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OS CRITÉRIOS DE EMPREGABILIDADE NA INDÚSTRIA E O PAPEL DO ENSINO MÉDIO NA INSERÇÃO LABORAL DA CLASSE QUE VIVE DO TRABALHO
Resumo
O foco deste artigo é o papel do ensino médio na formação dos trabalhadores, tendo em vista sua inserção no mundo do trabalho. Buscou-se compreender qual o papel do ensino médio, tanto para a seleção quanto para a execução do trabalho. A coleta de dados se deu por meio de estudo de caso realizado em duas empresas que se situam na ponta mais dinâmica da cadeia produtiva no ramo de fabricação veículos automotores de Curitiba e Região Metropolitana. Evidenciou-se que a conclusão do ensino médio realmente favorece a inserção no trabalho, mas outros critérios, dentre os quais se destacam a experiência prévia e a formação técnica em cursos de curta duração vêm assumindo relevância significativa. Há indicativos que após a conclusão da educação básica de caráter geral, a formação inicial do trabalhador em serviço se dá em empresas localizadas em pontos menos dinâmicos da cadeia produtiva, o que os qualifica para os processos seletivos das empresas de ponta. Portanto o ensino médio de educação geral é requisito mediato, e não imediato, para o ingresso nas empresas mais dinâmicas da cadeia, onde é decisiva a experiência; o ensino médio de educação geral, nessas empresas, é ponto de corte nos processos seletivos.
Palavras-chave
Critérios de empregabilidade na indústria, ensino médio, inserção laboral
Introdução
Este texto tem por objetivo refletir sobre a qualidade social do ensino médio a partir
da análise dos critérios de empregabilidade praticados pela indústria em Curitiba e Região
Metropolitana. Toma por base para esta análise, pesquisa realizada no decorrer de 2011
e 2012 em duas empresas da ponta mais dinâmica da cadeia produtiva no setor de
produção de veículos automotivos.
A opção por tomar o ponto de vista da empresa pode, num primeiro momento,
parecer estranha, pois educação é possibilidade de humanização e não preparação
estrita para o mercado. Mas, sob o capitalismo, a inserção no trabalho é condição
necessária para a sobrevivência do trabalhador e, inclusive, contraditoriamente, para que
ele possa alçar níveis mais elevados de compreensão da realidade na qual vive. Para
Frigotto (2002, pg. 15), o trabalho é um direito, pois é por meio dele
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que os indivíduos podem criar, recriar e reproduzir permanentemente sua existência. Impedir o trabalho, mesmo em sua forma capitalista de trabalho alienado, é uma violência contra a possibilidade de produzir minimamente a própria vida e, quando for o caso, a dos filhos.
Para Marx o trabalho assume dupla dimensão, permite ao ser humano produzir sua
vida (reino da necessidade), mas também o leva a transcender a mera necessidade,
produzindo objetos, bens, saberes, que não estão determinados pelo reino da necessidade
e sim, pelo reino da liberdade. Exatamente por esta dupla dimensão – necessidade e
liberdade – trabalho é direito e dever de todos os seres humanos e o não acesso a ele por
uma parte da população é duplamente cruel. Além de comprometer a sobrevivência,
impede a emancipação humana e reduz a vida humana à condição, quase animal, de
apenas “sobreviver”.
Justifica-se, portanto, a importância de refletir em que medida a conclusão do ensino
médio vem contribuindo para a ampliação das possibilidades de uma inserção menos
precarizada no trabalho.
Dados oficiais, analisados Ribeiro e Neder, (2009), Pochmann (2012) indicam que a
ampliação da escolaridade no passado recente não tem conseguido garantir o acesso dos
jovens mais pobres a postos de trabalho menos precarizados. Mas, do ponto de vista do
capital, a conclusão da educação básica por parte do trabalhador é apontada como pré-
requisito para a elevação da produtividade nas indústrias e para o desenvolvimento da
nação num momento histórico em que há alto nível de ciência e tecnologia embutido nos
processos produtivos e a competitividade em nível internacional precisaria ser buscada
pela economia brasileira. (Melo, 2010)
Melo (2010) considera que, apesar do discurso em prol da valorização da educação,
na lógica empresarial, a expectativa em relação à educação básica é o desenvolvimento de
habilidades e competências que favoreçam a rápida aprendizagem do trabalho, posição
que representa, na verdade, a subordinação da formação humana à formação laboral.
