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Augusto Nalini Aigner de Paula - 85873 Resenha crítica – Cultura Imaterial “CARELLI, Vincent. Vídeo nas aldeias. ONG – Centro de Trabalho Indigenista, Projeto Vídeo nas aldeias, 1989, 10 mins” Título: O registro da cultura indígena pelos próprios índios descrito no documentário Vídeo nas aldeias O vídeo em questão faz parte de um projeto da ONG Centro de Trabalho Indigenista, chamado “Vídeo nas aldeias” que inicialmente foi um trabalho de gravação e filmagem, coordenado por Vincent Carelli, da cultura nambiquara. O projeto foi ampliado e a ONG passou a receber convites de outros grupos indígenas, para o registro de suas práticas culturais. É nesse contexto que o vídeo resenhado se insere. Gravado em 1989, o documentário que carrega o nome do projeto, “vídeo nas aldeias”, registra o modo como alguns grupos indígenas receberam a presença da equipe da ONG e seu trabalho com câmeras, registrando danças, cantos, práticas cerimoniais etc. Em um segundo momento, o documentário acompanha os diferentes usos que as populações indígenas farão de câmeras e gravadores. Logo, além de falar do trabalho da ONG, o vídeo aborda a própria produção indígena sobre seus costumes e militâncias na política, pela demarcação de terras e denúncias contra os abusos que sofrem. No que se refere ao registro dos costumes, destaco esse como um dos pontos que deve ser observado com muita atenção. Quando uma festa nambiquara é registrada pela ONG e assistida pelos índios, o documentário destaca que a primeira reação foi descontentamento com a “descaraterização do ritual” e a “falta de adornos e pinturas e o excesso de roupas”. Segundo a forma como vídeo é narrado, os nambiquara incomodados com a descaracterização vista, propõem a gravação de uma outra cerimônia, dessa vez com todos os cuidados e preocupações com vestimentas e adornos. Mais do que a preocupação com o que é registrado, os índios se preocupam com as interpretações culturais e políticas que possam ser intuídas por aqueles que não são índios. A cena em que é descrita a retomada da prática de furar o nariz, nos permite discutir a questão, inclusive a fala de um nambiquara a outro mais jovem, explicando que era importante retomar certas práticas para que os de fora acreditem que esse grupo é “índio” e se comporta como tal, por conta de uma série de práticas e costumes. Essa lógica é reforçada pelo líder dessa população, Capitão Cocrenum, que destaca a importância da cultura de seu povo, que há muito já foi descaracterizada, possa ser gravada e filmada para que os mais novos possam ter “gravado na memória” seus costumes. Inclusive, afirma que ver na televisão as filmagens, permite que as pessoas vejam “como se faz”, para que saibam e possam aprender como é a dança, a música etc. Logo, a ideia de transmissão da cultura e sua preservação, parece ser uma das preocupações dos nambiquara, principalmente para que seja reconhecido que aqueles povos são, de fato, índios. Para os caiapós e ticunas, o registro em áudio e vídeo também tem a característica de testemunho de uma realidade, porém, é utilizado também para o trato com políticos e autoridades. Os caiapós, antes mesmo de adotarem o vídeo, utilizavam a gravação de áudio em reuniões e encontros com políticos nas diversas capitais brasileiras, registrando suas

O registro da cultura indígena pelos próprios índios descrito no documentário vídeo nas aldeias

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Augusto Nalini Aigner de Paula - 85873

Resenha crítica – Cultura Imaterial

“CARELLI, Vincent. Vídeo nas aldeias. ONG – Centro de Trabalho Indigenista, Projeto Vídeo

nas aldeias, 1989, 10 mins”

Título: O registro da cultura indígena pelos próprios índios descrito no documentário Vídeo

nas aldeias

O vídeo em questão faz parte de um projeto da ONG Centro de Trabalho Indigenista, chamado

“Vídeo nas aldeias” que inicialmente foi um trabalho de gravação e filmagem, coordenado por

Vincent Carelli, da cultura nambiquara. O projeto foi ampliado e a ONG passou a receber

convites de outros grupos indígenas, para o registro de suas práticas culturais. É nesse

contexto que o vídeo resenhado se insere.

Gravado em 1989, o documentário que carrega o nome do projeto, “vídeo nas aldeias”,

registra o modo como alguns grupos indígenas receberam a presença da equipe da ONG e seu

trabalho com câmeras, registrando danças, cantos, práticas cerimoniais etc. Em um segundo

momento, o documentário acompanha os diferentes usos que as populações indígenas farão

de câmeras e gravadores. Logo, além de falar do trabalho da ONG, o vídeo aborda a própria

produção indígena sobre seus costumes e militâncias na política, pela demarcação de terras e

denúncias contra os abusos que sofrem.

No que se refere ao registro dos costumes, destaco esse como um dos pontos que deve ser

observado com muita atenção. Quando uma festa nambiquara é registrada pela ONG e

assistida pelos índios, o documentário destaca que a primeira reação foi descontentamento

com a “descaraterização do ritual” e a “falta de adornos e pinturas e o excesso de roupas”.

Segundo a forma como vídeo é narrado, os nambiquara incomodados com a descaracterização

vista, propõem a gravação de uma outra cerimônia, dessa vez com todos os cuidados e

preocupações com vestimentas e adornos.

Mais do que a preocupação com o que é registrado, os índios se preocupam com as

interpretações culturais e políticas que possam ser intuídas por aqueles que não são índios. A

cena em que é descrita a retomada da prática de furar o nariz, nos permite discutir a questão,

inclusive a fala de um nambiquara a outro mais jovem, explicando que era importante retomar

certas práticas para que os de fora acreditem que esse grupo é “índio” e se comporta como

tal, por conta de uma série de práticas e costumes. Essa lógica é reforçada pelo líder dessa

população, Capitão Cocrenum, que destaca a importância da cultura de seu povo, que há

muito já foi descaracterizada, possa ser gravada e filmada para que os mais novos possam ter

“gravado na memória” seus costumes. Inclusive, afirma que ver na televisão as filmagens,

permite que as pessoas vejam “como se faz”, para que saibam e possam aprender como é a

dança, a música etc.

Logo, a ideia de transmissão da cultura e sua preservação, parece ser uma das preocupações

dos nambiquara, principalmente para que seja reconhecido que aqueles povos são, de fato,

índios. Para os caiapós e ticunas, o registro em áudio e vídeo também tem a característica de

testemunho de uma realidade, porém, é utilizado também para o trato com políticos e

autoridades. Os caiapós, antes mesmo de adotarem o vídeo, utilizavam a gravação de áudio

em reuniões e encontros com políticos nas diversas capitais brasileiras, registrando suas

promessas e levando-as para aqueles que ficaram nas aldeias. O registro, seja em áudio e

vídeo, configura como uma valiosa ferramenta de negociação.

Mais do que falar sobre o modo como grupos indígenas se relacionam com o registro de seus

costumes e culturas através de áudio e vídeo, o documentário sugere que essa pratica não é só

importante para ONGs e órgão de defesa do patrimônio, mas também para os próprios índios.

O desejo de homens mais velhos como Cocrenum, de passar aos mais novos o que ele entende

por costume e cultura indígena, para que assim sejam reconhecidos pelos que não são índios,

inclusive até a própria ideia de “índio”, como personagem definido e caraterístico, parece ter

sido apropriado por essas populações.