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1 OS CRITÉRIOS DE EMPREGABILIDADE NA INDÚSTRIA E O PAPEL DO ENSINO MÉDIO NA INSERÇÃO LABORAL DA CLASSE QUE VIVE DO TRABALHO Resumo O foco deste artigo é o papel do ensino médio na formação dos trabalhadores, tendo em vista sua inserção no mundo do trabalho. Buscou-se compreender qual o papel do ensino médio, tanto para a seleção quanto para a execução do trabalho. A coleta de dados se deu por meio de estudo de caso realizado em duas empresas que se situam na ponta mais dinâmica da cadeia produtiva no ramo de fabricação veículos automotores de Curitiba e Região Metropolitana. Evidenciou-se que a conclusão do ensino médio realmente favorece a inserção no trabalho, mas outros critérios, dentre os quais se destacam a experiência prévia e a formação técnica em cursos de curta duração vêm assumindo relevância significativa. Há indicativos que após a conclusão da educação básica de caráter geral, a formação inicial do trabalhador em serviço se dá em empresas localizadas em pontos menos dinâmicos da cadeia produtiva, o que os qualifica para os processos seletivos das empresas de ponta. Portanto o ensino médio de educação geral é requisito mediato, e não imediato, para o ingresso nas empresas mais dinâmicas da cadeia, onde é decisiva a experiência; o ensino médio de educação geral, nessas empresas, é ponto de corte nos processos seletivos. Palavras-chave Critérios de empregabilidade na indústria, ensino médio, inserção laboral Introdução Este texto tem por objetivo refletir sobre a qualidade social do ensino médio a partir da análise dos critérios de

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OS CRITÉRIOS DE EMPREGABILIDADE NA INDÚSTRIA E O PAPEL DO ENSINO MÉDIO NA INSERÇÃO LABORAL DA CLASSE QUE VIVE DO TRABALHO

Resumo

O foco deste artigo é o papel do ensino médio na formação dos trabalhadores, tendo em vista sua inserção no mundo do trabalho. Buscou-se compreender qual o papel do ensino médio, tanto para a seleção quanto para a execução do trabalho. A coleta de dados se deu por meio de estudo de caso realizado em duas empresas que se situam na ponta mais dinâmica da cadeia produtiva no ramo de fabricação veículos automotores de Curitiba e Região Metropolitana. Evidenciou-se que a conclusão do ensino médio realmente favorece a inserção no trabalho, mas outros critérios, dentre os quais se destacam a experiência prévia e a formação técnica em cursos de curta duração vêm assumindo relevância significativa. Há indicativos que após a conclusão da educação básica de caráter geral, a formação inicial do trabalhador em serviço se dá em empresas localizadas em pontos menos dinâmicos da cadeia produtiva, o que os qualifica para os processos seletivos das empresas de ponta. Portanto o ensino médio de educação geral é requisito mediato, e não imediato, para o ingresso nas empresas mais dinâmicas da cadeia, onde é decisiva a experiência; o ensino médio de educação geral, nessas empresas, é ponto de corte nos processos seletivos.

Palavras-chave

Critérios de empregabilidade na indústria, ensino médio, inserção laboral

Introdução

Este texto tem por objetivo refletir sobre a qualidade social do ensino médio a partir

da análise dos critérios de empregabilidade praticados pela indústria em Curitiba e Região

Metropolitana. Toma por base para esta análise, pesquisa realizada no decorrer de 2011

e 2012 em duas empresas da ponta mais dinâmica da cadeia produtiva no setor de

produção de veículos automotivos.

A opção por tomar o ponto de vista da empresa pode, num primeiro momento,

parecer estranha, pois educação é possibilidade de humanização e não preparação

estrita para o mercado. Mas, sob o capitalismo, a inserção no trabalho é condição

necessária para a sobrevivência do trabalhador e, inclusive, contraditoriamente, para que

ele possa alçar níveis mais elevados de compreensão da realidade na qual vive. Para

Frigotto (2002, pg. 15), o trabalho é um direito, pois é por meio dele

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que os indivíduos podem criar, recriar e reproduzir permanentemente sua existência. Impedir o trabalho, mesmo em sua forma capitalista de trabalho alienado, é uma violência contra a possibilidade de produzir minimamente a própria vida e, quando for o caso, a dos filhos.

