhar para Mulder, acrescentando — Provavelmente foiinduzida
pelo calor.
— Provavelmente? — perguntou Fox Mulder, olhando fixamente para a parceira
com uma expressão de surpresa.
Mulder voltou-se para apanhar um saquinho plástico que estava sobre a balança
anatômica ao seu lado, e a apresentou a Scully, com o se a estivesse lembrandoda
estranheza daquele caso. Era muito difícil conseguir as provas físicas de um
acontecimento totalmente irregular como aquele. Dentro do saquinho já haviaum pedaço
de carne que mais parecia uma pedra de carvão, queimada quase ao ponto denão poder
mais ser examinada.
Era um coração humano.
— O coração do rapaz foi cozido dentro da cavidade do seu peito — disse Mulder
a Scully , com o tom de voz costumeiro que pedia que ela explicasse aquilo.
— Eu tenho de admitir — começou a dizer o legista, com um tom de rancor, —
que nunca vi esse tipo de dano localizado no tecido humano, mas...
—A queimadura ao longo do osso esterno — disse Scully a Mulder,interrompendo
Buxton, — e todas essas fraturas das costelas são consistentes com a eletrocussãoou a
exposição a uma corrente direta de alta voltagem, — insistiu ela, apontando paradentro
do buraco no peito queimado do corpo do rapaz.
Buxton balançou a cabeça, mas Scully continuou olhando para o parceiro.Mulder
devolveu-lhe o olhar, como se a desafiasse, como se duvidasse que ela teriacoragem de
continuar.
— Mas eu não vejo nenhum ponto de contato — disse ela, voltando-se para
Buxton em busca de sua confirmação.
É isso aí, pensou Scully . Aquele era o único fato isolado que tornava impossível
uma explicação simples e clara do fato. Era com o se o rapaz tivesse sido cozidode
dentro para fora, como se ele houvesse sido colocado dentro de um gigantescoforno de
microondas.
— A melhor explicação que eu poderia encontrar — disse Buxton, parecendo
escolher as palavras com cuidado, — é de que o relâmpago atingiu o carro, e orapaz
morreu por contato com o veículo.
Isso não faz sentido, pensou Scully. Ela ficou imaginando se Buxton saberia disso.
E ficou pensando se teria uma explicação melhor do que essa, quando fosse suavez de
opinar a respeito.
Scully tornou a olhar para Mulder, e examinou com cuidado a expressão no rosto
de le . Sa bia m e lhor d o q u e ninguém a m ane ira c o m o s u a m e n te estariatrabalhando. E
ficou imaginando se ele já estaria pensando em “acobertamento”.
Claro que, desde que se tornara parceira de Mulder, ela havia visto por si mesma
um a série de coisas que j amais imaginara que existissem, e m um m undo quepensava
compreender. Com o ve rm e s parasitas congelados n o ge lo d o Ártico... ummonstro
humano que digeria a gordura de outras pessoas...
Mesmo assim, Scully sabia que o único modo de conservar sua sanidade mentalera
mantendo seu ceticismo. Tinha de continuar acreditando primeiro nas teorias
convencionais — a t é q u e a s pr ova s a o contrá r io f osse m suficientementeabundantes.
Esse e ra um papel que e la apreciava cada ve z m enos, m a s a o qua l a inda seapegava
firmemente, mais por desespero do que por sua crença materialista.
O olhar fixo do legista voltou-se para a porta que havia atrás dela, e Scully
acompanhou o movimento dos olhos dele para ve r um a pessoa imponente, quede
repente passara a ocupar aquele espaço da porta.
Era o xerife John Teller.
Geralmente, Scully e Mulder faziam tudo o que era possível para cooperar comas
autoridades policiais locais, quando e r a m escalados pa r a investigar u m casoqualquer.
Quando chegaram a Connerville, no entanto, o xerife Teller estava fora, demaneira que
e le s foram diretamente pa r a o laboratório d o legista . E r a u m a que bra deprotocolo da
qual Scully tinha certeza de que os dois agentes do FBI ainda acabariam se
arrependendo.
Ela voltou-se para o legista e perguntou:
— Por acaso o senhor encontrou ferimentos de contato em qualquer das outras
cinco vítimas?
Buxton pareceu recuar alguns centímetros com ambos os pés, demonstrandoestar
mais confiante, agora que o xerife havia chegado para lhe da r o apoio m oral deque
precisava.
— Eu teria de examinar minhas anotações oficiais... — disse ele num tom
grosseiro, sem da r importância à pergunta de Scully. Fez um a pausa, e contra-atacou,
dizendo: — Ouçam, está bastante clara para mim a razão pela qual esses rapazes
morreram.
Mulder estava olhando fixo para o cadáver estendido sobre a mesa de mármore.
— Foi um raio — disse ele, com um sarcasmo que apenas Scully conhecia.
— Bem, é isso mesmo — concordou o legista.
Ainda na porta, o xerife apoiou todo o peso do corpo em uma das pernas e cruzou
os braços diante do peito. Scully sabia que havia terminado o exame que ele faziados
dois. Ela tirou os óculos de proteção e olhou para o legista. Não podia entregar ospontos
sem partir para uma confrontação direta.
— Por acaso o senhor sabe que apenas cerca de sessenta pessoas morrem porano
em todo o país, por serem atingidas por raios? — perguntou ela — E que cincodesses
casos ocorreram aqui mesmo, em Connerville?
— Eu sei que é estatisticamente improvável — respondeu o legista. — No
entanto...
— Foram apenas quatro mortes — interrompeu o xerife Teller. Ele caminhoucom
passos resolutos e aproximou-se d o legista, colocando a m ão firm e sobre o seuombro.
— Está tudo certo, Stan. Você não precisa ficar defendendo o trabalho que faz.
O legista balançou a cabeça em agradecimento ao xerife, bem maior do que ele.
Teller continuou, perguntando com uma voz bastante suave.
— Poderia nos dar um minuto a sós?
— Claro que sim — resmungou Buxton. — Eu estarei no meu escritório — Ele se
voltou e desapareceu da sala.
—Acabei de ficar sabendo que o FBI está realizando uma investigação aqui —
rosnou o xerife.
Mulder e Scully se entreolharam. Devíamos ter obedecido ao protocolo, pensou
Scully consigo mesma. Tudo o que lhe restava fazer era tentar consertar o errocometido.
Ela olhou para o xerife e deu o sorriso mais amável que conseguia.
— Sou a agente Scully .
— Eu sei quem vocês são — rosnou Teller de volta. — Só queria saber o que
vieram fazer aqui.
O sorriso desapareceu do rosto de Scully. Ela procurou olhar para Mulder, masele
não estava mais ao seu lado. Agora estava examinando com enorme interesse olençol
que cobria o cadáver de Jack Hammond.
Scully tentou explicar tudo ao xerife:
— Estas mortes combinam com outros casos de falecimentos fatais atribuídos a
descargas elétricas, e todos eles com provas... inconclusas.
— Inconclusas para quem? — perguntou o xerife, em tom bastante grosseiro.
Então enfiou a mão no bolso e inclinou-se na direção de Scully. Sua voz adquiriuum
tom mais amigável. — Por acaso sabe alguma coisa a respeito de raios, Srta.Scully?
— Sim — respondeu ela.
— Sabia que os raios são responsáveis pela morte de várias pessoas por ano em
suas próprias casas, no chuveiro, ou enquanto estão conversando ao telefone?Que muita
gente j á viu raios dançando pelo chão, com o bolas de fogo? — Teller pareciaestar
animado agora. O discurso que fazia parecia ser do seu inteiro agrado. — Mas os
próprios cientistas especializados dizem que não sabem o que é que faz os raios se
manifestarem.
— Isso é novidade para mim — disse Scully .
Ela olhou para Mulder em busca de ajuda, mas ele se fazia de desentendido.
O xerife Teller sorriu e disse:
— Pois eu sei, porque tomo o café da manhã todos os dias com esses cientistas,no
restaurante aqui da cidade.
Scully piscou os olhos.
— Não estou entendendo.
— Tudo está tão claro como o cristal — disse Teller, com uma expressão de
sarcasmo no rosto. — Por acaso a senhorita sabe o que nós fabricamos aqui em
Connerville? Sabe qual é um dos nossos produtos locais? — Scully permaneceuem
silêncio e, depois de uma breve pausa, o xerife continuou — Nós fabricamosraios. Aqui
mesmo, lá no Instituto d e Relâmpagos Astadourian, na rodovia n o 4 . Ali existeuma
centena de pára-raios ionizados apontados diretamente pa r a o c é u, projetadospara
estimular a manifestação de relâmpagos.
Scully suspirou fundo.
— Eu não sabia disso — admitiu ela.
— É porque a senhorita não fez a lição de casa como deveria ter feito, não é
mesmo? — disse o xerife, e m tom sarcástico — Vocês vieram a té a qui parafazer um
trabalho que, na verdade, já foi feito.
Havia algo de perturbador na atitude do xerife, ele irradiava um ar de certezaque
irritava Scully . Fazia com que ela se lembrasse de alguém, mas ainda não sabia
exatamente de quem.
— Com todo o respeito, xerife — disse ela, por fim. — As autópsias que foram
feitas aqui não bastam.
— E em que baseia essa afirmação?
— Na minha opinião profissional de médica.
Isso fez com que Teller parasse por um instante, e chegou a dar um leve sorriso.
Depois, disse, com um tom de desafio na voz:
— Então, baseando-se em sua opinião médica, o que a senhorita acha que matou
este rapaz?
Scully chegou a abrir a boca para responder, mas fechou de novo sem dizercoisa
alguma. Tornou a olhar para Mulder, mas ainda não encontrou apoio no parceiro.
Finalmente, tornou a olhar para Teller, e disse:
— Bem... Como não existe outra explicação por enquanto, sou obrigada a
concordar que a mais provável causa da morte do rapaz foi... um raio.
Teller olhou para ela, virou-se rapidamente para Mulder e balançou a cabeça,
satisfeito.
— E eu não vou admitir que vocês, nem qualquer outra pessoa, sugiram qualquer
coisa diferente à família do rapaz.
O xerife fez uma pausa bastante significativa, como se estivesse procurando
assegurar-se de que suas palavras haviam ficado bem gravadas. Então, virou-senos
calcanhares e saiu da sala.
Scully continuou olhando para o espaço que havia sido ocupado pela enorme
pessoa do xerife.
— Fique à vontade para vir me socorrer quando quiser — murmurou ela para o
parceiro, que permanecia em silêncio.
— Por quê? — perguntou Mulder finalmente, sorrindo ao se aproximar de Scully
— Você conseguiu sair-se muito bem.
Scully suspirou fundo. Primeiro, havia sido vencida pela atitude do xerife. Eentão,
pior do que isso, tinha acabado concordando com ele.
— Por acaso tem alguma teoria sobre o que está acontecendo aqui? — perguntou
ela a Mulder.
— Só não acho que tenha sido um raio.
— Então, o que acha que poderia ter sido? O que acha que vamos acabarachando?
— perguntou Scully. Ela sabia que estava pisando em terreno muito instável eperigoso,
com uma pergunta dessas.
Mulder levou isso em consideração. E respondeu:
— Bem, antes de mais nada eu gostaria de saber quem é que está financiando a
pequena fábrica de relâmpagos que eles têm... — Fez uma pausa, e Scully quase
conseguia ver sua mente passando em revista todas as possibilidades. — Diga-me
sinceramente, Scully : você acha que o rapaz morreu em conseqüência de umraio?
Scully odiava momentos como aquele, em que Mulder lhe pedia queabandonasse
toda a sua fé na ciência, antes de que todas as provas tivessem sido colhidas.
— O fato de uma autópsia não explicar todos os aspectos de uma morte não
significa que esteja errada — insistiu ela.
Mulder continuou pressionando:
— Quer dizer que a explicação de Teller é o bastante para você?
Scully sentiu-se colocada entre a cruz e a espada. E disse:
— A única conclusão científica que posso tirar da morte de Jack Hammond é que
ela aconteceu por causa de um raio.
— Talvez, se ela conseguisse convencer a Mulder, convenceria a si mesma.
Mas Mulder não aceitava nada daquilo. E disse:
— Pois eu acho que esses relâmpagos locais são mais fáceis de prever do que
Teller imagina. Parece que o s raios aqui têm preferência por atingir u m certotipo de
pessoa...
— Pode me dizer o que está tentando dizer? — pediu Scully .
Do mesmo jeito que faz um mágico quando tira um coelho da cartola, Mulderabriu
a pasta de documentos onde estavam os relatórios relativos àquele caso, e tirouuma
folha de papel, que apresentou a Scully , dizendo:
— Veja isso. As vítimas são todas do sexo masculino, com idade variando entreos
dezessete e os vinte e um anos — Depois de uma pausa, olhou bem para Scully e
arrematou — Iguais a Hammond.
Scully não podia ignorar esse fato novo. O médico legista dissera que o númerode
vítimas de raios em Connerville era estatisticamente improvável. Mas o fatoapresentado
por Mulder colocava as coisas no domínio da total impossibilidade.
— Vamos ver o local onde Jack Hammond foi morto — sugeriu Mulder. —Talvez
possamos encontrar alguma coisa com que nós dois concordemos.
Capítulo 3
carro de Jack Hammond ainda não havia sido levado do estacionamento do
pequeno shopping center, e os auxiliares do xerife haviam circundado o veículo
O com cones plásticos alaranjados.
Fox Mulder agachou-se ao lado do carro, olhando para as marcas deixadas pelos
pneus no asfalto d o estacionamento, tentando som ar a s reduzidas pistas que jáhavia
conseguido colher no misterioso caso.
Tudo naquela investigação era diferente: primeiro, o perfil das vítimas, além do
m odo com o haviam morrido, não combinava com a s redes d e conspirações econtraconspirações que ele estava acostumado a investigar. E, n o m undo real, osOVNIs não
usavam “frigideiras mortais” p a r a f r ita r sua s vítim as, d e m ane ira q u e eletampouco
podia acreditar nessa possibilidade.
Atrás dele, Scully olhava para dentro do carro.
— Os policiais encontraram Hammond dentro do carro, aos dezessete minutos
depois da meia-noite — disse ela, lendo o relatório da investigação policial. —Todo o
sistema elétrico d o carro havia sofrido u m grande curto-circuito. N a verdade,todos os
circuitos e a fiação elétrica derreteram.
Ela caminhou até onde estava Mulder, ainda agachado, procurando entender o
significado das marcas deixadas pelos pneus. Ele mostrou aqueles rastros aScully .
— Parece que ele estava tentando fugir daqui às pressas — disse ele.
Scully olhou para os sinais gravados no asfalto.
— Fugir do quê? — perguntou ela.
Mulder levantou-se e, lentamente, percorreu com os olhos todas as lojas do
pequeno shopping. — A que horas foi que Jack Hammond entregou sua últimapizza?
Scully consultou o relatório da polícia e respondeu:
— Mais ou menos entre onze e onze e meia da noite.
Por quê?
— Todas as lojas daqui estariam fechadas antes das onze da noite — Mas seus
olhos pararam na vitrina do fliperama.
— Exceto, talvez, aquela.
Mulder e Scully entraram no fliperama e fizeram uma pausa de alguns instantes,
permitindo que sua vista se acostumasse com a luz fraca e azulada do ambiente.Então,
aproximaram-se do balcão, onde um rapazinho de modos grosseiros contavalentamente
algumas moedas, que ia colocando em cilindros de papel.
— Dez... onze... ahn... doze... — Ele estava curvado diante do balcão, dedicando a
cada moeda a sua mais completa atenção. —Treze...
— Com licença — disse Scully , inclinando o corpo para a frente.
O garoto levantou o dedo sujo e continuou sua contagem:
— Ahn... quatorze...
Scully e Mulder entreolharam-se e, um instante depois, Mulder passava aexaminar
com os olhos atentos todo o salão do fliperama.
Scully tornou a olhar para o rapaz que estava à sua frente e tentou interrompê-lode
novo.
— Desculpe-me, por favor — disse ela, mais insistente dessa vez.
Erguendo o rosto suado e marcado pelas espinhas, o rapaz olhou para ela. O olhar
inicialmente desinteressado transformou-se em uma cuidadosa observação dorosto dela,
e Scully viu-se imaginando se o rapaz conseguiria fechar a boca, ou se ela haviaficado
congelada pelo espanto e admiração.
Depois de uma longa pausa, Scully percebeu que o garoto não iria lhe perguntaro
que ela desejava, ou em que a poderia servir. Assim, finalmente ela perguntou:
— Qual é o seu nome?
— Ahn... — foi tudo o que o rapaz conseguiu dizer, antes de ficar parado e
boquiaberto de novo, com uma expressão de pasmo no rosto. Então, balançou acabeça,
como se estivesse procurando controlar seus pensamentos. E aparentemente deucerto,
porque finalmente respondeu: — Zero.
Scully balançou a cabeça e sorriu esperançosa, dizendo:
— Zero, posso falar com você um momento?
— Claro — disse Zero. Um sorriso repulsivo curvou-se nos seus lábios, emreação
a o sorriso dela. — O que dese j a conversar? — perguntou e le , c o m u m a vozmacia e
sedutora.