Soma-se às análises de Melo, o fato de a produção atual estar organizada em
cadeias produtivas, combinando diversas formas organização do trabalho, desde as mais
“modernas” às mais arcaicas, com o objetivo de garantir a acumulação do capital.
(KUENZER, 2007) Portanto, em cada elo das cadeias produtivas exigem-se qualificações
desiguais e diferenciadas para diferentes tipos de trabalho que, no todo, assegurem a
produtividade e a competitividade. Nesta configuração, a educação oferecida a grupos
diversos também será diferenciada.
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Para os trabalhadores do grupo central, são exigidos níveis cada vez mais elevados de formação científico-tecnológica. Por outro lado, quanto mais precarizado for o posto de trabalho, mais precária será a educação oferecida a estes trabalhadores e, por isso mesmo, estes processos educacionais tendem a não contribuir para o desenvolvimento da consciência de sua situação de exploração. Esta configuração acaba, de maneira ideológica, justificando e empurrando para a educação e para o próprio trabalhador a responsabilidade sobre sua empregabilidade. (SUHR, 2014, p.16)
Os elementos acima descritos nos permitem questionar se os critérios de
empregabilidade praticados pelas indústrias pesquisadas para a linha de produção,
indicam a demanda por operários com maiores níveis de conhecimento científico – dado
ao alto nível de ciência e tecnologia embutida nos processos –, ou apontam a expectativa
de operários que tenham desenvolvido um modo de ser que lhes permite se adaptar
rapidamente à aprendizagem do trabalho na própria prática laboral.
Ensino médio e educação profissional: a história de uma proposta dual de formação
No decorrer da história da educação brasileira o ensino médio expressou, de maneira
mais aguda que os demais níveis, as contradições de um sistema de ensino elitista e
seletivo, expressão de uma sociedade desigual. (CURY, 1998). A categoria que explica a
constituição do ensino médio e da educação profissional em nosso país é a dualidade
estrutural (Kuenzer, 2000), ou seja, a existência de dois percursos formativos, segundo a
origem de classe dos alunos. Ao ensino médio estava reservado o papel de preparar os
filhos da elite para o ingresso no ensino superior, enquanto a educação profissional tinha o
papel de formar os trabalhadores, numa concepção que lhes dificultava a compreensão do
processo produtivo a partir do domínio dos princípios científico-tecnológicos que o regem.
Embora tenham ocorrido tentativas legais de superá-la, dualidade estrutural nunca
foi vencida, até porque, conforme Kuenzer (2000), ela não tem origem no sistema de
ensino e sim na organização da sociedade, e só será realmente vencida com a superação
do capitalismo.
Desde seu surgimento no Brasil, educação profissional e ensino médio seguiram
rumos diferentes, refletindo a divisão entre decisão e execução, destinadas a
direcionados a públicos diversos. Embora a dualidade seja reflexo da sociedade e não da
organização curricular, houve tentativas legais de enfrentá-la, embora sem sucesso. Um
primeiro avanço neste sentido foi a proposição de equivalência entre diversos ramos de
ensino, na lei 4024/61. Em outros momentos os textos legais davam a impressão de
terem suprimido a dualidade estrutural, seja por meio da profissionalização compulsória
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(lei 5692/71) ou da proposição da educação geral como caminho para todos (Lei
9394/96). Mas, os avanços no sentido de superar esta dicotomia sempre foram lentos e
parciais.