Para Marx o trabalho assume dupla dimensão, permite ao ser humano produzir sua

vida (reino da necessidade), mas também o leva a transcender a mera necessidade,

produzindo objetos, bens, saberes, que não estão determinados pelo reino da necessidade

e sim, pelo reino da liberdade. Exatamente por esta dupla dimensão – necessidade e

liberdade – trabalho é direito e dever de todos os seres humanos e o não acesso a ele por

uma parte da população é duplamente cruel. Além de comprometer a sobrevivência,

impede a emancipação humana e reduz a vida humana à condição, quase animal, de

apenas “sobreviver”.

Justifica-se, portanto, a importância de refletir em que medida a conclusão do ensino

médio vem contribuindo para a ampliação das possibilidades de uma inserção menos

precarizada no trabalho.

Dados oficiais, analisados Ribeiro e Neder, (2009), Pochmann (2012) indicam que a

ampliação da escolaridade no passado recente não tem conseguido garantir o acesso dos

jovens mais pobres a postos de trabalho menos precarizados. Mas, do ponto de vista do

capital, a conclusão da educação básica por parte do trabalhador é apontada como pré-

requisito para a elevação da produtividade nas indústrias e para o desenvolvimento da

nação num momento histórico em que há alto nível de ciência e tecnologia embutido nos

processos produtivos e a competitividade em nível internacional precisaria ser buscada

pela economia brasileira. (Melo, 2010)

Melo (2010) considera que, apesar do discurso em prol da valorização da educação,

na lógica empresarial, a expectativa em relação à educação básica é o desenvolvimento de

habilidades e competências que favoreçam a rápida aprendizagem do trabalho, posição

que representa, na verdade, a subordinação da formação humana à formação laboral.

Soma-se às análises de Melo, o fato de a produção atual estar organizada em

cadeias produtivas, combinando diversas formas organização do trabalho, desde as mais

“modernas” às mais arcaicas, com o objetivo de garantir a acumulação do capital.

(KUENZER, 2007) Portanto, em cada elo das cadeias produtivas exigem-se qualificações

desiguais e diferenciadas para diferentes tipos de trabalho que, no todo, assegurem a

produtividade e a competitividade. Nesta configuração, a educação oferecida a grupos

diversos também será diferenciada.

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Para os trabalhadores do grupo central, são exigidos níveis cada vez mais elevados de formação científico-tecnológica. Por outro lado, quanto mais precarizado for o posto de trabalho, mais precária será a educação oferecida a estes trabalhadores e, por isso mesmo, estes processos educacionais tendem a não contribuir para o desenvolvimento da consciência de sua situação de exploração. Esta configuração acaba, de maneira ideológica, justificando e empurrando para a educação e para o próprio trabalhador a responsabilidade sobre sua empregabilidade. (SUHR, 2014, p.16)

Os elementos acima descritos nos permitem questionar se os critérios de

empregabilidade praticados pelas indústrias pesquisadas para a linha de produção,

indicam a demanda por operários com maiores níveis de conhecimento científico – dado

ao alto nível de ciência e tecnologia embutida nos processos –, ou apontam a expectativa

de operários que tenham desenvolvido um modo de ser que lhes permite se adaptar

rapidamente à aprendizagem do trabalho na própria prática laboral.

Ensino médio e educação profissional: a história de uma proposta dual de formação

No decorrer da história da educação brasileira o ensino médio expressou, de maneira

mais aguda que os demais níveis, as contradições de um sistema de ensino elitista e

seletivo, expressão de uma sociedade desigual. (CURY, 1998). A categoria que explica a

constituição do ensino médio e da educação profissional em nosso país é a dualidade

estrutural (Kuenzer, 2000), ou seja, a existência de dois percursos formativos, segundo a

origem de classe dos alunos. Ao ensino médio estava reservado o papel de preparar os

filhos da elite para o ingresso no ensino superior, enquanto a educação profissional tinha o

papel de formar os trabalhadores, numa concepção que lhes dificultava a compreensão do

processo produtivo a partir do domínio dos princípios científico-tecnológicos que o regem.