Scully nem queria imaginar os nauseabundos pensamentos que deveriam estar
passando pela mente daquele tal de Zero, mas sabia muito bem o que tinha afazer para
limpar a mente dele no mesmo instante. Ela enfiou a mão no bolso da jaqueta etirou a
carteira.
— Sou agente do FBI — disse ela, abrindo a carteira para mostrar sua identidadee
distintivo.
O efeito foi mais eficiente do que o desejado, quando ela viu desaparecer dorosto
do rapaz o pouco de cor que havia em sua pele já bastante pálida.
— Legal! — exclamou o rapaz.
Scully guardou a carteira, e perguntou:
— Por acaso estava trabalhando aqui ontem à noite?
Zero balançou a cabeça e respondeu:
— Claro. Trabalho todas as noites.
— E você conhece esta pessoa? — perguntou ela, mostrando uma fotografia ao
rapaz.
Zero olhou para a foto. Estudou a imagem e cerrou as sobrancelhas, como se
estivesse procurando concentrar seus pensamentos. Finalmente, respondeu:
— Não... Nunca o vi antes.
Scully ficou admirada pelo desempenho transparente do rapaz. Mas tambémficou
perplexa.
— Por que não dá uma olhada melhor? — perguntou ela. E explicou: — Eleesteve
aqui ontem à noite, entre onze e onze e meia.
Zero balançou lentamente a cabeça, como se essa informação nada significasse
para ele. Como se nem estivesse entendendo o que ela dizia.
Scully já estava começando a ficar irritada. Se alguém pretendia mentir paraela, ao
menos precisava tentar ser mais convincente.
— Ele foi morto ali mesmo, no estacionamento, — disse ela, apontando nadireção
d a por ta d a frente , pa r a o c a r r o destruído q u e a inda e sta va l á n a frente,perfeitamente
visível do lugar onde Zero se encontrava. — Aquele era o carro dele. Se vocêestava aí
mesmo, atrás do balcão, deve ter visto o que aconteceu.
— O... — disse Zero devagar, de olhos arregalados e com a cabeça balançandode
um lado para o outro, em uma demonstração grotesca de que, de repente,entendera o que
estava acontecendo. Apontando para o carro, e depois para a f oto n a m ã o deScully ,
perguntou: — Aquele... era ele?
Na quase total escuridão do interior do fliperama, Mulder ia caminhando, de uma
para outra das máquinas de vídeo game. De terno e gravata, ele não poderiaparecer mais
deslocado do que estava no meio dos garotos que jogavam, de olhos vidrados nos
brinquedos eletrônicos.
Mulder passou lentamente na frente de uma clássica vitrola automática Wurlitzer,
adaptada pa r a to c a r disc os com pac tos. Su a s lu ze s c intilantes e o s tubosdecorativos de
vidro colorido pareciam ultrapassados e fora d e contexto, e m comparação comas
modernas máquinas digitais de vídeo-game que a circundavam.
Mulder continuou caminhando por entre as filas de máquinas eletrônicas, e algo
que apareceu em uma das telas chamou sua atenção. Ele parou na frente damáquina do
Massacre Virtual II , e ficou olhando de maneira atenta para a tela iluminada,onde corria
u m a l is ta m ostrando a s pontuações e a s inic ia is d o s j ogadores q u e asconseguiram,
juntamente com o dia e a hora em que essas pontuações tinham sido marcadas.
Mulder piscou quando desapareceu de repente a longa lista de letras e númerosque
corriam pela tela, sendo substituídos por uma intensa cena de violência emovimento. O
golpe final de um dos lutadores fez espirrar uma verdadeira chuva de sangue daboca de
seu oponente. Ao mesmo tempo, uma voz sintetizada e bastante sexy murmurou:
— Ora vamos, querido. Eu sei que você tem uma moeda no bolso...
— Na última vez em que o vi, ele estava enfiando moedas dentro desta máquina.
— Mulder levantou o olhar. O rapaz que atendia no balcão estava na frente deScully ,
apontando para a m esm a máquina onde e le estava. Zero continuou explicando:—
Quando dei pela coisa, a ambulância já estava chegando ao estacionamento...
Scully olhou para Mulder com uma expressão de enorme curiosidade, como se
quisesse perguntar como ele havia descoberto que aquela era a máquina ondeHammond
havia jogado. Mas Mulder permanecia de olhos fixos n a tela, esperando que alista de
pontuações aparecesse novamente.
Scully voltou-se para Zero e perguntou:
— Antes que a ambulância aparecesse, por acaso você notou alguma coisaestranha
lá fora?
Zero balançou a cabeça, olhando para algum ponto no infinito, com umaexpressão
que nada revelava. E respondeu:
— É difícil dizer. Sabe, este lugar fica muito barulhento, e não dá para ouvir coisa
alguma.
Scully insistiu:
— Não notou a presença de mais ninguém, que poderia ter visto ou ouvidoalguma
coisa?
— Eu... ahn... Bem... não me lembro de nada.
Mulder deixou que seu olhar estudasse aquele garoto.
Ele estava se esforçando demais, e Mulder percebia isso. Então, seus olhos
voltaram rapidamente para a tela da máquina, quando ele percebeu que a lista de
pontuações aparecia de novo.
— Ei! Onde está o carinha que troca a grana por aqui? — gritou alguém queestava
do outro lado do salão.
— Desculpem — disse Zero rapidamente, mostrando-se aliviado por ter uma
desculpa para se afastar daqueles dois agentes.
— Scully , dê uma olhada nisso — disse Mulder, apontando para a tela iluminada.
— O que é? — perguntou Scully , olhando também para a tela.
— Quais eram os nomes das outras vítimas? Scully abriu a pasta e procurou alista
dos nomes.
— Billy Kolbrenner... Ralph Sherman... Darin Oswald... Leon...
— Darin Oswald... por acaso ele tem mais de dois nomes?
Scully tornou a consultar a lista.
— Sim. Peter.
Mulder pensou um pouco, e disse:
— Darin Peter Oswald. Deixe-me adivinhar: das cinco vítimas, foi ele o únicoque
sobreviveu. Estou certo?
Scully consultou a lista e balançou a cabeça.
— Sim... Mas, como é que você sabe disso?
— Olhe — disse Mulder, apontando para a lista de pontuações na tela da máquina
d e vídeo-gam e. A s m e sm a s tr ê s inic ia is e sta va m n a f r e nte d e tod a s aspontuações da
lista. — D.P.O. Darin Peter Oswald...
Mulder tocou o vidro da tela com a ponta do dedo indicador, apontando para a
pontuação mais alta. Depois, correu o dedo ao longo da tela para a data, e talveza hora
exata da morte de Jack Hammond. E disse:
— Ele estava aqui quando Hammond morreu.
Capítulo 4
om os fones de um walkman enfiados na orelha com duas agulhas de soro, Darin
Peter Oswald fazia o seu trabalho, por baixo do motor de um Buick. Ele era um
C bom mecânico, mas também eram bons mecânicos quase todos os rapazes da
cidade. Talvez fosse por isso que o Sr. Kiveat só lhe pagava o salário mínimo.
Ele ajeitou o corpo sobre a tábua em que estava deitado, virando a cabeça e
estendendo o braço para apanhar uma chave fixa. Foi então que viu aquele belopar de
pernas que entravam na oficina.
O canto de sua boca curvou-se em um sorriso. Ele reconheceria aquelas pernasem
qualquer lugar do mundo. Já as havia estudado mais do que estudara qualquermatéria na
escola. Eram pernas bem torneadas, que terminavam e m tornozelos perfeitos,vestidos
com um brilhante par de meias de náilon. Aqueles sapatos de salto alto pareciamnunca
pegar a poeira da cidade.
Ele ficou olhando, boquiaberto, enquanto as duas pernas caminhavam na sua
direção, sobre o piso manchado de graxa da oficina. E, quando chegaram tãoperto que
ele não conseguia mais resistir, empurrou o corpo para sair de baixo do Buick.
Assustada, ela deu um passo para trás, quando Darin se levantou, tirou os fonesdas
orelhas e ajeitou o boné sujo de graxa para esconder a cicatriz da cabeça.
— Ei, Sra. Kiveat — disse Darin, com um leve sorriso.
— Darin, você me assustou — disse ela.
Ele não sabia o que dizer. A última coisa que pretendia no mundo era assustá-la.
— Desculpe, Sra. Kiveat — respondeu ele, olhando bem nos olhos dela. Deviam
ser os olhos mais bonitos do país inteiro. Afinal, aquela era a mulher mais lindade todo
o estado.
Seus cabelos eram vermelhos e brilhantes. Ele tinha vontade de tocá-los, mas
estava com as mãos cheias de graxa. Elas estavam sempre cheias de graxa.
— Onde está Frank? — perguntou a mulher.
A pergunta pegou Darin de surpresa. Por alguma razão, ele pensava que elativesse
ido à oficina para falar com ele. Pelo menos era isso o que desejavaardentemente.
— Frank foi fazer um socorro — respondeu Darin.
Ele não conseguia tirar os olhos do rosto dela. Percebeu que ela procuravadesviar
o olhar, mas ele não deixou de encará-la. Um rosto bonito como esse é comouma obra
de arte, pensou Darin. E como poderia ele desviar os olhos de uma obra de arte?
— Há alguma coisa que eu posso fazer pela senhora? — perguntou ele.
— Não — respondeu a Sra. Kiveat. — É que eu ia almoçar com Frank.
Darin procurou processar os pensamentos o mais rápido que podia. Poderia
oferecer-lhe alguma coisa, não? Ela gostaria disso.
— Se está com fome — disse Darin, — eu posso arrumar alguma coisa para a
senhora comer. Não gostaria disso? Tenho umas rosquinhas recheadas de geléia— disse
ele, com um sorriso. — São de ontem, mas ainda estão boas. Acabei de comeruma.
Darin deve ter dado um passo para a frente porque, de repente, percebeu queestava
perto demais dela. O cheiro gostoso do perfume que ela usava ficou mais fortedo que o
odor desagradável da graxa que havia em suas roupas.
Ela balançou a cabeça para dizer “não”, e afastou-se, mostrando não estar muitoà
vontade ali.
Darin sabia porquê.
— Ahn... Sra. Kiveat... — disse ele, abaixando os olhos para seus tênis sujos, que
estavam dolorosamente próximos dos lindos sapatos de salto alto que ela usava.— Sabe,
aquelas coisas que eu disse ontem... Eu... ahn...
Um caminhão guincho entrou na oficina. Era Frank Kiveat, seu patrão e maridode
Sharon Kiveat, que chegava.
Ao ver o caminhão, Darin deu dois longos passos para trás.
Frank desceu da cabine do caminhão. Era um homem alto, bonitão e amigável. E
daí, pensou Darin. Eu também posso ser amigável...
— Desculpe eu ter demorado, querida. Tive de guinchar o carro daquele pobre
entregador de pizza.
Darin ficou olhando com toda atenção, quando ela deu um beijo em Frank. Ele
sempre olhava do mesmo jeito quando a Sra. Kiveat beijava o marido, e cadavez parecia
a Darin que o mundo estava ficando um pouco mais escuro.
Darin virou o rosto para o outro lado, incapaz de continuar olhando. O que a fazia
beijar tanto o marido? Não poderia ela dar um beijo em Darin, ao menos umavez?
— Ei, Darin! — gritou Frank. — Acabo de receber um chamado pelo rádio do
caminhão. Tem umas pessoas que querem falar com você. Disseram que sãoagentes do
FBI.
Darin balançou solenemente a cabeça e encolheu os ombros, como se não se
importasse.
— FBI, hein? — perguntou ele. — Talvez estejam precisando de um bom
mecânico.
Frank deu uma leve risada, e Darin virou rapidamente os olhos para a Sra.Kiveat,
antes de dirigir-se para o painel onde ficavam guardadas as ferramentas.
— Então foi esse o cara que morreu? — Darin examinou a fotografia de Jack
Hammond, que ali aparecia alegre e sorridente. Parecia ser uma foto tirada nocolégio. O
rapaz tinha os cabelos bem cortados e penteados, e um enorme sorriso nos lábios,como
se fosse o dono d o mundo. Darin odiava rapazes com o aquele, e isso o deixavaainda
mais feliz com o que havia feito. — Foi uma coisa horrível — disse Darin.
Embora tivesse sido Mulder quem lhe dera a foto, Darin a devolveu a Scully, que
estendeu a mão delicada para apanhá-la. Os cabelos dela tinham uma tonalidade
vermelha mais escura do que os da Sra. Kiveat, mas era uma moça igualmenteatraente,
em bora parecesse sé r ia dem ais pa r a que e le s e arriscasse a faze r qualquerbrincadeira.
Darin não tinha coragem d e olhar diretamente nos olhos dela, de maneira quepreferiu
continuar arrumando as ferramentas no painel.
— Como foi que aconteceu? — perguntou ele, fingindo da melhor maneira que
podia.
— Disseram que ele foi atingido por um raio, — respondeu Mulder.
Darin não conseguiu evitar de rir, ao ouvir isso. Colocando na boca uma tira de
goma de mascar, comentou:
— É verdade. Essas coisas acontecem...
— Foi bem na frente do fliperama — continuou Mulder. — Não havia umanuvem
sequer no céu, pelo que fomos informados.
Mulder olhou bem para o rapaz, como se pudesse enxergar os pensamentos dele.
Isso fez com que Darin ficasse inseguro. Deve se r algum truque idiota d o FBI,pensou
ele.
— Você estava lá ontem à noite, não é mesmo? — perguntou Mulder.
— Claro, estava sim — respondeu Darin, admitindo para si mesmo que seria
melhor dizer a menor quantidade possível de mentiras.
— Então deve ter visto alguma coisa.
Darin balançou a cabeça.
— Cara, quando estou jogando vídeo-game, é como se eu estivesse lá dentro do
jogo, entende? Mesmo que uma bomba atômica tivesse explodido lá fora e u nãoteria
visto coisa alguma, entende?
Darin olhou rapidamente para Scully , que também mostrava no rosto aquela
expressão de quem pode ler os pensamentos dos outros.
Mulder continuou falando:
— Darin, posso lhe fazer uma pergunta pessoal? Você se considera uma pessoade
sorte?
— Eu? — perguntou Darin em resposta. — Pessoa de sorte? — De repente ele
achou te r descoberto que o s agentes do FBI eram m uito m enos inteligentes doque
pretendiam fazer crer. — Acho que não sou, não...
— Bem, eu estava pensando que, de todas as pessoas que foram atingidas porraios
aqui na cidade — disse Mulder, — você é o único que continua vivo. Não achaque isso
foi muita sorte sua?
Darin começava a sentir coceira na cicatriz que tinha na cabeça, só em lembrardo
raio. De fato, o relâmpago havia deixado uma marca bastante profunda nelemas, apesar
de tudo, ele havia ficado bem vivo.
— É? Bem... Acho que, olhando as coisas por esse lado, talvez eu seja mesmoum
sujeito de sorte.
Darin estava começando a sentir o calor daquele interrogatório, mas não achava
que seria o único.
— Mulder — disse Scully , aproximando-se de seu parceiro com uma expressão
preocupada.
Estava saindo fumaça de dentro do bolso do paletó de Mulder.
Darin mastigou com força a goma de mascar, para evitar um sorriso.
Mulder enfiou a mão no bolso do paletó e tirou o telefone celular, que soltava
fumaça como se fosse um charuto.
— O que aconteceu? — perguntou Scully .
— Não sei — disse Mulder, encolhendo os ombros. Então ele deu um gemido e
deixou cair o telefone. Quando o aparelho bateu no chão, a caixa de plásticocomeçou a
derreter. A fumaça que saía do telefone aumentou ainda m ais, enquanto a peçaera
consumida pelo calor.
Mulder esfregou as mãos queimadas, e disse:
— Começou a ficar quente de repente...
Darin baixou o olhar para o telefone destruído e balançou a cabeça, dizendo:
— Hummm... É a tecnologia moderna. — Então, ele ergueu os olhos paraMulder.
— Bem, acho que preciso ir. O trabalho me espera.
Os dois agentes olharam para ele como se pretendessem ler seus pensamentos,
mas
já não o conseguiam deixar tão nervoso como haviam feito ao chegar.
— Claro — respondeu Mulder. — Obrigado por sua ajuda.
— Estou às ordens — disse Darin, ao retirar-se do escritório.
Capítulo 5
m uma cidade de casas velhas e pobres, o pequeno bangalô onde Darin Oswald
morava com sua mãe era a maior ofensa à vista, que se poderia encontrar emtoda
E a redondeza. A pintura da casa estava descascando, e o prédio estava inclinado
para um dos lados. O mato havia crescido em toda a sua volta. O lixo acumuladono
quintal era tão velho que parecia ter sobrado de alguma civilização primitiva.Mas, como
as pessoas sempre tentaram dizer a Darin desde que era criança, o lar de umapessoa é o
lugar onde e la tem seu coração. Mas, se isso fosse m esm o verdade, um a casacomo
aquela teria deixado louco o sujeito que inventara esse ditado. Quando Darinchegou em
casa, sua mãe estava sentada, hipnotizada pela TV, com o e ra seu costume. Comum
corpo mais ou menos do mesmo tamanho do sofá onde estava deitada, ela tinhafixos na
tela os seus olhos vidrados, enquanto assistia a um talk show em que oapresentador fazia
perguntas a u m convidado qualquer, sobre um a coisa o u outra . Quando Darinolhou
através da porta, atrás dela, o canal mudou para a MTV.