Após a LDB 9394/96 a dualidade estrutural voltou a ser explicita, pois seja embora
facultada pelo § 4º do artigo 36, a oferta de cursos integrados de formação profissional ao
ensino médio passou a ser exceção. O Decreto 2.208/97, que regulamentou a educação
profissional, promoveu a separação formal do ensino médio e da educação profissional,
acabando com o ensino integrado e reeditando, em termos da lei, a já histórica dualidade
estrutural, na qual as funções propedêutica e profissional são oferecidas em redes
distintas, dirigidas a públicos diferenciados. A Educação Profissional passou a compor um
sistema à parte, com organização curricular própria, independente do ensino regular,
enquanto o ensino médio retomou legalmente o sentido propedêutico.
Coerente com o posicionamento do Decreto 2.208/97, em 1998 foi editado o Parecer
CEB 15/98 – Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM). Segundo
este Parecer a profissionalização se daria após a conclusão da Educação Básica, que tem
o Ensino Médio como etapa final. O Parecer CEB 15/98 delega a este nível o
desenvolvimento de competências básicas, preparação para a vida cidadã e para todos os
tipos de trabalho, tomando o setor produtivo como referência privilegiada na definição do
currículo. Caberia ao ensino médio, desenvolver os conhecimentos necessários para a vida
em sociedade e para todos os tipos de trabalho, sem ter a habilitação para uma
determinada prática laboral como objetivo.
Vários foram os autores que fizeram duras críticas à eleição do sistema produtivo
como direcionador das DCNEM (Parecer CEB 15/98) e sua organização a partir da noção
de competência, defendendo a posição que o papel da escola é propiciar o acesso ao
conhecimento e ao método por meio do qual se pode ascender a ele. (Kuenzer, 2002). Esta
autora ressalta, porém, que é necessário reconhecer a positividade da proposição –
mesmo que por interesses da produção – de um ensino médio que promova a superação
de uma concepção livresca e academicista, colocando em seu lugar
o desenvolvimento de conhecimentos e habilidades cognitivas e comportamentais que permitam ao cidadão-produtor chegar ao domínio intelectual do técnico e das formas de organização social para ser capaz de criar soluções originais para problemas novos, que exigem criatividade, a partir do domínio do conhecimento. (KUENZER, 2000, p. 35-36)
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Ainda segundo Kuenzer, as novas demandas de formação, advindas da produção,
poderiam trazer mudanças significativas, se fossem asseguradas para todos. Mas, dadas
às condições concretas de vida da população, muitos precisam se inserir no mundo do
trabalho antes da conclusão do ensino médio e nem sequer almejam o ingresso no ensino
superior. Para estes, a profissionalização apenas após a conclusão do ensino médio, ao
invés de ser um avanço, pode representar dificuldades ainda maiores de inserção no
mercado de trabalho em condições menos precarizadas. Soma-se a isso o fato que a
educação profissional cresceu no setor privado, enquanto as matrículas no ensino médio
se concentraram nas redes estaduais de ensino.
A partir de 2003, com a eleição de um presidente com origem num partido de base
popular, voltaram a crescer as expectativas em relação à alteração da legislação
educacional no que tange à separação entre ensino médio e educação profissional,
Embora o governo Lula não tenha alcançado uma ruptura total com o direcionamento
anterior, o Decreto 2.208/97 foi substituído pelo Decreto 5.154/2004, entendido por Garcia
(2008) e Simões (2011) como o consenso possível. Embora ele tenha trazido de volta a
possibilidade da interação entre ensino médio e educação profissional, não revogou as
possibilidades anteriores, o que favoreceu a diversificação de formas de oferta e qualidade.
Mesmo assim, podemos considerar um avanço a incorporação do Decreto 5.154/2004 à
LDB por meio da Lei 11.741, de 2008, que coloca a educação profissional técnica de nível
médio como parte constituinte da educação básica.
Vale ressaltar o ensino médio integrado à educação profissional é compreendido
pelos pesquisadores – Moura (2010), Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005), Simões (2012),
Pacheco (2012) – como estratégia necessária ao atual momento histórico, no qual ainda
não há base material concreta para implantação de uma educação verdadeiramente
politécnica. Embora ele possa conter os germens da politecnia, não se confunde com ela.