Embora tenham ocorrido tentativas legais de superá-la, dualidade estrutural nunca

foi vencida, até porque, conforme Kuenzer (2000), ela não tem origem no sistema de

ensino e sim na organização da sociedade, e só será realmente vencida com a superação

do capitalismo.

Desde seu surgimento no Brasil, educação profissional e ensino médio seguiram

rumos diferentes, refletindo a divisão entre decisão e execução, destinadas a

direcionados a públicos diversos. Embora a dualidade seja reflexo da sociedade e não da

organização curricular, houve tentativas legais de enfrentá-la, embora sem sucesso. Um

primeiro avanço neste sentido foi a proposição de equivalência entre diversos ramos de

ensino, na lei 4024/61. Em outros momentos os textos legais davam a impressão de

terem suprimido a dualidade estrutural, seja por meio da profissionalização compulsória

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(lei 5692/71) ou da proposição da educação geral como caminho para todos (Lei

9394/96). Mas, os avanços no sentido de superar esta dicotomia sempre foram lentos e

parciais.

Após a LDB 9394/96 a dualidade estrutural voltou a ser explicita, pois seja embora

facultada pelo § 4º do artigo 36, a oferta de cursos integrados de formação profissional ao

ensino médio passou a ser exceção. O Decreto 2.208/97, que regulamentou a educação

profissional, promoveu a separação formal do ensino médio e da educação profissional,

acabando com o ensino integrado e reeditando, em termos da lei, a já histórica dualidade

estrutural, na qual as funções propedêutica e profissional são oferecidas em redes

distintas, dirigidas a públicos diferenciados. A Educação Profissional passou a compor um

sistema à parte, com organização curricular própria, independente do ensino regular,

enquanto o ensino médio retomou legalmente o sentido propedêutico.

Coerente com o posicionamento do Decreto 2.208/97, em 1998 foi editado o Parecer

CEB 15/98 – Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM). Segundo

este Parecer a profissionalização se daria após a conclusão da Educação Básica, que tem

o Ensino Médio como etapa final. O Parecer CEB 15/98 delega a este nível o

desenvolvimento de competências básicas, preparação para a vida cidadã e para todos os

tipos de trabalho, tomando o setor produtivo como referência privilegiada na definição do

currículo. Caberia ao ensino médio, desenvolver os conhecimentos necessários para a vida

em sociedade e para todos os tipos de trabalho, sem ter a habilitação para uma

determinada prática laboral como objetivo.

Vários foram os autores que fizeram duras críticas à eleição do sistema produtivo

como direcionador das DCNEM (Parecer CEB 15/98) e sua organização a partir da noção

de competência, defendendo a posição que o papel da escola é propiciar o acesso ao

conhecimento e ao método por meio do qual se pode ascender a ele. (Kuenzer, 2002). Esta

autora ressalta, porém, que é necessário reconhecer a positividade da proposição –

mesmo que por interesses da produção – de um ensino médio que promova a superação

de uma concepção livresca e academicista, colocando em seu lugar

o desenvolvimento de conhecimentos e habilidades cognitivas e comportamentais que permitam ao cidadão-produtor chegar ao domínio intelectual do técnico e das formas de organização social para ser capaz de criar soluções originais para problemas novos, que exigem criatividade, a partir do domínio do conhecimento. (KUENZER, 2000, p. 35-36)

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Ainda segundo Kuenzer, as novas demandas de formação, advindas da produção,

poderiam trazer mudanças significativas, se fossem asseguradas para todos. Mas, dadas

às condições concretas de vida da população, muitos precisam se inserir no mundo do

trabalho antes da conclusão do ensino médio e nem sequer almejam o ingresso no ensino

superior. Para estes, a profissionalização apenas após a conclusão do ensino médio, ao

invés de ser um avanço, pode representar dificuldades ainda maiores de inserção no

mercado de trabalho em condições menos precarizadas. Soma-se a isso o fato que a

educação profissional cresceu no setor privado, enquanto as matrículas no ensino médio

se concentraram nas redes estaduais de ensino.

A partir de 2003, com a eleição de um presidente com origem num partido de base

popular, voltaram a crescer as expectativas em relação à alteração da legislação

educacional no que tange à separação entre ensino médio e educação profissional,

Embora o governo Lula não tenha alcançado uma ruptura total com o direcionamento

anterior, o Decreto 2.208/97 foi substituído pelo Decreto 5.154/2004, entendido por Garcia

(2008) e Simões (2011) como o consenso possível. Embora ele tenha trazido de volta a

possibilidade da interação entre ensino médio e educação profissional, não revogou as

possibilidades anteriores, o que favoreceu a diversificação de formas de oferta e qualidade.