A mãe de Darin virou a cabeça e gritou por cima do ombro:
— Pare de brincar com o controle remoto!
Mas, ao mesmo tempo em que dizia isso, sua mão abaixava automaticamente,para
tocar o controle remoto, colocado naquele luga r m ágico q u e havia entre seucorpo e o
sofá.
Darin engoliu quase um litro de leite com chocolate, e nada disse, enquanto ela
mudava a TV de novo para o programa que estava assistindo antes.
— Por que tem de assistir esses programas idiotas? — perguntou Darin. — Todos
os que aparecem aí são uns imbecis!
Ela se voltou para olhar o filho. Mais precisamente, para fazer uma careta paraele.
E disse:
— Pelo menos eles estão na TV. Não estou vendo você na televisão.
Ao ouvir isso, Darin deu um arroto longo e muito alto.
Sua mãe balançou a cabeça.
—A educação não custa coisa alguma, Darin. É de graça. Qual a garota que vai
querer sair com um rapaz que arrota como você?
— A senhora ficaria surpresa se soubesse... — respondeu Darin.
Mas sua mãe já voltara a concentrar sua atenção na telinha da TV e no desfile de
estranhos convidados daquele programa. Uma coisa era certa: Darin jamais se
transformaria numa figura daquelas. Era muito mais esperto do que toda aquelagente, e
sabia muito bem disso. Haveria de mostrar quem era a todos os que o odiavam. Etinha
muito a mostrar.
Jamais a cidade de Connerville havia demonstrado amor pela família Oswald.Seu
pai tinha sido um homem mau, o tipo de pessoa que tinha uma personalidadesemelhante
à de um touro bravio. Bebia demais, fumava demais e , nas suas horas d e folga,vivia
atormentando Darin e sua mãe, como se não esperasse chegar até o dia seguinte.E não
demorou a chegar o dia que foi seu último, quando ele tivera o bom senso demorrer em
um acidente de carro, alguns anos antes.
Darin achava que, sem o pai, as coisas mudariam para ele e sua mãe. Mas não
mudaram. A mãe foi ficando cada vez mais amargurada, comendo latas inteirasde
sorvete e praticamente desaparecendo dentro daquele enorme sofá. E Darinainda sentia
o desprezo dos vizinhos e até dos professores, na escola.
Na verdade, talvez os professores tivessem suas razões para odiá-lo. Ele vivia
dizendo bobagens n a sala d e aulas, e evitava a lição de casa c om o s e fosse apeste
bubônica. Mas, no fundo, havia um certo conforto nisso tudo. Afinal de contas,como ele
lhes dava motivo para que o odiassem, entendia esse sentimento. Seria m uito piorse
fizesse tudo direitinho e, ainda assim, fosse odiado por todos. Isso seria assustador.
Então, as pessoas o haviam chamado de idiota a vida inteira. Ele estava tão
habituado com isso que, se estivesse no meio de um a multidão e alguém gritassea
palavra idiota, levantaria a cabeça, como se o estivessem chamando pelo nome.
Mas, então, havia a Sra. Kiveat. Ela nunca o havia tratado como se fosse uma
sujeira qualquer, que se põe embaixo do tapete. Jamais o chamara de idiota. Notempo de
escola, ela ria das brincadeiras dele, na sala de aula. Chegara inclusive aescrever coisas
nos cadernos dele. Coisas que o incentivavam. Coisas que mostravam o quantoela se
preocupava com a sua pessoa, e com quem e le poderia vir a se r . E la o faziasentir que
valia alguma coisa na vida.
Então, os estudos se acabaram, e a vida continuou. Mas a vida não podiacontinuar
para Darin, pelo menos não do jeito que havia sido antes. Ela o havia atingidocomo um
raio, e ele sabia que jamais se recuperaria desse golpe.
As batidas características de Zero à sua porta tiraram Darin do seu mundo de
sonhos. Antes de atender, Darin deu outra olhada na TV que sua mãe estavaassistindo. E
a tela se encheu de estática. Era o fim daqueles imbecis do talk show.
Darin saiu correndo de casa e atravessou o quintal, com Zero esforçando-se por
acompanhá-lo na corrida.
— Você não vai acreditar, cara, — disse Zero. — Nunca vai adivinhar quemesteve
procurando por você hoje.
— Vou dar um chute — disse Darin. — Foi o FBI?
— Como foi que descobriu?
Darin balançou a cabeça. Ele vivia constantemente admirado pela estupidez de
Zero.
— Eles foram falar comigo na oficina — respondeu Darin.
— Foram mesmo? E como foi que o encontraram?
— Você deve saber — disse Darin, com os dentes cerrados. — Você é quemlhes
deve ter dito alguma coisa.
Darin acelerou o passo. Já quase sem fôlego, Zero tratou de acompanhar.
— Não, cara. Eu não disse coisa alguma!
Os dois estavam no campo agora. A pastagem que havia atrás da casa de Darinera
densa e muito verde, naquela época do ano. Aquelas terras j á haviam pertencidoà
família d e Darin. N a verdade, tinham sido d e seu avô. Ma s e le s perderam asterras.
Assim como haviam perdido tudo o mais.
Darin saltou pela cerca de arame farpado e Zero atravessou entre os arames,atrás
dele.
— Espere por mim! — Darin continuou andando, na direção do topo da colina. E
Zero gritou: — Ei, dá um tempo, cara. Você sabe que eu não faria uma coisadessas com
você.
Na parte mais alta da colina havia um pequeno planalto, onde um grupo de vacas
desinteressadas estava dormindo. Darin ainda se admirava a o ve r que a s vacaspodiam
dormir em pé.
— Acho que é melhor você se mandar para outro lugar agora — disse Darin a
Zero. — Porque estou com vontade de comer um churrasquinho.
Zero respirou fundo, e sentiu tremores na respiração.
— Não, cara. Não vai fazer isso com as vacas de novo! Mas Darin deu umsorriso
para ele, um sorriso do tamanho daquele campo aberto.
Zero não parecia muito animado com a idéia, e sua reação só fez Darin morrerde
rir. Zero era tão engraçado quando tentava fazer Darin desistir de alguma coisa.
— Vamos, não faça isso. Agora não...! — implorou Zero. Ao redor deles, já era
possível ouvir as vacas mugindo, incapazes de adivinhar o que estava paraacontecer.
Darin afastou-se de Zero e voltou seus olhos para o céu, um céu tão claro quepodia
enxergar cada uma das estrelas que brilhavam lá em cima. Mas o vento estava
começando a soprar, e pequenas nuvens já se formavam entre ele e a lua.
As nuvens começaram a brilhar, refletindo uma luz azulada, como se estivessem
inchando e enchendo-se de eletricidade estática.
— Muito bem, estou ouvindo! — disse Darin, olhando para o céu. — Estou pronto
para vocês. Portanto, podem descer!
Alguns momentos depois, as nuvens cresceram e esconderam as estrelas, e asvacas
começaram a m ugir mais alto, no meio do vento forte. Lá em cima, algunsrelâmpagos
começaram a pipocar de leve.
— Vou cair fora daqui! — gritou Zero. E começou a correr colina abaixo,tratando
de usar toda a força que ainda tinha nas pernas.
— Vamos cara! Estou esperando! — gritava Darin para o céu. — Vamos logocom
isso! — Darin estendeu os braços para os lados, ainda olhando para as nuvenscada vez
mais escuras. — Venha me pegar! Estou bem aqui! E estou esperando! — Eleelevou as
mãos para o céu, e gritou ainda mais forte: —VAMOS LOGO! FALE COMIGO!
O céu explodiu em uma verdadeira catarata de relâmpagos. Os raios pareciamestar
caindo a esmo mas, na verdade, estavam procurando atingir Darin.
As vacas estavam sendo fritadas pelos raios que explodiam no meio delas. E
finalmente — BUUM! — um único relâmpago, que parecia se r o m ais poderosode
todos, atingiu Darin. Entrando por sua testa e por seu cérebro transformado, a
eletricidade mergulhou para baixo, através das pontas dos seus dedos, e pelosdedos dos
pés, para entrar no chão.
Aquilo queimava. Mas, ao mesmo tempo, era uma coisa maravilhosa podersentir
um a força tão extraordinária c om o aquela , e sobreviver pa r a usá-la e m seupróprio
benefício.
Darin caiu ao chão, e os raios foram perdendo a intensidade. Ele estava exausto
com aquela extraordinária experiência mas, deitado ali, sentia o poder que haviaacabado
de tomar conta dele. Conseguia sentir a energia percorrendo suas veias, emboraseu
corpo ainda estivesse em choque, incapaz de se mover.
Do meio da fumaça, Zero reapareceu. Ainda sem fôlego, ele curvou-se sobreDarin
e sussurrou:
— Ei, cara! Está se sentindo bem, meu?
Darin sentou-se no chão. Podia sentir a eletricidade que cintilava no seu brinco, e
até nas obturações dos seus dentes. Também sentia a carga elétrica que havia noar ao
seu redor, e tinha a sensação de que estava no centro do universo.
— Estou me sentindo excelente — respondeu Darin.
Capítulo 6
xerife Teller caminhou ao lado de uma das vacas mortas, cujos olhos abertos
pareciam mostrar um ar de surpresa por causa de sua morte súbita. Teller tinha o
O telefone celular colado à orelha. Esse era um dos poucos sinais demodernização
do Departamento do Xerife de Connerville.
Na outra ponta da linha estava Dean Greiner, seu amigo de longa data e diretordo
projeto de pesquisas do Instituto de Relâmpagos Astadourian, que lhe transmitia
informações sobre a atividade dos relâmpagos na noite anterior.
— Hum-hum... Ahn... Sei... — respondia Teller ao telefone, quando viu Scully e
Mulder chegando em um carro escuro.
— Poderia transmitir isso por fax ao meu escritório? — perguntou ele notelefone,
enquanto começava a caminhar na direção do carro dos dois agentes do FBI. —Agora
mesmo, se possível? Obrigado, Dean.
Teller fechou o telefone e o colocou no bolso, acelerando o passo na direção do
lugar onde os dois agentes do FBI haviam estacionado e já desciam do carro. Elepassou
por outra vaca morta. Havia moscas voando ao redor desta última.
Para dizer a verdade, como Teller bem sabia, seu trabalho nunca fora tão
interessante como estava sendo agora. Connerville não enfrentava qualquer ondade
crimes, e nem m esm o crim e tinha. A s únicas coisas que e le atendia eram umcaso de
embriaguez de vez em quando, ou um caso de vandalismo qualquer. Não que oscidadãos
de Connerville fossem tão ordeiros. De fato, nada havia restado na cidade quevalesse a
pena roubar.
Mas aquele era o seu território, e Teller não estava disposto a entregá-lo a
autoridades de fora sem resistir ao máximo.
Quando Scully começou a andar pela pastagem, na direção de Teller, deu para
sentir no ar a atitude negativa do xerife em relação aos dois.
— O que aconteceu aqui, xerife? — perguntou Scully .
Teller apontou para os animais deitados na grama do pasto e disse:
— Temos três vacas mortas — Ele não conseguiu evitar que seus lábios se
curvassem em um sorriso, quando perguntou: — Como acham que elasmorreram?
— Foram raios? — perguntou Mulder.
O xerife Teller balançou a cabeça e disse:
— Isso mesmo. Acabei de falar por telefone com Dean Greiner, do Instituto, que
fica a pouco mais de um quilômetro e meio, além daquela mata — Ele apontouatrás dos
agentes.
Mulder voltou-se para olhar, e franziu as sobrancelhas, como se estivessetentando
enxergar o que havia por trás das árvores.
— Por acaso eles registraram atividade elétrica no céu ontem à noite? —perguntou
Scully .
— Com o equipamento que têm, eles podem registrar atividade de relâmpagosem
qualquer parte do planeta — disse Teller. Ele suspirou fundo, preparando-se paradar
u m a longa explicação. E com eçou: — Ca da r a io e m ite onda s d e r á dio namesmíssima
freqüência...
— É a ressonância de Schuman — interrompeu Mulder, colocando-se frente a
frente com o xerife. — Oito ciclos por segundo. É possível captar essa freqüênciaem
qualquer rádio transistorizado.
Surpreendido por aquela interrupção, o xerife Teller lançou um longo e profundo
olhar para Mulder. Mulder sorriu, e disse:
— Está vendo, xerife? Eu fiz a minha lição de casa.
Mas o xerife Teller não parecia realmente muito impressionado.
— Não há dúvida alguma de que estas vacas foram mortas por raios que caíram
aqui ontem à noite — insistiu ele. — Do mesmo modo que um raio matou Jack
Hammond na noite de anteontem.
Mulder agachou-se ao lado da vaca morta que estava aos seus pés e, depois deuma
breve pausa, disse:
— Bem, certamente é assim que as coisas parecem ter acontecido.
— Foi assim que aconteceram, — respondeu Teller. — Venha. Eu quero lhes
mostrar mais uma coisa.
Teller caminhou alguns passos na direção de um pedaço de terra árida que seabria
como uma pequena clareira no meio da grama da pastagem. Scully e Mulder o
acompanharam, até chegarem ao pedaço de terra nua. Mulder chutou a terrapara o lado.
— Olhem para isto, — disse Teller, apontando com o pé para o chão. — Vocês
sabem o que é ? Hein? — Ele respirou fundo, com o se estivesse preparando-separa
explicar o significado da mancha negra que havia na areia, lembrando uma raiz
queimada.
Mas Mulder foi mais rápido do que ele outra vez.
— Parece um fulgurito — disse ele, abaixando-se para examinar a manchanegra.
— O xerife Teller caminhou para ele e arregalou os olhos, enquanto Muldercontinuava:
— Isto só acontece com os raios. É o resultado da fusão da terra, que setransforma em
vidro, por causa do excessivo calor de uma descarga elétrica.
O xerife Teller balançou a cabeça.
— E vai me dizer que ainda precisam de mais provas? Hein? — Mulder ficou
calado, mas afastou mais um pouco de areia do fulgurito. E Teller continuou: —Eu diria
que o trabalho de vocês aqui está terminado.
Dizendo isso, ele se afastou na direção de seu carro. Scully voltou-se para o
parceiro. Com uma voz insegura, ela começou a dizer:
— Mulder... Devo dizer que... Bem, acho que ele tem razão.
— Quer dizer que acha que estamos perdendo o nosso tempo aqui? — perguntou
Mulder, enquanto seus dedos esfregavam na substância dura e fria que se haviaformado
na areia. — Acha que estamos correndo atrás de relâmpagos?
— Basta olhar para as provas. O que mais poderia ser?
— Ainda não sei — resmungou Mulder, fazendo força com os dedos contra o
fulgurito, levantando uma de suas pontas enfiadas n a terra. Com u m estalo seco,um
longo pedaço daquele vidro negro quebrou-se e m sua s m ãos. E le lim pou umpouco da
terra e entregou o obj eto a Scully, acrescentando: — Ma s e sse é o primeirorelâmpago
que eu vejo deixar pegadas por onde passou.
Scully examinou melhor o fulgurito, sentindo uma vez mais a estranha sensação
que muitas vezes sentia quando estava perto de Mulder, de que o mundo estava
desabando sob os seus pés. E viu que, de fato, gravada bem fundo naquela peçagrosseira
de vidro negro, havia uma parte de uma pegada humana.
Ela esfregou a m ão por cim a d a superfície d a peça, para verificar se a marcaera
real, e não apenas u m truque d e reflexão d a luz. Então voltou-se para Mulder,mas os
pensamentos dele já estavam em outro lugar.
— Por que você não vai ao laboratório do legista e tira uma amostra em gesso
dessa pegada? — sugeriu ele, olhando uma vez mais na direção da floresta. — Eume
encontro com você mais tarde.
Capítulo 7
que pode me dizer a respeito dos relâmpagos de Connerville?
— Só que eles ocorrem o tempo todo, durante todo o ano.
- O O agente Mulder foi recebido no grande átrio do Instituto de
Relâmpagos Astadourian pelo Dr. Dean Greiner, diretor geral dessa instituição. Oprédio
em si fora construído no meio de um bosque d e enormes árvores d e carvalho, eficava
completamente escondido. Sua estrutura baixa, de aparência estéril, destacava-sepor um
estranho aparelho instalado no teto, uma mistura de antena de radar comtransmissor de
microondas. Sobre o te to plano ha via u m a sé r ie d e pára-raios q u e faziam
lembrar uma
enorme cama de pregos.
No seu interior, o grande átrio abrigava uma exibição de objetos que contavam a
história da eletricidade. Era o tipo de galeria que as crianças em idade escolaradorariam
visitar, mas Mulder tinha a impressão de que nenhuma criança e m idade escolarteria
permissão para entrar ali.
O Dr. Greiner sorriu por trás de sua barba grisalha.
— As nuvens estão sempre vagando por aqui — disse ele a Mulder.
— E por que acontece isso?