Isso porque
uma escola realmente democrática seria aquela que oferecesse uma base unitária e politécnica para todos, a partir da qual cada um pudesse escolher seu caminho profissional, sem as pressões colocadas pela necessidade de inserção laboral imediata para garantir a sobrevivência. (SUHR, 2014, p.75)
A Sinopse Estatística da Educação Básica (2012) indica que as matrículas no ensino
médio se concentram nas redes estaduais (mais de 84% do total), sendo que destas, 35%
são em cursos noturnos. Já no que se refere à Educação Profissional, há uma inversão na
participação das Dependências Administrativas nas matrículas. Quase 57% das matrículas
se localiza na rede privada, contra 31% na rede estadual. Tomando estes dados por
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referência é possível indagar se o ensino médio de formação geral, na escola pública,
finalmente democratizado a um número maior de pessoas, está se tornando a escola
dirigida aos trabalhadores.
E, tendo em vista que a questão da qualidade do ensino médio ainda não está
adequadamente equacionada, é necessário questionar, assim como o faz Kuenzer (2007),
se estaríamos vivenciando uma inversão da dualidade estrutural. Como indicam os dados,
é à educação geral que os trabalhadores têm acesso e, caso esta oferta seja esvaziada,
fragilizada, não permite que os jovens compreendam as bases científicas que
fundamentam o processo produtivo na atualidade. É nesta direção que Kuenzer se refere à
dualidade estrutural invertida: educação geral, fragilizada, para os trabalhadores, e
educação específica, de natureza científico-tecnológica e sócio histórica para os que
executarão o trabalho intelectual.
Como é à educação geral que a maioria dos trabalhadores tem acesso, é pertinente
analisar em que medida este tipo de formação vem contribuindo para a inserção no mundo
do trabalho. Nesta reflexão é preciso levar em conta que o crescimento do emprego na
década de 2000 se deu em postos de baixa remuneração (em torno de 1,5 salário mínimo),
mas, ao mesmo tempo, exigindo maior escolaridade: “quase 85% do total das vagas
abertas destinavam-se a trabalhadores com salário de base com escolaridade equivalente
ao ensino médio”. (POCHMANN, 2012, p. 36)
Portanto, a conclusão do ensino médio é primordial para a inserção no trabalho,
mesmo que em postos mais simples. Mas, será ele um critério de seleção e contratação
nas indústrias, setor da economia que tradicionalmente gera postos de trabalho menos
precartizados?
Critérios de empregabilidade na indústria e o papel do ensino médio
A pesquisa realizada, tomando por referência o materialismo histórico, se utilizou do
estudo de caso. A coleta de dados ocorreu por meio de entrevistas semiestruturadas em
duas empresas de grande porte, do setor de fabricação de veículos automotores, de
Curitiba e Região Metropolitana. Os sujeitos da pesquisa foram os operários da linha de
produção, assim como também os gestores de Recursos Humanos destas duas
empresas.
Observou-se que todos os trabalhadores da linha de produção entrevistados são do
sexo masculino e no que se refere à faixa etária, há uma ligeira predominância dos que
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estão entre 26 e 30 anos (39,13%), sendo a menor quantidade a dos que estão na faixa de
até 25 anos (8,7%). A imensa maioria dos respondentes cursou o ensino médio em escola
pública estadual, no turno da noite (91% dos entrevistados) e 87% deles já trabalhava no
período em que fez seus estudos de nível médio.
Além dos operários foram entrevistados os gestores de recursos humanos, que,
embora também sejam trabalhadores, foram considerados, para fins da pesquisa, como
expressando em seu discurso, maior aproximação da posição das empresas, ou seja, do
capital.
Apesar de reconhecerem a diversidade exigências das diversas empresas, os dois
grupos (operários e gestores) são unânimes em afirmar que a conclusão do ensino médio
se tornou exigência mínima para participação nos processos de seleção e contratação em
Curitiba e região.