Mesmo assim, podemos considerar um avanço a incorporação do Decreto 5.154/2004 à

LDB por meio da Lei 11.741, de 2008, que coloca a educação profissional técnica de nível

médio como parte constituinte da educação básica.

Vale ressaltar o ensino médio integrado à educação profissional é compreendido

pelos pesquisadores – Moura (2010), Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005), Simões (2012),

Pacheco (2012) – como estratégia necessária ao atual momento histórico, no qual ainda

não há base material concreta para implantação de uma educação verdadeiramente

politécnica. Embora ele possa conter os germens da politecnia, não se confunde com ela.

Isso porque

uma escola realmente democrática seria aquela que oferecesse uma base unitária e politécnica para todos, a partir da qual cada um pudesse escolher seu caminho profissional, sem as pressões colocadas pela necessidade de inserção laboral imediata para garantir a sobrevivência. (SUHR, 2014, p.75)

A Sinopse Estatística da Educação Básica (2012) indica que as matrículas no ensino

médio se concentram nas redes estaduais (mais de 84% do total), sendo que destas, 35%

são em cursos noturnos. Já no que se refere à Educação Profissional, há uma inversão na

participação das Dependências Administrativas nas matrículas. Quase 57% das matrículas

se localiza na rede privada, contra 31% na rede estadual. Tomando estes dados por

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referência é possível indagar se o ensino médio de formação geral, na escola pública,

finalmente democratizado a um número maior de pessoas, está se tornando a escola

dirigida aos trabalhadores.

E, tendo em vista que a questão da qualidade do ensino médio ainda não está

adequadamente equacionada, é necessário questionar, assim como o faz Kuenzer (2007),

se estaríamos vivenciando uma inversão da dualidade estrutural. Como indicam os dados,

é à educação geral que os trabalhadores têm acesso e, caso esta oferta seja esvaziada,

fragilizada, não permite que os jovens compreendam as bases científicas que

fundamentam o processo produtivo na atualidade. É nesta direção que Kuenzer se refere à

dualidade estrutural invertida: educação geral, fragilizada, para os trabalhadores, e

educação específica, de natureza científico-tecnológica e sócio histórica para os que

executarão o trabalho intelectual.

Como é à educação geral que a maioria dos trabalhadores tem acesso, é pertinente

analisar em que medida este tipo de formação vem contribuindo para a inserção no mundo

do trabalho. Nesta reflexão é preciso levar em conta que o crescimento do emprego na

década de 2000 se deu em postos de baixa remuneração (em torno de 1,5 salário mínimo),

mas, ao mesmo tempo, exigindo maior escolaridade: “quase 85% do total das vagas

abertas destinavam-se a trabalhadores com salário de base com escolaridade equivalente

ao ensino médio”. (POCHMANN, 2012, p. 36)

Portanto, a conclusão do ensino médio é primordial para a inserção no trabalho,

mesmo que em postos mais simples. Mas, será ele um critério de seleção e contratação

nas indústrias, setor da economia que tradicionalmente gera postos de trabalho menos

precartizados?

Critérios de empregabilidade na indústria e o papel do ensino médio

A pesquisa realizada, tomando por referência o materialismo histórico, se utilizou do

estudo de caso. A coleta de dados ocorreu por meio de entrevistas semiestruturadas em

duas empresas de grande porte, do setor de fabricação de veículos automotores, de

Curitiba e Região Metropolitana. Os sujeitos da pesquisa foram os operários da linha de

produção, assim como também os gestores de Recursos Humanos destas duas

empresas.

Observou-se que todos os trabalhadores da linha de produção entrevistados são do

sexo masculino e no que se refere à faixa etária, há uma ligeira predominância dos que

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estão entre 26 e 30 anos (39,13%), sendo a menor quantidade a dos que estão na faixa de

até 25 anos (8,7%). A imensa maioria dos respondentes cursou o ensino médio em escola

pública estadual, no turno da noite (91% dos entrevistados) e 87% deles já trabalhava no

período em que fez seus estudos de nível médio.