Greiner levantou as sobrancelhas e respondeu de maneira professoral:
— É isso que estamos procurando descobrir. Mulder olhou para cima, através da
clarabóia. Até sobre o pináculo dessa clarabóia havia um pára-raios instalado.Pelo vidro
Mulder podia ver o desajeitado aparelho que adornava o teto do prédio.
— E são necessários todos esses pára-raios?
— O s relâmpagos s ã o im previsíveis — explicou Gre iner . — Qua nto maispáraraios nós temos, maior é a possibilidade de eles virem até onde estamos.
Greiner começou a caminhar entre as peças exibidas no átrio. Uma bobina deTesla
parecia estar sugando a eletricidade do ar. Uma escada de Jacobs transmitia umgrande
arco azul, entre as duas hastes paralelas. Greiner parecia ter muito orgulhodaquele lugar.
Mulder ficou imaginando que ele tinha ciúme de tudo aquilo.
— E aquele grande aparelho instalado no teto? — perguntou Mulder.
Greiner hesitou durante alguns instantes. Mas finalmente respondeu:
— É para armazenamento químico. É o que chamamos de célula de umidade.
Mulder não conseguiu esconder sua surpresa.
— Quer dizer que aquilo é uma bateria? Greiner abriu os braços para todo o átrio,e
disse:
— Estas instalações são alimentadas pelos relâmpagos, Sr. Mulder. Eles atingem
os nossos pára-raios, e nós guardamos sua eletricidade. Ainda não é umaoperação cem
por cento eficiente, mas estamos trabalhando justamente nisso.
— E o que acontece quando os relâmpagos não atingem os pára-raios doInstituto?
— perguntou Mulder.
Greiner voltou-se lentamente para o agente do FBI, quando ouviu essa pergunta.
Examinou Mulder com o olhar, e sua atitude mudou de repente. E dissefriamente:
— Apesar de tudo o que o povo da cidade possa pensar, não fabricamos raiosaqui.
Apenas os estudamos. Não tivemos nada a ver com qualquer das tragédias que
aconteceram na cidade. De fato, os raios estavam aqui muito antes dechegarmos.
Mulder recuou um pouco, mas a expressão defensiva no rosto de Greiner
permaneceu inalterada.
— Entendo — disse Mulder. — Estava só imaginando se o senhor mantém um
registro dos incidentes envolvendo vítimas de pára-raios. Não apenas daqui, mas
os
registros mundiais de eventos desse tipo.
Greiner encolheu os ombros, sem dar importância à pergunta.
— São apenas números nos nossos computadores. Não vejo que utilidade issoteria
para o senhor.
— Eu gostaria de ver os seus registros a respeito de pessoas que foram atingidas
mais de uma vez, e que conseguiram sobreviver — disse Mulder. — Para anotar
qualquer característica que elas poderiam ter em comum.
A princípio Greiner pareceu sentir-se ameaçado com o pedido, mas acabou
explodindo numa gargalhada. Mulder não sabia dizer se ele estava de fatoachando graça
naquilo, ou se estaria recorrendo ao riso para esconder sua preocupação.
— Agente Mulder — disse o cientista, — somos uma instituição de poucos
recursos, c o m fa lta d e pessoal, q u e s e dedica à pesquisa científica. S e estáprocurando
algum tipo de magia negra, fique sabendo que veio ao lugar errado.
Mulder olhou para uma estátua de Zeus carregando um pára-raios nas mãos. Atéos
grandes mitos algumas vezes baseiam-se em fatos.
— Também estou falando de fatos científicos, Dr. Greiner. De explicaçõeslógicas
para coisas que não conseguimos compreender.
Greiner reagiu abrindo as mãos com as palmas para cima e encolhendo osombros.
E disse:
— Bem, parece que sua procura das respostas não o levou a coisa alguma.
Desculpe, mas não temos as respostas que o senhor está procurando.
Mulder não conseguia dizer se o bom cientista era um inimigo, mas já tinhacerteza
de que não era um aliado seu.
— Obrigado pela atenção que me deu, Dr. Greiner.
Mulder virou-se para ir embora mas, antes de partir, dirigiu-se uma vez mais a
Greiner.
— A propósito, achei magníficas as instalações do seu instituto — disse ele,
passando a mão por um corrimão de metal muito bem polido. — Pela aparência,
ninguém diria que o Instituto tem “poucos recursos”.
Enquanto isso, no laboratório do legista, no edifício da sede administrativa do
Condado d e Wharton, onde contava c o m a s ferramentas apropriadas pa r a apesquisa
científica, Scully esperava secar o molde que havia tirado do pedaço de fulgurito
encontrado no pasto. Quando e la chegou a o escritório d o xerife com a amostrade
fulgurito, ele ainda não havia retornado, e fora o assistente d e plantão quem lhedera a
permissão necessária para usar o laboratório do legista.
Scully verificou o molde de gesso e notou que estava seco, bem na hora em que
Mulder entrava, ainda fazendo uma avaliação mental do encontro que havia tidocom o
diretor do Instituto de Relâmpagos. Bem, pensou Scully, pelo menos temosalguma coisa
sólida em que podemos nos agarrar. Ela tirou com todo o cuidado o molde de
dentro da
pequena depressão na superfície do fulgurito e a virou de cabeça para baixo. Aliestava
estampado uma perfeita cópia de parte de uma pegada que havia sido gravadano vidro
grosseiro.
— Mesmo considerando que se trata apenas de uma impressão parcial — disseela
a Mulder, — existe m uita informação aqui... — E l a apanhou u m pinc e l eesfregou
levemente na peça de gesso, para limpar as partículas soltas de terra. Examinoumais de
perto a impressão e disse: — A marca da sola do calçado indica ser um coturnomilitar
comum... masculino. Tamanho quarenta.
Mulder ficou impressionado.
— Tamanho quarenta? Isso é muito bom, Scully .
Scully olhou para ele com um ar de maldade nos olhos.
Sabia que Mulder lhe dava bastante valor, mas quase nunca se impressionavacom
o que ela fazia e, por alguns momentos, pensou em não lhe contar nada. Masdecidiu que
não devia fazer isso. Mostrou-lhe o m olde que fizera da pegada encontrada novidro, e
explicou:
— O número aparece gravado aqui na sola do coturno... Mulder sorriu.
— Que pena... Eu já estava pensando em dizer a Skinner que você merecia um
aumento.
— Bem, acontece que eu tenho uma informação ainda melhor — continuou ela.E
apanhou um pequeno frasco de plástico. — Quando estava limpando o pedaço de
fulgurito para fazer o molde de gesso, encontrei restos de um líquido espessolacrado no
meio do vidro.
Ela entregou o frasco a Mulder, que o ergueu contra a luz.
— Que líquido é esse? — perguntou ele, examinando a pequena gota verde que
havia lá dentro.
— Eu teria de fazer uma completa análise química para poder responder... Mas
parece um elemento anticongelante.
Mulder balançou a cabeça, indicando que algumas das peças do quebra-cabeças
começavam a se encaixar no lugar.
— Darin Oswald — disse ele.
Scully tinha de concordar com ele. Mas ainda resistia.
— Como poderia ser ele?
— Não sei, Scully — respondeu Mulder. — Mas vamos ver se o coturno serve
nele.
Capítulo 8
avia um semáforo pendurado a um cabo de aço na interseção da estrada
municipal A-7 com a Avenida Connerville. Antes o lugar era sinalizado apenas
H por placas de parada forçada, o que seria mais do que apropriado para uma
interseção de duas vias que ficava no meio do nada. Mas, com o passar dos anos,
muitas
pessoas morreram ali, pensando que as placas de parada eram apenas umaopção. Assim,
as autoridades decidiram pela instalação do semáforo no local.
O engraçado era que o semáforo não tinha adiantado coisa alguma. Na verdade,o
número de acidentes havia aumentado, nos dois meses anteriores.
Naquele dia fatídico em particular, dois carros iam em alta velocidade poraquelas
duas vias. O Chrysler marrom tinha a preferencial, isto é, o sinal verde. E nemdiminuiu
a marcha ao chegar à interseção. Quanto ao Impala azul, seu motorista haviadiminuído a
marcha, mas pisou fundo no acelerador quando o semáforo mudou para o verde.
Nenhum dos motoristas pode ver, o semáforo que ficou verde nos seus quatro
cantos ao mesmo tempo.
Os dois carros dispararam pela interseção, e o silêncio daquela encruzilhada foi
violado pelo barulho dos pneus arrastando no asfalto, quando os dois carrosficaram fora
de controle, com os respectivos motoristas tentando evitar a colisão fatal.
O destino tomou conta da situação, e os dois carros passaram a apenas alguns
centímetros um do outro.
— Qual é o seu problema? Está ficando louco?
— Você pensa que é dono da estrada, seu maluco?
Os dois motoristas gritaram um com o outro, ao partirem do local acelerandoainda
mais do que ao entrar na encruzilhada.
Darin Oswald riu consigo mesmo. Do lugar onde estava sentado, ao lado de um
outdoor abandonado, era como se estivesse nas arquibancadas de uma prova de
demolição de carros. Mas a brincadeira que ele havia inventado, controlando osemáforo,
era muito mais divertida. E, como ele conhecia a maioria das pessoas quepassavam por
ali, a coisa ficava ainda mais divertida toda vez que ele mudava o semáforo parao verde.
Era como se ele pudesse controlar a vida das pessoas.
Darin não tinha nascido mau, mas suspeitava que tivesse ficado assim muitocedo.
Não q u e fosse m a u pa r a todo o m undo... S ó pa r a o s q u e m ereciam . Comoaqueles
colegas de escola que o tratavam como se fosse lixo. E os donos de lojas queolhavam
para ele com ar de suspeita, sempre que entrava em qualquer estabelecimento. Etodas as
pessoas d a cidade que riam n a cara de le , e p o r tr á s o cham avam d e nomesofensivos.
Todo o mundo fazia isso, e ele sabia. Para Darin, cada uma daquelas pessoasmerecia o
destino que as esperava. Não sentia remorso algum por ter fritado o entregadorde pizza,
assim como não sentia pena de uma mariposa que morre ao contato com umalâmpada
quente. “Você colhe aquilo que semeia ”, sua mãe sempre dizia. E aquele ano acolheita
ia ser muito boa para ele.
Logo depois que os dois carros desapareceram, Darin olhou para baixo e viuZero
subindo c o m dificuldade p e la e sc a da enferruj ada q u e le va va a o outdoorabandonado
onde Darin estava sentado. As tábuas de madeira daquele beiral mal podiamsuportar o
peso dos dois, mas era um bom lugar para ficarem. Darin havia desenvolvido ohábito de
ir àquele lugar toda vez que sua m ente ficava tã o confusa c om o o s rasgadoscartazes
daquele outdoor. Ele sempre encontrava muita paz ali. Mas o talento que acabarade
desenvolver, realmente, tornava o lugar ainda mais convidativo para ele.
Quando levantou os olhos, Darin viu mais dois carros a caminho do seu destino.
Er a m carros novos que , se m dúvida, contavam c om sistem a d e fre ios comcontrole
eletrônico, anti-travamento. Vam os ve r s e is so funciona..., disse Da r in a simesmo, no
mesmo instante em que Zero se sentava ao seu lado.
— Ei cara, qual é a onda aqui? — perguntou Zero. Aquele era um cumprimento
padrão da juventude, e talvez tivessem sido essas as primeiras palavras que Zerodissera
na vida.
— Eu sei lá — resmungou Darin. — Nada de novo...
Darin transmitiu uma pequena pulsação mental e, no cruzamento, o semáforoficou
vermelho e m udou rapidamente para o verde. U m Jeep Cherokee quase bateu
de lado
numa mini-van. Os dois carros diminuíram rapidamente a marcha e pararam,bem perto
um do outro, buzinando muito alto. Quase, mas só quase. Darin achou que o talsistema
de freios anti-travamento devia mesmo ser bom para alguma coisa.
— Acho que devíamos cair fora daqui — disse Zero. — Mudar deste buraco.
Talvez dar uma olhadinha em Las Vegas — Ele riu, e arrematou: — Vocêpoderia causar
um estrago e tanto num lugar como aquele...
Darin balançou a cabeça e respondeu:
— Não vou para Las Vegas. Não vou a parte alguma... Pelo menos não sem aSra.
Kiveat. Não sem levar Sharon comigo.
Apenas o fato de dizer o primeiro nome dela em voz alta o fazia sentir-se muito
bem por dentro, mais próximo dela.
Zero, por outro lado, limitou-se a fazer uma cara de desgosto.
— E por que acha que ela estaria disposta a ir embora com você? Ela te reprovou
cara, lembra? A mulher acha que você é retardado!
Aquilo era uma coisa em que Darin pensara muito, e decidira que o fato dehaver
sido reprovado nas aulas de inglês de Sharon não significava que não seriamerecedor do
seu amor. No grande esquema das coisas, o que importam os conhecimentosintelectuais,
quando se tem incríveis poderes, como os que ele tinha? Além disso, ela lhe havia
a tr ibuído u m a n o t a “ D m a is” . P or tanto, n ã o d e v ia a c h a r q u e e l e eracompletamente
idiota.
— Esqueça da escola, cara — disse Darin a Zero. — Estou falando a respeito de
dar uma prova do meu amor.
— E como é que pretende fazer isso?
Darin olhou para a interseção das duas vias, e não viu mais os carros parados no
semáforo, mas sim uma imagem do rosto da Sra. Kiveat. E disse:
— Dizendo a ela o que sinto. Dizendo que não consigo pensar em outra coisa, a
não ser nela.
De certo modo, Darin estava contente por Zero ter perguntado aquilo, porque o
simples fato de falar no assunto fazia, na verdade, com que sua determinaçãoaumentasse
ainda mais.
— Desculpe, Romeu — brincou Zero. — Só que há outro probleminha: ela é
casada com o seu patrão.
Darin puxou os joelhos para junto do peito e cruzou os braços ao redor daspernas,
dizendo:
— Isso não é problema.
— Como não é problema?
— Eu posso cuidar dele, cara — disse Darin, encolhendo os ombros. — Talvez eu
possa fritá-lo também...
A idéia não foi muito bem aceita por Zero.
— Cara, ele é seu patrão!
— Se estiver morto não será mais — Darin sabia que não era correto pensardesse
modo mas, por alguma razão, não sentia nenhum tipo de aversão a essa idéia.Nada mau.
Na verdade, esse gênero de pensamento o fazia sentir vontade de rir.
— Está ficando louco, cara? — perguntou Zero. — Esqueceu que o FBI está
rondando por aqui? Esqueceu, não é? — A voz dele tinha um tom bastante sérioagora.
— Você não pode competir com Frank. Ele é bonitão, é o dono do seu próprionegócio e,
além disso, ele conserta as coisas... ao invés de andar por aí destruindo tudo.Você acha
que ela abandonaria um cara como aquele? — Darin não gostava do rumo que a
conversa estava tomando. Ainda mais irritante era o fato de Zero ter razão noque dizia.
E Zero arrematou: — Uma mulher como aquela precisa de alguém especial aoseu lado.
Darin não conseguia olhar para o rosto do amigo.
— Eu sou especial — disse Darin.
Zero virou o rosto para o outro lado, e disse:
— É... Claro que é.
Ao longe, um caminhão médio apareceu no topo da colina. Na Avenida
Connerville, surgiu um Ford branco, que também se dirigia à interseção.
— Muito bem — disse Darin. — Vou mostrar à Sra. Kiveat que sou um sujeito
muito especial.
Zero olhou bem para ele, e perguntou:
— E como pretende fazer isso? — Seu tom de voz transmitia uma grande
insegurança.
Darin sorriu.
— Tenho mais meios para isso do que você imagina.
Darin voltou-se para olhar para os dois veículos e, de repente, a prova de
demolição de carros tomou forma de novo e m sua mente. Aquilo não precisavaser
apenas um a brincadeira para e le . Poderia se r pa r te d e u m plano. U m planobrilhante,
terrível e maravilhoso. Seu sorriso aum entou, enquanto pensava n o qu e podiafazer.
Estava desenvolvendo na mente um plano que lhe poderia dar nota máxima emalguma
sala de aula, em algum lugar.
E Sharon logo ficaria sabendo como ele era especial.
Lá na frente, os dois veículos aproximaram-se um do outro. Darin concentrouseus
pensamentos no semáforo, sentindo sua estranha aura elétrica, que formigavacomo uma
carga estática, estendendo-se até o semáforo e mudando a luz para o verde, emambas as
direções.
Darin começou a contagem regressiva:
— Cinco... quatro... três... dois... um... BAAAMM!
O caminhão atingiu em cheio a lateral do Ford branco, lançando o veículo para o
fundo da enorme valeta que havia ao lado da estrada. O caminhão ficou fora decontrole
e tombou, derrubando na estrada sua carga de repolhos. Cabeças de repolhoespalharamse pelo asfalto e voaram em todas as direções, enquanto o caminhãoescorregava e batia
contra um poste da companhia telefônica.
Darin caiu na gargalhada.
— Ôoo... Essa foi uma pancada e tanto... Uma pancada e tanto mesmo.
Zero também riu, mas não parecia estar achando muita graça naquilo.