A conclusão do ensino médio é, portanto, relevante para a inserção no trabalho,
configurando-se como um critério de empregabilidade. Mas, para o trabalho na linha de
produção, tal exigência não se põe devido à complexidade do trabalho realizado, que foi
descrito como simples e mecânico, não demandando de conhecimentos científicos ou
tecnológicos.
Para as empresas, a exigência de conclusão do ensino médio tem o intuito de captar
pessoas que dominem a escrita, a leitura e os cálculos básicos e tenham determinado perfil
comportamental. Além disso, este critério contribui para limitar a quantidade de candidatos
e, com isso, minimizar os custos dos processos seletivos (SUHR, 2014, p. 160).
Segundo a percepção unânime dos entrevistados, passado este primeiro funil, serão
outros os critérios definidores da contratação. São citados como elementos de peso no
decorrer do processo de seleção, a experiência, a posse de cursos profissionais de curta
duração na área de atuação e o perfil comportamental.
A posse de cursos profissionalizantes de curta duração é indicada como favorecedora
de uma rápida aprendizagem dos aspectos técnicos do trabalho durante o treinamento
inicial nas empresas. Mesmo assim, não é considerada pelos entrevistados como um
critério central e sim, acessório, que contribui, mas não define a contratação. Consideram
que a experiência prévia pode substituir com vantagens a posse deste tipo de curso.
No que se refere ao perfil comportamental, considerado quesito importante para a
contratação, são citadas expressões como “flexibilidade, adaptabilidade, proatividade,
polivalência, demonstrando proximidade das expectativas típicas dos modelos de produção
e gerenciamento do período pós-taylorista”. (SUHR, 2014, p.162)
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Nas empresas pesquisadas, embora o trabalho na linha de produção seja simples e
mecânico, aproximando-se do que era exigido pelo taylorismo-fordismo, ele convive com
princípios da gestão do trabalho advindos da produção flexível. São exemplos desta forma
de gestão a organização em equipes, a polivalência, a responsabilização dos operários
pelo controle de seu próprio trabalho, implicando em maior adesão à filosofia da empresa.
Importa citar que, embora os operários precisem se responsabilizar por mais tarefas
(polivalência) e pelo controle de seu próprio trabalho, isso não significa que lhes sejam
outorgados níveis crescentes de conhecimento ou autonomia.
A experiência é apontada como sendo “o” diferencial para a contratação, pois ela
seria potencializadora do conhecimento técnico necessário para a execução do trabalho e,
principalmente, do disciplinamento esperado. De certa forma, ela incorpora até mesmo o
critério “posse de cursos profissionais de curta duração na área de atuação”, pois, segundo
os entrevistados, nas funções ligadas à produção, a aprendizagem em serviço pode
tranquilamente substituir aquela desenvolvida em cursos.
A valorização da experiência demonstra que o conhecimento tácito não perdeu
relevância na produção flexível, embora tenda a exigir maior relação com o conhecimento
científico, que é adquirido por meio da escolarização formal. (Kuenzer, A; Abreu, C;
Gomes, C. 2007)
Além de demonstrar a valorização do conhecimento tácito, a ênfase na experiência
também é citada como desenvolvedora de certo modo de ser, que se adapte ao ritmo e à
organização do trabalho na linha de produção. Isto indica que a dimensão subjetiva vem
assumindo um papel destacado, podendo ser até mais importante do que a qualificação
prévia do trabalhador. Segundo os entrevistados, o trabalho na linha de produção é
simples, facilmente aprendido “em serviço” e por meio de rápidos treinamentos iniciais na
própria empresa. E para desenvolver a competência esperada pelas empresas, a
predisposição para aprender e se adaptar é mais importante do que o conhecimento
técnico prévio.
Segundo os dados coletados, é nas empresas da ponta menos dinâmica da cadeia
produtiva, em postos mais precarizados, que o trabalhador “desenvolve a experiência
necessária para pleitear vagas nas empresas de ponta da cadeia produtiva”. (SUHR, 2014,
p.160). Nas empresas de menor porte, embora a experiência não seja exigida, a conclusão
do ensino médio é quesito necessário.