Além dos operários foram entrevistados os gestores de recursos humanos, que,

embora também sejam trabalhadores, foram considerados, para fins da pesquisa, como

expressando em seu discurso, maior aproximação da posição das empresas, ou seja, do

capital.

Apesar de reconhecerem a diversidade exigências das diversas empresas, os dois

grupos (operários e gestores) são unânimes em afirmar que a conclusão do ensino médio

se tornou exigência mínima para participação nos processos de seleção e contratação em

Curitiba e região.

A conclusão do ensino médio é, portanto, relevante para a inserção no trabalho,

configurando-se como um critério de empregabilidade. Mas, para o trabalho na linha de

produção, tal exigência não se põe devido à complexidade do trabalho realizado, que foi

descrito como simples e mecânico, não demandando de conhecimentos científicos ou

tecnológicos.

Para as empresas, a exigência de conclusão do ensino médio tem o intuito de captar

pessoas que dominem a escrita, a leitura e os cálculos básicos e tenham determinado perfil

comportamental. Além disso, este critério contribui para limitar a quantidade de candidatos

e, com isso, minimizar os custos dos processos seletivos (SUHR, 2014, p. 160).

Segundo a percepção unânime dos entrevistados, passado este primeiro funil, serão

outros os critérios definidores da contratação. São citados como elementos de peso no

decorrer do processo de seleção, a experiência, a posse de cursos profissionais de curta

duração na área de atuação e o perfil comportamental.

A posse de cursos profissionalizantes de curta duração é indicada como favorecedora

de uma rápida aprendizagem dos aspectos técnicos do trabalho durante o treinamento

inicial nas empresas. Mesmo assim, não é considerada pelos entrevistados como um

critério central e sim, acessório, que contribui, mas não define a contratação. Consideram

que a experiência prévia pode substituir com vantagens a posse deste tipo de curso.

No que se refere ao perfil comportamental, considerado quesito importante para a

contratação, são citadas expressões como “flexibilidade, adaptabilidade, proatividade,

polivalência, demonstrando proximidade das expectativas típicas dos modelos de produção

e gerenciamento do período pós-taylorista”. (SUHR, 2014, p.162)

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Nas empresas pesquisadas, embora o trabalho na linha de produção seja simples e

mecânico, aproximando-se do que era exigido pelo taylorismo-fordismo, ele convive com

princípios da gestão do trabalho advindos da produção flexível. São exemplos desta forma

de gestão a organização em equipes, a polivalência, a responsabilização dos operários

pelo controle de seu próprio trabalho, implicando em maior adesão à filosofia da empresa.

Importa citar que, embora os operários precisem se responsabilizar por mais tarefas

(polivalência) e pelo controle de seu próprio trabalho, isso não significa que lhes sejam

outorgados níveis crescentes de conhecimento ou autonomia.

A experiência é apontada como sendo “o” diferencial para a contratação, pois ela

seria potencializadora do conhecimento técnico necessário para a execução do trabalho e,

principalmente, do disciplinamento esperado. De certa forma, ela incorpora até mesmo o

critério “posse de cursos profissionais de curta duração na área de atuação”, pois, segundo

os entrevistados, nas funções ligadas à produção, a aprendizagem em serviço pode

tranquilamente substituir aquela desenvolvida em cursos.

A valorização da experiência demonstra que o conhecimento tácito não perdeu

relevância na produção flexível, embora tenda a exigir maior relação com o conhecimento

científico, que é adquirido por meio da escolarização formal. (Kuenzer, A; Abreu, C;

Gomes, C. 2007)

Além de demonstrar a valorização do conhecimento tácito, a ênfase na experiência

também é citada como desenvolvedora de certo modo de ser, que se adapte ao ritmo e à

organização do trabalho na linha de produção. Isto indica que a dimensão subjetiva vem

assumindo um papel destacado, podendo ser até mais importante do que a qualificação

prévia do trabalhador. Segundo os entrevistados, o trabalho na linha de produção é

simples, facilmente aprendido “em serviço” e por meio de rápidos treinamentos iniciais na

própria empresa. E para desenvolver a competência esperada pelas empresas, a

predisposição para aprender e se adaptar é mais importante do que o conhecimento

técnico prévio.