Darin bateu de leve no braço dele, e perguntou:
— Ei, qual é, cara? — Mas Zero nada respondeu. E Darin disse: — Vamosdescer
lá e dar uma olhada de perto.
Capítulo 9
carro novo que Scully e Mulder haviam alugado parecia completamente fora de
lugar, no cenário desanimador do jardim da casa da família Oswald. Lá dentro, a
O enorme mãe de Darin empurrou a porta de dobradiças barulhentas, para dar
acesso ao ambiente carregado do quarto do filho.
— Darin não é grande coisa, e sou a primeira a reconhecer isso... Mas não seria
capaz de machucar uma mosca, — disse ela aos agentes Scully e Mulder. — Emque
problema foi que ele se meteu mesmo?
Scully e Mulder se entreolharam. Ainda não era hora de falarem abertamente no
assunto.
Com toda educação, Mulder perguntou:
— Poderia nos deixar a sós durante alguns minutos, Sra. Oswald?
A mulher afastou-se e deixou que eles entrassem no quarto. Mulder fechou aporta
assim que entraram.
O quarto estava na maior bagunça. Até mesmo a luz do sol parecia fria, ao entrar
pelas cortinas emboloradas. A cam a estava desarrumada, e o piso parecia umapista de
obstáculos, cheio de peças de carros e roupa suja. No forro havia um enormepôster do
grupo The Vandals, e nas paredes estavam coladas diversas fotos que indicavamcomo
era solitária a vida d e Dar in Oswald. A té o aquário e r a um a declaração dedesespero.
Não havia peixe algum na água suja.
Mulder aproximou-se da parede, examinando as fotografias coloridas, na sua
maioria recortadas de revistas, mostrando lugares para os quais Darin jamaisviajaria, e
pessoas com as quais ele nunca haveria de se encontrar. Deslocado entre asdemais fotos,
estava u m retrato e m branco e pre to d e u m a m ulher t ã o bonita qua nto asmodelos que
apareciam nas paredes. Mas o sorriso dela parecia ser muito mais real.
O olho treinado de Scully examinou o armário do quarto do rapaz, até que ela
encontrou um velho par de tênis.
— Mulder, encontrei um calçado do tamanho certo — disse ela.
— Tamanho quarenta?
Ela balançou a cabeça, e disse:
— Infelizmente isso ainda não serve como prova de que ele matou JackHammond.
Scully fez uma careta quando percebeu que Mulder olhava muito para asmodelos
de biquíni que apareciam nas fotografias coladas nas paredes. E perguntou:
— Encontrou alguma coisa do seu agrado?
— Não sei — respondeu ele. — Scully , o que há de errado com esta foto?
Scully estendeu a mão e tirou da parede o pequeno retrato em branco e preto quejá
havia chamado a atenção de Mulder.
— Quem é ela? — perguntou Scully .
— Não sei — respondeu Mulder. — Mas parece uma daquelas fotos tiradas no
colégio.
Scully voltou imediatamente para o armário, e tirou de lá um álbum de fotos
colegiais que havia encontrado, quando procurava por um coturno militar. Nãofoi difícil
encontrar a página de onde havia sido recortado o retrato. E havia um nome nalegenda,
embaixo do buraco onde estivera a foto.
— Sharon Kiveat, — disse Scully , em voz alta.
Kiveat. O nome já era conhecido deles.
Frank Kiveat estava tomando café na cabine de seu caminhão, estacionado na
frente da lanchonete que ficava na Rua Principal, quando recebeu o chamadopelo rádio.
Engatou a primeira marcha, pisou no acelerador, e virou à esquerda na Avenida
Connerville, a caminho da estrada municipal.
Já havia perdido a conta de quantas vezes tinha sido chamado para aquela
interseção nas últimas semanas, para recolher os pedaços de ferragens queresultavam de
acidentes graves. Na sua viagem anterior, ele havia pensado que alguém deveriaverificar
as condições predominantes naquela encruzilhada, para determinar qual seria o
problema. Tinha inclusive pensado em mandar uma carta a respeito para asautoridades
da Divisão de Planejamento do Condado, só para ver que tipo de influência eleteria na
cidade.
Mas não estava pensando em nada disso naquele dia. Estava pensando naquele
rapaz, Darin Oswald. Durante o a lm oço d o d ia anterior, Sharon tinha estadonervosa,
irritada. Quando ele perguntara a razão disso, ela dissera o nome de Darin. Masmudara
de assunto sem explicar coisa alguma.
Frank tinha empregado Darin a pedido da própria mulher, alguns meses antes, e
acabara desenvolvendo um a simpatia especial e m relação a o estranho rapaz.Havia
alguma coisa nos m odos incomuns d e Darin, e n a sua total falta d e vida social,que
provocava em Frank um paternalismo que ele não sabia que tinha.
Mas, se o rapaz estava deixando sua mulher nervosa e irritada, teria de ser
despedido. Como aquele era o dia de folga de Darin, Frank desfrutava de umpouco mais
de tempo para pensar em um motivo para despedir o garoto. Não adiantava dizerque os
negócios andavam fracos, porque n ã o andavam . Se r ia preciso inventar umadesculpa
mais convincente do que essa.
Frank chegou ao local do acidente logo depois das ambulâncias. Ele correu os
olhos por todo aquele cenário de destruição, enquanto ia estacionando o guincho:viu um
Ford dos mais modernos caído dentro da valeta ao lado da estrada. E um velhocaminhão
de tonelagem média praticamente envolvendo o poste da companhia telefônica,
bloqueando o tráfego que se dirigia para a região leste. Mesmo ali, no meio donada, já
se havia formado uma pequena multidão de curiosos que queriam ver tudo deperto.
Frank puxou o freio de mão e desceu do caminhão. Aproximou-se de um policial
que tratava de desviar o tráfego, fazendo passar apenas um carro de cada vez aolado da
interseção.
— O que aconteceu? — perguntou Frank.
— O carro do rapaz foi atingido bem no meio — respondeu o policial,arriscandose a olhar rapidamente para Frank antes de voltar a concentrar-se nodifícil trabalho de
desviar o tráfego. — Acabou de tirar sua habilitação. E foi gravemente ferido.
— Pobre rapaz — disse Frank. E achou que o acidente colocava as coisas emuma
perspectiva diferente. Talvez devesse adiar sua decisão d e despedir Darin, pelomenos
a té que tivesse um a oportunidade d e conversar com Sharon a respeito d e tudoaquilo.
Talvez a tivesse entendido mal. Talvez pudessem esclarecer melhor a coisa toda,se
pudessem apenas...
Seus pensamentos foram interrompidos por uma dor profunda, que lhe cortoupelo
peito. Ele cerrou os dentes e respirou fundo, deixando o ar escapar lentamente.
Que diabo teria sido isso?, pensou ele tornando a respirar fundo e lentamente.
Percebeu q u e o s m úsculos d e s e u om br o esquerdo estavam adormecidos.Poderia ser
azia? Sharon vinha insistindo com ele para deixar de lado a s comidas gordurosas,e
talvez fosse hora de ouvir os conselhos da mulher.
— Preparem-se para interromper o tráfego para eu poder retirar os veículos
acidentados — disse ele ao policial, fazendo força para que as palavras lhesaíssem dos
lábios.
— Só estou aqui desviando os carros — disse o policial, sem tirar os olhos de um
carro verde cuj o motorista tinha dificuldade e m passar a o lado da valeta. — Émelhor
falar com o xerife — continuou o policial, apontando na direção do caminhãotombado.
O xerife Teller estava tomando o depoimento do motorista do caminhão.
Frank ficou calado. A dor no peito não havia desaparecido. Na verdade, estava
ficando pior. Ele esfregou o peito com força, e percebeu que a respiração estavaficando
mais difícil.
— Ei amigão — disse o policial, preocupado. — Você está bem? Não está com
uma aparência muito boa...
Frank estava a ponto de admitir que não estava se sentindo muito bem, quando
apareceu um rosto familiar no meio das outras pessoas que já se reuniam ao seuredor.
Darin Oswald.
Engraçado, pensou Frank, encarando o rapaz de frente. O que estaria ele fazendo
aqui...?.
Então Frank sentiu que Darin investia contra ele, enfiava a mão no fundo do seu
peito e fazia seu coração mudar, de uma mera fogueira, para um inferno emchamas.
Mas Darin continuava parado, a quase vinte metros de distância!
No entanto, Frank sabia, como se Darin estivesse ao seu lado, que Darin o estava
matando.
Frank voltou-se para o policial e abriu a boca para falar, mas a única coisa que
conseguiu foi da r u m grito d e agonia, quando outro golpe d e d o r o atingiu. Opolicial
procurou apoiar o corpo de Frank quando ele se inclinou para a frente. E Frank foi
perdendo a consciência, ao cair no asfalto.
Darin ficou observando de longe, junto com os demais espectadores, enquanto se
descortinava aquele drama a céu aberto.
— Darin, o que está acontecendo? — perguntou Zero.
Mas Darin limitou-se a pedir que ele se calasse.
O coração de Frank Kiveat tremia descontrolado, dentro de seu peito. Enquantoele
permanecia deitado no asfalto coberto de cacos de vidro, o policial correu para
chamar
os membros da equipe de paramédicos que atendia as vítimas do acidente.Quando viram
Frank no chão, eles vieram correndo.
Darin sorriu. Eles nada poderão fazer, pensou ele. Só estarão fazendo papel de
bobos...
— O que aconteceu? — perguntou um dos enfermeiros, enquanto corria nadireção
de Frank.
O policial levantou-se e se afastou, dizendo:
— Não sei. Ele caiu de repente...
Darin deu alguns passos para o lado, para poder observar melhor, enquanto umdos
enfermeiros verificava o pulso de Frank.
Zero tinha os olhos arregalados, olhando para o corpo caído de Frank Kiveat e
depois para Darin, para um e para outro, como se estivesse assistindo a umapartida de
tênis.
— Está sem pulso! — gritou o enfermeiro.
E pediu ao colega que lhe trouxesse o “kit”, que ninguém sabia o que era.
Quando o segundo enfermeiro correu na direção da ambulância, Darin respirou
bem fundo e caminhou para a frente. Zero agarrou-o pelo braço.
— Ei cara, o que é que vai fazer? Vamos cair fora daqui.
Zero estava suando frio, morto de medo. Darin simplesmente sacudiu o braço e
livrou-se dele, caminhando rumo à encruzilhada.
A essa altura, o enfermeiro que atendia Frank já havia rasgado sua camisa e
colocado um estetoscópio em seu peito. A expressão que tinha no rosto dizia tudo:Frank
estava mal, muito mal.
Darin continuou vagando desapercebido no meio das outras pessoas que
observavam o local d o acidente, aproximando-se cada vez m ais do patrão queestava à
beira da morte. Ele viu quando o segundo enfermeiro voltou da ambulância comaqueles
apare lhos. O o u tr o enferm eiro j á f a zia m a ssa ge ns n o p e i t o d e Frank,compressões
externas sobre o coração dele. Mas não estava obtendo êxito.
Não demorou mais de um instante para eles ligarem alguns eletrodos ao corpo de
Frank. Darin ouvia o zumbido monótono d o aparelho, e da va pa r a v e r a linhaverde e
plana que representava o coração de Frank no pequeno monitor iluminado.
— Vamos! — gritou o enfermeiro que fazia massagens no peito do doente. —
Apanhe o desfibrilador! Agora mesmo!
O segundo enfermeiro puxou de dentro do estojo duas peças manuais, ligadas por
fios ao aparelho. Eram idênticos aos aparelhos que Darin já havia visto muitasvezes em
programas de TV.
O enfermeiro apoiou aquelas peças no peito silencioso de Frank. E ordenou:
— Quero uma carga de trezentos joules.
— Já está carregado — disse o outro.
— Não está!
Os dois olharam para o aparelho, que parecia tão morto quanto aquele homem
deitado no chão.
Para Darin, drenar a energia da bateria daquela coisa tinha sido ainda mais fácildo
que mudar as luzes do semáforo.
— Alguma coisa não está funcionando direito aqui. Corra em busca do aparelho
sobressalente!
Um dos enfermeiros foi correndo para a ambulância, enquanto o outro tentava
desesperadamente fazer o aparelho funcionar. Estava ocupado demais paraperceber que
Darin se aproximava pelo outro lado de Frank Kiveat.
Os olhos de Frank abriram e fecharam várias vezes. Darin não sabia se ele opodia
ver ou não, mas isso não importava.
— Não se preocupe, Sr. Kiveat — disse Darin, com toda a calma. — Já vi como
eles fazem isso na TV.
Darin levantou a mão suja de graxa, abriu bem os dedos e os colocou sobre opeito
de Frank. O poder de controlar a vida e a morte é uma coisa muito intensa,pensou Darin.
Que delícia ter esse poder!
Ele deu início às fagulhas em sua mente, e sentiu que elas aumentavam egiravam
dentro de seu cérebro, ganhando mais e mais força, como uma onda que seaproxima da
praia. Então, liberou aquela energia, que desceu por seu pescoço e seus ombros.Ela
disparou por seus braços e explodiu nas pontas dos seus dedos.
O peito de Frank saltou com a descarga elétrica. Suas costas se curvaram, e ocorpo
levantou m ais d e trinta centímetros n o a r , antes de ba te r d e novo n o chão. Osegundo
enfermeiro já vinha chegando com o aparelho sobressalente, m as não precisariamais
dele.
As batidas do coração de Frank fizeram um eco bastante forte no aparelho e
apareceram no gráfico do monitor iluminado. A linha plana transformou-se emuma série
regular de bips, indicando que o paciente estava vivo, e já começava a passarbem.
Os enfermeiros limitaram-se a olhar para Frank, descrentes.
— O ritmo cardíaco está normal... Mas, como?
Foi só então que eles se deram conta da presença de Darin, e Darin nãoconseguiu
disfarçar o sorriso. Ele parecia brilhar, cheio de sua própria eletricidade especial.
— Emergência às suas ordens — disse ele.
Ele era um herói agora. O tipo de herói do qual todo o mundo gostava. O tipo de
herói que daria muito orgulho à Sra. Kiveat. Muito orgulho mesmo.
Capítulo 10
ulder estava parado diante do balcão da enfermaria da UTI do Hospital
Comunitário Felton. Ele queria entrar para conversar com Frank Kiveat, mas
M estava perdendo rapidamente a esperança de obter a permissão do médico
encarregado do caso. Mulder podia praticamente ouvir a desculpa do médico.
Ele precisa
descansar, diria provavelmente o médico. Será melhor que o senhor volteamanhã.
Mas Mulder não pretendia deixar o tempo passar, sem tentar fazer alguma coisa.
Estava lendo a ficha médica de Darin Oswald, examinando o s registros feitos nanoite
em que o rapaz havia sido atingido por um raio.
Segundo a ficha, Darin foi levado para a sala de emergência cinco meses antes,
depois de ter sofrido uma parada cardíaca e queimaduras de terceiro grau nacabeça, no
pescoço e nas costas. Mulder continuou lendo. Depois que o rapaz estiverainternado por
alguns dias, descobriu-se que vinha sofrendo de um mal descrito como oligoemiaaguda.
Uma idéia começou a formar-se na mente de Mulder.
Ele ainda não sabia se a coisa faria sentido mas, de certo modo, parecia ser aúnica
que tinha sentido. Ele discutiria o assunto com Scully, assim que ela estivesse devolta,
depois de conversar com os enfermeiros que tinham trazido Kiveat ao hospital.
Mulder ouviu o barulho leve de água, e levantou os olhos da ficha médica deDarin
Oswald.
Sharon Kiveat estava no corredor, junto ao bebedouro de água, olhando para o
copinho de papel que havia acabado de deixar cair. Uma pequena poça havia-seformado
ao redor do copo tombado no chão.
Ele se aproximou e disse:
— Por favor, permita que eu a ajude, senhora.
Mulder abaixou-se e apanhou o copinho de papel, atirando-o ao cesto de lixo.
Então tirou um novo copo do bebedouro e o encheu.
— Obrigada — disse ela.
Quando Mulder lhe entregou o copo d’água, procurou lembrar-se de que aquela
mulher não era apenas uma peça a mais de um quebra-cabeças, ousimplesmente um elo
que o levaria àquilo que Frank Kiveat sabia. Ele estava olhando para uma mulher
assustada e extenuada.
— Sra. Kiveat... Sinto muito pelo que aconteceu ao seu marido.
— Obrigada — repetiu ela, olhando melhor para ele. Mulder quase conseguia ler
os pensamentos dela. A mulher estava tentando adivinhar quem ele era. Seria umamigo?
Um conhecido? Como sabia o nome dela?
— Sou Fox Mulder — disse ele. — Agente do FBI.
Ela balançou a cabeça, aliviada.
— O senhor visitou meu marido em sua oficina ontem.
Mulder respondeu que sim, com um movimento da cabeça. E disse:
— Sei que este é um momento difícil para a senhora... mas gostaria de lhe fazer
algumas perguntas.
Ela balançou a cabeça para os lados, e tentou sorrir.
— Desculpe, mas não tenho condição de conversar agora.