Ao que indica a pesquisa realizada, as empresas menos dinâmicas preparam os
profissionais para as mais dinâmicas. “A formação inicial do trabalhador em serviço se dá
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em empresas localizadas em pontos menos dinâmicos da cadeia produtiva, o que os
qualifica para os processos seletivos das empresas de ponta” (SUHR, 2014, p. 161). Como
mesmo estas exigem a conclusão do ensino médio, podemos afirmar que ele é um
requisito mediato, e não mediato, para o ingresso nas empresas mais dinâmicas,
consideradas como as que oferecem condições melhores de trabalho.
À guisa de conclusão
Com base na pesquisa realizada podemos apontar que a conclusão do ensino médio
favorece, indiretamente, a inserção do trabalhador em postos menos precários. Ele é o elo
inicial de uma cadeia de qualificação profissional, que articula educação geral, formação
profissional e experiência. Quanto mais se articulam as dimensões educação geral,
formação profissional e experiência, e em níveis mais complexos, maiores as
possibilidades de ingresso nas empresas mais dinâmicas da cadeia produtiva.
O ensino médio é exigido inclusive pelas empresas de menor porte que integram a
cadeia produtiva, nas quais o trabalhador se qualifica – desenvolve a competência técnica
e a subjetividade, a partir da experiência. Esta experiência lhe permite pleitear vagas nas
empresas mais dinâmicas da cadeia produtiva.
A valorização da experiência pelas empresas da ponta mais dinâmica da cadeia
produtiva indica, além da existência da cadeia de formação à qual nos referimos acima, a
importância do conhecimento tácito para o trabalho na linha de produção. Reforça,
portanto, a construção teórica de Kuenzer, segundo qual a atual organização da produção
conta tanto com trabalhos altamente sofisticados quanto com outros bastante simples,
sempre com o intuito de manter elevado o nível de produtividade e lucro.
Nas empresas pesquisadas, no nível da linha de produção, o conhecimento tácito
orienta a ação dos trabalhadores e é valorizado pelos gestores. Por outro lado, conforme
Kuenzer, A; Abreu, C; Gomes, C. (2007), embora não haja supressão deste tipo de
conhecimento na base microeletrônica, o conhecimento tácito exige maior relação com o
conhecimento científico, adquirido na escola. As referências dos entrevistados ao papel da
escola no que eles denominam “abrir a cabeça” pode indicar que as empresas têm a
expectativa de contar com profissionais que tenham maior capacidade de desenvolver um
conhecimento tácito nestas novas bases.
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Mas, os autores acima citados consideram que uma formação genérica, esvaziada do
acesso ao conhecimento científico, dificulta o desenvolvimento deste novo tipo de
conhecimento tácito. Isso nos remete à importância de oferecer aos trabalhadores o
acesso, a permanência e a conclusão de um ensino médio que garanta a apropriação do
conhecimento científico, bem como do método para ascender a ele. Esta apropriação
permitirá ao estudante a compreensão do processo produtivo a partir do domínio dos
princípios científico-tecnológicos que o regem e, portanto, favorecerá o desenvolvimento de
um conhecimento tácito de maior qualidade.
Mesmo sabendo que não é unicamente na escola que se viabilizará a superação da
exploração e da exclusão inerentes ao capitalismo, reveste-se de positividade, portanto, o
movimento em prol da constituição de um ensino médio que tenha por base a politecnia,
compreendida como o “domínio dos fundamentos científicos das diferentes técnicas de
caracterizam o processo de trabalho moderno” (Saviani, 2003, p. 140). Um currículo que
busque a superação da dicotomia entre execução e planejamento favoreceria a superação
da histórica dualidade estrutural presente em nosso sistema de ensino e, poderia, nos
espaços de contradição, impactar, em algumas dimensões, a organização social.
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