Segundo os dados coletados, é nas empresas da ponta menos dinâmica da cadeia

produtiva, em postos mais precarizados, que o trabalhador “desenvolve a experiência

necessária para pleitear vagas nas empresas de ponta da cadeia produtiva”. (SUHR, 2014,

p.160). Nas empresas de menor porte, embora a experiência não seja exigida, a conclusão

do ensino médio é quesito necessário.

Ao que indica a pesquisa realizada, as empresas menos dinâmicas preparam os

profissionais para as mais dinâmicas. “A formação inicial do trabalhador em serviço se dá

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em empresas localizadas em pontos menos dinâmicos da cadeia produtiva, o que os

qualifica para os processos seletivos das empresas de ponta” (SUHR, 2014, p. 161). Como

mesmo estas exigem a conclusão do ensino médio, podemos afirmar que ele é um

requisito mediato, e não mediato, para o ingresso nas empresas mais dinâmicas,

consideradas como as que oferecem condições melhores de trabalho.

À guisa de conclusão

Com base na pesquisa realizada podemos apontar que a conclusão do ensino médio

favorece, indiretamente, a inserção do trabalhador em postos menos precários. Ele é o elo

inicial de uma cadeia de qualificação profissional, que articula educação geral, formação

profissional e experiência. Quanto mais se articulam as dimensões educação geral,

formação profissional e experiência, e em níveis mais complexos, maiores as

possibilidades de ingresso nas empresas mais dinâmicas da cadeia produtiva.

O ensino médio é exigido inclusive pelas empresas de menor porte que integram a

cadeia produtiva, nas quais o trabalhador se qualifica – desenvolve a competência técnica

e a subjetividade, a partir da experiência. Esta experiência lhe permite pleitear vagas nas

empresas mais dinâmicas da cadeia produtiva.

A valorização da experiência pelas empresas da ponta mais dinâmica da cadeia

produtiva indica, além da existência da cadeia de formação à qual nos referimos acima, a

importância do conhecimento tácito para o trabalho na linha de produção. Reforça,

portanto, a construção teórica de Kuenzer, segundo qual a atual organização da produção

conta tanto com trabalhos altamente sofisticados quanto com outros bastante simples,

sempre com o intuito de manter elevado o nível de produtividade e lucro.

Nas empresas pesquisadas, no nível da linha de produção, o conhecimento tácito

orienta a ação dos trabalhadores e é valorizado pelos gestores. Por outro lado, conforme

Kuenzer, A; Abreu, C; Gomes, C. (2007), embora não haja supressão deste tipo de

conhecimento na base microeletrônica, o conhecimento tácito exige maior relação com o

conhecimento científico, adquirido na escola. As referências dos entrevistados ao papel da

escola no que eles denominam “abrir a cabeça” pode indicar que as empresas têm a

expectativa de contar com profissionais que tenham maior capacidade de desenvolver um

conhecimento tácito nestas novas bases.

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Mas, os autores acima citados consideram que uma formação genérica, esvaziada do

acesso ao conhecimento científico, dificulta o desenvolvimento deste novo tipo de

conhecimento tácito. Isso nos remete à importância de oferecer aos trabalhadores o

acesso, a permanência e a conclusão de um ensino médio que garanta a apropriação do

conhecimento científico, bem como do método para ascender a ele. Esta apropriação

permitirá ao estudante a compreensão do processo produtivo a partir do domínio dos

princípios científico-tecnológicos que o regem e, portanto, favorecerá o desenvolvimento de

um conhecimento tácito de maior qualidade.

Mesmo sabendo que não é unicamente na escola que se viabilizará a superação da

exploração e da exclusão inerentes ao capitalismo, reveste-se de positividade, portanto, o

movimento em prol da constituição de um ensino médio que tenha por base a politecnia,

compreendida como o “domínio dos fundamentos científicos das diferentes técnicas de

caracterizam o processo de trabalho moderno” (Saviani, 2003, p. 140). Um currículo que

busque a superação da dicotomia entre execução e planejamento favoreceria a superação

da histórica dualidade estrutural presente em nosso sistema de ensino e, poderia, nos

espaços de contradição, impactar, em algumas dimensões, a organização social.

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