— Gostaria de lhe fazer algumas perguntas a respeito de Darin Oswald. —
Mulder
viu a rápida mudança na expressão do rosto dela, assim que mencionou o nomede
Oswald. Ela sabe, pensou Mulder. Ela sabe de alguma coisa... E fez outrapergunta: —
Ele estava na cena do acidente, não estava?
O s o lh o s d a m ulhe r pa rece ram acender-se . Mu ld e r reconhe c e u aquelaexpressão.
Ele já vira o mesmo tipo de olhar em animais acuados. E sentiu-se confiante. Elasabe
que foi Oswald! Mas, como?
— Por favor... — disse finalmente a Sra. Kiveat. — Eu preciso ver meu marido.
Dizendo isso ela se afastou, fechando atrás de si a porta do quarto, ao entrar para
ver o marido.
Mulder podia vê-la perfeitamente através da janela de vidro do cubículo da
Unidade de Terapia Intensiva. Ela entrou e sentou-se ao lado da cama do marido.Kiveat
permanecia inconsciente, ligado a uma série de máquinas e monitores acesos.
Naquele momento, Mulder percebeu que havia alguém atrás de si. Virou demodo
rápido e instintivo, mas era apenas Scully que estava ali.
— Acabei de falar com os dois enfermeiros — relatou ela. — Eles estão bastante
confusos.
— Por quê? — perguntou Mulder.
— Dê uma olhada nisto — Ela desdobrou uma longa e estreita fita de papel, e lhe
entregou, acrescentando: — É o eletrocardiograma de Frank Kiveat.
Mulder olhou para a tira de papel. Ali aparecia uma linha longa e bastante reta,
depois um risco quase vertical, seguido do conhecido zigue-zague de uma batida
cardíaca normal.
— Está vendo esse risco mais alto? — perguntou Scully , apontando com o dedo
indicador. — Indica que ocorreu algum tipo de intervenção elétrica neste ponto,fazendo
o coração dele bater de novo.
— E daí?
— Segundo os paramédicos, o desfibrilador não estava carregado. Os terminais
elétricos estavam sem carga alguma.
— Então, como se explica isto? — perguntou Mulder, erguendo no ar o
eletrocardiograma.
— Eles não têm explicação... A única coisa que viram foi Darin Oswald tocando
no peito de Frank Kiveat.
Mulder arregalou os olhos para sua parceira.
Aí está!, pensou ele. E disse:
—Tem uma coisa que gostaria que você visse — Mulder caminhou de volta parao
balcão da enfermaria, onde havia deixado a pasta com o s registros médicos deDarin
Oswald. Apanhou a pasta e a entregou a Scully, dizendo: — Eu estava lendo aficha de
Oswald...
Scully abriu a pasta e correu o dedo sobre os comentários escritos a mão.
Balançava a cabeça enquanto lia, e parou em uma das linhas.
— Isto é estranho... Os exames de sangue mostraram que ele tinha oligoemia
aguda.
Mulder sorriu. Ela havia notado a mesma coisa. E perguntou:
— É um desequilíbrio eletrolítico, não?
— Essencialmente sim.
— E não são os eletrólitos que geram os impulsos elétricos de nosso organismo?
— Claro. Toda vez que nosso coração bate, ou quando um neurônio é excitado...
— Scully parou e olhou para ele. Depois, perguntou: — Por quê? O que é quevocê está
pensando?
— Muito bem. É uma hipótese muito fora do comum, Scully ... Mas, e se o
desequilíbrio eletrolítico de Oswald estivesse permitindo que ele gerasse energiaelétrica
em níveis anormalmente elevados?
— Elevados até que ponto?
Mulder agitou na mão a fita de papel do eletrocardiograma, e respondeu:
— A ponto de fazer isto — Ele fez uma pausa. — E até mais...
Scully balançou a cabeça, dizendo que não.
— Mulder... O corpo humano não funciona desse jeito. Mulder deu um passopara
a frente, e passou o s dedos pe los cabelos, pensando: a inda de ve have r outroelemento.
Um elemento que está faltando... Um elemento como...
— O fulgurito — disse ele, e voltou-se para Scully . — E se o corpo de Oswald
fosse melhor condutor d o q u e o s outros organism os hum anos? Lem bra-se da
pegada
humana que encontramos no fulgurito? Se era de Oswald, então significa que elefoi o
condutor de milhões de volts para o solo, e que saiu andando dali. E se uma partedessa
ca rga permanecesse n o se u corpo, armazenada c om o s e estivesse e m umaespécie de
bateria?
— O que está tentando dizer? Que ele seria algum tipo de pára-raios?
— Não — respondeu Mulder, enquanto pensava cuidadosamente nas suas
próximas palavras: — Estou dizendo que ele é o raio. E temos de impedir que eleataque
de novo.
Capítulo 11
azia cinco meses que vivia daquele jeito, sabendo que tinha o poder supremo
guardado dentro de seu corpo. Ele achava que ia morrer, quando o relâmpago o
F atingira pela primeira vez. Tinha sido uma tempestade muito estranha, que
aparecera de repente, sem ninguém perceber. E Darin menos ainda.
Acontecera apenas alguns meses depois que a escola terminara pela última vezna
vida de Darin. Ele estava atravessando o campo, voltando para casa depois de ter
brincado nos jogos do fliperama uma noite, quando o céu de repente se tornarabastante
ameaçador.
Estava escuro demais para que ele pudesse ver a cor das nuvens. Não dava para
prever se era um tornado que se aproximava, mas o vento soprava muito forte e
a chuva
tinha desabado do céu de u m momento para o outro, atingindo Dar in e m umângulo
muito estranho.
Ele pôde ver os relâmpagos que piscavam lá em cima, e tinha virado para trás,para
olhar para o Instituto, que ficava no alto da colina. Durante todo o tempo caíammuitos
raios em Connerville. Mas o Instituto estava cheio de pára-raios, não estava? Eles
deveriam atrair os raios para longe das pessoas...
Darin procurara correr para atravessar o campo, ensopado até os ossos. Davapara
ve r sua casa a o longe. Tentou correr o m a is que podia , m a s a gram a a lta emolhada
prendia-se em suas botinas, tornando a fuga quase impossível.
De repente, — BUUMMM! — o raio viera bem na direção dele, como se fosseum
punho fechado que caía do céu. Seu corpo tinha explodido com uma dor tãointensa que
ele teve vontade de gritar. Mas todos os seus músculos ficaram rígidos econtraídos por
causa da força da energia do raio. Essa energia atravessara seu crânio, ateandofogo aos
se us cabelos. E havia passado po r todo o s e u c or po pa r a sa ir pe los p é s emergulhar no
chão.
Ele só despertou uma semana depois. Ao acordar, estava deitado em uma camade
hospital.
Não havia ninguém ao seu lado.
Eventualmente, sua mãe apareceu para visitá-lo. Ela chorou muito e gritou comele,
por ser tão idiota a ponto de atravessar o campo correndo, no meio dos trovões deuma
tempestade.
Ninguém mais apareceu ali, nem mesmo Zero. Mais tarde Zero dissera a Darinque
não gostava de hospitais.
Mas, um dia antes de receber alta, a Sra. Kiveat lhe fizera uma visita. Ela levouum
pacote de bolachas, e disse a Darin que Frank precisava de u m funcionário naoficina,
oferecendo-lhe o emprego. Darin dissera que ainda a recompensaria por isso, ehavia
prometido a si mesmo que um dia ainda a tornaria a mulher mais feliz do mundo.Ele
faria tudo o que fosse necessário para torná-la feliz. Tudo o que fosse necessário.
Dois dias depois disso, Darin apanhou na gaveta uma lanterna com as pilhas
descarregadas. A lanterna acendeu e brilhou c om tam anha intensidade q u e alâmpada
explodiu. As baterias chegaram a derramar ácido em suas mãos. Ele mostrara aZero que
podia colocar uma lâmpada na boca e acender. A princípio tudo tinha sidoapenas uma
grande brincadeira.
Mas já não era mais engraçado.
Na tarde do mesmo dia em que quase matara, e depois salvara Frank Kiveat,Darin
saiu pela janela para não encontrar-se com os agentes do FBI que batiam à portade sua
casa.
Ele sentiu a eletricidade fervendo junto com seu sangue quando saiu emdisparada
pelo campo, o m esm o cam po onde havia sido atingido pe la prim eira ve z. Omesmo
campo onde diversos raios haviam caído sobre sua cabeça desde então... emborasó
tivesse sentido dor na primeira vez.
Mas os agentes do FBI o viram sair de casa correndo, e foram atrás dele.
— Darin! — Ele ouviu quando Mulder gritou. — Darin, espere!
Mulder vinha correndo atrás dele. Embora Darin quisesse fugir, sabia que não
adiantaria coisa alguma. Ele deveria ter pensado melhor em tudo aquilo, isso erao que
deveria ter feito. Deveria ter esperado que os agentes do FBI fossem embora dacidade,
antes de fazer o coração de Frank Kiveat pegar no tranco. E deveria te r feito issoem
outro lugar, além da cena de um acidente. Seria muito menos suspeito. E jamaisdeveria
ter contado qualquer coisa a Zero.
Ele considerava Zero seu amigo mas, ultimamente, o sujeito estava colocando
Darin em perigo.
Mulder e Scully conseguiram alcançá-lo no campo, e Mulder o agarrou pelobraço.
Darin conseguiu livrar-se, com os olhos arregalados e os dentes cerrados, cheiode ódio.
— Não toque em mim, cara! — gritou Darin. Ele tinha vontade de explodir osdois
ali mesmo, fazer com que desaparecessem de uma vez e parassem deatormentá-lo.
Mas sabia que não poderia fazer isso. Só acabaria tendo de enfrentar outrosagentes
d o FBI , q u e n ã o dem orariam a c he ga r à c idade , c om o form igas e m umpiquenique. E
nunca o deixariam em paz.
Mulder afastou-se, dizendo:
— Está bem, calma.
— Não toquem em mim!
— Só queremos conversar com você, Darin — disse Scully, tentando acalmá-lo.—
Só conversar.
— Eu não fiz nada — disse Darin.
Mas o seu tom de voz não era muito convincente.
Scully caminhou alguns passos para a frente, devagar.
— Ninguém o está acusando de nada. Só pensamos que você seria capaz de
responder algumas de nossas perguntas. Se puder, ótimo. Se não puder...
Darin respirou fundo. Com isso, estava procurando controlar a descarga elétrica
que tentava escapar de seu corpo. Com m uito esforço e le a conseguiu empurrarpara
dentro, sufocá-la, até que se transformasse em uma fogueira bem pequena, semforça
alguma.
— Está bem — disse ele. — O que é que vocês querem saber?
Scully sentou-se na sala de interrogatório da cadeia municipal, observando Darin
Oswald esfregar os olhos. Ele estava cansado, e seu gesto e ra tão inocente que,de
repente, ficou parecendo m uito m ais j ovem e quase indefeso. Poderia aquelecorpo
franzino arm azenar ta m a nha f o r ç a c o m o Mulde r acreditava? Esta r ia elaacreditando
nisso também?
Então o rapaz olhou para ela, com olhos frios e calculistas. Uma vez mais Scully
percebeu que era tudo verdade.
— Quantas vezes eu vou ter de dizer a mesma coisa? — perguntou Darin. — Não
sei como todas aquelas pessoas morreram.
— Por que foi que saiu correndo quando nos viu? — perguntou Scully .
Darin deixou as mãos caírem sobre a mesa, fazendo barulho. E respondeu:
— Eu estava dando uma volta. Por acaso isso é contra a lei?
— E você tem o costume de sair sempre pela janela do quarto?
Os olhos de Darin brilharam com uma intensidade perigosa.
— Escute dona. Vocês deveriam estar me dando uma medalha. Afinal de contas,
eu salvei a vida do meu patrão!
Scully balançou a cabeça para os lados. Não havia esperança. Eles já haviamfeito
o mesmo tipo de perguntas uma dúzia de vezes, e Darin não tinha mudado emnada as
sua s respostas. E la esperava q u e e le acabasse s e entregando, q u e acabasseperdendo a
paciência e contando a história toda . S e m qualquer pr ova concre ta contraOswald, eles
não o poderiam manter preso por muito tempo, a menos que o rapaz confessassetudo.
— Não estamos muito certos de que você tenha salvo a vida de seu patrão, —disse
ela, desanimada, afastando-se da mesa para se levantar.
Capítulo 12
ulder estacionou o carro na frente de uma linda casa de dois andares, que
ficava em um dos melhores bairros residenciais da cidade de Connerville. — É
M aqui? — perguntou Mulder à sua parceira. Scully verificou o endereço que
havia anotado em sua caderneta, e respondeu que sim, com um gesto de cabeça.
Enquanto caminhavam na direção da porta, Mulder contou a Scully sobre sua
rápida conversa c om Sharon Kiveat naquela m e sm a ta rde , n o corredor dohospital, e
falou sobre sua suspeita de que ela talvez soubesse m ais a respeito d e Oswald doque
estava dizendo.
Um momento depois que eles tocaram a campainha e Sharon Kiveat abriu aporta
da frente. Se ela voltou do hospital para casa com intenção de descansar, isso nãohavia
adiantado. No mínimo, ela parecia mais cansada do que estava antes. Bastou queolhasse
uma vez para o rosto dos dois agentes para que entrasse em pânico.
— Sra. Kiveat... — disse Mulder.
Mas a mulher o interrompeu.
— Desculpem, mas não posso falar com vocês agora. Estou de saída para o
hospital.
Scully teve a impressão de que a Sra. Kiveat estava a ponto de chorar.
— Darin Oswald está preso, Sra. Kiveat — disse Mulder. — Nós o apanhamosesta
tarde.
A mulher limitou-se a olhar para eles.
— Infelizmente não o podemos acusar formalmente — acrescentou Scully. —Não
sem a sua ajuda...
Scully examinou a expressão da mulher. Dava para perceber que Mulder tinha
razão. Sharon Kiveat tinha a lgum a informação a respeito d e Oswald. Scullypodia ver
que, apesar do medo que sentia, ela queria conversar com alguém a respeito.
— Podemos entrar? — perguntou Scully .
A Sra. Kiveat hesitou por um momento, mas finalmente deu um passo para trás e
abriu mais a porta, permitindo que os dois entrassem.
Quando os dois agentes chegaram à sala de visitas da residência do casal Kiveat,
Scully observou a mobília de bom gosto, os estofados e carpetes brancos, e a rica
decoração que incluía plantas em vasos antigos. A mão delicada de SharonKiveat estava
evidente em cada detalhe do aposento, juntamente com algo mais: uma cálidaatmosfera
de conforto. No mesmo instante Scully percebeu que as duas pessoas que viviamnaquela
casa eram muito felizes.
Mas não naquele momento. Não naquela noite.
— Sou professora de uma turma de alunos especiais no colégio da cidade —disse
a Sra. Kiveat, convidando-os a se sentarem no sofá da sala de visitas. — Darin foimeu
aluno.
— Como descreveria o seu relacionamento com ele? — perguntou Scully .
— Bem, eu não sou cega... Acho que ele gosta de mim — respondeu a Sra.Kiveat.
— Mas... Eu sempre senti pena dele.
— Ela encolheu os ombros, parecendo estar envergonhada, como se houvesse
violado alguma lei não escrita, a respeito da caridade. — Eu só achava que eletinha sido
sempre vítima da falta de sorte...
— Foi aí que resolveu pedir a seu marido que lhe desse emprego na oficina?
A Sra. Kiveat balançou a cabeça. E disse:
— Então, há alguns meses... comecei a receber uns telefonemas estranhos.Alguém
ligava e, quando eu atendia, desligava...
— Por que acha que era Darin? — perguntou Scully .
A Sra. Kiveat franziu as sobrancelhas, fazendo um esforço visível para expressar
com palavras o que estava sentindo.
— O jeito como ele me olhava, quando eu ia à oficina. Os telefonemas me
faziam
sentir do mesmo modo — Ela olhou para Scully, e depois para Mulder. — Alémdisso,
eu tinha uma intuição...
Scully acreditava nela, mas não bastava acreditar. Até aquele momento, a Sra.
Kiveat não lhes havia proporcionado qualquer informação que pudessem levarao juiz.
— Quando foi que a senhora suspeitou pela primeira vez que Darin estivesse
envolvido em alguma coisa mais séria do que os trotes por telefone? — perguntou
Mulder.
A Sra. Kiveat olhou para Mulder, e respondeu:
— Ele me contou.
Scully inclinou-se para a frente, e perguntou:
— Ele confessou ter assassinado aquelas pessoas?
— Não — respondeu ela devagar. — Mas me disse que tinha poderes. Poderes
bastante perigosos.
Scully balançou a cabeça, encorajando-a a continuar. Agora eles estavam pertoda
verdade.
— Quando foi que ele disse isso? — perguntou Mulder.
— Alguns dias atrás. Depois que aquele rapaz foi morto.
— Jack Hammond? — perguntou Scully .
A Sra. Kiveat fez que sim, com um gesto de cabeça, e baixou os olhos, dizendo:
— Eu não acreditei nele. Pensei que estivesse apenas contando vantagem,tentando
me impressionar com essa história maluca. Mas, depois do que aconteceu hoje...— Ela
tornou a levantar o olhar para Scully. — E u descobri que e ra verdade. Tudo oque ele
disse... ele pode fazer tudo aquilo.
Scully apoiou-se na poltrona, e deixou que toda a convicção da Sra. Kiveat
tomasse conta dela. Aquela mulher, que certamente não havia visto na vida nemdez por
cento de tudo o que Scully vira nos últimos anos, estava disposta a aceitar aexistência de
algo extraordinário. Depois de ter sido uma incrédula durante tanto tempo, Scullytinha
de admitir que estava a ponto de aceitar aquilo também.
— Por acaso a senhora contou a alguém? — perguntou Mulder.
A Sra. Kiveat deu um sorriso muito pequeno e triste, e balançou a cabeça,dizendo:
— Quem acreditaria, se eu tivesse contado? — Mulder fez um gesto com acabeça,
demonstrando compreensão. E a Sra. Kiveat continuou: — E u tem ia o que elepoderia
fazer contra mim... e... e o que ele poderia fazer contra meu marido.
Ela colocou os dedos sobre os lábios, deixando que suas emoções viessem à
superfície.
Scully aproximou-se da Sra. Kiveat, colocando a mão sobre seu ombro. E disse:
— Muito bem. Não precisa ter mais medo agora. A senhora e seu marido estarão
em segurança... desde que possamos contar com os seus testemunhos contra orapaz.
As lágrimas se derramaram pelo rosto da Sra. Kiveat, enquanto ela balançava a
cabeça, aceitando o calor confortante da mão de Scully e a promessa de suaspalavras.
A caminho de volta para a cadeia municipal, Mulder e Scully discutiram qualseria
a melhor estratégia para colocar uma mina explosiva com o Darin Peter Oswaldna
prisão.
— Não sei qual é a rapidez dele com aquele negócio — advertiu Mulder,
acrescentando com um sorriso: — Mas talvez seja tão rápido como um relâm...
— Não diga isso! — interrompeu Scully , fazendo uma carreta de desgosto. Mas
resolveu examinar seu revólver mesmo assim. A arma estava carregada epronta para ser
usada.
Eles chegaram à cadeia alguns minutos depois, preparados para tudo.
Exceto para o que encontraram.
Ao entrarem pela porta da sala de interrogatório, viram um dos policiais junto à
mesa, virando as páginas de uma revista. A não ser pela presença desse policial,a sala
estava vazia.
— Onde está Oswald? — perguntou Mulder.
— Vocês o transferiram para uma cela? — perguntou Scully .
— Eu o mandei para casa — A voz vinha de trás dos dois agentes, e eles se
voltaram para ver o xerife Teller, que parecia ter o hábito de ficar parado juntoàs portas.
— Decidiu libertá-lo? — perguntou Mulder, sem acreditar no que ouvia.
— Sim, depois de ler o seu relatório — respondeu o xerife, agitando o relatório na
mão.
Mulder olhou para Scully .
—Vou chamar Sharon Kiveat — disse ele, empurrando o xerife para poderpassar
pela porta.
Scully seguiu o xerife até o salão, enquanto ele abria a pasta onde estava orelatório
e lia em voz alta: — Homicídio por emissão de corrente elétrica? — Ele deu umsorriso
sarcástico para Scully, acrescentando: — Não vai me dizer que acredita nisso,vai?
Scully cruzou os braços e franziu as sobrancelhas para olhar para o xerife, edisse:
—Acredito que Darin Oswald esteve envolvido, de algum modo, com a morte de
quatro pessoas... E acredito que foi uma grande irresponsabilidade de sua partecolocá-lo
em liberdade.
O xerife balançou a cabeça, rindo à sua maneira interiorana, e disse:
— Espere. Deixe-me ver se entendo isso: está me dizendo que aquele rapaz
consegue expelir raios?
Scully decidiu assumir sua crença na história.
— Isso mesmo. Sim.
O xerife abandonou sua postura interiorana. Fechou a pasta onde estava orelatório
e rosnou:
— De verdade? Pois fique sabendo que não existe uma base possível para o que
está me dizendo. Não passa da mais incrível especulação!
— O senhor mesmo nos disse uma coisa importante a respeito, xerife — disse
Scully, repentinamente sentindo tudo o que Mulder devia sentir a maior parte dotempo.
— Nem mesmo os cientistas conseguem explicar como funcionam os raios...
O xerife chegou a abrir a boca, mas não disse coisa alguma. E a fechou de novo.
Mulder veio correndo pelo corredor. Sem fôlego, ele gritou:
— Sharon Kiveat não está em casa!
— Ela deve ter ido ao hospital — respondeu Scully . E os dois agentes voltaram
correndo pelo corredor, deixando o xerife sozinho para pensar no que haviaacabado de
provocar.
Capítulo 13
elo menos uma vez na vida, Bart “Zero” Liquori estava contente por ter de
trabalhar. Fazendo o horário noturno no fliperama, ele mantinha sua mente livre
P de pensar em Darin Oswald e nos perigosos jogos que o amigo vinha jogando
ultimamente.
Não que Bart não apreciasse uma brincadeira maldosa de vez em quando, mas o
que Darin vinha fazendo era muito mais do que maldade. Era o próprio mal. EZero não
queria nem pensar naquelas coisas.
Um rapaz e sua namorada jogaram todas as moedas que tinham em uma das
máquinas, e saíram do fliperama quando faltavam de z m inutos pa r a a meia-noite. Zero
ficou sentado ali sozinho, lendo um gibi. Quando bateu meia-noite, ele foi para acaixa
de fusíveis principal para desligar a eletricidade. O fliperama foi envolvido pelomais
completo silêncio.
Bem, nem tão completo. Do outro lado do salão, a tela de uma das máquinas de
vídeo-game se acendeu. Um a música m uito conhecida saiu d o alto-falante damáquina.
Zero caminhou lentamente na direção do jogo Massacre Virtual II . Colocadosem cima
d a s im agens dos lutadores apareciam a s vinte m a iores pontuações. “D.P.O.D.P.O.
D.P.O. D.P.O.”
— Ei cara... — disse Zero. E esperou pela resposta. Mas ninguém respondeu. —
Darin, eu sei que é você, cara. Isto é, tem que ser você...
Ainda não houve resposta.
Então, a vitrola automática disparou, a todo volume. The Vandals.
Todo aquele cenário era conhecido de Zero. Ele sorriu nervoso.
— Vamos, cara, qual é a sua?
Zero caminhou na direção da porta, tentando controlar o pânico que sentia. O arao
seu redor parecia espesso e pesado. Tinha cheiro de ionização. Igual ao ar depoisde uma
tempestade de raios.
A cada passo que dava, Zero sentia suas pernas mais e mais fracas, mas sabiaque
era apenas por causa do terror que o envolvia. Era como alguém que tenta fugir
nadando
de um tubarão que sabe estar na água, mas não consegue ver.
Ele empurrou a porta da frente, mas ela não abriu. Então ele se lembrou de quejá a
havia trancado. Puxou o chaveiro do bolso, j á desesperado, tentando encontrar achave
certa no meio daquela escuridão e enfiá-la na fechadura. Mas suas mãostremiam tanto
que ele não conseguia.
— O que está fazendo? — gritou ele. — Eu já lhe disse que não contei nada a
ninguém!
Mas a única resposta que obteve foi a música em volume mais alto ainda. E o
silêncio do tubarão.
Finalmente ele conseguiu enfiar a chave na fechadura, abriu a porta, e disparou
correndo, envolvido pelo vento forte da noite. Mas a música o acompanhava pelo
estacionam ento d o shopping, c om o s e a s própr ia s á rvor e s s e houvessemtransformado
em caixas acústicas, pulsando a música heavy metal.
O vento o envolveu, mas ainda não dava para ver nenhum sinal de Darin.
— Eu não disse coisa alguma! Juro! — gritou Zero, sentindo as lágrimas que lhe
escorriam pelo rosto, como nos seus tempos de criança. — P or que está fazendoisso
comigo, cara? Somos amigos...
Zero finalmente recebeu sua resposta. Mais alto do que a música e mais claro do
que o sol, um raio elétrico muito forte o atingiu bem no meio das costas,atravessou seu
coração, e irrompeu pelo seu peito, mergulhando no chão.
Dezenas de moedas saltaram de seus bolsos, quando ele caiu. Mas ele não ouviu
coisa alguma, porque já estava morto antes de bater contra o asfalto.
Em pé no teto do fliperama, Darin Oswald olhou atentamente para a figura
retorcida do amigo, deitado no estacionamento.
Você colhe aquilo que semeia, disse ele consigo mesmo.
Ele procurou no fundo de seu próprio peito para ver se encontrava ao menos um
sinal de remorso pelo que acabara de fazer com seu único e melhor amigo. Masnão
encontrou remorso algum. Era como se a eletricidade houvesse queimado toda asua
consciência. E ele não podia mais voltar atrás. Não podia parar o que haviacomeçado a
fazer. Tinha de continuar, até o final brutal de seu plano.
Desde que a Sra. Kiveat estivesse com ele, quando tudo tivesse terminado, tudo
aquilo valeria a pena.
Tudo voltaria a ficar bem.
Darin desligou a música que ainda explodia na vitrola automática e ao vento, ao
seu redor. Então desceu do teto para apanhar o corpo de Zero.
Enquanto isso, uma tempestade formava-se ao norte da cidade, preparando-separa
desabar sobre a indefesa cidade de Connerville.
Capítulo 14
caminho do hospital, Scully desejava que Mulder corresse ainda mais com o
carro, embora ele já estivesse dirigindo o mais rápido que conseguia. Eles
haviam
A empenhado sua palavra a Sharon Kiveat de que ela e seu marido estariam em
segurança. E Scully não estava disposta a permitir que Darin Oswald, ou o xerifeTeller,
ou quem quer que fosse, os fizessem quebrar a promessa.
Quando Mulder chegou com o carro na frente do hospital, Scully desceu antes
m esm o que o veículo parasse, e entrou no prédio antes que Mulder puxasse ofreio de
mão. Scully bateu várias vezes no botão do elevador, e já estava a ponto de subirpelas
escadas quando Mulder e o elevador chegaram juntos.
No quinto andar, Scully explodiu por entre as portas do elevador assim que elas
começaram a se abrir.
Mulder mostrou sua identidade de agente do FBI à assustada enfermeira da UTI,
enquanto Scully corria para o fundo do corredor.
— Chame a segurança! — ordenou Mulder. — Diga que eles não deixemninguém
entrar no hospital, exceto os enfermeiros das equipes de pronto socorro.
Ele alcançou Scully quando ela chegou à porta do quarto onde Frank Kiveatestava
internado. Pela janela, eles viram a Sra. Kiveat em segurança lá dentro,totalmente calma
apesar das circunstâncias, sentada ao lado da figura imóvel do marido.
Scully deixou escapar um suspiro de alívio, e abriu a porta do quarto.
— Sharon — disse Scully , bem baixinho.
A Sra. Kiveat levantou os olhos, alarmada.
— O que foi? — perguntou ela, levantando-se e caminhando para a porta.
— Gostaríamos que viesse conosco agora mesmo — respondeu Scully .
— Por quê? O que aconteceu? Foi Mulder quem respondeu:
— É Darin Oswald. Ele foi posto em liberdade.
— Mas, como? — perguntou a Sra. Kiveat, dando um passo involuntário paratrás,
olhando para Mulder e depois para Scully. — Vocês me disseram que eu nãotinha com
que me preocupar, que nós dois estaríamos em segurança...
— Eu sei — respondeu Scully . — Mas não temos muito tempo. Venha conosco, e
explicaremos tudo...
Mas a Sra. Kiveat disse que não com a cabeça.
— O médico disse que meu marido não pode ser movido daí. E não vou deixá-lo
sozinho...
Mulder adiantou-se e falou com firmeza:
— Eu ficarei ao lado dele. A senhora pode ir com a agente Scully .
— Não! — respondeu ela, relutante.
— Sharon, por favor...
Então, as luzes se apagaram. Depois de um segundo apenas, que mais pareciauma
eternidade, as luzes de emergência se acenderam, iluminando de novo os longos
corredores do hospital.
Mulder olhou em volta, e puxou a arma do coldre.
— Ele está aqui — disse ele, quase sussurrando.
Lá do fundo do corredor, os três ouviram um barulho metálico, bem baixinho.
Scully virou o pescoço para olhar para o outro lado de onde estava Mulder,procurando a
fonte daquele barulho. A única luz visível no final do corredor vinha de cima daporta de
um dos elevadores.
O elevador estava subindo.
Mulder e Scully correram na direção do elevador. Tornaram a ouvir o barulhode
u m sininho. E le estava passando pe lo quarto andar, lo g o a ba ixo de le s. Elespararam
diante da porta do elevador, de armas apontadas para a frente e devidamente
engatilhadas, mirando a linha vertical negra entre as duas metades da porta.
Ping.
O elevador começou a abrir. O dedo de Scully encostou no gatilho, enquanto ela
olhava pela mira do revólver. As portas abriram um pouco mais. Havia alguémdentro do
elevador. Estava deitado, encolhido no chão.
Scully e Mulder abaixaram lentamente as armas, tentando encontrar sentido
naquilo tudo. Então Scully percebeu que se tratava do garoto que trabalhava no
fliperama: Zero.
Scully entrou no elevador e ajoelhou-se ao lado do corpo curvado, procurando
sentir o pulso do rapaz. D e repente, surgiram e m sua m ente a s palavras queOswald
dissera n a sala de interrogatório. Mas j á e ra tarde demais para que e la fizessealguma
coisa a respeito.
— Ele está morto — informou ela a Mulder.
Mulder estendeu o braço para dentro do elevador e apertou um botão de parada,
que faria o elevador ficar naquele andar.
A enfermeira que estava de plantão aproximou-se dele.
— O meu Deus!... — exclamou ela, ao ver o cadáver do rapaz.
Mulder voltou-se para a enfermeira e perguntou:
— Por onde mais se pode chegar a este andar?
A enfermeira apontou para uma das extremidades do corredor, escondida pela
escuridão. Ainda tentando acalmar-se, ela disse:
— Só pelas escadas. Mulder virou-se para Scully .
— Fique com o Sr. e a Sra. Kiveat — disse ele, já caminhando na direção das
escadas.
— Mas, Mulder... — começou ela.
— Vou atrás de Oswald — Então ele desapareceu.
Assim que Mulder empurrou a porta que dava para as escadas, ele parou, para
deixar que seus olhos se acostumassem à escuridão. Havia luzes de emergênciaacesas ali
também, mas eram vermelhas, e enchiam o espaço das escadarias com umbrilho muito
pouco intenso, que deixava grandes sombras negras por toda parte.
Ele curvou o pescoço para além da porta e olhou para as escadas que davampara
baixo.
Tudo livre.
Começou a descer, tentando não fazer barulho, mas descobriu que era muitodifícil
andar depressa e em silêncio na escadaria de ferro.
Virou a esquina da escadaria com a arma levantada na frente do peito.
Não havia ninguém ali.
Continuou descendo por aquele lance de escadas e, quando chegou ao final dos
degraus, ouviu um barulho, um leve zumbido elétrico, que vinha de algum pontomais
abaixo. Chegou ao próximo lance de escadas e parou, procurado ouviratentamente.
Não havia mais dúvida. Aquele zumbido, que agora estava mais forte, vinha do
outro lado da esquina da escada. Mulder respirou bem fundo, sentindo o cheiro doar na
estreita escadaria. Inalou uma vez e lembrou-se do trenzinho de brinquedo quetivera nos
seus tempos de criança. Aquele cheiro era de eletricidade.
Mulder ficou tenso, apertou firmemente o dedo no gatilho, e virou a esquina da
escadaria, com a arm a levantada e pronta para disparar contra qualquer coisaque se
movesse.
Mas a única coisa que viu em movimento foi a tampa da caixa de fusíveis, que
balançava para um lado e para o outro, na dobradiça amassada. Os circuitoshaviam sido
arrancados, e alguns fios ainda soltavam fagulhas, esfregando uns nos outros.
Mulder abaixou a arma, com uma expressão de desapontamento no rosto. Elesabia
que Oswald havia estado ali, mas não podia imaginar onde estaria agora.
Darin escondia-se pelos escuros corredores do Hospital Felton. Em algum lugarde
sua consciência, sabia que havia deixado sua sanidade perdida em algum canto,mas não
queria nem pensar nisso. Só havia uma coisa enchendo sua m ente agora. Apenasuma
imagem. A Sra. Kiveat. Sharon.
A adrenalina corria nervosa por suas veias, deixando-o mais do que alerta. Maisdo
que consciente. Ele podia sentir que estava expandindo a aura elétrica que haviaao redor
de seu corpo, como se fosse uma espécie de sexto sentido. Ele podia sentir o s fiosde
cobre que havia na s paredes, e tam bém a s batidas cardíacas e a s reaçõesmentais das
pessoas que estavam nos quartos do hospital. Permitiu que essa sensação de seupróprio
poder o envolvesse e o protegesse de qualquer sensação de m edo, enquantocaminhava
rumo ao quarto onde Frank Kiveat havia sido colocado.
Ele abriu a porta do quarto escuro e puxou as cortinas.
Nada havia ali. Nem mesmo uma cama.
— Sra. Kiveat?
Então, atrás de si, ele ouviu uma voz dizendo:
— Darin... não se mexa.
Darin voltou-se para ver quem era que estava parado ali, nas sombras. Era aagente
Scully , com a arma apontada para o peito dele.
Ele deu uma longa olhada para a arma, e sabia que deveria estar com medo.Mas
não havia mais lugar nele para sentir medo.
Então, do meio das sombras, de trás de Scully , apareceu Sharon Kiveat.
De repente a agente do FBI e sua arma perderam toda importância. Ele estendeua
mão.
— Venha comigo, Sra. Kiveat — disse ele. — Preciso lhe dizer algumas coisas.
— É melhor você se afastar, Darin — disse Scully , com o cano da arma
firmemente apontado para ele.
— A Sra. Kiveat e eu vamos conversar. Não vamos, Sra. Kiveat? — Darin
continuava com a s m ã os estendidas pa r a a frente , desej ando poder usa r seupoder para
puxar a mão dela para a sua.
— Seja o que for que pretende dizer a ela — disse Scully , — pode falar aqui
mesmo.
Darin olhou bem nos olhos da Sra. Kiveat. Estava escuro demais para quepudesse
ver a expressão dela. Com ternura na voz, ele perguntou:
— Vem comigo?
— Ela não vai a parte alguma, Darin.
Finalmente, Darin tornou a olhar para Scully. Era um alvo perfeito, parada ali,tão
perto. Ele poderia acabar com ela através de um simples pensamento, ali,naquele mesmo
instante.
— Posso machucá-la! — gritou Darin.
— Também posso machucá-lo — retrucou Scully , com uma voz tão fria como a
morte. — Vou lhe dar três segundos. Um...
— Não estou brincando aqui! — gritou Darin. — Não quero fritar uma agente do
FBI, mas juro que farei isso!
— Dois...
Então, como um anjo de misericórdia, a Sra. Kiveat colocou-se entre os dois.
Caminhou na direção de Darin, como ele sabia que faria.
— Pare com isso! — gritou ela para Scully .
Scully baixou a arma, e deu um passo para trás. Então, a Sra. Kiveat voltou-separa
Darin. Ele podia ver os olhos dela agora. Estavam rasos de lágrimas. Como osseus. Ela
finalmente entendeu, pensou ele. Finalmente descobriu o quanto é importantepara mim.
Então ela disse as palavras que ele havia esperado meses para ouvir:
— Eu irei com você, está bem? Irei para onde você quiser. Mas pare de fazermal
às pessoas...
— Não vou ferir mais ninguém — disse Darin. — Vou fazer tudo o que a senhora
mandar. Está bem assim, Sra. Kiveat?
Aquele foi o momento mais maravilhoso e cheio de ternura da vida de Darin.
Mas então, Scully teve de se intrometer.
— Podemos resolver tudo aqui mesmo — disse ela.
A Sra. Kiveat balançou a cabeça.
— Não, não podemos.
Darin segurou a mão dela com firmeza. Os dedos delicados tremeram com oleve
choque estático, e Darin sorriu, com o rosto corado, como se fosse uma criança.
— Então está resolvido — disse ele, sem tirar os olhos de Sharon. — Tudo bem.
Ele colocou o braço ao redor da cintura dela e afastou-se do quarto, procurando
ficar sempre atrás dela, escondendo-se da arma de Scully. Então, quando saiu doquarto,
e le fechou a porta com força e m andou u m sina l elétrico d e sua m ente quederreteu o
metal do caixilho da porta, lacrando Scully dentro do quarto.
Capítulo 15
ar gelado do estacionamento tinha um cheiro fresco de limpeza. Tinha o cheiro
da liberdade. De repente, aquela noite escura parecia plena de uma luz que Darin
O jamais conhecera em toda a sua vida. A luz que vinha da Sra. Kiveat. Ele
conseguia sentir as batidas fortes do coração dela, enquanto caminhavam demãos dadas.
E sentia os movimentos selvagens das ondas cerebrais dela. Ele achou que deviaser
amor.
— Você foi a única pessoa que foi boa comigo — disse ele, com a voz maischeia
d e ternura e m ais cálida com que j amais falara. Seu ódio havia desaparecido.Ele tinha
certeza disso. As pessoas que ele havia ferido, e assassinado, haviam ficado nopassado.
Jamais precisaria pensar nelas outra vez.
— Lembra-se do meu primeiro dia na sala de aula? — perguntou ele, aindacorado.
— Você estava usando aquele vestido verde, o de flores amarelas. Estava tãolinda... —
Então ele riu. — Foi naquele momento que eu descobri que havíamos nascido umpara o
outro.
Darin sentia a mão dela tremendo. Deve ser por causa do frio, pensou ele.
— Para onde estamos indo? — perguntou Sharon, com a voz muito fraca. —Para
onde está me levando?
E, pela primeira vez, Darin percebeu que jamais havia pensado nesse detalhe.
Sempre pensara em ficar com ela. Mas, agora que a tinha, o que faria com ela?
— Não sei — disse ele. — Para qualquer lugar onde você quiser ir, eu acho.Tenho
dinheiro que tirei do caixa eletrônico. Podemos pegar qualquer carro que vocêquiser —
Na frente deles, havia uma fila de carros. — Pode escolher um . Aquele Accord,ou o
Máxima... Gosta de algum deles?
Mas ela não parecia estar muito feliz. Ele soltou a mão de Sharon e caminhou ao
lado da fila de carros.
— Se não quer um carro japonês — perguntou ele, — que tal um Taurus?
Ele concentrou seu pensamento na ignição do Ford, e o motor do carro começoua
funcionar, ao mesmo tempo em que seus faróis se acendiam, iluminando o piso
molhado.
Ele balançou a cabeça. Nenhum daqueles carros era suficientemente bom para aSra.
Kiveat. Ela merecia uma Mercedes. Ou, melhor ainda, uma Ferrari.
— São todos umas porcarias — disse ele. — Vamos pegar qualquer um agora, eo
trocaremos depois, por alguma coisa melhor.
De repente, a claridade de outro par de faróis iluminou os dois. Darin virou-separa
ver um carro que estava parando. Era um carro de patrulha da polícia, e o xerifeTeller
desceu do banco da frente.
Era só um pequeno problema para Darin, um mero inconveniente. Ele sabiacomo
cuidar de Teller.
— Fique calma, Sra. Kiveat — disse — Eu cuidarei disso.
Ele se voltou na direção da mulher, mas ela já não estava parada ali... Estava a
mais de cem metros de distância, correndo do estacionamento para trás dosarbustos do
campo ao lado.
— Não! — gritou Darin. Mas a única coisa que podia fazer agora era observarsua
felicidade e seus sonhos desaparecendo na distância, deixando-o, uma vez mais,
desesperadamente sozinho.
— Ei! Venha aqui garoto!
O xerife Teller falava com Darin Oswald como quem fala com um cão raivoso.E,
com o u m animal selvagem, Darin virou-se e saiu correndo. L á longe , SharonKiveat
jogou-se atrás de um denso bosque. Ela não sabia para onde correr mas, seficasse longe
de Darin, sabia que permaneceria viva. A noite era fria e úmida e, embora elasoubesse
que Darin estava por perto, também tinha certeza de que a havia perdido de vista.
Foi então que uma figura saltou do meio dos arbustos e a agarrou. Ela tentougritar,
mas uma mão forte cobriu sua boca, enquanto ela era arrastada para o s arbustos.Ela
olhou para a pessoa que a havia agarrado, certa de que veria os olhos ardentes deDarin
Oswald, furioso por ter sido traído por ela. Mas, ao invés disso, viu o agenteMulder.
— ShhhhL. sussurrou Mulder. — Ele está ali pertinho.
Juntos, eles se abaixaram nas sombras dos arbustos e ficaram observando Darin,
que caminhava pela grama molhada da clareira.
— Sra. Kiveat! — implorou ele. — Sra. Kiveat! Onde está você? — Então ele a
ouviu soluçar. — Ora, vamos... Eu disse que tomaria conta da senhora.
Ele ficou parado ali, chorando como um garotinho. Mas Sharon Kiveat nãoestava
disposta a aproximar-se para confortá-lo de novo. A profundidade da tristeza dorapaz só
era igual ao ódio assassino que ele escondia. E se ele visse que ela estava comMulder,
escondida ali nos arbustos, os dois seriam incinerados em uma questão desegundos.
— O que mais a senhora queria, Sra. Kiveat? — disse ele, chorando na escuridão.
— Eu quero lhe dar tudo. Tudo o que desejar! — Então, seus soluços sufocaramsuas
palavras, que se transformaram em um lamento incompreensível.
Então, o facho brilhante de uma lanterna cortou a neblina.
— Muito bem, filho. Vire-se para cá — disse uma voz firme. Era o xerife Teller
que enfrentava sozinho o rapaz. — Escute, eu não sei o que está pensando emfazer, mas
preciso de algumas respostas.
Teller permaneceu firme diante do rapaz, mas sua presença imponente nada
significava para o espírito derrotado de Darin Oswald.
— Não, eu é que quero algumas respostas! — gritou Darin. — Onde está ela? —O
vento soprou pela copa das árvores e girou a o redor deles. — VAMOS! VOCÊESTÁ
ME DEIXANDO LOUCO! — As nuvens que havia no céu, negras e densas,brilhavam
com uma imensa força elétrica. — DIGA-ME ONDE ELA ESTÁ!
Mulder apareceu por trás do rapaz e apontou sua arma para ele.
— Teller! Saia daí! — gritou ele.
Mas Teller não tinha o costume de ouvir ordens alheias. Apenas as suas próprias.
— DIGA-ME ONDE ELA ESTÁ! — O grito de Darin encheu o ar, vindo detodas
a s direções a o m esm o tem po. E le cerrou o s punhos, dom inado po r u m ódioimenso,
enquanto seus olhos giravam para os lados e uma árvore explodia com a força deum raio
disparado pela força de sua mente. A lanterna de Teller explodiu em sua mãocomo uma
granada, e uma pulsação elétrica detonou o coração do xerife.
Scully apareceu na porta do hospital no mesmo instante em que Teller caía ao
chão, c om a gram a m olhada fervendo po r causa d a eletricidade q u e aindaescapava do
seu corpo.
Ela e Mulder, de armas levantadas, ficaram observando, aterrorizados, enquanto
Darin gritava sua fúria contra os céus. Então, as nuvens responderam com umdilúvio de
raios e relâmpagos como nunca se havia visto antes. Brancos, azulados e quentes,com
um metro de largura, os raios tombaram sobre o enlouquecido Darin Oswald, umapós o
outro, até que seus sapatos derretessem; até que a grama sob os seus pés pegassefogo;
a té que o últim o dos fusíveis explodisse e m sua m ente ; e a té q u e toda s aslâmpadas se
apagassem na fria e solitária cidade de Connerville.
Capítulo 16
ox Mulder estava parado no corredor do Hospital Psiquiátrico de Oklahoma. Ele
olhava pela janela de vidro inquebrável da porta da cela de Darin Oswald. Ele
F podia ver Oswald sentado na pequena sala, olhando para um aparelho de TV. O
rosto do rapaz tinha uma expressão vazia, e seus olhos não se moviam. Seria fácil
acreditar que Darin não estava de fato vendo coisa alguma, e d e que sua mentetivesse
sido varrida pelo último dos raios que o haviam atingido. Mas Mulder, cujo rosto
tinha
uma expressão tão vazia como a de Oswald, não estava disposto a se deixarenganar por
aquela interpretação catatônica.
O raio que o havia derrubado deveria tê-lo morto. Poderia ter acabado com avida
d e m eia dúzia d e homens. Mas Darin havia despertado algum as horas depois,quase
completamente ileso. Depois d e u m breve período d e observação n o prontosocorro do
Hospital Felton, ele havia sido transferido para aquele lugar. Mulder e Scullyainda não
haviam recebido autorização para interrogá-lo e agora, dois dias depois dainternação do
rapaz, Mulder estava começando a te r a im pressão d e q u e j am ais te r ia umachance de
falar com ele.
Sua investigação não havia progredido muito.
Primeiro: ele havia visitado uma vez mais o Instituto de Relâmpagos Astadourian,
em Connerville, no dia anterior. De novo, os cientistas tinham dado respostas
irritantemente vagas a respeito do trabalho que faziam ali.
Segundo: o médico de Darin, no hospital psiquiátrico, que havia sido tão aberto e
franco n a primeira vez e m que conversaram, agora s e m ostrava defensivo echeio de
suspeitas.
Terceiro: naquela manhã, ele e Scully tinham recebido ordens de voltar para
Washington.
Mulder já havia visto todos esses sinais antes.
A caminho do aeroporto, Mulder havia convencido Scully de que ainda tinham
tempo, antes da hora de sua partida, para pa ra r a l i e tentar, u m a últim a vez,interrogar
Oswald. Mas o médico mandara dizer que estava “ocupado demais” para falarcom eles,
além de que o rapaz não deveria ser perturbado.
Mulder ouviu passos, e tirou os olhos da janela de vidro para ver Scully , que
caminhava pelo corredor, na direção dele.
— Acabei de falar por telefone com o médico legista — disse ela. — Ele vaidizer
que a morte do xerife Teller foi acidental.
— Atingido por um raio?
Scully fez que sim, com um movimento leve da cabeça. Mulder nem precisariater
perguntado aquilo. E ela continuou:
— Falei com o promotor público, e ele disse não estar particularmenteinteressado
em processar o rapaz.
Mulder viu que o caso estava sendo oficialmente encerrado, contra a vontadedele e
de Scully .
— E os testes que eu pedi para fazerem? — perguntou ele.
— Os resultados acabaram de chegar — respondeu Scully .
— E daí?
Scully olhou p a r a Mulde r com uma expressão de tamanha ternura e
compreensão
que ele teve de virar o rosto para outro lado. Eleja sabia o que significava aqueleolhar.
— Nada fora do comum foi encontrado, Mulder. Os eletrólitos, os níveis de gásno
sangue, a atividade das ondas cerebrais...
— Tudo normal... — A voz de Mulder mostrava desânimo.
— Sim — respondeu Scully , balançando a cabeça. — Com base nos dados, nas
provas científicas... — A voz dela diminuiu, até desaparecer.
Mulder tornou a olhar pela janela da cela onde estava o perturbado rapaz. Edisse:
— Então, de acordo com os “especialistas”, Darin Oswald é um rapaz
perfeitamente saudável e normal.
Mulder olhou bem para Oswald... pequeno, cheio de ódio, e sozinho. De repente,
ele virou a cabeça para olhar firme para sua parceira. Tinha mais uma perguntapara lhe
fazer. D e repente, pa r a Fox, e r a a pergunta m a is im portante d e toda s. Eleprecisava
saber:
— Scully , você acredita nisso?
Scully olhou bem para o parceiro e, com toda a firmeza, sem hesitação alguma,
balançou a cabeça e respondeu.
— Não.
Mulder assimilou bem o que ela dizia. Era a resposta que ele esperava. Era tudode
que precisava.
Significava que, independente do que estava acontecendo, ele não estava sozinho
em sua crença.
Em sua cela acolchoada, do outro lado do vidro, Darin Peter Oswald só se
preocupava com a televisão, mudando d e canal com a força de sua mente, deum para
outro. Finalmente, parou em um canal onde passava a previsão do tempo. Haviauma
série de formações de nuvens finas para o norte e para o sul, m as o hom em dotempo
previa céu claro em toda a região do meio oeste americano.
Ele conseguia sentir a presença de Mulder e de Scully do outro lado do vidro
espelhado. Ma s isso n ã o importava. Ele s n ã o o poderiam ferir . O s cientistasdaquele
Instituto l h e ha via m prom etido q u e ningué m ha ve r ia d e fe r i- lo. Tinhamprometido
protegê-lo e cuidar dele. Tinham prometido que iriam lhe dar treinamento.Haviam dito
que ele era importante, e ele sabia que estavam certos.
Como a Sra. Kiveat sempre lhe dissera na classe, Vocês, rapazes, são a luz do
mundo.
E Darin sabia que logo chegaria sua vez de brilhar. Independentemente dequalquer
coisa que dissesse o homem do tempo.
Quarta capa:
Perigo: Alta voltagem
om os dedos envolvidos por uma luva, a agente especial
Danna Scully levantou uma das pálpebras fechadas de Jack
C Hammond, e examinou o olho sem vida. A córnea havia se
transformado em uma membrana esbranquiçada e opaca,
escondendo a pupila. Ela examinou o outro olho.
— Está com catarata nos dois olhos, — disse ela.. E olhando
para Mulder, acrescentou: — Provavelmente induzido pelo calor.
— Provavelmente? — perguntou Fox Mulder, olhando para a
parceira com uma expressão de surpresa.
Mulder voltou-se para apanhar um saquinho plástico que
estava ao seu lado e o apresentou a Scully . Dentro dele havia um
pedaço de carne que mais parecia uma pedra de carvão, queimada
quase ao ponto de não mais poder ser examinada.
Era um coração humano.
— O coração do rapaz foi cozido dentro da cavidade do seu
peito. Provavelmente induzido pelo calor? — Mulder tornou a
perguntar.